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M AT E M Á T I C A

Resolução de problemas: uma abordagem significativa de ensino na área de matemática Carolina Riego Lavorente O papel do professor que ensina Matemática precisa ser redimensionado, já que a aprendizagem significativa só será possível quando o professor oferecer meios para que o estudante se aproprie efetivamente dos conteúdos e conceitos envolvidos, proporcionando momentos de reflexão e de construção do saber

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papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem tem sido redefinido na história da Didática da Matemática, uma vez que este, atualmente, é concebido como o agente da construção de seu conhecimento, que se dá num contexto de resolução de problemas em que são estabelecidas conexões entre o conhecimento prévio do estudante e o novo saber. Essa concepção de aluno vem ao encontro das ideias estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, já que “o significado da atividade matemática para o aluno também resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele percebe entre os diferentes temas matemáticos”. (PCNs Matemática,1997, p. 29). Nesse contexto, o papel do professor que ensina Matemática também precisa ser redimensionado, já que a aprendizagem significativa só será possível quando o professor oferecer meios para que o estudante se aproprie efetivamente dos conteúdos e conceitos envolvidos, proporcionando momentos de reflexão e de construção do saber ao ofertar oportunidades para pensar e discutir o processo. Entretanto, o que se tem visto de fato no ensino básico de Matemática são práticas apoiadas em diferentes teorias de aprendizagem, inclusive naquelas em que se pratica a memorização de regras sem que exista a sua real compreensão, em que existe a rotineira soli-

citação de resolução de problemas que trazem palavras que induzem o aluno, corroborando com uma atitude de condicionamento de suas ações, num contexto em que prevalece tão-somente a função formal das noções, dos processos matemáticos e do rigor excessivo da linguagem, formando alunos que são capazes de operar com símbolos de forma mecânica, mas não atribuem significado às noções, à linguagem e aos processos. O que se observa então é a formação de alunos que não conferem significados aos conceitos matemáticos, sendo, portanto, incapazes de reconhecer o uso dessa Matemática escolar fora da escola, por não estabelecerem relações entre essa Matemática e a Matemática cotidiana prática. Fato é que a análise de exames dessas práticas que são pautadas apenas na utilização de exercícios repetitivos, onde prevalecem as técnicas operatórias, tem revelado resultados insatisfatórios de aprendizagem. Em contraposição a essa prática, existem também aquelas que se esforçam em significar as situações, os problemas e a linguagem matemática, propondo para isso situações-problema contextualizadas e utilizando materiais manipuláveis, jogos e a história da Matemática, entre outros, como recursos de significação que não possuem um fim em si mesmos, mas se constituem como um meio no processo de ensino-aprendizagem. Nessa abordagem, alguns cuidados também devem ser tomados, uma vez que a valorização da experiência e

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dos procedimentos intuitivos dos alunos é inerente a essa prática, mas não em detrimento do simbolismo e das regras de notação embutidos no processo de aquisição das ideias matemáticas, que são primordiais para promover a aprendizagem dos alunos. Segundo SANTOS (2014): [...] é necessário ir além dos procedimentos informais e intuitivos do aluno em relação às noções matemáticas e à resolução de problemas para que ele vá se familiarizando e se apropriando de uma linguagem, de processos formais e estruturas matemáticas que podem dizer respeito a situações particulares, mas que, pelo seu caráter geral, constituem ferramentas para compreender outras ideias e resolver diferentes tipos de problemas em quaisquer outros contextos. (Santos, 2014, p. 47)

Tal prática sustenta a concepção de que o trabalho com Matemática na escola deve se constituir como um elo articulador do conhecimento conceitual com o conhecimento da linguagem e dos processos de resolução significativa de problemas. A perspectiva metodológica sugerida apresenta, portanto, a sistematização de alguns pontos referentes à resolução de problemas, que acabam por se constituir como uma alternativa à forma de apresentação dos conceitos, orientada pela ideia de que um problema representa um contexto, um lugar de produção de conhecimentos e um momento de formalização e significação de uma linguagem de registro. Podemos então expor alguns aspectos importantes, sugeridos por SANTOS (2014), no que se refere à resolução de problemas, a começar pela orientação de se trabalhar um mesmo conceito matemático em diferentes situações. Vejamos: Exemplo 1 - Determine o MDC (600, 588). Exemplo 2 - Substitua as letras por números para que a decomposição em fatores primos fique correta e, em seguida, calcule o MDC do par de números. 600 , A 2 B , 294 C D , 147 2 E , F 3 25 , 49 G 5 , H 5 1 , 49 7 1 , K 7 1 , 1

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Exemplo 3 - O MDC entre 2³.3.5² e 2².3.7² é igual a: a) 6 b) 12 c) 60 d) 50 e) 300 Exemplo 4 - Dois fios que medem respectivamente 600m e 588m foram cortados em pedaços iguais e do maior tamanho possível. Nesse caso, quanto mede cada pedaço cortado? Exemplo 5 - Um administrador de hospital precisa solicitar a construção de gavetas para o armazenamento de frascos idênticos de determinados medicamentos. Ele pretende usar a menor quantidade possível de gavetas para acomodar 600 frascos de um tipo de medicamento e 588 frascos de um outro tipo. Se ele colocar a mesma quantidade de frascos em todas as gavetas, e medicamentos de um único tipo em cada uma delas, quantas gavetas serão necessárias? Observe que o primeiro exemplo se configura como um exercício em que o aluno terá de “praticar” determinado procedimento, podendo ser o da decomposição simultânea em fatores primos ou a fatoração realizada separadamente, ou mesmo determinar o máximo divisor comum por meio da sequência de divisores. O segundo exemplo enfatiza a decomposição simultânea em fatores primos, mas, mais uma vez, apresenta como foco um procedimento específico para determinar o MDC, diferentemente do exemplo 3, que exige um nível maior de compreensão do procedimento e não a realização mecânica do mesmo. Perceba que, para solucionar esse problema, o estudante, além de saber um determinado processo de decomposição em fatores primos, deverá também compreendê-lo. Já o exemplo 4 apresenta um contexto de resolução que requer uma ação refletida, bem como o exemplo 5, que se constitui como uma ruptura aos problemas padronizados, por não apresentar palavras que induzem os alunos à resolução. Ao contrário, exigirá do estudante uma reflexão acerca da situação, uma vez que, para se usar a menor quantidade possível de gavetas, deve-se colocar a maior quantidade de medicamentos possível em cada uma delas. Tais exemplos possibilitam então diferentes discussões, apesar de trabalharem o mesmo conceito, sendo essa uma abordagem válida no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que a compreensão de determinada noção se faz também através de sua

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apresentação em diferentes contextos. SANTOS (2014) exemplifica da seguinte maneira: “Entender a porcentagem no âmbito estrito do desenvolvimento das propriedades dos números racionais, por exemplo, pela ideia de equivalência de frações, utilizando um jogo de frações ou uma folha de papel, resulta insuficiente para a compreensão da noção. Faz-se necessário explorar a noção em contextos discretos, como em populações, coleções de objetos, e em contextos contínuos, como um disco ou gráfico de setor circular, em situações como: censos populacionais, distribuição orçamentária e cálculos de salário etc., o que permite a utilização de diferentes tipos de procedimentos e notações, não se restringindo exclusivamente à utilização do dispositivo regra de três”. (SANTOS, 2014, p. 53).

Nessa trajetória, é importante considerar problemas que permitam que o aluno crie um caminho, levantando novas questões que levem a uma investigação. Observe o exemplo a seguir: Um número natural é chamado magistral quando o produto dos divisores positivos desse número é igual ao quadrado dele. a) Podemos afirmar que o número 14 é magistral? E o número 18? b) Qual é o menor número magistral formado por três algarismos? (Projeto Athos Matemática 6º Ano, 2014, p. 132 – adaptado) Nesse exemplo, além de estarmos trabalhando com a noção de divisores e potenciação com números naturais, estamos apresentando um novo conceito, o de número magistral, requerendo não somente a interpretação do enunciado, como o estabelecimento de relações entre as noções aprendidas e o novo conceito. Dessa forma, o estudante, para verificar se o número 14 é magistral, poderia proceder da seguinte maneira: D(14) = {1, 2, 7, 14} 1 x 2 x 7 x 14 = 196 142= 14 x 14 = 196 Resposta: O número 14 é magistral. Tal resolução pressupõe que o aluno compreendeu o conceito e sabe aplicar o procedimento para verificar se um número é ou não magistral, ou seja, foi capaz

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de mobilizar ferramentas para apreender esse novo conceito. Já para descobrir o “menor número magistral formado por três algarismos”, seria necessário ir além, escolher estratégias, formular, testar e validar hipóteses, recorrendo a alguma forma de registro adequada e que oferte sentido, uma vez que não se trata apenas da aplicação de um procedimento, mas sim de elaborar caminhos para se chegar à solução. Tanto nesse exemplo quanto no que será apresentado a seguir, percebemos outro aspecto relevante: a importância de apresentarmos aos estudantes situações-problema que representem um contexto em que são mobilizadas ideias relativas a diferentes conceitos. Observe: (Uerj – adaptado) O poliedro representado possui exatamente trinta faces quadrangulares, numeradas de 1 a 30, e é usado como um dado em um jogo. Admita que esse dado seja perfeitamente equilibrado e que, ao ser lançado, cada face tenha a mesma probabilidade de ser sorteada. Calcule: a) a probabilidade de obter um número múltiplo de 5, ao lançar esse dado uma única vez. b) a probabilidade de obter um número divisor de 30, ao lançar esse dado uma única vez. No exemplo apresentado, diferentes noções matemáticas estão sendo relacionadas. Uma breve análise dessa situação permite identificar que estão envolvidas as noções de múltiplos, divisores, probabilidade, frações equivalentes, simplificação de frações e outras, abrindo campo para que se possa explorar a situação sob diferentes aspectos, levando a reformulações de novos problemas, em que o objeto de discussão possa ser uma das noções apresentadas. Devem ser considerados também problemas com progressivos graus de aprofundamento. Para exemplificar, analisemos brevemente as seguintes situações: 1) Nomeie o sólido geométrico representado ao lado e determine o número de faces, vértices e arestas. 2) Nomeie o sólido geométrico representado ao lado e determine o número de faces, vértices e arestas.

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Apesar de o enunciado ser o mesmo, a exigência é completamente distinta. A representação referente ao primeiro exemplo permite a visualização de todos os vértices, arestas e faces, diferentemente da representação dada no segundo exemplo, que traz elementos não visíveis. Dessa forma, a situação 1, se proposta para um aluno de 6º ano, por exemplo, poderá ser resolvida por uma simples contagem, desde que o aluno conceitue e reconheça arestas, vértices e faces. No mais, a posição da representação induz o aluno a seguir a definição de base como sendo “a parte inferior de um objeto”, e não o conceito matemático de base, levando-o a concluir que se trata de um prisma reto de base pentagonal. Já o segundo exemplo, por não permitir que o aluno visualize todas as faces, vértices e arestas, exige que ele tenha desenvolvido a habilidade da visão espacial, além do reconhecimento do sólido por meio de suas propriedades, e não apenas através de uma imagem mental construída após muitos anos de visualização de uma única representação de um prisma de base pentagonal e que é, geralmente, apresentado por professores e em livros didáticos sempre na mesma posição. O segundo exemplo também traz a imagem de um prisma reto de base pentagonal, mas, pela posição da representação, não temos a indução de que a base é um pentágono, pois está “embaixo”. É comum, diante dessa representação, alunos de 6º ano, por exemplo, acharem que a representação da situação 2 se trata de um prisma de base retangular. Para que a aprendizagem seja realmente efetiva, é imprescindível então que o professor apresente tais situações, em que os conceitos envolvidos não estão sendo trabalhados de forma repetida, já que os aspectos conceituais foram aprofundados. Vale ressaltar que tal perspectiva se estende a todos os domínios da matemática. Analisemos, por exemplo, o eixo tratamento da informação, que compreende noções de estatística, probabilidade e combinatória. De acordo com os PCNs, esse eixo objetiva a construção de procedimentos para coletar, organizar, comunicar e interpretar dados, utilizando gráficos e demais representações, além de propiciar o contato com situações-problema que envolvam o princípio multiplicativo da contagem, combinações, arranjos, permutações e a compreensão de que grande parte dos acontecimen-

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tos cotidianos é de natureza aleatória, sendo, portanto, possível identificar prováveis resultados desses acontecimentos. Sendo assim, no intuito de alcançar tais objetivos, os currículos praticados nas escolas geralmente preveem o desenvolvimento dessas noções ao longo de praticamente todo o período escolar. Por exemplo, a leitura de diferentes tipos de gráficos, inclusive o gráfico de setores, é trabalhada desde o fundamental I, mas a construção de um gráfico desses só será possível em séries futuras do fundamental II, pois pressupõe o domínio de aspectos conceituais (conceitos de círculo, circunferência e ângulo, unidades de medida e classificação de ângulos, entre outros) e requer o manuseio de instrumentos variados, tais como régua, compasso e transferidor. Ainda no que se refere à resolução de situações-problema, de acordo com SANTOS (2104): “as orientações curriculares e metodológicas do trabalho do professor compreendem: concepções relativas à disciplina e ao seu objeto de estudo, concepções relativas ao ensino e aprendizagem da disciplina, definição de objetos e expectativa a serem alcançados tendo em vista os sujeitos e o contexto, elementos conceituais, procedimentos metodológicos e recursos didático-pedagógicos que estejam de acordo com tais concepções”. (SANTOS, 2014, p. 44).

Portanto, o professor deve estender seu olhar não apenas para a escolha e elaboração de problemas, mas também para o processo de resolução, que, nessa abordagem, exige de sua parte o papel de mediador. E é nesse sentido que iniciamos uma discussão acerca da noção de contrato didático introduzida por G. Brousseau (2008) para analisar as relações que se estabelecem entre o docente e o aluno no processo de ensino-aprendizagem da Matemática. O autor define contrato didático como o conjunto de ações, regras e comportamentos geralmente implícitos na relação e esperados tanto pelo professor quanto pelos alunos quando existe o saber envolvido. O contrato didático estabelecido tem relação direta com a significação do problema e do conceito para o aluno, permitindo a negociação do sentido das atividades em jogo, sendo um meio para gerenciar o tempo didático em sala de aula. Ele retrata as expectativas do professor em relação ao aluno e vice-versa, incluindo­o saber

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matemático, influenciado pelos contextos de ensino e aprendizagem, evidenciando como esse saber é tratado por ambas as partes. Entretanto, quando o professor “quebra” o contrato na intenção de que os seus alunos acertem, sendo tendenciosos ao facilitar a tarefa de diversas maneiras, ocorre o chamado “efeito de contrato”, que, em linhas gerais, é o termo utilizado para se referir a diversas atitudes do professor. Dessa forma, o efeito do contrato didático mal administrado torna-se responsável pela maior parte das dificuldades dos alunos. Analisemos tais efeitos: • Efeito “Pigmaleão” – Esse efeito ocorre quando o professor limita suas exigências em decorrência de uma imagem preconcebida que fez do aluno. Trata-se de atitudes do professor diante de suas expectativas em relação ao estudante que são estabelecidas pelo contrato didático, constituindo-se como um mito que os psicólogos intitulam de “fenômeno das expectativas”, e que geralmente estabelecem uma mesma nota para o aluno durante o ano. Geralmente, nesse caso, como o professor limita suas expectativas em relação aos alunos pela imagem que já criou, acaba não avançando com a turma ou com esse suposto aluno. • Efeito “Topázio” e a comprovação da incerteza – Esse efeito ocorre quando o professor se encarrega do essencial do trabalho, facilitando as estratégias dos alunos que se encontram em dificuldade, tentando obter a significação máxima para a maioria dos alunos, fazendo com que os conhecimentos visados desapareçam neste processo. Um retrato desse efeito é, por exemplo, a seleção, por parte dos professores, apenas de questões que tenham respostas esperadas e prontas. • Efeito “Jourdain” ou o equívoco fundamental – Esse efeito aparece quando o professor interpreta um comportamento comum do aluno como uma manifestação do saber, evitando discussões de conhecimento que poderiam evidenciar um fracasso que o professor não gostaria de admitir. Assim, muitas vezes, significações triviais são consideradas demonstrações de um conhecimento “sábio”. • Escorregamento metacognitivo – Esse efeito ocorre quando o professor considera como objeto de estudo o que, na verdade, não passa de uma estratégia (técnica de resolução de um problema), perdendo o saber

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em questão. Nesse efeito, o saber não é priorizado, mas sim o uso de técnicas que garantirão a solução de determinados problemas. • Uso abusivo da analogia – As analogias como um método de apresentação do saber podem ser úteis na compreensão do aluno. Entretanto, seu uso abusivo pode descaracterizar o conceito visado, já que mostrar um saber analogamente a outro pode descaracterizar esse novo saber e produzir o efeito topázio, uma vez que o professor atribui importância às variáveis não pertinentes da situação, deixando em segundo plano as específicas. Trata-se, por exemplo, da chance oferecida aos alunos que fracassam em determinado assunto e que, diante de novos problemas, obtêm êxito na resposta através de “soluções didáticas” e não porque investiram no problema. Primordial saber que a quebra adequada do contrato didático gera desequilíbrio, e neste desequilíbrio temos a potencialização da aprendizagem. Desta forma, é interessante saber algumas regras de contrato didático em vigor no ensino fundamental para que possamos aproveitá-las na ruptura “saudável” do contrato didático. Essas regras são: • a frequente existência de palavras que possibilitam ao aluno adivinhar o procedimento que deve adotar para resolver um problema proposto, ou seja, existe uma indução; • as questões destoam da realidade significativa do aluno; • todos os dados aparecerem explicitamente no enunciado e, em geral, na ordem em que devem ser utilizados nos cálculos; • nos enunciados aparecem somente dados necessários para a resolução, sem que o aluno tenha que refletir e fazer uma seleção, identificando apenas as informações necessárias que contribuirão efetivamente para solucionar a questão proposta; • abordagens com números considerados fáceis por sua simplicidade; • a constante existência de uma solução numericamente correta, posta como ponto fundamental, já que sempre existe e é única. Sendo assim, em uma proposta consistente, a perspectiva da resolução de problemas adotada aborda diferentes tipos de problemas, sendo primordial haver um

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equilíbrio entre eles, uma vez que todos possuem sua função, inclusive aqueles que são necessários no intuito de sistematizar as noções abordadas. Problemas sem solução, por exemplo, rompem com a concepção de que os dados apresentados devem ser usados na sua resolução e de que todo problema tem solução, desenvolvendo assim a habilidade de aprender a duvidar, a qual faz parte do pensamento crítico. Mas de fato essa não é a única habilidade em pauta. Problemas sem solução podem proporcionar, entre outros, a generalização através da identificação de padrões. Para ilustrar, coloquemos em discussão a seguinte situação:

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então que esse mesmo aluno, ao levantar as hipóteses de resolução da situação proposta inicialmente, conclua que se trata de um problema sem solução. Mas, muito mais do que essa percepção, ele aprenderá que todos os números com três algarismos iguais são divisíveis por 3, já que, dentre as possibilidades de respostas teríamos: 111 ⇒ 1 + 1 + 1 = 3 × 1 = 3 222 ⇒ 2 + 2 + 2 = 3 × 2 = 6 333 ⇒ 3 + 3 + 3 = 3 × 3 = 9 444 ⇒ 4 + 4 + 4 = 3 × 4 = 12 555 ⇒ 5 + 5 + 5 = 3 × 5 = 15 666 ⇒ 6 + 6 + 6 = 3 × 6 = 18

Escreva um número, com três algarismos iguais, diferentes de zero, e que não seja divisível por 3.

777 ⇒ 7 + 7 + 7 = 3 × 7 = 21 888 ⇒ 8 + 8 + 8 = 3 × 8 = 24

Note que, de acordo com o critério de divisibilidade, um número será divisível por 3 quando a soma de seus algarismos der um número divisível por 3. Sendo essa uma noção discutida geralmente com alunos de 6º ano, o critério pode ser visto como a conclusão de uma análise simples da tabuada do três. Observe: 1×3=3 2×3=6 3×3=9 4 × 3 = 12 ⇒ 1 + 2 = 3 5 × 3 = 15 ⇒ 1 + 5 = 6 6 × 3 = 18 ⇒ 1 + 8 = 9 7 × 3 = 21 ⇒ 2 + 1 = 3

999 ⇒ 9 + 9 + 9 = 3 × 9 = 27 Portanto, nesse caso, a somatória dos algarismos dos produtos resulta sempre em um número múltiplo de três. Já os problemas com mais de uma solução também têm sua função, pois rompem com a crença de que todo problema tem uma resposta única, questionando também a concepção de que existe apenas uma maneira correta de resolvê-lo. Observemos um exemplo: Como devem ser numeradas as faces de dois cubos de modo que possam ser usados como calendário, isto é, para que seja possível indicar, com eles, os dias dos meses de 01 a 31? Exemplo: dia 04 de outubro

8 × 3 = 24 ⇒ 2 + 4 = 6 .. . Apesar de a tabuada ser infinita, é notório o padrão existente. A somatória dos algarismos dos produtos da tabuada do três resulta sempre em um número divisível por 3. Dessa forma, o estudante, identificando esse padrão, irá se apropriar do critério de forma significativa, uma vez que ele não foi apresentado como uma regra já pronta, como se fosse uma verdade absoluta dita pelo professor e, portanto, tendo que ser aceita por obrigatoriedade/autoridade e não por reflexão. Esse processo de apreensão possibilitará

Projeto Athos Matemática 6º Ano, 2014, p.43

Note que existe mais de uma possibilidade de resposta, contanto que os números 0, 1 e 2 apareçam em ambos os cubos e o 6 represente tanto o seis quanto o nove. Já os problemas com excesso de dados objetivam fazer com que os estudantes aprendam a selecionar dados relevantes para a resolução de um problema, rompendo com a crença de que todos os dados do tex-

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to são necessários para sua resolução, pois permitem a dúvida. Observe um exemplo: Os bondinhos do Pão de Açúcar fazem as viagens Praia Vermelha-Morro da Urca e Morro da Urca- Pão de Açúcar em 20 minutos, comportando no máximo 65 pessoas. O trajeto de cada trecho dura 3 minutos. Os bondinhos do Pão de Açúcar completaram cem anos em 2012. Imagine que são 14 horas e que você está em 195º lugar na fila para fazer o passeio de bondinho. O próximo bondinho partirá às 12h20min. Quantos bondinhos partirão até que você embarque? A que horas você embarcará? Projeto Athos Matemática 6º Ano, 2014, p.120 – adaptado

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Alguns autores, como DANTE (2009), apresentam ainda alguns outros tipos de problemas, tais como os “problemas de quebra-cabeça”, que, geralmente, se constituem como a chamada Matemática recreativa, e que exigem que o estudante identifique padrões/regularidades, sendo esses a chave da solução. Por fim, vale ressaltar que a formulação de problemas por parte do estudante também tem sido apontada como um caminho para significar o saber, já que criar textos de problemas pressupõe a organização do saber, conferindo sentido e estrutura adequada para que se possa comunicar o que se pretende, além de permitir o desenvolvimento da autonomia no processo de aprender e de uma linguagem específica ao aproximar a língua materna à Matemática.

Bibliografia ARRA, Cecília; SAIZ, Irma (orgs.). Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 2001. BONJORNO, J.R. ; Câmara, P. R. ; BONJORNO, R. ; GUSMÃO, Tania C. R. S. Projeto Athos Matemática 6º Ano. 1ª. ed. São Paulo: FTD, 2014. v. 1. 356 p. BOYER, Carl Benjamin. História da Matemática. Tradução de Elza F. Gomide. São Paulo: Edgard Blucher, 1974, 488 p. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. 5. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997. BROUSSEAU, Guy. Introdução do Estudo das Situações Didáticas: Conteúdos e métodos de ensino. São Paulo: Ática, 2008. BRUN, Jean (org.). Didáctica das Matemáticas. Coleção Horizontes Pedagógicos. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. DANTE, L. R. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. Volume único. São Paulo: Editora Ática, 2009. DANTE, L. R. Didática da resolução de problemas de matemática. São Paulo: Ática, 1989. GARCIA, A. G. Q.; BOLFER, M.M.M.O. Educar: lemas, temas e dilemas. São Paulo: Cengage Learning, 2010. GUELLI, Oscar. Equação: o idioma da álgebra. São Paulo: Ática, 1997. (Contando a História da Matemática.) POLYA, George. A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 1978. SANTOS, Vinício M. Ensino de Matemática na escola de nove anos: dúvidas, dívidas e desafios. São Paulo: Cengage Learning, 2014. SMOLE, K. S., DINIZ, M.I. (orgs.) Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

Carolina Riego Lavorente é mestra em Educação Matemática pela PUC-SP (2008), licenciada em Matemática pela USP (2003) e em Pedagogia pela Universidade Bandeirantes (2006). Coordenou o curso de Matemática da Educação Infantil e EFI no Colégio Marista Arquidiocesano (2012-2014), onde atualmente exerce a função de professora de Matemática do Ensino Fundamental II.

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