Revista TG

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EDIÇÃO 01 MAIO/JUNHO - R$14,90

A VEZ DE MAC DEMARCO_REFLEXÃO SOBRE THE IDAN’S PROJECT_O ÁRDUO CAMINHO DA TG 1 INDEPENDÊNCIA_NO EMARANHADO DO ESTILO CONTEMPORÂNEO_FATHER JOHN MISTY__+


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LIVE YOUR TODAY YOUR WAY

URBAN OUTFITTERS TG

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{ SUMÁRIO }

08 Conheça 14 Rewinds 20 Guia 30 Trilhando Clássicos

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NO EMARANHADO DO ESTILO CONTEPORÂNEO O debate em torno da função da classificação musical em gêneros e/ou estilos continua sendo largamente trazido à tona nos dias de hoje (...)

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REFLEXÃO SOBRE THE IDAN’S PROJECT Idan Raichel é um teclista, produtor, cantor e compositor nascido em Kfar Saba, cidade perto de Tel Aviv, Israel. Ao contrário de inúmeros artistas (...)

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10 DISCOS PARA GOSTAR DE CHILLWAVE Definir a Chillwave como um gênero específico é uma tarefa praticamente impossível. Nascido da colagem de distintas referências, o “estilo” (...)

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O ÁRDUO CAMINHO DA INDEPENDÊNCIA Pois bem, diante de cenários tão diversos, o que há de melhor e mais me agrada nessa história toda é que há espaço pra todo mundo: há espaço (...)

40 Lugares 68 Experimente 70 Resenha 76 Ringue 84 Coluna Assinada 94 Agenda 96 Poema Visual


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Projeto Integrado Projeto III Profa. Marise de Chirico Marketing ll Módulo Cor Profa. Paula Csillag Comunicação e Linguagem ll Profa. Regina Ferreira da Silva Produção Gráfica Profa. Mara Martha Roberto Marketing Prof. Guilherme Umeda Projeto Gráfico Deborah Kotujansky Isabella Ananda Patrick Barros Victoria Pytel Design 3A - 2015/1 Graduação em Design www.tg.com.br redacao@tg.com.br

Assim como a reta tangencia uma curva, seguindo seu pró-

prio trajeto, a revista TG traça um caminho alternativo no cenário da música. Dessa forma, revela para você novos sons, a fim de que o seu repertório musical seja ampliado com o que há de melhor. A matéria “O Árduo Caminho da Independência”, retrata a busca pela integridade musical dos artistas independentes – tema explorado e valorizado pela TG. Damos total apoio a esse tipo de produção, ainda pouco divulgado. Para você entrar de cabeça nesse universo musical sem se perder, confira as seções “10 Discos Para...”, o guia em que apresentamos uma seleção de 10 discos para você se aventurar por diversos estágios de cada estilo musical. Na seção “Trilhando Clássicos” falamos sobre álbuns de artistas consagrados no meio alternativo, classificando-os de acordo com um único fator: a qualidade. Para ficar ligado em todos os eventos que estão por vir, sintonize em nossa seção “Agenda”, para não perder nenhuma data importante. Na TG você encontrará o som que nem sabia que procurava. Então é isso.

boa leitura e aperte o play!

Deborah Kotujansky

Isabella Ananda

Patrick Barros

Victoria Pytel


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{ CONHEÇA }

BANDAS QUE VOCÊ DEVERIA CONHECER texto fabrício silveira fotos divulgação

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THE GROWLERS

Brooks Nielsen, Matt Taylor, Scott

Montoya, Anthony Braun Perry e Kyle Straka se uniram em 2006 na Califórnia para formar o The Gowlers. De lá pra cá, lançaram 5 discos e estiveram em turnês junto a nomes como Black Keys, Julian Casablancas e The Drums. O som, segundo eles, pode ser chamado de beach gosth, um gênero criado pela própria banda, que expressa ritmos de bateria aliados a riffs de guitarras reverberantes. Uma mistura de garage rock, psicodelia, folk e surf music também pode te ajudar a entender o que se espera do som dos caras, mas nenhum rótulo serve muito bem. Então comece ouvindo o último disco deles, de setembro de 2014, chamado Chinese Fontain. Curiosamente, a banda já esteve no Brasil em 2011 e tocou no Rock in Rio junto com o Marcelo Camelo, no Palco Sunset. Ainda em turnê do último disco, eles estão viajando pela Europa e a partir de maio devem chegar ao Japão. Em princípio nenhuma previsão de volta ao Brasil.


CHET FAKER

Depois de surpreender todos com

GIRLPOOL

Girlpool é uma dupla californiana

o primeiro EP “Thinking in Textures”, as formada pela guitarrista Cleo Tucker e pela batidas eletrônicas estão ainda melhores baixista Harmony Tividad. Não temos baem “Built on Glass”. tucadas, sopros ou sintetizadores, são duas As doze faixas do álbum que chegaram meninas, duas vozes e dois intrumentos. foram lançadas no último dia 11. DifeConsideradas uma das promessas do rente do ‘clap clap’ característico do R&B festival South By Southwest, a dupla mora de “Talk Is Cheap”, “1998” é mais dan- atualmente na Filadélfia e assinou com o çante e eletrônica. selo Wichita Recordings, mesmo de ban“Thinking in Textures” foi o EP de es- das como Yeah Yeah Yeahs, Peter Bjorn treia de Ch et Faker, que já mostrou ao And John e Bloc Party. Ouça o single público a habilidade do músico de criar “Ideal World” que estará no primeiro álbum músicas relaxantes. delas, Before The World Was Big (2015), Ele também já gravou ao lado do pro- com previsão de lançamento para o comedutor Flume o EP “Lockjaw”, mas foi com ço de junho. o cover de “No Diggity”, hit de 1996 do Segundo elas, a sonoridade minimalisBlackstreet com Dr. Dre, que Faker ga- ta não é apenas para parecer diferente ou nhou visibilidade. chamar atenção. A ideia é dar mais valor Além de produzir suas próprias músicas, às letras, que em sua maioria expressam o barbudo também produziu dois singles suas dores pessoais, desencontros e drada britânica Rainy Milo. mas adolescentes.

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{ CONHEÇA }

BEACH HOUSE

Eles já foram elogiados por integrantes do MGMT, The Strokes, Porti-

shead e Animal Collective. Facilmente viciante, o som da Beach House te leva para uma atmosfera onírica, onde nada pode dar errado. Juntos desde de 2004, a banda surgiu em Baltimore, Maryland, da união da francesa Victoria Legrand (vocalista e tecladista) e do norte-americano Alex Scally (multi-instrumentista). Com 4 discos de estúdio, já estiveram no line up dos principais festivais do mundo, como SXSW, Coachella, Lollapalooza e Glastombury. A voz de Victoria é frequentemente comparada a de Nico, do Velvet Underground, e entre as suas influências estão Neil Young, The Zombies, Brian Wilson e Chris Bell. Ouça a playlist com as nossas 10 músicas favoritas e uma bela mistura de shoegaze e dream pop. Mesmo na estrada há 11 anos, a Beach House é conhecida por não fazer muita questão de aparecer, evitando grandes exposições e preferindo tocar em locais menores. Não há previsão de um novo álbum pela frente, mas a discografia e os EP’s da banda já garantem uma boa diversão.

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{ FICHA }

RODRIGO AMARANTE 14

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Também conhecido como: RUIVO Idade: 38 Origem: RIO DE JANEIRO, RJ Instrumentos: GUITARRA, VIOLÃO, BAIXO, FLAUTA, PIANO Período em atividade: 1997 - PRESENTE filme favorito: PULP FICTION Uma música: “CARINHOSO” (PIXINGUINHA) Uma voz: MARISA MONTE


DUAS METADES, UM

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CLASSICOS } { TRILHANDO { REWIND }

10 DISCOS DE 1993 Em plena expansão, o rock alternativo decidia parte dos rumos na cena

musical firmada no começo da década de 1990. Fosse pelo fenômeno causado por Nevermind (1991) do Nirvana, ou mesmo a centena de outros lançamentos do gênero, o que não faltavam eram artistas capazes de manejar boas doses de distorção a seu favor. Em 1993 não seria diferente. Ano de estreia e consolidação para artistas como Björk, Liz Phair e PJ Harvey, o cenário lentamente saía da mão dos homens para brilhar nos vocais femininos, isso sem contar na expansão da eletrônica, os primórdios do Britpop e a plena influência do Hip-Hop. Com muita dificuldade listamos 10 Discos de 1993, obras essenciais e que mesmo ambientadas com a sonoridade do período, se mantém válidas ainda hoje. Menções honrosas para a dupla Mazzy Star com So Tonight That I Might See, Catherine Wheel e o disco Chrome, Autechre com Incunabula e Legião Urbana com O descobrimento do Brasil, todos álbuns lançados no mesmo ano. TEXTO CLEBER FACCHI

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Björk Debut (One Little Indian)

Ao lado do coletivo Sugarcubs, Björk havia atravessado a década de 1980 em meio a inventos claros de uma artista que buscava se encontrar. Ainda que de forma tímida, talvez essa resposta ou possível identidade tenha surgido em Debut, estreia solo da cantora islandesa e uma base nítida para os inventos que viriam a conduzir a obra da artista durante todo o restante da década. Brincando com elementos do Jazz, Trip-Hop e Eletrônica, a cantora usa do primeiro disco como uma completa perversão do pop tradicional. São músicas como Venus as a Boy, Like Someone in Love e Human Behaviour, que mesmo encapadas por uma sonoridade essencialmente experimental, não se distanciam de uma solução de vozes e sons conduzidos pela natureza acessível dos elementos. Um caminho provocativo, mas que se mantém comercial durante todo o tempo. Versátil sem deixar de ser encantadora, Björk transforma referências literárias, passagens cotidianas e efeitos tomados de excentricidade em um material de beleza particular.

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Nirvana In Utero (DGC)

De todo os trabalhos lançados na década de 1990, nenhum deles foi encoberto por tamanha expectativa quanto In Utero, terceiro e último registro em estúdio do Nirvana. Lançado dois anos após o impacto estabelecido por Nevermind (1991), o disco veio cercado pelos olhares famintos da crítica e do público, ouvintes sedentos por uma continuação daquele que imediatamente acabou se transformando em um dos marcos do rock alternativo daquele período. Cada vez mais afundado no uso de drogas e intensamente consumido por sua depressão, Kurt Cobain dava todos os sinais de que o álbum jamais seria lançado. Um efeito que quase se confirmou quando a DGC (braço da Universal e selo por trás da banda), irritada com os resultados da gravação e produção de Steve Albini pediu para que outro produtor (Scott Litt) desse novo acabamento ao álbum. Contra todas as expectativas, o disco acabou lançado sob forte aceitação, propondo um som tecnicamente distante daquilo que a banda havia produzido previamente.


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The Smashing Pumpkins Siamese Dream (Virgin)

A explosão do movimento grunge e todas as transformações do rock alternativo no começo dos anos 1990 praticamente tornaram Gish, primeiro álbum do The Smashing Pumpkins, em um registro esquecido. Mesmo hoje, quando olhamos para os clássicos de 1991, a estreia do quarteto de Chicago, Illinois passa despercebida. Entretanto, quem havia deixado de lado a estreia da banda comandada por Billy Corgan teria uma bela surpresa mais tarde, afinal, é com Siamese Dream, segundo registro em estúdio que a banda seria de fato apresentada ao mundo. “Hoje é o melhor dia que já vivi” despeja o vocalista no clássico Today, faixa que soa como um grande resumo do que se encontra pelo álbum. Como se exorcizasse demônios, Corgan desfila pelo disco revivendo uma série de fantasmas do passado – como os problemas com os pais em Disarm e o fim de relacionamento em Soma –, tudo isso enquanto destila guitarras como um ícone dos anos 1970, bebendo diretamente de grupos como Black Sabbath.

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Liz Phair Exile In Guyville (Matador)

Em um mundo dominado por homens de camisa xadrez, Liz Phair parecia surgir como um grito solitário no rock alternativo. Ao lançar o insuperável Exile In Guyville, em Junho de 1993, a norte-americana deixaria o anonimato para firmar de vez seu nome na história recente da música. Na época com 26 anos, a cantora fez do primeiro trabalho em estúdio um verdadeiro marco para o “rock feminino” – ainda que tente se esquivar do rótulo. Apresentando ao mundo uma série de composições assumidamente confessionais, Phair soube como discutir amor, solidão e sonhos, porém longe da representação de uma garota frágil. Um contraponto natural ao que predominava em outros registros do mesmo gênero. Destilando riffs de guitarra perfeitamente encaixados, versos memoráveis (como os de Fuck and Run) e vocais bem esculpidos, a cantora – ao lado de PJ Harvey e Kim Deal – conseguiu pavimentar um caminho bem resolvido para que uma série de outras vocalistas pudessem se apresentar futuramente.

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Sepultura Chaos A.D. (Roadrunner)

Desde o lançamento do álbum Schizophrenia, em 1987, que a banda mineira Sepultura vivia uma fase criativa poucas vezes igualada por outros artistas do gênero. Ampliando de forma significativa o que havia sido testado em Beneath the Remains (1989) e Arise (1991), o grupo fez de Chaos A.D. uma extensão assertiva da mesma comunhão entre guitarras e batidas, elemento que conduz com invenção cada aspecto do disco. Enquanto a bateria de Igor Cavalera se desdobra em efeitos criativos e tribais de percussão (exercício que seria ampliado com o lançamento do álbum Roots, 1996), a guitarra de Andreas Kisser cresce desmedida, sobrepondo camadas que servem como estrutura para realçar os vocais praticamente vomitados de Max Cavalera. Em meio a clássicos do grupo, como Propaganda, Refuse/Resist e Slave New World, letras consumidas pelo ódio e critica social crescem por toda a obra, transformando Chaos A.D. em uma manifestação ruidosa de tudo que o Brasil passava durante o mesmo período. TG

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{ REWIND }

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Slowdive Souvlaki (Creation)

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PJ Harvey Rid Of Me (Island)

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The Breeders Last Splash (4AD)

Os ruídos sempre encontraram no trabalho Ao longo de toda a década de 1980 não Se por um lado as crises internas no Pixies do Slowdive uma morada segura. Formada foram poucas as mulheres (em carreira solo encerravam precocemente a carreira de no final da década de 1980, a banda de ou em projetos coletivos) que deram vida uma das mais importantes bandas do rock Reading, Inglaterra trouxe com Souvlaki, a de trabalhos de plena importância para a norte-americano, por outro lado os mesmos de 1993, o ápice de uma curta discografia expansão feminina na cena musical. Uma desentendimentos fizeram nascer um dos que se estenderia até meados de 1995. Ho- sequências de lançamentos tomados de projetos mais importantes do período, o mogêneo em relação ao antecessor Just for guitarras ensurdecedoras, letras repletas de The Breeders. Comandado por Kim Deal, a Day (1991), o segundo registro em estú- confissão e instrumentação conduzida com o grupo (formado em 1988) alcançaria o dio do grupo é uma mescla entre as clima- identidade. Porém, nem mesmo o melhor ápice em 1993 com o lançamento do clástizações do Dream Pop e a psicodelia suja dos registros parecia capaz de retirar da sico Last Splash, trabalho que praticamente do Shoegaze. Um jogo cuidadoso de vozes veterana Patti Smith o posto de “rainha posicionava Deal como uma das maiores, e distorções que se encontram a todo o ins- do rock”. Isso até a chegada da novata PJ se não a maior voz feminina do rock dos tante, transformando o álbum em uma es- Harvey e a crueza imposta em Ride Of Me. anos 90. Diferente daquilo que a musicispécie de continuação natural daquilo que “Lamba minhas pernas, eu estou em cha- ta havia proclamado em sua antiga banda, o My Bloody Valentine havia testado dois mas”, canta a britânica logo na abertura do com o novo projeto havia a constante busca anos antes com Loveless. Letárgico, o disco trabalho, isso enquanto projeta uma soma por um som mais despojado, inspirado por deixa que faixas como Machine Gun, Here imensa de guitarras levemente distorcidas diversos segmentos do mundo da música e She Comes e 40 Days cresçam livremente e que fazem uma clara reverência ao blues não a fixação em um único estilo ou fórmupela obra, transformando cada uma das 10 dos anos 1950. Quente, denso e tomado la instrumental – algo já observado no discanções originais em uma espécie de repre- de versos marcantes, o segundo álbum de co Pod, de 1990. Por mais que álbum não sentação particular de um cenário próprio. Harvey surgiu emanando um tipo de luz trouxesse a mesma excentricidade que Kim Ora mágico, ora essencialmente doloroso, própria, algo que tornava a musicista uma parecia encontrar ao lado do ex-parceiro o álbum – que contou com a presença de personagem distinta em meio ao panteão Black Francis, por todos os lados do trabaBrian Eno – foge a todo o instante de qual- de bandas relacionadas ao crescente mo- lho ecoam faixas que fecham ou pelo menos quer repetição do gênero, exercício bem vimento Grunge. Base para tudo o que a ocultam tal lacuna, algo bem exemplificado explorado no manuseio límpido dos vocais artista viria a lançar futuramente, o traba- por músicas como Divine Hammer, Saints e das nuances detalhistas que se derramam lho é a plena representação de Harvey, que ou Cannonball, um dos registros mais pegacom plena atenção por todo o disco. praticamente assume todas as direções. josos e memoráveis da mesma década.

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Wu-Tang Clan Enter the Wu-Tang (Loud)

No começos dos anos 1990 o hip-hop norte-americano se dividia em dois eixos específicos. Na Costa Oeste, o Gangsta Rap e o G-Funk de nomes como Snoop Dogg, Ice-T e Dr. Dre decidiam de forma crua e lisérgica as afinações do gênero. Do outro lado, na Costa Leste, o rap politizado e os experimentos de grupos como Public Enemy ocupava uma outra lacuna. No meio desse turbilhão de distintas referências nasceu o Wu-Tang Clan, projeto que diferente dos dois segmentos predominantes criou seu próprio caminho. Nada de versos tomados pela lisergia ou discursos políticos transformados em rimas, mas sim a busca por uma temática cotidiana e filosoficamente encaixadas em metáforas às artes marciais. Do coletivo formado por oito integrantes nasceu o clássico Enter the Wu-Tang (36 Chambers), trabalho que rapidamente caiu nas graças do público e da crítica, transformando o grupo em um projeto celebrado durante o período. Mais do que o lançamento de uma obra fundamental ao rap, o primeiro álbum do coletivo nova-iorquino abriu as portas para que todos os demais integrantes do projeto se aventurassem em carreira solo, efeito talvez mais significativo do que o próprio debut em si.

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Yo La Tengo Painful (Matador)

Se em 1993 o que predominava no rock alternativo era a construção de um som cada vez mais sujo e agressivo, tal lógica se fazia inválida pelas mãos do grupo Yo La Tengo. Transformando guitarras distorcidas em passeios por universos etéreos e quase místicos, o grupo de Nova Jersey faz de Painful, sexto registro em estúdio, um encontro natural com a maturidade. Alavancando composições que bebem tanto dos ruídos exaltado por grupos britânicos quanto pelo soft rock proposto pelos artistas norte-americanos da década de 1970, o disco faz valer a tradução exposta no título, se revelando como um verdadeiro catálogo de canções dolorosas. Logo na faixa de abertura, Big Day Coming, a banda deixa transparecer muito do que será encontrado no decorrer da obra, introduzindo o ouvinte em reverberações sublimes e adocicadas. Mesmo que boa parte das faixas obriguem o trio a navegar por entre nuvens de sons aprazíveis, ainda assim é possível encontrar trechos de maior exaltação. Em Sudden Organ, por exemplo, mesmo que as densas camadas de guitarras ainda estejam por lá é a condução radiante que predomina, evidenciando um disco versátil e encantador. A boa fase do Yo La Tengo estava apenas começando.

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{ QUIZ }

BALEIA NO LOLLAPALLOZA BRASIL texto daniel corrêa

TG: Eu vi o show de vocês no lançamento do disco, no Solar de Botafogo, no fim de 2013. O show lá já era bem impressionante, mostrava uma maturidade incrível na banda. O que mudou desde aquele show para agora? A estrada mexeu na dinâmica do show? Gabriel: A estrada mexeu em bastante coisa. Estamos menos “verdes”, nos conhecemos melhor, descobrimos o que funciona e o que não funciona no palco, já passamos por uma quantidade considerável de, digamos, desafios (a palavra que eu usaria seria menos educada) desde o primeiro show. Algumas músicas estão diferentes, também, como se amadurecessem junto com a gente. TG: O show de vocês é bem intimista e eu adorei vê-lo no teatro. Vocês já tocaram em um palco tão grande quanto esse do Lolla? Como vocês pensam em transpor o clima do disco para o festival? Gabriel: Acho que nunca tocamos num palco tão grande, mas já passamos por

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outros festivais e outras casas de show maiores e temos percebido que o nosso som funciona muito bem nesse contexto. Claro, temos algumas músicas que tirariam melhor proveito de um clima mais intimista, mas tem várias que são bem expansivas e energéticas. As músicas do disco adquiriram uma roupagem bem mais intensa quando as traduzimos nas versões ao vivo. E, claro, sabemos que em festivais temos que prezar pelas que funcionam melhor num ambiente que não é nada íntimo. TG: Na primeira formação da banda, vocês se destacavam por covers. Agora, vocês fizeram um ótimo no último EP. Criar essas versões faz parte do processo criativo de vocês? Gabriel: Gostamos muito de fazer esses covers porque é um tipo diferente e divertido de fazer música. É muito legal pegar essas músicas de outros artistas e desmontá-las e remontá-las e criar novas

perspectivas em cima de uma mesma canção. Mas a gente não tem uma regra e não é algo que faz parte do cotidiano da banda. Geralmente, a gente espera uma oportunidade ou um convite surgir. De qualquer forma, quando elas acontecem, tendem a ser bem inspiradoras pra gente e sempre influenciam nosso trabalho autoral. TG: Quais são os planos da Baleia para 2015? Novo disco vindo? Gabriel: Nosso segundo filho deve nascer ainda esse ano. Esse é nosso maior foco, agora. Ainda está em formação, mas estamos muito entusiasmados com o que isso tudo pode virar.

confira a live do baleia no lolla no nosso site:

tg.com.br/baleina-no-lolla


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{ GUIA }

O GUIA DO VINIL EM NOVA IORQUE TEXTO STÉFANIS CAIAFFO FOTOS PATRÍCIA JERÔNIMO

“O OBJETIVO-CHAVE ERA CONHECER PRINCIPALMENTE A CENA MUSICAL DE LÁ, TANTO QUANTO POSSÍVEL, TAMBÉM VER BONS DJS TOCANDO E, CLARO, CORRER ATRÁS DE ACERVO PRA VOODOO E OS DEMAIS PROJETOS”

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A música negra feita nos Estados

Unidos é internacionalmente conhecida e não à toa. É de se espantar que um único país tenha visto nascer gêneros como o blues e o gospel, as inúmeras variações do jazz, o rhythm and blues, a soul music, o funk setentista, o rap e o rock and roll. Isso que nem estou colocando no cálculo tudo o que saiu e proliferou a partir da disco em direção à música eletrônica e tudo o que não poderíamos classificar propriamente como música negra – country e folk, por exemplo, e toda a música pop. Além disso, uma certa relação com os discos de vinil parece nunca ter sido plenamente rompida por lá, tampouco tão enfraquecida como aqui no Brasil. Em outubro fui aos Estados Unidos pela primeira vez para três semanas em Nova Iorque: tomei fôlego, fui atrás do visto, arrumei minha passagem e um cantinho no sul do Brooklyn, uma mala pequena com pouca coisa e parti. O objetivo-chave era conhecer principalmente a cena musical de lá, tanto quanto possível, também ver bons DJs tocando e, claro, correr atrás de acervo pra VooDoo e os demais projetos. Pra um confesso apaixonado pela música de lá e pelos discos de vinil, porém, esta


missão soava como caminhar reto até uma das portas principais do paraíso para curtir uns momentos à entrada. Todas as lojas do mapa foram visitadas pessoalmente e vocês encontraram pequenas descrições no próprio mapa. Não entraram na lista somente aquelas que realmente não valiam a visita por nenhum motivo ou aquelas cujo dono ou atendente não autorizou a inscrição no guia. Na ida, lembre-se que vinil pesa e que os aeroportos de lá são bem rigorosos. Dependendo da sua fome por discos, ao invés de fazer uma viagem com todas aquelas roupas bonitas que você sonha em

MINHA HOT LIST EM NOVA IORQUE: LPs usados: LPs novos: 7” usados: 7” novos: 12” novos: Boxsets: Equipamentos:

Norman’s Sound Other Music House of Oldies Rough Trade Turntable Lab Village Music Turntable Lab

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{ GUIA } levar pra passear em Manhattan, opte por levar o essencial e prefira as malas pequenas que distribuem o seu peso na volta. Se seus vôos chegam e saem de Newark ou La Guardia, saiba que estes aeroportos não fazem aqueles pacotes plásticos aos quais estamos acostumados por aqui. Nos Estados Unidos, estas estações de empacotamento existem somente em aeroportos internacionais. Se puder, escolha o JFK para um grau de precaução e por melhores e mais diretas conexões com a cidade toda. Um táxi de Newark para Coney Island ou até mesmo para o Queens, por exemplo, pode sair uma pequena fortuna, e mesmo para o Brooklyn já é salgado. Além disso, saiba que o controle de fronteira deles tem sim autonomia para abrir a sua mala e não tem choro. Cuide bem do que você pretende colocar dentro dela.

Lá, se jogue de cabeça, mas saiba nadar: não gaste todo o seu ar no primeiro pulo. Acredite: você sempre vai encontrar mais do que imaginava a cada nova visita, a cada nova loja. Um LP novo, em média, sai por volta de US$20,00. Usados têm preço relativo à prensagem e podem ir de US$1,00 a preços que tenho vergonha de publicar aqui. Os 12” têm preço médio de US$15,00 e os 7” mais genéricos são

“DISCOS DE VINIL PODEM VIR NA SUA MALA SEM MUITOS PROBLEMAS, CONTANTO QUE VOCÊ NÃO SEJA IMPRUDENTE A PONTO DE ACONDICIONÁ-LOS MAL”

vista aérea de Nova Iorque

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muito baratos porque são muito pouco procurados pelos próprios norte-americanos: o colecionismo no formato ainda é uma cultura muito mais forte na Europa. Se você procura 7” mais raros, o preço é correspondente aos catálogos internacionais. Procure antes de comprar para não levar gato por lebre. Além disso, prepare-se para gastar bastante tempo, porque as lojas costumam ter muito acervo e as horas voam no meio de tanto disco bom. A imensa maioria dos acervos é de música feita e prensada nos próprios Estados Unidos, embora isso pareça óbvio. Prefira sempre as lojas que te deixam escutar os discos antes, claro, mas obedeça as sempre bem sinalizadas regras pra isso. A cultura do vinil tem suas regras tácitas. Na volta, nunca se esqueça de pedir o retorno de tudo o que você pagou de impostos no aeroporto, facilidade muito justa que alguns países dão aos visitantes. Discos de vinil podem vir na sua mala sem

O MAPA PODE SER ACESSADO NO LINK: http://goo.gl/kydszv

muitos problemas, contanto que você não seja imprudente a ponto de acondicioná-los mal. A Turntable Lab tem hard e flight cases para todos os formatos, caso você prefira despachar seu material em total segurança. Você também pode, eventualmente, pedir para enviarem pelo correio, mas há um bom acréscimo de valor. Lembre-se que sua cota de entrada no Brasil é de US$500,00. Ainda que este valor se transforme em muitos discos lá, dependendo da sua sagacidade e persistência, se você planeja passar disso, pesquise bem as regras de entrada no Brasil e guarde as notas fiscais do que você vai trazer. Na chegada, a revista é feita por amostragem. Se você for escolhido pra revista e passou da cota, vai morrer em todos os impostos cobrados quando do ingresso de produtos importados no país, de acordo com as regras públicas e principalmente se trouxer discos novos. Ajuda não trazer discos repetidos. Malas pequenas ajudam a não

ser escolhido pra revista, e toda discrição também. Traduzindo: ajuda não voltar pro Brasil com aquela enorme cara de turista acenando pra aduana. Se você for escolhido pra revista, não tente mentir: é o pior hábito que você pode ter diante da polícia.

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O QUE DEFINE UM GÊNERO MUSICAL HOJE EM DIA? TENTAMOS DESCOBRIR, DO UTÓPICO PARNASO-PUNK AO CALCULADO MATH ROCK texto roger valença

fotos isabella ananda

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debate em torno da função da classificação musical em gêneros e/ou estilos continua sendo largamente trazido à tona nos dias de hoje e, talvez, esse ressuscitar constante do assunto se dê justamente em função da crise classificatória pela qual passamos. Como Nik Silva coloca muito bem: “Quando o tema em pauta é ‘estilos musicais’ surge dele uma dicotomia interessante, em que cada lado se apega a um ponto de vista bem limitado. Em um dos extremos da discussão, está a abordagem didática sobre a música, uma maneira de agrupar semelhanças ou resumir características de diversas bandas, facilitando assim a compreensão por parte do ouvinte. Já o outro polo pega essa simplificação e a põe em cheque, dizendo que essa estratificação na verdade acaba por não explicar eficientemente o conteúdo musical, além de limitar a compreensão do ouvinte ou ainda o predispor (ou pré-indispor) a receber algum novo som.” A classificação por gênero, nascida da necessidade natural de contextualizar as novas músicas, passa pela era da pressão mercadológica da indústria fonográfica. Com isso, não só a quantidade de produção e distribuição de informações cresce muito rápido, mas surge um fenômeno, que, a meu ver, é justamente a origem de tanto revés no mundo artístico: a necessidade da indústria classificar as bandas dentro de um padrão de mercado.

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A origem de tanto revés no mundo artístico: a

necessidade da indústria classificar as bandas dentro de um padrão de mercado.

Grandes grupos de criatividade irrelevante são criados pela indústria com a finalidade de serem, justamente, fenômenos comerciais. Assim, muitas outras bandas interessantes precisam figurar ao lado das mesmas na prateleira da loja de CDs. Naturalmente, as reclamações em torno desta prática, que dizem respeito à redução por rotulação, justificam a eliminação das particularidades de cada grupo. Além disso, há – de modo muito mais elevado agora nos anos 10 em que vemos a saturação de quantidade de informação - a dificuldade do público de acompanhar a variedade imensa de novos nomes e termos que parecem crescer em progressão geométrica. Por outro lado, é inviável a ausência completa de alguma rotulação para a resenha de álbuns, por exemplo. Ora, se a resenha mantém como essência a descrição do objeto analisado, levando em conta a enumeração e a construção de relações consideradas relevantes sobre o mesmo, como ignorar, na ideia resumida, as suas relações intertextuais (além da abordagem mais ou menos crítica do autor)? É justamente na correlação entre grupos e sonoridades que estão os requisitos mínimos para despertar o grau de interesse do leitor. Mas, além deste emaranhado infinito de estilos e afins, e subindo o grau da discussão para além dos méritos da rotulação em si, como podemos detectar o que classifica um gênero musical contemporâneo? A dificuldade reside justamente na falta de mé-

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todo específico. A grande questão neste assunto é que existe uma diversidade de fatores que fazem com que os gêneros se definam. A falta de metodologias estritas, por assim dizer, faz com que os gêneros nasçam de diversos lugares, pertencentes a diversas ordens, além de contar muitas vezes com a subjetividade e criatividade do neologista, a conta final acaba passando por muitas variáveis. Ainda mais hoje em dia. Lembro-me que no início dos anos 2000 o assunto quase virou piada. Todas bandas inventavam seus novos gêneros próprios, justamente por conta do cansaço rançoso dos rótulos das prateleiras da lojas de CD, às beiras de um processo de extinção, na época. Rodrigo Amarante, ainda dentro do contexto de seu Los Hermanos, dizendo que tocava Parnaso-Punk fazia muito mais sentido do que o Samba-Rock dos jornalistas, tão distantes os Hermanos estavam de um icônico Abílio Manoel. De fato, após o aparecimento de um paradoxal Pop-Punk, unindo as duas extremidades estilísticas num caldeirão só, nada parecia ter mais uma função relevante. Longe de querer reduzir as singularidades de cada grupo, é inegável que algumas bandas partilham características em comum e, assim, a definição por gêneros ajuda muitas vezes em aspectos que vão além das similaridades sonoras, acima de funcionar apenas como um filtro inicial para o leitor/ouvinte. Nas intermináveis sub vertentes do cada gênero podemos descobrir origens em comum de fenômenos espalhados pelo globo, suas as referências similares, ou uma herança partilhada, mesmo que não intencionalmente. Algo que pode ser muito interessante para alguém que busca e tem o interesse um pouco mais profundo na música de alguns grupos. Como é o caso do estilo Baroque Folk, por exemplo. Na procura de grupos que se utilizavam da técnica dedilhada do violão, descobri raízes em comum que muitos músicos partilham ao redor do mundo hoje em dia. Embora este possa ser um tema comum para alguns iniciados, não é todo público leigo que conhece as similaridades entre o Kings of Convenience e seu padrinho indireto Davy Graham.


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Do mesmo modo, isso ocorre em Beach Punk. O texto vem da descoberta de uma característica musical em comum vinda de uma região específica. A saber, os tais riffs de Surf de bandas do Brooklin. Descobri que esta já é uma cena consolidada, e nasce no bairro novaiorquino do Brooklyn, além do um pouco mais óbvio estado da Califórnia. Com tais textos, novos nomes interessantes sempre são sugeridos e podem ampliar seu repertório dentro de suas preferências estilísticas. Vamos dar uma olhada no Math Rock, por exemplo. O uso matemático da alternância de compassos é um mero recurso elevado a gênero? Poderia ser, mas dê uma passada sobre a discografia sugerida. Todos esses grupos não fazem parte de um universo sonoro em comum? Tire suas próprias conclusões. Lembre-se, a classificação existe como guia nesta progressão aparentemente interminável de sub vertentes, e, embora a rotulação possa ofender alguns artistas e seus fãs por reducionismo de suas particularidades criativas, cabe justamente ao discernimento crítico do ouvinte o trabalho para que os detalhes jamais se percam e, bem, o universo continue sempre se expandindo, principalmente o seu próprio.

A FUSÃO DE ESTILOS Embora os gêneros se deem justamente por conta de um certo agrupamento de afinidades, essas mesmas podem vir de vários lugares, como instrumentação utilizada, contexto geográfico da cena, sua função dentro do universo a que pertence, até em questões estruturais da canção em si, por exemplo. O clichê da facilidade de acesso à informação contemporânea é real: tudo acontece tão rápido e numa quantidade tão grande que a demanda acaba se estendendo além dos limites dos neologismos. Os novos estilos estão já na terceira ou quarta geração de um fenômeno de fusão (da fusão) de estilos.

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CLASSICOS } { TRILHANDO { TRILHANDO CLÁSSICOS }

THE SMITHS TEXTO BRUNO LEONEL E CLEBER FACCHI

“SURGIA ALI UM COMPOSITOR QUE DEIXAVA DE LADO OS VENCEDORES E GLÓRIAS HERÓICAS PARA FALAR SOBRE HISTÓRIAS DE PERDA, SOLIDÃO E MÁGOA QUE TANTO POVOAVAM A VIDA DE PESSOAS COMUNS”

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A seção Trilhando Clássicos consiste

basicamente em falar de todos os álbuns de um artista ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe da TG, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual. Na segunda edição de 2013, voltamos diretamente para meados da década de 1980, resgatando toda a discografia de estúdio do grupo inglês The Smiths. Com apenas quatro discos, a banda coleciona um riquíssimo acervo em coletâneas lançadas posteriormente ao fim do grupo. Entretanto, como a proposta do nosso especial se concentra em analisar apenas os trabalhos oficiais de estúdio, alguns registros como Hatful Of Hollow (1984), Louder Than Bombs (1987) e Singles (1995) ficaram de fora.


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Meat is Murder (1985, Rough Trade)

Depois de um número impressionante de shows no circuito independente e vários singles lançados, os Smiths pareciam finalmente ter superado sua inexperiência inicial e isso se refletiu em Meat is Murder, segundo disco lançado em fevereiro de 1985. Mostrando uma maior criatividade musical e trabalhando com temáticas mais politizadas do que na estreia – há desde críticas à monarquia inglesa em Nowhere fast até canções em prol dos direitos dos animais como a faixa título –, o disco apresenta maior ecletismo musical da banda, experimentando novas sonoridades e estruturas em suas canções. Foi também o momento no qual a banda passou a soar mais coletiva, apresentando performances inspiradas em cada um de seus integrantes. O disco abre com a poderosa The Headmaster ritual segundo o próprio Marr, uma das faixas que a banda mais levou tempo para finalizar. Aparecem referências de Rockabilly em Rusholme Ruffians além do rock enérgico de What She said com um bom desempenho do baterista Mike Joyce. Há uma levada de funk na contagiante Barbarism Begins at Home na qual o baixista Andy Rourke é responsável por um dos grandes momentos do disco. That joke isn’t funny Anymore é uma das mais belas canções já gravadas pelo grupo.

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The Smiths (1984, Rough Trade)

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Here We Come (1987, Rough Trade)

O disco lançado em 1984, e que apresentou Último registro em estúdio antes do disao mundo a parceria Johnny Marr e Morris- solvimento da banda, Strangeways, Here sey, trazia um apanhado de canções emocio- We Come continua de maneira coesa com nais e envolventes. As letras de Moz desde o que o grupo havia aprimorado um ano o começo foram um caso a parte, surgia antes, durante o lançamento de The Queen ali um compositor que deixava de lado os Is Dead (1986). Ainda que recheado por vencedores e glórias heroicas para falar so- composições essencialmente sombrias e bre histórias de perda, solidão e mágoa que encaixes instrumentais que passeavam pela tanto povoavam a vida de pessoas comuns. música Folk, Pós-Punk e demais referências O álbum traz desde clássicos como Hand musicais da época, com o quarto disco os in Glove até estruturas musicais sofisticadas Smiths pareciam cada vez mais interessados como Pretty Girls Make Graves. A gravação em lidar com o pop. Registro mais comerdo álbum foi conflituosa. De início, foram cial de toda a carreira da banda, o álbum registradas 14 faixas com o produtor Troy tem suas marcas bem estabelecidas não Tate, e a banda ficou empolgada com o re- apenas dentro do universo do grupo inglês, sultado. Entretanto, com o passar do tempo, mas em outros registros mundo afora, ene também devido a sugestões do produtor tre eles If You’re Feeling Sinister (Belle and John Porter, acharam o disco inadequado Sebastian) e Boxes (The National). Por se para o lançamento. Logo, descartaram o afastar parcialmente da proposta firmada material todo e gravaram-no novamente no trabalho que o precede, SHWC possisobre o comando de Porter, o que resultou bilita ao quarteto inglês a chance de expeem uma sonoridade mais cristalina. Após as rimentar instrumentalmente. Dessa forma, gravações com Porter, Morrissey continuou Johnny Marr adere os exageros da década descontente com o resultado. No entanto, de 1980 de forma cuidadosa em Paint A devido às despesas com a produção do disco, Vulgar Picture, sobrecarrega de forma assernão houve volta, e a gravadora afirmou que tiva Death Of A Disco Dancer com sinteo mesmo seria lançado. Mesmo com todas tizadores, e preenche Last Night I Dreamt as dificuldades de uma produção conturba- That Somebody Loved Me com arranjos da e a aparente falta de confiança do grupo de cordas e climatizações dolorosas capazes em algumas faixas, a estreia já mostrava uma de transportar Morrissey para o grupo dos banda com grande potencial artístico. grandes cantores da década de 1960. TG

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{ TRILHANDO CLÁSSICOS }

(1986, Rough Trade)is Dead The Queen (1986, Rough Trade)

“THE QUEEN IS DEAD PARECE CONCENTRAR TUDO O QUE O GRUPO HAVIA TESTADO DESDE O DEBUT EM 1984”

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A dor habita cada instante do terceiro registro em estúdio do quarteto inglês. Menos “político” e raivoso que o antecessor Meat Is Murder (1985), The Queen Is Dead parece concentrar tudo o que o grupo havia testado desde o debut em 1984: um ambiente à meia luz que cresce de acordo com as melancolias e confissões amargas de Morrissey. Se por um lado os vocais sombrios e a sonoridade abafada construída por Johnny Marr serviram para dar vida a clássicos como There Is A Light That Never Goes Out e I Know It’s Over, por outro lado, o uso exato de guitarras pop e o encaixe brando dos temas possibilitaram o crescimento de novas tendências dentro do registro. Caso de The Boy With The Thorn In His Side (uma das composições mais copiadas no rock indie da década de 1990) e a inteligente Frankly Mr Shankly, uma crítica bem-humorada ao dono da Rough Trade (gravadora da banda), Geoff Travis. Longe dos exageros e cores neon que predominavam na música da época, com o terceiro álbum os Smiths assumem um direcionamento ainda mais sóbrio do que o testado nos primeiros discos. Cada faixa parece abastecer o que será utilizado na composição seguinte, resultando em um composto musical de forte proximidade, porém, de nítidas especificidades e marcas sonoras. Enquanto Bigmouth Strikes Again (com uma letra que ataca a imprensa britânica) lida com um peso maior nas guitarras, a bem-humorada Vicar In A Tutu reforça a incorporação da música de raiz, preferência posteriormente aprimorada em Strangeways, Here We Come (1987). Tão atual quanto na época do lançamento, The Queen is Dead é ainda hoje a maior obra já lançada pelo grupo, além de ser um dos registros mais influentes de toda a história da música. Sombrio e “preditivo” – vide a teoria que Morrissey teria anunciado a morte da Princesa Diana anos antes –, o disco marca o ápice da produção inglesa nos anos 1980, sendo o princípio da invasão britânica que tomaria conta do mundo logo no início da década seguinte.


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PROJETO COLETIVO MULTICULTURAL VEM CHAMANDO ATENÇÃO DA CRÍTICA DAS PUBLICAÇÕES INTERNACIONAIS. texto laura sousa

foto edaldi

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dan Raichel é um teclista, produtor, cantor e compositor nascido em Kfar Saba, cidade perto de Tel Aviv, Israel. Ao contrário de inúmeros artistas, a sua família não possuía fortes raízes musicais, o que lhe permitiu desde cedo deixar-se conquistar por músicas de todo o mundo. Foi aprofundando a sua relação com a música e definindo o seu estilo, através da interação com os seus vizinhos músicos, e mais tarde com a ajuda de outros artistas israelenses. Em relação à composição das músicas, apresenta-a como um processo complementar a si mesmo, escrevendo apenas quando surge a necessidade de dizer algo, retratando através delas a sua vida, de um modo muito fluído. Até que chegou a altura em que decidiu criar um projeto, surgindo a ideia de convidar vários artistas, de forma a poder demonstrar numa melhor forma os seus diversos estilos musicais e o seu respeito pelas várias culturas existentes no mundo. A sua música não pode ser descrita como apenas uma representação das várias culturas existentes em Israel, apesar de estarem bem presentes os textos tradicionais hebraicos, pois também encontramos o jazz, o pop, o folk, que refletem e combinam sons provenientes do continente africano, da América Latina e do Oriente Médio. Apesar de ser um honra para ele ver o seu país ser olhado de outra forma pelos outros países, afirma que The Idan Raichel Project não está oficialmente ligado ao governo israelense. Todavia, ele não deixa de querer o que todos os artistas dos outros países querem: representar o seu país através do seu trabalho. TG

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cada artista tem algo a dizer, algo a partilhar,

demonstrando a sua verdadeira essência. revelam a paixão que cada um partilha pela música, independentemente da língua.

Esta banda é essencialmente um percussor de amor e tolerância entre as várias culturas. Conta com 3 constantes vocalistas, Cabra Casey, Ravid Kahalani e Maya Avraham. Para não mencionar o baterista Gilad Shmueli, (um famoso produtor de vários artistas israelenses). No entanto, ao todo é constituída por cerca de 90 músicos oriundos dos 4 cantos do mundo, como o Yemen, Sudão, países originários da ex-URSS, Israel, Etiópia, Marrocos, Portugal, Colômbia, Alemanha, Uganda, Ruanda, Cabo Verde. Funcionando como um encontro de pessoas que se no princípio poderiam achar que apenas a música as ligava, posteriormente esta vai servir de catalizadora para a criação de laços de amizade, de um contínuo aprendizado sobre poderem confiar nas pessoas à sua volta. Não existindo espaço para a imposição de um sobre o seu semelhante. Cada artista tem algo a dizer, algo a partilhar, demonstrando a sua verdadeira essência. Revelam a paixão que cada um partilha pela música, independentemente da língua. Nunca sendo a cultura, gênero ou a idade um impedimento para que isso aconteça. Raichel pretende que as músicas da banda consigam ensinar os vários povos a viverem de modo pacífico uns com os outros. Podendo ser Israel um bom exemplo desta aprendizagem, já que segundo o próprio Idan, a assinatura do Tratado de Paz entre Israel e Palestina, não será

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suficiente, enquanto os países não aceitarem cidadãos dos outros países como vizinhos, vizinhos esses, que não são sinônimos de inimigos. Como ele próprio menciona “Peace as a concept, is for diplomats — but for ordinary people, it’s a different thing”. Contudo, estas mudanças de visão demoram o seu tempo. Mas algumas já foram notadas, como o concerto dado no Caesarea Amphiteather, em que além de criarem no anfiteatro romano uma festa africana, é crucial referir a experiência, (a qual eu só posso imaginar), de estar numa plateia repleta de israelenses, que cantam em uníssono a música “Hitmakrut”, cantada em árabe. A banda tem conquistado público por todo o mundo, tendo atuado na Índia, África do Sul, Etiópia, Hong Kong, Estados Unidos, Canadá, América do Sul e Central e um pouco por toda a Europa. Podendo-se mencionar alguns espaços conceituados como The Sydney Opera House, Los Angeles’ Kodak Theater, London’s Royal Albert Hall. Atuando também em vários festivais. Também é bom mencionar o conceito de multiculturalismo. Charles Taylor refere que um país democrático é mais propício a gerar a política do reconhecimento do outro, não devendo, no entanto, a política ultrapassar a liberdade de cada indivíduo. Michel Wieviorka chega a afirmar que um hibridismo cultural é um fator de inovação para uma região. No entanto, o termo multiculturalismo, refere não só o direito de todas as pessoas à diferença, mas também descreve a existência de várias culturas numa mesma cidade, país, sem a predominância de nenhuma. Estando estas, separadas em termos de espaço e da socialização. Esta última parte, nos leva a refletir sobre os lados negativos do multiculturalismo, já que para protegerem as várias minorias criaram-se politicas de discriminação positiva, que nem sempre têm as melhores repercussões nas outras culturas. Para uma região ou um país poderem ser designados verdadeiramente multiculturais, não basta possuírem no seu território várias culturas, é necessário que estas partilhem os mesmos espaços e convivam entre si.


No final tudo que as

pessoas querem é viver em paz, com dignidade e prosperidade.

Podemos ver a contribuição para esta perspectiva através de Wade (1995) quando refere que se deve relativizar e contextualizar a diversidade cultural, criando identidades coletivas, que se devem orientar politicamente mais por aquilo que querem, e menos pelo lugar que cada indivíduo é oriundo; Baumann (1999) demonstra que cada indivíduo ao se consciencializar das suas limitações culturais, vai estar mais receptivo a um maior questionamento e relativização das

diferenças existentes entre ele e o outro, possibilitando fenômenos de convergência; e por último, Wieviorka (2002) que menciona que ao existir mais contato entre as culturas, e uma maior atenção aos diversos pontos de vista entre elas, estarão a suscitar o desenvolvimento de uma maior preocupação face à injustiça social e às desigualdades. Torna-se impossível ficar indeferente a este projeto, pois além de cada vez mais fãs aderirem à banda, o grupo está ao mesmo tempo nos incentivando a refletirmos e agirmos de forma mais humana. Fomentando a contribuição de todos para a promoção da paz e tolerância através da linguagem transversal a todo o ser humano, a música. TG

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{ LUGARES }

CULTURA EM SÃO PAULO texto renata simões

Embora tenha boas opções de centros

culturais mantidos pela Prefeitura e pelo Governo, São Paulo tem reunido um bocado de gente em busca de ocupar espaços, trabalhar em rede e criar conexões para promover debates e atividades que expandem o âmbito cultural alternativo da capital.

Os espaços, sempre com uma pegada bacana e original, funcionam de forma colaborativa ou particular, fornecendo programação suficiente para ninguém ficar parado. E mais: estimulam o espírito de criação coletiva, ideal para tornar a metrópole um lugar mais agradável, com maior qualidade de vida e interesse por políticas públicas e sociais.

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O FAROL

Um antigo prédio do centro da cidade, apelidado de Farol, reúne grupos como o Eduqativo – Instituto Choque Cultural, o Fluxo e a Balsa, cada qual focado em algumas ações. O primeiro é uma organização sem fins lucrativos focada em arte, desenvolvida pela galeria Choque Cultural; o segundo é uma redação independente e estúdio de streaming para experiências em jornalismo e não-ficção; e o terceiro, no topo do edifício, é uma casa de encontros para cursos, festas, palestras e demais eventos.

CENTRO CULTURAL OUVIDOR 63

O espaço de ocupação artística na rua Ouvidor reúne eventos relacionados a arte e a cultura, agregando pessoas que queiram fazer parte do movimento. Shows, cursos gratuitos, vivências artísticas e peças são parte da programação.

EPICENTRO CULTURAL

Espaço de criação e circulação de artes visuais, música e atividades culturais, a casa promove apresentações de música autoral, exposições de arte, atividades educativas e outros eventos multilinguagem, incluindo performance e uma mostra mensal de audiovisual disparado em tempo real, a AVAV. A infraestrutura conta com galeria de arte, atelier aberto, sala de pesquisa em linguagens eletrônicas, estúdio de gravação e área externa para eventos, encontros e atividades abertas ao público.

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{ LUGARES }

VISITE BERLIM TEXTO RENATA SIMÕES

24 horas em Berlim? Isso é possível? O que a TG me propõe é um desafio

maior que a volta ao mundo em 80 dias. Uma das cidades mais interessantes da Europa, Berlim ferve em atrações culturais. É uma cidade jovem e relativamente barata, e você tem a chance de ver um local se reinventando constantemente. 24 horas é pouco, mas é o que temos. Então, prepare-se e vamos pra ruas.

DE CANTO E SOSSEGADO

O Grunewald já foi a maior área verde do lado oeste da cidade. Então até você encontrar o seu cantinho de sossego lá dentro, tenha paciência. Vale a pena. O lugar é lindo. No verão dá para chegar até uma praia de banho chamada Strandbad Wannsee, e no inverno caminhar até um pico onde é possível esquiar: Um detalhe curioso é que o parque abriga um pequeno cemitério onde estão as cinzas da cantora Nico.

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PARA COMER

Hora de caminhar (ou pedalar) em direção ao Mitte, o bairro que reúne artistas e jovens do mundo convivendo em harmonia com os ecos da guerra. Vá jantar numa antiga estação dos correios abandonada na Segunda Guerra, hoje o Rodeo, um restaurante e club. Você anda pelo bairro, acha o prédio, sobe as escadas na fé que ta no endereço certo, já que não tem muita informação em placas ou luminosos. Berlim é uma cidade que sussurra. Para ir ao Rodeo tem que fazer a reserva. À noite berlinense tem coisa mais interessante, mas o lugar é tão lindo que vale a visita e o jantar.

rodeo

COMPRAS

strandbad wan

Pegue uma bicicleta (tem várias para alugar na cidade) e vá atravessando o centro até chegar na Marienburguer Strasse. Ou vá de trem, se não quiser perder tempo. Mas vá. a rua tem várias lojinhas que valem a pena é que são a cara da cidade. A Lunettes é um local de óculos antigos e não usados, assim como de caixas velhas e charmosas para sua lupa. A Wertvolk Berlin é uma loja especializada em recursos sustentáveis.

NACHT

A noite na cidade tem muitas opções para quem quer ouvir música. No próprio Mitte fica o Schokoladen, com ótimos shows e preços camaradas. Essa dica quem me deu foi a neoberlinense Nina Lemos. Na minha última temporada em Berlim, caí no Cassiopeia, um espaço com diferentes pistas, mais voltado ao hip hop e à música eletrônica. Além da presença de bons DJs e MCs (Bambaataa é um que já se apresentou por lá), tem uma área extensa. O bairro do Cassiopeia é o Friedrichshain, e como a noite em Berlim só termina quando o dia começa e o metrô é 24 horas nos finais de semana.

Shokoladen

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DISCOS PARA GOSTAR DE CHILLWAVE O GÊNERO QUE PARECE TER SAÍDO DE UMA FITA VHS LITORÂNEA DOS ANOS 80. texto cleber facchi

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efinir a Chillwave como um gênero específico é uma tarefa praticamente impossível. Nascido da colagem de distintas referências, o “estilo”, surgido ao final da década passada, mantém na psicodelia o principal elemento de aproximação entre projetos tão distintos como Washed Out, Neon Indian e Toro Y Moi. Fruto de um acúmulo conceitual que absorve as ambientações do Boards Of Canada, passando pela manipulação de sons alcançada por Panda Bear, em Person Pitch (2007), o gênero trouxe na formação de obras como Psychic Chasms (2009) e Life of Leisure um efeito atento de mutação, algo que os demais projetos surgidos logo no ano seguinte trataram de manifestar com maior acerto e distinção. Mantendo como foco a busca por trabalhos de essência veranil e íntimos da estética nostálgica dos anos 1980, selecionamos 10 Discos para gostar e entender a Chillwave. TG

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ARIEL PINK’S HAUNTED GRAFFITI

HOUSE ARREST (2006, PAW TRACKS)

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COM TRUISE

DUCKTAILS

GALACTIC MELT (2011, GHOSTLY)

Tudo bem, Ariel Rosenberg está longe de Seguindo a mesma trilha iniciada por parecer uma figura essencialmente voltada Daniel Lopatin e outros artistas próxià Chillwave, entretanto, desconsiderar a mos, Seth Haley encontrou na tonalidade importância do músico para a formação nostálgica dos anos 1980 um princípio do gênero seria um verdadeiro erro. Quase inevitável para a obra do Com Truise. uma década antes de Neon Indian e Wa- Circundado por sintetizadores e vozes shed Out brincarem com o uso de colagens fragmentadas de antigos registros caseiros instrumentais letárgicas e sons artesanais, o – como fitas VHS e samples -, o produtor músico californiano e os sempre mutáveis nova-iorquino substituiu o propósito artecompanheiros de banda transformaram o sanal do gênero, por um resultado muito Ariel Pink’s Haunted Graffiti em um pro- mais complexo e amplo. Dividido entre jeto aberto ao experimento. Em House Ar- músicas de essência climática e canções de rest, de 2006, é quando todo o aglutinado fluxo acessível, o disco traz como princípio de referências do músico começa a assumir a composição isolada de cada faixa. Dessa real consistência. Arranjos psicodélicos, vo- forma, enquanto Ether Drift se abre como zes empoeiradas e um conjunto amplo de um bloco de sons experimentais, quase sons organizados em um curto espaço de místicos, outras como Flightwave amenitempo, tudo isso faz com que a efemeri- zam os rumos da obra de forma a dialogar dade se manifeste como um complemento com o público médio. Ponto de divisão da para a obra. Sem qualquer ordem aparente própria essência de Haley, o disco converge e com cada faixa desenvolvida de maneira tanto o conjunto de melodias sujas, proisolada, o disco cresce como um imenso es- postas inicialmente pelo produtor, como o boço para aquilo que Rosenberg e outros catálogo de faixas “comerciais” entregues artistas desenvolveriam com maior cuida- nos lançamentos posteriores. Um verdadeido posteriormente. Ainda assim, um trata- ro passeio pela galáxia enquanto as estrelas do essencial. começam a derreter.

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DUCKTAILS III: ARCADE DYNAMICS (2011, WOODSIST)

Depois de dois bons discos caseiros e a estreia com os parceiros do Real Estate, em 2009, Matt Mondanile resolveu transformar o terceiro registro do Ducktails em uma obra entregue ao experimento. Confortado em emanações essencialmente lisérgicas e ambientações tropicais, o músico resolveu se transportar com cuidado até a década de 1960, transformando o jogo de experiências que definem o disco em uma obra essencialmente volátil e mesmo assim específica. Menos sintético que outros projetos do gênero, Arcade Dynamics encontra no uso de violões e demais componentes orgânicos um ponto de aproximação com outra parte do público, o que de forma alguma distancia Mondanile do fluxo letárgico que se espalha com leveza por toda a obra. Com vocais ocultos pelos efeitos e um efeito litorâneo que cresce pelo disco, o músico apresenta desde canções movidas pelo turbilhão de referências (Sprinter), até faixas essencialmente tímidas (Sunset Liner). Um dos melhores álbuns já feitos para se ouvir ao por do Sol.


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FORD & LOPATIN

CHANNEL PRESSURE (2011, SOFTWARE)

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GOLD PANDA

MEMORY TAPES

LUCKY SHINER (2010, GHOSTLY)

De um lado, os sintetizadores nostálgicos Enquanto parte dos produtores encontraram de Daniel Lopatin, no outro, as vocaliza- na temática litorânea e no cenário dos anos ções acessíveis de Joel Ford. No meio de 1980 um sustento natural para a Chillwave, todas essas referências que abastecem a Derwin Schlecker (Gold Panda), apostou dupla está Channel Pressure, uma obra em um novo catálogo de possibilidades. que passeia pelo lado mais soturno e dan- Desenvolvido em cima de fitas VHS, samçante de toda a década 1980. Condensado ples de sons da cultura oriental e traços esassumido de referências diversas, o proje- pecíficos da IDM, Lucky Shiner se espalha to pode até se distanciar do lado mais ra- em possibilidades tímidas, mas não menos diante e letárgico da Chillwave, mas man- encantadoras. Do detalhe caseiro que abre tém no mesmo conjunto de experiências e o disco, com You, passando pela precisão colagens um ponto lógico de aproximação. de músicas como Same Dream China e I’m Em cima de samples e vozes que parecem With You But I’m Lonely, toda a composiresgatadas de antigas fitas magnéticas, o ção da obra se orienta em um invento sensíempoeirado registro atravessa a psicodelia, vel, a ser repetido diversas vezes. Ora centraesbarra no R&B, até observar a eletrônica do em um fluxo atmosférico, ora próximo e toda a estética MIDI em um senso espe- de um resultado dançante, o álbum ultracífico de transformação. Da melancolia de passa a letargia, tão típica de trabalhos do Break Inside ao fluxo pop de Emergency gênero, para se aproximar de um estágio Room, cada música do registro se divide continuo de precisão – evidente na formacom acerto entre boas melodias e toques ção dos beats. São sequências eletrônicas explícitos de mutação. É como se tudo o que se misturam às bases orgânicas, traços que foi conquistado há três décadas fosse vocais embebidos em ruídos e um jogo de recortado e colado novamente em um for- músicas que parecem a abertura para um mato totalmente não linear. ambiente próprio.

SEEK MAGIC (2009, SINCERELY YOURS)

Existe um distanciamento imenso entre a estética proposta por Dayve Hawk em Seek Magic (2009) e nos posteriores Player Piano (2011) e Grace/Confusion (2012). Enquanto para a construção dos lançamentos mais recentes o músico de Nova Jersey apostou em uma estrutura orgânica, investindo na formação de uma banda e sonorizações amplas, com o debut, o isolamento e o uso específico de uma composição eletrônica trouxe um melhor enquadramento para o projeto. São programações detalhadas em um efeito ambiental, mas que rompem com os próprios limites ao provar de pequenas essências específicas. Do Dream Pop em Swimming Field, ao passeio pela Balearic em Bicycle, faixa, após faixa, Hawk arrasta o ouvinte para um jogo de experiências compactas, mas não menos envolventes. Lançado no mesmo ano que Psychic Chasms e Life of Leisure EP do Washed Out, o disco serviu para definir o que seria entendido como Chillwave nos meses seguintes, o resultado foi satisfatório. TG

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NEON INDIAN

SMALL BLACK

TORO Y MOI

PSYCHIC CHASMS (2009, LEFSE)

NEW CHAIN (2010, JAGJAGUWAR)

UNDERNEATH THE PINE (2011, CARPAK)

Se a Chillwave pudesse ser definida em um Parte da segunda leva de artistas que defini- Longe do cenário limitador e tímido proúnico registro, Psychic Chasms com certe- ram a essência da Chillwave, New Chain, posto para Causers Of This (2010), Chaz za seria o escolhido. Ensolarado, nascido obra de estreia do Small Black, trouxe na Bundick resolveu experimentar com o seda colagem de referências e totalmente busca por um som comercial a ferramenta gundo registro em estúdio do Toro Y Moi. drogado, a obra de estreia do Neon Indian para o natural crescimento do disco. Ain- Dessa passagem por ambientes específicos e ainda hoje é um álbum que se mantém da que o uso de sintetizadores festivos e a que esbarram na Psicodelia, Soul e até IDM no topo do cenário que ajudou a projetar. psicodelia melódica dite de forma expres- está no universo próprio de Underneath Assumido em totalidade pelo texano Alan siva os rumos da obra, é na produção de The Pine (2011). Nada ponderado em rePalomo, o projeto coleciona desde recortes versos plásticos e sonorizações movidas de lação ao álbum que o precede, o registro se musicais nostálgicos, até faixas consumidas forma dinâmica que o trabalho realmen- espalha em meio a vocais melódicos, emade forma atenta pelo uso de sintetizado- te se desenvolve. Tendo como princípio a nações típicas da música pop, além, claro, res, efeito que ao esbarrar nas guitarras e formação de versos marcados pela dor, o de uma presença muito maior dos instruvozes carregadas de efeitos se converte em álbum segue até o último instante em um mentos – manifestação quase inédita nos uma verdadeira experiência sinestésica. Da efeito de plena relação entre as músicas, o primeiros lançamentos do músico e outros letargia matinal que inaugura Deadbeat que converte o disco em um imenso blo- projetos do gênero. Estão lá canções conSummer, aos exageros lisérgicos de Should co de sons homogêneos. Na contramão de duzidas pela melancolia (Before I’m Done), have taken acid with you, cada música es- outros projetos próximos – normalmente declarações de amor (Go With You) e até palhada pela obra parece fluir como um re- centrados na figura de um único indivíduo faixas que manifestam todo o teor radiante sultado dos excessos de seu criador. Experi- –, New Chain é resultado da atuação em do projeto (How I Know). Sem amarras e mental, mas ainda assim capaz de prender conjunto de cada membro da banda, o livre do caráter Lo-Fi, o disco segue até o o ouvinte sem grandes dificuldades – vide que garante ao ouvinte um catálogo muito último instante em uma coleção de faixas Terminally Chill e Mind,Drips –, o disco maior de experiências instrumentais e um que aproximam o toque hipnagógico que coleciona no uso de harmonias voláteis ponto de distanciamento em relação ao define o gênero do grande público, resultauma das melhores viagens instrumentais. que define outros registros próximos. do explícito na boa repercussão.

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WASHED OUT

PARACOSM (2013, SUB POP)

Enquanto Within and Without (2011) é uma obra entregue ao sexo, Paracosm é a abertura para um cenário paradisíaco e ainda mais amplo do que a estreia do Washed Out. Detalhado pelo uso aconchegante de sintetizadores, a mística obra de Ernest Greene arrasta o espectador para um cenário colorido, habitado por criaturas selvagens, plantas tropicais e sonorizações lisérgicas. É quase possível sentir a brisa ou as ondas do mar batendo nos pés enquanto o álbum se desenvolve. Nada tímido e ainda assim comportado em relação ao registro que antecede, o trabalho encontra na psicodelia em cruzamento com o Dub um ponto de renovação para a estética Chillwave. São composições densas e marcadas pelo detalhe que encontram nas vocalizações (quase) limpas um fluxo pop. Carregado de faixas acessíveis, caso de Don’t Give Up, It All Feels Right e Great Escape, o álbum mantém na homogeneidade um ponto explícito de evolução em relação a outros projetos.

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O ÁRDUO CAMINHO DA

INDEPEDÊNCIA

O QUE LEVA ALGUMAS BANDAS A RECUSAREM OFERTAS DE GRAVADORAS? texto vicente florença

foto noah beckerman

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s possibilidades desse mundo contemporâneo são mesmo incríveis. Recentemente, em virtude de uma newsletter que recebi, com notícias que contam a respeito das atividades de uma banda que costumo acompanhar (tanto pelo meu apreço musical, quanto por minha afinidade com seu modus operandi), resolvi escrever esta matéria. Snowmine é uma banda americana que está na altura de seu segundo álbum completo, intitulado Dialects, e que, mesmo um ano depois de seu material já estar pronto para a distibuição e em negociação com uma série de gravadoras, resolveu lançar seu trabalho independentemente. A Snowmine é, de certo modo, uma banda iniciante, mas o cacife que adquiriu após o lançamento de um álbum completo, um EP e um single por conta própria a tornou capaz de optar deliberadamente em continuar sua carreira sem o apoio de alguma grande gravadora. Este seria um fato impensável para a década que cresci: os anos 90 foram a etapa final da consolidação das grandes empresas que trataram a indústria musical exclusivamente como, bem, uma indústria. Depois disso, diante do declínio deste modo de se produzir música que monopolizava os meios de comunicação, as grandes empresas e gravadoras se viram obrigadas e mudar seu modo de atuação para evitar a falência e seu desaparecimento completo, tornando-se muito mais tolerantes e baixando a guarda de sua autoridade em relação às suas imposições para as bandas que eram o objeto de suas vendas no mercado. Graças a isso, desde então, a grande briga gira em torno das grandes gravadoras e das Indies, que subsistem, vivem em conflito e num regime de interdependência, disputando domínio mercadológico e se alternando entre controle criativo, direitos sobre as músicas e obrigações contratuais. TG

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mesmo com o atual exercício de tolerância dos grandes selos e gravadoras, e do senso de alteridade dos independentes,

ainda existem bandas que optam por seguir seu árduo caminho da solitude. porque será que isso acontece?

GRANA

Lo-fi é um estilo de produção musical que usa técnicas de gravação de baixa fidelidade, apesar disso sua estética agrada a muitos

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Bom, me parece que a primeira grande resposta - e mais óbvia - diz respeito à possibilidade de se viabilizar isso financeiramente nos dias atuais. Em primeiro lugar, não só o acesso monetário a equipamentos de qualidade maior e a estúdios é possível, como também o acesso ao conhecimento dos procedimentos de gravação e produção se alastrou muito com a facilidade da Internet (afinal, a impressora 3D está aí e não podemos ignorar). Além disso, existe a possibilidade de se criar ótimos materiais artísticos optando por um estética Lo-Fi, que conta, inclusive, com uma boa parcela do público disposta a ouvir esse tipo de música de “baixa qualidade” (talvez porque remeta, justamente, ao espírito do Do It Yourself Pós-Punk que proliferou a partir do final da década de 70). É claro que todo o processo de gravação de um álbum de qualidade profissional requer certa quantidade de dinheiro - desde a contratação de eventuais músicos, horas de estúdio até mesmo o processo de polimento final conhecido como masterização, tudo requer um certo planejamento de investimento - mas não é difícil encontrar lugares em que tais processos sejam muito mais rentáveis do que os grandes estúdios de “produtores-mídias”, aclamados pela mídia. De qualquer modo, o grande responsável pela mudança de paradigma no processo de financiamento de um álbum talvez seja mesmo o Crowdfunding. Trata-se de um pro-

cesso de financiamento coletivo que se consolidou há poucos anos, e diz respeito à colaboração financeira vinda diretamente do público para o produto artístico (no nosso caso). O processo sintomático do pós-capitalismo que floresce justamente no campo artístico musical, esse grande relógio que adianta em relação ao mundo (antes disso, Radiohead já havia estreitado sua relação com o público e começava a subverter a lógica de mercado, oferecendo seu álbum In Rainbows pelo esquema “pague quanto quiser”, você lembra?).

DISTRIBUIÇÃO

Outro grande fator está diretamente ligado à segunda grande função das gravadoras: a distribuição. Pois bem, não há como negar, já há algum tempo que temos os downloads, torrents e YouTube facilitando o acesso ao material das bandas (muitas vezes ilegalmente, mas, ao mesmo tempo, inevitáveis). Contudo, o fenômeno recente de consolidação dos serviços de streaming estabeleceu um novo patamar de facilidade de acesso ao conteúdo produzido e botando por água abaixo o monopólio da influência dos grandes selos (é óbvio que a música comercial ainda existe e ainda é influente na indústria fonográfica mercadológica, mas estamos tratando de outra esfera aqui) no que diz respeito ao acesso aos grandes meios de comunicação. O grande meio de comunicação moderno é a Internet, e, em meios a todo o seu jogo de vantagens e despropósitos, ela é muito mais acessível que seus anteriores e, logo, democrática. Graças à eliminação de terceiros na rota comercial da Web, a relação do músico com seu público se torna mais direta e, consequentemente, mais sincera. Não só as famosas recompensas dos projetos de financiamento coletivo estreitam as relações entre os dois (e provam que o dinheiro arrecadado será revertido justamente para o projeto musical em si, e não vai parar no bolso de algum empresário), mas também o acesso às redes sociais como o Instagram tem se mostrado ferramentas úteis neste sentido. O caso do rapper Tyler, The Creator é um exemplo famoso, mas outros casos são inúmeros e cada uma com um tipo de material interessante: de Brad Oberhofer, que publica uma música por dia,


até o caso da banda Death Cab for Cutie, que criou uma conta na rede social para compartilhar momentos das gravações do novo álbum, têm contribuído para um fenômeno muito positivo que é a desmistificação do astro e a o desmantelamento da figura do ídolo intocável. Isso humaniza o artista e aproxima diretamente o produto e o consumidor em outras esferas, que não só a econômica.

TEMPO

Por fim, em terceiro lugar, sem a interferência de um selo preocupado em vender seu produto e sem a pressão financeira exercida pelas mesmas, o artista pode permanecer muito mais fiel aos seus princípios artísticos e às suas preferências estéticas. Na recente entrevista com Ellis Ludwig-Leone sobre seu projeto San Fermin, o cara cita que não há mais a necessidade de se fazer um hit comercial só para vender mais, o que contribui para o aspecto experimental dos grupos de música Pop e acaba sofisticando a música. Nas palavras dele: “Acho que tem a ver com a forma que a música é distribuída hoje em dia. É muito fácil achar com a Internet qualquer tipo de músico com poucos cliques, enquanto antes as pessoas costumavam ouvir música nova apenas pelo rádio mainstream. Há menos pressão para fazer coisas que são radiofriendly. E ajuda

que há menos expectativa que as bandas vão fazer seus selos enriquecerem vendendo discos, então podemos ser mais experimentais e não nos preocuparmos tanto com vendas.” Existe também o fator “tempo”. Muitas vezes, uma gravadora assina um contrato para a criação de vários álbuns em sequência, o que pode forçar um artista a correr para não cair no ostracismo do esquecimento do público e, de algum modo “forçar” a criação para que aconteça antes do tempo de maturação devido (isso me parece o grande problema do famigerado segundo álbum dos artistas), aproveitando o tempo de ressaca de seu primeiro álbum de sucesso. Sem pressão, o álbum e suas músicas podem crescer e amadurecer com calma e só irem a público no seu devido tempo. Pois bem, diante de cenários tão diversos, o que há de melhor e mais me agrada nessa história toda é que há espaço pra todo mundo: há espaço para fenômenos comerciais hitmakers, há espaço também para as bandas das gravadoras independentes, que atuam dentro de uma lógica de mercado um pouco mais sustentável e que procura respeitar o gosto e a inteligência de suas bandas e de seu público. Mas, sobretudo (e de alguma forma preservando uma espécie de ineditismo nessa história toda), há espaço também para bandas como Snowmine, que, embora faça parte de uma empresa de agenciamento muito interessante ao lado de Arcade Fire, Sufjan Stevens, Neko Case e muitos outros, optou por seguir seu processo de produção independentemente (inclusive empacotando e enviando suas encomendas vendidas por conta própria via correio). Há espaço até para casos mais extremos como o de Tobias Jesso Jr., um cara que (pelo menos por enquanto) subverte a lógica do one hit wonder e que já marcou sua presença no meio musical mesmo mantendo-se em (quase) completo anonimato e com apenas uma música gravada. O caminho está aberto e é sempre importante manter os olhos e ouvidos abertos para novas maneiras inteligentes de continuar criando e administrando seus projetos, ainda mais no nosso sistema ecônomico em transição aparente. TG

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{ PARA LER }

FOTÓGRAFA FALA SOBRE LIVRO DOS MUTANTES texto ariel fagundes fotos leila lisboa

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Mergulhados em uma densa nuvem de fumaça lisérgica, entre 1969 e 1973,

Os Mutantes criaram algumas das obras mais relevantes da música brasileira até hoje. Foi durante esse período marcado pelo violência da Ditadura Militar que a banda lançou os antológicos álbuns Mutantes (1969), A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970), Jardim Elétrico (1971) e Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972). Como se não fosse suficiente, o grupo gravou também o disco Tecnicolor em 1970 (lançado só em 2000), O A e o Z em 1973 (lançado em 1992) e Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida (1972), o primeiro disco solo de Rita Lee, que na verdade foi todo composto, gravado e produzido junto com Os Mutantes. A fotógrafa Leila Lisboa Sznelwar foi namorada do renomado músico e produtor Liminha, que foi baixista d’Os Mutantes de 1969 a 1973, e teve a oportunidade de ser testemunha ocular dessa que foi a fase mais importante da banda. Durante esses anos em que conviveu com a banda, Leila fotografou shows, ensaios e momentos íntimos do grupo. A maior parte desse material histórico segue inédito e, para disponibiliza-lo ao mundo, Leila Sznelwar


está lançando uma campanha de crowdfunding. O objetivo é editar um livro chamado A Hora e A Vez, que conterá 130 fotografias inéditas da banda. Para participar desse projeto tão importante para a documentação da história da música do Brasil. Conversamos por email com a fotógrafa sobre a vivência que ela teve ao lado d’Os Mutantes. Em linhas breves, Leila teve o cuidado de não entrar em detalhes sobre o divórcio de Arnaldo Baptista e Rita Lee e negou algumas das lendas que existem sobre o período em que a banda morou em um sítio na Serra da Cantareira, em São Paulo. TG: Em que ocasião você conheceu o Liminha? Quando vocês começaram a namorar? Leila Lisboa: Entre 1969 e 1970 eu conheci o Liminha em um show dos Mutantes, eu tinha um Ford 51 e ele um Buggy. Para os shows, a gente carregava o Fordão, para o resto a gente ia com o Buggy. Foi muito legal.

os registros

espontâneos revelam a intimidade dos

integrantes nos ensaios e shows

Rita Lee nos bastidores de um show em 1977 Como você avalia a interação que existia entre os membros da banda? Era tudo muito engraçado… Esse era o principal fator. A gente só ria de chorar o tempo todo. Eu sempre me dei bem com todos eles e o clima da minha época foi muito alto astral. Muita energia de criação, uma ligação mágica musical. O Sérgio e o Arnaldo são irmãos, a Rita e o Arnaldo eram um casal… Como essas relações apareciam na convivência entre a banda? As relações não musicais de todos os casais eram ótimas, não só do Arnaldo e Rita. Serginho e Sabine, Dinho e Lilian, Liminha e eu… Tudo dentro da “normalidade” e, repetindo, super divertido. Essa é a minha visão, são as minhas memórias. Você acompanhou o fim do relacionamento entre o Arnaldo e a Rita. Como esse processo interferiu na banda? Esse é um assunto tão polêmico que eu já não sei o que realmente aconteceu… Cada um, por incrível que pareça, tem uma versão particular e cada um a tem como verdade. Só me lembro da tristeza de todos. Na época em que você tirou as fotos que estarão no livro, você tinha consciência

do registro histórico que estava fazendo? Eles gostavam de serem fotografados? Eu trabalhava como assistente de fotógrafa desde os 15 anos e tinha um bom equipamento. Normalmente eu era a única tirando fotos nos shows, é por isso que elas são tão importantes e únicas… Agora, me diga como é possível estar drogada e tirar fotos incríveis, muitas com nitidez impecável, sem flash, com luz de show?? Não é. A diversão ficava pra outra hora. Nunca imaginei que estava montando um acervo tão importante, tinha prazer no que fazia. Como e quando acabou sua relação com Liminha? Foi muito light nosso fim, por assim dizer. Inclusive ainda éramos bem apaixonados, se bem me lembro, mas a visão do que vinha pela frente, por sermos tão jovens e inexperientes, nos fez querer conservar uma magia que até hoje me faz acreditar no amor. Sempre que fico infeliz em algum relacionamento me lembro do nosso e penso: “Que bobagem! Já passei por uma coisa melhor”… E parto para outro. Como diz uma amiga da minha filha, sou uma apaixonada pelo amor e dou créditos a esse relacionamento. TG

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O NOVO QUERIDINHO DO CENÁRIO INDIE CATIVA COM SEU JEITO ESPONTÂNEO. texto sávio vilela

foto ebru yildiz

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té a metade de 2012, o canadense Mac DeMarco levava uma vida meio insalubre em Montreal. Tentava emplacar uma carreira de músico enquanto dava um jeito de pagar as contas e o aluguel com o dinheiro de subempregos e trocos que ele tirava se submetendo a testes médicos em centros de pesquisas. Até ali tinha lançado algumas fitas com a antiga banda Makeout Videotape, um EP já com o próprio nome, e desenvolvido um estilo relaxado de composição e um jeito peculiar de tirar sons de uma guitarra quase caindo aos pedaços. Em junho daquele ano, assinou com a gravadora nova- iorquina Capture Tracks, que em outubro lançou 2, seu primeiro LP. E então 2014 foi, para DeMarco, um ano maluco que transformou o jovem subempregado em astro indie em franca ascensão. Nesta primeira entrevista de fato exclusiva para a TG, conversei com o talentoso músico de 23 anos. Com frases incompletas cheia de “kinda’s”, “sorta’s” e “I don’t know’s”, DeMarco falou sobre o último e intenso ano, shows no Brasil, o novo disco, Steely Dan, Jonathan Richman entre outras coisas.

TG:Você tem poumais um mês antes de começar uma longa turnê. Tá preparado mentalmente e fisicamente para ficar na estrada por tanto TG

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não conhece

o mac? escute seu último disco

“salad days”:

www.itunes.com/

salad-days

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TG: Do que você gosta mais em estar Você não parece ser um tipão celebridade. em uma turnê? Como você está lidando com isso? Mac: Acho que é conhecer pessoas. E tocar. É um pouco bizarro às vezes mesmo. Eu Viajar e tocar. É legal, é como uma aventu- estou tentando me acostumar com isso. Eu ra. Você fica meio cansado às vezes, mas eu tento tratar todo mundo igual. As pessoas gosto muito. surtando e eu tento ser educado. Mas, sei E do que você gosta menos? lá, se é por causa da minha música, é um Ficar longe de casa, longe da minha namo- jeito das pessoas serem lisonjeiras, aí é lerada… Saudades de casa, não é divertido o gal… Sei lá, ainda estou tentando entender tempo inteiro, mas OK. isso. 2014 foi ano foi um ano doido. Mas, No começo dessa turnê você vai tocar sabe, eu tenho dado duro para ser músico no Brasil, o que você espera daqui? por um bom tempo e, se as coisas têm fiÉ, deve ser ótimo. Mas eu não sei bem o cado meio malucas e eu tenha ainda que que esperar. Nunca estive aí antes. E um entender isso, tá tudo bem. De certa forma, monte de moleques do Brasil me escrevem eu trabalhei para isso. e-mails: “por favor venha para o Brasil Você tocou em tudo quanto é tipo de por favor venha para o Brasil por favor!”. lugares no último ano. Você prefere os Então tomara que os shows fiquem lota- shows grandes ou os menores? dos com uma molecada empolgada. Mas Eu costumo pensar que são cenas difereneu confesso que eu nunca procurei saber tes. Em shows em festivais a gente pode tomuito sobre o Brasil… Claro que sei onde car para a plateia errada. Às vezes, tocamos é e sei um pouco a respeito. Não posso no palco e ninguém dá a mínima e é um falar muito do Brasil. Mas tenho certeza pouco esquisito. Mas eu gosto muito de que estará quente aí, o que é ótimo já que tocar em festivais. Tem uma vibe muito diaqui está um frio terrível agora. Eu gosto ferente. É doido ver a quantidade de gente de João Gilberto. Ele é brasileiro, né? Ado- que aparece só para nos ver tocando. ro bossa nova e o jeito que ele toca violão. Que discos que influenciaram seu jeito Gosto desde bem pequeno. de tocar guitarra? A coisa pro seu lado ficou grande de Hm… Eu adoro a guitarra do Georuma hora para outra no ano passage Harrison. All Things Must Pass tem do. Você tem medo de que com isso umas guitarras muito incríveis pra mim. venham pressões e responsabilidades Eu amo… Ah… Merda, quem é mesmaiores do que antes? mo…? Hm, sei lá, eu costuma gostar de Hmm… Não, não muito. As coisas estão gente que fazia umas coisas muito louloucas, mas ainda sinto que estamos no cas na guitarra, como solos esquisitos. controle. Não sei… Claro, há algumas Agora me interessa mais aquela sensibipressões, mas nada que me incomode. lidade pop. Adoro as guitarras das coisas Continuo fazendo as coisas do jeito que dos Kinks, adoro as guitarras dos discos eu gosto de fazer e do jeito como eu já do David Bowie, as guitarras nos disco do estava fazendo antes disso tudo, então… Lou Reed… Gosto dessas coisas pop num Não é algo com o qual eu me preocupo. sentido menos tradicional.


Joe McMurray ,Andrew Charles, Pierce McGarry, respectivamente. Colegas de banda e amigos de Mac TG

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“As I’m getting older, chip up on my shoulder Rolling through life, to roll over and die.” - trecho de salad days

Você costuma dizer que a música que você toca é uma versão vagabunda de Steely Dan. Sou bem fã de Steely Dan. Mas… Quero dizer, isso é só uma piadinha, algo engraçado a se dizer. Mas o que gosto em Steely Dan é que é técnico, mas meio que cool, mas de um jeito cool para o seu pai, meio bobo… Mas não de um jeito irônico. Só é… Meio, sabe… Estranho. Seus shows estão ficando famosos por serem bem divertidos e também pela banda estar quase sempre bêbada. Beber te ajuda no palco? Acho que é uma coisa com a qual eu me acostumei. Não sei se ajuda, provavelmente deve me atrapalhar um pouco. Não sei… É mais uma coisa de tomar umas cervejas com os amigos, fazer um show e se divertir. Não é algo que muda demais as coisas… Sei lá, não vou também subir super chapado no palco. Mas é algo que ajuda a você entrar no clima, a fazer você subir no palco menos nervoso, sei lá. Antes das coisas com a banda começarem a emplacar, você fez algumas coisas meio malucas e teve alguns empregos bem ruins para conseguir pagar suas contas. Qual foi o pior? Provavelmente foi trabalhar numa firma de construção de estradas. Não foi nem um pouco divertido.Era como… Sabe, o trabalho em si era legal, fazia exercícios o tempo todo, mas… O clima não era bom, e era difícil era lidar com algumas pessoas bem

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estranhas, com quem eu não concordava nem um pouco, o que normalmente me colocava em situações complicadas. Além disso, às vezes, eu ia a centros de pesquisas em universidades para servir como cobaia para testes médicos. Em Montreal era muito difícil arranjar um emprego de verdade, então eu fazia isso às vezes para conseguir algum dinheiro. Mas o negócio dos testes era muito estúpido. Eu não conseguia fazer dinheiro de verdade com isso (risos). Mas, você tem fazer o que tem que fazer, certo? Houve muitas diferenças na gravação deste novo disco em relação ao anterior? Não exatamente, foi mais ou menos como foi gravado o disco anterior (na casa do músico e com todos os instrumentos gravados por ele). A parte instrumental soa muito similar. Mas os assuntos são bem diferentes, eu acho. De cara, não é uma grande mudança, mas se você se envolver um pouquinho com as músicas, você vai notar a diferença. Então, essencialmente, foi bem parecido com o outro disco: eu gravando sozinho, em coisa de um mês, sem precisar de muito recurso. Acho que é isso. Fiz tudo em Brooklyn, durante o mês de novembro. Está feliz com o resultado? Sim, sim. Quero dizer… isso demandou um bocado de mim. Foi um pouco esquisito. Eu nunca fiz nada parecido com esse disco. Então precisou um pouco de tempo para eu me acostumar com ele. Mas agora eu estou um pouco mais confortável. E ansioso para que as pessoas ouçam.


Mac e Kiki, sua namorada e inspiração para as músicas. TG

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2014 FOI UM ANO LOUCO, AINDA ESTOU TENTANDO ENTENDER

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Por que foi esquisito? É que um monte de músicas neste disco são muito pessoais, canto sobre coisas sobre as quais nunca cantei. Não acho que as pessoas vão necessariamente descobrir sobre o que exatamente eu estou falando, mas sinto que estou compartilhando meio demais… Não sei, é estranho, você sabe… Mas senti que eu tinha que fazer dessa forma e fiz. Já li gente dizendo que você é mais profundo do que o palhação que você quer parecer… É… Não sei. Pode ser. São coisas diferentes. Em público talvez eu seja mais assim mesmo. Mas, no estúdio, sozinho, pensando sobre outros tipos de coisa… Daí surgem coisas diferentes. Neste álbum acho que foi muito influenciado pelas coisas que aconteceram nos últimos tempos: a vida em turnê, as coisas ficando meio loucas, essa coisa de ter uma vida meio pública – o que não é exatamente ser famoso, mas mais exposto, com um monte gente sabendo da sua vida… É sobre um monte de circunstâncias as quais minha vida está submetida, é como um diário. Está com medo de ter sido aberto demais? Hmmm… Sim, um pouco. Porque essas músicas não são sobre o que comi no café da manhã ao acordar. São coisas que, num primeiro momento, me deixaram muito desconfortável escrever sobre elas. Mas sofri uma espécie de impulso para me expressar e acaba que isso torna-se público quando você coloca numa música. Mas foi bom. Quando você coloca algo assim no papel, você torna-se capaz de seguir em frente.

DISCOGRAFIA BÁSICA

MAC DEMARCO SALAD DAYS (2014) captured tracks

2 (2013) captured tracks

ROCK AND ROLL NIGHT CLUB (2011) captured tracks

Quer mais Mac? Concorra a um ingresso do show em SP, é só acessar nosso site! www.TG.com.br/sorteio-mac

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{ EXPERIMENTE }

ASSISTA mesmo se nada der certo (2013) Ex-baixista do The Frames, influente grupo da cena irlandesa, John Carney deixou a música pelo cinema, mas a música nunca o deixou. Em 2006, se juntou ao antigo colega de banda Glen Hansard para criar Apenas Uma Vez e deixou a sua marca entre os musicais modernos. Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again) segue a mesma lógica do filme premiado com o Oscar de Melhor Canção em 2008 - duas pessoas perdidas que se encontram pela música -, mas o faz de forma diluída, trocando a austeridade europeia pela maleabilidade americana. Keira Knightley vive Gretta, uma jovem com-

positora sem confiança no próprio talento que se vê sozinha em Nova York depois de perder o namorado (Adam Levine) para a fama. Mark Ruffalo é um produtor musical desprestigiado por suas escolhas profissionais e pessoais. Ele a vê tocando sozinha e visualiza o que ela poderia se tornar. uma epifania ébria que pode salvar os dois. Ainda que leve a momentos catárticos pela música, Mesmo Se Nada Der Certo, assim como Apenas Uma Vez, não é o filme sobre metamorfoses que aparenta ser. O encontro entre seus personagens não transforma, leva à aceitação - eles apenas passam a compreender a própria história.

somos tão jovens (2013) Como fazer um filme sobre um ídolo de várias gerações, conhecido por posturas nada ortodoxas diante de preceitos passados de pai para filho? Embarcar no espírito revolucionário e chutar o balde, ou maneirar mais na tinta e assim dar um colorido, quem sabe, mais suave? Somos Tão Jovens prometia retratar o passado do cantor, compositor e poeta Renato Russo, e fez isso. Mas não será estranho ouvir alguém falar sobre uma sensação de que rolou um certo “descompasso e desperdício”, resultando (com trocadilho) em tempo perdido. Será que dá para tanto? A produção aborda os primeiros contatos de Renato com o punk rock e a conturbada relação dentro do Aborto Elétrico, grupo que

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viraria o Legião Urbana e o Capital Inicial. Mas começando pelo começo, a afirmação sobre uma suposta perda de tempo reside no fato de que a obra foi realizada com total apoio da família e, portanto, era de se esperar que sobrariam informações incríveis e desconhecidas sobre o músico. Mas o roteiro escrito por Marcos Bernstein (do ótimo Central do Brasil), passa muito rápido e por muita coisa. “Esse é o meu novo eu”, diz ele para a família e para você. Tá certo que são dispensáveis os detalhes da tal doença rara que o imobilizou, mas deixar de explorar o momento que o fez um “mobilizador de pensamentos”, lendo e ouvindo muito, é não relevar os pilares da formação deste que viria a ser um verdadeiro menestrel pop.


ESCUTE

ROSES: “QUIET TIME”

INSTINCT: “LAKE COMO”

JAILL: “GOT AN F”

Depois de apresentar quatro álbuns de estúdio bem-sucedidos, no começo de 2014 foi anunciado o fim das atividades do Abe Vigoda. Para a felicidade do público fiel, carente por um novo registo de inéditas do extinto coletivo, parte dos integrantes se juntaram para formar o Roses, projeto que pode não sustentar a mesma sonoridade “Punk-Tropical” de obras como Skeleton (2008) e Crush (2010), mas mantém parte da estética Lo-Fi da antiga banda, encontrando na estética dos anos 1980 uma inusitada forma de renovação. Dando sequência ao ótimo Dreamlover EP (2014), o grupo formado por Marc Steinberg, Victor Herrera e Juan Velasquez apresenta a inédita Quiet Time. Uma das metades do Single 7” lançado em parceria com a banda Moaning, com nova composição o trio reforça ainda mais a relação com a sonoridade projetada há mais de três décadas, carregando nos sintetizadores e versos extensos uma espécie de diálogo com o último álbum do também trio Future Islands, Singles (2014).

Pelo visto, Grimes e os conterrâneos do Purity Ring não foram os únicos a perceber o diálogo natural entre o Dream Pop e as batidas densas do Hip-Hop/R&B. Em Lake Como, mais recente canção da dupla Puro Instinct – projeto comandado pelas irmãs Piper e Sky Kaplan –, todo o catálogo de ambientações etéreas testadas no álbum Headbangers in Ecstasy (2011) é encarado de forma distinta, resultando em uma faixa que escapa temporariamente do conceito “celestial” das irmãs Kaplan. Parte expressiva dessa transformação nasce da interferência direta da dupla de produtores formada por Kehinde e Taiwo. Sob o nome de Christian Rich, o duo de original da cidade de Chicago transporta parte do som letárgico do Puro Instinct para o mesmo universo de Earl Sweatshirt, Vince Staples e outros nomes de peso do Hip-Hop atual; artistas – novatos ou experientes – que também contam com músicas produzidas pela dupla.

Você não precisa ir além da capa de Brain Cream (2015) para entender quais são as inspirações e o som produzido pelo trio norte-americano Jaill. Quarto álbum de inéditas da banda original de Milwaukee, Wisconsin, o registro nasce como um reforço aos temas psicodélicos que o grupo – hoje formado por Vincent Kircher, Austin Dutmer e Andrew Harris – promove desde o primeiro disco, There’s No Sky (Oh My My) (2009). Em Got An F, mais novo single do inédito disco, guitarras calcadas no Power Pop, vozes pegajosas e uma dose leve de distorção transportam o ouvinte sem dificuldades até o meio dos anos 1970. Uma sequência de acordes coloridos, jovialidade e energia que logo afasta o ouvinte do mesmo universo letárgico, quase místico, de boa parte dos grupos atuais, caso de Unknown Mortal Orchestra e Tame Impala. Brain Cream (2015) será lançado no dia 30/06 pelo selo Burger Records.

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{ RESENHA }

“I LOVE YOU HONEYBEAR” FATHER JOHN MISTY

TEXTO FABRÍCIO SILVEIRA

“ESQUIVO DE VERSOS AÇUCARADOS, TÍPICOS EM OBRAS “APAIXONADAS”, TILLMAN DETURPA TODA A FANTASIA DO AMOR NOS PRIMEIROS INSTANTES DO DISCO, LOGO QUE A FAIXATÍTULO SE APRESENTA AO OUVINTE”

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Não existe espaço para o amor no

mundo da música. Exagero? Faça o teste: quantos discos clássicos ou álbuns recentes, de nítida exaltação ao amor, você consegue listar? Projetos radiantes, marcados pelo mesmo sentimento de plenitude que domina um indivíduo apaixonado. Pronto. Agora, pense apenas em discos marcados pela dor. Álbuns inspirados pela separação, mágoas e relacionamentos fracassados. Não vá muito longe: apenas discos lançados nos últimos meses, há poucas semanas ou do acervo “proibido” que você visitou há poucas horas. Notou alguma diferença entre as listas? Contrário ao ensinamento de filmes e séries românticas, em se tratando da música, a dor convence, marca e até “canta” mais alto do que o amor. O que explica essa (sádica) preferência? Um elemento bastante simples: a honestidade. De Adele a Bob Dylan, Sharon Van Etten a Lionel Richie, não existem segredos e relatos intimistas que permaneçam ocultos ao final de um relacionamento. Traições, brigas ou antigos sussurros românticos: tudo acaba exposto. Joshua Tillman parece entender bem isso. Ao assumir o papel de Father John Misty – “personagem” e projeto autoral


I Love You, Honeybear

criado logo após o rompimento com o Fleet Foxes, onde atuou até o lançamento de Helplessness Blues (2011) –, o músico não poupa na exposição da própria intimidade. Mesmo fazendo uso de um pseudônimo, protegido em manto de sarcasmo, canções sobre sexo, uso de drogas ou relatos de sedução barata refletem apenas a imagem do cantor. Temas retratados com humor e honestidade, componentes também fundamentais para a interpretação de Tillman sobre o amor e a vida conjugal em I Love You, Honeybear (2015, Sub Pop). Em uma explícita curva conceitual, dentro até da própria carreira, Tillman assina um trabalho muito maior do que a previsível seleção de “contos” imaginada desde o último álbum do músico, o debut Fear Fun (2012). Mesmo sob o título de Father John Misty, cada verso deriva de fragmen-

“I LOVE YOU, HONEYBEAR CARREGA NOS ARRANJOS ORQUESTRAIS UM REFINAMENTO ESPANTOSO”

(2015, Sub Pop)

tos pinçados do cotidiano do cantor. Uma obra ainda irônica e carregada de humor – vide o relato em I Went to the Store One Day ou o anti-hino de Bored in the USA – mas ao mesmo tempo sensível, centrada no convívio, amor e conflitos ao lado da esposa do cantor, a diretora Emma Elizabeth Tillman. Esquivo de versos açucarados, típicos em obras “apaixonadas”, Tillman deturpa toda a fantasia do amor nos primeiros instantes do disco, logo que a faixa-título se apresenta ao ouvinte. Em meio ao coro de arranjos e vozes suavizadas – “Honeybear, honeybear, honeybear” –, o contrastado encaixe de palavras “sujas” – “rímel, sangue, cinzas e esperma ”–; um relato cru, real, de qualquer casal depois do sexo. Entre recortes intimistas e versos de fácil transposição, o mesmo lirismo honesto aos poucos invade todo o registro. Uma obra quase invasiva, salva pelo humor flexível do artista. Reflexo do completo domínio de Tillman sobre a obra – sobrepondo até a base lírica do disco –, I Love You, Honeybear carrega nos arranjos orquestrais um refi-

namento espantoso. Entretanto, mesmo a sensibilidade reforçada nos arranjos não passa de um novo tempero no jogo satírico do cantor – capaz de replicar os mesmos temas de artistas românticos dos anos 1960/1970. Uma estrutura dramática, talvez em excesso, porém, fundamental para o tom sarcástico de Tillman, o narrador/ personagem de uma história de amor tão real, que até parece fictícia.

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{ PAPO }

DEVENDRA BANHART MALA, CAETANO VELOSO E “FRANCESPANHINGUÊS” entrevista guilherme guedes fotos fabiano veneza

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Devendra Banhart é um homem simpático, cordial, bem-humorado mas

inquietamente reservado. Nascido no Texas, criado na Venezuela e californiano por conveniência desde os 13, o cantor responde com honestidade a qualquer pergunta, mas nunca sem deixar a sensação de que filtra a própria fala para manter-se adequado ao convívio social. “Não gosto de falar”, confessa. “Gosto de escrever, gosto de cantar. Não sei porquê, mas os momentos em silêncio são melhores para mim”. O americano mostrou admiração pelo Brasil em sua entrevista para TG, e se desculpou pela insistência em responder a entrevista em um portunhol que se revelou uma salada de línguas batizada por ele de “francespanhinguês”. “Quero tentar”, pediu.


TG: Recentemente você afirmou se sentir confortável quando está desconfortável. O que isso quer dizer? Devendra Banhart: Bom, faz parte do meu trabalho. É como se eu seguisse desconfortável por muito tempo, e nunca alcançasse o conforto. Então tive que aceitar o desconforto. Eu tenho 32 anos, então convivo com isso há 32 anos. E como você se sente em voltar ao Brasil depois de tanto tempo? É outro mundo. Eu mudei muito também, e trouxe novas referências que tenho lá de fora. Antes de vir para cá pela primeira vez, o Brasil era como uma fantasia. Eu achava que eu ia caminhar pela praia e o Ney Matogrosso iria aparecer dançando, que o Hermeto Pascoal estaria em cima de uma montanha tocando, uma coisa muito incrível. Ainda é especial, mas muito diferente. Em muitos sentidos, é como se eu estivesse aqui pela primeira vez. Mala foi considerado pela imprensa como um de seus melhores álbuns. Você concorda? Acho que as pessoas sempre acabam achando o seu álbum mais recente o melhor. Pessoalmente, acho todos muito ruins (risos), então… Para mim, Mala é um álbum transitório. É uma ponte. Muito tempo se passou entre este e o anterior, e não foi bom deixar tanto tempo passar porque acumulei muita coisa dentro de mim nesse intervalo. Mala é como um ponte entre tudo isso que acumulei e o agora. E o que quer dizer o nome do disco? Em português e em espanhol ele tem um significado pejorativo. Sim, para mim e para você é algo muito negativo. Mas uma noite eu estava com a minha mulher [a fotógrafa sérvia Ana Kraš], e ela disse para mim de forma muito doce, com muito amor: “malo” [em espanhol, “mal”]. Eu perguntei: “O quê?!”, e ela me explicou o significado da palavra na língua dela. Achei muito interessante existir uma palavra com sentimentos tão diferentes em

línguas diferentes, e quando pesquisei sobre o termo, descobri que ele tem ainda mais significados em outras línguas e culturas. Em irlandês gaélico, em maltês, em hindu, em italiano… E é uma palavra muito bonita, é uma jóia de palavra. Você é fã de Caetano Veloso, que completou 70 anos e lançou Abraçaço. Você espera chegar aos 70 produzindo como ele? Não sei (risos)… Claro que sim, mas não há ninguém como Caetano. É outro nível de existência, não consigo nem pensar nisso. Talvez eu consiga através de implantes, se eu cobrir toda a minha pele com bacon para parecer mais jovem (risos). A coisa mais interessante sobre Caetano é que se você esquecer toda a história dele e focar apenas no novo álbum… uau! Ainda assim é incrível. Canções como “Estou Triste”, “Um Comunista”, “Quando o Galo Cantou”… E se você considerar todo o catálogo dele, todos os álbuns são bons. Você não pode dizer isso nem de cinco outros artistas, nem de Paul McCartney! É algo que respeito muito.

achei interessante existir uma palavra com sentimentos tão diferentes em línguas diferentes

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{ RINGUE }

RDIO OU SPOTIFY?

QUAL É O MELHOR SERVIÇO DE STREAMING DE MÚSICA?

texto amanda previdelli

Serviço gratuito e testes: Apps para SPOTIFY SPOTIFY

O Rdio e o Spotify têm versões gratuitas, porém diferentes. No Rdio, o usuário pode ouvir músicas online na sua versão web e estações de rádio no celular. A experiência vai ter anúncios, porém não custará nada. O Spotify tem uma fase de experimentação maior, de um mês. Para quem não desejar pagar assinatura mesmo após testar as versões premium, ele também funciona com o plano gratuito limitado, com anúncios e alguns recursos a menos. A vantagem do Spotify é justamente o período de avaliação – com funções premium liberadas – que é duas vezes maior do que o do Rdio. Por isso, a vitória dele neste quesito.

Acervo: EMPATE

O Spotify tem mais de 20 mil músicas adicionadas diariamente, com um catálogo que supera a marca de 20 milhões. O Rdio não divulga dados tão exatos, porém, seu número total de canções também é em torno dos 20 milhões. Ou seja, tanto na quantidade como também na qualidade, eles são iguais.

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dispositivos:

O Spotify está disponível para Android, iOS e Windows Phone. O Rdio também funciona nestas três plataformas e mais o BlackBerry. No Rdio, a reprodução em dispositivos móveis está limitada às estações de rádio. Sendo assim, ele acaba deixando a desejar se comparado ao Spotify.

Qualidade de Áudio: EMPATE

A qualidade de áudio não chega a ser um diferencial para um ou outro. Recentemente os dois serviçosdisponibilizaram grandes quantidades de canções e álbuns completos em alta definição de som. Seja para ouvir online ou offline, pago ou sem custo, eles têm ótima qualidade.

sicamente o preço é o mesmo, mas o problema é que só pode ser pago o valor do Spotify em cartões internacionais, o que restringe bastante o público.

CONCLUSÃO

Se você quer ouvir músicas ilimitadas em qualquer lugar pelo navegador web sem pagar nada, vá de Rdio. Se quiser uma experiência premium completa, ou um grátis, porém com mais recursos nos dispositivos móveis, vá de Spotify. É simples assim. Nem catálogo nem qualidade ou preço influenciam, somente o seu perfil de usuário.

Política de preços: RDIO

Um novo empate entre Rdio e Spotify quase acontece. A diferença é que o Spotify cobra o preço em dólares (US$ 5,99) e o Rdio em reais (R$ 14,99). A conversão dos US$ 5,99 vai ser em R$ 14,99, então ba-

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O DESAGUAR DA BANDA DO MAR ENTRE MARUJOS E SEREIAS, BANDA SE APRESENTA NA PRIMEIRA TARDE DO FESTIVAL LOLLAPALOOZA texto nik silva

foto pedro trigueiro

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ode parecer um nome meio ingênuo, mas Banda do Mar talvez seja mesmo a melhor alcunha para definir o encontro entre os brasileiros Marcelo Camelo e Mallu Magalhães e o português Fred Ferreira, não somente por trazer à tona certa sensação litorânea, presente no som trio que mostra influências do Surf Rock, mas também por ser o lugar onde o talento desses três músicos vai desaguar; Não só por ser um oceano, o Atlântico, que separa os dois países, mas também por passar um clima de viagem entre eles e todos os significados que a jornada em si pode ter. E por falar em definições, Mallu disse algo interessante durante uma entrevista à revista Rolling Stone: “O que é muito legal é que, para cada pessoa, essa palavra gera uma impressão diferente. Encontramos gente que diz: ‘nossa, esse nome me remete a uma praia’. Outros dizem que tem a ver com aventura, uma coisa até amedrontadora. Essa polaridade tem muito a ver com o som que a gente está fazendo. Sinto uma pluralidade no nosso som e nosso nome é simples, mas carrega tanta coisa”. Camelo completa: “É difícil fazer uma análise sobre um nome. Porque, na verdade, todo nome é um desafio”. E é bem por aí mesmo.

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A Banda do Mar pode ter sido lançada recentemente, mas seus integrantes já são reconhecidos pela mídia

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Como um rio que encontra o oceano, as carreiras do trio afluiram em uma só para ganhar força e chegar caudaloso ao mar. Primeiro, Fred e Camelo se tornaram grandes amigos, isso há quase dez anos. A amizade, até então não tinha sido transposta para os estúdios, ainda que tivesse abarcado amigos em comum n’O Clube - agremiação luso-brasileira de nomes como Cícero, Wado e Bernardo Barata, entre outros. A história de amor entre Marcelo e Mallu é o segundo afluente desta história, em que estes três regatos fizeram seu caminho para além-mar. Inflando suas velas no meio de 2013, o grupo começou seu rumo, ainda que a deriva no início, até achar sua rota: o sucesso. O desaguar da Banda é fruto de um intenso trabalho que durou quase um ano. Mallu e Marcelo rumaram para as terras lançava. E não poderia ser de outro jeito, ainda mais por se tratar de lusitanas em busca de nova moradia e lá músicos tão influentes, cada um a sua maneira. O encontro entre a encontraram mais que isso, acharam um pureza de Mallu, a melancolia de Camelo e o experimentalismo de parceiro, um porto seguro para ter e traba- Fred gerou um turbilhão de ideias que não consegue ser visto em lhar em novas ideias. Por mais de doze me- sua totalidade apenas por aqueles singles lançados na época. A maré ses, o trio moldou antigas e novas canções começava a se agitar cada vez mais a cada dia que o lançamento do sob a proposta tão única desse encontro de álbum se aproximava, deixando as águas turvas em meio a esperanartistas já consagrados. Grande parte das ças que quebravam a beira-mar. possíveis traduções de um nome tão amSe depois da tempestade vem a bonança, o resultado de Banda plo quanto “Banda do Mar” foi oferecida do Mar foi o resultado dessa calmaria. Com um bom trabalho de a esse trabalho igualmente amplo e que estreia e músicas sólidas, ao mesmo tempo que tão penetráveis. fornece ao ouvinte a chance de mergulhar “É um álbum Pop muito gostoso de se ouvir, com um pezinho e explorar a fundo essa imensidão musical. na Surf Music e um ou outro momento bem alinhado aos novos O anúncio de sua existência, por meio das ares da música brasileira, sem medo de se arriscar a ficar pesadisociais, deixou seu público coberto por uma nho em alguns trechos (e quem conhece o trabalho de Fred não névoa de especulações e ondas de expecta- vai se surpreender com isso). Às vezes dançante e sempre divertitiva surgiam a cada nova faixa que o grupo do, dá pra sacar que é um trabalho feito pra te fazer sorrir”, disse


5 MOTIVOS PARA AMAR A BANDA DO MAR MALLU MAGALHÃES E MARCELO CAMELO

Mallu e Marcelo são sensação da música brasileira. Ele saiu do rock dos Los Hermanos e manteve a legião de fãs na carreira solo. Ela virou “musinha” da web ainda bem nova e hoje é uma mulher feita. Se separados os dois já massageiam os nossos ouvidos, imagina juntos?

O CLIPE DE “MAIS NINGUÉM”

André Felipe de Medeiros em sua resenha. Eu não teria melhores palavras para definir essa obra que ao mesmo tempo em que apresenta algo completamente novo para os três, traz também ecos de seus outros trabalhos. A materialização dessa obra quando transposta aos palcos já foi visto por nós no ano passado, no show de estreia do disco em São Paulo e podemos lhes dizer que foi incrível. Além de suas próprias composições, o trio aproveitou para mostrar o vento que lhes soprou até onde então, como composições solos de Camelo e Mallu, além da emblemática Além do que se Vê, do Los Hermanos – talvez em uma conotação à imagem da própria banda.

Single da banda, “Mais Ninguém” chegou chegando com clipe pra lá de divertido. O trio reveza as dancinhas engraçadas com Fezinho Pataty, do Passinho, numa levada tão gostosa que é inevitável a vontade de dançar junto, como se ninguém estivesse olhando.

O VERÃO ESTÁ CHEGANDO

E a Banda do Mar é a trilha sonora perfeita para aquele almocinho com amigos, para ver o pôr do sol ou para deixar a vida passar daquele jeitinho preguiçoso, sentindo o cheiro da maresia…

O SHOW

O trio demorou um ano entre o início dos trabalhos e o lançamento do primeiro álbum. Foi tudo feito com calma e carinho, e agora isso se traduz numa sintonia boa de se ver no palco.

APRECIAR A MÚSICA BRASILEIRA

Porque o país está produzindo muita coisa nova e ótima no âmbito musical. Nada de complexo de vira-lata!

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{ COLUNA ASSINADA }

O UNIVERSO DA MÚSICA COMO A MÚSICA EXTRAPOLOU O UNIVERSO DE J. K. ROWLING

texto ana vitória rocha

Para mim, um dos momentos mais marcantes de se assistir a um filme do Harry

anna vitória rocha é estudante de jornalismo e amante de harry potter

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Potter no cinema sempre foi aquele em que o título aparece e, junto com ele, vem a música tema. Aquela musiquinha sempre foi meu indicativo favorito de que eu estava prestes a entrar naquele universo mágico que foi minha casa por muitos anos. Bati ponto em todas as estreias de Harry Potter a partir do terceiro filme, o meu favorito, O Prisioneiro de Azkaban. Era 2004, eu tinha 10 anos de idade e estava indo ao cinema sem um adulto pela primeira vez, muito provavelmente porque minha mãe concluiu que não era obrigada a ficar por horas numa fila comigo. Já tive estreias inesquecíveis; outras, nem tanto. Já almocei e jantei na porta do cinema, vi fãs vestidos de monitores organizando as filas e dando discursos emocionados antes do filme, já me envolvi em rixas de fandom, fui um pesadelo pros seguranças do shopping, assisti a duelos entre comensais da morte, vi gente casualmente passeando com trajes de Hogwarts e quis desesperadamente um suéter da escola pra chamar de meu. Fui o tipo de pessoa que interage em voz alta com os filmes e os aplaude no final, xinguei

ilustrações koyamori

os personagens, vibrei com eles e fui mais um entre os muitos narizes sendo assoados naquela derradeira sessão em 2011. São muitas histórias e lembranças de todos os aqueles anos em que eu vivi e cresci junto com Harry, Ron e Hermione, com o nariz enfiado em livros e muitas horas em filas de cinema, e se tem uma coisa que resume tudo isso, pode ter certeza que é aquela música. “Hedwig’s Theme” é seu nome e foi composta pelo músico John Williams, responsável pelo score dos três primeiros filmes da saga. A música é o leitmotiv – ou seja, tema condutor – dos filmes, e notadamente é a música que abre o primeiro e encerra o último Harry Potter. Mesmo não estando mais à frente do trabalho, a música de John continuou a ser usada nos outros filmes, com diferentes versões e evoluções que tomavam forma de acordo com a atmosfera da cena em questão. O compositor e maestro americano é responsável por uma série de temas já considerados clássicos, daqueles que nos transportam automaticamente para seus filmes de origem ou até são mais conhecidos que os próprios filmes. Os scores de Star Wars,


“Hedwig’s Theme é uma música importante porque sintetiza Harry Potter em poucos minutos, e o evoca na mente até daqueles espectadores menos atentos.”

Indiana Jones e Jurassic Park são algumas Apesar do repertório menos robusto, é de de suas humildes contribuições para o uni- Patrick Doyle a linda “Harry In Winter”, verso das trilhas sonoras, além, claro, dessa de O Cálice de Fogo, assim como “The que tratamos aqui. Isso sem falar naquele Quidditch World Cup”, que marca a Copa que, na opinião desta que vos escreve, é o Mundial de Quadribol. Já o francês Aletema mais icônico e importante de todos: xander Desplat ficou marcado por suas Tubarão. Porque antes de saber quem era composições nos dois últimos filmes, As Steven Spielberg, tenho certeza que você Relíquias da Morte, partes 1 e 2. Dou o também já brincava de tubarão na piscina destaque para todas as peças que cobrem o e cantou variações daquele “tandantan- fechamento de um dos arcos que, pra mim, damtandam” para criar aquele clima na é um dos mais importantes e maduros de brincadeira entre primos. toda a saga, que é a história entre Lily, mãe Mas já que o assunto aqui é Harry de Harry, e o professor Snape, o anti-herói Potter, outro momento importante na trágico da história. Músicas como “Lily’s trajetória de John Williams com a saga é Theme” e “Severus and Lily” sempre vão em “Buckbeaks’s Flight”, música que toca remeter a essa conclusão, que amarra pratiquando Harry faz seu primeiro voo em Bi- camente toda a história. cuço, o hipogrifo. O momento acontece Também não é só por meio de instruno terceiro filme e é carregado de tensão mentais e maestros que essa aventura é no início, como a própria música denota. contada. O universo de Harry Potter é Você não precisa se lembrar exatamente da tão vasto e completo que existe espaço até cena, muito menos ter assistido ao filme, para rádios e suas costumeiras paradas de para concordar que a única emoção possí- sucesso. A banda fictícia The Weird Sisvel quando se fecha os olhos ao som dessa ters foi o coqueluche do momento, querimúsica é a de se sentir voando na garupa da por gente como Gina Weasley e Ninfade uma ave gigantesca e mágica. dora Tonks, e serviu de atração principal No entanto, nem só da batuta de Wil- do grande Baile de Inverno, evento obriliams vive a saga de oito filmes, e é preciso gatório do Torneio Tribuxo, que acontece reconhecer o trabalho de seus sucessores. no quarto filme da saga. Jarvis Cocker, do

Pulp, escreveu e interpretou as três músicas da banda, “Do the Hippogriff”, “Magic Works” e “This is The Night”. Além dele, a banda conta com a contribuição de Jonny Greenwood e Phil Selway, do Radiohead, Steve Mackey, baixista do Pulp, entre outros músicos. The Weird Sisters é uma banda do gênero wizard rock que, como vários outros elementos da série, extrapolou as páginas dos livros e as telas de cinema para ganhar vida e expressão no mundo real. Hoje o wizard rock (ou wrock, pros íntimos) conta com mais de 450 bandas, que se apresentam em bibliotecas e convenções de fãs pelos Estados Unidos e pela Europa. As músicas, obviamente, giram em torno do universo Harry Potter e podem ser escritas tanto pela perspectiva de personagens que conhecemos, como podem ser também crônicas da vida no mundo mágico. A saga Harry Potter é uma história sobre amizade e estar junto, sobre coragem para lutar por algo maior, e combater os inimigos sem perder a inocência. Mais de 10 anos depois que eu li o primeiro livro, mesmo depois de todo esse tempo, essas músicas têm o poder de me levar pra dentro desse universo. E vai ser assim pra sempre. TG

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PARA LER } CLASSICOS } { TRILHANDO

GIRL IN A BAND O FIM DO SONIC YOUTH PELAS MEMÓRIAS DE KIM

TEXTO FABRÍCIO SILVEIRA

“GIRL IN A BAND CENTRA-SE NO FIM DO RELACIONAMENTO – QUASE UMA VIDA INTEIRA – COM THURSTON MOORE. É UM LIVRO CONTUNDENTEMENTE FRANCO. É DE UM REALISMO E DE UMA VERDADE CHOCANTES”

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Nas primeiras páginas do livro Girl

in a band – A memoir, recém-lançado, Kim Gordon descreve Thurston Moore como alguém que tem os lábios de Mick Jaegger, tem os braços esguios e não sabe exatamente o que fazer com as pernas. Segundo ela, além de esconder o rosto atrás da cabeleira loira, como faz usualmente, Moore tem a cautela necessária aos homens altos que não querem se impôr nem querem intimidar os outros. Kim Gordon e Thurston Moore foram casados por vinte e sete anos. Juntos, fundaram o grupo Sonic Youth, um patrimônio cultural inquestionável da música pop independente produzida a partir da década de 1980. Conheceram-se num club, em downtown New York, em 1981. Ele, vinte e dois anos. Ela, vinte e sete. Moore ficara fascinado com os óculos escuros que Kim usava naquela ocasião. Casaram-se três anos depois. Fizeram uma família, fizeram uma filha e uma das reputações mais sólidas no meio artístico norte-americano (e, por extensão, mundial). Transitavam entre o pop mainstream e a música experimental, as microfonias de guitarra, as artes plásticas e a moda. Tornaram-se o “casal dourado”. Pareciam mostrar a todos que era possível,


sim, viver como num conto de fadas, amparados por relativo sucesso mercadológico, consistência e coerência artísticas, uma família e um amor sólidos. Girl in a band centra-se no fim do relacionamento – quase uma vida inteira – com Thurston Moore. É um livro contundentemente franco. É de um realismo e de uma verdade chocantes. Kim Gordon conta histórias muito pessoais, mencionando, com coragem, os nomes de todos os envolvidos. Fala sobre Beck, Courtney Love e os rapazes da banda. Fala ainda sobre a “outra” (às vezes, chamada de “aquela mulher”, às vezes, “a mulher em questão”), pivô de sua crise matrimonial. Dá detalhes sobre o episódio, a “descoberta desconcertante da traição”, e descreve o inferno psicológico que se tornou o show no festival SWU, no interior de São Paulo, em 2011, quando ocorreu a derradeira apresentação pública ao lado daquele que acabara de se tornar seu ex-marido.

Após aquela noite, o Sonic Youth terminaria. Encerrariam atividades, para sempre. E aquela performance, à frente de milhares de brasileiros animadíssimos, expostos ao barro e à chuva, seria como um desabamento, a consumação de uma violenta ruptura afetiva. O término da banda, sacramentando-se ali mesmo, seria uma mera decorrência. Seria, porém, um efeito colateral igualmente dolorido. No anoitecer paulistano, o show não foi ruim. Na verdade, foi uma típica apresentação do Sonic Youth, às quais nos acostumamos ao longo dos anos: rocks encorpados e desconstruídos, com refrãos e acentos pop, dissonâncias e ruídos propositais. Entretanto, havia no ar uma tensão, uma dramaticidade especial. Kim Gordon surgiu num bonito vestido vermelho. Quando começou a cantar, em “Brave Men Run”, a música de abertura, sua voz soou embargada, parecia pastosa. No centro do palco, tinha a fisionomia pesada.

Kim Gordon e seu ex-marido Thurston Moore TG

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{ PARA LER }

Capa do livro “girl in band”

Quase não trocava olhares com Thurston Moore. Parecia haver um muro entre eles. Aos outros músicos só lhes restava fingir que tudo ia bem. O primeiro capítulo de Girl in a band, intitulado “The end” – é preciso dizer mais!? –, descreve com cuidado estes momentos de suspense e nostalgia antecipada. Vive-se ali uma mistura confusa de sentimentos negativos, tais como abandono e tristeza, decepção e desesperança. Subitamente, Kim Gordon viu-se sozinha. É muito curioso, agora, tendo-se o livro em mãos, tendo-se então acesso confiável aos bastidores do espetáculo, à delicada economia sentimental da banda, rever o último concerto na íntegra. Produz-se, em torno dele, uma nova chave interpretativa. O evento parece ocorrer sob uma outra luz.

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As memórias de Kim Gordon nos auxiliam, deste modo, a compreender melhor não só o fim, mas a trajetória toda daqueles que constituíram um dos pilares do indie rock, de uma música pop oblíqua, transversal à grande indústria fonográfica. É irônico também – não se pode mesmo deixar de notar – que o par perfeito, o relacionamento que parecia ideal, o casal que era, ao mesmo tempo, cool e hardcore, tenha sucumbido diante de um antigo e desgastado clichê: um homem na crise da meia-idade, uma mulher mais jovem, sedutora, uma traição conjugal, uma vida dupla. O triste fim da juventude sônica. Depois de um número impressionante de shows no circuito independente e vários singles lançados, os Smiths pareciam finalmente ter superado sua inexperiência inicial e isso se refletiu em Meat is Murder, segundo disco lançado em fevereiro de 1985. Mostrando uma maior criatividade musical e trabalhando com temáticas mais politizadas do que na estreia – há desde críticas à monarquia inglesa em Nowhere fast até canções em prol dos direitos dos animais como a faixa título –, o disco apresenta maior ecletismo musical da banda, experimentando novas sonoridades e estruturas em suas canções. Foi também o momento no qual a banda passou a soar mais coletiva, apresentando performances inspiradas em cada um de seus integrantes. O disco abre com a poderosa The Headmaster ritual segundo o próprio Marr, uma das faixas que a banda mais levou tempo para finalizar. Aparecem referências de Rockabilly em Rusholme Ruffians além do rock enérgico de What She said com um bom desempenho do baterista Mike Joyce. Há uma levada de funk na contagiante Barbarism Begins at Home na qual o baixista Andy Rourke é responsável por um dos grandes momentos do disco. That joke isn’t funny Anymore é uma das mais belas canções já gravadas pelo grupo.


O disco lançado em 1984, e que apresentou ao mundo a parceria Johnny Marr e Morrissey, trazia um apanhado de canções emocionais e envolventes. As letras de Moz desde o começo foram um caso a parte, surgia ali um compositor que deixava de lado os vencedores e glórias heroicas para falar sobre histórias de perda, solidão e mágoa que tanto povoavam a vida de pessoas comuns. O álbum traz desde clássicos como Hand in Glove até estruturas musicais sofisticadas como Pretty Girls Make Graves. A gravação do álbum foi conflituosa. De início, foram registradas 14 faixas com o produtor Troy Tate, e a banda ficou empolgada com o resultado. Entretanto, com o passar do tempo, e também devido a sugestões do produtor John Porter, acharam o disco inadequado para o lançamento. Logo, descartaram o material todo e gravaram-no novamente sobre o comando de Porter, o que resultou em uma sonoridade mais cristalina. Após as gravações com Porter, Morrissey continuou

“O TÉRMINO DA BANDA, SACRAMENTANDO-SE ALI MESMO, SERIA UMA MERA DECORRÊNCIA. SERIA, PORÉM, UM EFEITO COLATERAL IGUALMENTE DOLORIDO”

descontente com o resultado. No entanto, mas em outros registros mundo afora, endevido às despesas com a produção do disco, tre eles If You’re Feeling Sinister (Belle and não houve volta, e a gravadora afirmou que Sebastian) e Boxes (The National). Por se o mesmo seria lançado. Mesmo com todas afastar parcialmente da proposta firmada as dificuldades de uma produção conturba- no trabalho que o precede, SHWC possida e a aparente falta de confiança do grupo bilita ao quarteto inglês a chance de expeem algumas faixas, a estreia já mostrava uma rimentar instrumentalmente. Dessa forma, banda com grande potencial artístico. Johnny Marr adere os exageros da década Último registro em estúdio antes do dis- de 1980 de forma cuidadosa em Paint A solvimento da banda, Strangeways, Here Vulgar Picture, sobrecarrega de forma asserWe Come continua de maneira coesa com tiva Death Of A Disco Dancer com sinteo que o grupo havia aprimorado um ano tizadores, e preenche Last Night I Dreamt antes, durante o lançamento de The Queen That Somebody Loved Me com arranjos Is Dead (1986). Ainda que recheado por de cordas e climatizações dolorosas capazes composições essencialmente sombrias e de transportar Morrissey para o grupo dos encaixes instrumentais que passeavam pela grandes cantores da década de 1960. música Folk, Pós-Punk e demais referências musicais da época, com o quarto disco os Smiths pareciam cada vez mais interessados em lidar com o pop. Registro mais comercial de toda a carreira da banda, o álbum tem suas marcas bem estabelecidas não apenas dentro do universo do grupo inglês, TG

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{ RESENHA }

“SALAD DAYS” MAC DEMARCO

TEXTO ANNA VITÓRIA ROCHA

“AINDA QUE MUSICALMENTE ‘SIMPLES’ EM RELAÇÃO AO TRABALHO ANTERIOR, COM O NOVO DISCO DEMARCO APROVEITA PARA INVESTIR EM PEQUENOS EXPERIMENTOS CONTROLADOS ”

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Mac DeMarco é um homem comum.

Gosta de falar sobre amor, canta sobre o prazer de fumar um cigarro e usa da mediocridade do cotidiano como uma ferramenta para as próprias composições. Naturalmente descompromissado, mas ainda assim capaz de ressaltar aspectos curiosos de um dia aprazível, o cantor e compositor canadense mais uma vez abre as portas do universo particular que o envolve para apresentar Salad Days (2014, Captured Tracks). Um álbum que fala/canta inteiramente sobre ele, mas que esbarra na casualidade de qualquer espectador. Passo seguro em relação ao que 2, registro de “estreia” do músico, trouxe em 2012, o presente álbum vai além de brincar com temas aleatórios e pequenas confissões, trata-se de uma obra em que a maturidade do músico impera evidência. Se há dois anos o canadense abria o disco falando sobre a vida em um efeito de crônica leve, em Cooking Up Something Good – “Quando a vida se move lentamente/ Apenas deixe-a ir” –, com a inaugural faixa-título, DeMarco soa existencialista – “Rolando pela vida, para rolar e morrer” –, mas sem parecer um poeta sombrio. Mais uma vez o músico discorre sobre o amor (Let My Baby


Salad Days

Stay), conselhos reciclados (Brother) e personagens (Jonny’s Odyssey), premissa que ocupa o álbum até o último instante. Afundado com segurança nas ambientações caseiras dos anos 1980, DeMarco abraça a morosidade de Ariel Pink e do conterrâneo Sean Nicholas Savage para reforçar um projeto tão autoral, quanto partilhado. A leveza que comanda o disco se esbalda em acordes econômicos, guitarras poluídas sutilmente pela distorção e uma doce melancolia que segue as pistas do efeito imposto em My Kind Of Woman. Nada tende ao exagero no interior do disco, pelo contrário, durante todo o percurso o músico parece inclinado a fugir dos instantes de grandeza, fazendo de Salad Days um disco marcado pela serenidade. Em busca de consolidar uma obra homogênea, DeMarco pode até se esquivar

“SALAD DAYS É UM TRABALHO QUE ESTÁ LONGE DE GARANTIR RESPOSTAS IMEDIATAS AO ESPECTADOR”

(2014, Captured Tracks)

da formação de canções íntimas do grande público – caso de Freaking Out The Neighborhood, do disco passado –, mas isso não quer dizer que fluidez do registro seja prejudicada. Brando, Salad Days deixa de lado as melodias “fáceis” para prender em essência pelas as palavras. Tendo em Passing Out Pieces – “Assistindo a minha vida, passando bem na frente dos olhos/ Que inferno de história, oh é chata?” – um fino exemplo do registro, o compositor brinca com os temas de jovens adultos sem necessariamente parecer clichê. Uma ferramenta que engata nos versos cotidianos do artista para fluir com ineditismo pelo álbum. Ainda que musicalmente “simples” em relação ao trabalho anterior, com o novo disco DeMarco aproveita para investir em pequenos experimentos controlados. Com um espaço maior, os sintetizadores funcionam como uma ferramenta complementar aos versos tristes esbanjados pelo músico. Basta o sofrimento de Chamber Of Reflection ou teor ascendente de Passing Out Pieces para perceber a forma como o músico lida com as harmonias. Mesmo

as tradicionais guitarras ganham um toque extra de frescor, afinal, é difícil não se deixar seduzir pela tonalidade matinal de Let Her Go ou detalhismo nostálgico de Goodbye Weekend, músicas que afastam de vez as comparações com o trabalho de Mark Knopfler (Dire Straits). Para ser absorvido com leveza, Salad Days é um trabalho que está longe de garantir respostas imediatas ao espectador. Dos versos aos arranjos homogêneos, tudo parece fluir dentro de um estágio compreendido em essência apenas por DeMarco. Todavia, o ambiente empoeirado que cresce com as guitarras, as letras curtas e o tratamento confortável dado aos sons impedem que o disco passe despercebido. Documental, cada instante do álbum ecoa a serenidade do compositor, que continua a fumar seu cigarro e brincar com os temas complexos sem fugir do (próprio) entendimento simples da vida.

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{ COLUNA ASSINADA }

10 ANOS DA VAGABANDA

QUANDO A NOSTALGIA IMPERA texto fabrício silveira

Mais legal que relembrar um seriado tão querido e ouvir de novo todos os

fabricio silveira estuda

letras, coleciona selos e é fã da vagabanda

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mixes, foi ver como Ryan, Marissa, Seth e Summer fizeram parte da vida de muitas pessoas também, e que por trás do nosso desejo de colocar um pôster com a capa do Transatlanticism na parede, existe uma memória coletiva de Seth Cohen mandando a Summer não insultar Death Cab For Cutie. Numa conversa com amigos recentemente, me lembrei de outra história que ficou marcada no inconsciente coletivo dos jovens brasileiros: Malhação. Esse híbrido entre série e novela que a Globo inventou para cativar a juventude já dura quase 20 anos, e tem 22 temporadas de história pra contar. Sei que as tramas não mudaram muito ano após ano, mas justiça seja feita: The O.C. também não era tão criativo assim. Por mais que a fórmula já tenha se esgotado e ninguém mais aguente ver a história de mocinha e mocinho separados por algum conflito familiar, ou então por um casal de vilões transtornados que não tem mais nada pra fazer da vida a não ser tramar para separar os dois, é preciso reconhecer que todo mundo foi marcado pelo menos

ilustrações maria josé da luz

por uma temporada de Malhação na vida. A minha favorita foi a de 2004, com a Juliana Didone e o Guilherme Berenguer interpretando o casal protagonista, Letícia e Gustavo. Um dado que vai ajudar a memória de vocês: foi a temporada da Vagabanda. Queridos leitores, se toda temporada de Malhação desde então tem algum núcleo de personagens que querem ter uma banda ou seguir carreira artística, é porque isso deu tão certo um dia, que até hoje a Globo sonha em reproduzir o sucesso que foi a Vagabanda. Já são 10 anos desde aquela temporada, e a banda fictícia vive até hoje nos nossos corações e nos eventos fake do Facebook. A Vagabanda era um super-trio formado pelo Guilherme Berenguer, pela Marjorie Estiano (com o cabelo curtinho e bem vermelho!) e pelo João Velho, também conhecido como filho da Cissa Guimarães. É claro que o som era péssimo, e a atitude de bad boys do rock que eles sustentavam não tinha nada a ver com as músicas da banda, sempre românticas e pouquíssimo ousadas. Mas, mesmo assim, aposto que todo mundo ainda sabe cantar um trechinho de “Por Mais Que Eu Tente”, e ainda se lembra de que


“ vem mais drama adolescente e gente sonhando em formar banda por aí – e isso é ótimo, porque toda geração merece a sua vagabanda”

a música surgiu como um pedido de desculpas que o Gustavo fez pra Letícia depois de uma das milhares de brigas entre os dois. Se prestou ou não atenção, fica a gosto do freguês, mas a Vagabanda serviu de impulso para que a Marjorie Estiano se lançasse também como cantora, com CD e DVD ao vivo, tudo a que tinha direito, seguindo um estilo meio Sandy com mais substância, meio cantora de praça de alimentação de shopping, só que menos banal. Faz até muito sentido, já que a presença dela nos vocais funcionava muito melhor do que o tristíssimo esforço do Guilherme Berenguer pra cantar alguma coisa. Como boa noveleira que sou, prefiro a moça nas novelas das seis da Globo, mas estarei mentindo se disser que não escuto “Reflexo do Amor” de vez em sempre. Bandas ficcionais à parte, as trilhas sonoras de Malhação sempre reservaram surpresas interessantes e contribuíram um pouco com a minha formação musical. A seleção de músicas era bem eclética, e misturava o que havia de mais popular na época, com apostas em bandas nacionais pouco conhecidas e umas tímidas investidas indie. Numa época sem (tanto) torrent e iTunes, os CDs com trilhas de novelas

eram meios de descobrir música nova, ou de ter em casa algumas das coisas que sempre tocavam no rádio e me faziam esperar pelo Top 10 do dia na rádio local (escrevi isso e envelheci 34 anos, inclusive). Dois discos que eu tinha em casa e ouvi até que eles literalmente não tocassem mais (talvez porque foram ambos comprados por R$5 numa feira de sábado) foram as trilhas internacionais dos anos de 2003 e 2004. O primeiro, aquele com o Cabeção (por onde anda?) na capa, me apresentou, de uma só vez, Foo Fighters e Beyoncé. O repertório ainda trazia nomes como as garotas do t.A.t.U., Avril Lavigne em sua fase de ouro, o rapper Nelly e até Thalia – ou seja, a coerência é mesmo uma flor rara, mas não dá pra negar que eles traziam músicas para agradar todos os gostos e preferências. Já o mix de 2004, com a Myuki na capa, começava logo com uma porrada: “Satisfaction”, do Benny Benassi. Rebeldia máxima era colocar isso pra tocar em casa só pro meu pai bater na porta do meu quarto e perguntar se o som tinha pifado. Tinha também Blink 182 e sua inescapável “I Miss You”, e um remix nada ortodoxo de “My Immortal”, do Evanescence, música que foi responsável por muitos devaneios

góticos por aí. Com relação a novidades e apostas, posso citar a cantora norueguesa Maria Mena e seu grande (e provavelmente único) hit, “You Are The Only One”, que sobrevive até hoje na minha biblioteca – e que eu só fui descobrir que era herança de Malhação quando fui pesquisar para escrever esse texto. Bom ou ruim, nostálgico ou ultrapassado, o importante é reconhecer que, querendo ou não, Malhação fez parte da vida de todo mundo. Com suas mocinhas bobas e seus vilões caricatos, seus roteiros absurdos e as brigas que sempre começavam com uma menina segurando no braço da outra a gritando “Ô garota, você sabe com quem você tá se metendo?”, a novela marcou época. E considerando o primeiro capítulo da nova temporada, que começou segunda e ao qual eu assisti por interesses exclusivamente jornalísticos, vem mais drama adolescente e gente sonhando em formar banda por aí – e isso é ótimo, porque toda geração merece a sua Vagabanda.

TG

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{ AGENDA }

MAIO 13

JUNGLE Audio Club, São Paulo 21h

16

CRIOLO Circo Voador, Rio de Janeiro 23h

17

J MASCIS Circo Voador, Rio de Janeiro 20h

19 GURI

23 25 VANGUART

SESC Carmo, São Paulo 19h Rua do Carmo, 147

96

TG.com.br

28

TYCHO + P A R A T I

Beco 203, São Paulo 20h Rua Augusta, 609

SESC Pompéia, São Paulo 21h

TULIPA RUIZ

SESC Pinheiros, São Paulo 21h Rua Paes Leme 195

31

CARNE DOCE + SÉC. APAIXONADOS Audio Rebel, Rio de Janeiro 20h Rua Visconde de Silva, 55


JUNHO CÍCERO + O TERNO

06

SHARON VAN ETTEN

11

SHARON VAN ETTEN Beco 203, São Paulo 21h

12

JOÃO ROCK 2015

13

Circo Voador, Rio de Janeiro 22h

Imperator, Rio de Janeiro 21h

Parque Permanente de Exposições, RP 15h

VANGUART SESC Santo André, Santo André 20:h Rua Tamarutaca, 302

20

FESTIVAL ALTERNATIVO LONDRINA Parque Ney Braga, Londrina 21h Rua Tagipuru, 795

20 21

CULTURA INGLESA FESTIVAL

Memorial da América Latina, São Paulo 12h Av. Auro Soares, 664

22

J MASCIS SESC Belenzinho, São Paulo 21h R. Padre Adelino, 1000

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É QUE

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