Revista Científica Prisma

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2 vol. 01 dezembro/2016

PRISMA Revista Científica sobre Percepção






R454

Revista Prisma: revista científica sobre percepção / Instituto de

Educação Superior de Brasília - Brasília, DF, 2016. ISSN: 1712-9842 1. Educação - periódicos 2. Percepção 3. Comunicação Visual 4. Ergonomia 5. Design Gráfico 6. Psicologia das cores I. Insituto de Educação Superior de Brasília CDU: 370.175

Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt: CRB 10/737


Nota da editora A percepção (do latim perceptĭo) consiste em receber através dos sentidos, das imagens, dos sons, das impressões ou das sensações externas. Trata-se de uma função psíquica que permite ao organismo captar, elaborar e interpretar a informação que chega do meio. É importante fazer a diferença entre o estímulo, que pertence ao mundo exterior e produz o primeiro efeito na cadeia do conhecimento, e a percepção, que é um processo psicológico e que pertence ao mundo interior. Pode-se dizer que o estímulo é a energia física, mecânica, térmica, química ou electromagnética que excita ou activa um receptor sensorial. As principais diferenças prendem-se com a interpretação da informação recebida, devido às dissemelhanças a nível de cultura, educação, inteligência e faixa etária, por exemplo. Neste sentido, as imagens podem “ler-se” ou interpretar-se da mesma forma que um texto literário, pelo que existe na operação de percepção visual a possibilidade de uma aprendizagem para aprofundar o sentido da leitura. Os psicólogos da Gestalt, em inícios do século XX, foram os primeiros a propor uma teoria filosófica da forma. Max Wertheimer, Wolfgang Köhler, Kurt Koffka e Kurt Lewin, entre outros, garantiram que, na percepção, o todo é maior que a soma das suas partes. Boa leitura, Bianca Zimmerer Editora-chefe

EXPEDIENTE Editora-chefe: Bianca Zimmerer Gerente de revisão editorial: Bianca Zimmerer Diagramação: Amanda Nunes, Bianca Zimmerer, Gabrielle Stoiani e Isabela Viana Projeto Gráfico: Isabela Viana Realização: Instituto de Educação Superior de Brasília


Sumário 05-16 O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção Maria de Fátima Mendes de Azevedo Michelle Steiner dos Santos Rúbia de Oliveira

33-46 Processamento Visual da Forma em Idosos: Curvas de Limiar de Contraste para Frequências Angulares e Senoidais Natanael Antonio dos Santos Maria Lúcia de Bustamante Simas Renata Maria T. Barreto Lyra Nogueira

17-32 Sono e Cognição: Implicações da Privação do Sono para a Percepção Visual e Visuoespacial Cibele Siebra Soares Katie Moraes de Almondes


59-70 Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares Alessandra Magalhães CavalcantiI Natanael Antonio dos Santos

47-58 Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade Giseli Donadon Germano Fábio Henrique Pinheiro Paola Matiko Martins Okuda Simone Aparecida Capellini

71-85 Ilusões: o olho mágico da percepção Marcus Vinícius C. Baldo Hamilton Haddad


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção Using color in the work space: an ergonomy of perception Maria de Fátima Mendes de Azevedo Universidade Federal de Santa Catarina / PPGEP Campus Universitário, Trindade, Florianópolis, SC. Michelle Steiner dos Santos Universidade Federal de Santa Catarina / PPGEP Campus Universitário, Trindade, Florianópolis, SC. Rúbia de Oliveira Universidade Federal de Santa Catarina / PPGEP Campus Universitário, Trindade, Florianópolis, SC.


Resumo: O uso adequado da cor na elaboração de espaços, os aspectos psicológicos do uso da cor e como ela influencia o comportamento humano são os objetivos desse artigo. Arquitetos, engenheiros, ergonomistas e designers de iluminação têm a necessidade de entender a cor. Para aprimorar a compreensão mútua entre os responsáveis pela criação do ambiente e por fazê-lo visível, a ótica, a fisiologia, a psicologia e a ciência moderna da cor juntas fazem o cenário propício para o uso estético da cor. Para ser capaz de prever as influências da cor nas impressões e comportamentos, algumas relações precisam ser estabelecidas entre as percepções resultantes e as características físicas do ambiente colorido. A energia eletromagnética radiante fornece um estímulo físico que penetra o olho e causa a sensação da cor. A cor percebida e ela relacionada a um objeto são coisas notadas instantaneamente. Como é a influência psicológica na percepção, na atitude, no humor e no comportamento dos ocupantes de um ambiente? Esse estudo é dividido em duas partes, sendo a primeira uma revisão bibliográfica do assunto e a segunda um caso que fala sobre o uso da cor em ambientes de cuidados da saúde, especificamente o ICU no Hospital Universitário João de Barros Barreto – PA. Palavras-chave: Cor, ergonomia, espaço, emoção. Abstract: The adequate use of color while concepting labour spaces, psychological aspects of the use of color, and how color rendering influences human behavior, are the aims of this article. Architects, engineers, ergonomists, lighting designers all have a need to understand color. To increase mutual understanding among those responsible for creating the environment and making it visible, optics, physiology, psychology and modern color science together make the background for esthetic use of color. To be able to predict the influences of color on impressions and behaviors, some relationships need to be established between the resultant perceptions and the physical characteristics of the colored environment. Electromagnetic radiant energy provides a physical stimulus that enters the eye and causes the sensation of color. The perceived color, the color perceived as belonging to an object is something perceived instantaneously. How is it psychological influences in perception, attitude, mood, and behavior of the occupants of an environment? This study is divided in two sizes, first step, a bibliographic revision on the matter, then a case reading about the use of coloring in health care environments, specifically, the ICU in university hospital João de Barros Barreto-PA. Keywords: Color, ergonomics, space, emotion. PRISMA | 06


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

1. Introdução Todas as atividades humanas, e principalmente o trabalho, sofrem a influência de três aspectos: físico, cognitivo e o psíquico. A conjugação adequada destes fatores (a análise de um domínio levando em consideração o outro) permite projetar ambientes seguros, confortáveis e eficientes. O estudo das cores, embora seja visto por grande parte dos engenheiros e arquitetos como um fator ambiental secundário na concepção dos espaços de trabalho, torna-se de fundamental importância para os ergonomistas à medida que contribui com a adequação do seu uso, não só para a segurança (codificação de perigos pelo uso da cor), ordenação e auxílio de orientação organizacional (princípio de organização pela aplicação da cor), mas também para a saúde e bem estar dos trabalhadores (devido a sua influência psicológica). A visão das cores é, segundo FOGLIA (1987), um dos aspectos mais interessantes e debatidos da sensibilidade ocular, e seu estudo é utilizado nas mais diversas áreas do conhecimento, abrangendo desde a fisiologia, a psicologia até as engenharias e mais especificamente a ergonomia. Acreditando que a coloração não deve ser concebida só por características estéticas, mas que deve levar em consideração as diversas funções de um espaço, tanto no que se refere a sua usabilidade, quanto pelas exigências psicológicas do meio e do trabalhador; optamos por relacionar os múltiplos conhecimentos, oriundos de pesquisas nas mais diferentes áreas para confeccionar este artigo, com a proposta de apresentar, discutir e avaliar alguns dos conceitos relacionados ao emprego da cor na concepção de um espaço adaptado ao usuário, numa discussão e reflexão que se pretende interdisciplinar. 2. Desenvolvimento A primeira coisa a nos perguntar é: qual o papel das cores em nossa vida? Como as percebemos? Para finalmente, nos questionarmos sobre ação destas nos ambientes, em nossa alimentação, vestuário e sobre os nossos sentimentos. As cores transmitem mensagens e tendem a predispor determinados estados de humor, desencadeando emoções, modificando comportamentos e, por vezes, alterando o funcionamento do organismo. O nosso canal físico de informação da cor são os nossos olhos. É através dos sentidos, especificamente o da visão, pela luz, que somos informados sobre o meio externo. Ele nos dá a configuração espacial, permitindo-nos o equilíbrio postural, possibilitando-nos reconhecer objetos quanto a sua forma, cor, tamanho, mobilidade e luminosidade. Sabemos, através de pesquisas, que as cores atuam sobre a espécie humana não só pelo canal perceptivo da visão, comunicando algo, ou seja, transmitindo mensagens aos quais atribui-se

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significados, mas também através da luz, pelas ondas de energia e, portanto, eletromagneticamente (cromoterapia). Podemos dividir a cor em quatro planos: físico, químico, sentidos e o psíquico; estando cada um destes aspectos associados a leis e fenômenos específicos.

Química Envolve pigmentos e combinações;

Físico Envolve a luz, luminosidade;

Sentidos Abrange a fisiologia e a psicologia.

Afeto Envolve significados que variam de cultura para cultura, atribuídos a cada cor.

Tabela 1. Quatro planos pelos quais pode se estudar a aplicabilidade das cores.

2.1. A fisiologia e a psicologia da cor Nos relacionamos com as cores pelos nossos sentidos e pelo “simbólico”. Elas podem ser definidas através de comprimentos de onda, vibrações, energias ou sentimentos. A forma como as consideramos não é importante; o essencial, enquanto pesquisadores, é saber que todos estamos sujeitos à sua ação, seja pela sensibilidade a determinados estímulos luminosos ou pela representação psíquica que damos à elas. No que diz respeito a fisiologia da cor, é através dos órgãos de recepção (cones) localizados na fóvea, que o homem percebe e identifica as cores que são refletidas. A luz é formada por radiações que, ao chegarem ao olho, originam sensações coloridas diferentes de acordo com o comprimento de onda, intensidade e misturas realizadas entre si. Como cor é uma característica pela qual o observador distingui padrões de luz, e luz é energia radiante, visualmente avaliada; a cor deve ser medida pela combinação de medições físicas dos comprimentos de onda com informações sobre como o observador percebe as cores. Medidas da energia radiante são de ordem física, enquanto a avaliação desta pelo percepção humana, é de ordem psicológica. Palavras-chave na descrição da percepção das cores são: matiz, saturação e claridade: Matiz é a proporção de cada uma das cores percebidas: vermelho, amarelo, verde e azul. Claridade é o PRISMA | 08


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

atributo segundo o qual uma área aparenta emitir mais ou menos luz. Saturação é a proporção de croma de uma cor em relação á sua claridade, (mais ou menos cinza). As cores reconhecidas correspondem aos seguintes comprimentos de onda no espectro luminoso:

Raios Gama, Raios X e Ultravioleta

Luz visível

Ondas de alta energia rompem ligações moleculares. São absorvidas pela camada de ozônio.

300 - Não visíveis 380-436 - Violeta 436-495 - Azul 495-566 - Verde 566-589 - Amarelo 589-627 - Laranja 627-780 - Vermelho 800 - Não visíveis

Ondas de energia média absorvidas por pigmentos em plantas e animais.

Infravermelho e microondas

Ondas curtas, ondas de rádio e ondas longas

Ondas de baixa energia: muitas fracas para afetar as moléculas, são absorvidas pela atmosfera.

Figura 1. O espectro eletromagnético.

O que é válido salientar quanto à sensibilidade ao uso das cores é: a) o olho humano somente é sensível a comprimentos de onda compreendidos na ordem de 1/8 (720 à 360 um), porém à medida que envelhecemos começamos a não perceber mais os espectros pelo lado do violeta;

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b) o olho humano percebe aproximadamente 165 tons, sendo que a sensibilidade para perceber diferenças mais sutis, dentro do espectro, variam de cor para cor. Normalmente distinguimos grandes diferenças no cumprimento de onda do vermelho e do violeta, e pouca no amarelo e laranja; c) as cores possuem um limiar cromático, ou seja, elas desaparecem se reduzida a intensidade luminosa ao seu limite. Por isso é que cores como o amarelo se sobressaem durante o dia, enquanto que cores como o azul se sobressaem de noite. d) Efeito pós-imagem: ocorre quando olhamos para um objeto brilhante e, mesmo após nossos olhos terem deixado de fixá-lo a imagem permanece na retina. e) A percepção humana é sujeita à indução espacial, ou seja, a visão de uma superfície colorida exerce influência na superfície colorida vizinha; quanto mais complementar for a cor, maior a essa influência (ver figura 1). Cores magnéticas/ aquecimento

Infravermelho

Meio do espectro/

nem quente, nem frio

Cores elétricas/ resfriamento

Ultravioleta

Figura 2. O espectro.

Enquanto a fisiologia pesquisa os mecanismos de percepção da cor, a psicologia vai se ater aos efeitos que determinadas cores (ver figura 2) têm sobre as emoções dos indivíduos. Desde muito tempo, psicólogos e mais recentemente ergonomistas, verificam que em determinadas profissões, o efeito psicológico das cores é determinante. Na propaganda, por exemplo, percebeu-se que o uso da cor é fundamental na apresentação e aceitação do produto por parte dos consumidores. Na arquitetura, através da concepção e da organização de espaços, o uso das cores destaca-se como um importante complemento ambiental e de satisfação. Nos consultórios médicos e psicológicos elas auxiliam na cura de enfermidades e nos sentimentos de chegada e PRISMA | 10


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

saída do paciente. Segundo LACY(1989), a cor está muito ligada aos nossos sentimentos, ajudando-nos em nossas atividades e influenciando em nossa sociabilidade, introversão e extroversão. Abaixo, estão listados os significados mais comuns atribuídos pelos estudiosos às cores: primárias (amarelo, vermelho e azul) e secundárias (laranja, violeta, verde e o rosa). Amarelo: cor quente, estimulante, de vivacidade e luminosidade. Tem elevado índice de reflexão, e sugere proximidade. Se usado em excesso, pode-se tornar monótono e cansativo. Boa para ambientes onde se exija concentração, pois atua no SNC (Sistema Nervoso Central). É utilizada terapeuticamente para evitar depressão e estados de angústia. Azul: está associado na cultura ocidental, à fé, confiança, integridade, delicadeza, pureza e paz. O azul escuro dá a sensação de frieza e formalismo. Laranja: cor estimulante e de vitalidade. Está relacionada com ação, entusiasmo e força. Possui grande visibilidade, chamando a atenção para pontos que devem ser destacados. Rosa: aquece, acalma e relaxa. Está ligada à fragilidade, feminilidade e delicadeza. Verde: quando em tom claro transmite sensação de paz e bem estar. É uma cor que sugere tranquilidade, dando a impressão de frescor. Tons escuros desta cor tendem a deprimir. Vermelho: cor estimulante. Desperta entusiasmo, dinamismo, ação e violência. Dá sensação de calor e força, estimulando os instintos naturais e sugerindo proximidade. Se usada em excesso pode irritar, desenvolver sentimentos de intranquilidade e despertar violência. Violeta: em excesso torna o ambiente desestimulante e agressivo, leva à melancolia e depressão. Sugere muita proximidade, contato com os sentimentos mais elevados e com a espiritualidade. Assim como o vermelho, o azul escuro e o verde escuro, não se recomenda o uso em grandes áreas. Figura 3. As cores e seus significados.

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Segundo VERDUSSEN(1978), estas cores podem ser usadas para tornar mais agradáveis os ambientes de trabalho ou amenizar condições menos favoráveis, como a monotonia de certas tarefas. Assim, o estado de ânimo, ao fim de uma jornada, dependerá em muito, da influência do ambiente. Uma sala de repouso, um gabinete de reuniões, salas de aulas de uma escola, um hospital ou uma indústria, deverão obedecer à predominâncias ou combinações de cores que melhor possam condicionar o homem às solicitações ou características de seu trabalho. Estados de depressão, de melancolia ou de fadiga, são consequências comuns à permanência prolongada ou à realização de atividades em ambientes em que, entre outros motivos, a escolha das cores não atendeu à observação de seus possíveis efeitos. 2.2 A aplicação da cor na concepção de espaços físicos: um micro estudo de caso Para concebermos ambientes adequados de trabalho, devemos aliar à funcionalidade de nossos projetos, aspectos agradáveis, convidativos e acolhedores. Devemos fugir das linhas frias, agressivas, muito exploradas em instalações tradicionais, que destacavam a figura do homem como elemento secundário. Optar por uma construção alegre, clara e limpa, que considere, também, aspectos relativos à iluminação, à ventilação, os espaços abertos e áreas de circulação, predispondo favoravelmente o espírito do trabalhador. O uso das cores pode representar não só um aumento de produtividade, como a redução da taxa de acidentes e de abstencionismo nas empresas. Podendo suavizar problemas de estrutura física, ao modificar a percepção do ambiente, tornando-o aparentemente: maior, mais alto, mais claro, etc. Contudo, a seleção de cores para obtenção de resultados específicos deve ser cuidadosa. A dosagem adequada de seu emprego e a escolha das demais cores que terão que coexistir, refletirão no efeito desejado. Há de se considerar, ainda, fatores como: idade, sexo, cultura, raça, que podem influenciar nas preferências por cores ou até nos efeitos destas. O caso abaixo ilustra a aplicabilidade do estudo da cor em ergonomia, pois exemplifica a atuação desta na constituição não só de um espaço físico mais adaptado, mas na qualidade da vida psíquica de pacientes e profissionais num espaço hospitalar. “ O emprego da cor em ambientes hospitalares vem transformando a rotina daqueles espaços, onde, como um rico complemento ambiental, pode auxiliar no favorecimento do equilíbrio, psicológico e psíquico, das pessoas envolvidas: trabalhadores e pacientes. Com essa finalidade, foi introduzido um novo tratamento cromático à UTI PRISMA | 12


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

(Unidade de Tratamento intensivo), do HUJBB (Hospital Universitário João de Barros Barreto), localizado na cidade de Belém, no Pará, por ocasião da reforma de sua estrutura física. Procedeu-se, inicialmente, com a análise dos aspectos referentes ao conteúdo do trabalho dos profissionais, principalmente médicos e enfermeiras, às condições ambientais de trabalho e às necessidades dos pacientes. Considerou-se também a realidade do HUJBB, como unidade de referência em doenças infectocontagiosas, que exigem espaços destinados ao isolamento de alguns pacientes, mesmo na UTI. De forma geral, as condições ambientais de uma UTI, influem diretamente nos profissionais que atuam, normalmente, em estado de tensão nervosa, gerado pela necessidade de atenção e alerta constantes, pela grande carga emocional que envolve as decisões e pelas jornadas exigidas. A realidade dos pacientes não é menos penosa, pois são obrigados a conviver com a dor, com a solidão, e com a angústia resultante do medo. Observou-se, ainda, que a condição existente, de homogeneidade cromática, com a predominância da cor branca, gerava estados de monotonia, estresse e fadiga. Dessa forma, por se tratar de ambiente de longa permanência, optou-se pela utilização de cores tranquilizantes, evitando-se cores vibrantes que pudessem gerar estados de excitação, e pela adoção de iluminação artificial, mista, com lâmpadas incandescentes e fluorescentes, calculadas para atender as exigências de visualização específicas do ambiente. As paredes do salão principal e dos isolamentos receberam tratamento com pintura na cor verde, em tom “pastel”. O revestimento de forro permaneceu branco, em função do nível de reflexão e, para o piso, adotou-se uma tonalidade acinzentada que favorece, também, aos procedimentos de limpeza. As dimensões físicas eram confortáveis para atender ao programa de necessidades estabelecido. Contudo, o pé-direito de alguns ambientes apresentava-se deficiente e a estrutura física existente não permitia a sua alteração, justificando a adoção da cor branca, para o forro, numa tentativa de torná-lo mais “alto”. As portas e as divisórias localizadas entre os leitos obedeceram a especifi-

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cação do tipo painel/vidro, na cor “gelo”, que proporcionaram um controle maior dos leitos, por parte dos profissionais, pois facilitaram a visualização dos pacientes. Para os ambientes contíguos ao salão principal, como: banheiros, expurgo, esterilização, vestiários, depósito e copa, foram definidos revestimento cerâmico na cor branco e pintura acrílica na cor areia, para as paredes, permanecendo a solução de piso cinza, e de forro branco. A cor também foi utilizada como elemento de informação nas placas de identificação dos ambientes, e como elemento de segurança na pintura das tubulações aparentes (exigidas para instalações hospitalares e industriais), referentes às instalações elétricas, de gases (ar comprimido, oxigênio e vácuo), hidráulicas, de incêndio e de refrigeração, e obedecendo às indicações contidas nas normas técnicas. Um tratamento mais contrastante, com a introdução da cor ocre, foi adotado no suporte do equipamento de controle das informações dos pacientes, localizados no posto de enfermagem, criando um contraste, intencional, com o “verde pastel” das paredes e o “gelo” das bancadas de trabalho. Esse contraste estimula a atenção sobre as informações e inibe as distrações. A adoção dessas medidas, o estudo dos fluxos dentro do ambiente e os atendimentos de necessidades de ordem material (aquisição de equipamentos) resultou em um ambiente mais organizado, descontraído e, portanto, favorável ao desempenho de todos os profissionais. Suas atividades passaram a ser desenvolvidas com mais segurança, em maior interação com o paciente, com maior dinamismo e entusiasmo. Aos pacientes proporcionou-se, de forma especial, além dos recursos materiais e humanos, melhores condições psicológicas para enfrentarem, com dignidade, o sofrimento”. 3. Considerações finais Compreendemos que o espaço físico, seja este de um domicílio ou local de trabalho, deve ser concebido segundo uma análise cuidadosa das necessidades de seus ocupantes, adaptando a configuração das cores do referido ambiente as características fisiológicas e psicológicas de seus usuários. Neste sentido, alguns cuidados são necessários para a obtenção de melhores resultados: por uma cor, decidir paralelamente o tipo de iluminação a ser adotado. Fisiologicamente sabe-se PRISMA | 14


O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

que a iluminação afeta a percepção visual da cor. a) Introjetar que o uso da cor é um dos recursos mais econômicos para promover mudanças em um ambiente, sejam elas físicas, mentais ou cognitivas. b) Toda cor afeta o ser humano, seja pelo eletromagnetismo, seja pela representação psicossocial. c) Ao optar por uma cor, decidir paralelamente o tipo de iluminação a ser adotado. Fisiologicamente, sabe-se que a iluminação afeta a percepção visual da cor. d) Estudar criteriosamente a cor a ser usada na pintura dos tetos e vigas, a fim de se obter a impressão desejada de elevar, reduzir, aumentar ou diminuir. e) Considerar que as cores frias dão a impressão de ambientes maiores, aumentando as dimensões de um recinto, enquanto que as quentes diminuem. f) Evitar cores contrastantes próximas, na área de trabalho, pois aumentam a fadiga. g) Lembrar que as cores válidas para as paredes, não o são para o teto ou piso, onde causariam efeitos negativos. Um teto branco proporciona melhor iluminação, por seu maior índice de reflexão. h) Dosar adequadamente as cores: as cores frias são convenientes para ambientes onde se deseja relaxamento, pela sugestão de temperatura agradável e de tranquilidade, quando em excesso podem tornar o ambiente depressivo e monótono. E que cores quentes embora excitem o SNC, (Sistema Nervoso Central) atuando favoravelmente na vitalidade; em quantidade geram estresse, tornando os indivíduos mais predispostos a discussões. i) Observar que a receptividade e reação às cores dependem de aspectos relacionados à idade, sexo e cultura. j) Evitar cores primárias muito fortes que podem ocasionar uma sensação de pós-imagem. k) Quebrar a monotonia de um ambiente pelo uso de cores estimulantes. l) Usar cores diferentes para separar áreas distintas: trabalho, lazer, descanso, etc.. m) Usar cores mais intensas e estimulantes em ambientes de pequena permanência, como corredores, escadas, banheiros ou depósitos, para torna-los mais atrativos; contudo, de forma controlada para não tornarem-se visualmente agressivos. n) Observar que objetos menores, tais como móveis e máquinas devem ser considerados como elementos de integração e/ou contraste. o) Considerar que esquemas de cores, representados por materiais, superfícies ou exemplos e pintura devem ser reunidos e avaliados sob condições de iluminação que dupliquem aquela sob a qual o conjunto será utilizado. Isto irá evitar problemas significativos na alteração das cores pretendidas.

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p) Observar que, como as superfícies maiores contribuem consideravelmente para a distribuição da luz por reflexão e interreflexão, os índices de refletância luminosa devem ser altos onde a iluminação de tarefas são importantes. q) Considerar o propósito primeiro do esquema de cores: conforto visual num cômodo escolar; dignidade numa igreja; uma atmosfera de excitação num circo; etc.

Referências bibliográficas AIRES, Margarida de Mello, Fisiologia Básica. São Paulo: Guanabara Koogan, 1986. COUTO, Hudson de Araújo. Ergonomia Aplicada ao trabalho: manual técnico da máquina humana. Belo Horizonte: Ergo editora, 1995. GRANDJEAN, Etienne. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. Porto alegre: Artes Médicas, 1998. FOGLIA, Virgilio G., Visão. In: Fisiologia Humana. São Paulo: Guanabara Koogan, 1987. IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção . São Paulo: Editora Edgar Brücher, 1990. ILUMINATING ENGINEERING SOCIETY OF NORTH AMERICA. IESNA Lighting Education. New York: IESNA, 1993. JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1988. LACY, Marie Louise. Conhece-te através da cores. São Paulo: Pensamentos, 1989. MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2. Ed. São Paulo: Atheneu, 1993. PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. Brasília: UnB, 1982. PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. VERDUSSEN, R., Ergonomia: a racionalização humanizado do trabalho. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.

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Sono e Cognição: Implicações da Privação do Sono para a Percepção Visual e Visuoespacial Sleep and Cognition: Implications of sleep deprivation for visual perception and visuospatial

Cibele Siebra Soares Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal, Rio Grande do Norte, Brasil Katie Moraes de Almondes Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal, Rio Grande do Norte, Brasil


Resumo: O sono é importante para as funções cognitivas como a percepção visual e visuoespacial. Entretanto, estudos desta natureza são escassos e com diferentes métodos, dificultando comparações. Objetiva-se revisar a literatura sobre as implicações do sono para a percepção visual e visuoespacial e obter maior compreensão desta relação. Observou-se que a privação de sono pode resultar na formação de imagens turvas e duplas sobre a retina, diminuição na vigilância visual, acuidade visual, flutuação no tamanho pupilar e alteração na velocidade dos movimentos sacádicos. Estudos em indivíduos privados de sono demonstraram, ainda, fenômenos de negligência visual, visão de túnel e processamento mais lento na via parvocelular, quando comparado à via magnocelular. Portanto, a maioria das investigações sobre sono e percepção visual indicam prejuízos na capacidade de perceber com precisão estímulos visuais do ambiente devido à privação de sono. Palavras-chave: Sono, cognição, percepção visual, percepção visuoespacial. Abstract: Sleep is important for cognitive functions like visual perception and visuospatial. However, such studies are scarce with different methodologies. It’s difficult for comparisons. The objective is review the literature on the implications of sleep for visual and visuospatial perception and obtain greater understanding of this relationship. It was noted that sleep deprivation can result in the formation of double and blurred images on the retina, decrease in visual vigilance, visual acuity, fluctuation in pupil size and change in velocity of the saccade. Studies in subjects in the sleep deprivation also showed visual neglect phenomena, tunnel vision and slower processing in the parvocellular pathway, compared to the magnocellular pathway. Therefore, most research on sleep and visual perception indicate loss in the ability to accurately perceive visual stimuli of the environment due to sleep deprivation. Keywords: Sleep, cognition, visual perception, visuospatial perception.

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Sono e Cognição: Implicações da Privação do Sono para a Percepção Visual e Visuoespacial

1. Introdução O sono é um evento ativo e de extrema necessidade para o organismo. Embora ainda não se saiba claramente qual a função do sono, é possível constatar os efeitos restaurativos e de bemestar ocasionados por uma noite de sono (KRYGER, ROTH e DEMENT, 2000). De semelhante modo, pode -se perceber os efeitos negativos que um período de sono restrito ou insatisfatório pode acarretar sobre os seres humanos, inclusive sobre o desempenho cognitivo, situação que pode comprometer o desempenho no trabalho, nos estudos e em outras tarefas do cotidiano (LIM e DINGES, 2008). Neste contexto, cada vez mais pesquisas têm procurado investigar o papel do sono no funcionamento cognitivo, bem como as implicações da privação de sono para o declínio das habilidades cognitivas, com o intuito de compreender melhor a correlação entre ambos (BASTIEN et al., 2003). 2. Sono e ritmicidade biológica O sono é caracterizado como um ritmo biológico, gerado e controlado endogenamente por uma estrutura neural, o núcleo supraquiasmático (BENEDITO-SILVA, 2008). Ritmos biológicos são eventos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais que variam regularmente em função do tempo, dos dias ou das épocas do ano. Estas variações dos estados do organismo possibilitam aos indivíduos darem respostas adaptativas às mudanças do ambiente como, por exemplo, o aumento da temperatura corporal no início da manhã, favorecendo o despertar, em resposta ao ciclo de alternância entre os dias e as noites, ciclo claro-escuro (MENNA-BARRETO, 2004). O sono é regulado por dois processos: o processo homeostático S e o processo circadiano C. O processo homeostático S refere-se à regulação do sono dependente da quantidade de sono e de vigília. Há uma maior tendência ao sono quando a vigília é alongada e há uma redução na propensão ao sono em resposta ao excesso do mesmo. Já o processo circadiano C sugere que a alternância entre períodos de alta e de baixa propensão ao sono é controlada por um marcapasso circadiano endógeno, sendo basicamente independente do sono e da vigília (KRYGER et al., 2000). O sono possui também uma arquitetura que tem uma ritmicidade ultradiana (com oscilações menores do que 20 horas), variando entre o ciclo de sono NREM e sono REM. O primeiro é caracterizado pela ausência de movimentos rápidos dos olhos, pela diminuição da frequência respiratória, cardíaca e pela diminuição do tônus muscular. É subdividido, também, em quatro estágios (1, 2, 3 e 4), em que os dois últimos correspondem ao sono profundo, comumente referido como sono de ondas lentas. A atividade do sono de ondas lentas também sofre influência de fatores homeostáticos, pesquisas demonstram que após uma noite de privação de sono há um aumento no sono de ondas lentas na noite de recuperação (KRYGER et al., 2000; NUNES, 2002).

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O sono REM, por outro lado, está relacionado com rápidos movimentos dos olhos, diminuição do tônus muscular mais intensificado, maior profundidade da respiração e presença de sonhos. Assim, os dois ciclos de sono se alternam de maneira que as duas primeiras horas de sono correspondem ao sono profundo, ocorrendo logo após o primeiro estágio do sono REM de curta duração, em geral (FERNANDES, 2006). Esses mecanismos regulatórios possibilitam ao sono manter uma relação temporal com outros ritmos biológicos no próprio organismo como, por exemplo, as oscilações corporais de temperatura central e a secreção dos hormônios cortisol e melatonina. Esta relação de fase entre os ritmos endógenos é chamada de organização temporal interna (BENEDITO-SILVA, 2008). Há também uma organização temporal externa entre o sono e o meio ambiente. Ou seja, o sono é influenciado por pistas temporais do ambiente (os sincronizadores ou zeitgebers) como o ciclo claro-escuro, os compromissos familiares, dias de folga e finais de semana, horários de acordar e dormir e a jornada de trabalho (LOUZADA e MENNA BARRETO, 2004; ROTEMBERG, MARQUES e MENNA BARRETO, 1999). Por conta dessa sensibilidade, determinadas situações como voos transmeridianos, férias, ou ainda, horários irregulares de trabalho podem ocasionar uma relação de oposição entre a influência dos sincronizadores e os ritmos biológicos (COSTA, 2004). Tomando como exemplo os horários irregulares de trabalho, como no caso dos trabalhos em turnos e noturnos, o esquema de trabalho acaba entrando em contradição com os relógios biológicos e com os horários socialmente estabelecidos. Ou seja, no trabalho noturno os indivíduos deslocam a atividade para a noite e o repouso para o dia, indo de encontro à tendência diurna da espécie humana. E também entram em oposição com as obrigações familiares e sociais que obedecem aos horários diurnos estabelecidos. Estes fatores levam a uma dessincronização externa entre a fase de expressão dos ritmos biológicos e sincronizadores ambientais (MARQUES, GOLOMBEK e MORENO, 1999). A dessincronização externa gera também uma dessincronização interna entre o sono e os outros ritmos biológicos: em resposta a essas mudanças nos sincronizadores, o sono ressincroniza-se mais rapidamente que outros ritmos como, por exemplo, o da temperatura central. A diferença entre as velocidades de fases entre os ritmos faz com que passem a funcionar dessincronizados, expressando suas próprias fases (BENEDITO-SILVA, 2008). Essa desordem temporal interna produzida pode acarretar sérias complicações para a saúde e bem estar dos indivíduos, gerando sensação de mal-estar, fadiga, complicações gastrointestinais, cardiovasculares e flutuações no humor (COSTA, 2004; GASPAR, MORENO e MENNA BARRETO, 1998; MARQUES et al., 1999). Outra complicação gerada pelos horários irregulares de trabalho é a privação de sono. A diPRISMA | 20


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minuição das horas de sono e da sua qualidade pode trazer sérias consequências para o desempenho cognitivo dos indivíduos, ocasionado diminuição da concentração, do estado de alerta, do tempo de reação e do desempenho em geral (NIELSON, DEEGAN, HUNG e NUNES, 2010). Nesse sentido, levando em consideração a influência do sono na saúde, desempenho e até no convívio social dos indivíduos, este trabalho tem como objetivo revisar a literatura a respeito da relevância do sono para a cognição, especialmente para as funções cognitivas da percepção visual e visuoespacial. Para isso, foi realizada uma revisão sistemática nas bases de dados digitais PubMed, SciELO, SCOPUS e ScienceDirect. As palavras- chave utilizadas em inglês, combinadas nos bancos de dados foram: sleep deprivation, cognition, visual perception e visuospatial perception. Os critérios de inclusão dos artigos científicos foram: artigos publicados em inglês e português; artigos na íntegra e artigos de pesquisa cientifíca publicados nos últimos dez anos. Os critérios de exclusão foram: artigos com apenas o resumo disponível e pesquisas científicas publicadas há mais de dez anos. 3. Resultados da revisão de literatura: sono e cognição A seguir, serão apresentados os resultados destacando-se as contribuições da literatura recente para as principais temáticas acerca das relações entre sono e cognição, tendo como enfoque principal as discussões em torno das relações entre sono e as funções perceptivas visuais e visuoespaciais. Grande parte do que precisamos para o funcionamento dos processos cognitivos é fornecido durante o sono, sendo fundamental a qualidade das noites dormidas para o bom desempenho das atividades diárias (ZEROUALI, JEMEL e GODBOUT, 2009).Devido à importância do sono para o funcionamento cognitivo, as habilidades como a memória, atenção, raciocínio, vigilância psicomotora, percepção visual e visuoespacial encontram-se seriamente comprometidas pelo estado de privação de sono (BASTIEN et al., 2003; BOSCOLO, SACOO, ANTUNES, MELLO e TUFIK, 2008; CARDOSO et al., 2005; GASPAR et al., 1998). Desta forma, os prejuízos da perda de sono são tão difundidos sobre o funcionamento humano que é difícil encontrar funções que permaneçam intactas (BOONSTRA, STINS, DAFFERTSHOFER e BEEK, 2007). No trabalho, estes efeitos dificultam a qualidade de execução de muitas tarefas e, em situações extremas, a perda de sono pode ser perigosa para o trabalhador e seu ambiente (KILLGORE, W.D., KAHN-GREENE, GRUGLE, KILLGORE, S.D. e BAILKIN, 2009). Na literatura há uma vasta gama de estudos que procuram verificar a relação entre sono e memória, incluindo o efeito do sono sobre o material aprendido e esquecido antes e após o sono (BOSCOLO et al., 2008). Grande parte dessas pesquisas sugerem que a consolidação do

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material recém adquirido sofre interrupção após uma noite de sono perdida (BOONSTRA et al., 2007), principalmente durante o sono REM, estágio responsável pela consolidação da memória. BEAULIEU e GODBOUT (2010), através de uma tarefa de exploração espacial em ratos, demonstraram que a privação de sono durante um período de 8 horas prejudicou a retenção da informação e memorização da tarefa em questão. Estudos sobre a atenção também comprovam os efeitos negativos que a perda de sono pode trazer sobre o funcionamento cognitivo (LIM e DINGES, 2008; RATCLIFF e VAN DONGEN, 2009). Partindo da ideia de que a privação de sono compromete o desempenho cognitivo em algumas tarefas envolvidas com a região fronto-parietal, BOCCA e DENISE (2008) avaliaram os efeitos da privação de sono total na atenção visuoespacial, que se refere à focalização e retirada da atenção em alvos visuais localizados no espaço. Ou seja, a atenção visuoespacial atua como um filtro que acentua as informações do alvo, suprimindo aquelas que não fazem parte do alvo (AWH e PASHLER, 2000) . Neste sentido, através do método de observação da velocidade dos movimentos oculares sacádicos, os quais se configuram como movimentos que direcionam os olhos às áreas a serem fixadas e permitem avaliar a retirada do foco da atenção em um alvo determinado em direção a um alvo (COVRE, MACEDO, CAPOVILLA e SCHWARTZMAN, 2005), os autores encontraram prejuízo na atenção visuoespacial após a privação de sono. Assim, confirmaram a hipótese de que áreas específicas do cérebro são afetadas pela privação de sono. Já os estudos de MANLY, DOBLER, DODDS e GEORGE (2005) sobre a atenção visuoespacial em indivíduos privados de sono, demonstraram que a perda de sono pode prejudicar principalmente o funcionamento do hemisfério direito (campo visual esquerdo), podendo ser um indício também de alterações na percepção visuoespacial normal. Há evidências de que a privação de sono pode afetar também o estado de vigilância, de alerta e as funções executivas. O estudo de MARTELLA, CASAGRANDE e LUPIÁÑES (2011) avaliou se a perda de sono poderia ter um efeito simultâneo no declínio na atenção, vigilância e controle executivo. A pesquisa consistiu na avaliação de 18 participantes privados de sono por 24 horas, através do teste de rede de atenção (ANT). Este teste permite avaliar por meio de uma única tarefa, a atenção, vigilância e controle executivo. Os resultados mostraram uma desaceleração global dos tempos de reação, indicando diminuição da vigilância. Além disso, a privação de sono afetou a atenção e o controle executivo, indicando que indivíduos privados de sono podem ter um prejuízo simultâneo no estado de alerta, atenção e nas funções executivas. 4. Sono, percepção visual e visuoespacial Embora grande parte das investigações sobre o sono e processos cognitivos tenha se fixado em PRISMA | 22


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pesquisas sobre a atenção, memória e vigilância (ALOHA e POLO-KANTOLA, 2007), outras habilidades cognitivas como a percepção visual e visuoespacial também têm recebido atenção nos últimos anos (KERKHOF e VAN DONGEN, 2010). A percepção visual pode ser entendida como a integração das informações do ambiente, como pessoas, cenários e objetos, pelo sistema visual (BEAR, CANNORS e PARADISO, 2002). Já a percepção visuoespacial, mais especificamente, pode ser compreendida como a capacidade de um indivíduo em perceber sua localização e a dos objetos no espaço, bem como na percepção da relação de localização entre os objetos e o próprio indivíduo (MALLOY-DINIZ, FUENTES, MATTOS e ABREUL, 2009; MANNING, 2005). A percepção visuoespacial é tipicamente aferida por tarefas que envolvem a percepção e transformação de figuras bi ou tridimensionais, de formas e imagens visuais, bem como por tarefas que envolvem manter a orientação espacial relativa a objetos que se movem no espaço (GOMES e BORGES, 2009). Neste contexto, os resultados da revisão da literatura que se seguem têm como objetivo apresentar as principais discussões sobre a temática da privação de sono e suas consequências para a percepção visual e visuoespacial. Estudos de neuroimagem funcional demonstraram que a privação de sono pode afetar áreas corticais específicas relacionadas com o processamento visual como o córtex parietal, relacionado com a localização e movimento dos objetos e pelo desenvolvimento de complexas relações visuoespaciais (GAZZANIGA, IVRY e MANGUN, 2006); a área inicial do córtex visual (V1), responsável pelo processamento visual inicial de características básicas das imagens e o córtex temporal. A região do córtex ínfero temporal está envolvida com a percepção e reconhecimento dos objetos. O comprometimento dessas áreas corticais durante a privação de sono pode ser um indicativo de que haja alteração na percepção visual devido a esta condição (KANDEL, SCHWARTZ e JESSEL, 2003; SCHWARTZ, 2004; SCHIFFMAN, 2005). Neste sentido, estudos têm demonstrado que a perda de sono prolongada pode resultar na formação de imagens irreais sobre a retina, como visões turvas e duplas, ocasionando falhas na percepção visual. Estes erros e alucinações visuais tendem a aumentar com a duração da vigília (OEZEL-GRYGLEWSKA, 2010; THOMAS et al., 2003). Outras investigações sobre a deterioração da função perceptiva, em condições de fadiga ou vigília prolongada, relatam uma diminuição na vigilância visual, acuidade visual e detecção visual em indivíduos privados de sono (LIEBERMAN, COFFEY e KOBRICK, 1998; RUSSO et al., 2005). Outros trabalhos, relacionando a privação de sono com o sistema ocular indicam que, nessas condições, os indivíduos podem apresentar flutuação no tamanho pupilar, alteração de velocidade dos movimentos sacádicos, fixação oculomotora e do diâmetro pupilar (DE GENNARO, FERRARA, CURCIO e BERTINI, 2001; MCLAREN, HAURI, LIN, e HARRIS, 2002). Mudanças do tamanho da pupila parecem refletir no reco-

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nhecimento e processamento cognitivo. Logo, alterações nessas variáveis podem indicar maior risco de falhas perceptivas, diminuindo o desempenho das atividades diárias (TSAI, VIIRRE, STRYCHACZ, CHASE e JUNG, 2007). Um trabalho realizado por ROGÉ e GABAUDE (2009), com uma tarefa de percepção visual informatizada, mostrou que uma única noite de sono foi suficiente para reduzir a sensibilidade da percepção visual, demonstrando que o processamento visual também é comprometido por estados de perda de sono. RUSSO et al. (2005) desenvolveram uma pesquisa com o objetivo de investigar a negligência visual (referente à incapacidade em reconhecer ou admitir alguma informação visual, apesar de um sistema visual estruturalmente intacto) sobre o desempenho em uma tarefa de simulação de vôo em pilotos da força aérea em 26 horas de vigília continua. Prejuízos significativos foram encontrados na percepção visual e no desempenho complexo motor após 19 horas de vigília contínua, apontando para os efeitos negativos que a privação de sono pode causar no processamento de informações visuais e em tarefas motoras. A pesquisa demonstrou ainda que déficits no processamento visual foram correlacionados com diminuição do desempenho motor, sugerindo que falhas na percepção de estímulos visuais podem acarretar prejuízos no desempenho em tarefas motoras que necessitem de pistas visuais para serem executadas (RUSSO et al., 2005). Embora estudos tenham demonstrado anormalidades visuais na privação de sono, investigações sobre a relação entre sono, processos visuais e visuoespaciais ainda mostram resultados conflitantes. Estudos indicam o domínio do hemisfério direito (campo visual esquerdo) sobre o hemisfério esquerdo (campo visual direito) na visuoespacialidade. Seguindo esta linha de raciocínio, algumas pesquisas relacionando sono e lateralidade cerebral têm sugerido que o hemisfério direito pode ser mais afetado pela perda de sono do que o hemisfério esquerdo em tarefas visuoespaciais. Entretanto, resultados encontrados na literatura não são unânimes quanto a essa afirmação (KERKHOF e VAN DONGEN, 2010). Os estudos de KENDALL, KAUTZ, RUSSO e KILLGORE (2006), por exemplo, analisaram a percepção visual de pequenos flashes de luz rápidos e demonstraram um declínio global de omissões aos estímulos em todo campo da percepção visual por conta da privação de sono, ao invés de um déficit específico na percepção do campo visual esquerdo. Já outros estudos, sob condições de visualização de estímulos livres e sem restrições de tempo, não conseguiram encontrar nenhum indício de lateralidade por conta da privação de sono. De acordo com KERKHOF e VAN DONGEN (2010), esta discrepância nos resultados sugere que o efeito da privação do sono no processamento visual é sutil, não sendo aparente em medidas de avaliação menos sensíveis, que desconsiderem o tempo e velocidade de resposta. PRISMA | 24


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Outra divergência é em relação à existência de prejuízos em áreas cerebrais especificas, relacionadas ao processamento visual na privação de sono. Por exemplo, KILLGORE, KENDALL, RICHARDS e MCBRIDE (2007) investigaram se prejuízos na percepção visuoespacial, por conta da privação de sono, poderia ser devido a déficits específicos em áreas cerebrais relacionadas com o processamento visual ou se a privação de sono afetaria as capacidades cognitivas de uma forma global, através da degradação da atenção e vigilância. Suas observações são embasadas por seu estudo com 54 indivíduos saudáveis, privados em uma noite de sono, através de um teste computadorizado de vigilância psicomotora. O referido trabalho encontrou um déficit significativo na vigilância psicomotora. No entanto, o mesmo não pode ser observado em relação a áreas cerebrais ligadas a percepção visuoespacial, cujo resultado na tarefa de avaliação não obteve um prejuízo significativo. Sugerindo, então, que déficits no desempenho associados com a perda de sono não parecem ser resultado de uma disfunção nas áreas cerebrais responsáveis pela percepção visuoespacial e que podem estar relacionados ao declínio da atenção e alerta (KILLGORE et al., 2007). Com objetivo semelhante, CHEE et al. (2008) investigaram, em motoristas privados de sono, se erros perceptivos ocorridos durante uma tarefa de atenção visual seletiva (na qual era solicitado que identificassem, apertando um botão, entre letras grandes e pequenas) estariam relacionados com uma menor ativação nas áreas cerebrais relacionadas ao processamento visual e atenção visual. Ao contrário de KILLGORE et al. (2007), os resultados desta pesquisa mostraram que respostas erradas e mais lentas estavam associadas a quedas drásticas na atividade do córtex visual, como também na redução da capacidade das regiões de controle frontal e parietal para aumentar a ativação em resposta a lapsos. Os autores sugeriram que os lapsos visuais podem ser bastante perigosos, aumentando o risco de acidentes com veículos. Há evidências, ainda, de que a perda de sono pode causar o efeito conhecido como visão de túnel. No entanto, as investigações nessa área também apontam resultados contraditórios (MILLS, SPRUILL, KANNE, PARKMAN e ZHANG, 2001). A visão de túnel pode ser definida como uma limitação do campo visual útil, o qual corresponde às áreas em que a informação visual pode ser rapidamente encontrada e extraída durante uma tarefa visual (ROGÉ, KIELBASA e MUZET, 2002). Em outras palavras, a visão de túnel ocorre quando o campo visual útil é reduzido por conta da dificuldade na detecção de informações visuais localizadas na periferia do campo visual (região periférica da retina), se restringindo ao centro do campo visual (fóvea), que corresponde a região central da retina e de maior acuidade visual (JACKSON et al., 2008). Um estudo de ROGÉ, PÉBAYLE, EL HANNACHI e MUZET (2003) demonstrou o efeito da visão de túnel em motoristas privados de sono. O experimento consistiu na realização de uma

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tarefa monótona de simulação, na qual os motoristas deveriam seguir um veículo por uma hora. A tarefa dos motoristas consistia em identificar estímulos que apareceriam brevemente na estrada de simulação, tanto na região central, quanto na região periférica do campo visual. Os resultados mostraram uma redução na capacidade de processar sinais periféricos, na medida em que os voluntários se mostravam mais sonolentos. Já o trabalho de JACKSON et al. (2008) que também avaliou o processamento diferencial de estímulos apresentados à fóvea versos campo visual periférico e ainda e sobre as respostas das vias parvocelular (P) – caracterizada pela menor velocidade de processamento e pela detecção de cor e forma dos objetos e magnocelular (M) – responsável pelo processamento de estímulos visuais transitórios e padrões de baixo contraste acromático (KANDEL et al., 2003), em motoristas profissionais privados de sono por 27 horas. Para a avaliação da visão de túnel, os voluntários deveriam fixar o olhar no centro da tela de um computador enquanto estímulos visuais eram apresentados à fóvea e ao campo visual periférico. A tarefa durou 3,5 minutos no total. Já para a avaliação da resposta da via P versus via M, foram apresentados estímulos visuais em preto e branco (para a via M) e coloridos (para a via P), que deveriam ser identificados também na tela de um computador. Os resultados não mostraram diferenças no processamento visual nas regiões centrais e periféricas da retina. No entanto, pode-se observar um processamento mais lento na via parvocelular em comparação com a via magnocelular. Assim, a pesquisa mostrou que déficits no desempenho de tarefas visuais durante a privação de sono podem ser devido a processos cognitivos superiores, ao invés de processamento visual inicial, indicando que a privação de sono pode impedir, diferencialmente, o processamento de informações visuais mais detalhadas (JACKSON et al., 2008). As discrepâncias nos resultados podem ser devido às diferenças da natureza das tarefas perceptivas empregadas, já que estudos demonstram que a capacidade de processar estímulos periféricos tende a degradar em tarefas monótonas e longas, que envolvem a visão central e periférica (ROGÉ et al., 2002; GILLBERG e AKERSTEDT, 1998). As discussões que giram em torno de saber se os prejuízos visuais e visuoespaciais, ocasionados pela privação de sono, podem ou não ser atribuídos a alterações específicas em regiões cerebrais envolvidas com o processamento visual são reflexo de discussões mais amplas presentes na literatura a respeito das causas pelas quais o desempenho cognitivo é vulnerável a estados restritos de sono. No geral, duas hipóteses são levadas em consideração para discutir esta questão. A primeira considera o impacto global da privação do sono sobre o organismo. Ou seja, de acordo com essa hipótese, a principal razão para o prejuízo cognitivo durante a privação de PRISMA | 26


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sono seria o declínio da atenção e vigilância. Este declínio seria manifestado através de lapsos, lentificação de respostas e instabilidade do estado de vigília ou micros episódios de sono, que poderiam produzir falhas (ALHOHA e POLO-KANTOLA, 2007). A segunda hipótese considera o impacto seletivo. Segundo esta teoria, a privação de sono interfere no funcionamento de algumas áreas do cérebro e, consequentemente, prejudica o desempenho cognitivo. A teoria do impacto seletivo leva em consideração diferenças individuais, a natureza das tarefas e técnicas como ressonância magnética funcional (FRMI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) para investigar as áreas cerebrais envolvidas durante a privação de sono. Assim, além do declínio da atenção e vigilância, esta teoria supõe ser possível identificar déficits específicos na privação de sono, que acarretariam os prejuízos cognitivos, como os demonstados em alguns estudos desta revisão (ALHOHA e POLO-KANTOLA, 2007). Neste sentido, embora os resultados encontrados não sejam unânimes a respeito da forma com que os prejuízos visuais e visuoespaciais se manifestam na privação de sono, é importante levar em consideração as consequências negativas que estes efeitos podem acarretar para os indivíduos no desempenho de suas atividades, visto que as habilidades visuais e visuoespaciais são fundamentais para compreender, representar, organizar e se situar em relação às informações do ambiente (SPENCE e FENG, 2010). Sendo assim, estas investigações permitem considerar que a privação de sono pode afetar diretamente a capacidade de processar adequadamente e integrar uma grande variedade de estímulos ao mesmo tempo, além de aumentar a chance da ocorrência de reduções na percepção da situação como um todo. Estas reduções podem impedir o desempenho de tarefas visuais de forma satisfatória, devido à incapacidade do cérebro para processar e integrar informações visuais, de diferentes fontes, em um todo significativo e relevante (RUSSO et al., 2005). 5. Considerações finais Grande parte das investigações sobre sono, percepção visual e visuoespacial indicam a deterioração na capacidade de perceber com precisão os estímulos visuais devido à privação de sono. Entretanto, mesmo com as evidências que demonstram uma diminuição na atividade de áreas neurais relacionadas com o processamento visual, durante a privação de sono, não há um consenso se os prejuízos perceptivos podem ser atribuídos a falhas na percepção visual, ou se podem ser determinados pelo declínio da atenção e vigilância. A variedade das tarefas empregadas e as características distintas das amostras também dificultam as comparações entre os resultados das investigações. Assim, são necessários mais estudos para abrir o leque de informações sobre esta relação, já que a compreensão destes mecanismos mostra-se de extrema

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relevância por conta das consequências negativas sobre o desempenho e os riscos de acidentes que as falhas na percepção visual podem ocasionar aos indivíduos.

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Sono e Cognição: Implicações da Privação do Sono para a Percepção Visual e Visuoespacial

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Almondes & Soares

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Processamento Visual da Forma em Idosos: Curvas de Limiar de Contraste para Frequências Angulares e Senoidais Visual Processing of Form in the Aged: Threshold Contrast Curves to Angular and Spatial Frequency Natanael Antonio dos Santos Universidade Federal da Paraíba João Pessoa, Paraíba, Brasil Maria Lúcia de Bustamante Simas Universidade Federal de Pernambuco Recife, Pernambuco, Brasil Renata Maria Toscano Barreto Lyra Nogueira Universidade Federal de Pernambuco Recife, Pernambuco, Brasil


Resumo: O objetivo deste trabalho foi mensurar curvas de sensibilidade ao contraste para frequências angulares e senoidais em idosos. Foram estimados limiares de contraste para um grupo de jovens com idade entre 20-26 anos e um grupo de idosos com idade entre 60-67 anos. Todos os sujeitos apresentavam acuidade visual normal e se encontravam livres de doenças oculares identificáveis. As frequências angulares e senoidais estimadas com o método psicofísico da escolha forçada foram: 2, 4, 8, 16, 24, 32, 48, 64 e 96 ciclos/360o e 0.5, 1, 2, 3, 4, 6 e 9 cpg, respectivamente. Os resultados mostraram declínio na sensibilidade ao contraste nos idosos nas frequências angulares e senoidais médias e altas comparados aos jovens. Encontramos, ainda, que a sensibilidade ao contraste dos idosos nas frequências angulares baixas é melhor do que a dos jovens. Estes resultados são consistentes com alterações na sensibilidade ao contraste relacionados ao processo de envelhecimento. Palavras-chave: Processamento visual da forma, frequência angular, frequência espacial, sensibilidade ao contraste, método da escolha forçada. Abstract: The aim of this work was to measure contrast sensitivity curves for angular and spatial frequencies in the aged. We measured the contrast thresholds from young adults (20-26 years-old) and aged (60-67 years-old). All the participants had good visual acuity and were free from significant ocular pathology. The angular and spatial frequencies measured with a forced-choice psychophysic method were 2, 4, 8, 16, 24, 32, 48, 64 and 96 cycle/360o and 0.5, 1, 2, 3, 4, 6 and 9 cpd, respectively. The results showed a loss in contrast sensitivity for the aged at high and medium angular and spatial frequencies compared to the younger group. We still found that the contrast sensitivity of the aged group at low angular frequency is better than the younger group. These results are consistent with age-related changes in contrast sensitivity function. Keywords: Visual processing of form, angular frequency, spatial frequency, contrast sensitivity, forced-choice method.

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Processamento Visual da Forma em Idosos

1. Introdução Estudos psicofísicos em humanos e estudos neurofisiológicos em macacos e gatos fornecem forte suporte para a ideia de que o processamento visual de objetos é composto por mecanismos ou canais múltiplos sintonizados para bandas estreitas de frequências espaciais (R. L. & K. K. DE VALOIS, 1988; SANTOS, 1999; SANTOS & SIMAS, 2001; SIMAS & SANTOS, 2002; WILSON, LEVI, MAFFEI, ROVAMO & DE VALOIS, 1990). O modelo de canais múltiplos assume que a função de sensibilidade ao contraste (FSC) é o envelope da sensibilidade para a série total de canais, cada um sensível a uma região do espectro (BRADDICK, CAMPBELL & ATKINSON, 1978; GRAHAM & NACHMIAS, 1971). Neste contexto, a FSC tem sido utilizada para descrever e compreender os mecanismos putativos que medeiam o processamento visual da forma e de detalhes espaciais. A sensibilidade ao contraste é definida como a recíproca da quantidade mínima de contraste necessária para detectar um padrão qualquer (Ex.: uma grade) de uma determinada frequência espacial (CORNSWEET, 1970; WOODHOUSE & BARLOW, 1982). Assim, o contraste para cada frequência espacial é ajustado com um procedimento comportamental ou psicofísico até que o sistema visual possa discriminar um padrão (ou objeto) de frequência espacial de um outro com um campo homogêneo de luminância média. Em resumo, a sensibilidade ao contraste estima a visibilidade de qualquer objeto em função de sua frequência espacial. A FSC de humanos com funções visuais normais tem formato geral bem definido. Isto é, apresenta sensibilidade máxima nas frequências intermediárias ou médias, aproximadamente no centro da curva, com atenuações nas frequências baixas e altas, nos extremos da curva. Frequência espacial é o número de ciclos (listras claras e escuras) por unidade de espaço, que em percepção visual da forma foi convencionalmente denominado de ciclo por grau de ângulo visual (cpg). Por exemplo, uma frequência espacial de 2 cpg teria duas listras claras e duas escuras por grau de ângulo visual. Enquanto, o contraste é definido pela relação entre a luminância máxima (listra clara) e mínima (listra escura) dividida pela soma da luminância máxima e mínima. 2. A sensibilidade ao contraste e o envelhecimento humano A existência de alterações significativas nas características neurais e ópticas do sistema visual com a idade originaram inicialmente vários estudos tentando relacionar o processo de envelhecimento à sensibilidade ao contraste, ou ainda, avaliar o desempenho do sistema visual humano em faixas etárias diferentes (ARDEN, 1978; ARDEN & JACOBSON, 1978; MCGRATH & MORRISON, 1981; OWSLEY, SEKULER & SIEMSEN, 1983; SEKULER, HUTMAN & OWSLEY, 1980; SKALKA, 1980). Alguns destes trabalhos, conforme veremos a seguir, merecem destaque

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Santos, Simas & Nogueira

particular porque apresentam resultados divergentes. Por exemplo, ARDEN (1978) mensurou a FSC para frequências espaciais baixas e médias utilizando sujeitos na faixa etária de 11 a 70 anos. Neste estudo, o autor utilizou placas fotográficas onde cada placa continha uma frequência espacial específica e o contraste variava de um nível subliminar, na parte superior, a um nível supra-liminar, na parte inferior da placa. Arden mensurou o limiar de contraste para cada frequência investigada utilizando um procedimento no qual o investigador descobria lentamente a placa até o sujeito detectar o estímulo, ou seja, a grade. Os resultados de Arden não revelaram mudanças na sensibilidade ao contraste relacionadas ao processo de envelhecimento em nenhuma frequência espacial testada. Por outro lado, ARDEN e JACOBSEN (1978), utilizando o mesmo aparato, procedimento e amostra semelhante, encontraram sensibilidade levemente reduzida para os voluntários mais velhos em todas as frequências espaciais testadas. Resultados semelhantes foram encontrados por SKALKA (1980) e por MCGRATH e MORRISON (1981). Enquanto, Skalka utilizou as placas de ARDEN (1978), McGrath e Morrison utilizaram um osciloscópio com luminância média de 2 cd/m2 para apresentar os estímulos. Por sua vez, SEKULER e colaboradores (1980) mensuraram a sensibilidade ao contraste para dois grupos de voluntários com idade média de 18 e 73 anos. O limiar para cada grade foi mensurado com o método psicofísico do ajustamento. As frequências espaciais foram apresentadas em um monitor com contraste controlado por um microcomputador. Os resultados encontrados mostram sensibilidade menor para frequências espaciais baixas e médias no grupo de idosos comparado ao grupo de jovens. Os autores não encontraram diferenças entre o grupo de jovens e idosos para a frequência mais alta, 16 cpg. Outros, contrários aos estudos citados acima, relatam que o envelhecimento afeta principalmente a sensibilidade de frequências espaciais mais altas (ARUNDALE, 1978; DEREFELDT, LENNESTRAND & LUNDH, 1979). Derefeldt e colaboradores mensuraram a FSC de adultos jovens e idosos. Os limiares foram estimados com grades senoidais apresentadas em um osciloscópio. Os resultados demonstraram que os voluntários com idade acima de 60 anos apresentaram sensibilidade reduzida para frequências espaciais acima de 4 cpg quando comparado aos grupos mais jovens. Finalmente, alguns trabalhos relatam que o envelhecimento afeta principalmente as frequências espaciais médias e altas (CRASSINI, BROWN & BOWMAN, 1988; ELLIOTT, 1987; OWSLEY & cols., 1983; ROSS, CLARKE & BRON, 1985). Por exemplo, OWLSEY e colaboradores (1983), em estudo detalhado, mensuraram a FSC de voluntários na faixa etária de 19 a 87 anos, utilizando frequências espaciais de 0,5, 1, 2, 4, 8 e 16 cpg. Os voluntários foram divididos em sete grupos de PRISMA | 36


Processamento Visual da Forma em Idosos

idade (19-28, 31-38, 41-48, 50-58, 60-69, 70-79 e 80-87 anos). Os resultados mostraram que a sensibilidade ao contraste para frequências espaciais baixas (Ex.: 0,5 e 1 cpg) permanece a mesma em todos os grupos de idade. Por outro lado, a sensibilidade ao contraste para frequências espaciais médias e altas (2-16 cpg) diminui com a idade a partir da faixa etária 41-48 anos. Este declínio torna-se mais severo com o aumento da idade, de forma que o grupo de voluntários acima de 60 anos apresenta perdas estatisticamente significantes na sensibilidade ao contraste para as frequências espaciais médias e altas comparado ao grupo mais jovem. No momento, não existe ainda um consenso geral sobre as faixas de frequências que são afetadas pelo envelhecimento, entretanto a idéia principal é que o processo de envelhecimento reduz principalmente a sensibilidade ao contraste nas frequências espaciais médias e altas (FIORENTINI, PORCIATTI, MORRONE & BURR, 1996; SCHERFRIN, TREGEAR, HARVEY JR. & WERNER, 1999). 3. O presente estudo Declínio na sensibilidade ao contraste em humanos, depois dos 50 anos, tem sido demonstrado por estudos psicofísicos utilizando grade senoidal vertical ou frequências espaciais como estímulos visuais (NIO & cols., 2000). Porém, pesquisas envolvendo padrões com outras configurações, como por exemplo frequências angulares, são dispersas e raras com adultos jovens e não encontramos nada com idosos. Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo mensurar a curva de limiar de contraste para frequências angulares e a curva de limiar de contraste para frequências espaciais para duas faixas etárias diferentes (adultos jovens de 20-26 anos e idosos de 60-67 anos) utilizando o método psicofísico da escolha forçada. 4. Método 4.1. Participantes Participaram dos experimentos 10 voluntários, 5 adultos jovens com idade entre 20-26 anos e 5 idosos com idade entre 60–67 anos. Todos os participantes estavam livres de doenças oculares identificáveis e a menos de 12 meses tinham consultado os seus oftalmologistas. Os mesmos também apresentavam acuidade visual normal ou corrigida. 4.2. Equipamentos e estímulos Foi utilizado um sistema que compreende um monitor de vídeo SONY-BVM-1910, com entrada “RGBsync” controlado por um microcomputador através de uma placa Data-Translation DT2853. Um programa escrito em linguagem C foi desenvolvido no laboratório para executar os

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Santos, Simas & Nogueira

experimentos. Uma cadeira foi fixada a 150 cm da tela do monitor de vídeo. Uma tábua cinza foi situada acima do monitor de vídeo para onde o voluntário, entre uma apresentação e outra, deveria fixar o olhar com o objetivo de diminuir os efeitos de pós-imagem. A luminância média foi de 6,9 cd/m2 ajustada por um fotômetro do tipo SPOT METTER, com precisão de um grau, ASAHI PENTAX. A luminância mínima foi de 6,2 cd/m2 e a máxima de 7,5 cd/m2. O ambiente do laboratório era cinza para melhor controle da luminância. Os estímulos de frequências espaciais e angulares foram gerados em tons de cinza e apresentados em tempo real no monitor. Todos os estímulos também eram circulares com um diâmetro de 7,25 graus de ângulo visual a 150 cm de distância da tela (Figura 1).

Figura 1. Exemplos de estímulos de freqüências espaciais grades senoidais (acima à es-

querda 0,5 cpg e à direita 3 cpg) e freqüências angulares (embaixo à direita 1 ciclo/360o e à

esquerda 16 ciclos/360o). Estímulos original-

mente calibrados para serem vistos a 150 cm de distância antes de fotografados.

As estimativas foram feitas utilizando pares de estímulos, estímulo de teste e estímulo de fundo. O estímulo de teste foi uma das frequências espaciais 0,5 , 1, 2, 3, 4, 6 ou 9 cpg (sete condições experimentais) ou uma das frequências angulares 2, 4, 8, 16, 24, 32, 48, 64 e 96 ciclos/360o (nove condições experimentais), enquanto o estímulo de fundo foi sempre um padrão homogêneo com luminância média de 6,9 cd/m2. A Figura 1 ilustra exemplos de frequências espaciais e angulares. Mais informações sobre estes estímulos podem ser encontrados em SANTOS e SIMAS (SANTOS, 1999; SANTOS & SIMAS, 2001 e 2002; SIMAS, SANTOS & THIERS, 1997). 4.3. Procedimento As estimativas foram realizadas com método da escolha forçada (SANTOS, 1999; SIMAS & cols., 1997). Este método foi baseado no estudo de WETHERILL e LEVITT (1965), que calcula a probabilidade de acertos consecutivos por parte do voluntário, ou seja, em cerca de 100-150 apresentações de escolhas entre os dois estímulos, o estímulo de teste é percebido 79% das vezes pelo PRISMA | 38


Processamento Visual da Forma em Idosos

voluntário. O procedimento para medir o limiar para cada frequência consistiu na apresentação sucessiva simples do par de estímulos e o voluntário teria que escolher dentre eles qual continha a frequência espacial ou angular. O critério adotado para variar o contraste da frequência de teste (espacial ou angular) era o de três acertos consecutivos para decrescer uma unidade e um erro para acrescer da mesma unidade (0,08%). Durante cada sessão experimental era apresentada uma sequência de estímulos que foi iniciada com um sinal sonoro seguido imediatamente pela apresentação do primeiro estímulo por 2 s, seguido de um intervalo entre estímulos de 1 s, seguido pela apresentação do segundo estímulo por 2 s e da resposta do voluntário. A ordem de apresentação dos estímulos era aleatória. Se a resposta do voluntário fosse correta, era seguida por outro sinal sonoro e um intervalo de 3 s para a sequência se repetir. Em outras palavras, o intervalo entre tentativas era de 3s independente da resposta (ou escolha) ser correta ou não. O sinal sonoro que indica o início da apresentação do par de estímulos e o que indicava a escolha correta eram diferentes e discretos. A sessão experimental variava em duração dependendo dos erros e acertos do voluntário até proporcionarem um total de 10 máximos e 10 mínimos para os adultos jovens (ou cinco máximos e cinco mínimos para os idosos) conforme requerido para o final automático da mesma. Cada um dos pontos (ou frequências) da curva de limiar de contraste foi estimado pelo menos duas vezes, em dias diferentes, por cada um dos observadores. No total, 10 curvas foram medidas para cada grupo de voluntários, gerando uma amostra de aproximadamente 120 valores para cada um dos pontos estimados. Todas as estimativas foram medidas à distância de 150 cm, com visão binocular. Os voluntários foram orientados antes da sessão a pressionar a barra de espaço quando julgassem que o estímulo de teste tivesse sido apresentado primeiro e qualquer tecla acima da barra de espaço quando julgasse que o mesmo tivesse sido apresentado em segundo lugar, isto é, após o estímulo de fundo. Em outras palavras, a tarefa do observador foi escolher sempre o estímulo que continha a frequência espacial ou angular. 5. Resultados As Figuras 2 e 3 mostram as curvas de limiares de contraste de adultos jovens e de idosos para frequências espaciais e para frequências angulares, respectivamente. As frequências espaciais e angulares são apresentadas nos gráficos em função da quantidade de contraste mínimo necessário para detectar cada frequência. As barras verticais indicam as barras de erro-padrão da média. Nosso tratamento estatístico foi estimar a barra de erro-padrão da média para cada distribui-

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Santos, Simas & Nogueira

ção de 120 valores mensurados para cada ponto e corrigidos para o tamanho da amostra pelo estatístico t-student para obter o nível de confiança de 99%. Em experimentos anteriores, foi estabelecido que a barra de erro-padrão da média, corrigida pelo tamanho da amostra representando intervalo de confiança de 99% pelo estatístico t-student, de acordo com o número de valores mensurados, é um critério mais estrito do que a utilização da ANOVA ou teste t para amostras correlacionadas. Por exemplo, quando os intervalos dos erros-padrão da média assim corrigidos se superpõem até mesmo pela metade, ainda assim um teste t-student para amostras correlacionadas revela diferenças entre as médias que são significativas com p<0,05. Nos casos em que os erros barras não se sobrepõem, as médias são significativas com p<0,001. A ANOVA tende a mostrar interações e efeitos significativos em todos fatores e não acrescenta muita informação. A curva de limiar de contraste (1/FSC) é a recíproca da função de sensibilidade ao contraste (FSC). Em outras palavras, quanto menor o limiar de contraste maior a sensibilidade do sistema visual humano e vice-versa. Assim, os menores valores de limiares correspondem aos maiores valores de sensibilidade ao contraste.

Figura 2. Curva de limiar de contraste de adultos e idosos para freqüências espaciais.

A Figura 2 mostra que a sensibilidade máxima dos dois grupos ocorreu aproximadamente na mesma faixa de frequências espaciais, isto é, entre 2-3 cpg no grupo de jovens e entre 2-4 cpg no grupo de idosos. Entretanto, o limiar de contraste do grupo de idosos foi de aproximadamente duas vezes mais alto do que o grupo de jovens na faixa de máxima sensibilidade. A Figura 2 mostra, ainda, que o limiar de contraste do grupo de idosos nas frequências mais altas (6 e 9 cpg) é aproximadamente 1,5 mais alto do que o limiar do grupo de jovens.

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Processamento Visual da Forma em Idosos

Figura 3. Curva de limiar de contraste de adultos e idosos para freqüências angulares.

A Figura 3 mostra que a sensibilidade máxima dos dois grupos ocorreu na mesma faixa de frequência angular, isto é, entre 16-32 ciclos. Entretanto, o limiar de contraste do grupo de idosos foi da ordem de 1,7 vezes mais alto do que o limiar de contraste do grupo de jovens tanto nas frequências angulares médias (faixa de máxima sensibilidade) quanto nas frequências angulares mais altas comparado ao grupo de adultos jovens. Ao contrário, nas frequências angulares baixas (Ex.: 2 ciclos) a situação se inverte, ou seja, o limiar de contraste do grupo de jovens foi aproximadamente 1,2 vezes mais alto do que o limiar de contraste do grupo de idosos. O mesmo não ocorreu para frequências espaciais baixas (ver Figura 2). Os nossos resultados são consistentes com o declínio da sensibilidade ao contraste do sistema visual do idoso apenas para frequências espaciais e angulares médias e altas. Não encontramos declínio na sensibilidade do grupo de idosos nas frequências espaciais e angulares baixas. No caso específico das frequências angulares baixas (Ex.: 2 e 4 ciclos), o grupo de idosos apresentou melhor sensibilidade do que o grupo de adultos jovens. Estes resultados demonstram que de certa forma o sistema visual do idoso funciona melhor nas frequências baixas do que nas médias e altas. 6. Discussão Declínio na sensibilidade ao contraste relacionado ao envelhecimento tem sido demonstrado por vários estudos psicofísicos conforme discutimos no início deste trabalho. Embora exista divergências sobre as faixas de frequências espaciais que são afetadas pelo processo de envelhecimento. Entretanto, é importante ressaltar que questões metodológicas e o estado de saúde da amostra podem ser responsáveis por boa parte das divergências encontradas. Por exemplo, estudos realizados com as placas de Arden podem ser influenciados pela iluminação e pela ve-

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locidade com que cada grade é descoberta pelo experimentador (OWSLEY & cols., 1983). Assim como, já se sabe que doenças comuns da terceira idade (glaucoma, catarata, diabetes, dentre outras) afetam diferentemente a sensibilidade ao contraste (WOODS, TREGEAR & MITCHELL, 2001). Não está claro em alguns experimentos discutidos acima se todos os voluntários apresentavam boa acuidade visual e estavam livres de doenças ou patologias oculares significantes. Qual a contribuição dos fatores ópticos ou neurais na redução da sensibilidade ao contraste espacial no idoso? Esta questão ainda é objeto de investigação (MCLELLAN, MARCOS & BURNS, 2001; NIO & cols., 2000; SCHEFRIN & cols., 1999). Entretanto, em condições fotópicas, tanto alterações senis nas propriedades ópticas do olho (Ex.: miose senil, opacidade da córnea) quanto os mecanismos neurais responsáveis pelo processamento visual da forma podem estar relacionados à deterioração da sensibilidade ao contraste para frequências espaciais altas, enquanto que os fatores neurais parecem exercer um papel mais proeminente no declínio da sensibilidade para frequências espaciais abaixo de 2 cpg (SCHEFRIN & cols., 1999). A nossa proposta principal foi investigar o efeito da idade na curva de sensibilidade ao contraste para frequências angulares, pois já existe na literatura um número considerável de estudos relacionando limiar de contraste, idade e frequência espacial. Os nossos resultados com frequência espacial e angular, nas mesmas condições e método, demonstram declínio na sensibilidade ao contraste no grupo de idosos nas frequências espaciais e angulares médias e altas (Figuras 2 e 3). Os resultados com grade senoidal apresentados na Figura 2 são semelhantes a outros relatados na literatura que não encontraram alteração relacionada ao envelhecimento nas frequências espaciais baixas, e sim, declínio na sensibilidade ao contraste apenas nas frequências espaciais médias e altas dos idosos (CRASSINI & cols., 1988; ELLIOTT, 1987; OWSLEY & cols., 1983; ROSS & cols., 1985). Já os resultados apresentados na Figura 3 para frequências angulares são semelhantes aos da Figura 2 apenas nas frequências médias e altas. Pois, nas frequências angulares baixas, houve um aumento na sensibilidade do grupo de idosos quando comparado ao grupo de jovens. Este achado não seria necessariamente o esperado, até porque não encontramos nada parecido na literatura para frequências espaciais ou grade senoidal vertical. Entretanto, estímulos de frequência espacial (grade senoidal) e estímulos angulares são diferentes. Grade senoidal é um estímulo elementar cuja luminância varia senoidalmente no espaço, em uma direção, em um sistema de coordenadas cartesianas (Figura 1). Enquanto, o estímulo de frequência angular é um padrão cuja luminância varia, de acordo com o seno ou o cosseno, na direção angular em um sistema de coordenadas polares. Neste caso, a fase da frequência angular varia entre 0 (zero) e 2p e a frequência é discreta e sempre dada por número inteiro de ciclos por 360o (Figura 1). Assim, ao contrário da grade senoidal, o estímulo angular é adimensional, PRISMA | 42


Processamento Visual da Forma em Idosos

inteiro e sua frequência independe da distância. Será que o processo de envelhecimento afeta diferentemente o sistema visual? Será que os mecanismos que processam estímulos cartesianos (Ex.: grades senoidais) são mais afetados pelo envelhecimento do que os que processam estímulos polares (Ex.: frequências angulares)? Esses questionamentos são preliminares já que não encontramos nada na literatura nesta direção. Entretanto, estudos psicofísicos em humanos e neurofisiológicos em animais (gato e primata) mostram que estímulos lineares em coordenadas cartesianas (Ex.: frequência espacial ou grade senoidal) e estímulos em coordenadas polares (Ex.: frequência angular e radial) são processados por áreas visuais distintas (DESIMONE & SCHEIN, 1987; R. L. & K. K. DE VALOIS, 1988; GALLANT, BRAU & van EESSEN, 1993; GALLANT, CONNOR, RAKSHIT, LEWIS, & van EWSSEN, 1996; MANAHILOV & SIMPSON, 2001; MERIGAN, 1996; WILKINSON & cols., 2000; WILSON & WILKINSON, 1998; WILSON, WILKINSON & ASAAD, 1997). Em outras palavras, freqüências espaciais seriam filtradas no córtex visual primário ou estriado (V1), enquanto frequências angulares em áreas visuais extra-estriadas (Ex.: área visual V4 e córtex visual ínfero temporal, IT). Estes achados, também, são reforçados com a técnica de imagem de ressonância magnética funcional em humanos (WILKINSON & cols., 2000) que demonstra inicialmente que estímulos radiais e angulares em coordenadas polares são processados em áreas do córtex extra-estriado (V4 e IT). No momento, não podemos afirmar que o envelhecimento afeta diferentemente o processamento visual de frequências espaciais e angulares. Estes resultados envolvendo sensibilidade ao contraste, idosos e frequências angulares são preliminares. Novas pesquisas estão sendo conduzidas para estudar de forma mais abrangente e sistemática os efeitos do envelhecimento na sensibilidade ao contraste angular.

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Santos, Simas & Nogueira

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Processamento Visual da Forma em Idosos

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Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade Visual-motor perception in students with Attention Deficit with Hyperactivity Disorder

Giseli Donadon Germano

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marília, São Paulo, Brasil.

Fábio Henrique Pinheiro

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marília, São Paulo, Brasil.

Paola Matiko Martins Okuda

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marília, São Paulo, Brasil.

Simone Aparecida Capellini

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marília, São Paulo, Brasil.


Resumo: Objetivo: Caracterizar e comparar as habilidades de percepção viso-motoras de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) com escolares com bom desempenho acadêmico. Métodos: Participaram deste estudo 40 escolares na faixa etária de 7 anos a 10 anos e 8 meses, do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas, divididos em GI (20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de TDAH) do gênero masculino (100%) e GII (20 escolares com bom desempenho escolar), pareados com o GI em idade, escolaridade e gênero. Os escolares foram submetidos ao Teste Evolutivo de Percepção Visual (DTVP-2). Resultados: Os escolares de GI apresentaram desempenho inferior na função de posição no espaço e closura visual (motricidade reduzida) e equivalente de idade inferior para percepção de motricidade reduzida em relação ao GII. Conclusão: As dificuldades em percepção viso-motora apresentadas pelos escolares de GI podem ser atribuídas não a um déficit primário, mas a um fenômeno secundário à desatenção que interfere de forma direta em seu desempenho de percepção viso-motora. Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, percepção visual, destreza motora, avaliação, educação. Abstract: Purpose: The aim of this study was to characterize and to compare the visual-motor perception of students with Attention Deficit with Hyperactivity Disorder (ADHD) with students with good academic performance. Methods: Forty students from 2nd to 5th grades of an elementary public school, male gender (100%), aged between 7 and 10 years and 8 months old participated, divided into: GI (20 students with ADHD) and GII (20 students with good academic performance), paired according to age, schooling and gender with GI. The students were submitted to Developmental Test of Visual Perception (DTVP-2). Results: The students of GI presented low performance in spatial position and visual closure (reduced motor) and inferior age equivalent in reduced motor perception, when compared to GII. Conclusion: The difficulties in visual-motor perception presented by students of GI cannot be attributed to a primary deficit, but to a secondary phenomenon of inattention that interferes directly in their visual-motor performance. Keywords: Attention deficit disorder with hyperactivity, visual perception, motor skills, evaluation, education.

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Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

1. Introdução A aquisição da escrita manual exige uma combinação de coordenação de habilidades viso-motoras com o planejamento motor, cognitivo e habilidades perceptuais (tátil-cinestésicas, organização no espaço e no tempo). A integração viso-motora é definida como a habilidade em coordenar informações visuais com a programação motora, sendo uma importante variável no desempenho da escrita. Por meio dela, o escolar consegue realizar cópia ou transposição de textos, letra cursiva, reprodução de letras e números isolados e em sequências.(1,2) A percepção visual requer a conjugação da atenção voluntária e da capacidade de programação e reprogramação dos órgãos que irão realizar a atividade motora. Assim, a eficácia da velocidade de programação ocorre à medida em que as informações tátil-perceptivas se ajustam às informações visuais(3-5), devido à integridade de estruturas corticais(6-9). O escolar que não desenvolve essa habilidade integrativa viso-motora poderá apresentar dificuldades para escrever, ou seja, dificuldades quanto à qualidade da escrita, prejudicando o progresso escolar e favorecendo o aparecimento de problemas emocionais, comportamentais e de aprendizagem3. Na literatura internacional(10,11) e na literatura nacional12,13, há descrição da relação entre a dislexia, transtorno de aprendizagem e alterações de coordenação motora fina e grossa como também a relação entre as alterações de percepção viso-motoras e o desempenho da leitura de escolares com esses transtornos de aprendizagem. A literatura(14,15) também vem descrevendo ao longo dos anos que uma das condições neurológicas que compromete a integração viso-motora é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O TDAH é o distúrbio neuropsiquiátrico mais comum da infância, que afeta entre 3 e 6% das crianças em idade escolar, apresentando como principais manifestações a dificuldade em atenção, a hiperatividade e/ou a impulsividade, afetando frequentemente diversas áreas do funcionamento adaptativo, nomeadamente interpessoal, acadêmico ou familiar.(16,17) Dentre as manifestações clínicas fonoaudiológicas apresentadas pelos escolares com TDAH, encontra-se o déficit da percepção viso-espacial, relacionado com disfunções executivas, agitação psicomotora e qualidade da escrita alterada, conhecida como escrita ininteligível ou disgrafia. Assim, devido a essas manifestações, o escolar com TDAH apresenta déficits de integração da percepção viso-motora que podem ser devido às alterações atencionais e às dificuldades da percepção viso-espacial, da função executiva, da organização perceptiva, do sincronismo, do atraso da maturação da coordenação e da dispraxia construtiva.(18-20) Além dessas alterações, os escolares com TDAH tendem a ter dificuldades em tarefas de coordenação motora fina (pegar objetos, abotoar roupas, jogar bola, colorir dentro dos limites de figuras, escrever sobre a linha em tamanho uniforme, escrever com letra compreensível) e global

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Capellini, Germano, Okuda & Pinheiro

(dificuldades para correr ou saltar e problemas com a lateralidade)19 e essas dificuldades podem estar relacionadas com alterações percepto-viso-motoras(18,20), facilmente identificáveis durante a avaliação fonoaudiológica e no contexto educacional. Dentre as manifestações fonoaudiológicas mais perceptíveis no TDAH, destaca-se a disgrafia, que é definida como um transtorno da expressão escrita, que resulta em habilidades de escrita abaixo do esperado para a idade, relacionada à legibilidade (qualidade da formação da letra, alinhamento e espaçamento de letras e palavras, dimensionamento das letras) e à velocidade reduzida (taxa de produção). (3,4,10,13,21) Apesar de as razões para a ocorrência da disgrafia estarem associadas com planejamento motor, coordenação olho-mão, percepção visual, integração viso-motora, percepção cinestésica, controle motor fino, atenção sustentada e manipulação com as mãos(4,10,20), ainda se tornam necessários estudos mais aprofundados acerca do papel das habilidades visuais e das habilidades perceto-viso-motoras para a determinação de um traçado de letra ininteligível, ou seja, o quadro de disgrafia, pois ainda são restritos esses estudos na literatura nacional, seja com escolares em fase final de escolarização ou com escolares com problemas de atenção e aprendizagem. Com base no exposto, este estudo teve como objetivo ca-racterizar e comparar as habilidades de percepção viso-motoras de escolares com o diagnóstico de TDAH e escolares com bom desempenho acadêmico. 2. Métodos Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o protocolo de número 0149/2011. Participaram deste estudo 40 escolares na faixa etária de 7 anos a 10 anos e 8 meses, com nível socioeconômico médio, com base no estudo estatístico do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico 22 do Ensino Fundamental de escolas públicas municipais. Os escolares foram divididos em dois grupos: •Grupo I (GI): 20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de TDAH, seguindo critérios propostos23, do gênero masculino (100%), com uso de medicação (metilfenidato) indicada pelo neurologista, pelo menos, por seis meses. Os escolares deste grupo apresentavam desempenho acadêmico insatisfatório, aferido com nota igual ou inferior a cinco em avaliações de português (avaliação de leitura, de escrita e cópia) e de matemática (operações aritméticas com e sem enunciado). As avaliações foram realizadas pelos professores em sala de aula, os quais referiram escrita ininteligível. Os escolares não apresentavam histórico de terapias fonoaudiológicas ou pedagógicas anteriores a este estudo e faziam parte da lista de espera para intervenção fonoauPRISMA | 50


Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

diológica de leitura e escrita da instituição de origem. •Grupo II (GII): 20 escolares com bom desempenho escolar em dois bimestres seguidos, com desempenho acadêmico satisfatório, aferido com nota superior a cinco em avaliações de português (avaliação de leitura, de escrita e cópia) e de matemática (operações aritméticas com e sem enunciado), realizadas pelos professores em ambiente de sala de aula. Os escolares do GII que participaram desta pesquisa foram indicados pelos professores e pareados com o GI segundo a idade, a escolaridade e o gênero. Participaram deste estudo somente escolares que apresentaram a assinatura do termo de consentimento e que não apresentaram intercorrências pré, peri e pós-natais ou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e linguagem, descritos em prontuário escolar. Todos os escolares foram submetidos ao Teste Evolutivo de Percepção Visual, segunda edição (DTVP-2)24, composto de oito subtestes que medem habilidades viso-motoras interrelacionadas com as habilidades de percepção visuais diferentes. Sua fidedignidade e validade foram empiricamente estabelecias23 e o procedimento não tem níveis basais, uma vez que a testagem se inicia com o item 1 de cada subteste. O DTVP-2 consiste em uma bateria de oito subtestes que medem habilidades viso-motoras e percepto-visuais diferentes, porém inter-relacionadas. Desse modo, cada um dos oito subtestes mede um tipo de capacidade percepto-visual, quais sejam a posição no espaço, a constância da forma, as relações espaciais ou a figura-fundo. Por outro lado, cada subteste pode ser classificado como de motricidade reduzida ou de motricidade plena.24 Os subtestes que compõem o DTVP-2 são: coordenação viso-motora (CVM), posição no espaço (PE), cópia (C), figura­-fundo (FF), relações espaciais (RE), closura visual (CV), velocidade viso-motora (VVM) e constância de forma (CF). Todos os subtestes medem um tipo de capacidade de percepção visual e podem ser considerados como subteste de motricidade reduzida (posição no espaço, figura-fundo, closura visual e constância de forma) e de motricidade plena ou integração viso-motora (coordenação viso-motora, cópia, relações espaciais, velocidade viso-motora). Sua pontuação é dividida em: escore padrão, que é obtido a partir da pontuação bruta e sua conversão mediante utilização de tabelas, e escore composto, obtido por meio da soma dos escores padrão e sua conversão em um quociente classificatório em relação à percepção visual geral, percepção de motricidade reduzida e integração viso-motora. Todas as funções avaliadas permitem o cálculo de um equivalente de idade (EI), ou seja, para cada função avaliada, o escore obtido permite o cálculo de uma “idade de percepção visual”. Os resultados obtidos foram analisados estatisticamente por meio do Teste de Mann-Whit-

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Capellini, Germano, Okuda & Pinheiro

ney, para verificar possíveis diferenças de desempenho nas tarefas entre os grupos estudados, e do Teste da Razão de Verossimilhança, com o objetivo de comparar os desempenhos entre os subtestes de ambos os grupos deste estudo. O nível de significância (valor de p) adotado foi de 5% (0,050) e está marcado com asterisco. Para a análise dos dados, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), em sua versão 17.0. 3. Resultados A Tabela 1 apresenta a média, desvio-padrão, mediana e valor de p referentes à comparação entre os grupos GI e GII e os resultados dos subtestes de percepção viso-motora, analisados pelo Teste de Mann-Whitney. Na Tabela 1, foi possível observar que houve diferença entre os grupos GI e GII, quando comparados em seus desempenhos por subteste, demonstrando que GI apresentou desempenho inferior na função de posição no espaço (PE) e closura visual (CV) e GII, na função de velocideviso-motora (VVM). Variável Grupo CVM PE C FF RE CV VVM CF

I II Total I II Total I II Total I II Total I II Total I II Total I II Total I II Total

n

20 20 40 20 20 40 20 20 40 20 20 40 20 20 40 20 20 40 20 20 40 20 20 40

Média

145,60 145,35 145,48 14,05 18,45 16,25 26,80 28,65 27,73 8,95 9,75 9,35 32,00 38,75 35,38 6,95 10,85 8,90 14,40 7,35 10,88 8,95 10,10 9,53

Desvio padrão 18,63 28,19 23,58 6,67 6,85 7,03 5,51 5,53 5,53 2,74 2,88 2,81 11,80 6,30 9,94 4,27 5,35 5,17 9,27 3,84 7,86 3,98 3,37 3,69

Mediana 146,50 150,00 147,50 15,00 20,50 17,50 26,50 30,50 28,50 8,50 9,00 9,00 36,00 42,00 40,50 6,00 11,50 8,00 13,00 8,00 9,00 9,00 9,50 9,00

Valor de p* 0,725 0,015* 0,171 0,343 0,289 0,011* 0,009* 0,348

*Valores significativos – Teste de Mann-Whitney

Tabela 1. Comparação de

desempenho entre os gru-

pos GI e GII nos subtestes de percepção viso-motora

Legenda: CVM = coordena-

ção viso-motora; PE = posição no espaço; C = cópia; FF = figura-fundo; RE = relação

espacial; CV = closura visual;

VVM = velocidade viso-motora; CF = constância de forma

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Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

A Tabela 2 apresenta a média, desvio-padrão e significân-cia da comparação entre os grupos GI e GII nos subtestes de percepção visual geral, percepção de motricidade reduzida, integração viso-motora e em relação à média dos equivalentes de idade em cada uma das funções, para cada grupo, analisados pelo Teste de Mann-Whitney.

Variável

IC PVG

*Valores significativos – Teste de Mann-Whitney

Tabela 2. Comparação de desempenho entre os grupos GI e GII nos

subtestes de percepção visual geral, percepção de motricidade redu-zida

e integração viso-motora em relação aos equivalentes de idade em cada uma das funções

Legenda: IC = idade cronológica;

PVG = percepção visual geral; EI =

equivalente de idade; PMR = percepção de motricidade reduzida; IMV = integração viso-motora

El PVG PMR El PMR IMV El IMV

Desvio

Grupo

n

Média

I

20

8,88

1,06

Total

40

8,86

1,02

Total

40

Total

40

II

20

84,50

20 20

5,41 6,96

II I II I II I

20

8,85

20 20

80,70 86,75

20 20

6,65 7,39

20

Total

40

Total

40

Total

40

II

20

I II I II I

Total

padrão 1,01

0,850

15,67 8,93

0,068

1,72 1,77

0,148

83,73

12,96

7,02

1,76

72,40

16,30

78,45

15,71

6,18

12,80

0,005*

1,69 1,95

0,004* 0,735

1,97

20 20

87,60 89,95

18,73 10,35

20

7,94

2,02

40

88,78 7,85 7,89

Valor de p*

14,98 1,63 1,81

0,903

Na Tabela 2, foi possível notar que houve diferença entre os grupos GI e GII, quando comparados em seus desempenhos gerais, demonstrando que GI apresentou desempenho inferior nas provas de percepção de motricidade reduzida (PMR) e equivalente de idade inferior para percepção de motricidade reduzida em relação ao GII. A Tabela 3 mostra a comparação da classificação do desempenho em percepção visual geral, percepção de motricidade reduzida e integração viso-motora entre os grupos I e II.

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Capellini, Germano, Okuda & Pinheiro

Na Tabela 3, observou-se que os resultados das classificações das percepções visuais, analisados pelo Teste da Razão de Verossimilhança, demonstraram que houve diferença entre o GI e GII somente em percepção de motricidade reduzida, demonstrando que a classificação obtida pelos escolares do GI é inferior à classificação obtida pelos escolares do GII. A classificação dos desempenhos foi convertida em formas numéricas (1 = muito fraco; 2 = fraco; 3 = abaixo da média; 4 = médio; 5 = acima da média; 6 = muito bom), a fim de facilitar a análise estatística dos dados. Assim, ao observarmos a Tabela 3, não encontramos análises relacionadas à classificação de desempenho em percepção visual 5 (acima da média), em percepção visual geral (PVG) e em percepção de motricidade reduzida (PMR), bem como não encontramos análises relacionadas à classificação de desempenho em percepção visual 6 (muito bom) em integração viso-motora (IVM), pois nenhum dos escolares obtiveram essas classificações. Grupo

PVG

PMR

IMV

1

Classificação do desempenho 2

3

4

I

5 (25%)

5 (25%)

5 (25%)

4 (20%)

Total

7 (17,5%)

7 (17,5%)

12 (30%)

II

4 (20%)

3 (15%)

4 (20%)

II I

2 (10%)

8 (40%)

2 (10%)

8 (40%)

8 (40%) 3 (15%)

6

Total

1 (5%)

20 (100%)

1 (2,5%)

1 (2,5%)

40 (100%)

9 (45%)

0 (0%)

20 (100%)

8 (40%) 0(0%)

0 (0%) 1 (5%)

20 (100%)

20 (100%)

Total

12 (30%)

11 (27,5%)

7 (17,5%)

9 (22,5%)

1 (2,5%)

40 (100%)

II

1 (5%)

2 (10%)

5 (25%)

12(60%)

0 (0%)

20 (100%)

I

Total

5 (25%) 6 (15%)

1 (5%)

3 (7,5%)

6 (30%)

11 (27,5%)

6 (30%)

18(45%)

2 (10%) 2 (5%)

20 (100%)

40 (100%)

Valor de p*

0,192

0,001*

0,086

*Valores significativos – Teste da Razão de Verossimilhança

Tabela 3. Comparação entre os grupos GI e GII da classificação do desempenho em percepção visual geral, percepção de motricidade reduzida e integração viso-motora

Legenda: PVG = percepção visual geral; PMR = percepção de motricidade reduzida; IMV = integração viso-motora; 1 = muito fraco; 2 = fraco; 3 = abaixo da média; 4 = médio; 5 = acima da média; 6 = muito bom

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Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

4. Discussão Com base nos dados obtidos, pôde-se observar que os escolares com TDAH apresentaram desempenho inferior em relação aos escolares com bom desempenho acadêmico, referindo-se às funções de posição no espaço e closura visual, relacionadas à motricidade reduzida (percepção visual sem componentes motores), obtendo a classificação de desempenho muito fraco e fraco predominantemente e tendo desempenhos inferiores nas habilidades de posição no espaço e closura visual, em relação aos escolares com bom desempenho acadêmico. Feder e Majnemer (3) referiram que a habilidade de posição no espaço permite que o escolar perceba e identifique espaços entre letras, entre palavras e entre as linhas, enquanto que a habilidade de closura visual permite que o escolar identifique quais letras foram escritas completamente. Sendo assim, pode-se afirmar que os escolares com TDAH deste estudo apresentam alterações de percepção viso-motoras, corroborando estudos descritos na literatura internacional (2,14) e nacional (13,25). Assim, podemos considerar que as dificuldades na execução das habilidades de percepção viso-motora e percepção visual (motricidade reduzida) presentes nesses escolares podem comprometer o desempenho em escrita manual, ocasionando a disgrafia, conforme descrito na literatura.(21,26) As habilidades de percepção viso-motoras estão diretamente relacionadas com a escrita manual, ou seja, na ação grafo-motora e também na habilidade de leitura, pois dependem do reconhecimento de detalhes, de processamento simultâneo, da organização viso-espacial, da relação espacial entre figuras e de integração das partes de um todo, dando significados às formas das letras e, consequentemente, afetando o desempenho motor (grafo-motor) para a produção dessas letras, causando dificuldades nas aquisições de habilidades escolares básicas de leitura e escrita.(20,26-29) Brown, Unsworth e Lyons2 e Feder e Majnemer3 referiram que o baixo desempenho nas habilidades anteriormente citadas acarreta dificuldades em coordenação motora fina e global, leitura, matemática, problemas perceptuais e em outras áreas acadêmicas. Assim, para os escolares com TDAH deste estudo, o desempenho inferior na habilidade motora fina corrobora a literatura, a qual referiu que tal desempenho pode ser atribuído ao déficit da velocidade do movimento e à imaturidade do desenvolvimento da coordenação, ambos subordinados à coordenação cerebral de grupos alternados de músculos30, indicando, assim, que os resultados encontrados neste estudo podem permitir ao fonoaudiólogo uma maior reflexão acerca das relações entre as habilidades de percepção viso-motora e a qualidade de escrita disgráfica de escolares com TDAH. No entanto, também devemos considerar que, além das habilidades viso-motoras analisadas neste artigo, outros fatores como a impulsividade ou controle de inibição e a auto regulação,

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relacionados às funções executivas, também são fatores importantes a serem analisados e considerados, pois são responsáveis pelo planejamento motor; desta forma, a investigação desses aspectos também deve ser realizada no momento da avaliação clínica fonoaudiológica, principalmente se uma das manifestações do escolar com TDAH for a escrita ininteligível. 5. Considerações finais Os escolares com TDAH deste estudo apresentaram desem-penho inferior em habilidades de percepção viso-motora, quando comparados aos escolares com bom desempenho acadêmico, caracterizados pelas alterações em percepção de motricidade redu-zida (posição no espaço, figura-fundo, closura visual e constância de forma) e alterações em integração viso-motora (coordenação viso-motora, cópia, relação espacial e velocidade viso-motora). *GDG foi responsável pela elaboração da proposta de pesquisa, análise dos resultados e redação do manuscrito; FHP realizou a coleta de dados; PMMO realizou a coleta, tabulação e análise de dados; SAC foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito.

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Percepção viso-motora de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

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Capellini, Germano, Okuda & Pinheiro

21. TONIOLO CS, Santos LCA, Lourenceti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Caracterização do desempenho motor em escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Rev Psicopedagogia. 2009;26(79):33-40. 22. FEE: Fundação de Economia e Estatística [Internet]. Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) [Acesso em: 2013 Ago 06]. Disponível em: http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/ content/estatisticas/ pg_idese.php 23. APA: Associação Americana de Psiquiatria. Manual diagnóstico estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artes Médicas; 2002. 24. HAMMIL DD, Pearson NA, Voress JK. Teste evolutivo de percepção visual. 2ª ed. Ferreira MC, tradutora. Rio de Janeiro: Entreletras; 2001. 25. PINHEIRO FH, Lourenceti MD, Santos LCA. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade: critérios diagnósticos. In: Capellini AS, Germano GD, Cunha VLO. Transtornos de aprendizagem e transtornos da atenção (da avaliação à intervenção). São José dos Campos: Pulso Editorial; 2010. p. 91-103. 26. RACINE MB, Majnemer A, Shevell M, Snider L. Handwriting performance in children with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD). J Child Neurol. 2008;23(4):399-406. 27. JAMES KH, Gauthier I. When writing impairs reading: letter perception’s susceptibility to motor interference. J Exp Psychol Gen. 2009;138(3):416-31. 28. KUSHKI A, Schwellnus H, Ilyas F, Chau T. Changes in kinetics and kinematics of handwriting during a prolonged writing task in children with and without dysgraphia. Res Dev Disabil. 2011;32(3):1058-64. 29. FALK TH, Tam C, Schellnus H, Chau T. On the development of a computer-based handwriting assessment tool to objectively quantify handwriting proficiency in children. Comput Methods Programs Biomed. 2011;104(3):e102-11. 30. STRAY LL, Stray T, Iversen S, Ruud A, Ellertsen B, Tønnessen FE. The Motor Function Neurological Assessment (MFNU) as an indicator of motor function problems in boys with ADHD. Behav Brain Funct. 2009;5:22.

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Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares The effects of depression on contrast visual perception in humans: preliminary results Alessandra Magalhães CavalcantiI Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba João Pessoa, Praíba, Brasil Natanael Antonio dos Santos Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo São Paulo, São Paulo, Brasil


Resumo: Este estudo teve por objetivo caracterizar alterações na percepção visual da forma em portadores de depressão maior, utilizando a função de sensibilidade ao contraste (FSC). Participaram dos experimentos seis voluntários, entre 20 e 26 anos, três sem depressão e três com depressão maior, todos livres de doenças oculares identificáveis. A FSC foi estimada com as freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg e o método psicofísico da escolha forçada. Os resultados mostraram que a sensibilidade máxima para freqüências radiais ocorreu em 0,2 cpg para ambos os grupos. Entretanto, os participantes com transtorno depressivo precisaram de aproximadamente 1,7 vezes mais contraste, para detectar as freqüências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem de 3,4 vezes mais contraste, para detectar a freqüência radial de 4 cpg, quando comparados aos participantes sem transtorno. Os resultados demonstraram alterações na sensibilidade ao contraste relacionadas à depressão maior. Palavras-chave: Percepção visual da forma, sensibilidade ao contraste, depressão, freqüência radial. Abstract: The objective of this study was the characterization of alterations in visual perceptions of form in patients with major depression disorder, using the contrast sensitivity function (CSF). Six volunteers between the ages of 20-26 years participated in the experiments, three without depression and three with major depression, all of them without visual illness. The CSF was estimated with a radial frequency of 0.2, 1 and 4 cpd and forced-choice psychophysical method. The results showed maximum contrast sensibility to radial frequency occurring in 0.25 cpd for both groups. Therefore, participants with depression disorder needed around 1.7 more contrast to detect the radial frequency of 0.2 and 1 cpd and around 3.4 more contrast to detect the radial frequency of 4 cpd, when compared with participants without the disorder. The results showed alterations in the sensibility to contrast associated with major depression. Keywords: Visual perception of shape, contrast sensitivity, depression, radial frequency.

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O uso da cor no ambiente de trabalho: uma ergonomia da percepção

1. Introdução O mundo começa a tomar forma e fazer sentido ao homem a partir do processamento sensorial. A percepção é responsável pelo processamento analítico realizado pelos sistemas sensoriais que, em associação com a memória, experiências pessoais e a cognição, impõe um significado às sensações produzidas pelos órgãos perceptivos (LENT, 2004). O grande desafio é relacionar este processo sensorial aos transtornos neuropsiquiátricos, procurando entender a percepção visual humana em um contexto multi-fatorial. Portanto, é necessário investigar os aspectos sensoriais da percepção em alguns transtornos mentais, para entender os processos cognitivos e as alterações comportamentais presentes neste tipo de patologia. Neste contexto, a função de sensibilidade ao contraste (FSC) surge como uma lupa, pois a mesma é um bom indicador dos aspectos ópticos e neurais da visão (AKUSTSU & LEGGE, 1995; ARTAL, FERRO, MIRANDA & NAVARO, 1993; ELLIOTT & SITU, 1998; KIPER, GEGENFURTNER & KIORPES, 1995; KIPER & KIORPES, 1994; POLAT, SAGI & NORCIA, 1997; ROSS, BRON & CLARKE, 1984; SUTER et al, 1994; VLEUGELS, van NUNEN, LAFOSSE, KETELAER & VANDENBUSSCHE, 1998). A FSC tem sido utilizada na avaliação do desenvolvimento da percepção visual (SANTOS & SIMAS, 2003; van SLUYTERS, ATKINSON, HELD, HOFFMAN & SERATS,1990) e na avaliação de alterações neuropatológicas (REGAN & MURRAY, 1997; ELLIOTT & SITU, 1998; KIPER et al, 1995; POLAT et al, 1997; VLEUGELS et al,1998). Inclusive, ultimamente, alterações na FSC têm sido fortemente relacionadas aos sintomas positivos e negativos do transtorno esquizofrênico (SLAGHUIS, 1998). Isto porque, a forma da FSC muda em função das condições visualizadas e de alterações no sistema nervoso central. Uma outra característica marcante da FSC advém do fato de que a habilidade do homem em perceber os detalhes dos objetos é determinada pela capacidade do sistema visual em distinguir contrastes ou brilhos em áreas adjacentes. Neste sentido, ela é uma ferramenta importante porque mensura o desempenho do sistema visual humano (SVH) em níveis diferentes de contraste. A sensibilidade ao contraste é definida na literatura como a recíproca da quantidade mínima de contraste necessária para detectar um padrão qualquer (p.ex., uma grade) de uma frequência espacial específica (CORNSWEET, 1970). A FSC é o inverso da curva de limiar de contraste (1/ FSC). Um outro aspecto notável é que o procedimento para mensurar a FSC é relativamente simples. Isto é, precisa apenas que o participante ajuste o contraste com um procedimento comportamental ou psicofísico, até o SVH possa detectar um padrão (ou objeto) de frequência espacial de um outro, com um campo homogêneo de luminância média. Luminância média é a luminância máxima somada a luminância mínima dividida por dois. Frequência espacial é o

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número de ciclos (listras claras e escuras) por unidade de espaço que, em percepção visual da forma, foi convencionalmente denominado de ciclo por grau de ângulo visual (cpg). Enquanto o contraste é definido pela relação entre a luminância máxima (listra clara) e mínima (listra escura), dividida pela soma das mesmas. 2. Transtorno Depressivo A depressão é um distúrbio recorrente e crônico que representa um problema importante de saúde pública em todo o mundo, com elevada prevalência e com consideráveis morbidade e mortalidade (VERSIANI, 2004). Embora existam várias teorias tentando explicar este transtorno (CORDÁS et al., 1997), sabe-se que não existem marcadores biológicos precisos para um diagnóstico explicativo. A sua etiologia é multifatorial e envolve fatores causais que podem ser subdivididos em biológicos, genéticos, comportamentais, cognitivos e psicossociais (RODRIGUES, 2000; CALIL & GUERRA, 2004; CARLSON, 2003). Alguns pesquisadores buscam evidências para o desenvolvimento do transtorno depressivo respaldados na hipótese do desequilíbrio bioquímico neuronal ocorrido no sistema nervoso central, SNC (RODRIGUES, 2000; CALIL & GUERRA, 2004). Esta ideia, conhecida como teoria monaoaminérgica, emerge com o nascimento da psicofarmacologia e dos estudos de possíveis mecanismos de ação dos medicamentos antidepressivos (RODRIGUES, 2000). Técnicas mais modernas (p.ex., PET scan e ressonância magnética funcional) procuram abranger outros atributos, por exemplo, os aspectos mentais (psicologia cognitiva) e seus substratos neuroanatômicos e neurofuncionais (ROSENTHAL, LAKS & ENGELHARDT, 2004). Por exemplo, CALIL e GUERRA (2004) apontaram anormalidades no córtex pré-frontal, núcleos de base, hipocampo, tálamo e lobo temporal em portadores de depressão. CARLSON (2002) discutiu a hipótese de redução de tecido no córtex pré-frontal de pacientes jovens com depressão unipolar, o que pode sugerir a presença de anormalidade durante o seu desenvolvimento ou um processo degenerativo precoce. Estudos anteriores já encontravam redução no cérebro de pacientes que morreram com depressão (ONGUR, DREVETS & PRICE, 1998; DREVETS, 1997). Por sua vez, existem indícios de que a genética é importante no desenvolvimento do transtorno de humor, pois parentes próximos de pessoas que sofriam de distúrbios afetivos apresentavam uma probabilidade dez vezes maior de desenvolver esta patologia do que pessoas sem parentes afetados (ROSENTHAL, 1971). Inclusive, estudos com gêmeos monozigóticos mostraram que a probabilidade de um gêmeo ser afetado era de 69%, caso o outro estivesse doente. Este percentual caiu para 13% em gêmeos dizigóticos (GERSHON et al.,1976). A hereditariedade neste transtorno implica na presença de uma base fisiológica na sua gênese.

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Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares

3. Critérios Diagnósticos Apesar da gravidade, a depressão ainda é pouco ou mal diagnosticada. Os critérios diagnósticos adotados atualmente são propostos por dois sistemas de classificação: O CID–10 (Classificação Internacional de Doenças), que é um manual de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, desenvolvido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e o DSM IV-TR (Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais) produzido pela Associação Psiquiátrica Americana. Ambos preocupados em proporcionar abrangência e especificidade nas classificações. Segundo o DSM-IV-TR, manual escolhido como referência neste estudo, o critério diagnóstico para Depressão Maior envolve a presença de cinco ou mais dos seguintes sintomas, durante o período de duas semanas: 1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias; 2) interesse ou prazer acentuadamente diminuído por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia; 3) perda ou ganho significativo de peso, quando não está realizando dieta, ou aumento no apetite; 4) insônia ou hipersonia; 5) agitação ou retardo psicomotor; 6) fadiga ou perda de energia; 7) sensação de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada quase todos os dias; 8) capacidade diminuída para pensar ou concentrar-se, dificuldade na resolução de problemas 9) pensamentos recorrentes sobre morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente (sem um plano específico) ou tentativa de suicídio. A divisão na classificação diagnóstica dos transtornos do humor no DSM-IV-TR engloba: transtorno depressivo maior, distimia, transtorno depressivo sem outra especificação, transtorno bipolar I, transtorno bipolar II, transtorno ciclotímico, transtorno bipolar sem outra especificação, transtorno do humor devido a uma condição médica geral, transtorno do humor induzido por substância, transtorno do humor sem outra especificação. A sintomatologia geral do transtorno inclui, de acordo com KAPLAN e SADOCK (1995), alterações nos níveis somáticos (sono, apetite, atividade sexual, vulnerabilidade a doenças e dificuldade de recuperação), cognitivos (dificuldade na aquisição de conhecimentos, devido a déficits de atenção, concentração e memória) e do humor (tristeza recorrente, desesperança). Observa-se também, em alguns casos de depressão, a redução da sensibilidade aos estímulos sensoriais, tornando a percepção lenta, monótona, abstrata e descolorida (PAIM, 1991). 4. O presente estudo Partindo da premissa de que a depressão pode alterar o funcionamento do SNC e atuar em uma série de disfunções sensoriais, cognitivas e emocionais, objetivamos mensurar a curva de limiar de contraste (1/FSC) para frequências radiais, em participantes com transtorno depressivo maior, utilizando o método psicofísico da escolha forçada. Pesquisas, envolvendo percepção visual e depressão, são dispersas e raras. Dentre as poucas,

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encontra-se um trabalho utilizando a técnica de mascaramento para investigar o processamento da informação visual de 51 participantes esquizofrênicos, 49 com depressão maior e 47 normais (BJORN et al., 2004). Os autores encontraram alteração no processamento visual, apenas, nos participantes esquizofrênicos. É possível que estudos, relacionando depressão e FSC, possam contribuir para a caracterização de mecanismos neurofisiológicos básicos envolvidos nesta patologia. Podendo revelar, inclusive, novos aspectos teóricos, comportamentais e funcionais da depressão em geral e apontar meios ou alternativas para o diagnóstico. Estudar a depressão, com novos enfoques, pode ser de extrema importância, considerando que dados da OMS (2002) destacam que 450 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de transtorno mental, neurobiológico ou problemas psicossociais (p.ex., abuso de álcool ou drogas). E, dentre as patologias neuropsiquiátricas, a depressão é considerada, na atualidade, uma das mais prevalentes a nível mundial (BAPTISTA, 2004). 5. Método 5.1. Participantes Participaram do experimento seis voluntários com idade entre 20 e 26 anos, três sem depressão (Grupo Controle, GC) e três com depressão maior (Grupo Experimental, GE). Todos apresentavam acuidade visual normal ou corrigida, tinham consultado os seus oftalmologistas há menos de 12 meses e estavam livres de doenças oculares identificáveis. Os participantes do GE foram categorizados como portadores de depressão maior, de acordo com critérios diagnósticos do DSM IV-TR (Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais), por psiquiatra da cidade de João Pessoa – PB. A participação na pesquisa ocorreu mediante a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos. 5.2. Equipamentos e Estímulos Os estímulos visuais de frequências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg (Figura 1) utilizados para mensurar sensibilidade ao contraste foram apresentados em um monitor de vídeo CLINTON MEDICAL DS2100HB-Ea, monocromático, digital, de alta resolução e de 21 polegadas compatível com sistemas PC e MAC. O monitor foi controlado por um microcomputador. Um programa escrito em linguagem C++ foi desenvolvido pelo próprio laboratório para rodar os experimentos. Uma cadeira giratória foi fixada a 150 cm da tela do monitor de vídeo. A luminância foi ajustada por um fotômetro do tipo SPOT METER com precisão de um grau ASAHI PENTAX. PRISMA | 64


Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares

Figura 1. Exemplos de estímulos de freqüência radiais da esquerda para a

direita 1 e 4 cpg. Estímulos originalmente calibrados para serem vistos a 150 cm de distância antes de fotografados.

5.3. Procedimento As estimativas foram realizadas com método psicofísico da escolha forçada (SANTOS & SIMAS, 2002; SANTOS, SIMAS & NOGUEIRA, 2003, 2004; SIMAS & SANTOS, 2002a, 2002b). Este método se baseia no cálculo da probabilidade de acertos consecutivos por parte do voluntário, ou seja, em cerca de 100 apresentações de escolhas entre os dois estímulos, o estímulo de teste (frequência radial) é percebido 79% das vezes pelo voluntário. O procedimento para medir o limiar de contraste em cada frequência consistiu na apresentação sucessiva simples do par de estímulos, e o voluntário teria que escolher, dentre eles, qual continha a frequência radial. O estímulo neutro foi sempre um padrão homogêneo com luminância média de 0,5 cd/m2. O critério adotado para variar o contraste da frequência radial (estímulo de teste) foi o de três acertos consecutivos para decrescer uma unidade e um erro para acrescer da mesma unidade (0,08%). Durante cada sessão experimental foi apresentada uma sequência de estímulos, iniciada com um sinal sonoro, seguido, imediatamente, pela apresentação do primeiro estímulo por 2 s, seguido de um intervalo entre estímulo de 1 s, seguido pela apresentação do segundo estímulo por 2 s e da resposta do voluntário. A ordem de apresentação foi aleatória. Se a resposta do voluntário fosse correta, era seguida por outro sinal sonoro e um intervalo de 3 s para a sequência se repetir. Os sinais sonoros que indicavam o início da apresentação do par de estímulos e a escolha correta eram diferentes. A sessão experimental variava em duração, dependendo dos erros e acertos do participante, até proporcionar um total de 10 reversões (cinco máximos e cinco mínimos), conforme requerido para o final automático da mesma.

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Cada uma das frequências radiais, utilizadas para mensurar a FSCr , foi estimada pelo menos duas vezes (duas sessões experimentais), em dias diferentes, por cada um dos participantes. No total, seis curvas foram medidas para cada grupo de participantes, gerando uma amostra de aproximadamente 60 valores de contraste máximos e mínimos para cada uma das frequências radiais. Todas as estimativas foram medidas à distância de 150 cm, com visão binocular. Os participantes foram orientados a pressionar o botão número 1 (um), do lado esquerdo do mouse, quando o estímulo de teste (frequência radial) fosse apresentado primeiro e o botão número 2 (dois), do lado direito, quando fosse apresentado em segundo lugar, isto é, após o estímulo neutro. 5.4. Resultados Os valores de contrastes máximos e mínimos obtidos para cada ponto, foram agrupados em planilhas, por frequência radial e por grupo (GC e GE), e a grande média foi utilizada como estimativa do limiar de contraste em função da frequência radial. A sensibilidade ao contraste (FSCr) é o inverso do limiar de contraste (1/FSCr). Ou seja, quanto menor o limiar de contraste, maior a sensibilidade do SVH e vice-versa. Assim, os menores valores de limiares correspondem aos maiores valores de sensibilidade ao contraste. A Figura 2 mostra a curva de limiar de contraste (média geral de cada grupo, 1/FSCr) em função das frequências radiais em ciclo por grau de ângulo visual (cpg). As barras verticais indicam os erros padrões das médias, com intervalos de 99% confiança, corrigido para o tamanho da amostra (total de máximos e mínimos) pelo teste estatístico t-Student. A sensibilidade máxima ocorreu na frequência radial de 0,2 cpg para ambos os grupos (Figura 2). Entretanto, os participantes do GE precisaram da ordem de 1,7 vezes mais contraste, para detectar as frequências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem de 3,4 vezes mais contraste, para detectar a frequência radial de 4 cpg quando comparado ao GC.

Figura 2. Curvas de limiares de contras-

te de participantes sem depressão (GC) e com depressão (GE) para freqüências

radiais. As linhas verticais mostram o erro padrão da média para cada freqüência.

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Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares

A análise de variância simples (One-Wey ANOVA) revelou diferenças significantes entre GC e GE [F(7; 359)=18,5; p<0,0001]. As análises com o teste post-hoc Tukey HSD utilizando nível de significância p=0,05 mostraram valores de limiares de contraste maiores (ou menor sensibilidade) para o GE do que para o GC nas frequências radiais de 1 cpg (p<0,03) e 4 cpg (p<0,001). Estes achados indicam um prejuízo na percepção visual dos participantes depressivos, quando comparados a participantes sem transtorno. 6. Discussão Observações clínicas e laboratoriais têm fornecido indícios de que alterações neuropsiquiátricas afetam o sistema nervoso e a percepção visual da forma ou de contraste (O‘DONNELL et al, 2002; SLAGUIS, 1998). Dentro deste contexto, visou-se investigar possíveis alterações na percepção visual de contraste em portadores de depressão maior. Os resultados, utilizando frequências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg, apontaram prejuízo em todas as frequências radiais estudadas. Os participantes com depressão precisaram da ordem de 1,7 a 3,4 vezes mais contraste (dependendo da frequência), para detectar as frequências radiais, comparados aos participantes sem transtorno depressivo. Entretanto, o prejuízo provocado pela depressão foi menor na frequência radial mais baixa (p.ex., 0,2 cpg) e maior na frequência radial mais alta (p.ex., 4 cpg). Os resultados sugerem que a patologia depressiva pode alterar os mecanismos envolvidos na percepção visual da forma ou no processamento visual de contraste, de maneira diferente. Convém ressaltar, que é cedo para afirmar que o prejuízo encontrado na percepção visual de contraste seja fruto, apenas, de alterações produzidas pela depressão no SNC. Outros fatores, como por exemplo, o uso dos antidepressivos, podem interferir no processamento visual da forma, visto que estas substâncias atuam modulando o funcionamento do SNC. Inclusive, nos estudos que tentam relacionar transtornos psicóticos e alterações na percepção visual, há indícios de que o tipo de medicamento antipsicótico (típicos ou atípicos) utilizado altera de forma distinta a percepção de contraste (CHEN et al, 2003). Assim, a relação entre antidepressivos e FSC é uma hipótese que precisa ser testada. Um melhor entendimento de alguns atributos da percepção visual em portadores de transtornos depressivos pode facilitar, tanto o diagnóstico, como a prevenção desta patologia. Estudos desta natureza podem ainda orientar ações em saúde mental, visando uma melhor qualidade de vida destes pacientes e de seus familiares. Finalmente, convém ressaltar que os nossos achados, relacionando FSC e depressão, são iniciais e inéditos. Novas pesquisas precisam ser realizadas com o objetivo de confirmar ou não estes resultados e investigar os efeitos de outras variáveis que possam alterar a percepção visual.

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de contraste. É dentro desta perspectiva que o nosso laboratório pretende aprofundar os estudos sobre depressão e percepção visual.

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Os efeitos da depressão na percepção visual de contraste em humanos: achados preliminares

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Ilusões: o olho mágico da percepção Illusions: a window into perception

Marcus Vinícius C. Baldo Departamento de Fisiologia e Biofísica, Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil. Hamilton Haddad Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo: A percepção é a construção ativa de um estado neural que se correlaciona a elementos biologicamente relevantes do ambiente. Esta correlação, longe de estabelecer uma representação fiel do mundo, guia nossas ações na elabo-ração de comportamentos adaptativos, sendo, portanto, condicionada por fatores evolutivos. Já que a construção de um percepto é um processo intrinsecamente ambíguo, discrepâncias perceptivas podem surgir a partir de condições idênticas de estimulação. Essas discrepâncias são denominadas ilusões , e se originam dos mesmos mecanismos fisiológicos que produzem a nossa percepção cotidiana. Derivando de diferentes fatores, tais como ópticos, sensoriais e cognitivos, as ilusões visuais são instrumentos úteis na exploração das bases fisiológicas da percepção e de sua interação com o planejamento e execução de ações motoras. Aqui, examinamos as origens biológicas das ilusões visuais e algumas de suas relações com aspectos neurobiológicos, filosóficos e estéticos. Palavras-chave: Percepção, sistema sensorial, sistema nervoso, epistemologia. Abstract: Perception is the active construction of a neural state that correlates with biologically relevant elements present in the environment. This correlation, far from affording a one-to-one mapping, nonetheless guides our actions towards adaptive behaviors, thus being forged under evolutionary constraints. Since the construction of a percept is an intrinsically ambiguous process, perceptual discrepancies can arise from identical stimulation patterns. The recognition of these discrepancies is termed illusion, which originates, however, from the same physiological mechanisms that ordinarily lead to standard perception. Emanating from different sources, such as optical, sensory and cognitive factors, visual illusions are useful tools in accessing the physiological basis of perceptual processes and their interaction with motor planning and execution. Here we examine the biological roots of visual illusions and their interplay with some neurobiological, philosophical and esthetical issues. Keywords: Illusion, perception, sensory system, nervous system, epistemology.

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Ilusões: o oho mágico da percepção

1. Introdução Rua, espada nua, Bóia no céu, Imensa e amarela, Tão redonda A lua, como flutua... A. C. Jobim Todos vemos a lua “imensa e amarela” quando flutua no horizonte, ao contrário de quando está alta no céu. Estaria mais próxima da Terra, quando baixa no horizonte, assim parecendo maior? Ou sua imagem seria ampliada quando a luz que reflete atravessa os céus? Sabemos há muito tempo que nenhuma dessas explicações é verdadeira. A segunda delas, proposta por ARISTÓTELES (384-322 a.C.) e refinada por PTOLOMEU (87-151 d.C.), perdurou até o século XVII, quando se demonstrou que esse engano perceptivo não dependia de fenômenos astronômicos, meteorológicos ou ópticos. De fato, sabemos hoje que a imagem da lua projetada na retina, quando vista no horizonte ou alta, no zênite, possui o mesmo tamanho.1 Poderíamos passar a vida inteira sem nos dar conta desse fato, acreditando ser uma lua enorme que nasce e que se põe. Mas ao constatarmos que esse não é o caso, ficamos diante de uma contradição: o que “vemos” em uma situação contrapõe-se ao que “vemos” em outra. Neste exemplo, a visão desarmada de uma lua que nasce enorme e pendura-se encolhida no zênite contradiz a observação mediada por um outro método, como a simples comparação de fotografias da lua ao longo de sua trajetória aparente pelo céu. Quando surge uma tal contradição, estamos diante de uma ilusão. Diferentemente de algumas definições que propõem ser uma ilusão a discrepância entre o “percebido” e o “real”,(2,3) concebemos as ilusões como surgindo da discrepância entre o “percebido em uma dada situação” e o “percebido em outra situação”. A vantagem da última definição é evitar (ou desconsiderar) a menção a uma “realidade” da qual nossa percepção fosse meramente uma “representação”. Esse é o cerne de um antigo problema filosófico, que tem perdurado através dos séculos e aborda a relação entre o mundo externo, “real”, e a percepção que temos dele. 4 Quão fiel é a “representação” que nossa percepção faz desse mundo? Podemos conceber essa “representação” como única (já que supomos ser o mundo lá fora real e único)?

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2. Ilusões e a filosofia do conhecimento É do filósofo grego PLATÃO (428-348 a.C.) talvez a alegoria mais famosa sobre o caráter ilusório da realidade.5 No seu mito da caverna, ele nos conta a história de prisioneiros acorrentados no interior de uma caverna, olhando para uma de suas paredes. Tudo o que podiam ver e ouvir eram as sombras, projetadas nessa parede, de objetos carregados por aqueles que passavam às suas costas, à frente de uma grande fogueira, e os ecos dos ruídos que produziam. Tendo permanecido na caverna por toda a vida, esses prisioneiros tomavam as sombras pelos objetos reais, pela própria realidade. Ao conseguir livrar-se dos grilhões, sair da caverna e ver o mundo lá fora, um deles percebe a grande ilusão a que ele e seus companheiros estavam submetidos. O objetivo de Platão com essa metáfora foi mostrar as limitações da realidade perceptiva impostas pelos nossos sentidos. Na verdade, aquilo que nós podemos perceber, conhecer ou vivenciar depende não só da realidade com a qual lidamos, mas dos recursos de que dispomos para isso: nossos órgãos sensoriais e nosso sistema nervoso. Nossa percepção da realidade é sempre mediada. Somos capazes de enxergar apenas uma estreita faixa do espectro eletromagnético, que chamamos de luz. Somos capazes de ouvir vibrações mecânicas compreendidas em uma estreita faixa de frequências, que chamamos de som. Somos apenas mais uma dentre milhares de espécies animais. Cada uma delas desenvolveu um aparelho perceptivo específico, capaz de detectar uma gama específica de estímulos provindos do mundo em que vive. Cada espécie, inclusive a humana, percebe uma parcela diferente desse mundo. Nossos mecanismos perceptivos foram sendo moldados ao longo do processo evolutivo, sendo seu valor adaptativo o juiz responsável pela adição, permanência e exclusão de perceptos da bagagem cognitiva da espécie. Mas esse processo não termina aí. A partir do momento em que nascemos, herdando essa bagagem genética de nossos antepassados, construímos, ao longo do desenvolvimento, nosso mundo perceptivo. Como propôs JEAN PIAGET (1896-1980), essa construção é um processo ativo, em que a criança, longe de ser um observador passivo, é um explorador ativo do mundo em que vive.6 Notamos, assim, que a percepção não depende apenas do objeto, mas também amplamente do sujeito que o percebe. Mas se não temos acesso direto ao mundo exterior, se toda a realidade é mediada pelos nossos sentidos, como podemos confiar na percepção que temos desse mundo? Se só podemos comparar percepções com outras percepções, como podemos saber em que medida nossos perceptos correspondem aos objetos tais como eles realmente são? A resposta é: não sabemos! Estamos fadados a viver na caverna de Platão e, ao contrário do que acontece na história, não podemos sair e ver o mundo como ele “realmente é”. Ver o mundo “como ele realmente é”, despojado de toda a mediação imposta pelo nosso aparelho cognitivo, é um sonho perseguido desde a Antiguidade. A distinção entre “ver” e “conhecer”, PRISMA | 74


Ilusões: o oho mágico da percepção

entre aquilo que recebemos dos nossos sentidos e aquilo que ativamente acrescentamos a essas sensações, tem ocupado filósofos, cientistas e artistas ao longo de toda a história. 7 Ptolomeu devota grande parte da sua Optica ao papel do discernimento no processo da visão. O ocidente medieval aprendeu com o maior estudioso árabe do assunto, ALHAZEN (965-1040), o papel do conhecimento e da inferência na percepção visual. O que esses antigos pensadores tentaram dizer é que não existe um estágio no processo perceptivo em que a observação é pura, destituída da participação do intelecto do observador. Toda observação é contaminada de conhecimento, de aprendizado e de hipóteses. Logo, a tentativa de separar o que realmente vemos e o que inferimos é uma empreitada fadada ao fracasso. A relação entre nossos modelos mentais acerca do mundo e o próprio mundo foi extensamente investigada pelos filósofos empiristas, que realizaram uma detalhada análise do processo perceptivo. JOHN LOCKE (1632-1704) distinguia qualidades primárias, que seriam propriedades do mundo como a extensão e o movimento, de qualidades secundárias , que seriam construções do nosso sistema nervoso, como a cor ou o cheiro. 8 GEORGE BERKELEY (1685-1753) defendeu a ideia de que tudo o que possuímos são nossas percepções. Esse est percipi: ser é ser percebido; não há qualquer coisa fora da mente humana, nos diz ele.9 Dessa maneira, não existiriam qualidades primárias, como queria Locke, mas somente qualidades secundárias. Na sua obra An essay towards a new theory of vision (1709), Berkeley chega à conclusão que nosso conhecimento do espaço e das dimensões e solidez dos objetos deve ser adquirido por meio da sensibilidade tátil e de nossa movimentação pelo ambiente. Mesmo a percepção de causalidade, pedra angular da atividade científica, poderia ser entendida, segundo DAVID HUME (1711-1776), como uma crença, um hábito mental. 10 3. Ilusões e a fenomenologia da percepção Segundo o médico e físico alemão HERMANN VON HELMHOLTZ (1821-1894), nossa percepção é construída por meio de inferências que inconscientemente fazemos sobre o mundo à nossa volta.11 Essas inferências são contrastadas com informações que o organismo colhe do ambiente. Cada vez que essas expectativas não são correspondidas, ajustamos nossos perceptos, criando novas inferências e testando novas conjecturas. A ideia de que nossa percepção dê-se de maneira indireta, por meio de confirmações de expectativas, foi defendida por vários psicólogos do século XX, como IRVING ROCK (1922-1995) e RICHARD GREGORY (1923).12 Esses pesquisadores demonstraram experimentalmente a participação das expectativas do observador no processo perceptivo. Normalmente, não nos damos conta de que grande parte daquilo que percebemos quotidianamente é uma construção ativa do nosso sistema nervoso. O psicólogo e

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filósofo inglês WILLIAM JAMES (1842-1910) escreveu antes da virada do século XIX: “Quando escutamos um orador que fala ou lê uma página em voz alta, muito do que pensamos ver ou ouvir é, de fato, suprido pela nossa memória”. 13

Figura 1. (A) Desenho que ilustra o fenômeno de Ne-

cker. (B) Os dois possíveis perceptos gerados pelo

mesmo estímulo apresentado em (A), por isso denominado “biestável”.

Vamos examinar essa questão por meio de um exemplo muito simples. Observe a Figura 1A, e diga para si mesmo o que vê. Imagino que a resposta tenha sido “um cubo”. No entanto, talvez uma descrição mais precisa fosse: “quatro segmentos de reta verticais, quatro horizontais e quatro oblíquos combinados em uma dada configuração”. Embora estranha, essa descrição não é mais artificial do que dar o nome de “cubo” (um sólido geométrico, tridimensional) a uma figura plana, bidimensional. Quando olhamos para um cubo real, a imagem projetada em nossas retinas é inapelavelmente bidimensional. É só a partir de nossa interação com o mundo (e com cubos), mediada pela totalidade de nossos sentidos, que aprendemos que aquela imagem corresponde (quase sempre) a cubos de verdade. O aprendizado é fundamental, já que o mundo “real” tridimensional é mapeado visualmente em um mundo “perceptivo” bidimensional, sendo que, nesse processo, informação é perdida e ambiguidades são geradas. Como nosso sistema visual evoluiu por muito tempo antes que a arte rupestre fosse concebida, nossa percepção foi moldada no sentido de “reconstruir”, sempre a partir de projeções bidimensionais (e ambíguas), os objetos tridimensionais que mais provavelmente são responsáveis por induzir àquela dada projeção. Outro fenômeno perceptivo bastante significativo pode ser observado a partir do mesmo PRISMA | 76


Ilusões: o oho mágico da percepção

“cubo” da Figura 1: podemos vê-lo de duas formas diferentes e mutuamente exclusivas, transitando de uma a outra (Figura 1B). Esse fenômeno revela que não só uma mesma imagem retiniana pode corresponder a dois ou mais objetos, mas também um mesmo objeto pode induzir à construção de dois ou mais perceptos distintos. Embora as ilusões visuais sejam as mais estudadas, elas existem em outras modalidades sensoriais, como audição, tato, olfação e gustação. No caso das ilusões visuais, muitas vezes são denominadas, genérica e imprecisamente, “ilusões de óptica”. Em uma tentativa de classificação, podemos dizer que as ilusões visuais derivam de três principais vertentes: ópticas , sensoriais e cognitivas. Alguns exemplos ajudarão a entendê-las.*

Figura 2. Um objeto parcialmente mergulhado na água

é visto como angulado ou descontínuo, sendo a causa desse fenômeno a refração da luz pela interface água-ar.

Toda criança encanta-se quando observa, pela primeira vez, que um lápis mergulhado na água parece angulado ou quebrado (Figura 2), contrariando a observação do mesmo objeto quando retirado da água. O fenômeno deve-se à interface água-ar, que desvia a trajetória da luz refletida pela parte mergulhada do lápis. Temos, aqui, um caso genuíno de ilusão de óptica, como também é o caso de um vívido e colorido arco-íris. Outras ilusões devem-se à própria constituição morfológica e funcional de nosso sistema visual. Nossa visão de cores, por exemplo, inicia-se em células fotorreceptoras, os cones, sensíveis a diferentes comprimentos de onda eletromagnética. *Inúmeros exemplos de ilusões visuais podem ser encontrados na Internet. Veja, entre outras, as seguintes páginas: www.sandlots ceince.com, www.grand-illusions.com, www.richardgregory.org/experiments/index.htm.

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Um processo fundamental na visão é a detecção de contrastes, que na percepção de cores baseia-se nas oponências cromáticas verde-vermelho e azul-amarelo (além da branco-preto). A Figura 3 ilustra um fenômeno ilusório gerado a partir de mecanismos sensoriais iniciados já na retina.

(A)

(C)

(E)

(B)

(D)

(F)

Figura 4. Exemplos de clássicas ilusões geométricas: (A) círculos de Titchener: o círculo interno, à esquerda, parece maior que o localizado à

direita; (B) figura de Ponzo: o segmento horizontal superior parece maior que o inferior; (C) setas de Müller-Lyer: o segmento superior parece mais curto que o inferior; (D) linhas de Hering (esquerda) e variação de Wundt

(direita): as linhas verticais parecem internamente côncavas, à esquerda, e convexas, à direita; (E) uma variante do triângulo de Kanisza, em que vemos claramente um contorno ilusório, inexistente; (F) a ambigüidade vaso-faces, em que figura e fundo alternam-se.

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Ilusões: o oho mágico da percepção

No entanto, muitas outras ilusões decorrem de um processamento perceptivo que inclui aspectos cognitivos mais elaborados (por exemplo, a interação cooperativa das diversas modalidades sensoriais). Lembremos que a percepção de um “cubo” depende de sabermos o que é um cubo a partir, por exemplo, de nossa interação tátil com objetos sólidos (como vimos, uma conclusão de Berkeley). A lua enorme no horizonte e o cubo que salta de uma perspectiva a outra são exemplos de ilusões visuais que não derivam de fenômenos ópticos ou de mecanismos sensoriais básicos, mas que dependem de fatores cognitivos condicionados por nossa interação multissensorial com o ambiente. Esses fatores são moldados pela experiência individual, ontogenética, possível a partir da grande plasticidade de nosso sistema nervoso, permitindo que perceptos novos sejam aprendidos e perceptos já formados sejam alterados. Muitas das ilusões visuais envolvem relações espaciais, por isso chamadas de ilusões geométricas 14 (Figura 4). No entanto, uma outra dimensão é fundamental no processamento sensorial: o tempo. Quando olhamos para um céu estrelado, vemos um antigo mosaico temporal, já que a luz que chega até nós partiu de cada estrela há muito tempo, e em momentos distintos. O mesmo acontece, em uma escala menor, com a percepção do ambiente que nos cerca: a voz de uma pessoa e a imagem de seus lábios não chegam até nós ao mesmo tempo, nem são processadas

(A)

(B)

Figura 5. Efeito flash-lag: se um objeto aparece no campo visual (por exemplo, um flash) no exato momento em que um objeto em movimento

(indicado pela seta) passa a seu lado (A), a percepção é de um desalinhamento entre eles, com o flash sendo visto com um certo atraso (lag) em relação ao objeto em movimento (B).

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pelo sistema nervoso com a mesma velocidade. O fato de nossa percepção depender tanto de aspectos espaciais quanto temporais pode levar a situações ilusórias que envolvam ambas as dimensões. Esse é o caso de uma ilusão visual que temos estudado em nosso laboratório. Chamada de efeito flash-lag,(15,16) caracteriza-se por percebermos um objeto em movimento como estando à frente de um outro que surge, repentinamente, no exato momento em que ambos se encontram lado a lado (Figura 5). Embora um fenômeno perceptivo aparentemente simples e trivial, nenhuma explicação foi até agora consensualmente aceita para ele. Seu estudo, no entanto, tem aberto várias “janelas” que nos permitem penetrar em alguns mecanismos da percepção e de processos correlatos, como os relacionados à atenção visual.17 Um aspecto curioso sobre essa ilusão é que o efeito flash-lag pode não estar confinado aos laboratórios de pesquisa, podendo eventualmente manifestar-se em situações reais, tais como em uma partida de futebol. Mostramos, recentemente, que o erro cometido por um juiz auxiliar (bandeirinha), ao indicar erroneamente um impedimento inexistente, poderia ser também devido ao avanço ilusório do atacante (equivalente ao estímulo em movimento) em relação ao zagueiro, quando do momento exato do passe (equivalente ao flash).18 Vemos, portanto, que as ilusões não são um distúrbio da percepção, mas resultado de sua mais essencial fisiologia. É justamente nesse aspecto que reside uma de suas mais importantes características: elas nos oferecem uma espécie de olho mágico que nos permite perscrutar os mecanismos mais íntimos da percepção. Compreendê-las exige desvendar os processos sensoriais e perceptivos, e qualquer boa teoria sobre percepção deveria ser capaz de explicar ilusões já conhecidas e predizer outras ainda não observadas.3 4. Ilusões e a fisiologia da percepção A relação entre percepção e ilusão é ainda mais estreita do que imaginamos. Ao vermos uma maçã vermelha caindo de uma macieira, temos uma sensação de unidade, onde cor, forma e movimento estão associados a um único e mesmo objeto. No entanto, já a partir de nossas retinas, as imagens são fragmentadas pelos fotorreceptores e codificadas por circuitos retinianos. Esse código é, então, enviado pelo nervo óptico ao núcleo geniculado lateral, no tálamo, e de lá para o córtex visual primário (V1). Aí se inicia um processo de construção sensorial que irá resultar em nossa percepção, onde a detecção de bordas é uma das primeiras etapas.19 No entanto, ao contrário de uma construção linear e sequencial, o processo é essencialmente paralelo e repleto de alças de realimentação (Figura 6). Movimento e profundidade são qualidades a serem processadas no córtex temporal medial (MT ou V5), cor destina-se a V4 e forma alcança o córtex temPRISMA | 80


Ilusões: o oho mágico da percepção

poral inferior (IT). A percepção de forma e cor utiliza, portanto, uma via ventral (via “o quê”), relacionada com a identificação de um objeto. Já a percepção de movimento e de profundidade depende de uma via dorsal (via “onde”), envolvida na localização espacial dos objetos. Portanto, esse processamento paralelo das características de um estímulo, fragmentadas e separadas em estágios precoces, leva, de uma forma que ainda ignoramos, a uma construção que as reúne e funde em um percepto unitário. Essa unidade perceptiva depende de uma atividade neural que, embora dispersa por diversos circuitos corticais, manifesta um estado de coerência espaço-temporal que define o percepto gerado. Assim, a ambiguidade perceptiva contida no “cubo” da Figura 1 possui, como correlato neural, a atividade de dois conjuntos de neurônios sensoriais (ou de dois diferentes estados neurais) que competem entre si pela representação de duas distintas categorias perceptivas. Pequenas perturbações exógenas (na própria estimulação) ou endógenas (um esforço atencional voluntário, por exemplo) podem favorecer o predomínio temporário de um percepto sobre o outro.20

Figura 6. Esquema simbolizando as duas

principais vias visuais. Em linha contínua destaca-se a via ventral (“o quê”), envolvi-

da no processamento de cor e forma. Em

linha pontilhada representa-se a via dorsal (“onde”), responsável pela percepção

de características tais como movimento e localização de um objeto.

Embora a razão evolutiva essencial para a existência de nosso sistema sensorial seja seu papel em guiar nossas ações, existem fortes indícios que processos neurais que geram a percepção são, pelo menos em parte, distintos daqueles que conduzem à ação.21 Essa dissociação pode tornar-se mais evidente em patologias que comprometem uma delas sem interferir extensamente com a outra. Um exemplo clássico é o da paciente D. F. que, intoxicada por monóxido de carbono, apresentou lesões nas regiões occipital lateral e occipitoparietal. Embora manifestando uma profunda agnosia visual, que a impossibilita de perceber a forma de um objeto ou sua orientação espacial, executa perfeitamente diversas tarefas motoras, tais como introduzir um cartão em uma fenda, qualquer que seja sua orientação espacial. 21

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A possível dissociação entre circuitos neurais destinados à percepção e à ação pode também ser investigada por meio de movimentos emitidos por indivíduos normais em resposta a estímulos potencialmente ilusórios. Por exemplo, embora possamos ser “iludidos” perceptualmente quanto ao tamanho de um objeto, como no caso dos círculos de Titchener (veja a Figura 4A), a distância entre os dois dedos que utilizaríamos para apreender o círculo interno seria essencialmente a mesma.22 Aqui também observamos uma dissociação entre o percepto gerado (onde existe uma discrepância ilusória de tamanhos), e a ação emitida, imune à ilusão visual. Vemos, mais uma vez, que o estudo de uma simples ilusão pode abrir um caminho para a investigação de mecanismos neurais subjacentes à formação de nossas percepções e ações. Um aspecto característico das ilusões é sua gênese a partir de estímulos consensualmente presentes no ambiente, sendo a discrepância perceptiva, uma vez constatada, normalmente admitida pelo observador. Já as alucinações são experiências sensoriais percebidas como originárias do ambiente, na ausência de estimulação sensorial relevante.23 Foram originalmente definidas, e diferenciadas das ilusões, por Esquirol, no século XIX. Podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial e devem-se a causas que vão de distúrbios na aferência sensorial (tais como privação sensorial ou lesões mesencefálicas e talâmicas) a comprometimentos de circuitos corticais (como dos córtices sensoriais, límbicos ou frontais). Como exemplos de alucinações pertencentes à primeira categoria, podemos citar acidentes vasculares que lesam o córtex visual primário, ou a síndrome do membro fantasma, que pode seguir-se à amputação de um membro ou mesmo à remoção cirúrgica de um olho, dente, mama ou genitália. Na segunda categoria observamos alucinações associadas à enxaqueca, epilepsia e esquizofrenia. Independentemente de sua causa, as alucinações estão associadas a uma atividade neural observada em áreas corticais sensoriais correspondentes a sua modalidade e complexidade, como revelado por técnicas que incluem a eletroencefalografia e a ressonância magnética funcional. 23 5. Ilusões e a expressão da arte Iludir-nos é a profissão dos mágicos. Eles nos induzem a construir expectativas que fazem com que nossa imaginação precipite-se e complete o ciclo de eventos sem se dar conta em que momento foi ludibriada. A mágica vira arte nas mãos de um Chaplin, capaz de recriar pernas de um ágil dançarino com um par de garfos e dois pãezinhos. Pintores são hábeis em criar ilusões em que nossas expectativas são subjugadas em favor de sua arte. Uma famosa história de ilusão e arte, contada por PLÍNIO (23-79 d.C.) em sua Historia Naturalis, ilustra isso com perfeição. Conta-se como Parrásio enganou Zêuxis, que pintava uvas tão convincentes que os pássaros as bicavam. Parrásio convidou Zêuxis a visitar seu ateliê para mostrar-lhe um de seus quadros; quando PRISMA | 82


Ilusões: o oho mágico da percepção

Zêuxis tentou afastar a cortina que escondia a tela, descobriu que a cortina era, ela mesma, uma pintura. Foi obrigado, assim, a reconhecer a arte do rival, capaz de enganar um outro artista.7 A história da pintura confunde-se com essa aventura científico-filosófica que é a investigação de como representamos visualmente o mundo em que vivemos. Assim como acontece em nossa retina, um mundo dotado de três dimensões tem de ser representado numa tela bidimensional. Como percebeu o gênio renascentista LEONARDO DA VINCI (1452-1519), “a perspectiva nada mais é do que ver um lugar através de uma vidraça transparente, na superfície da qual os objetos que estão do outro lado devem ser desenhados”.7 Um mestre em utilizar ilusões de perspectiva (entre outras) em sua arte foi o holandês M. C. ESCHER (1898-1972). Só quando analisamos os detalhes de suas obras é que percebemos os incríveis paradoxos antes ocultos pela beleza e harmonia do conjunto (Figura 7).

Figura 6. “Waterfall”, litografia de 1961. Uma dentre muitas outras figu-ras “impossíveis” criadas pelo pintor holandês M. C. Escher.

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Baldo & Haddad

No século XIX, o movimento impressionista tentou representar o mundo tal como ele aparece a um olho imparcial, inocente. Pintores buscavam capturar em suas telas as impressões que uma cena causava em suas retinas, tentando livrar a arte de intrusas elaborações conceituais. Mas faria sentido sustentar a velha distinção entre “ver” e “conhecer”? O que enxergamos depende inexoravelmente de nossas expectativas, de tentáculos que lançamos ao mundo na tentativa de buscar aquilo que esperamos encontrar. Ver não seria, assim, simplesmente tentar adivinhar o que existe lá fora, atrás da vidraça? 6. Considerações finais A construção de nosso universo perceptivo é intrinsecamente ambígua. A geração das melhores soluções perceptivas deve, portanto, basear-se em critérios adaptativos, fornecidos ao longo do processo evolutivo. Uma ilusão surge da discrepância entre as soluções perceptivas geradas em duas situações diferentes, a partir de um mesmo objeto. Quando nos damos conta de tais discrepâncias, surpreendemo-nos como se o nosso sistema sensorial estivesse sendo “enganado”, ou como se estivesse falhando de alguma forma, sem percebermos que está utilizando as mesmas regras nas quais confiamos como fonte de informações seguras sobre o mundo que nos cerca. No final das contas, as ilusões não são “erros” da percepção, mas algo que resulta dos íntimos e cotidianos mecanismos de construção de um percepto. Na verdade, muitas vezes nossa percepção de espaço e tempo deixa levar-se, espontaneamente, por vívidas ilusões de forma, profundidade, cor e movimento, embrulhadas em emoções também ilusórias de medo, raiva ou compaixão. E para tanto, basta irmos ao cinema.

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Ilusões: o oho mágico da percepção

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