TFG | Escola como Equipamento Urbano de Integração Social

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ISABELLA MELO XIMENES

ESCOLA COMO EQUIPAMENTO URBANO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL Trabalho Final De Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes sob orientação do Professor Me. Luis Felipe Xavier.

SÃO PAULO 2020


ESCOLA COMO EQUIPAMENTO URBANO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL

Comissão Examinadora: Prof. Me. Luis Felipe Xavier São Paulo

Orientador - Belas Artes 2020

Prof. Dr. Débora Sanches Belas Artes

Prof. Dr. Fernanda de Macedo Haddad UNIP


“ U m fa to s a bi d o é q u e o l u xo s ó ex i s te à s c u s ta s d e m u i ta m i s é r i a , q u e o bem-estar social é privilégio de poucos e que se pratica uma lavagem cerebral disfarçada com o nome de entretenimento mas mesmo diante da maior das atrocidades não experimentaremos sentimentos como o ódio e o desprezo, ao invés disso nossos corações transbordarão amor e compaixão.” escala latina - forfun, 2008


ร minha avรณ Nilma Ramos Ximenes que, com seu jeito, nos ensinou que a luta comeรงa na base.


Agradecimentos Agradeço a meu Deus que a tudo me assiste, provê, permite que eu trilhe meus caminhos sem enganos e que, sem sombra de dúvidas, sem Ele eu não estaria onde estou. À meu pai, André Ximenes, pelo apoio e suporte incasável de todos os momentos. À minha mãe, Gabriela Ximenes, sempre presente, fiel, companheira independente da situação, quem eu posso contar para ser sempre meu porto seguro. À meu orientador, professor, mestre e amigo Luis Felipe Xavier que me ajudou a crescer como ninguém, por toda disponibilidade, referências, apoio e “no te rindas” desse - quase - um ano. Às minhas amigas, pelo apoio psicológico e risadas frouxas de sempre, em especial à Gabriela Brunello, Ana Julia Jeronymo, Medéia Gabino, Giovanna Otaviano, Bianca Demier e Érica Nunes. E à todos outros tantos que, embora não citados, contribuiram de uma alguma forma para que essa pesquisa pudesse ser realizada como foi. Obrigada!


Lista de Siglas AIB - Ação Integralista Brasileira

IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal

CAIC - Centro de Atenção Integral à Criança

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

CCBT - Centro Cultural Brasil-Turquia

ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros

CESA - Centro Educacional de Santo André

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

CEI - Centro de Educação Infantil

PEE - Programa Especial de Educação

CEU - Centro Educacional Unificado

PNE - Plano Nacional de Educação

CIAC - Centro Integrado de Apoio à Criança

RIOURBE - Empresa Municipal de Urbanização

CIEP - Centro Integrado de Educação Pública

SEEDUC - Secretaria de Educação do Rio de Janeiro

CONAE - Conferência Nacional de Educação

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

CPDOC - Centro de Pesquisa e documentação Histórica

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

Contemporânea do Brasil

SEPE-RJ - Sindicato Estadual dos Professores de Educação do

EJA - Educação de Jovens e Adultos

Rio de Janeiro

EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental

SMERJ - Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro

EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil FUNDEB - Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF- Fundo de Manutenção E desenvolvimento da Educação Fundamental


Resumo Através da pesquisa pretendemos realizar um regaste histórico dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), idealizados e implantados no Estado do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1980 e 1990, pautados nos conceitos de Escola-Parque de Anísio Teixeira. Procuramos realizar um panorama histórico a partir do século XIX até a década de 1980, referenciando a pesquisa na temática da Educação pública, cruzando com as políticas públicas produzidas no território. Através da observação de indicadores socioambientais e análises (urbana, técnica, funcional, ambiental e pedagógica de curso) em três Estudos de Caso – CIEP Ministro Hermes Lima, CIEP José Pedro Varella e CIEP Doutor Joaquim Pimenta – procurou-se fazer uma análise crítica e histórica para entender como a articulação entre políticas públicas, arquitetura e pedagogia ocorre. Após a análise foram levantadas hipóteses de como o resgate e integração dos CIEPs com os territórios onde eles estão circunscritos na cidade, poderia criar condições de melhora da mobilidade social das pessoas afetadas nestes territórios, revertendo os indicadores de privação e de vulnerabilidade socioambiental detectados. Palavras-chave: CIEPs, educação pública, apropriação.


Abstract Through the research we intend to carry out a historical restoration of the Integrated Public Education Centers (CIEPs), idealized and implemented in the State of Rio de Janeiro, between the 1980s and 1990s, based on the concepts of School-Park by AnĂ­sio Teixeira. We seek to create a historical panorama from the 19th century until the 1980s, referencing research on the theme of public education, crossing with public policies produced in the territory. Through the observation of socio-environmental indicators and analyzes (urban, technical, functional, environmental and pedagogical of course) in three Case Studies - CIEP Minister Hermes Lima, CIEP JosĂŠ Pedro Varella and CIEP Doctor Joaquim Pimenta - an attempt was made to make a critical analysis and to understand how the articulation between public policies, architecture and pedagogy occurs. After the analysis, hypotheses were raised about how the rescue and integration of the CIEPs with the territories where they are circumscribed in the city, could create conditions for improving the social mobility of the affected people in these territories, reversing the indicators of deprivation and socio-environmental vulnerability detected. Keywords: CIEPs, public education, appropriation.


Sumário Introdução ................................................................................................................................. 15 Linha do Tempo ........................................................................................................................... 22 1.

Arquitetura escolar no Brasil: arquitetura, pedagogia e políticas públicas

1.1. Considerações sobre as relações entre escola, cidade e usuários ........................................ 26 1.2. As Primeiras Escolas: da Colônia ao Império ....................................................................... 33 1.3. Os Primórdios da Escola Pública no Brasil na Primeira República ......................................... 37 1.4. Estado Novo e o Ministério Gustavo Capanema .................................................................. 41 1.5. Escola Carneiro Ribeiro em Salvador: a Escola Parque de Anísio Teixeira .............................. 48 1.6. O Convênio Escolar em São Paulo ....................................................................................... 53 1.7. O ISEB e a Política Educacional de João Goulart ................................................................. 58 1.8. A Ditadura Militar pelo viés da Educação ............................................................................ 64 2.

CIEPs na cidade: trajetória de 1983 à realidade de 2020

2.1. Governos Brizola e as Implantações dos CIEPs .................................................................... 72 2.2. Um novo momento: a Constituição Federal de 1988 ........................................................... 98 2.3. O CIEPs nos dias de hoje .................................................................................................. 100 2.4. Pós CIEPs: caminhos da educação brasileira ...................................................................... 106


Sumário 3. Entrevistas 3.1. Leonel Brizola Neto ............................................................................................................. 124 3.2. Nilma Ramos Ximenes .......................................................................................................... 125 4.

Estudos de Caso

4.1. CIEP Hermes Lima ............................................................................................................ 128 4.2. CIEP José Pedro Varela ..................................................................................................... 134 4.3. CIEP Joaquim Pimenta ...................................................................................................... 138 4.4

Análise de Indicadores ...................................................................................................... 144

5.

Integração para quem? ...................................................................................................... 170

Considerações Finais ................................................................................................................. 180 Referências Bibliográficas .......................................................................................................... 184 Apêndice ................................................................................................................................... 192


Foto 1: CIEP Doutor Joaquim Pimenta Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020


Introdução

Através desta pesquisa buscamos realizar um regas-

te histórico dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), idealizados e implantados no Estado do Rio de Janeiro durante os governos Leonel Brizola, nas décadas de 1980 e 1990. Seu projeto pedagógico e projeto arquitetônico inicial foram abandonados – ambos cada vez mais descaracterizados pelo poder público.

No Estado do Rio de Janeiro, há a necessidade de im-

plantação de políticas públicas voltadas para a Educação, Esporte, Cultura e Lazer, de forma integrada e complementar, que beneficiem a população que mais precisa de fato utilizar os equipamentos públicos da cidade, de forma que o salário das pessoas não seja comprometido de forma indireta, na ausência dos serviços e políticas públicas. Há um número expressivo de descaso com o erário, na questão do cuidado com o patrimônio público, visto que 73% das escolas públicas Estado do Rio de Janeiro não possuem manutenção adequada para seu funcionamento (DATARIO, 2020), prejudicando o atendimento à demanda.

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No Estado do Rio de Janeiro, existem 506 CIEPs (DATARIO, 2020), loca-

lizados majoritariamente em áreas carentes, sendo que algumas unidades se encontram revitalizadas, porém, sua grande maioria está abandonada e descaracterizada sob o aspecto arquitetônico, pedagógico e programático (CASTRO, 2009). Esses CIEPs, que em seu primeiro momento (de implantação) possuíam programas favoráveis ao desenvolvimento social e de saúde da população como centro médico e odontológico, educação integral e cultural, por exemplo, mas foram descontinuados por falta de interesse dos Governos seguintes ao Governo Brizola e por falta de pressão (e de apropriação) da população sobre eles para que fossem continuados (CHAGAS, 2016). Essas escolas possuem espaços de qualidade e potencial para se tornarem equipamentos integradores e de referência na cidade para a demanda atendida, através de políticas públicas diversas e complementares, pois seus espaços favorecem e participação ativa da sociedade – no convívio social, durante a semana e de fim de semana.

Um equipamento desse porte, infere positivamente na relação entre o

coletivo de pessoas e a cidade que, se bem contextualizado, pode gerar na população que o utiliza uma relação mais afetiva com os espaços utilizados, aumentando o sentimento de apropriação para com o equipamento e de pertencimento. O objetivo geral desta pesquisa é descobrir como se dá a relação entre o coletivo de pessoas, a escola e o território em que o CIEP está inserido. Para analisar esta relação, serão realizados estudos de caso de três CIEPs escolhidos, que foram idealizados e implantados entre as décadas de 1980 e 1990, em virtude da diferenciação da vulnerabilidade social, econômica, urbana e ambiental existentes nos territórios onde os CIEPs analisados foram implantados.

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O primeiro CIEP analisado é o CIEP Hermes Lima, construído durante o

segundo Governo Leonel Brizola, localizado em um local de altíssima vulnerabilidade social, no município de Duque de Caxias na Baixada Fluminense, no bairro Jardim Gramacho. Este território do Jardim Gramacho onde durante 34 anos funcionou o Aterro Controlado operado pelo Governo do Estado foi desativado em 2012, por estar próximo de seu limite de utilização (BURITY; DAMASCO; GIANNELLA, 2019). Esse fato deixou a população residente no território em situação de maior risco social e econômico, devido à ausência de trabalho e renda, após a desativação do aterro sanitário e, pois, da atenção do Estado (BASTOS; MAGALHÃES, 2016), entretanto podemos observar cada vez mais sua ausência. O segundo CIEP estudado é o CIEP José Pedro Varela, construído durante o primeiro Governo Leonel Brizola, localizado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, cercado de equipamentos culturais e serviços e em uma região dotada de uma rede de transportes públicos maior, o que confere ao local maior acesso à serviços, políticas públicas e, principalmente, ao emprego (como observaremos posteriormente). Ainda que seja um CIEP com o entorno bem servido de equipamentos públicos, estudar a forma de como esse território se desenvolveu, como as pessoas se apropriam deste espaço, os tipos de serviços ofertados e a variação dos indicadores em seu território se faz de suma importância para entendermos o contexto de formação da cidade, pois seu território contém vestígios históricos importantes na gênese territorial do Rio de Janeiro e como seus problemas sociais se estruturaram, além de permitir uma análise mais aprofundada entre territórios bem abastecidos de serviços e políticas públicas e territórios ausentes de serviços. Foto 2: CIEP Ulysses Guimarães Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020

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Por fim, será analisado o CIEP Doutor Joaquim Pimenta, construído durante o primeiro Governo Leonel Brizola, localizado no bairro de Curicica, em Jacarepaguá. O Bairro de Curicica é o que abastece os bairros adjacentes a ele com força de trabalho e onde também pode se perceber a ausência completa do Estado em seu entorno imediato, sendo esse um território que sofre com a falta de equipamentos e serviços públicos.

Como objetivo específico, a pesquisa busca resgatar o programa

original dos CIEPs, baseado no conceito Escola Parque de Anísio Teixeira, concebido em 1947, de forma a observar se a Educação e o sentimento de apropriação da população sobre um equipamento público de Educação Integral, que contém atividades voltadas para Educação, Esporte, Lazer e Cultura pode transformar o contexto urbano e os indicadores socioambientais em que esse equipamento está inserido e promover a mobilidade social das pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, através da análise de indicadores.

O trabalho será baseado em uma análise crítica e histórica de

como a arquitetura pública escolar se estabeleceu no Brasil afim de entender como ocorre a articulação entre políticas públicas (pela análise de indicadores socioeconômicos), arquitetura (análise urbana, técnica, funcional e ambiental dos Estudos de Caso) e pedagogia (projeto pedagógico de curso) nos diferentes momentos da história brasileira, a partir de uma revisão bibliográfica entre os períodos das décadas do século XIX a 2020.

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Depois faremos uma análise focada nos períodos da década de

1983 à 2020 – da implantação dos primeiros CIEPs, que antecedem a Constituição Federal de 1988 até o momento atual. A pesquisa se desenvolverá em quatro capítulos: No primeiro capítulo, será realizado um panorama geral de como a Educação, Arquitetura Escolar e políticas públicas se relacionaram através do tempo no Brasil, além de uma consideração inicial sobre as relações entre escola, cidade e usuários. Nesse capítulo busca-se compreender os fatos que levaram à criação dos CIEPs, visto a importância da contribuição de um panorama amplo de como a Arquitetura Escolar que propicie o Ensino Integral se formou através do tempo no Brasil.

No segundo capítulo, realiza-se o estudo dos CIEPs, sua história,

seu comportamento no tecido urbano e como sua presença afetou a vida dos moradores da cidade do Rio de Janeiro, juntamente com as políticas públicas que permitiram a implantação desse modelo escolar nos anos 1980, nos Governos Leonel Brizola e como os espaços dos CIEPs são apropriados nos dias atuais. Serão também abordados modelos posteriores que seguiram os princípios da Escola Parque (de Anísio Teixeira, de 1947) e dos CIEPs tais como os CIACs (decreto do Governo Federal), CEUs (município de São Paulo), CESAs (município de Santo André/SP) e o modelo arquitetônico estabelecido pela prefeitura do Rio de Janeiro intitulado de Escolas Padrão do Rio de Janeiro.

Foto 3: CIEP Ulysses Guimarães Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020

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No terceiro capítulo serão tratados diferentes olhares sobre os

CIEPs, a partir de entrevistas realizadas com Leonel Brizola Neto, vereador do Rio de Janeiro e neto de Leonel Brizola e Nilma Ramos Ximenes, professora da rede pública do Rio de Janeiro por 50 anos.

No quarto capítulo serão apresentados CIEPs como estudos de

caso, todos situados em localizações distintas no contexto urbano do Estado do Rio de Janeiro, para que seja realizada uma análise urbana, técnica, funcional e ambiental sobre os equipamentos em diferentes contextos territoriais que apresentam diferentes indicadores socioambientais.

No quinto capítulo, será realizada uma análise comparativa dos

estudos de caso, afim de observar as especificidades, os limites e as possibilidades percebidas através das características socioespaciais, atividades ofertadas e indicadores juntamente com os conceitos de Escola Parque de Anísio Teixeira e sua aplicação nesses territórios distintos.

E por fim, nas conclusões finais será apresentado a síntese do re-

sultado das análises realizadas bem como o levantamento de hipóteses sobre propostas de transformação social em cada território apresentado.

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Foto 4: CIEP Ulysses GuimarĂŁes Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020

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Foto 5: Vista aérea de um CIEP padrão com todos os seus elementos. Fonte: Livro dos CIEPs. 1986.

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Foto 6: Aluno com bandeira do Brasil. Fonte: Nilma Ramos Ximenes, acervo pessoal. Sem data.

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Arquitetura Escolar no Brasil: arquitetura, pedagogia e polĂ­ticas pĂşblicas.

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1.1 – Considerações sobre as relações entre escola, cidade e usuários.

Ao abordarmos a questão da arquitetura escolar, não podemos

desvinculá-la de questões de escala urbana e do edifício. Como qualquer outro elemento da cidade, ela tem seu papel característico na paisagem urbana, impactando diretamente no cotidiano das pessoas que habitam a região na qual ela se insere. Tendo em vista que a cidade é um elemento construído por si só e tudo contido nela contribui para formar sua alma (ROSSI, 1995), a escola possui um papel potencial de transformar o espaço onde está contida, como observamos nos fundamento das unidades de vizinhança da Escola de Chicago de Ecologia Humana, no fim do século XIX, onde a escola adquire centralidade na formação territorial, como uma das formas de controle social informal do Estado, para estruturar o espaço e regular as funções sociais (BARCELLOS, 2001).

No caso específico da Educação pública, é indispensável mencio-

nar sua forte contribuição quando se fala sobre investimentos que o país deve fazer, sendo a Educação ponto chave para realizar reformas de base, visando um potencial crescimento no país, como já apontava Anísio Teixeira, 1936: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública” (TEIXEIRA, 1936).

Observamos entendimento semelhante quando vemos o quanto o

Governo de Leonel Brizola destinava da receita do Estado para a pasta da Educação, conforme podemos observar nas figuras 01 e 02.

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Figura 01: Gráfico orçamento de 1986/Despesas por função de Governo do Estado do Rio de Janeiro - Estado. Fonte: Livro dos CIEPs. 1986.


É fato que, quando a população recebe Educação de qualidade,

surge uma pluralidade de pensamentos e, consequentemente, novas possibilidades (CHAGAS, 2016). Se faz necessário analisar o aspecto social e o impacto da presença das escolas públicas no território nas cidades.

Antes de falar sobre arquitetura é preciso conhecer seus usuários.

A realidade atual brasileira é precária no tocante à Educação, assim como nos demais segmentos de bem comum que necessitam da atenção do Estado. A população sofre com a insuficiência de Saúde, Lazer, Cultura, Saneamento Ambiental, entre tantos outros aspectos. Quais os entraves para que a Educação Pública se coloque de uma forma mais concreta para que as pessoas tenham consciência de si? No século XXI, ainda existe um Brasil que prioriza o capital acima das pessoas. Pode-se, de fato, perceber que “a crise da Educação que tanto se fala, não é uma crise é um projeto”. (RIBEIRO, 1986, p.20)

Dessa forma, ao longo da história se torna claro que a Educação

está diretamente ligada com as decisões políticas e econômicas tomadas pelo Governo. Mudanças essas que afetaram seu programa pedagógico, arquitetônico e também sua imagem. Segundo Castro (2009), esta associação entre a imagem da arquitetura da escola e o momento político de sua implantação faz com que, quando este é superado, sua arquitetura seja também posta como ultrapassada iniciando um procesFigura 02: Gráfico orçamento de 1986/Despesas por função de Governo do Estado do Rio de Janeiro - Município. Fonte: Livro dos CIEPs. 1986.

so de degradação. Castro (2009) ainda complementa que:

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Com a descontinuidade dos programas educacionais implantados no país, a arquitetura da escola, que antes era vista de forma positiva, passa expressar uma imagem negativa perante a população, seus usuários. Desta forma, possíveis reflexos positivos são descartados, não se dando oportunidades para que o programa se desenvolva e atinja suas metas. (CASTRO, 2009, p.7)

Escola e cidade possuem uma relação binária, visto que são ele-

mentos passíveis de transformar realidades. A escola pode adquirir uma função importantíssima de representação social positiva ou negativa, o que implica diretamente no sentimento de pertencimento da população em relação a ela. Nesse momento, a arquitetura tem um papel fundamental, no tocante a sua função de representar a escola e seus usuários. Ela precisa se relacionar com seu entorno, com as demandas pedagógicas e sociais locais, pois é um equipamento que pode abranger diversos usos, programas e propiciar a interação direta com o cotidiano da população. É um equipamento que assume uma função social mais ampla, que precisa ser considerada no momento de produção de seu projeto (IBAM, 1996), dada a importância da dimensão social como articuladora de todas as outras dimensões, como “uma dimensão de todas as nossas atividades” (DOWBOR, 2000. P. 164). Foto 7: Alunos de um CIEP. Fonte: Livro dos CIEPs. 1986.

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O olhar negativo do Estado em relação às escolas, afeta diretamente o olhar da população às instituições de

ensino. Para que haja integração, identificação e redefinição do espaço a partir desse equipamento, é necessário que a Educação seja valorizada pelo Estado. Em locais com ausência de Saúde e Lazer, por exemplo, a escola tem grande potencial para se tornar um ponto referencial, transformando a relação população-escola e entorno-escola, devido às grandes chances de seu entorno ser revitalizado pela presença desse equipamento, inferindo positivamente na mobilidade social das pessoas afetadas pela sua utilização. Isso só é possível através da pressão dos movimentos sociais sobre o Estado, para melhorar as condições de determinada comunidade, que seria diretamente afetada pela escola no local. Por fim, Gomes (2020, p. 191) sintetiza que “as práticas sociais não são independentes de uma certa organização espacial, e reconstruir uma esfera pública implica redefinir o espaço, em suas dimensões física e simbólica.”

É necessário ressaltar que o espaço da cidade não pode ser visto como um elemento previsível e as questões

abordadas sobre redefinição do espaço abrem possibilidades para que isso ocorra, mas não o garante. . Milton Santos (1980) discorre sobre o espaço ser indissociável dos que participam dele, ou seja, precisam ser considerados por um lado os objetos geográficos, naturais e sociais e de outro, a vida que os anima, sendo ela a sociedade em movimento. Assim, o espaço não é caracterizado por um meio objetivo em si, movimento mas por uma realidade dinâmica e o que ocorre é uma visão subjetiva do que cada indivíduo (e coletividades) entende por espaço (ELIAS, 2006), e isso define a sua apropriação.

Partindo da premissa de que os usuários de uma escola são majoritariamente crianças, se faz necessário refletir

também sobre o espaço da criança nesse equipamento, embora haja outras modalidades hoje de Educação como EJA (educação de jovens e adultos). Como será possível perceber na discussão que seguirá este trabalho, modelos bem-sucedidos de arquitetura escolar, unem prioritariamente pedagogia e arquitetura. Nesse sentido, se faz necessário discorrer sobre a autonomia que essas crianças precisam adquirir enquanto estudantes e seres pensantes. Paulo Freire (1996) coloca que:

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(...) pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela - saberes socialmente construídos na prática comunitária - mas também (...) discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Porque não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. (...) Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? (...) Porque não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes elas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.” (FREIRE, 1996, p. 17)

Ao pensar na autonomia dos indivíduos, pensa-se, portanto, em

um espaço democrático e consequentemente de qualidade não apenas para os estudantes, mas também para a população local que se valerá desse equipamento.

Foto 8: Alunos de um CIEP com professora. Fonte: Livro dos CIEPs. 1986.

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Na arquitetura, considerar a autonomia dos usuários na articulação das ati-

vidades que definem os espaços é um ponto chave para determinar seu programa e espacialização no local onde se insere, definindo-se como um equipamento atrativo dentro da sociedade, que se encontrará livre para se desenvolver dentro do tecido urbano de acordo com as suas características locais.

Analisar o processo histórico de como ocorreu a espacialização das esco-

las no território brasileiro é de suma importância. Sem essa análise seria quase impossível assumir uma postura crítica e gerar novas possibilidades para esses equipamentos. As considerações realizadas serão de caráter arquitetônico em relação ao espaço, entretanto, é preciso reiterar que o Brasil, desde a sua gênese tem se mostrado um país segregacionista e escravocrata (RIBEIRO, 1995), que ainda deixa sua população majoritariamente pobre, parda

e negra às margens

da sociedade, refletindo diretamente na produção e reprodução social desses espaços apartados da cidade, principalmente por serem “negativados” enquanto SER (MBEMBE, 2014), como parte do processo de desumanização a que estão submetidos para manutenção da pobreza e das taxas de acumulação de capital e de superexploração do trabalho (MARINI, 1973). Essa situação fica mais evidenciada quando tratamos dos espaços destinados à Educação bem como os espaços públicos de uso comum, como observa Castro (2009): Praças e escolas tornaram-se cada vez menos o símbolo de apropriação e presença do homem no território em contraposição à natureza, mas o retrato de uma sociedade que considera a criança parte da sucata industrial que se aproveita ou não da produção futura, desde que ela não oxide quando cresce. Se isso acontecer, ela deixa de ser criança e passa a categoria de menor, objeto mais insignificante que criança. (LIMA,

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1989, p. 91 apud PEREIRA, 2007 apud CASTRO, 2009)


A escola deve se integrar ao espaço local, deixando de ser um serviço, mas sendo

também um equipamento urbano que contribua como um instrumento de integração e cidadania (CASTRO, 2009), visando promover a mobilidade social entre as pessoas que se valem desse equipamento.

Antes de traçarmos um panorama geral de como a arquitetura escolar se consti-

tuiu ao longo do tempo no território brasileiro, deve-se ressaltar que a tipologia que conhecemos hoje não possui um histórico longo na história da arquitetura. (CHAGAS, 2016). Isso ocorre, pois, a universalização do ensino se iniciou nos ideários da Revolução Francesa, no final do século XVIII, permitindo que houvesse a criação das primeiras escolas públicas. A partir desse momento então, uma tipologia arquitetônica apropriada foi desenvolvida para os edifícios escolares. Tendo como prioridade satisfazer a necessidade de comportar atividades voltadas ao ensino, visto que essas atividades eram antes realizadas em todo tipo de espaço arquitetônico: sejam eles urbanos, privados ou públicos, sem que seu espaço fosse único e exclusivo e que fosse identificado com sua função. (CASTRO, 2009)

Ao falarmos de Revolução Francesa, é necessário destacar que o a formação ca-

pitalista no Brasil não foi igual a do mundo europeu. O capitalismo no Brasil não se desenvolveu a partir das classes, mas sim de estamentos, sendo uma “economia colonial tributária do mando senhorial e da mentalidade tradicionalista e conservadora” (MARTINS, 2006, p. 18-19). No caso brasileiro, a diferenciação de classes, resultado da miscigenação do nosso povo, que se formou durante o processo histórico nacional, tornou nosso capitalismo extravagante e ao mesmo tempo dramático. (CASTRO, 2016)

Neste capítulo será realizado um panorama geral de como a arquitetura escolar

se consolidou no Brasil até os anos 1980, onde passou por fases distintas, devido as diferentes políticas públicas e diferentes interesses de cada governo, alterando assim, a relação da escola com a cidade, com os usuários e com a educação em si.

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1.2 – As Primeiras Escolas: Da Colônia ao Império.

Durante o processo de colonização do Brasil, a escola

assumiu um papel importante no processo de ocupação territorial. Isso ocorreu, pois, a Igreja Matriz em conjunto com uma escola, era o principal marco do início de um núcleo populacional. Esses núcleos territoriais, chamados reduções, eram grandes extensões de terra utilizadas pelos jesuítas para atrair os colonos e também catequizar os indígenas. A cidade de São Paulo é um bom exemplo desse processo, pois originou-se de um colégio jesuíta, em 1554. Além de São Paulo, podemos citar também algumas outras reduções que foram fundadas nos primeiros anos do século XVII como São Loreto e Santo Inácio, que se localizavam onde hoje é o estado do Paraná. (BITTAR; MENDES; VERÍSSIMO, 2007) O edifício da escola materializava a nova doutrina difundida entre as crianças índias e os filhos dos colonizadores, e o papel de instrumento da colonização refletia-se no edifício. Os assentamentos de frente da ação colonizadora tinham, quase sempre, um colégio, uma escola, uma missão ou um seminário. (BEI, 2004)

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Figura 03: Patteo do Collegio. Fonte: Agência FAPES.


Deve-se ressaltar que desde o começo, essas escolas foram implantadas por in-

teresses políticos vigentes na época, as construções eram, baseadas no interesse do colonizador de marcar seu território e catequizar os indígenas. Esses edifícios se caracterizavam por possuir um padrão que era constituído pela habitação dos religiosos, salas de aula e igreja, ambiente esse que incorporava as particularidades de conventos e seminários religiosos. (CASTRO, 2009)

Chagas (2016) afirma que no decorrer da colonização, estruturou-se no Brasil uma

pedagogia predominantemente religiosa em sintonia com o catolicismo, onde sua principal metodologia era a jesuítica Ratio Studiorum. Esse modelo pedagógico foi elaborado no final do século XVI e se dividia em: unidade de matéria, unidade de método e unidade de professor, sendo ele diretamente influenciado por Tomás de Aquino. O modelo se perpetuou entre nós até mesmo depois da expulsão dos jesuítas, influenciando

Figura 05: Reconstituição da redução de São Migu Fonte: Bittar, Mendes, Veríssimo. 2011.

diretamente no modelo tradicional de ensino. A Ratio Studiorum teve como princípio a “emulação, tanto individual como coletiva, aliada a uma hierarquização do corpo discente baseada na obediência e na meritocracia” (GHIRALDELLI JR., 2003, p.20-21). Herdeiros desse método e sem ultrapassá-lo totalmente, ingressaríamos na Pedagogia Tradicional que, influenciada por teorias educacionais modernas americanas e alemães, instalar-se-ia no Brasil até a Primeira República. (CHAGAS, 2016,

Figura 04: Missões Jesuítas Fonte: Companhia das Letras. 2011.

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Figura 06: Núcelo luso-brasileiro: traçado planejad Fonte: Bittar, Mendes, Veríssimo. 2011.


uel das Missões, RS.

Durante o final do período colonial e no decorrer do período imperial, o

território brasileiro se transformou de diversas formas, assim como as escolas. A maioria das escolas funcionavam em conventos ou seminários e as que não funcionavam nesses edifícios eram improvisadas em edificações que não eram projetadas para essa finalidade. As escolas públicas funcionavam em prédios alugados ou o Império subsidiava uma escola particular para atender as necessidades da escola pública. Muitas vezes as escolas funcionavam em prédios que possuíam outras funções, sendo composta apenas uma sala de aula em meio a outras atividades que o edifício possuía. (CASTRO, 2009)

As escolas permaneceram nessa situação até que em 1870, no Rio de Ja-

neiro, D. Pedro II deu início ao desenvolvimento de uma rede de escolas públicas chamadas de “Escolas do Imperador”, essas tinham como objetivo fortalecer o Estado Imperial que buscava consolidar suas estruturas, instaurando seu lugar dentro das manifestações do Estado Moderno. (CRUZ; STAMATTO, 2018) Tratavam-se de escolas de educação primária, implantadas em edifícios próprios que se situavam em importantes pontos da cidade, que possuíam projetos que seguiam as tendências arquitetônicas da época. (SMERJ, 2020)

Em relação ao tecido urbano, sua disposição tinha maior necessidade de

expor a imponência do Império através dessas edificações do que de fato atender as exigências da educação em si. Essas edificações podem ser consideradas os primeiros frutos da rede pública do Rio de Janeiro, onde cinco unidades permanecem em funcionamento até os dias de hoje. Alguns exemplos são a Escola Municipal Gonçalves Dias, em São Cristóvão, datada de 1872 e o Centro Educacional Amaro Cavalcanti, que se localiza no Largo do Machado, datado de 1875.

do em Mogi-Mirim, SP.

35


Foto 09: Escola Gonçalves Dias Fonte: Acervo Octávio Victor Ribeiro do Espírito Santo Filho. Sem data.

Foto 10: Escola José Alencar Fonte: Acervo Octávio Victor Ribeiro do Espírito Santo Filho. Sem data.

36


1.3 – Os Primórdios da Escola Pública no Brasil na Primeira República

Quando implantada em 1889, a República buscou se afirmar

como novo regime e assim refletir valores que se alinhassem com as mudanças vigentes no mundo. Valores esses que segundo afirma Bencostta (2005) apud Monarcha (1999) destacavam-se aqueles que diziam respeito a Instrução Pública, que naquele momento adquiriu características de uma quase religião cívica, onde seu papel era “dotar a sociedade de coesão através da educação do povo e da criança do novo regime” (p. 6)

Como visto anteriormente, as escolas existentes até então

no Brasil eram ainda escolas primárias, caracterizadas por atividades de ler e escrever. Ainda funcionavam em extensões da casa do professor ou em paróquias de igrejas, cômodos com pouca iluminação e pouco ar. (CASTRO, 2009) Com todas condições adversas que os ambientes que abrigavam as atividades escolares, eles acabavam por se tornar focos de epidemias. Foi nesse momento que o entendimento que a escola deveria possuir um espaço próprio, como conhecemos hoje, ocorreu. Na República será onde acontecerá o maior investimento até então em educação e arquitetura escolar de fato. (WOLF, 1992)

Foto 11: Escola da Freguesia de Santa Rita Fonte: Governo do Rio de Janeiro. Sem data.

37


Esse investimento, entretanto, não ocorreu de forma

As escolas eram isoladas e pertenciam a um Gru-

igualitária para todos os estados da federação. Isso ocorreu

po Escolar, dividido em graus ou séries, com aulas que

porque cada Estado tinha sua autonomia, dispensando as-

aconteciam ao mesmo tempo em salas diferentes. No

sim, a ideia de um ensino unificado em prol da conservação

mesmo prédio podia eram abrigados três ou mais es-

das características de cada local e economia. Nesse senti-

colas isoladas: uma infantil mista, um elementar para

do, a cidade de São Paulo se destacou como um modelo

meninos e outra ele mentar para meninas. (CRUZ; STA-

importante na construção dessas novas escolas.

MATTO, 2018).

As novas escolas que começaram a ser construídas ti-

Além de trazer consigo novos conceitos educa-

nham um espaço identificado através de uma arquitetura

cionais, esses novos edifícios escolares trazem também

personalizada, voltada para seu uso e função. Tendo em vis-

os estilos arquitetônicos neoclássico e eclético. Eram

ta o momento em que o país se modernizava com rapidez,

prédios que previam afirmar a imagem de uma boa es-

essas escolas eram projetadas de modo que se preparasse

cola perante a população. Isso fez com que suas plan-

a população dentro dos conceitos almejados de higiene,

tas se diferenciassem entre si porque a importância de

patriotismo e civilidade. (CASTRO, 2009) É importante des-

sua arquitetura estava na fachada, Castro (2009, p.22)

tacar que o objetivo do Estado ao criar essas escolas era

afirma que esses prédios “eram constituídos por arca-

de também alcançar as famílias dos alunos, de forma que a

das, pátios, platibanda, corredores e salas iluminadas

ordem social republicana fosse estabelecida.

por grandes janelas marcadas em suas fachadas”. Fato

Nesse momento então, são concebidos edifícios de

esse que gerou impacto direto na transformação da

grande porte destinados exclusivamente para atividades de

paisagem urbana das cidades. Era a partir do embe-

cunho escolar. Ester Buffa (2002) destaca a relação entre

lezamento das cidades que os republicanos buscavam

pedagogia e arquitetura que começa a se estabelecer nesse

construir no imaginário da população a ideia de pro-

momento:

gresso e modernidade e higiene. Mais que simultâneos, são processos profundamente interligados: quando as escolas primárias começam a se organizar em classes sequenciais, passam a exigir uma nova organização do espaço escolar. (BUFFA, 2002, p.33)

38


Foto 12: Turma de Alunas do Grupo Escolar Orozimbo Maia. Fonte: Arquivo da EEPG Orozimbo Maia. Sem data.

Foto 13: Aula de leitura, seção masculina do Grupo Escolar Orozimbo Maia. Fonte: Arquivo da EEPG Orozimbo Maia. Sem data.

Um exemplo de como essa arquitetura escolar republicana se instaurou é o Grupo Escolar de Campinas, projeto de Ramos de Azevedo que funcionou como espécie de protótipo para as outras escolas principalmente no interior de São Paulo. O projeto se limitava a uma construção que possuía dois pavimentos, tendo um programa que contava com dois ambientes administrativos e oito salas de aula, sendo quatro em cada pavimento. Wolf (1992) ressalta que uma marca dos primeiros edifícios escolares republicanos foi sua construção ser resolvida em dois pavimentos, sendo eles simétricos, com divisão entre meninos e meninas em cada pavimento.

Durante a década de 1920, há o início de um processo de renovação

do ensino que reflete na arquitetura das escolas, onde começam a surgir novos prédios nos moldes neocoloniais. (CASTRO, 2009) É também nesse momento que ocorre a ruptura com as interferências políticas e religiosas devido a racionalização da administração pública. A partir dos anos de 1920, a Pedagogia Tradicional, passaria a conviver com duas correntes – Pedagogia Libertária, ligada as primeiras organizações do proletariado urbano e a Pedagogia Nova, que implantaria os “métodos ativos”, momento em que as crianças passam a ser entendidas como centro do processo ensino-aprendizagem. (CHAGAS, 2016, p.55)

Apesar de podermos observar mudanças no estilo arquitetônico e

pedagógico, termos de programa, pouco se diferenciava dos modelos prévios, pode-se observar que a Educação começa a apresentar caráter científico, apresentando inovações pedagógicas que se desenrolaria posteriormente na arquitetura escolar.

39


F F

Figura 07 e 08: Planta Grupo Escolar de Campinas Fonte: Acervo pessoal de Silvia Wolff. Sem data.

40


Foto 14: Grupo Escolar de Campinas. Fonte: Arquivo da EEPG Francisco Glicério, Campinas. Sem data.

Foto 15: Grupo Escolar de Campinas. Fonte: Arquivo da EEPG Francisco Glicério, Campinas. Sem data.

Foto 16: Grupo Escolar de Campinas. Fonte: Arquivo da EEPG Francisco Glicério, Campinas. Sem data.

1.4 – Estado Novo e o Ministério Capanema

Após as profundas transformações ocorridas na Primeira República

com o crescimento das cidades, início do surgimento das grandes metrópoles e também do processo de industrialização, os trabalhadores do campo começam a migrar para as cidades. Nesse momento os setores médios e a classe trabalhadora crescem junto com o capitalismo brasileiro, que após o fim do sistema oligárquico gera transformações sociais e econômicas, o que ocasiona a necessidade de novas demandas sociais, arquitetônicas, urbanísticas, sanitárias, entre outras.

A década de 1930 foi um período marcado por rupturas e novas

abordagens dentro dos campos sociais e econômicos no país, que motivado pelo fortalecimento de um Estado Nacional, reflete nas áreas da arquitetura e pedagogia. Essas rupturas puderam ser percebidas através da introdução de políticas públicas que tentaram implementar ainda mais a ampliação da rede escolar. (CASTRO, 2009)

Essas mudanças puderam ser vistas já no Governo Provisório de Ge-

túlio Vargas, por meio de decretos que possibilitaram o estabelecimento de uma possível regulamentação e investimento a nível nacional da educação. Nesse primeiro momento, foi criado o Ministério da Educação e Saúde, que previu uma política nacional por parte da regulamentação e financiamento. Em 1931, o ministro da educação Francisco Campos criou o Conselho Nacional de Educação, que contava com vários representantes da sociedade civil e organizou o ensino superior no Brasil.

41


Houve também um embate entre liberais e católicos, sobre quais tendên-

cias pedagógicas que deveria ser seguida no Plano Educacional. Os liberais eram a favor das bases urbano-industriais em defesa das teses da Pedagogia Nova. Os escolanovistas defendiam uma escola voltada aos interesses práticos, pragmáticos e concretos da realidade brasileira, fugindo da concepção “livresca” e deslocada da realidade. Para eles a Educação tem como prioridade a formação de um indivíduo, que posteriormente, teria um papel econômico na sociedade. Defendiam também, que houvesse uma escola unificada, onde só existissem escolas públicas e todos frequentassem a mesma escola, independente de sua classe, e laica. Os escolanovistas serão os principais articuladores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – embora não fossem os únicos –, redigido e assinado por Fernando de Azevedo em 1932, juntamente com diversos intelectuais preocupados com uma Educação que permita o desenvolvimento social do Brasil. Em oposição, os católicos, muito influenciados pelo Governo Provisório, defendiam a Pedagogia Tradicional, onde foram às últimas consequências contra os liberais, se unindo a Ação Integralista Brasileira (AIB), organizaram poderosas frentes políticas contra o Manifesto dos Pioneiros da Educação. Em meio a uma relação política conflitiva, intensificada desde o período varguista no Brasil, teríamos dificuldades de construir uma rede de ensino extensiva a todos. Mesmo o escolanovismo trazido por Anísio Teixeira em 1932, encontraria dificuldade para multiplicar suas escolas nas décadas seguintes. (...) Constata-se um ideário de escola unitária que avançou, obstrutivamente, sobretudo, a partir da década de 1930 conduzida por esforços isolados como de Anísio. (CHAGAS, 2016, p. 59)

42

Foto 17: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas e outros, por ocasião Fonte: CPDOC, FGV. 07 set 1939.


Foi nesse momento, sendo Fausto (2008), que a burguesia industrial ga-

nhou influente nas decisões do governo, o governo varguista acomodaria por um lado o capitalismo nacional em busca de uma aliança estratégica entre burguesia industrial e a classe trabalhadora e do outro lado, estruturou as Forças Armadas como “aparelho coercitivo do Estado”. (CHAGAS, 2016, p.55)

É importante salientar que esses decretos dispões sobre Educação secun-

dária e não primárias. A lógica de se adaptar ao capitalismo nascente no Brasil fez que a prioridade fosse o ensino secundário e superior, implementando a lógica de que era necessário organizar o sistema de ensino brasileiro para atender suas demandas: a necessidade da formação de uma força de trabalho técnico que assumiria um papel econômico na sociedade. No campo educacional, Ghiraldelli Jr. (2003) menciona que as duas Constituições anteriores ao ano de 1934, tanto a de 1824 como a de 1891, foram superficiais em relação à educação. A Carta de 1934, inversamente, impôs que a união fixasse o “o Plano Nacional de Educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo território do país”. Determinou, ainda, que o ensino primário fosse obrigatório e totalmente gratuito. Além disso instituiu a gratuidade para o ensino secundário de superior. (CHAGAS, 2016, p.57)

o da Parada da Juventude.

43


A Constituição de 1934 foi a primeira Carta Magna brasileira a

Com a constituição de 1943, e consequente

dar centralidade à educação e aprofundar o debate sobre a iniciativa

panema, o ensino ficou estruturado como ensino p

do Governo Federal na elaboração de um plano e um sistema nacio-

ensino primário era composto de primário fundam

nal de educação. Abrangeu, também, o a promoção de um concurso

quatro anos, primário fundamental complementar,

público para que as vagas do magistério fossem ocupadas, onde de-

rio supletivo, com duração de dois anos, sendo es

finiu o Estado como agente fiscalizador e regulamentador das insti-

(SAVIANI, 2015) O ensino secundário era compost

tuições públicas e privadas. Previu montante específico para ensino

quatro anos, colegial, com duração de três anos –

nas zonas rurais e fixou que a União deveria garantir 10% do orça-

secundário de técnico-profissional –, e normal.

mento anual para a educação e, os Estados 20%. (GHIRALDELLI JR.,

Com a introdução do ramo técnico-profissional po

2003 apud CHAGAS, 2016) No texto final da Constituição de 1934,

com a formação de uma força de trabalho já na ida

se institucionaliza a centralidade da educação nas políticas públicas

moldes, somente o secundário possibilita o acess

da nação. Na constituição de 1934 estabeleceu como competência

sava o técnico-profissional não poderia ingressar n

da União “traçar as diretrizes da educação nacional” (art. 5º) e fixar

implica na diferenciação de classes visto que as fam

“o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos

suíam uma preocupação grande em colocar o jove

os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar

de completar sua renda familiar. Levando o educa

sua execução em todo território do país.” (art. 150º) (BRASIL, 1934)

sionalizante, automaticamente o excluindo de qu

A partir de 1940 o novo ministro da Educação Gustavo Ca-

no ensino superior, ocasionando assim, uma divisã

panema continua algumas medidas e caracteriza a Educação nesse

estudos entre os jovens da classe média e da class

período, com a Reforma Capanema (RECHDAN, 2009). Ela foi uma série de leis orgânicas do ensino que criou a regulamentação do ensino industrial, comercial, normal, primário de agrícola – como funcionava o ensino a partir de seus níveis –, e também a criação do SENAI, em 1942 e do SENAC (1943), iniciativas da comércio e indústria privada, porém, regulamentadas pelo Estado.

44


regulamentação da Reforma Ca-

As transformações na área da arquitetura também se evidenciam nos modelos

primário, secundário e superior. O

propostos na época, com suas linhas geométricas que expressam o que se buscava

mental elementar, com duração de

imprimir na arquitetura: a funcionalidade (CASTRO, 2009), que Segawa (1999) clas-

com duração de um ano e primá-

sificaria como Modernismo Pragmático, completando que “as linhas geometrizantes

sse restrito para jovens e adultos

foram caracterizadoras da arquitetura escolar dessa época.” (p. 66)

to pelo ginasial, com duração de

sendo os dois últimos com ramos

educacional ficou a cargo de Anísio Teixeira, que era o diretor do Departamento de

Especificamente no Rio de Janeiro, a partir de 1931, a reestruturação do sistema

Educação do Distrito Federal. Durante o período de cinco anos, foram construídos 28

odemos perceber a preocupação

novos edifícios escolares, todos projetados por seguidores da nova arquitetura pro-

ade do ginasial e colegial. Nesses

posta. (CASTRO, 2009) Assim como no campo da Educação, no campo da arquitetura

so ao ensino superior, quem cur-

também houveram correntes que defendiam uma arquitetura escolar e os que defen-

no ensino superior. Essa situação

diam a implementação dessa nova arquitetura.

mílias da classe trabalhadora pos-

em no mercado de trabalho afim

seguia um projeto que estivesse de acordo com o plano pedagógico elaborado por

ando para o ramo técnico-profis-

Anísio Teixeira: Mínima, Nuclear, Platoon, Especial e Parque, sendo desses os três pri-

alquer possibilidade de ingresso

meiros implantados no Rio de Janeiro. O projeto contou com a participação de arqui-

ão social e econômica a partir dos

tetos como Enéas Silva, Wladimir Alves de Souza e Raul Penna Firme. As construções

se trabalhadora (CHAGAS, 2016).

Estabeleceu-se então, uma família de cinco tipos de escola, onde cada uma

realizadas por Enéas Silva eram, de acordo com estimativas realizadas por ele: [...] construções de baixo custo em estrutura de concreto armado e fechamentos de alvenaria, coberturas em terraço-jardim, circulações e ventilações cuidadosamente analisadas em função do programa pedagógico e acabamentos padronizados. (SEGAWA, 1999, p.67)

Foto 18: Estudantes em forma. Fonte: CPDOC, FGV. 1944.

45


Figura 09e 10: Planta baixa da Escola Municipal República Argentina - 1935. Fonte: Castro. 2009.

Foto 19: Escola Municipal República Argentina - Modelo Platoon - Vila Isabel, 1935. Fonte: CPDOC, FGV. 1935.

Foto 19: Modelo de escola nuclear - Década de 1930. Fonte: CPDOC, FGV. sem data.

46


Desta forma, a escola tipo mínimo possuía duas salas de aula, uma sala

ateliê e uma oficina, e era destinada para locais onde a população escolar fosse reduzida, ela prevê lotação de 240 alunos. A escola nuclear, ou classe, possuía 12 salas de aula, salas de administração, biblioteca, sala de professores e secretaria. Esse tipo de escola era constituída apenas de salas de aula comuns – alinhadas à proposta pedagógica – e possuía como diretriz ter atividades complementares sociais, que seriam oferecidas no parque escolar, situado em outro

Foto 20: Esolca Municipal República Argentina. Fonte: Jornal O Globo. Nov/2017.

prédio e realizadas em horário diferente das aulas, com capacidade de 10000 alunos. O platoon era constituído por sistema de classes variantes: podendo ter 12, 16 ou 25 classes e era composto de salas de aula comum e salas especiais para comportarem auditório, música, jogos e recreação, literatura, desenho e artes industriais. Seu nome platoon se dá pelo funcionamento dessa escola: em um sistema de pelotões, os alunos de deslocariam pelas salas conforme horários determinados. [...] a escola já não poderia ser a escola denominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim, da escola, propriamente dita, oferecendo a

Foto 21: Esolca Municipal Getúlio Vargas. Fonte: Governo do Rio de Janeiro. Sem data.

criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudos, de trabalho, de vida social e de recreação e de jogos. Para essa escola, precisava-se assim, de um novo currículo, um novo programa e um novo professor. (TEIXEIRA, 1994, apud DÓREA, 2013 apud TEIXEIRA, 1994)

Os ideais de Anísio Teixeira, que tinham como objetivo incumbir a escola

de um papel destacado na formação dos indivíduos, servindo assim, de instrumento para a estruturar a sociedade, delimitam projetos escolares que são Foto 22: Esolca Municipal República Argentina. Fonte: Jornal Extra. Ago/2020.

subsequentes até os dias de hoje.

47


1.5 – Escola Carneiro Ribeiro em Salvador: A Escola Parque de Anísio Teixeira

Anísio Teixeira foi um grande nome da Educação Pública no Brasil.

Ele previa que “a Educação servisse a uma sociedade progressista, isto é, em permanente mudança” (CHAHIN, 2016, p.32), dessa forma propunha que o ambiente escolar não fosse invalidado, mas sim acrescido de outras atividades que contribuíssem na formação integral do indivíduo. No projeto da escola-parque se apresenta a união entre o diálogo sobre educação integral e sua aplicação na arquitetura. A escola deveria ser um lugar de educação onde cada criança, por seus interesses individuais, pudesse aprender pela experiência, no entanto não por simulacros da vida, mas pela própria vida (TEIXEIRA (1935), 2007b:42). O aprendizado estaria na associação entre a ação e o conhecimento em conexão com a realidade social onde se insere. Somente à medida que esse vínculo entre aprendizado e a vida social fosse fortalecido, a escola poderia

Foi assim que durante sua atuação como Secretário de Educação

da Bahia, em 1947 (CASTRO, 2009), Anísio coloca em prática suas ideias quando cria o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, mais conhecido como Escola-Parque. O novo conceito da escola dividia-se em escola-classe e escola-parque, onde a escola ficava dividida em duas áreas. A primeira, escola-classe, o ensino deveria seguir sua forma tradicional em um dos turnos diurnos, onde haveria a instrução dos alunos. A escola-parque, por sua vez, seria onde haveriam atividades complementares, como de socialização, trabalho, educação física, alimentação, higiene e esporte.

48


O programa dessa escola foi definido com áreas livres, externas,

com a presença de hortas e jardins, as áreas internas contavam com 12 salas de aula, administração e gabinete médico e dentário. Em 1950, foram inauguradas as Escolas-Classe I, II e III, sendo somente em 1964, a inauguração da quarta escola-classe que completa o conjunto. (CHAHIN, 2016) Os arquitetos desses edifícios foram Diógenes Rebouças, responsável pelo projeto da escola-classe I e Hélio Duarte com o projeto das escolas-classe II, III e IV.

É fundamental ressaltar também a preocupação de Anísio com a

vida comunitária: a escola deveria estar localizada no máximo 500m das casas dos alunos e como esse projeto se integraria ao Plano Urbanístico da Cidade de Salvador. No entanto, as escolas foram implantadas “em terrenos até dez vezes maiores do que o previsto incialmente” (ANDRADE JR., 2013, p.334 apud CHAHIN, 2016) e as distâncias entre as casas dos alunos até o equipamento chegavam a até 1,2km.

Fotos 23, 24, 25, 26 e 27: Centro Educacional Carneiro Ribeiro: instalações. Fonte: CPDOC, FGV. 1950.

49


Fotos 28: Implantação Centro Educacion Fonte: CPDOC, FGV. 1950.

50

Figura 11: Esquema de funcionamento d Fonte: Duarte, 1973.


Nesse momento, então, a arquitetura escolar passa a seguir dois caminhos dis-

tintos: o que seguia os preceitos e espacialização de uma escola tradicional e a que seguia as diretrizes pedagógicas, onde cada espaço fosse adaptado de acordo com suas necessidades. Pode-se dizer, “neste período que a arquitetura escolar incorporou ao seu programa a flexibilização de seus espaços em prol das atividades pedagógicas desenvolvidas na escola.” (CASTRO, 2009, p. 33) Constata-se um ideário de escola unitária que avançou obstinadamente, sobretudo, a partir da década de 1930 conduzida por esforços isolados como o de Anísio. Buscando, frequentemente, ir além do empenho conjunto de um documento como o Manifesto dos Pio-

nal Carneiro Ribeiro em Salvador.

do Centro Educacional Carneiro Ribeiro-em Salvador.

neiros, Anísio Teixeira investiu na prática de um modelo escolar diferente do que até então era oferecido entre nós. No entanto, ao enfrentar numerosas adversidades políticas não conseguiu concluir seu projeto nacional de escola unitária. (CHAGAS, 2019, p. 59)

Tendo como base relatos dos alunos no documentário “Anísio Teixeira: Educa-

ção não é privilégio”, do ano de 2007, que a Escola-Parque teve resultados positivos na vida de quem estudou nessa escola e em seu entorno.

Fotos 29: Vista aérea Centro Educional Carneiro Ribeiro em Salvador. Fonte: CPDOC, FGV. 1950.

51


Fotos 30, 31, 32 e 33: Centro Educional Carneiro Ribeiro em Salvador. Fonte: Leonardo Finotti. Sem data.

52


1.6 – Convênio Escolar em São Paulo

Com o fim da ditadura do Estado Novo, em 1945, houve a necessidade de re-

alizar um debate sobre as exigências de uma nova Constituição Federal, visto que a Constituição de 1934 acaba com o golpe do Estado Novo. A Constituição estabelecida por Vargas em 1937 não trouxe novidades no tocante à Educação, se comparada com o período anterior.

Sobre os moldes de uma democracia liberal a nova Constituição outorgada em

1946 apresentava um poder mais incisivo do poder Federal e consequente responsabilidade e competências para ficar as diretrizes e bases da educação nacional (RECHDAN, 2009). É nesse momento que se constitui como responsabilidade do Governo Federal e suas instituições, entre elas o Ministério da Educação, devem pautar como deve ser a Educação em todo o país, reafirmando o papel nacional que as políticas públicas educacionais teriam, tirando assim, parte da competência dos Estados.

Nesse momento, quando se passa a discutir um novo projeto de Educação, os

embates entre liberais e católicos continuaram (COSTA, 2017). Deve-se destacar a participação de Anísio Teixeira nesses debates, que teve grande destaque na elaboração de políticas públicas voltadas para a Educação e que participou ativamente na concepção e construção de instituições que pensavam a educação e produção científica no Brasil. Anísio defendia que a Educação não é privilégio e que possui um papel fundamental para o desenvolvimento da nação. Desenvolvimento esse que passa pelos campos econômicos e sociais, tendo a Educação assim, um papel importante na diminuição das desigualdades sociais onde a diferenciação de classes juntamente com a pobreza seria combatida através da educação (RECHDAN, 2009).

53


Em meio a esse cenário, o Convênio Escolar surge de um

acordo entre a Prefeitura e Governo do Estado de São Paulo, a partir de um instrumento da Constituição de 1946, “que obrigada a união, estados e municípios a investirem um percentual mínimo dos recursos arrecadados em educação.” (CASTRO, 2009, p. 35). O convênio foi assinado em 28 de dezembro de 1949 e determinava investimento de 20%, em cima dos recursos arrecadados, da Prefeitura de São Paulo em educação e 72% na edificação, compra e reforma de prédios educacionais. Deve-se ressaltar também que o Convênio não dizia respeito apenas de construção de escola, mas também de bibliotecas, teatros, parques infantis e ginásios.

Hélio Duarte, após contato com Anísio Teixeira, fica a frente

da Comissão Executiva do Convênio Escolar, órgão que procurava viabilizar as atividades de obras, projeto e planejamento. Ao comando de Hélio Duarte, foi implantado um projeto de expansão educacional através de escolas que seguiam os conceitos de Anísio Teixeira. (CASTRO, 2009)

54

Fotos 34: EE Nossa Senhora da Penha, São Paulo - 1951. Fonte: Ferreira e Mello, 2006a.


Posterior à criação da comissão, uma pesquisa e campo que teve duração

de três meses onde se fez um levantamento que visava conhecer a realidade educacional de São Paulo, além de investigar as lacunas educacionais e terrenos vazios para implementar novas edificações de cunho escolar. Depois disso, um plano de construção de vinte escolas, duas bibliotecas e manutenção de parques infantis e instituições auxiliares de ensino, por ano. O Convênio esteve em funcionamento até o ano 1959 e durante esse período 70 escolas, 500 galões, 30 bibliotecas públicas, 90 recantos infantis e 20 parques infantis foram construídos (CASTRO, 2009)

Tendo como base os conceitos pedagógicos de Anísio Teixeira, Hélio Du-

arte propôs a união entre pedagogia e arquitetura. Buscou-se então, um projeto arquitetônico que se aproximava-se da mentalidade infantil, onde o projeto arquitetônico fosse modernizado e “impusesse por si mesmo uma reforma no ensino através do seu espaço construído” (CASTRO, 2009, p.36), o programa da escola deveria ser seguido conforme suas atividades e sua relação direta com o usuário, ou seja, com a criança. Duarte propunha uma arquitetura adequada às finalidades pedagógicas, através de edifícios flexíveis em atendimento à dinâmica do ensino sem a compartimentalização usual, considerando a mobilidade infantil uma constante a ser adotada para um bom projeto escolar. Neste complexo problema da educação, o elemento fundamental sempre será a própria filosofia educacional, saindo desta os elementos humano e material, o professor, o equipamento e a edificação. (CASTRO, 2009, p. 37)

55


O interessante a se notar nos projetos do Convênio Escolar é que, quan-

A divisão da escola ocorria em três blo

do falado de projeto arquitetônico, embora houvesse consultas às autorida-

ligados por uma circulação externa,

des educacionais, as definições pedagógicas foram também realizadas pelos

possuía clara influência pelo projeto da

arquitetos, pois ao se propor novas configurações para o uso dos espaços

cola-Parque de Anísio Teixeira: os bloco

compreendidos dentro da escola, possibilitou-se o nascimento de novas ações

ensino possuíam salas de aula, biblio

educacionais (ABREU, 2007). Desta forma, os edifícios escolares passaram a

infantil e museu. Já os blocos voltados p

valorizar a educação complementar através de novos espaços, onde a escola

atividades de administração serviam co

assumiria focado em seu usuário, onde seria difusor de cultura, onde também

apoio para as atividades desenvolvida

assumiria um papel de centro comunitário. Ainda que seu foco fosse em seu

por fim, o possuía o bloco de recreação

usuário direto - a criança - não se deixava escapar um usuário adjacente: a

comunidade em que estava inserida. Além disso, houve também uma preocu-

refletiu de forma positiva para a propa

pação com o entorno, Duarte previu que a escola fosse integrada ao meio que

ção da arquitetura moderna na cidade

estava inserida, onde se tornaram mais integrados e permeáveis ao seu entor-

São Paulo, através dos edifícios escolar

Ainda que descontinuado, o pro

no, bem com a sua paisagem. O Convênio Escolar foi uma iniciativa que alterou tanto a paisagem da educação paulistana como a paisagem urbana e afetiva da cidade. (...) Recordo-me da generosidade dos seus espaços, a claridade dos ambientes, o diálogo que o conjunto escolar estabelecia com o bairro. (...) Como eu, muitos usufruíram desses lugares generosos, desses grupos escolares disseminados nas então periferias, (...) – obras contaminadas de uma urbanidade que as caracterizavam como referências na cidade sem monumentalização de suas arquiteturas, com adequada escala enquanto espaços públicos, democráticos e de reconhecido valor simbólico para a sociedade. (SEGAWA, 2005, p.38 apud CASTRO, 2009)

56

Fotos 34 e 35: E Fonte: Abreu, 20


ocos que

a Es-

os de teca

para

omo

as e

o.

ojeto

aga-

e de

res.

EEPG Visconde de Taunay 007.

57

Figura 12: Projeto ArquitetĂ´nico Fonte: Abreu, 2007.


1.7 – O ISEB e a Política Educacional de João Goulart

O Instituto de Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) foi criado em 1955,

mas reestruturado e fortalecido em 1956, no Governo Juscelino Kubistchek, os membros do ISEB se identificavam com o projeto de desenvolvimento de Juscelino Kubistchek (WANDERLEY, 2016) Apesar de apoiar e o identificar como diferenciado perante a outros núcleos de pesquisa sobre os problemas do Brasil, ele criou o Conselho do Desenvolvimento com o objetivo de definir e orientar as metas de desenvolvimento da nação. O ISEB então, era uma instituição cujo objetivo era reunir grandes intelectuais progressistas da época para pensar um projeto de nação.

Dentro dessas ideias surge o um projeto político pautado no desenvol-

vimentismo nacional, que passa pelo desenvolvimento social e econômico do país. É importante ressaltar o papel do ISEB nesse pensamento nacional-desenvolvimentista que pauta dos governos, do ano de 1956 e até 1964. O ISEB foi criado pelo Decreto n° 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do Ministério da Educação e Cultura. O grupo de intelectuais que o criou tinha como objetivos o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. (ABREU, s/data) Fotos 36: ISEB. Fonte: CPDOC, FGV. Sem data.

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O projeto de desenvolvimento do ISEB dizia respeito à reestruturação

econômica pautada na política neodesenvolvimentista pautada na industrialização, onde pretendia-se superar a fase anterior de subdesenvolvimento do país, consequência da estrutura fundiária dos grandes latifúndios, alta concentração de renda, propriedade e riqueza. Esse plano, dizia respeito a uma política nacionalista, que pretendia realizar mudanças como a troca de antigas elites presentes no país, vinculadas ao capital internacional, pela burguesia industrial nacional, que teria como apoio o proletariado, aproveitando o vácuo histórico produzido pela crise de 1929 nos Estados Unidos da América, o que diminuiu a sua tutela no Brasil e nos países latino-americanos antes da Revolução Cubana e na Europa, preocupada com sua reconstrução. Em contrapartida, havia o impedimento do capital estrangeiro, que não era visto com bons olhos aos setores industriais, mas sim aos extrativos e de serviços, como uma forma de conter o desenvolvimento do país para que este se tornasse um futuro concorrente. Entretanto, a pauta nacionalista não era prioridade no Governo Juscelino Kubistchek, onde prevaleceu a incentiva pública de cooperação internacional. (ABREU, s/data)

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A política educacional de João Goulart foi em primeiro momento coman-

dada por Darcy Ribeiro, que esteve a frente de 1962 a 1963, quando o gabinete era chefiado por Hermes Lima, como primeiro-ministro. Darcy Ribeiro, que antes era reitor da Universidade de Brasília, deixou o cargo para assumir o Ministério da Educação e Cultura. Darcy havia sido nomeado em 1961 por Juscelino Kubistchek para planejar e estruturar a universidade em 1959. Após esse período, Júlio Sambaqui assume no período presidencialista de 1963 até o momento do golpe militar em 1964.

Em 1962, quando assumiu o cargo de Ministro da Educação e Cultura,

Darcy Ribeiro submeteu o Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, para aquele ano, ao qual se referia aos ensinos primário e médio. Esse programa tornou possível os investimentos de recursos entre Governos estaduais e o Governo federal, para que houvesse uma ampliação do número de matrículas e escolaridade. A justificativa para aprovação do Programa de Emergência baseou-se na gravidade da situação educacional do país, expressa em estatísticas do documento ministerial. Com relação ao ensino primário, apenas 46% das crianças de 7 a 11 anos estavam matriculadas, sendo que, desse total, a metade estava cursando a primeira série, apenas 21,4% alcançavam a segunda, 19,3% a terceira e 14,1% a quarta. Com relação ao ensino médio, cuja regulamentação era considerada centralizada e inadequada às necessidades do desenvolvimento nacional, apenas 9 de cada 100 jovens teriam acesso a escolas desse nível. (ABREU, s/data)

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Elaborado pelo Conselho Federal de Educação, o 1° Plano Nacional de

Educação foi homologado em outubro de 1962 e teve como relator Anísio Teixeira (HEYMANN, s/data). Esse plano criou o Fundo Nacional de Educação, onde foi previsto a aplicação de 12% da receita de impostos arrecadados pela União para a formação desse fundo. A aplicação desse fundo já estava prevista na Constituição, mas cabe ressaltar que só foi aplicada na gestão de Darcy Ribeiro. Esse Plano previa que até 1970 todas as crianças, adolescentes e jovens entre 7 e 23 anos fossem alfabetizados. Entretanto, a saída de Darcy do Ministério deu fim a esse planejamento.

Júlio Sambaqui, último Ministro da Educação e Cultura do governo de

João Goulart, teve um Governo marcado por implementar ações de alfabetização que se baseavam no método Paulo Freire. Seu governo apoiou atividades culturais e foi apoiado por setores de teatro, cinema e rádio. Com o objetivo de diminuir o abandono do ensino, aumentou o salário dos professores do interior e promoveu o incentivo de campanhas de formação e continuação do magistério. Em seu Governo foi desenvolvido também a Campanha Formação de Mão-de-Obra Industrial, garantindo formação para os operários da indústria, na área do ensino médio. No ensino superior, aumentou o número de vagas nas universidades.

Foto 37: Programa do curso ¨Introdução aos Problemas Brasileiros¨, promovido pelo ISEB Fonte: CPDOC, FGV. Maio/1959.

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Nesse momento é necessário reforçar também, que as Leis de Diretrizes e

Bases (LDB), prevista na Constituição de 1946, só foi promulgada em 1961. Essa Lei de Diretrizes e Bases não traz grandes transformações nas estruturas de ensino provenientes da Constituição de 1934 e principalmente das Reformas Capanema (RECHDAN, 2009). A nova LDB, entretanto, flexibiliza o acesso ao ensino superior. Tendo em vista a impossibilidade de cursar o ensino superior se não fosse cursado o colegial antes, e após realizar o curso normal ou técnico-profissionalizante, era um desestímulo ao ingresso no ensino superior, instrumento esse que mantinha as desigualdades de classes. A LDB de 1961 muda o cenário para combater esse desestímulo. Ficou previsto que o aluno que cursasse o curso normal ou técnico-científico poderia sim cursas o ensino superior, desde que fizesse o reaproveitamento das disciplinas do colegial. Esse processo durava aproximadamente um ano, o que facilitava o ingresso ao ensino superior.

O debate educacional que acontecia no campo progressista cabe destacar,

por exemplo, as primeiras ações e contribuições – teóricas e práticas – de Paulo Freire. Nesse momento ele participou de debates que traziam a construção da educação como elemento transformador econômico-social. Também foi trazido à luz a importância da participação popular em discussões e em debates democráticos, principalmente quando se referia ao processo eleitoral. Entretanto, na Constituição de 1946 estava previsto que somente pessoas alfabetizadas pudessem votar e até então o Brasil possuía um altíssimo nível de analfabetismo, podendo chegar a 67%. Dessa forma, lutar pelo avanço do país e consequentemente da democracia, mesmo que liberal no país, passava necessariamente pelo combate ao analfabetismo. Nesse período era importante que os adultos analfabetos, que não puderam estudar em sua idade escolar fossem alfabetizados (CHAGAS, 2016).

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Foto 38: Reunião ISEB Fonte: Côrtes, 1999.


Freire então, cria uma metodologia de ensino que busca alfabetizar adul-

tos em tempo recorde, onde em um experimento realizado no Rio Grande do Norte, conseguiu alfabetizar 300 adultos em um período de 45 dias (GADOTTI, 1996).

Devido ao sucesso do seu experimento, no início de 1964 foi convi-

dado por João Goulart para desenvolver um projeto a nível nacional de alfabetização de adultos. Paulo Freire tinha como objetivo usar a leitura da realidade do aluno adulto para iniciar o processo de alfabetização. Esse processo permite então que o aluno compreenda a realidade. Não basta apenas saber ler, para ele a alfabetização era visto como um processo de conscientização da realidade - pessoas cientes da sua realidade para exercer seu papel social e político.

A Educação passaria então, a ser vista como redentora nacional que vi-

sava tão somente o desenvolvimento econômico do país, mas também o desenvolvimento social: fator que promoveria a diminuição das desigualdades sociais e desenvolvimento da sociedade como um todo.

No Governo João Goulart também foram propostas reformas de base,

que defendiam a autonomia da universidade e liberdade docente no exercício do magistério. (BONEMY; MOTTA, 2002) Com o golpe militar que depôs João Goulart, essas medidas serão restritas aos interesses da camada social que os apoiavam.

Foto 39: Paulo Freire. Fonte: Instituto Paulo Freire. Sem data.

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1.8 – A Ditadura Militar Pelo Viés Educacional

No período que antecedo ao golpe, o país estava vivendo um curto período demo-

crático após a ditadura do Estado Novo, ou seja, em processo de democratização. Em um período democrático, é comum e que haja embates entre classes sociais que compõem uma sociedade e principalmente uma disputa de projetos de sociedade, que se expressam através de políticas públicas. Esse período também é marcado por ser contemporânea da Guerra Fria, que se inicia após a II Guerra Mundial, dividindo assim o bloco capitalista e socialista.

No Brasil, é nesse momento que o capitalismo está se desenvolvendo. De um lado, os

progressistas pautavam seu debate de modernização vide seu discurso nacional-desenvolvimentista aliado a um desenvolvimento social, incluindo assim, a maioria da população. Sua visão de desenvolvimento incluía a classe trabalhadora, que se tornaria o mercado consumidor, através do aumento de sua massa salarial e acesso a serviços públicos como saúde e educação, visando melhor distribuição de renda (CASTELO, 2012). Seu projeto também previa instrução e participação popular, afim de que a população pressionasse as elites para garantir seus direitos. Essas ideias estavam, de certa forma, avançando nos anos 1950 e início dos anos 1960, diretamente ligadas às reformas de base de João Goulart, como expõe Chagas: [...] o clima dos anos 1950 favoreceria a disseminação de ideias socialistas, sobretudo na década vindoura. Diversas tendências do socialismo seriam incorporadas por amplos segmentos da população, inclusive por educadores. O que se observa, no espaço pedagógico, são formas de pensar a educação menos condicionada aos interesses da ideologia dominante. (CHAGAS, 2019, p. 57)

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Do outro lado, as elites brasileiras e seus intelectuais também desenvolveram seu projeto: o projeto de mo-

dernização conservadora do capitalismo. Esse projeto também defendia um processo de desenvolvimento do capitalismo, entretanto, defendia um rápido crescimento industrial e um rápido acúmulo de capital – o que caracteriza uma exploração maior da classe trabalhadora e também que o mercado consumidor não estivesse necessariamente localizado dentro do país, mas fora dele (CASTELO, 2012).

Onde a distribuição de renda entre a população impe-

de o rápido acúmulo de capitais de uma elite, a burguesia brasileira e os representantes do capital internacional no Brasil, esse projeto conservador respondia rapidamente às necessidades desses grupos. Também fazia que houvesse debate direto entre esses grupos e o governo vigente, que era visto como representante do projeto progressista, gerando assim uma tensão política, que culmina no golpe militar de 1964.

No campo educacional, o golpe militar significou a interrupção de todos os avanços realizados, discutidos e

idealizados do campo progressistas porque esse projeto educacional que estava se estabelecendo não atendia aos interesses das classes dominantes (civil e militar) que assumem o poder, conforme observamos na Figura 13.

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Figura 13: Gráfico comparativo – PIB per capita (eixo direto) e Índice de Desigualdade de Gini (eixo esquerdo) no Brasil Fonte: Ministério da Fazenda, 2013.


Podemos observar que no período da ditatura militar

há uma política de industrialização pautada em baixos salários que reflete diretamente no Índice Gini. Embora haja o crescimento do PIB per capita esse é criado com a reprodução da desigualdade – crescimento com desigualdade. Para coroar este período de recúo em nossa modernidade notamos que após a Constituição Federal de 1988 há um novo pacto federativo quando o país resolve “tomar a pílula” neoliberal do Consenso de Washington de 1989, com a adoção de medidas que reduzem o Estado e sua capacidade de orientação da economia. A contração da economia no período se contrapõe ao período compreendido após 2002 – de crescimento com equidade. Ressalta-se também o estrago feito na economia pós – golpe de 2016, que podem ser aferidos com a elevação do índice Gini de 0,525 (2016) para 0,6290 (2019) – um salto de quase 20 % em apenas 3 anos!

A Educação nesse momento era vista como linha de

produção formadoras de força de trabalho – baseada na teoria do capital humano –, que vai gerar lucro para o capital no processo produtivo. A Educação brasileira nesse período não apresenta grandes rupturas, mas sim transformações marcantes, sendo ela baseada em três elementos principais: o controle, a censura e a repressão...Só assim para impor Foto 40: Estudantes foram protagonistas na luta contra a ditadura militar. Fonte: Arquivo Nacional. Correio da Manhã. Sem data.

goela abaixo um programa de desenvolvimento pautado da superexploração no trabalho.

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Figura 14: Notícia sobre a obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica. Fonte: Estadão. 1969.

O controle e a censura eram representados com o fim de algumas

disciplinas vistas como estimulantes a subversão, como por exemplo, história, geografia, filosofia e sociologia – estimulantes à crítica. Elas foram substituídas por novas disciplinas como “educação moral e cívica” e “organização social e política brasileira”. (CHAGAS, 2016) Já a repressão era caracterizada principalmente com o Decreto 447 que constitui a possibilidade das autoridades militares e educacionais a caçarem e/ou expulsarem das instituições de ensino estudantes e professores considerados como subversivos pela ditadura. Na escola, a proposta capitalista burguesa – ao desarticular a possibilidade crítico-social da educação – prepara para a fragmentação do trabalho, incentivando as especialidades técnicas. O trabalhador é formado para executar, com eficiência as atividades exigidas pelo mercado. (CHAGAS, 2016, p. 65)

No campo das políticas públicas educacionais, o período será mar-

cado por duas legislações. É importante ressaltar que não há a revogação da LDB de 1961, que foi modificada e não alterada. A Lei no 5540, datada de 1968, foi a lei da reforma universitária, ela previa que a universidade brasileira fosse alterada aos moldes do ensino universitário americano, e traz consigo elementos que até os dias de hoje estão presentes na universidade brasileira. A segunda Lei, número 5692, de 1971, tratou da reforma do ensino básico. As primeiras abordagens foram a substituição do modelo educacional baseado no ensino primário de 4 anos e o ensino secundário, de 7 anos e cria os ensinos de primeiro e segundo grau. O ensino que se dividia antes em 4 e 7 anos, se tornou em 8 e 3 anos.

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Desde a Primeira República se falava na obri-

gatoriedade do ensino, porém, essa obrigatoriedade era baseada em alguns anos. Sendo assim, até 1971 somente os quatro primeiros anos eram obrigatórios e com a Lei 5692/71 a obrigatoriedade muda para oito anos. Essa lei também garantia a racionalização produtiva do ensino brasileiro – nos moldes da teoria do capital humano e dos Estados Unidos –, o que significa o aprofundamento da visão fabril, (CHAGAS, 2016) aumentando o número da sociedade presente na escola ao passo que seu custo também fosse otimizado, através da diminuição de gastos. Nesse período é possível notar uma ampliação do acesso ao ensino de primeiro e segundo grau, porém sem observar investimento proporcional, o que ocasiona na precarização do ensino. Não há investimento na ampliação e construção de novas escolas, nos recursos didáticos, na formação continuada dos professores, entre outros. Chagas (2016) ao citar Fetzner (2008) ressalta que “o professor de tanto trabalhar o conteúdo de modo automatizado e repetitivo vai se alienando, e quase sempre, perdendo a dimensão do ato criativo de ensinar” (CHAGAS, p. 62). Outro caráter da Educação nessa época é o fato de que o ensino de segundo grau deveria, obrigatoriamente, possuir um papel profissionalizante, o que não funcionou na prática.

Os resultados dessa reforma são uma queda na quali-

dade do ensino público, onde aprofunda-se o descontentamento com a carreira docente. Contudo, a partir da década de 1970, pôde-se perceber o crescimento do pensamento crítico na sociedade, na medida em que a guerra de classes fica evidenciada dada as distopias, reprodução de desigualdades e pauperização da classe trabalhadora produzidos, pela adoção do modelo de superexploração da classe trabalhadora, o que permitiu que os anos 1980 a “panela de pressão” estourasse e permitisse novos debates em torno da comunidade escolar e garantisse mais autonomia a ela.

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Foto 41: RepressĂŁo militar contra estudantes. Fonte: EstadĂŁo. Sem data.

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Foto 42: Fachada CIEP Wilson Batista. Fonte: Prefeitura de Campos. Nov/2017.


CIEPs na cidade: trajetória de 1983 à realidade de 2020


2.1 – Governos Brizola e as Implantações dos CIEPs

Em meio à Ditadura Militar, Leonel de Moura Brizola é eleito como gover-

nador do estado do Rio de Janeiro, em 15 de março de 1983, destacando como prioridade máxima, em seu discurso de posse, “escolarizar e assistir de médicos e alimentação adequada todas as crianças do Estado do Rio de Janeiro.”

Seguindo os passos de Anísio Teixeira, o modelo novo educacional pro-

posto nos CIEPs trazia novas ideias que pouco tinham a ver com a realidade da educação pública existente no momento em que foram idealizados. Castro (2009) destaca que desta vez, com as propostas da escola de Anísio, elas tinham um caráter industrial que fez possível sua replicação e implantação por todo o estado do Rio de Janeiro em pouco tempo. Nesse momento então, começa a se pensar em uma escola multidimensional que integra os aspectos da vida do aluno para ser um indivíduo formado em sua integralidade: trazendo como pontos principais cultura, alimentação, higiene e saúde, aberta a mais de um campo, envolvendo todas as esferas. A criança pobre não dispunha de muitos espaços para o desenvolvimento do conhecimento ‘formal’. A escola poderia, portanto, cuidar da guarda dessa criança, afastando-a, um pouco, dos perigos das ruas, e dinamizar atividades pedagógicas, sem perder de vista a relação entre educação, saúde, cultura e o diálogo dos saberes da comunidade com os saberes escolares. (FERREIRA; MOTA; SIRINO, 2017, p. 117)

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Foto 43: Vista CIEP Quadra e Prédio Principal. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.


A proposta contida nestas escolas era proporcionar o ensino integral, das

8 às 17 horas, onde as atividades do currículo regular eram também ligadas as atividades culturais, educação física e estudos dirigidos. Em cada unidade era previsto o atendimento de mil crianças que teriam direito a alimentação, com refeições completas e atendimento médico e odontológico, onde se buscava suprir as privações sociais dos alunos de forma que elas não atrapalhassem seu rendimento escolar. Ou seja, “serviços necessários para que a camada mais pobre da população tivesse garantido desenvolvimento cognitivo, pois seria difícil desenvolver o processo de aprendizagem ser ter acesso sequer a alimentação.” (FERREIRA; MOTA; SIRINO, 2017, p. 116)

O projeto pedagógico dos CIEPs possuía seu próprio Programa Especial

de Educação (PEE) que tinha como diretriz básica recuperar a escola pública, de forma a recuperá-la, melhorá-la e coloca-la verdadeiramente ao alcance de todas as crianças e jovens do Estado do Rio de Janeiro. O PEE tinha como objetivo consolidar o ensino público como bem aparelhado, moderno e democrático que fosse capaz de ensinar a todas as crianças a ler, escrever e contar no tempo adequado e também com correção, se fosse o caso (FERREIRA; MOTA; SIRINO, 2017). O PEE previa um programa pedagógico de educação em tempo integral, onde os alunos permaneciam 8h nas unidades, faziam 4 refeições e possuíam, além das atividades curriculares do ciclo básico, atividades integradas de cultura. O Programa se iniciou em 1983, sob direção de Darcy Ribeiro, sendo interrompido em 1987 e retomado em 1991, no segundo Governo Brizola.

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Ademais, o material produzido para os alunos

dos CIEPs era diferenciado, sendo esse ponto de destaque do período, pois segundo Ferreira, Mota e Sirino (2017) havida uma grande preocupação em oferecer aos professores cursos de capacitação que pudessem atender aos alunos com materiais que se concentravam na produção de livros, cartazes e revistas além de contar com a inovação — para a época —, de conteúdos audiovisuais, como as videoaulas. (Figura 14)

Foto 44: Alunos em sala de audiovisual. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

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Figura 14: Materiais utilizados no PEE. Fonte: Mota, 2013.


O Estudo Dirigido foi um ponto importante. Ele era destinado a todos os

alunos do Ciclo Básico e foi criado tendo em vista a dificuldade de auxílio ao aluno, uma vez que alguns pais ou responsáveis não possuíam escolarização, com o objetivo de ensinar o aluno como estudar (RIBEIRO, 1986). Dessa forma, o aluno tinha quatro horas semanais de Estudo Dirigido, onde as atividades propostas eram feitas pelas próprias professoras de cada turma, afim de agir no cerne da dificuldade dos alunos. Nesta proposta, o aluno contava semanalmente com quatro horas de Estudo Dirigido com professor específico para orientar esta atividade. Havia duas salas de Estudo Dirigido: a sala ‘Prazer de Ler’ e a sala ‘Desafio de Pesquisar’ cujas atividades eram planejadas juntamente com os professores de cada turma, assim, havia a possibilidade de aperfeiçoamento na leitura, na escrita, em outros processos educativos e de avaliação continuada – processo muito importante no PEE, que proporcionava a manutenção dos alunos em suas turmas nos cinco anos do Ciclo Básico, evitando assim a reprovação. O objetivo do Estudo Dirigido era que o aluno aprender a estudar. (FERREIRA; SIRINO; MOTA, 2017, p. 119)

O processo de aprendizagem oferecido pelo PEE contava com outra inova-

ção, a chamada Animação Cultural, que objetivava ligar a escola à comunidade, de forma que a educação ‘formal’ e ‘não-formal’ fossem articuladas para que a escola fosse transformada em um espaço democrático de forma que houvesse um diálogo entre os saberes da escola e os da comunidade. (FERREIRA; SIRINO; MOTA, 2017)

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Foto 45: Alunos em sala de um CIEP. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.


Sendo assim, os animadores culturais levavam para as escolas

manifestações culturais pertencentes à comunidade ou dos moradores para acrescentar as atividades da escola com as da sociedade.

Nas escolas também era oferecido atendimento médico-odonto-

lógico à comunidade. Sendo a equipe de odontologia composta por um dentista e dois auxiliares e era volante, o atendimento era realizado em clínicas que percorriam as escolas. (RIBEIRO, 1986) O Programa Especial de Educação implementou práticas pedagógicas que inovaram no cenário educacional brasileiro no momento de sua implantação e nos anos que seguiu funcionando. Trouxe à sociedade brasileira novas formas de entender e perceber a educação e, principalmente, um incentivo ao fomento da Educação Integral no país. [...] os CIEPs se configuram como espaço de promoção de uma educação mais libertadora e emancipatória. (FERREIRA; SIRINO; MOTA, 2017, p. 120)

Seu projeto inicial previa a construção de 500 unidades, entre-

tanto, até o fim do primeiro Governo Brizola, apenas 127 foram construídos. Em 1984, foi entregue a passarela do Carnaval, construída por ambos governos estadual e municipal, onde deveria agrupar 210 salas de aulas com capacidade para atender 15 mil crianças. Sua inauguração foi realizada em setembro, com 568 matrículas, caracterizando os CIEPs do Sambódromo (RIBEIRO, 1986). O Governo Brizola também previu a criação da Fábrica de Escolas do Estado, criadas para fabricar duas escolas por dia, seguindo os preceitos do projeto arquitetônico Foto 46: Fábrica de escolas. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

de Oscar Niemeyer, baseando na construção pré-moldada.

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As implantações dos CIEPs, representou não apenas uma refe-

rência na área da pedagogia, mas também da arquitetura e urbanismo, visto que um mesmo projeto arquitetônico inserido mais de 500 vezes em um território altera sua paisagem. Eles se concentravam “em áreas degradadas e desassistidas de serviços públicos, onde existia uma grande demanda educacional” (CASTRO, 2009), se localizando majoritariamente na região metropolitana do Rio de Janeiro, como ocorreu na implantação da Escola Carneiro Ribeiro em 1950, de Anísio Teixeira, na periferia de Salvador. Além disso, podemos identificar suas edificações implantadas junto às margens de vias urbanas e em limites de favelas e/ou em regiões onde a cidade não estava consolidada, o que acarretou no desenvolvimento de uma ligação entre o tecido urbano e a favela de inserção. Embora a maioria dos CIEPs tenham sido implantados em regiões não consolidadas na cidade, também estavam presentes em lugares que se inseriam perfeitamente no tecido urbano.

Foto 47 e 48: Fábrica de escolas. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

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Nas figuras abaixo 15 e 16, juntamente com os

mapas para ilustrá-las podemos observar o quantitativo de CIEPs implantados, no estado e cidade do Rio de Janeiro. Essa análise nos permite destacar a extensão do programa onde se pretendeu instalar pelo menos um CIEP em cada município do estado, onde sua abrangência maior se encontra na Baixada Fluminense. Já na cidade do Rio de Janeiro, é possível perceber a predominância dos CIEPs na Zona Oeste da cidade “que teve um crescimento demográfico tardio, e que por isso não era bem atendida pela rede pública de ensino” (CASTRO, 2009, p. 52) e no complexo de favelas da maré. A grande abrangência da produção de CIEPs nos territórios mais vulneráveis, revela a clara intenção estabelecida por Brizola de agir na transformação da dimensão social e econômica, a partir da implantação do equipamento de Educação, que trazia outras atividades relacionadas

Figura 15: Quantitativo de CIEPs pelos bairros da cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Castro, 2009.

a Cultura, Lazer e Esporte para o território onde estavam inseridas.

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Figura 16: Relação entre adensamento e localização dos CIEPs na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: DATARIO, adaptado pela autora. Mar/2020.

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Figura 17: Quantitativo de CIEPs no estado do Rio de Janeiro por seus municĂ­pios. Fonte: Castro, 2009.

Figura 18: Mapa de quantitativo de CIEPs no estado do Rio de Janeiro. Fonte: Castro, 2009.

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Figura 19: Localização dos CIEPs dentro do município do Rio de Janeiro. Fonte: Castro, 2009.

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Contudo, para que houve houvesse de fato a transformação a

partir do equipamento, seria de suma importância que sua arquitetura tivesse um papel importante em suas implantações, de forma a interagir com seu entorno, objetivo esse que não foi alcançado em todas as implantações (CASTRO, 2009). Esse fato é esperado tendo em vista que um projeto padrão pode ou não se adaptar aos locais com características completamente diferentes. O que fica claro analisando-se este projeto é a verificação de que as preocupações expressadas nele por seu arquiteto referiam-se mais a atender a seu programa e a sua marcante conceituação plástica do que propriamente a soluções que visassem atender de forma qualificada e estudada as atividades referentes a seu uso. (CASTRO, 2009, p. 57)

Os CIEPs foram pensados com uma arquitetura pré-moldada

e padronizada, composto de três elementos: o bloco principal que possui três pavimentos, a quadra coberta polivalente e a biblioteca, sendo sua disposição no terreno variante de acordo com as características físicas do terreno e do entorno de cada território. Cada CIEP custava 30% a menos do que uma construção convencional de uma mesma área e suas últimas unidades tiveram um custo médio de R$ 1.996.020,00 (RIBEIRO, 1986). A arquitetura de seus elementos ganha destaque na composição e possui a tendência de não se relacionar com seu entorno que no caso do território do Rio de Janeiro, muitas é vezes acidentado, impondo assim a sua presença na paisagem.

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Foto 49: Vista aérea de um CIEP. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.


Desta forma, como existia a possibilidade de dispor os elementos

de forma a se adaptar ao terreno proposto, foi criada uma segunda opção além do projeto padrão: o CIEP compacto, que possuía os mesmos elementos formais e funcionais, sendo a quadra localizada na cobertura do edifício. Contudo, o projeto padrão dos CIEP foi desenvolvido para ser implantado em um terreno plano, e na grande maioria das implantações o terreno precisou ser adaptado para receber os CIEPs não permitindo o contrário.

Quanto ao CIEP e sua relação com o espaço urbano e a

adequação a sua pedagogia, podemos dizer que, se o pensamento de Darcy Ribeiro vinha de sua influência por Anísio Teixeira, o mesmo não pode ser dito de Oscar Niemeyer e da arquitetura representada anteriormente aqui pelo arquiteto Helio Duarte e as escolas do Convenio Escolar de São Paulo, que também souberam se adaptar aos conceitos de Anísio Teixeira. (CASTRO, 2009, p. 64)

Seu projeto padrão, construído em uma área de 6.600,00 m², pos-

suía uma série de exigências. Dentre elas, o edifício principal teria que ser voltado para a via principal, onde sua entrada principal seria no centro onde se podia acessar os outros pavimentos desse edifício ou acessar os outros elementos por meio de um pátio formado por placas de concreto que por meio de uma paginação de piso os conecta.

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O prédio principal apresenta 15 vãos de 5 metros em seu comprimen-

to, e em sua largura 2 vãos, de 6 e 8 metros. Seus pavimentos se conectam através de uma rampa central, sendo localizados nas extremidades do térreo o refeitório de um lado e o centro médico-odontológico do outro, ambos projetam volume para fora do prédio, e um pátio coberto entre eles. Nos demais pavimentos se localizam as salas de aulas, auditório, salas para os estudos dirigidos e as áreas administrativas. Em seu terraço há dois reservatórios de água e um espaço livre para atividades culturais de recreação. No prédio principal também devemos ressaltar a presença do seu elemento mais marcante da fachada que são suas janelas de formato ovular tendo metade fechada em alvenaria, onde no interior do edifício esse espaço é usado como estantes e a outra metade em esquadria de alumínio, elementos esses que até hoje se mantém iguais.

Um elemento inovador e alvo de muitas críticas nesse projeto são as sa-

las de aula, cujas paredes que separam as salas dos corredores serem projetadas para serem baixas. Essa solução arquitetônica adotada como elemento que permitiria uma melhor ventilação cruzada, ameniza o calor do Rio de Janeiro dentro do edifício e tem como função ensinar as crianças a falarem baixo. Esta opção técnico – pedagógica gerou grande desconforto acústico, dificultando as atividades que aconteciam em cada sala de aula. Essa solução foi, na maioria dos casos, substituída por um fechamento determinado

Área Cultural

por cada escola, sem seguir nenhum padrão. O projeto foi revisto pelo es-

Área de Esportes

critório de Oscar Niemeyer, que previu uma solução oficial para o problema: “o vão deveria ser fechado com venezianas que não interrompessem o fluxo

Área de Serviço

de ar” (CASTRO, 2009, p. 60) mas não é possível dizer se essa solução foi

Bloco Educacional

realmente adotada, o que agravou as condições de conforto ambiental.

Moradia

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Figura 20: Implantação CIEP Padrão. Fonte: Livro dos CIEPs, adaptado pela autora. Mar/2020.

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Centro médico Recreio coberto Área de alimentação Circulação Vertical Circulação horizontal Salas de aula

Térreo

0 5 10 15 mts

N

Auditório Administração Figura 21, 22 e 23: Plantas Prédio Principal. Fonte: Livro dos CIEPs, adaptado pela autora. Mar/2020.

Planta 1 Pavimento

Planta 2 Pavimento

N

N

Figura 24: Programa de necessidades de um CIEP Padrão. Fonte: Desenvolvido pela autora. Mar/2020.

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A quadra polivalente possui arquibancada, vestiário e depósito de materiais formado por arcos que caracteri-

zam sua construção retangular aberta. A biblioteca é uma edificação de pequeno porte em formato octogonal, com janelas também nesse formato que em seu pavimento superior possui um alojamento que permite abrigar até doze crianças moradoras da escola e seus pais sociais, que possui quarto individual, banheiro e dividem com o alojamento uma sala em comum.

Figura 25, 26 e 27: Planta, cortes e fachada da quadra. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

Figura 28 e 29: Planta, cortes e fachada da quadra. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

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Deve-se destacar também, que o orçamento

municipal do Rio de Janeiro previa 43% de suas despesas para Educação e Cultura, totalizando em 1986 um gasto de 4308 milhões de cruzeiros. (RIBEIRO, 1986), conforme observamos na figura 30 e 31.

Essas despesas não se limitaram apenas à

construção dos CIEPs, mas também ao orçamento

Figura 30: Planilha orçamentária Município do Rio de Janeiro. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

de construção de 30 casas da criança na cidade do Rio de Janeiro e 11 no Estado do Rio de Janeiro, possibilitando o atendimento de 3.500 crianças e recuperando 3.075 crianças com o programa “Mãos à obra nas escolas”, além de reformar escolas em 36 municípios. (RIBEIRO, 1986) Ao findar primeiro Governo, Brizola afirmou que 161 CIEPs estavam funcionando e 219 concluídos, tendo suas outras 446 estruturas já fabricadas e pagas. Em seu segundo Governo, Brizola retoma o projeto de construção e implantação do CIEPs, deixando ao total, 506 unidades em todo o Estado do Rio de Janeiro (CASTRO, 2009)

Figura 31: Planilha orçamentária Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

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Foto 50: Vista um CIEP. Fonte: Livro dos CIEPs, 1986.

Da mesma forma que um novo conceito de escola, que se tor-

nou posterior referência de modelo de escola pública no país, devemos salientar que não podemos afirmar que o projeto pedagógico e arquitetônico dos CIEPs falhou por seus moldes. [...] é curioso notar que a busca de afirmação dos CIEPs, no estado do Rio de Janeiro, é curta e tensa. O empenho entre braços e mentes favoráveis a sua execução se dará em duas fases do PEE I e II (1983-1986 e 1991-1994), experiência extremamente marcada pelo interregno de uma administração estadual (1987-1991), descomprometida com o projeto de educação pública de qualidade, a partir da organização da educação popular. Quando apontamos um período de 6 anos de vida para os CIEPs, considerando as forças que estavam contagiadas por um sentimento construtivo de mudança na educação, talvez estejamos sendo extremamente otimistas, pois metade desse período foi de construção dessas escolas e metade para avançar e recuperar – com esforço redobrado – o que havia sido desarticulado. Portanto, o que se observa, em média são apenas três anos de experiência dos CIEPs. (CHAGAS, 2016, p. 86-87)

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CIEP Doutor Joaquim Pimenta

Ademais, precisamos também destacar o papel dos

CIEPs na cidade do Rio de Janeiro, onde o tecido urbano é mais consolidado do que nos municípios do Estado. Castro (2009) define 3 tipos de implantação dos equipamentos na cidade, que definem sua relação com seu entorno. São eles os CIEPs Completos, que seguem o projeto padrão, os compactos, onde sua quadra se localiza na cobertura do edifício principal e os compostos, que se caracterizam pela presença de dois CIEPs em um único terreno.

Nos CIEPs Completos, procurou-se seguir com fide-

lidade o projeto padrão, com os três elementos ligados por uma praça. Um exemplo desse modelo é o CIEP Doutor Joaquim Pimenta, estudado posteriormente nessa pesquisa, sendo esse um modelo que ocupa um quarteirão próprio. Nesses casos, a edificação principal está sempre paralela à testada do terreno. Como pode ser observado na foto 51 ao lado, muitas vezes as edificações se formaram no entorno do equipamento após sua implantação no terreno, no momento da implantação há a necessidade de inserir as edificações no terreno, sem a preocupação com o entorno. Foto 51: Vista aérea CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Google Earth. Ago/2020

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Deve-se destacar o CIEP José Pedro Varela (foto 52),

também estudado nessa pesquisa, que ocupa um terreno amplo desarticulado de seu entorno, sendo seu ponto de ligação com elementos exteriores da cidade o prédio principal voltado para a rua do Lavradio, única que o edifício se relaciona. Outros exemplares podem ser observados de igual maneira desarticulados do tecido urbano, como o CIEP João Batista dos Santos (foto 53) e Chanceler W illy Brandt (foto 54) demonstrando o critério de destacar a edificação, sem preocupação com sua inserção na cidade.

Os CIEPs compactos ganham mais destaque na pai-

sagem devido a sua verticalização, visto que quadra é implantada na cobertura do edifício. Nesse caso podemos observar a falta de critérios para sua implantação, onde alguns terrenos se limitam apenas ao espaço da edificação e outros que são implantados no meio do terreno, gerando inclusive impactos em lotes vizinhos. Nesse tipo de CIEP também podemos observar casos onde a implantação dos equipamentos se tornou uma barreira entre dois tipos dis-

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tintos de território.

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CIEP José Pedro Varela

CIEP João Batista dos Santos

N Foto 53: Vista aérea CIEP João Batista dos Santos. Fonte: Google Earth. Ago/2020

Foto 52: Vista aérea CIEP José Pedro Varela. Fonte: Google Earth. Ago/2020

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CIEP Chanceler Willy Brandt

N Foto 54: Vista aĂŠrea CIEP Chanceler Willy Brandt. Fonte: Google Earth. Ago/2020

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CIEP Brigadeiro Sergio CarvalhoSão No CIEP Brigadeiro Sergio Carvalho (foto 55), o edifício serve de barreira para o que ocorre em sua volta, fazendo com que o tecido urbano se fragmente. O mesmo ocorre com o CIEP Doutor Antoine Magarinos T. Filho (foto 56) que serve de barreira entre as edificações e o Morro do Borel. (CASTRO, 2009) e também o CIEP Frei Agostinho (foto 57), que funciona como barreira para a expansão da favela.

No caso dos CIEPs compostos, podemos perceber a

ausência de articulação entre os dois equipamentos. Castro (2009) discorre que “é como se um não tomasse conhecimento da existência do outro ao seu lado.” (p.80) Nesses casos, destaca-se a demanda pelo equipamento, sendo eles dispostos de diversas formas em cada terreno, sem estabelecer nenhuma regra. Como por exemplo, o CIEP Patrice Lumumba (figura 58) que, no mesmo terreno, são um exemplar completo e outro compacto. Esse modelo funcionou apenas durante os Governos Brizola, Cavaliere (1996) discorre que no primeiro governo, apenas 127 unidades foram inauguradas e tiveram um período de um ano de funcionamento, aproximadamente. A autora ainda acrescenta que, ainda no segundo governo, Brizola deixou as escolas apenas semiestruturadas e em fase embrionária de funcionamento.

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Foto 55: Vista aérea C Fonte: Google Earth.


CIEP Brigadeiro Sergio Carvalho. . Ago/2020

CIEP Doutor Antoine Magairinos T. FilhoSão

Paulo

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Foto 56: Vista aérea CIEP Doutor Antoine Magairinos T. Filho. Fonte: Google Earth. Ago/2020


CIEP Frei Agostinho2020

Foto 57: Vista aĂŠrea CIEP Frei Agostinho. Fonte: Google Earth. Ago/2020

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CIEP Patrice Lumumba20

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Foto 58: Vista aĂŠrea CIEP Patrice Lumumba. Fonte: Google Earth. Ago/2020


2.2 – Um Novo Momento: A Constituição Federal de 1988

Da mesma forma que as políticas educacionais da ditadura foram repressi-

vas, elas também moldaram o modelo de educacional que temos hoje no Brasil. Após o fim da ditadura, nos anos 1980, a construção de uma escola democrática ganhou muito espaço no debate com o surgimento de conselhos escolares eleitos e com a possibilidade de cada escola eleger seu próprio diretor (MARQUES, 2006).

Esses debates sobre a Educação e outros assuntos gerais de uma socieda-

de culminaram na Constituição de 1988, chama popularmente de “constituição cidadã”. Do ponto de vista popular não é uma Constituição perfeita, mas se comparada com as outras Constituições que antes desse período estiveram em vigor no país ela é a mais avançada. No campo da Educação, a Constituição de 1988 salvaguarda a gratuidade do ensino público em todos os níveis, sem excluir a existência do ensino privado. A gestão democrática, em pauta nos anos 1980, ganha materialidade na Constituição, a que permite e garante (CHAGAS, 2016)

Outro aspecto importante é que ela garante o regime de colaboração entre

os entes federados. Isso significa que os municípios, Estados e a União dividem as responsabilidades para que a Educação pública, de forma a garantir que ela ocorra em todos esses níveis (MARQUES, 2006) Como consequência disso se faz importante destacar a questão orçamentária prevista. Por exemplo, de acordo com a Constituição de 1988, o Governo Federal deve investir 18% do seu orçamento anual na Educação e os Estados e municípios, devem investir 25% (PINTO, 2018). Deve-se destacar também está previsto que a União deve determinar quais serão as diretrizes e bases da Educação nacional, ou seja, ela prevê que as redes estaduais e municipais se adequem a uma diretriz nacional de Educação.

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Foto 59: Assembleia Constituinte. Fonte: CPDOC, FGV. 1987.


A Constituição de 1988 também previa a criação de uma nova LDB, visto que

a LDB aprovada em 1961 sofreu diversas alterações no período da ditadura militar. A LDB em vigor estava além de defasada, distante da nova realidade em que o país estava vivendo. Sendo assim, em 1996 surge uma nova Lei de Diretrizes e Bases, que teve como seu relator Darcy Ribeiro (RECHDAN, 2009). Os novos elementos trazidos por ela são, por exemplo, a substituição dos ensinos de primeiro e segundo grau, onde o antigo primário se torna o ensino fundamental I e o segundo grau se torna o ensino médio, ambos fazendo parte da Educação básica. Outro ponto muito importante é a questão do ensino obrigatório que passa de oito anos para 13 anos, ou seja, todo o ensino básico se torna obrigatório. Nesse momento é preciso dizer que a evasão escolar ainda é grande (RECHDAN, 2009), visto que o acesso se universaliza para a educação básica, todavia a manutenção do aluno ainda é complicada. Além disso, passa a ser exigido que todo professor no Brasil seja formado no ensino superior. As grandes inovações dessa LDB foram a gestão democrática e uma relativa autonomia, construída e alterada ao longo dos anos. A Educação básica se torna obrigatória e gratuita, se estabelece uma carga horária mínima para os estudantes de 800 horas anuais, ou seja, 200 dias letivos e estabelece um núcleo comum curricular para o ensino fundamental e médio a nível nacional – com conteúdos diferenciados para cada realidade regional e local.

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2.3 – Os CIEPs nos Dias de Hoje

Atualmente, a maior parte da população pensa que os CIEPs

não deram certo (FERREIRA; MOTA; SIRINO, 2017). Após o final de ambos Governos Brizola, os governadores posteriores, Moreira Franco e Marcelo Alencar, respectivamente, reduziram o quantitativo de funcionários cruciais para o funcionamento do programa, como por exemplo animadores culturais e professores, em cada unidade impossibilitando assim seu funcionamento pleno (CHAGAS, 2016).

Além disso, a mídia também teve e ainda tem um papel crucial

na degradação da imagem dos CIEPs, na maioria das vezes argumentando que o problema de não ter dado certo foi somente do PEE. As alegações da mídia trazem exemplos de alunos que “não deram certo” e ainda reforçam o principal argumento contra o projeto: é muito caro e por isso seu funcionamento em horário integral não é possível de ser mantido. Esses discursos vêm acompanhado de que uma Educação de qualidade não é própria da classe trabalhadora, como se fosse um desperdício. (FERREIRA, MOTA, SIRINO, 2017) Comprovar que a culpa do fracasso é do pobre sempre seduz a classe média e é uma boa receita do sucesso. Para isso não há escrúpulos em omitir dados e manipular imagens para reforçar o consenso fácil que herdamos da escravidão: para que gastar recursos com a educação popular? A leitura que se quer transmitir é que os pobres não conseguem bons resultados na escola mesmo quando se oferece a eles uma escola de luxo. (MAURICIO, 2009, p.21)

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Figura 32: Reportagem Jornal O Globo. Fonte: Jornal O Globo. 2006.


Ao passo que houveram movimentos para descredibilizar o projeto CIEPs, também deve-se destacar um movi-

mento importante para a sobrevivência dos CIEPs, que foi seu tombamento, pela Lei Estadual no. 7139 de 2015 que determinava que todas as unidades ficariam tombados por interesse histórico, artístico e cultural, como patrimônio arquitetônico e cultura do estado do Rio de Janeiro. Seria proibida construção ou demolição de qualquer edificação que alterasse o exterior dos CIEPs e apenas alteração das paredes internas em caso de completar as paredes de divisória entre as salas e em caso de modernização tecnológica.

No início do ano de 2020, foram anunciadas pela SEEDUC-RJ (Secretaria de Educação do Rio de Janeiro) cons-

trução salas de dry-wall, no pátio interno de 12 CIEPs na zona oeste do Rio de Janeiro, projeto esse que acaba com o espaço destinado a “atividades culturais e extracurriculares importantes não só para os alunos como para a comunidade do entorno” (SEPE-RJ, 2020). Situação que evidencia o descaso com a arquitetura, que, não por acaso, alterou sua lei de tombamento, passando assim a permitir alterações nos ambientes internos. A nova Lei Estadual no. 8728 determina que apenas as fachadas ficam tombadas e que está proibida a construção, demolição ou qualquer alteração que altere a fachada externa dos CIEPs. E, não por acaso, fica permitida alterações nos ambientes internos. Foto 60: Manifestação contra construção de salas no pátio do CIEP Mario de Andrade. Fonte: SEPE-RJ. 2020.

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Foto 61: Salas de Dry-wall construídas no pátio do CIEP Ulysses Guimarães. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.


No momento de desenvolvimento dessa pesquisa, algumas escolas já haviam recebido as alterações, como

podemos observar na foto 61. O local que antes era chamado de pátio coberto, tornou-se local onde hoje abrigam novas salas de aula. A SEEDUC-RJ alega que essa ação ajudaria a suprir a demanda de cada região.

Essa atitude do Governo do Estado foi realizada sem nenhum diálogo com a comunidade escolar e é claramente

de cunho eleitoreiro – visto que em 2020 houveram eleições municipais – afim de reparar a ausência do Estado em relação às escolas públicas já que em 2019 não houve construção de nenhuma escola, deixando o Estado com o déficit de 20 mil vagas nesse ano. (SEEDUC-RJ, 2020) Dessa forma, novos problemas são gerados como a superlotação e a maior falta de estrutura para receber esses novos alunos, visto que obras em outros ambientes comuns, como banheiros e refeitórios não foram realizadas para se adaptar à nova realidade. Além disso, não há funcionários para dar conta da nova demanda.

A primeira escola a receber essas alterações foi o CIEP Mario Quintana, localizado em Campo Grande (SEE-

DUC-RJ, 2020). A comunidade escolar se manifestou ocupando o espaço da escola em exigindo uma reunião como secretário de Educação, que nunca apareceu para a reunião. O espaço que era antes usado para atividades socioculturais da escola, foi substituído por salas de aulas sem estrutura e sem projeto de incêndio, que abrigam 690 novos alunos – em uma escola que já possui 1600 alunos – deixando-os sem pátio.

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Foto 62: CIEP Santos Dumont. Fonte: Tribuna de Petrópolis. 2020.

As outras diversas unidades espalhadas pelo Es-

tado do Rio de Janeiro, foram sofrendo alterações ao longo dos anos sem critérios a serem seguidos, muitas abandonadas, destinadas a novos usos e também fugindo completamente do projeto pedagógico inicial dos CIEPs (SEPE-RJ, 2020). O CIEP Esther Botelho Orestes, por exemplo, reformado pela prefeitura de Niterói e adaptado para receber moradores do entorno com sintomas leves que testarem positivo para o Covid-19. Em Petrópolis, o CIEP Santos Dumont é um exemplo de equipamento abandonado, embora oferecido para abrigar atividades da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o prédio se encontra vazio até o momento da realização dessa pesquisa.

Foto 63: CIEP Esther Botelho Orestes. Fonte: Plantão Enfoco. 2019.

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Fotos 64, 65 e 66: CIEP Adelino de Palma Carlos. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2009.

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2.4 – Pós-CIEPs: Novos Caminhos da Educação Brasileira

A Guerra Fria estava chegando ao fim e também o fim

do clima de tensão entre os blocos capitalistas e socialistas e isso garantiu espaço para que as políticas neoliberais, que já estavam presentes desde as décadas de 1970 e 198. Isso ocorre porque nessas décadas o capitalismo mundial estava passando por uma reestruturação produtiva devido ao declínio do modelo Fordista, substituído pelo novo modelo Toyotista de produção. A lógica de produção (e reprodução) do capital e de apropriação de mais-valia vai se alterar para o novo modelo tecnológico, ou seja, há o desenvolvimento de novas tecnologias, novas formas de produção e novas formas de produção de lucro que não somente a produção fabril (SOUZA; TEIXEIRA, 1985). O grande capital percebeu então, que era necessário adaptar a Educação dos países – desenvolvidos e em desenvolvimento –, e que a Educação pública deveria se adequar aos interesses do capital nesse processo de estruturação e produção.

Em relação à arquitetura, os CIEPs ainda continuam sen-

do referências quando falado em políticas públicas e Educação. Dessa forma, outros projetos se desdobraram a partir dos ideais dos CIEPs. Como por exemplo, os CIACs, fruto de uma iniciativa do Governo Federal, que procurou Leonel Brizola e Darcy Ribeiro como referência para o projeto das escolas.

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Fotos 67: Quadra de um CIAC. Fonte: Goulart. Ago/2014.


Os Centros Integrados de Atenção à Criança e ao Adolescente (CIACs), faziam parte do Projeto Minha Gente do

Governo Federal, em 1991. Eles possuíam clara referência dos CIEPs, e possuíam o intuito de garantir acesso básico em Saúde, Educação, Assistência e Promoção Social de forma integrada, fornecendo educação integral e em tempo integral. No governo de Itamar Franco o programa muda de nome para Programa Nacional de Atenção à Criança (PRONAICA), os CIACs então passam a ser chamados de Centro de Atenção Integral à Criança (CAICs). (GOULART, 2014)

Sua arquitetura apresentava planta única essa era sua característica mais marcante. O programa buscava superar

as exclusões sociais nas regiões metropolitanas brasileiras.Isso ocorreria de forma que as crianças tivessem aos serviços básicos integrados citados desde a creche até o ensino fundamental. O projeto inicial previa a implantação de 5 mil unidades, sendo somente cerca de 450 unidades espalhadas pelo país. Fotos 68: Implantação de um CIAC. Fonte: Goulart. Ago/2014.

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O projeto dos CAICs, de

marcado por sua planta, que é

distintos. O primeiro é o mais c triangular que se destaca no co

sequência se localiza um edifíc

gulares da escola são realizadas

e o terceiro possui como finalid la, como podemos observar na

no de área padrão 16 mil m² e

industrial devido a sua fabricaç

no projeto de Niemeyer, essas e

paisagem, se destacando entre

E

q

b

e

a

g Figura 34: Projeto de um CIAC. Fonte: Goulart. Ago/2014.

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f


Fotos 67: Vista de estrutura da quadra de um CIAC. Fonte: Goulart. Ago/2014.

senvolvido por João Filgueiras Lima (Lelé), é

é delimitada pela setorização em cinco blocos

característico dos CAICs, a quadra em formato njunto, ao lado encontramos um anfiteatro. Na

cio de três pavimentos, onde as atividades re-

s, seguido pelo edifício da creche e pré-escola

dade atender as necessidades sociais da escoplanta do projeto. Os CAICs tinham um terre-

e, assim como nos CIEPs, possuem um caráter

ção pré-moldada em argamassa. E assim como

edificações ganham um caráter monumental na

e as demais edificações.

Esse caráter também como a exemplo dos CIEPs, faz com

que sua arquitetura não se adapte facilmente ao tecido ur-

bano, quando tem que ser posta lado a lado com outros

elementos. Porém, no caso dos CAICs, existe um agravante:

as dimensões de sua edificação, por serem maiores acabam,

gerando reflexos nocivos ao espaço quando implantados de

forma conflituosa com este. (CASTRO, 2009, p. 118)

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Fotos 68, 69, 70 e 71: Vista de elementos de um CIAC. Fonte: Goulart. Ago/2014.

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Atualmente, essas escolas ganharam um caráter voltado para a comunidade que utiliza o equipa-

mento do que propriamente para os alunos, devido a sua importância, a área médica virou um posto de saúde comum para a população. Assim como nos CIEPs, o projeto de educação integral também foi abandonado e hoje seguem os planos municipais de Educação.

No art. 87 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 se estabelece a necessidade da criação

de planos nacionais de Educação que seja estabelecido a cada dez anos, elaborados e seguidos pela união afim de determinar um diagnóstico sobre a Educação brasileira, apresentar os princípios de como deve ser a Educação nacional. O plano também deve determinar diretrizes e estabelecer prioridades, metas e estratégias de ação. Apesar de outros planos já terem sido estabelecidos anterior a esse período, foi na LDB de 1996 que se torna mais eficaz. Esses planos, contudo, não contam com a participação popular (RECHDAN, 2009).

No Brasil, as políticas educacionais adotadas vão seguir a lógica produtivista de potencialização

de uma nova visão técnica que geram a mudança dos currículos, de gestão, de avaliação – de alunos e professores –, de ensino básico e universitário (RECHDAN, 2009). É nesse momento que surgem os grandes exames de nível nacional, estaduais e internacionais. O país adota essas medidas principalmente nos governos Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e, de certa forma, até nos governos Lula.

Em 1996, foi criado o Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Fundamental (FUN-

DEF) com o objetivo de criar um fundo nacional que financiasse a Educação fundamental. O FUNDEF previa que 70% fosse destinado para a valorização profissional. Em 2006 passa a se chamar FUNDEB. O Plano que esteve em vigor de 2001 a 2011, por exemplo, teve tentativas de participação de membros da sociedade, organizações e trabalhadores que se organizaram no 2° Congresso Nacional de Educação em 1997, que debateram um projeto popular de um novo plano nacional de Educação. A proposta da sociedade influenciou muito pouco o projeto de lei aprovado em 2001, ou seja, foi um plano elaborado por agentes do Governo Federal e no interior do Congresso Nacional (BOLLMAN, 2010).

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Essa questão ocorre diferente no Governo Lula, em 2010 (MEC, 2010).

O Governo Federal junto com membros da sociedade civil (organizações populares, sindicatos dos trabalhadores, representantes do movimento estudantil) organiza a Conferência Nacional de Educação (CONAE) entre os anos de 2009 e 2010. Essa conferência é um espaço de debate coletivo sobre a Educação na sociedade, ou seja, a sociedade de base participa de diálogos e debates para construir o próximo plano de Educação nacional. Dessa forma o novo PNE é aprovado em 2014 e estabelece 20 metas a serem cumpridas em um período de 10 anos (GERALDO; LAMARÃO; MOTTA; PICCININI; SILVA, 2015).

A última experiência de arquitetura escolar observada na cidade do Rio

Foto 72: Parquinho da Creche Rachel de Queiroz. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.

de Janeiro foram as Escolas Padrão do Município. Projetado pela arquiteta Teresa Rosolem de Vassimon e desenvolvido pela Coordenação de Projetos Especiais da Empresa Municipal de Urbanização (RIOURBE) essas escolas se destacaram pela sua qualidade arquitetônica. O projeto teve início em 2001 e apresenta mais de mil unidades escolares. (SEABRA, 2010) Através do projeto arquitetônico dessas escolas não se procura ter um modelo padrão, mas se pretende que ele seja um modelo de princípios modulares que orientam suas implantações, de forma que o equipamento público se adapte ao local que se insere. Seus terrenos podem variar de 2 mil a 7 mil metros quadrados. Além disso, é perceptível a grande preocupação conceitual com o conforto térmico, com foco na iluminação e ventilação natural - através de grandes aberturas, pé-direito alto e cobertura transparente nos corredores. Foto 73: Edifício da creche Rachel de Queiroz. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.

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Foto 74: Escola Municipal Tia Ciata. Fonte: Revista Projeto. Out/2004.

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Figura 35 e 36: Projeto Escola Municipal Tia Ciata e Creche Rachel de Queiroz. Fonte: Castro. 2009.

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Também podemos observar o cuidado com a acessibilidade, pois o edifício possui rampas de acesso até o último pavimento e cada sala de aula prevê com que o aluno tenha uma ocupação de 1,5 m2 de área (SEABRA, 2010). Assim como os outros projetos educacionais pós-CIEPs já citados, esse projeto também teve o sistema pré-moldado adotado, como observa Henriques (2005): Como o programa necessitava de uma rápida execução, o sistema construtivo adotado utilizou estruturas metálicas com perfis soldados do tipo I, laje pré-moldada de concreto (em alguns casos foram utilizadas lajes com forma metálica incorporada), cobertura metálica esquadrias de alumínio e gradis pré-fabricados. (HENRIQUES, 2005, p.67)

Foto 75: Creche Rachel de Queiroz. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.

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A edificação das Escolas Padrão possui áreas de 1700 a 2500 metros

quadrados, e foi pensada para que as escolas estivessem voltadas para dentro do lote (como um pátio), mantendo sua relação com o ambiente externo através de suas grandes janelas, sendo seu acesso principal sempre sendo direcionado ao centro da edificação. As edificações contam com espaços de vídeo, leitura, lazer, esporte e informática. Castro (2009) destaca que esta é uma solução arquitetônica que aumenta o sentimento de pertencimento de seus alunos, visto que a edificação propicia a integração do edifício com seu entorno de forma positiva, permitindo que a população a qualifique pela expressão de sua arquitetura.

Seguindo essa linha, desde 2003 a prefeitura de São Paulo vem de-

senvolvendo uma política educacional que chama atenção: os Centros Educacionais Unificados: CEUs. Esse projeto também retoma o pensamento de Anísio Teixeira, mas ao contrário do projeto arquitetônico dos CIEPs, seu projeto permite mais flexibilidade enquanto à implantação nos diferentes territórios. A concepção de seu projeto teve como objetivo a educação infanto-juvenil integral, de forma que no mesmo local que atividades relacionadas à educação pudessem ser também implantados equipamentos e serviços para a comunidade. BEI (2004) discorre sobre o conceito do projeto ter como base as “pracinhas” de periferias e cidades do interior como ponto de encontro da comunidade.

Fotos 76, 77 e 78: CEU Butantã. Fonte: VD Arquitetura. 2002.

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Reconhece-se uma base conceitual que, anterior à execução desses projetos, é de extrema importância para o entendimento da natureza e do alcance da intervenção: os CEUs, que apresentam a maturidade e o passo mais recente dentro de uma longa história de interação entre arquitetos e educadores. Desenvolveu-se uma metodologia para a localização dos equipamentos, definindo-os simultaneamente, como unidades locais de importância para o bairro e como uma ampla rede social organizada em escala metropolitana. Essa prática ilustra o pensamento de um urbanismo em rede, aplicado a São Paulo. (PADILHA; SILVA, 2004 p. 35)

O projeto dos CEUs conta com três blocos: o da creche, correspon-

dente ao cilíndrico, um para o ensino infantil e fundamental em forma retangular, com três pavimentos e por fim um bloco para atividades culturais e esportivas, também em forma retangular. Os CEUs também contam com uma escola de jovens e adultos, biblioteca, centro comunitário, salas de música, dança, rádio comunitária, orquestra, ginásio coberto, estúdios musicais, quadras, pista de skate e piscina, sendo todo espaço da escola aberto à comunidade até mesmo nos fins de semana.

Fotos 79: CEU Butantã. Fonte: VD Arquitetura. 2002.

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Figuras 38, 39, 40, 41 e 42: Projeto CEU ButantĂŁ. Fonte: VDArquitetura. 2002.

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Figuras 43: Croqui CESA Jardim Santo André. Fonte: Brasil Arquitetura. 2003.

No município de Santo André também podemos encontrar

outro projeto que uniu políticas públicas, pedagogia e arquitetura escolar de forma a atender as necessidades da comunidade e, consequentemente, transformar seu território, concebidos pelo prefeito Celso Daniel e a Secretária de Educação e Formação Profissional – Cleuza Repulho. Os Centros Educacionais de Santo André (CESAs) foram concebidos na periferia do município de Santo André, territórios mais distantes do Centro e do emprego, mais frágeis sob o aspecto sócio ambiental (figura 44) (XAVIER, 2014). A premissa do programa de Educação Integral busca aumentar o tempo do aluno na escola, sem que necessariamente o aluno passe este tempo dentro da sala de aula, com atividades extra-curriculares e complementares à grade curricular, se utilizando dos espaços cheios e vazios do edifício e da praça em que foram concebidos. A concepção original se buscou resolver um problema histórico na cidade com o domínio do poder paralelo nos Centros Comunitários. Os CESAs, então, traziam para dentro do equipamento o Centro Comunitário, além das áreas da Creche e do Ensino Fundamental, de forma que ele fosse incorporado às políticas públicas, com atividades de Educação, Esporte, Lazer e Cultura, em períodos diferentes do dia e no fim de semana.A consedquencia desta ação transversal é que, durante o período da administração progressista, Escola e prça tinha grade completas com atividades que se cruzavam em tempo integral, administrados por diferentes Secretarias da Prefeitura de Santo André (XAVIER, 2014).

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Foto 80 Fonte: B


0: CESA Jardim Santo André. Brasil Arquitetura. Sem data.

Figuras 44: Localização dos CESAs em Santo André/Plano Diretor/Zoneamento. Fonte: Xavier, 2014.

Foto 81: CESA Jardim Santo André. Fonte: Brasil Arquitetura. Sem data.

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Foto 82: CESA Jardim Santo André. Fonte: Brasil Arquitetura. Sem data.


Foto 83: Aluns no pรกtio do CIEP. Fonte: Nilma Ramos Ximenes, acervo pessoal. Sem data.


Entrevistas


3.1 – Leonel Brizola Neto Entrevista realizada no dia 04/09/2020

Para compreender melhor o cenário político da época em que os CIEPs foram implantados na década de 1980

até os dias atuais, conversei com Leonel Brizola Neto, neto de Leonel Brizola e que atua como Vereador do Rio de Janeiro. Ele pontua o cenário político adverso nos anos que se seguiram à ditadura militar e sobre a dificuldade em se implantar escolas de qualidade que eram e são ainda taxadas de “escolas para pobres”. Brizola Neto (2020) comenta também que a grande questão do projeto arquitetônico dos CIEPs era sua construção rápida, que, em quatro meses, era possível montar os três prédios e o valor estimado para a construção dessas escolas era de dois milhões e duzentos mil dólares (data base de 1983), dinheiro esse que não era contingenciado na Secretaria de Fazenda, mas diretamente no Programa Especial de Educação, fato que dá maior liberdade para construir essas escolas. Discorre também sobre a problemática da Educação Integral e sobre como Darcy Ribeiro quando tinha o cargo de Vice-Governador do Estado do Rio de Janeiro, agiu frente a essa necessidade, contratando mais de quarenta mil professores. Brizola Neto (2020) coloca também sobre as necessidades sociais das crianças que eram atendidas pelos professores, que recebiam constantes cursos e treinamentos de capacitação, para lidar com as diferentes realidades de cada criança.

Nos dias atuais, Brizola Neto (2020) ressalta que o “mínimo constitucional virou o máximo de aplicação” na

Educação, ao falar sobre a falta de construção de escolas na cidade do Rio de Janeiro em 2019. Brizola Neto (2020) fala também sobre as escolas cívico-militares, que são escolas “divorciadas” de toda a rede, demonstrando assim a falta de um projeto educacional e uma falta de programa de Educação. A realidade é que no ano de 2020 não há um projeto de fato – como foi o Programa Especial de Educação – mas sim experiências dentro das Secretarias de Educação que se pulverizam a cada mudança de gestor, ou as vezes não há continuidade dentro delas, o que se torna um entrave no desenvolvimento na escola pública integrada como um todo, revelando que não há sequer a discussão sobre a implementação do ensino integral nas escolas públicas cariocas.

124


3.2 - Nilma Ramos Ximenes Entrevista realizada no dia 25/10/2020

Para compreender melhor o cenário pedagógico das escolas públicas do Rio de Janeiro foi necessário buscar informações sobre a realidade

em profissionais que atuam nessas escolas. Durante 50 anos de profissão, Nilma trabalhou em diversas escolas públicas do Estado, tendo atuado em diferentes momentos de políticas públicas e em diversas etapas de ensino: Educação Fundamental e Educação para Jovens e Adultos com necessidades especiais. Hoje ela atua no CIEP Doutor Adelino da Palma Carlos, no bairro da Praça Seca, na cidade do Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro.

Como sua principal ação para construção de conhecimento, Ximenes (2020) prioriza a troca de experiências e investimento nas potencialidades

e possibilidades individuais, através do trabalho com projetos de inserção na realidade e cultura local, complementando que para todos os profissionais que atuam na escola, espera-se a oferta de formação continuada, programas de atualização pedagógica, troca de experiências com outros grupos educacionais, valorização profissional e garantia dos direitos, de forma que o trabalho pedagógico possa se fortalecer. Em relação às demandas sociais dessa escola, Ximenes (2020) afirma que em primeiro lugar, deve estabelecer local de acolhida dos estudantes, oferecendo uma formação ideal e, na medida do possível, ampliando os horizontes culturais. Desta forma se busca trazer a família do educando para um novo lugar, em que a Educação traz a possibilidade de ascensão social, inserção no contexto da vida e, sobretudo, o exercício da cidadania, com usufruto dos direitos e cumprimento dos deveres. Ximenes (2020) sofre com os entraves da violência local dizendo que “em nossa região, a violência sempre foi uma constante. Mesmo durante a pandemia, aconteceram alguns saques à escola e muitos conflitos nos arredores. Ultimamente, os confrontos entre milicianos e traficantes, se intensificaram, cerceando o direito dos moradores, que se veem reféns dos dois grupos. Houve alteração para pior.”

Ximenes (2020) discorre que, para o aluno que se forma e o que se deseja formar, que os professores conscientes, que se empenham por uma

Educação de qualidade para todos, sempre desejam formar um aluno que, “inserido em sua comunidade, se comprometesse e contribuísse para o bem coletivo, que tivesse resiliência, senso de justiça e solidariedade, sendo um articulador na busca de soluções. Um aluno que soubesse se posicionar perante a vida, porque lhe foram oferecidos instrumentos de formação e informação, com visão prospectiva de vida.” Ximenes (2020) complementa ainda que hoje, lamentavelmente, há poucas condições de um trabalho realmente nesta linha. Começando pelo excessivo número de alunos por turma, passando pela falta de estrutura de muitas escolas, carência de recursos humanos e propostas absurdas da Secretaria de Educação, que fogem da condição da escola absorver. A falta de autonomia dos gestores é um agravante e, em alguns casos, a desmotivação de certos professores.

125


Foto 84: Aluno com bandeira do Brasil. Fonte: Nilma Ramos Ximenes, acervo pessoal. Sem data.


Estudos de Caso


4.1 – CIEP Hermes LimaSão Paulo

O CIEP Hermes Lima, construído durante o segundo Go-

verno Leonel Brizola, localizado em um local de altíssima vulnerabilidade social, no município de Duque de Caxias na Baixada Fluminense, no bairro Jardim Gramacho. Território onde durante 35 anos funcionou o Aterro Controlado, operado pelo Governo do Estado desativado em 2012 por estar próximo de seu limite de utilização. (BURITY; DAMASCO; GIANELLA, 2019)

O local do Aterro situa às margens da Baía de Guanaba-

ra e ocupava uma área de 1,3 milhão de metros quadrados. Em 1976 foi implantado como aterro sanitário, e devido ao descaso do poder público (das classes dominantes que se apropriaram dele) com o local, a área se tornou um lixão em uma área extre-

Foto 85: Moradores Jardim Gramacho. Fonte: Ariel Subirá. Dez/2017

mamente frágil sob o aspecto socioambiental (em um mangue), sendo considerado o maior aterro da América Latina. A partir da pressão popular e ações do Ministério Público, esse aterro foi transformado em aterro controlado, o que permitiu a presença de catadores de lixo durante seus anos de funcionamento. Dessa forma, a renda dos moradores desse bairro era proveniente da garimpagem de lixo. A fonte de renda da maior parte dos moradores desse local se finda então juntamente com o fim das atividades do aterro.

128

Foto 87: Crianças no Aterro. Fonte: Ariel Subirá. Dez/2017


Com o fim das atividades no loca, a rotina dos catadores, outrora permeada pela garimpagem de lixo, expostos na área de vazamento, perdeu o sentido e necessitou do apoio do poder público, através de politicas específicas, para ser reinventada dentro de uma sobrevivência que, além de extinguir as relações estabelecidas anteriormente, garantisse o seu reposicionamento laboral de forma a assegurar o sustento da família. (BURITY; DAMASCO; GIANELLA, 2019, p.

O CIEP Hermes Lima é uma escola que se destaca por ser um

convênio da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro (SEEDCUC) com o Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e oferece ensino de Foto 86: Moradora Jardim Gramacho. Fonte: Ariel Subirá. Dez/2017

horário integral. O projeto de ensino dessa escola possui ênfase no ensino das disciplinas de física, informática e nas línguas inglesa e turca. Em sua infraestrutura podemos observar que é um CIEP que possui piscina, característica que pode ser observada em CIEPs construídos durante o segundo Governo Brizola.

O CIEP Hermes Lima se enquadra na categoria de CIEP de

quarteirão próprio e podemos observar que o bairro se formou a partir desse equipamento. Ele fica a uma distância de 25,4 km do Centro do Rio de Janeiro e a 7,3 km do Centro de Duque de Caxias, próximo da Rodovia Washington Luís (BR-040), também conhecida como Rio-Petrópolis (figura 45). Em seu entorno imediato, notamos a presença de empresas e serviços. Foto 88: Moradores Jardim Gramacho. Fonte: Ariel Subirá. Dez/2017

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Figura 45: Diagnóstico Área Jardim Gramacho. Fonte: Prefeitura de Duque de Caxias, adaptado pela Autora. Ago/2020.

Legenda CIEP 218 Ministro Hermes Lima Rodovia Aterro Desativado Aterros Ilegais Educação Assistência Social Unidades de Saúde Áreas de Escorregamento Terreno Sujeito à Inundação

130

Terreno Potencial para Intervenção


Em relação à mobilidade há um ponto de ônibus em frente à escola, sendo atendido apenas pela linha 16 –

Jardim Gramacho – Hospital Duque de Caxias, o que torna obrigatório realizar quase todas as rotas com dois ônibus. Uma rota do CIEP Hermes Lima até o Centro do Rio de Janeiro, por exemplo, seria necessária a utilização de dois ônibus, totalizando um tempo aproximado de 60 minutos para chegar no Castelo. Outra opção é caminhar 10 minutos e pegar o ônibus na rodovia, local melhor abastecido de linhas de ônibus. Ainda assim, podemos constatar que é um local com pouca opção de mobilidade. Nesse território também encontramos situações preocupantes como áreas de aterros ilegais (vestígios das atividades econômicas que empregam famílias no território, ainda que com remuneração parca, que ocorriam anteriormente no local, que foram interrompidas no encerramento do aterro), terrenos sujeitos a inundação e áreas de escorregamento. Da mesma forma, há a presença de unidades de Saúde e Educação.

Ao combinarmos esses fatores, podemos perceber que essa é uma região carente de atenção e que um equipamento como o

CIEP, que possui infraestrutura e espaço, junto com políticas públicas adequadas e os conceitos de Escola-Parque, pode ser de grande proveito para a população afim de realizar a transformação do território a partir da apropriação desse equipamento pela comunidade.

Foto 89: CIEP Hermes Lima. Fonte: Google Street View. 2020.

131


Podemos perceber que se perdeu a oportunidade em se im-

plantar um programa de reciclagem e de Educação Ambiental neste território, questão que poderia ter sido trabalhada com o aterro em funcionamento. Esta ação não serviria para o aumento da produção de lixo, mas para a redução da geração de resíduos secos e úmidos (MORENO; XAVIER, 2019), com programas de Formação Social, Educação Ambiental, reciclagem e reutilização de resíduos, compostagem, nutrição, etc., que poderiam ter sido trazidos para a grade de ensino do CIEP Hermes de Lima, articulados como um “planejamento insurgente” (MIRAFTAB, 2009), a partir da realidade dos moradores (com a participação deles na concepção), podendo se desdobrar e desenvolver programas que auxiliassem na formatação de políticas públicas, que inferissem positivamente nas dimensões sociais, econômicas, urbanas e ambientais, que auxiliassem na geração de renda dos moradores deste território, replicáveis para as outras regiões do Rio de Janeiro.

Foto 90: CIEP Hermes Lima. Fonte: Google Earth. 2020.

132


Foto 91: CIEP Hermes Lima. Fonte: Google Street View. 2020.

Foto 92: CIEP Hermes Lima. Fonte: Google Street View. 2020.

Foto 93: CIEP Hermes Lima. Fonte: Google Street View. 2020.

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4.2 – CIEP José Pedro Varela 2020

O CIEP José Pedro Varela, construído durante o primeiro

Governo Leonel Brizola, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, está cercado de equipamentos culturais e serviços. Por se localizar no centro da cidade, seu território já está consolidado e melhor estruturado.

O centro da cidade do Rio de Janeiro, é o local onde a po-

pulação inicialmente se concentrou e expandiu, a maior parte da população do Século XVIII se localizava nesse território, com exceção e algumas moradias rurais. (MULTIRIO, 2020) Por isso, é o primeiro território da cidade a se consolidar e se modificar. É no Centro que estão localizados o maior número de atividades culturais e econômicas da cidade.

Em relação a mobilidade, o CIEP José Pedro Varela conta

com um ponto de ônibus em frente ao seu prédio principal, de entrada, onde há grande demanda de linhas para todos os campos da cidade. O local é bem movimentado por se localizar próximo de empresas que permitem que garantem alta rotatividade no local nos dias de semana. Aos finais de semana a rua do Lavradio conta com diversos comércios como bares e restaurantes, lojas, antiquários e onde funciona há mais de 20 anos a tradicional Feira do Lavradio.

Foto 94: CIEP José Pedro Varela. Fonte: Walter Pereira. Mar/2019.

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O CIEP, contudo, é desarticulado da cidade. Podemos ob-

servar na foto 95, que apesar de seguir o projeto padrão, contando com seus elementos espalhados no terreno, seu único acesso se encontra tímido na rua do Lavradio. O terreno amplo também é mal aproveitado, cercado por ruas onde não há atividades e pela Catedral do Rio de Janeiro. Em seu terreno podemos observar também que uma quarta edificação foi construída para atender à demanda da região, sem qualquer relação com os outros elementos do CIEP.

Esse espaço, se articulado com a cidade juntamente com a

implementação políticas públicas de incentivo à Saúde, Cultura, Esporte, Lazer e Educação tem grande potencial para ser apropriado pela população. Ainda que a oferta de serviços gerais seja grande nesse território, se observarmos a densidade populacional desse território e o próprio fato de uma outra construção estar ocupando o território para satisfazer a demanda, percebemos que o equipamento tem a capacidade de promover a mobilidade social da população que se utiliza dele a partir da apropriação.

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Fo Fo

Fo Fo

Foto 95: CIEP JosĂŠ Pedro Varela. Fonte: Google Earth. 2020.

136

Fo Fo


oto 96: CIEP José Pedro Varela. onte: Google Street View. 2020.

oto 97: CIEP José Pedro Varela. onte: Google Street View. 2020.

oto 98: CIEP José Pedro Varela. onte: Google Street View. 2020.

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4.3– CIEP Doutor Joaquim Pimenta2020

O CIEP Doutor Joaquim Pimenta foi construído durante o

primeiro Governo Leonel Brizola, e se localiza no bairro de Curicica, em Jacarepaguá. O bairro sofre com a ausência de equipamentos e serviços públicos.

A primeira ocupação desse território se deu com engenhos

de cana-de-açúcar e somente em 1952, com a inauguração do Complexo Sanatorial Raphael de Paula Souza (Sanatório de Curicica), houve a atração de moradores para a região (DATARIO, 2020). O início da urbanização do bairro ocorreu em 1957, com o loteamento realizado pela Cia Imobiliária Curicica. A partir de 1995, com a inauguração dos Estúdios Globo, se inicia a maior procura pelo bairro (DATARIO, 2020). O bairro é composto em maior parte por residências e sua população abastece os bairros adjacentes com força de trabalho.

O território do CIEP Doutor Joaquim Pimenta, em particu-

lar, apresenta a falta de serviços públicos. A mobilidade se caracteriza por ônibus e BRT, sendo o ponto de ônibus mais próximo da escola localizado a 1,2 km – 16 minutos a pé – e a estação de BRT mais próxima a 2,5 km – 21 minutos a pé. Suas quadras são densas, compostas por moradias, praças e quadras esportivas. Podemos destacar também que o equipamento de saúde mais próximo se localiza a 2,1km da escola.

Foto 99: CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Google Earth. 2020.

138


Foto 100: CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.

139


O CIEP conta com todos os elementos do projeto padrão

(desenvolvido por Oscar Niemeyer, em 1983), que ocupam a maior parte do terreno. Os moradores desse território, devido à ausência de espaços de qualidade, se apropriam da rua como observado na foto 102 e também do espaço do CIEP. Podemos constatar esse fato quando observamos que algumas partes do CIEP possuem cercamento em tela de alambrado e outras não, pois foram retirados pela própria população. Ainda que não seja aberto aos finais de semana, com atividades incorporadas como políticas públicas do município ou do Estado, que beneficiassem a comunidade, como ocorria no CESAs (2001), as pessoas se utilizam desse equipamento para realizarem suas atividades, como por exemplo, no uso da quadra, para praticar esportes e o espaço livre da escola para realizar todo tipo de atividade, como soltar pipa e passear com o cachorro. Dessa forma, se políticas públicas de qualidade fossem implantadas nesse território, já apropriado pela população, certamente poderíamos observar uma transformação em todos os indicadores socioeconômicos nesse território.

Foto 101: CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Google Earth. 2020.

140


Figura 46: CIEP Doutor Joaquim Pimenta Equipamentos Entorno. Fonte: Cultura Educa adaptado pela autora, 2020.

141


142

Foto 102: CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.


Foto 103: CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.

143


4.4– Análise de Indicadores2020

Foram escolhidos três CIEPs para análise, dada a diferenciação que há entre os territórios em que estão

localizados, o espaço ocupado e a distância em relação ao Centro do Rio de Janeiro.

Área Atendida

CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varela

N

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

N

N

Figuras 47, 48 e 49: Mapa de área atentida pela escola. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

O CIEP Hermes Lima está localizado O CIEP José Pedro Varela se localiza Através de uma análise comparativa

no bairro Jardim Gramacho, a 25,4 Km no centro da cidade do Rio de Janeiro territorial entre os três CIEPs, observa-

do Centro do Rio de Janeiro, próximo e possui uma localização privilegiada mos que o CIEP Dr. Joaquim Pimenta

a um aterro sanitário, que funcionou com bastante equipamentos culturais apresenta a maior abrangência de área de 1976 à 2012.

e serviços.

atendida seguido pelo CIEP Hermes Lima e o CIEP José Pedro Varela.

Pode-se constatar que todos atendem a uma população fora do seu raio de 500m (mobilidade considerada

para um percurso feito a pé), fator esse que está diretamente ligado a necessidade de utilização de transporte público para chegar até a escola.

144


a

-

a

a

s

CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varella

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

5,24 6940 22221 3,2 20

4,15 20527 43570 2,12 105

7,66 11769 36907 3,14 42

Área em km² Número de domicílios Número de moradores Média de moradores por domicílios Número de setores censitários Figura 50: Tabela de identificação do território. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

Entorno

Podemos observar que o CIEP Hermes Lima possui menor número de domicílios ao mesmo tempo que

apresenta maior média de moradores por domicílio em menor número de setores censitários. O CIEP Hermes Lima também possui o menor número de moradores. O CIEP José Pedro Varela, por sua vez, apresenta o maior número de domicílios moradores e setores censitários e a menor média de moradores por domicílio. O CIEP Dr. Joaquim Pimenta é o que apresenta maior área de abrangência, possui o segundo maior número de domicílios, moradores por domicílio e números censitários. A diferença entre os números apresentados acontece por causa de sua posição territorial, oferta de serviços públicos, infraestrutura pública e empregos. No CIEP Hermes Lima, localizado em uma área onde predomina a ausência de muitas políticas públicas sociais, apresenta maior média de moradores por domicílio e o menor número deles, quando analisados podemos perceber que seu território está em péssimas condições para habitação, com lixos por toda área e moradias precárias.

Já o CIEP José Pedro Varela encontra-se uma região central da cidade, cercada por oferta de serviços pú-

blicos e infraestrutura pública maior, o que pode caracterizar a pouca abrangência em quilômetros quadrados de área atendida pela escola, uma vez que os serviços, como escolas, por exemplo estão abundantes. Deve-se ressaltar que ter um serviço disponível não quer dizer que esse seja de qualidade e atenda à população.

O CIEP Dr. Joaquim Pimenta se localiza em uma área onde os serviços estão muito distantes do local da

residência, logo sua população do entorno sofre com essas ausências. Esse pode ser o fator determinante desta escola ser a que abrange a maior área em km2.

145


População

CIEP Hermes Lima2 0

Figura 51: Pirâmide Etária – População Residente CIEP Hermes Lima. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

No território do CIEP Hermes Lima podemos observar que entre os homens de 10 a 14 anos houve uma diminuição de expectativa de vida, enquanto entre as mulheres houve um aumento, isso pode caracterizar que entre os homens houve menor taxa de natalidade se comparado as mulheres, quando observarmos, a quantidade do crescimento entre os homens. Também pode-se perceber a diminuição na taxa de fecundidade ao observarmos os dados entre taxa de natalidade e mulheres em idade reprodutiva, considerando a faixa entre 15 a 45 anos. Se observarmos o topo da pirâmide verificamos que seu estreitamento caracteriza maior expectativa de vida entre as mulheres e baixa em relação aos homens, o que pode ser causado pela ausência de serviços, infraestrutura e emprego e o consequente aumento da criminalidade. A população economicamente ativa decresce e diminui entre 24 e 34 anos.

146


População

CIEP José Pedro Varela

Figura 52: Pirâmide Etária – População Residente CIEP José Pedro Varela. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

No território do CIEP José Pedro Varela observamos que a população é jovem e que a taxa de natalidade diminui para ambos os gêneros. A quantidade de crescimento diminui, quando comparada a pirâmide do CIEP Hermes Lima. A taxa de fecundidade é consideravelmente maior ainda que diminua o longo do tempo. Em relação à taxa de mortalidade podemos observar também que entre os homens é maior, bem como a expectativa de vida entre mulheres se comparado com a pirâmide do CIEP Hermes Lima, e A taxa de mortalidade menor.

147


População

CIEP Doutor Joaquim Pimenta0

Figura 53: Pirâmide Etária – População Residente CIEP Doutor Joaquim Pimenta. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

No território do CIEP Dr. Joaquim Pimenta podemos observar que sua população apresenta dentre o maior número de jovens, embora também apresenta um decréscimo em sua taxa de natalidade. Também concentra os maiores números de população economicamente ativa e a expectativa de vida, o que pode ser interpretado pela sua melhor localização territorial (maior infraestrutura pública produzida, maior quantidade de serviços, maior quantidade de empregos e menor mobilidade pendular. As características censitárias entre os três CIEPs são semelhantes na proporção maior de mulheres da pirâmide etária.

148


Os gráficos de raça de cada território dos CIEPs se analisados

CIEP Hermes Lima

em conjunto, confirmam que em

áreas mais vulneráveis socialmente há maior presença de população parda e negra, ainda que

Raça/Cor

muitas pessoas não se declaram como tal. O território que apresenta maior vulnerabilidade social é o do CIEP Hermes Lima, sendo esse o que apresenta maior número de população parda e negra, correspondente a 64,8% da popu-

CIEP José Pedro Varela

lação total. No CIEP Dr. Joaquim Pimenta essa porcentagem é de 59,1% enquanto no CIEP José Varella é de 39,1%.

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Figura 54, 55 e 56: Gráficos de raça/cor de cada território Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

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Renda

CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varela

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Figura 57, 58 e 59: Gráficos de Classes de Rendimento Nominal Mensal Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

150


O salário mínimo hoje (2020) no Brasil é R$ 1045 e em 2010 era de R$ 510. Os gráficos relacionados dizem

respeito à 2010. Hoje teríamos outra dimensão da realidade (mais precária) em função da crise de oferta e demanda que vivenciamos, agravada pela pandemia.

No território do CIEP Hermes Lima a maior parte da população não possui rendimento e a maior faixa de renda

se encontra entre 1/2 e 2 salários mínimos, bem próximos dos dados que encontramos no Relatório da Desigualdades produzidos pela OXFAM (2017). O que pode significar que em uma casa com aproximadamente 3 pessoas vivem com uma renda mínima de R$ 522,50 e máxima de R$ 2090 por mês em uma área carente de serviços. Deve-se ressaltar que o número de mulheres é expressivo até a faixa de um salário mínimo, se tornando menor conforme a renda aumenta. Nesse território encontra-se a menor concentração de renda de todos os três territórios analisados, apresentando, pois, maior fragilidade sob o aspecto socioambiental.

No território do CIEP José Pedro Varella, encontra-se a população que possui a maior renda entre os territórios

analisados. A população sem rendimento ainda é expressiva, porém é interessante notar que a população de mulheres se evidencia em relação a de homens, mesmo quando se equipara, a diferença não é expressiva. Ainda assim decai conforme o nível de renda aumenta. A maior parte da população se enquadra na faixa de 1 a 2 salários mínimos e boa parte da renda encontra-se entre 2 a 10 salários mínimos.

A população que se enquadra no território do CIEP Dr. Joaquim Pimenta apresenta características semelhantes

ao CIEP Hermes Lima com concentração de renda entre ½ a 1 salário mínimo sendo a maior concentração de renda encontra-se entre os homens. Como ao CIEP Hermes Lima se localiza em um território mais distante do Centro e do emprego, o impacto da renda é maior dado o gasto de tempo com mobilidade, ausência de serviços públicos e diminuição de ofertas de empregos no território.

151


Renda

CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varela

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Figura 60, 61 e 62: Gráficos de Classes de Rendimento Nominal Mensal Domiciliar. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

152


Analisando os três CIEPs e cruzando com os dados analisados anteriormente relativos à renda, pode-se per-

ceber que a maioria da população dos três territórios possui sua renda majoritariamente concentrada entre 1/2 e 2 salários mínimos.

É interessante observar a disparidade entre os territórios neste aspecto pois o território mais vulnerável, do

CIEP Hermes Lima, consegue avançar no máximo de 5 a 10 salários, no CIEP Dr. Joaquim Pimenta o número avança, porém, em minoria absoluta, tendo sua concentração em 1/2 a 2 salários mínimos. Já o CIEP José Pedro Varella possui um número muito maior de rendimento nominal mensal se comparado aos outros territórios. Como este território é melhor localizado em relação ao Centro e ao emprego há uma maior quantidade de serviços públicos o que acarreta um comprometimento menor da renda, favorecendo ainda mais a situação dos moradores deste território.

153


CIEP José Pedro Varela

Alfabetização

CIEP Hermes Lima

Figura 63, 64 e 65: Tabelas de Alfabetização. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

154

CIEP


P Dr. Joaquim Pimenta

No território do CIEP Hermes Lima, o número de alfabetizados do sexo femini-

no é maior, com exceção na faixa de 25 a 29 anos e 65 a 69 e 75 a 79 a taxa de não alfabetizado entre homens é maior nas faixas de 5 a 44 anos e maior entre as mulheres de 45 a + 80.

No território do CIEP José Varella a quantidade de mulheres alfabetizadas tam-

bém é maior. Podemos perceber também que a densidade populacional de pessoas é maior e o número se torna expressivo a partir dos 25 anos, demonstrando que sua população é adulta e idosa (em sua maioria). Em relação aos alfabetizados pode-se perceber o mesmo padrão. O número de não alfabetizados é maior entre os homens.

O CIEP Dr. Joaquim Pimenta segue o padrão dos outros: mulheres mais alfabe-

tizadas e homens mais analfabetos. O número varia em função da densidade, demanda e área atendida. Talvez isso explique pela necessidade em se priorizar o trabalho ante à Educação ainda que esta infira positivamente na renda, como observamos no CIEP José Varella e nos indicadores de privação elaborados por Eduardo Marques (1991).

155


Matrículas por Etapa de Ensino

CIEP Hermes Lima

Escola CIEP Hermes Lima

Etapa de Ensino

Ensino Médio Educação Infantil - Pré-escola Ensino Fundamental - Anos Iniciais CIEP José Pedro Varela Ensino Fundamental - Anos Finais Educação de Jovens e Adultos - Ensino Fundamental CIEP Dr. Joquim Ensino Fundamental - Anos Iniciais Ensino Fundamental - Anos Finais Pimenta

CIEP José Pedro Varela

CIEP Dr. Joaquim Pimenta Figura 66, 67 e 68: Tabelas de Alfabetização. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

156


o

Os três CIEPs apresentam o número de matrículas e etapas de ensino diferentes. Se con-

No. Matrículas

siderarmos que cada CIEP foi pensado em atender 1000 crianças em cada unidade com

262 115 355 66

ensino integral, o que mais se aproxima desse modelo esse número é o CIEP Hermes Lima,

211

Fundamental. Os outros dois CIEPs ainda apresentam capacidade baixa próximo daquilo

204 478

ser utilizado no período noturno com alfabetização de Jovens e Adultos, cruzando com os

situado no território mais frágil. Entretanto, esse o CIEP Hermes Lima conta com uma construção em seu terreno para comportar mais salas de aula. Devemos considerar também que inicialmente o projeto dos CIEPs foram pensados para atender somente Ensino que foi pensado como modelo de ensino. Podemos ressaltar também que o espaço pode dados já apresentados – sobretudo de mulheres.

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Matrículas por Etapa de Ensino

Responsáveis Não alfabetizados CIEP Hermes Com até 18 anos Lima Sem rendimento Rendimento até 1SM

N. 4167 292 25 352 940

Responsáveis Não alfabetizados CIEP José Com até 18 anos Pedro Varela Sem rendimento Rendimento até 1SM

N. 10044 93 69 506 792

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Responsáveis Não alfabetizados Com até 18 anos Sem rendimento Rendimento até 1SM

N. 6602 257 50 318 1036

Homens

Homens

Homens

Mulheres

% 60 4,2 0,4 5,1 13,5

N. 2779 299 48 705 1144

% 48,8 0,5 0,3 2,5 3,8

N. 10522 165 67 1031 1637 Mulheres N. 5167 312 69 929 1690

% 56,1 2,2 0,4 2,7 8,8

Figura 69: Tabela de Renda x Alfabetização. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

158

Mulheres

% 40 4,3 0,7 10,1 16,5

N. 6946 591 73 1057 2084

% 51,1 0,8 0,3 5 8

N. 20576 268 136 1537 2429

% 43,9 2,7 0,6 7,9 14,4

N. 11771 571 119 1247 2726

Total

Total

Total

% 100 8,5 1,1 15,2 30 % 100 1,3 0,7 7,5 11,8 % 100 4,9 1 10,6 23,2


O território do CIEP Hermes Lima possui o maior número de responsáveis homens. Em relação aos não alfa-

betizados, o maior número está entre as mulheres, porém é uma diferença pequena. Em relação aos responsáveis com até 18 anos, o número maior está entre as mulheres, caracterizando quase o dobro em relação aos homens. No tocante à taxa de sem rendimento, as mulheres estão em maior número e possuem número maior em rendimento até um salário mínimo. Podemos observar a relação estreita que há entre um alto índice de não alfabetização com a renda, o que revela um alto índice de risco social, revelado pelo baixo rendimento – o maior dos três CIEPs relacionados.

O território do CIEP José Pedro Varella possui maior número de mulheres responsáveis e não alfabetizadas, ren-

dimento e com rendimento até um salário mínimo. O número que se diferencia é na taxa de até 18 anos. Podendo-se perceber os maiores índices entre as mulheres. Há uma relação estreita entre a localização (próximo do Centro) e a redução da taxa de não alfabetização, que reflete na diferenciação da renda (maior dos três).

No território do CIEP Dr. Joaquim Pimenta, os maiores números de não alfabetizados estão também entre as

mulheres. O índice de não alfabetizados deste CIEP está entre os anteriores, mas, assim como o CIEP Hermes Lima, revela um território frágil sob o aspecto econômico, com 33,8 % das famílias ganhando até 1 salário mínimo.

159


Características dos Domicílios

Casas Apartamentos

Sem abastecimento de água por rede geral Sem banheiro ou sanitário Sem lixo coletado Sem energia elétrica

CIEP Hermes Lima Domicílios Moradores N. % N. % 6685 96,3 21453 96,5 95 1,4 305 1,4

CIEP José Varella Domicílios Moradores N. % N. % 1560 7,6 4397 10,1 17756 86,5 36874 84,7

CIEP Dr. Joaquim Pimenta Domicílios Moradores N. % N. % 10895 92,6 34561 93,7 736 6,3 1986 5,4

2475

35,7

7895

35,5

69

0,3

162

0,4

51

0,4

178

0,5

17 512 5

0,2 7,4 0,1

42 1842 10800

0,2 8,3 0,1

4 79 8

0 0,4 0

9 147 20199

0 0,3 0

6 112 5

0,1 1 0

13 383 17551

0 1 0

Figura 70: Tabela de Renda x Alfabetização. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

No território do CIEP Hermes Lima, a maior parte dos domicílios são casas, o que denota um espraiamento de urba-

nização e uma densidade menor do território – característica de um bairro de periferia. O território deste CIEP apresenta um alto índice de ausência de domicílios sem abastecimento de água, o que pode incidir negativamente nos indicadores de saúde, seja pela probabilidade de acesso à água não potável como também possibilidade de contaminação. Ainda existem domicílios sem banheiro ou sanitário e sem lixo coletado numa área de lixão, o que agrava ainda mais o risco socioambiental deste território.

No território do CIEP José Pedro Varela a realidade é totalmente diferente: maior parte são apartamentos eviden-

ciado o aumento de densidade territorial. Nessa parte do território há também muitos sobrados, o que justifica a maior densidade populacional. Ainda possui 0,3% domicílios sem abastecimento de água e 0,4 % sem lixo coletado. – o Baixo índice de ausência de atendimento no abastecimento de água e de lixo e a alta densidade do local é característica de uma bairro mais central, melhor localizado com relação ao emprego, com maior infraestrutura urbana produzida, acesso a bens e serviços públicos e maior rede de mobilidade pública. Há neste sentido uma sobreposição de infraestrutura pública, bens e serviços públicos que favorecem a quem neste território se situa. No território do CIEP Dr. Joaquim Pimenta, assim como no território do CIEP Hermes Lima, encontramos maior parte de casas, o que denota um espraiamento de urbanização e uma densidade menor do território. Em contrapartida há um melhor atendimento no abastecimento de água e na coleta de lixo quando comparamos este território com o território do CIEP Hermes Lima, apresentando uma situação menos frágil sob o aspecto socioambiental.

160


Equipamentos

CIEP Hermes Lima Equipamento Bibliotecas Centro de Ciências Cinema CRAS Escolas Museus Pontos de Cultura Saúde Teatro

Quantidade 0 0 0 1 7 0 0 8 0

Mais próximo x x x 654 metros 827 metros x x 527 metros x

CIEP José Pedro Varela Quantidade 0 1 1 0 19 18 20 7 24

Mais próximo x 414 metros 679 metros x 827 metros 639 metros 16 metros 513 metros 344 metros

CIEP Dr. Joaquim Pimenta Quantidade 0 0 0 0 13 0 0 0 0

Mais próximo x x x x 535 metros x x x x

Figura 71: Tabela de Equipamentos. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

O CIEP José Pedro Varella é o mais abastecido de equipamentos em seu entorno, isso ocorre por causa de

sua localização (no Centro do Rio de Janeiro) e também por causa do histórico de ocupação de seu território, que remonta ao período colonial. Este dado evidencia o impacto positivo que isso causa em todos os outros indicadores socioeconômicos, destacando este território dos demais no quesito qualidade de vida.

O CIEP Hermes Lima possui equipamentos de saúde escola sendo ausentes os equipamentos de cultura –

um poderoso serviço público que transforma, assim como a Educação, a vida das pessoas.

No CIEP Dr. Joaquim Pimenta a ausência de equipamentos é grande - só há equipamentos de Educação.

Devemos ressaltar que boa parte dessas escolas é de ensino particular, o que caracteriza a restrição ao acesso e reafirma o alto índice de pessoas com renda menor no território.

161


CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varela

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Salas de aula existentes Salas de aula utilizadas Bibliotca e/ou Sala de Leitura Laboratório de informática Laboratório de ciências Quadra de esportes coberta Quadra de esportes descoberta Sala para a diretoria Sala para os professores Sala de atendimento especial Auditório Cozinha Pátio coberto Pátio descoberto Piscina Área verde Sanitário dentro do prédio da escola

12 12 Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

23 23 Sim Sim Não Sim Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Não Sim Sim

21 21 Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Não Sim Sim

Sanitário fora do prédio da escola

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim 20 1

Sim 10 3

Infraestrturua da Escola

Equipamentos da Escola

Dependências e vias adequadas a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida Internet/Banda larga Computador para uso dos alunos Computador para uso administrativo Figura 72: Infraestrutura das Escolas. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

162

Não Sim 2 2


O projeto original do CIEP contava com 24 salas de aula e estudos dirigidos, sala de tratamento odontológico

e atendimento médico. A diferença no número das salas pode ocorrer pelas transformações ocorridas durante tempo para necessidades diferentes, adequando à realidade do território.

Por exemplo, pode-se destacar o laboratório presente no CIEP Hermes Lima que possui menos salas e está

situado em um território mais vulnerável sob o aspecto socioambiental, sendo, pois, mais carente de serviços e infraestrutura pública. Este CIEP apresenta, por outro lado, Laboratório de Ciências, mas não apresenta Sala de Atendimento Especial. O pátio descoberto também se apresenta apenas neste CIEP – fundamental para a prática de atividades ao ar livre, com sol e fonte de vitamina D (importante para desenvolvimento dos ossos).

No caso da quadra descoberta presente no CIEP Dr. Joaquim Pimenta, ela não existe de fato, mas devido ao

fato de a população se apropriar do local aberto, pode ser que por isso que contabilizou como quadra aberta.

Dependências para pessoas com mobilidade reduzida vai de como a infraestrutura está colocada e como está

a conservação da escola. Há piscina em um dos CIEPs indicados, mas ambas estão desativadas.

A diferença na quantidade de computadores para uso dos alunos é expressiva. Se compararmos os 3 CIEPs, o

que se encontra com sua estrutura melhor revitalizada é o CIEP Hermes Lima.

163


Informações Complementares

Número de funcionários Fornece alimentação Total de alunos Alunos do sexo masculino Alunos do sexo feminino Estrangeiros Nascidos em Estado diferente da escola Utiliza transporte escolar público

CIEP Hermes Lima

CIEP José Pedro Varela

43 Sim

89 Sim

CIEP Dr. Joaquim Pimenta 73 Sim

262 122 140 0

4 (1.5%) 259 (98.8%)

747 394 353 2 (0.3%) 84 (11.2%) 701 (93.8%)

0

33 (4.4%)

23 (3.4%)

Não

Não

Não

Atendimento educacional especializado

Não

Não

Não

Abre no final de semana

Não

Não

Sim

Possui deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altar habilidades/superdotação Educação indígena

Figura 73: Tabela de Informações Complementares. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

164

682 354 328 0

83 (12.2%) 682 (100%)


A variação do número de funcionários em cada CIEP ocorre devido à variação de alunos em cada um e o número

de compartimentos existentes – destaque maior para o CIEP José Varella, o CIEP melhor localizado territorialmente. A alimentação fornecida pela escola é almoço e lance, dado extremamente importante sob o aspecto nutricional, sendo que muitos jovens só têm a refeição da escola como base nutricional dado o grau de vulnerabilidade demonstrado das famílias, sobretudo nos CIEPS Hermes de Lima e Dr. Joaquim Pimenta.

O CIEP José Pedro Varela é o único que apresenta alunos estrangeiros, esse fato pode ocorrer por causa de sua

localização mais privilegiada, próximo do Centro do Rio de Janeiro e do emprego.

O número de alunos que utilizam transportes públicos esbarra na questão da escola não conseguir atender ape-

nas aos 500 m de entorno, demonstrando uma fragilidade territorial que reduz a mobilidade e o acesso de muitos, seja pelo impacto do custo do transporte da renda ou pela dificuldade em se conciliar a disponibilidade do acompanhante do aluno à escola pelo cruzamento do horário com a necessidade de trabalho.

O item que considera se a escola abre ou não no final de semana toca na questão da apropriação do equipa-

mento público pelas pessoas. O CIEP Dr. Joaquim Pimenta não abre (de fato) para a população no final de semana, entretanto a população se apropria do território e o espaço da escola (com exceção do prédio principal e biblioteca) e esse foi o fato condicionante para ser considerado como aberto aos finais de semana. Este dado é extremamente importante pois o espaço público poderia ofertar atividades relacionadas a Esporte, Lazer, Cultura e Educação, bem como atividades complementares à grade de Ensino cruzadas às demandas territoriais, que possam inferir positivamente na mobilidade social das pessoas que habitam o território.

165


Nos três CIEPs da maior parte dos alunos

CIEP Hermes Lima

são negros ou pardos, sendo que grande parte não declara. Isto pode ser evidenciado no CIEP Hermes de Lima, onde há uma predominância maior de negros e pardos no território, mas que se igual aos números de

Raça

brancos e não declarados – no perfil do aluno. Mesmo no CIEP José Varella, onde a predo-

CIEP José Pedro Varela

minância de negros e pardos é de 39,1%, a utilização de negros e pardos é maior.

CIEP Dr. Joaquim Pimenta

Figura 74, 75 e 76: Gráficos de raça/cor de cada escola. Fonte: Censo 2010 – IBGE / culturaeduca.cc. Elaborado pela autora.

166


Após as análises, pôde-se delimitar situações de vulnerabilidade social através do cruzamento de dados de

Conclusão

distribuição de ofertas e serviços e das demandas sociais de cada território. Ainda que cada território apresente suas particularidades, em territórios mais vulneráveis, a presença de um equipamento que contém atividades voltadas para Educação, Esporte, Lazer e Cultura pode transformar o contexto urbano e os indicadores socioambientais em que esse equipamento está inserido e promover a mobilidade social das pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, a partir da apropriação. Isso pode ocorrer de forma que a partir dos dados coletados, sejam implementadas políticas públicas voltadas para cada território, de acordo com cada demanda. Essas podem ser políticas governamentais relativas - ao espaço construído – dizem respeito ao espaço urbano - juntamente com políticas sociais ”espacialmente organizadas” sendo essas relativas as políticas públicas tradicionais que envolvem Educação, Saúde e Cultura, esporte e lazer (MARQUES, 1991). Dessa forma o equipamento dos CIEPs, que possuem espaço de qualidade para que sejam implementadas essas politicas publicas , contextualizado em cada território pode contribuir para levar melhores condições de desenvolvimento socio-ambiental para o coletivo de pessoas que habita o território.

167


Foto 104: Alunos no CIEP. Fonte: Acervo pessoal da autora. Ago/2020.


Integração para quem?


Para resgatar os CIEPs como equipamentos de integração social nos

territórios que estão inseridos nos dias de hoje, é preciso adaptá-los à situação concreta de seu território, para serem utilizados para diversos fins, resgatando sua importância histórica no âmbito da Educação pública brasileira, para que se construa uma nova imagem como equipamento público de qualidade, visando envolver educandos, educadores e a comunidade do território onde estão inseridos.

Tendo em vista que cada território, e até mesmo os equipamentos,

possuem suas particularidades, a proposta de integração equipamento-território será realizada a partir do levantamento de hipóteses, baseado no programa e projeto dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), trazendo suas virtudes, uma vez que são equipamentos que, com a participação da comunidade, vêm transformado seus territórios a partir da apropriação de seus usuários.

Foto 105: CEU Heliópolis. Fonte: SME-SP. 2010.

Os CEUs são equipamentos de grande porte que agregam atividades

para a comunidade onde se insere e pode receber mais de 2400 alunos. O objetivo dessa escola não se concentra somente em ministrar aulas regulares, mas se estrutura pedagogicamente e fisicamente nos conceitos de Escola-Parque de Anísio Teixeira, trazendo consigo atividades extracurriculares como dança, esportes coletivos, lutas, xadrez, música, entre outros, que permitem a participação de todos os membros da comunidade (de diferentes idades) e não apenas os educandos e funcionários da escola. Essas atividades são definidas a partir de pesquisas, para verificar qual maior demanda da população.

170

Foto 106: CEU Heliópolis. Fonte: Amanda Malucelli Amatneeks. 2017.


Os CEUs estão abertos todos os dias. De segunda-feira a sábado, das 7h00 às 23h00 horas; aos domingos e feriados, das 8h00 às 20h00. Nos dias úteis, entre 7h00 e 18h00 horas, os equipamentos são utilizados exclusivamente por alunos do próprio CEU e das Unidades Escolares do entorno. E das 18h00 às 23h00, tem acesso ao CEU os jovens e adultos participantes de atividades de Educação de Jovens e Adultos – EJA, bem como aqueles inscritos do CEU em atividades do Centro Esportivo e Núcleo de Ação Cultural. Aos sábados, domingos, feriados e períodos de férias escolares, o CEU permanece aberto aos visitantes em geral, que poderão usufruir dos espaços e equipamentos para atividades programadas nas áreas cultural, esportiva e lazer. (SOARES, 2013, p.93)

Para melhor ilustrar como funciona a participação da comunidade no processo

de decisão nesses equipamentos, vamos utilizar como exemplo o CEU Heliópolis. O CEU Heliópolis foi conquistado pela comunidade, e construído em 2007, na gestão de Gilberto Kassab, através da mobilização dos moradores para que a prefeitura implantasse um equipamento que, por meio de uma gestão unificada, consolidasse em um só local, atividades e serviços que a comunidade carecia. A área do CEU antes de sua construção estava degradada e, em uma parceria entre a Escola Campos Sales, a comunidade e o arquiteto Ruy Ohtake, deu origem ao equipamento, a partir do diálogo com os moradores, afim de que suas necessidades e expectativas fossem atendidas.

171


A gestão colaborativa que esse CEU possuiu durante alguns anos é fru-

to de resistência e luta dos moradores para que suas carências mínimas de serviços e cidadania fosse, de alguma forma, garantida. Essa gestão conseguiu resistir a quatro governos diferentes, todavia, em 2020 seu modelo de gestão democrática e inovadora foi rompido, no governo de Bruno Covas, onde a equipe gestora do CEU Heliópolis foi exonerada, desrespeitando o diálogo entre comunidade e o poder público.

A primeira questão a ser levantada, quando falamos em transformação

de um território são as necessidades que ele possui. Perceber as ausências do território, as demandas sociais da comunidade e estabelecer diálogo com o poder público é o ponto chave. Essas mudanças vêm através da pressão da comunidade sobre o poder público para que uma gestão colaborativa seja implantada e que se conquiste autonomia na gestão de um equipamento desse porte.

A arquitetura é outro ponto importante nesse processo. No caso dos

CEUs, sua arquitetura varia de acordo com a localidade. Entretanto, como os CIEPs são equipamentos consolidados, será realizada uma análise de como os ambientes se comportam dentro do CEU Rosa da China para que possibilidades sejam levantadas a respeito da arquitetura dos CIEPs. O CEU Rosa da China se localiza na região leste de São Paulo, no distrito de Sapopemba. Em seu projeto pedagógico, o objetivo principal é orientar os alunos em questões de inclusão social e meio ambiente por meio de atividades ligadas ao esporte e artes. Foto 107, 108, 109 e 110: CEU Rosa de China. Fonte: Google Street View, adaptado pela autora. 2020.

172


[...] a população do Sapopemba é formada, predominantemente, por uma camada social de renda baixa, de pouca escolaridade (menos do que o ensino fundamental), concentrada em assentamentos precários (...), com baixo acesso a equipamentos culturais. (SOARES, 2013, p. 95)

Esse CEU está implantado em uma área de 19.000m2 e, devido a for-

ma do seu terreno, as escolhas de projeto foram definidas. O bloco cultural/ esportivo e de salas de aula são lineares e suas coberturas se encontram em virtude da topografia do terreno. Há ainda três piscinas e um edifício circular destinado à educação infantil. O conjunto possui 14.000 m2 de área construída e comporta 1.430 alunos entre Centro de Educação Infantil (CEI), Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) e Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF). (SOARES, 2013)

Nas plantas figuras 78 e 79, podemos observar que o volume retangu-

lar engloba a maior parte do programa arquitetônico. É importante ressaltar, que esse conjunto de edifícios se relaciona com seu entorno através de seu gabarito baixo, horizontal e permeável. Dentro dos edifícios, existe espaços vazios que permitem uma liberdade visual para os pedestres, com vista para os pátios cobertos. Seu acesso se dá por duas entradas: uma na rua Clara Petrela e outro na rua Rosa da China, utilizando transporte público, só é possível chegar ao CEU de ônibus.

Foto 111, 112 e 113: CEU Rosa de China - Acessos. Fonte: Google Street View, adaptado pela autora. 2020.

173


Planta 1 Pavimento

Bloco Didático Bloco Cultural/Esportivo Conjunto Aquático Educação Infantil Circulações Verticais N

Circulações Horizontais

Planta 2 e 3 Pavimento

Salas de aula EMEI-EMEF

Implantação

Áreas de exposições Figura 77: Implantação CEU Rosa da China. Fonte: Diretório da arquitetura, elaborado pelo autor. Abr/2020.

Sala da CEI Circulação Vertical

Figura 78, 79, 80 e 81: Plantas e fachadas CEU Rosa da China. Fonte: Diretório da arquitetura, elaborado pelo autor. Abr/2020.

Fac

Circulação Horizontal

Fa


achada Geral Norte

achada Geral Sul

O segundo ponto a ser levantado é sobre os espaços. O projeto inicial dos CIEPs traz consigo inovação e uma gama maior de atividades e, dessa forma, se quisermos recuperar esses equipamentos, precisamos pensar em espaços para agregar essas funções. Atualmente, os espaços de cada CIEP foram alterados de acordo com a demanda de cada comunidade escolar. Por exemplo, podemos citar o fechamento de paredes entre salas e corredores e até mesmo as novas salas construídas nos pátios. (imagem x e y) Há espaço de qualidade N

no projeto arquitetônico existente dos CIEPs para que sejam adaptados para novas modalidades de atividades extracurriculares que atendam às necessidades dos locais. Em muitos casos, o espaço em cima da biblioteca, originalmente destinado para habitação dos pais sociais, está inutilizado ou utilizado para depósito bem como os vestiários - ambos poderiam ser utilizados como salas de dança ou xadrez, por exemplo. Já nos casos em que o espaço da escola não atende à demanda do local, o investimento em Educação deveria ser maior, construindo novas escolas nas proximidades nos moldes da Escola Padrão, por exemplo, de forma que o espaço dos CIEPs seria de grande valia também para

N

os usuários dessas escolas adjacentes, como funciona nos CEUs em São Paulo. Uma das maiores alegações dos alunos quando souberam que iriam construir salas no pátio foi que eles não queriam “um puxadinho”, queriam uma escola apropriada. (SEPE-RJ) Nesse momento então, perguntamos: integração para quem? A integração precisa ocorrer a partir da identificação (e apropriação) do usuário com o equipamento. Os CEUs, por não serem projetos iguais carimbados na cidade, trazem consigo esse aspecto. Nos dois CEUs mencionados anteriormente, observamos que a arquitetura foi pensada através das demandas sociais de cada território - o mesmo deveria ser feito com as unidades dos CIEPs para resgatá-los.


O que observamos hoje na sociedade em que vivemos e prin-

cipalmente nas inclinações do Governo brasileiro desde o golpe de 2016, é que a Educação e Trabalho são vistas como custo, não como investimento, como práticas de mercado pela burguesia brasileira. Ora eleitoreira, ora desinteressada no avanço da população.

A redução do investimento em Educação (figura 82) e o nível de

precarização salarial através da superexploração do trabalho, escancaram este processo que aumentarão as desigualdades socioeconômicas. Quanto menor o investimento em políticas sociais e o salário, menor a pressão sobre os salários e maior é a manutenção das taxas de acumulação de capital – pelos donos dos meios de produção e reprodução social. Maior é a manutenção da desigualdade e as pessoas que mais sentem este impacto são as pessoas mais pobres.

Figura 82: Orçamento de apoio à pesquisa científica no Fonte: Fernanda De Negri/IPEA. 2020.

Se perguntarmos para qualquer pessoa se a Educação é impor-

tante, é difícil imaginar que alguém responderia que não, como observamos na pesquisa

(figura 83) da OXFAM BRASIL (2019) mas se

defendermos uma educação pública de qualidade para a maioria da população brasileira, ou seja, a classe trabalhadora, certamente a resposta não seria tão assertiva. (veja abaixo) Isso ocorre, porque o interesse do grande capital é manter o poder na mão das classe dominantes, impossibilitando que haja oportunidades concretas para que a classe trabalhadora possa se desenvolver, gerar sua mobilidade e autosuficiência. Esse fato pode ser percebido com clareza quando vemos a imagem que as escolas públicas, e até mesmo os próprios CIEPs, possuem perante a sociedade. Figura 83: Avaliação ensino. Fonte: OXFAM. 2019

176


A mídia reverbera a imagem de “escola que não deu certo” sobre

os CIEPs. Em relação a uma série de reportagens tendenciosas que o jornal O Globo fez em 2006, Lúcia Velloso ressalta que: Essas reportagens, que omitem dados e manipulam imagens, reforçam este consenso fácil que herdamos da escravidão: os pobres não conseguem bons resultados na escola, mesmo quando se oferece a eles uma escola de qualidade. (...) A escola produz fracasso, mas não uma escola qualquer: aquela que foi projetada para ser para o pobre e é representada dessa maneira. As reportagens reforçam a mensagem – para que gastar recursos com educação popular? (VELLOSO, 2009, p. 262)

Brasil.

Dessa forma, a integração social, cada vez mais colocada à mar-

gem dos interesses públicos, passa pelo resgate dos CIEPs. Passa também pela pauta da compreensão do que é o popular, contrapondo o ideal elitista de que o pobre é relacionado com maus costumes e marginalização, que vem percorrendo os caminhos da Educação brasileira nos últimos anos e pela identificação dos usuários com esses equipamentos. Entre nós há uma Educação radical em sua natureza mais conservadora, onde podemos observar a dificuldade do pensamento cultural e na possibilidade da superação da cultura elitista em favor da autonomia das classes populares. (CHAGAS, 2016) Cabe a nós mais uma vez perguntarmos, integração por quê? Para quê? E para quem?

177


Foto 114: Alunos em um CIEP. Fonte: Nilma Ramos Ximenes, acervo pessoal. Sem data.

178


Considerações Finais

179


Ao longo dessa pesquisa foi possível observar que os problemas de

abandono do programa dos CIEPs no Rio de Janeiro resultam de um projeto de desmonte da Educação pública intencional pelas classes dominantes que historicamente têm se apropriado do Estado, pela ausência de apropriação dos equipamentos públicos e das políticas públicas tão bem desenvolvidas por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Brizola e tantos outros que se dispuseram a pensar o país e um outro modelo de modernidade, passado, presente e futuro. A falta de pressão popular aliada aos instrumentos de pressão e coerção do Estado, para que haja a interrupção, redução e/ou supressão do desenvolvimento de políticas públicas de qualidade e que visem gerar e aumentar a mobilidade social para a classe trabalhadora tem sido determinante para o sucateamento desta essencial dimensão social que é a Educação pública e laica.

Por meio da revisão bibliográfica questões à respeito da relação entre

arquitetura, políticas públicas e pedagogia ao longo da história no Brasil foram revisitadas e pudemos perceber que estas sempre funcionaram em favor de um único grupo: as classes dominantes, para fazer jus às taxas de acumulação de riquezas, manutenção da propriedade e das formas de apropriação e extração de valor de grande parcela da população. Mesmo quando esse padrão de produção e reprodução social, de criação de riqueza a partir da pobreza, tentou ser rompido pelos movimentos sociais, educadores e humanistas, prontamente foram criadas narrativas pela associação das classes dominantes (elites agrárias, industriais e financeiras nacionais, mídia conservadora e o capital internacional) de cunho moral - de desvalorização de ideias e programas progressistas, em nome da “pátria, família, moral e dos bons costumes (SIC)”

180


A análise dos indicadores de cada território permitiu concluir que onde há maior sobreposição de infraestrutura e serviços públicos (redes de águas, esgotamento sanitário, drenagem urbana, transportes públicos, equipamentos públicos, etc.), mais riquezas são destinadas ao território (públicas e privadas), maior é a quantidade de empregos e a qualidade de vida é melhor – sobretudo pela redução do tempo de deslocamento das pessoas, na mobilidade pendular. Ao perceber as especificidades, particularidades e demandas de cada território, com a participação da comunidade, fica evidenciado que novas diretrizes podem ser aplicadas a partir da dimensão social, para estruturar todas as demais dimensões. A utilização de equipamentos com espaços de qualidade, como os CIEPs, tem potencial para transformar a realidade de uma população, a partir da implementação de atividades e serviços que forneçam, através da Educação, Cultura, Saúde, Esporte e Lazer, as condições para os moradores do território onde estes CIEPs estão constituídos possam se desenvolver. Ainda pudemos destacar a arquitetura como ponto chave no processo de apropriação desses equipamentos. O projeto arquitetônico deve ser pensado de maneira que as soluções não permitam influências contrárias à sua posição espacial, como a promoção da segregação entre territórios, fato que ocorreu em algumas implantações dos CIEPs – como observamos nos CIEPs. Ao falarmos em um equipamento já consolidado, medidas de melhoramento podem ser adotadas, formatadas a partir de um planejamento insurgente e de outros instrumentos de escuta (que não sejam definidos pelo Estado) para que novos canais de comunicação sejam facilitados entre os moradores do território (com suas necessidades e expectativas). A partir de projetos apresentados como referência verificamos que as adaptações podem ser realizadas, principalmente as que visam incorporar as relações de apropriação entre a comunidade e a escola, em seus diferentes níveis de escolaridade – infantil, fundamental, médio e EJA – adequadas às realidades concretas e intrínsecas de cada território.

181


Atualmente, ainda que existam projetos que busquem suprir a carências sociais de uma determinada região, como os CEUs em São Paulo, através das análises realizadas pudemos constatar que esses programas ainda existiam devido a presença e pressão dos movimentos sociais, como observamos no caso de Heliópolis, desmontado intencionalmente pela (IN)gestão de Bruno Covas em março/2020, para favorecer a apropriação dos recursos públicos do município por uma parca parcela que historicamente tem se apropriado do Estado – abrindo caminho para os criminosos processos de privatização. Infelizmente, não se pode perceber indícios de melhora ou boas perspectivas para o futuro da Educação pública no Brasil se (e somente se) o país “não acordar”, o que ficou mais evidente com a aprovação do “novo” (retrógrado) Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) que garante o repasse do fundo público para escolas privadas, visto que muitas escolas públicas dependem quase exclusivamente do fundo para sobreviver. Por fim, a intenção desta pesquisa foi comprovar que a Educação pode (e deve) transformar a realidade de um território através da apropriação dos moradores afetados pelo território em que os equipamentos estão localizados, juntamente com a implantação de uma arquitetura de qualidade, de uma pedagogia que vise o desenvolvimento integral do aluno, como pensado e testado por Anísio Teixeira na Escola Carneiro Ribeiro em 1950, na periferia de Salvador. Ainda que tenhamos que lutar diariamente pela Educação e por tudo que é público e que deveria ser encarado como DIREITO HUMANO, cabe a nós escolher entre o lado da resignação ou da indignação e como afirmava Darcy Ribeiro, que não nos resignemos nunca. Parafraseando Darcy Ribeiro, eu já escolhi meu lado na história... “NÃO VOU ME RESIGNAR NUNCA!”

182


Foto 115: Alunos em um CIEP. Fonte: Jornal O Globo. 2006.

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Referências Bibliográficas2020

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Apêndice: Entrevistas na Íntegra020 Leonel Brizola Neto Entrevista realizada no dia 04/09/2020Sã o

Paulo

Conversam sobre a pesquisa de TFG. Leonel: Ótimo, é que eu tô no celular eu não uso o zoom então eu me atrapalho um pouco, acabo sempre usando pelo notebook é o que faço nas sessões plenárias e outras reuniões. O que que cê queria de ajuda que eu poderia assim te lucidar alguma coisa. Cê sempre tem que levar em conta que a primeira construção dele foi de 83 á 87, então era um cenário de inflação, um cenário politico adverso em plena ditadura militar, né? ainda não tinha a constituição de 88, cê ainda não votava pra presidente, então o primeiro cenário é um cenário mais difícil de construção, de você fazer em série esse investimento, qual era o grande problema? A inflação, a inflação era muito grave pra você construir, a genialidade tanto do Brizola, do Darci mais na área pedagógica e do Niemeyer, era justamente fazer a fábrica de escola, né? A fábrica de escola foi o diferencial, né? Porque ali você tinha o material e você principalmente conseguia avançar da burocracia, né? De um cenário político que era adverso, que que era? Era justamente isso que você falou, a escola pra pobre! Pra que gastar tanto dinheiro? O projeto era, vamos dizer assim: custa dois milhões de dólares, né? então tinha algumas adversidades, em um cenário político muito adverso, né? Agora a grande questão dele é que ele era uma construção rápida. Isabella: Sim. Leonel: Né? Em quatro meses você montava e você tinha ali praticamente três prédios, né? É, você tinha um prédio, uma estrutura principal, que abrigava as salas, as salas dos professores, banheiros, a cozinha, cê tinha a sala de jantar que era em baixo no terreo grande, cê tinha a rampa né, que você mesmo já colocou isso, que era uma questão naquela época que você nem levava em conta a acessibilidade, já tinha essa questão de acessibilidade da rampa, as salas amplas, né? Com teto alto, janelas grandes pra que circulasse o ar, num clima quente tropical do Rio de Janeiro, na época você não imaginava ter ar-condicionado, na escola não existia, né?

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Leonel: Um centro de cuidado, nesse mesmo bloco, de cuidado médico, dentário, cê tinha todo um maquinário, cadeira, sala específico dessa parte e você tinha um outro prédio que incluí um ginásio poliesportivo, com arquibancada, um anfiteatro na verdade, né? Que a ideia era, claro as atividade esportivas, e você tinha abria para o final de semana, para você fazer a festa de entretenimento, casamentos, aniversários, festas religiosas, festas comemorativas, datas comemorativas, São João, enfim, né? E também que era utilizado como um auditório de fato, você poderia fazer dele um auditório. E o outro era a biblioteca, né? que ai em cima tinha a moradia do aluno residente, do pai e a mãe social que chamava, né? Ou seja, no Ciep a criança poderia de fato ter um alojamento e dormir, pra que não permanecesse na rua, né? Essa era uma das maiores questões, né? Que detalhes que eu posso te dar mais? Deixa eu ver, até anotei umas coisas pra te contar, deixa eu pegar aqui. Valor estimado, pra você ter uma ideia era 2,2 Milhões de dólares, ta? Isso na época, creio que aumente quase nada, né? Vai fazer a variação do dólar talvez, perai. Claro que você tinha essa questão educacional que você fala, que pela primeira vez cê começa a discutir tempo integral, não é? Você não tinha a ideia de escola de tempo integral, houve muita discussão, muito problema com a adaptação dos professores, tanto que o Darci Ribeiro contratou mais de 40 mil professores, né? Numa espécie de contratação, mesmo pra que pudesse de fato entender o projeto pedagógico, eu acho que ai Lia faria, você falando com a Lia Faria, ela te da mais detalhes nessa parte pedagógica, né? Eu acho que ela pode te fomentar ali muitas informações pedagógicas, como é que de fato era, porque tinha o programa especial de educação, além da secretaria de educação, então fazia diferença e o dinheiro era contingenciado na verdade não na secretaria de fazenda, nesse programa especial de educação, dai a maior facilidade, você não tem a burocracia de ter que ficar pedindo pra Fazenda, a Fazenda permitir orçamento, autorização, todo aquele processo burocrático da década de 80. Vamo ver no que eu posso te ajudar mais aqui. Claro ele tinha classes noturnas também, né? Eu vou te mandar alguns estudos, vou ver se eu consigo te mandar alguns estudos, pra que você possa inserir de livros de projetos brasileiros e tal que o CIEP sempre foi considerado e estudado de fato, porque eram como blocos, ou seja, em lotes de 10.000m², ou seja, o prédio tinha/ocupava 5.400m², o Ginásio tem 1080m², a biblioteca tem 320m², também existe uma outra versão mais compacta do CIEP, como é aquele Tancredo Neves que foi o primeiro, projetada pra uma área menor, que ocupa 4800m² de espaço, ou seja, pré-fabricados, tornando-os 30% mais barato.

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Leonel: E que os prédios convencionais que tinha outros, e o estilo que tinha no Rio de Janeiro muita era escola pequenas, os lelés que eles chamavam, escola do Lacerda. Perai. As peças estruturais pré-moldadas que são colocadas no local, via guindaste. Em 10 dias você colocava essas astes, essas estruturas pré-moldadas, né? E incluindo coluna de 10 metro, placa de 20 metros e vigas de 23 metros, ou seja, era uma engenharia complexa, apesar de serem blocos de encaixe, ou seja, ainda assim ela era rapidamente levantada, ou seja, você levantava rapidamente o prédio, né? em 4 meses, que nem eu te coloquei, e que representa uma economia enorme, devido ao custo crescente do material da época e principalmente do trabalho devido a inflação, ou seja, ele dependia/poderia ser construído em qualquer lugar que tivesse o espaço, né? Essa é a vantagem da instalação, onde você encontrasse um terreno fácil, já pronto, ele já não precisava fazer fundação, ele já vinha de fato pronto pra ser. Um dos toques de inovadores do CIEP é a exclusão da janelas de vidros, né? Cê ve ai a pandemia, tudo isso, hoje os CIEP foram totalmente mudados, ou seja mudaram a arquitetura do CIEP, a sala que era ampla eles fizeram divisórias, rebaixaram o teto e fecharam as janelas, na maioria pra botar ar-condicionado e botaram mais alunos do que o espaço permite, por isso a crítica ao CIEP que eram muito barulhentos, aliás a lógica era de rodava, ce tinha uma rotatividade de salas, né? E com um número menor de alunos, justamente pra você não ter esse ruído, a má interpretação, inclusive era pra você ter uma reeducação social, de falar baixo, de comportamento, de higienização, a gente ta falando da década de 80, a dificuldade era grande, ce tinha crianças que não tinham, não sabiam pegar num garfo, não é? Tinha criança que nunca tinham visto um chuveiro na vida, então é uma educação completa desde o início e que da muito trabalho, deu muito trabalho aos profissionais da educação e que tinham que ser preparados, então tinha cursos constantes de renovação, de a capacitação e renovação aos professores, os alunos sempre uma estrutura em baixo, tanto dos professores como dos alunos, né? Deixa eu ver aqui, ou seja, né? As janelas, circulação de ar, proteção de elementos, fácil, ou seja, e fácil manutenção também, que é o mais importante, uma das questões difíceis que nós temos hoje é a manutenção dos prédios públicos que você vê, essas construções da copa e da olimpíada no Rio de Janeiro, são elefantes brancos que nós não conseguimos manter o custo mensal, ou seja, então há uma inviabilidade na construção dele, né? a cidade da música por exemplo, você tem custa de Cinco milhões por mês, que você pode colocar show do Rolling Stones todo final de

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semana que você não consegue pagar, quer dizer então ela é a arquitetura dela é inviável pro poder público nesse sentido, pra finalidade que ela quis. Diferente dos CIEP, que é baixa manutenção, cê vê que os prédios resistem até hoje, nunca caiu algum, nunca deu rachadura, ou seja, então tem esse diferencial, né? Deixa eu ver, que que eu posso dizer? O objetivo era 500 escolas, num primeiro governo do Brizola, deixa eu botar aqui, foram 170 construídas, por todo o estado, ta? Do ponto de vista Gerencial, deixa eu pegar aqui, esse aqui... Do ponto de vista gerencial os CIEP’s representavam um desafio interessante de combinar conceitos de produção e gerenciamento de projeto, cada escola era um projeto em si mesmo, a localidade, levava-se em conta a localidade, os aspectos geográficos, culturais de cada região, né? Ou seja, na medida em que a construção das escolas iam ficando padronizadas, né? E há uma crítica aqui do governo Brizola que ele só fez CIEP, é mentira! Ele reformou todas as outras escolas pequenas, né? Ou seja, o CIEP representou, foi o primeiro programa do Brasil, assim de fato, que envolveu um gerenciamento de projeto e constante monitoramento, Brizola contratou 3 empresas pra fazer monitoramento e gerenciamento, pra que não tivesse questão de desvio de dinheiro, superfaturamento, obras superfaturadas, que pudessem de fato entregar no prazo e não tivesse aumento, ou seja, que que a gente mais encontra no serviço publico hoje? É termos aditivo aumentando o custo inicial da obra, então quando o Brizola de fato traz essa três empresas de gerenciamento e monitoramento, três empresas distinta, inclusive uma estrangeira, aquela... agora me esqueci... Enfim depois eu tento resgatar com minha assessoria, acho que pega melhor, né? Então ela evitava nesse sentido, agora o maior desafio que eu queria te dizer era os preços e contratos que eram reajustados, né? Isso era mais difícil, entendeu? Então, mensalmente, então teve que combinar conceito de produção e gerenciamento de processo e escassez de fundos controlados do estado, ou seja, a distribuição, privou a distribuição do financiamento do programa escolar em favor da necessidade publica, ou seja, e que as leis brasileiras da época (tosse) – Perdão - sobre licitação pública, ou seja, acabavam aumentando os encargos das obras e dos gerenciamentos, então o que fica de fato, deixa eu ver se eu posso te pausar antes que você faça alguma pergunta. Tá, a inflação em média era aproximadamente 25% ao mês. Isabella: Nossa. Leonel: Isso é um dado importante, que é surreal, se você comparar, ou seja, como é que você vai fazer o fluxo de caixa com uma inflação de 25% e você planejar 500 escolas, ta? Então, e a economia brasileira historicamente era

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muito inflacionária na época, né? Então dificuldade de engenharia e de custo, ou seja, cê tem que minimizar os custos, aplicando técnicas tradicionais de indexadora de preço, por isso que a fábrica de escola ela foi importantíssima, entendeu? Enfim, foi adotado o preço na verdade pela empresa Municipal de obras públicas, a EMOP, como base de reajustes pros preços do CIEP, então essa que foi uma questão que auxiliou também pra que não destoasse tanto os preços, né? ou seja, bom, vê se você quer fazer mais alguma pergunta, pra que eu possa me situar melhor, como que eu posso te ajudar? Isabella: Quero fazer várias! Primeiro falando desse projeto de educação integral, qual que foi a contribuição dos CIEPs na formação do aluno, no seu ponto de vista? Leonel: Na formação do aluno sim, ai tem um diferencial total, porque até então não tinha a questão do tempo integral, você tinha ali o segundo professor que o pobre nunca pode pagar, né? quando seu filho tá em recuperação cê contrata um professor particular, enfim, pra que ele não perca/repita de ano, então você tinha de fato ali o segundo professor que auxiliava no dever de casa, no estudo, no acompanhamento do aluno, então era um cuidado, aquilo que o Darci Ribeiro projetava desde o ventre materno, o cuidado com a criança e na verdade aquilo que começa a inverter a lógica, não é o menino que tem que ir pra escola, é a escola que vai até o menino e não é um direito do pai e da mãe e sim a criança, então o CIEP, pela primeira vez na década de 80, antes do estatuto da criança e do adolescente, antes da constituição, ele de fato dá à criança pra que ela possa ser sujeito de direito, pela primeira vez na nossa história a criança começa a ser sujeito de direito. Um tratamento adequado desde a sua infância. Acompanhamento psicológico, dentário, um adulto, uma criança sem carie, um adulto sem cárie, você tinha acompanhamento psicológico, você tem crianças oriundas da violência de todos os tipos, não é? Da extrema miséria, desde uma reeducação alimentar, postural, higienização e então ela muda de fato os padrões culturais pra época, né? Então era muito avançado, era um projeto pra que você colhesse os frutos 20 anos à frente.

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Eu digo que o resultado hoje do fracasso da escola pública, da violência do Rio de Janeiro e de nós estarmos no Bangu 27 foi justamente a não continuidade deste projeto, por politicas eleitoreiras que, claro, preferiam o imediato, né? Pensavam na reeleição e não no futuro das próximas gerações. E há um diferencial que é um investido de recurso público do estado, nunca na história - e talvez na história do Brasil - um estado investiu tanto do orçamento em educação pública e investiu 33% do orçamento, é uma coisa inédita, quer dizer, o mínimo constitucional de 25 - que virou o máximo - hoje em dia não chega nem perto, então cê vê um pouco o porquê da falência da escola pública. Isabella: Eu vejo os CIEPS assim como um projeto de estado, cê forma o ser humano. Não pensa só no imediatismo de você eleger alguém, mas enfim, você falou comigo sobre o programa especial de educação e eu queria saber qual a importância de um programa desses hoje em dia? Leonel: É, eu faço uma ... aquela frase que o Darcy gostava muito de dizer “cada escola que se abre hoje é um presídio que se fecha”, né? Então é muito melhor você gastar com creche e ampla investimento e educação do que depois você ter que gastar com assistência social de fato, investimento em politica de segurança, presídios e porque falo isso? Porque a violência no país ela vem em muito do fruto da miséria e da falta de oportunidade, né? Das Favelas, cê vê as condições de falta de emprego, de falta de estudo, ou seja, “seja culto para ser livre” essa era a ideia central do CIEP, e ela além do que era uma escola de pensamento crítico, né? Cê tinha na 5ª série, por exemplo, uma cartilha que dizia as seguintes questões: “porque que tratamos o Índio como um ser atrasado? Porque tratamos o trabalhador de baixa renda com desprezo? Porque que um negro tem a necessidade de alisar seus cabelos? Perdendo sua negritude. E porque que educamos as meninas para a submissão? repetindo os mesmos erros da sociedade” quer dizer, estamos falando da década de 83, isso é muito revolucionário pra época, né? Então eu falo que o CIEP ele combatia duas questões essenciais que hoje de fato estão explodindo a nossa sociedade. Uma é o machismo estrutural que existe na nossa sociedade, uma sociedade patriarcal, né? Homens, heteros, brancos e cristão. E a outra é do racismo estrutural, né? Entendemos essa mistura do povo brasileiro, que é o negro da África, o europeu e o indígena brasileiro, na qual o Darci colocou como povo brasileiro, essa essência de quem somos e da onde viemos, então era de fato uma mudança e além de uma questão nutricional muito bem preparada, fomentando a agricultura

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do estado, fomentando o desenvolvimento das famílias de agricultura, da agricultura familiar, incentivando diversas programas de agricultura através do banco Banerj, que fomentavam o leite, nutriente pra escola e uma ampla nutrição as crianças, que naquela época havia uma desnutrição, uma fome, um analfabetismo enorme, então você tinha um amplo investimento de fato pro futuro dessas crianças, pra que ela pudessem entrar no mercado de trabalho, ter um emprego melhor, melhorar sua vida economicamente ou poder fazer um curso de qualificação e capacitação pra entrar no mercado de trabalho. Isabella: Já que a gente ta falando de mercado de trabalho, houve mudança nos indicadores socioeconômicos nos territórios onde os CIEPs foram concebidos? Leonel: Sim, houve! O grande problema foi a interrupção, isso na época você não tinha reeleição, então quando na primeira construção de 170 escolas, né? A meta era fazer 500, né? E havia um grande problema que era o seguinte: por isso que eu falo que conjuntura, o cenário politico era muito adverso, porque o Sarnei era o presidente da república e ele, pra impedir o crescimento do governo Brizola - claro com um projeto desse ele é a alçada a ser o candidato a presidente do Brasil - junto da... ou seja, retornando a interrupção que foi em 64, no governo João Goulart que era a mesma linhagem trabalhista no país, ou seja, era a construção de fato desse fio da história, era o retorno pós 64, um projeto desse, de amplo investimento, premiado internacionalmente, projetava o Brizola de fato pra presidente do Brasil, então havia um boicote político, né? O Sarnei inclusive não repassava verbas carimbadas pra educação, pra o desenvolvimento do rio de janeiro. O governo do Rio de Janeiro inclusive ganhou na justiça a questão dos royalties de maneira compensatória na justiça, porque não existia a compensação na retirada do petróleo, então foi uma coisa outra inédita. E o governo federal não pagou ao rio de janeiro a compensação dos royalties, né? Então muito difícil um cenário do governo federal que fazia boicote político, não repassava verbas carimbadas, o governo do estado tinha que entrar na justiça, aí você tinha toda essa morosidade da justiça pra você reaver essas verbas, com a inflação de 25%, quer dizer, perdeu dois meses, 50, perdeu 3, 4 já era, 100%, a obra dobrou de preço, então como é que você estrutura isso de fato? Claro que o auxílio do banco Banerj foi fundamental, né? Então é.… entender o cenário é muito importante, né? Muito importante, porque nós vemos hoje os administradores

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públicos, Governadores, Prefeitos, se queixando da falta de verba, né? O Brizola encontra-se sem verba alguma e essa é a genialidade dele, tanto no Rio Grande do Sul, quando constrói mais de 100 escolas utilizando recursos naturais daquele estado e aqui ele utiliza também mecanismo nesse sentido, tanto é que ele consegue pegar o royalties, ele consegue fomentar o Banerj, então essa experiencia de fato, conseguiu fazer com toda a diversidade política, administrativa, econômica, materializar as escolas e a grande interrupção foi o problema de você ter um cálculo, de fato, preciso desse desenvolvimento de IDH, porque imagina: construo 170 escolas, né? de tempo integral e 33% do orçamento. E ai o Darci Ribeiro perde a eleição pro Moreira Franco, que vinha com um discurso pra acabar com a violência e construir o presídio mais seguro do mundo, com um boicote econômico, ou seja, havia o pacote do Sarnei, né? Que era justamente pra baixar a inflação, então o Brizola, adversário, foi o único que se colocou contra o pacote do Sarnei, e ai lógico, foi o único politico que disse que o pacote era uma... era um equívoco, um engodo econômico, pra enganar, pra poder promover a reeleição da Direita, né? Então o Darcy perdeu a eleição pro Moreira e o primeiro ato do Moreira foi cortar o programa de tempo integral. Então quando o Brizola retorna depois, né? Em 91, ai ele tem que refazer essas 170 e ampliar a rede pra 500, claro que só foi possível também com a ajuda dos royalties, do banco Banerj, né? E destinar outros recursos de outras áreas do estado de fato pra educação, é isso que eu coloquei, era 33% do orçamento destinado. Nós só poderíamos ter de fato uma projeção de melhora do IDH, de fato se a politica tivesse tido continuidade, essa interrupção de fato prejudicou o desenvolvimento, claramente. Claro que muitos alunos chegaram a se formar, encaminhar, hoje estão formados, eu tenho diversos relatos de alunos que passaram pelo CIEP, se formaram e estão nas universidade públicas ou são excelentes profissionais no mercado de trabalho, então, mas que a gente possa ser preciso pra esses números, teria que ter tido uma continuidade no mínimo de 15 anos, pra que a gente pudesse, de fato, ter o retorno adequado, coisa que nunca foi feita no nosso país. Isabella: Então aí a gente volta a falar da mídia né, porque a mídia ela reforça uma imagem muito negativa em relação aos CIEPs, teve esses últimos dias eu vi uma série de reportagens que O Globo inclusive, é claro, fez em 2006, ficaram uma semana só falando mal do CIEP, um absurdo, mas enfim e ai eu queria saber como que a gente pode reverter essa narrativa?

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Leonel: É, na verdade faltou uma conscientização da classe média, da importância da escola pública, da escola do povo, laica, democrática e que na verdade ela não é pra pobre, cê vê o Pedro ll no Rio de Janeiro, todos querem estudar, tem uma excelência, não é? Porque que as outras escolas não podem ter o mesmo padrão, então sempre houve, claro, essa questão política, de que quem construiu foi o Brizola, então aquela coisa “botar a azeitona na empada dos outros” porque ate hoje a educação não é um projeto do pais. Cê vê no Rio de Janeiro, entra prefeito sai prefeito, cada um tem um projeto pra educação, cê não tem um projeto padronizado nacionalmente, né? Que nem, por exemplo, o Pedro ll, porque que a gente não tem um padrão de escola de fato, de salários - agora tem o piso federal, mas é muito baixo - mas que a gente possa engajar numa estrutura que ela tenha o mesmo padrão e qualidade, né? Pra que ela se repita e que a gente saiba “olha, ali é de qualidade” inclusive pra que todos possam estudar, isso amenizaria o custo das famílias. A educação é muito caro no país, né? Então isso daria um respiro no orçamento domestico muito grande, na casa talvez de 30% até do orçamento dependendo de quantos filhos, ou seja, a classe média que não entendeu, achou que a escola era pra pobre, pelo contrário, né? A escola era de todos e principalmente fazer uma escola de excelência pra classe média também. Isabella: E assim, nesses últimos dias eu acompanho alguns desses CIEPs, nas redes sociais e alguns deles eles fazem kit alimentação. Leonel: Como é que é? Kit o que? Isabella: Alimentação. Eu queria saber como que foi pensado essa questão da alimentação, porque eu sei também que tem um valor que as crianças estão recebendo, queria saber como é que funciona isso?\ Leonel: Na atualidade cê fala? Da prefeitura. Isabella: Isso, agora! Nesse momento de pandemia.

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Leonel: O que aconteceu na pandemia? O Crivela cortou 30% do orçamento da merenda, sendo que é uma verba casada, na verdade ele cortou e destinou pra compra de livros didáticos. Não que você não possa fazer isso, mas a prioridade diante de uma pandemia do aumento do desemprego, da fome e da miséria, você tem por obrigação assegurar a alimentação das crianças, ou seja, a segurança alimentar, né? Isso é uma questão de prioridade número 1. E o Crivela demorou a fazer, só fez por conta duma ação na justiça, né? Inclusive do nosso mandato, a gente entrou na justiça pra que obrigasse a dar alimentação pras crianças. E mais do que abrir a escola porque ia gerar aglomeração e principalmente o deslocamento pela cidade, era melhor um cartão, e ele mesmo deu a ideia do cartão, primeiro ele deu um cartão com 100 reais, era interessante suprir as necessidades daquela família,né? porque as vezes aquilo ali não é só pro aluno, é pra família inteira, depois ele parou de dar o cartão, só deu um mês e ai inventou de dar a cesta básica e a cesta básica não supria as necessidades da criança. Muitas delas vieram estragadas, com péssima qualidade. E depois ele é provocado mais uma vez pela justiça, foi obrigado a dar o cartão, só que ele deu um cartão de cinquenta e três reais por dia(por mês), quer dizer menos de dois reais pra cada criança por dia, então ela não supre as necessidades nutricionais, químicas de uma criança, pelo contrário né, então é muita crueldade. Enfim isso mostra o caráter que a educação não é prioridade, aquilo que o Darcy falava, que “é um projeto de fato da destruição da escola pública pra priorizar a questão privada”, né? “escola de pobre, escola de merda” como ele gostava de falar, na frase dele mesmo “porque que escola de pobre te que ser escola de merda?” né?, então pra diferenciar e aumentar cada vez mais essa desigualdade se fosse da desigualdade, né? E beneficiar, principalmente, hoje em dia setores educacionais de grupos financeiros, inclusive internacionais, que se locupletam dessa ausência do estado de educação pública e acabam onerando muitas famílias, até as famílias ricas mesmo que podem pagar, porque que você tem que pagar por educação? Pra que eu possa ser culto, pra que eu possa adentrar no mercado de trabalho e contribuir para o meu país, né? É uma lógica perversa e economicamente falado também ela é equivocada, cada real investido na educação você o tem o dobro de retorno, né? Em desenvolvimento, em qualificação de mão de obra, de trabalho bem prestado, com qualidade e tecnologia. Isabella: E agora, sobre assim, pelas minhas pesquisas, em 2019 não houve construção de novas escolas no Rio?

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Isabella: E ao mesmo tempo, assim, houve uma descaracterização quase que em massa dos CIEPs, porque construíram aquelas paredes de drywall. Eu queria saber se a gente pode ver isso com bom olhos, apenas a caráter de manutenção pra escola ou importaria que ocorresse de fato uma apropriação entre os moradores, porque assim, o meu tema eu vejo muito como... a palavra chave que eu uso é apropriação, porque quando um equipamento publico é colocado a população se apropria, todo o entorno muda, né? Leonel: Claro. Isabella: Aqui em São Paulo tem que o CEUs que funcionam até hoje. Leonel: Sim, foi uma experiencia muito boa da Marta, ne? Isabella: Isso, inclusive também estão sendo super sucateados, a gente... eu moro aqui próximo do Heliópolis, eles tinham uma administração participativa, a população deliberava, tinha a voz ativa e o Bruno Covas cortou. Então assim foi em maio, super recente, é uma coisa assim, né? Então e ai uma coisa que me chamou muita atenção, eu fui recente, no dia dos pais, pro Rio e eu visitei dois CIEPs, um deles é o Ulisses Guimarães, na Curicica e o outro Joaquim Pimenta também na Curicica. Leonel: Dois na Curicica, né! Isabella: O Joaquim pimenta ele é um objeto de estudo muito importante meu, porque ele é um CIEP totalmente largado, só que ele é apropriado pela população, então ele tem valor praquela comunidade, eles usam o espaço. Pelo o que eu vi lá a população mesmo tirou a grade, então eles usam aquilo lá. Eu fui la e tinha pessoa fazendo a unha lá sentada na escola, no final de semana, eu acho o máximo. O Ulisses Guimarães é totalmente gradeado, então esse é uma coisa que eu to contrapondo muito, né? De que adianta você ter uma escola bonita, se não é utilizada, né?

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Leonel: Péssimo, você não tem essa questão do pertencer né? Um dos equívocos também, e aí uma autocritica nossa, foi a falta de comunicação direta com a população, de ela entender que aquele equipamento era dela, isso demorou pra poder construir isso, isso dependia também muito da diretora, depende muito dos diretores, né? De ela entender e fazer, por isso que a eleição do diretor da escola, ou seja, feita pelos alunos, pela comunidade escolar, pela associação de moradores é muito importante, ela faz essa integração, essa era um dos objetivos do CIEP, tanto que ali nascem os primeiros grêmios estudantis, na década de 80, no meio da ditadura militar, embora já no final. Então a ideia era essa, ao longo dos anos foi sendo sequestrada essa ideia, de que uma eleição livre para os diretores, ou seja, sempre eles colocados para atender a lógica da central da prefeitura ou do governador, ou do governo do estado ou da secretaria do governo do estado, ou a secretaria municipal. E aquele projeto político, ao invés de dar uma liberdade, uma autonomia àquele equipamento público. Então chegou até uma época a ter os pais do CIEP, pais e mães do CIEP, tanto que você tinha família residente que morava ali, então isso já é um sentimento de pertencer, de cuidar, de amar. Então faltou uma política pública de estado, né? De autonomia, apesar de ter/tinha uma autonomia pedagógica incrível, que hoje não temos mais, vamos dizer assim, isso é muito sentenciado, mas tinha essa autonomia, inclusive autonomia financeira, isso foi ao longo dos anos sendo retirado e ai você engessa muito a escola, né? Hoje o CIEP tem que viver com uma verba de oito mil, quer dizer, pra pagar todos os custos dele, quer dizer é muito difícil a administração, por isso a precarização dele, quer dizer, você não consegue né? Isabella: Os usos e apropriação do espaço, eles são discutidos pelos dirigentes da escola e a demanda que a população tem ou é só o pessoal de dentro? Você sabe me dar essa informação? Leonel: Não! Tem o pai e a mãe da escola que discutem, são representantes de turmas, mas que que tem o conselho municipal, mas não tem transparência, né? Não há uma... como eu posso te dizer? Não há um mecanismo efetivo de mudança, né? Ou seja, a escola tá quebrada “a gente se reúne, vamos pedir a reforma” Não acontece! Não há essa mudança de fato “a prefeitura vai fazer a reforma” “ah criança aqui se machucou, abriu a cabeça num buraco que tinha na escola, dois três alunos fizeram isso” o conselho escolar se reúne, fala com a diretora, com o pai e com a mãe, com a representante da comunidade escolar ou da turma, cê não tem. Quer dizer, ou seja, como o orçamento

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é concentrado na secretaria de fazenda, né? Tudo o que você for pedir é uma burocracia enorme, então demora ou quase não sai porque dependendo do governo ele é direcionado pra outra área. Como o do Crivela, não há importância, não há nenhuma na educação e sim na questão eleitoreira, então ele ... ?? ou seja, não tem interesse de fazer mais aplicação de verba ou de fato reforma e quando fazem muito lenta. E não há esse acompanhamento como você tinha no CIEP, de você contratar 3 empresas pra fazer gerenciamento, eles fazem uma licitação, as vezes até emergencial, como foi diversas CPI’s da câmara de vereadores, né? Contratos emergenciais, claro que as vezes não são superfaturados, mas acabam tendo pouca transparência e efetividade de mudança, né? Quer dizer, emergencial porque você não planejou ou aconteceu de fato uma catástrofe, mas a fato de ele ta sucateado é a falta de planejamento, né? Isabella: Sim! E há algum canal específico, como um conselho, por exemplo, de decisão ou deliberação para a formatação de regras e/ou leis específicas sobre o uso do equipamento? Leonel: O conselho municipal de educação ele é consultivo né? Ele delibera, não tem a atuação de deliberar, mas ai há instancias de, tanto das comissões das casas legislativas ao ministério público, a tutela coletiva da educação, da infância, então há setores que trabalham e que provocam a prefeitura nesse sentido, o próprio tribunal de contas do município ou do estado, são órgãos que forçam, fiscalizam e forçam o cumprimento da qualidade do serviço prestado e do ambiente. Ou seja, isso são os mecanismos importantes pra que possam constranger o prefeito ou governador, por exemplo, pra que ele de fato reforme as escolas e reinvista ali na manutenção melhor, né? Isabella: E sobre esse assunto ainda, como o estado tem se colocado pra corrigir os índices de privação das crianças, oriundos da ausência ou redução dos serviços públicos ofertados a essa população? Leonel: Bom, nos últimos governos nós não vimos um cuidado com a educação, aquilo que eu falei, o mínimo constitucional virou o máximo de aplicação na educação, né? O Eduardo Paes no município ainda construiu algumas escolas, né? Com outros tipos de padrão, construiu creches boas, EDI’s. O Cesar Maia também construiu algumas escolas,

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importantes escolas com outro padrão, claro, são mais demoradas até, demoram mais de 1 ano para ficar pronta, por exemplo, né? E com custo alto também. O Crivela construiu agora uma escola militar, quer dizer, divorciada de toda a rede, né? O que demonstra que não tem um plano educacional. Qual é o projeto educacional? Né? “Eu ganhei a eleição meu projeto educacional é esse”, o Brizola quando ganha olha: “meu projeto educacional é esse, eu vou construir 500 escolas, se não der num primeiro governo, vamos tentar num segundo governo, complementar o restante dessas obras. Essas obras vão ser assim, ela tem um programa especial de educação, ela vai funcionar em tempo integral, né? De oito as cinco horas da tarde, precisa de um tanto de refeição, de médico...” ou seja, você apresenta um projeto integrado, Centro Integrado de Educação Pública, então nós não temos mais projetos de fato, nós temos experiências dentro das secretarias de educação que se pulverizam a cada mudança de gestor, ou as vezes não há uma continuidade dentro delas. Então o que sempre embarga, ou seja, fica emperrado num desenvolvimento melhor da escola pública, ela integrada como um todo, ela fica muito partida dependendo de determinados setores administrativos. Então o que que adianta eu fazer uma escola militar, sob a gestão da polícia militar, né? Divorciada de toda a outra rede, pra quinhentos alunos só, onde você vai diferenciar aluno classe A, classe B, classe C. Quer dizer, o classe A estuda na escola Militar, o classe B estuda numa outra, quer dizer, não há uma integração de toda a rede né? A escola militar ela teria que ser administrado pelo governo federal e não pelo município, você cria um problema de autonomia pedagógica, né? Isabella: Sim, não tenho nem o que dizer sobre essas escolas militares, né? Leonel: Formação de milícia Mirim. Isabella: Nossa... Tudo errado, né? E ai tem um vídeo que eu vi esses dias, que é um alguém que apresenta esse plano e apresenta uma escola, lá, um vídeo de marketing e as crianças todas felizes e ai ele vira e fala assim “Não, porque você pode ver, porque no nosso vídeo não tem criança triste”

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Leonel: Pois é, como ninguém fica triste, claro, se você ficar triste apanha, fica no milho. Isabella: Pois é, inclusive eu tava vendo que alguns CIEPs foram entregues pra essas escolas cívico militar. Leonel: É, criminoso! Criminoso! Isabella: É enfim, e garantir a oportunidade de acesso à educação, esporte, lazer e cultura é um direito fundamental estipulado pela constituição federal de 88 e como que isso se da nos espaços do CIEP? Leonel: O CIEP contemplava já naquela época, porque você tinha quadra coberta. A maioria das escolas hoje não tem quadra coberta no Rio de Janeiro, cê tem, depois eu posso pegar o número correto, mas acho que é 30% das escolas que tem quadra coberta. Quer dizer, cê tem pra uma rede de 650 mil alunos cê tem só 10 mil computadores, quer dizer, você não tem laboratório em todas as escolas. Então você tinha já no ciep laboratório e é uma questão importante ce ter laboratório e isso você não encontra mais, né? Então falta essa parte de fato, não há um cuidado pra que seja integrado. Aqui no Rio de Janeiro até houve umas construções de questões culturais, lonas culturais, com Cesar Maia, com Eduardo Paes, Nave do Conhecimento. A grande questão, o erro deles, foi que eles entregaram ao terceiro setor, então eles aumentaram o custo mensal ao passo que esse custo mensal aumentou e ficou inviável a manutenção desses contratos com o terceiro setor e ai eles foram fechados, essa é o grande erro, você entregar equipamento publico para a administração do terceiro setor via organização social, ong, mostra que aumenta o custo, o serviço não é assim, tão melhor prestado e você tem dificuldade financeira pro próprio administrador público, é o caso das OS’s nos hospitais, é o caso das organizações sociais nos abrigos de acolhimento, o desperdício de dinheiro muito caro, sem uma transparência e sem um efetivo serviço prestado de qualidade e as escola que entregar e fizer isso é um problema, ce vê como que acontece com as creches conveniadas também, ou seja, você paga um baixo preço pro aluno, você não tem um investimento na escola de qualificação pra melhorar o ambiente, né? e ai você tem creches precárias.

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Isabella: Observando os dados e valores destinados à Educação no País inteiro, nos parece que há um discurso de escassez para justificar o desmonte da Educação, sem mexer nas questões que envolvem o sistema da dívida, que drena 38,27% do Orçamento da União em Juros e Amortização da Dívida. Vocês entram nesta discussão para tratar dos recursos da Educação Integral? Leonel: Agora sim, eu virei o celular. O Brizola tocava muito nessa questão das perdas internacionais da economia, né? O modelo econômico não deixa de fato você ter um amplo projeto nacional de educação, né? De pleno emprego, de distribuição de renda, então claro que impacta, porque acaba o orçamento público, sendo sequestrado pra o sistema financeiro, ou pra juros/encargos da divida ou pros setores bancário, então é um sequestro, esse modelo econômico é um sequestro do orçamento público e que impede de fato que tu possa investir mais em educação pública, saúde, infraestrutura, né? nesse sentido, claro que o modelo econômico é prioritário, tanto que o Brizola aqui só conseguiu fazer 33% do orçamento porque tinha o banco e ele tirou da fazenda o recurso e criou uma secretaria especial de educação, né? Então a questão prioritária de fato é o modelo econômico, o modelo neoliberal, de fato, ele impede que você tenha um investimento maciço em educação e quando você tem, você não faz uma auditoria da dívida, né? Do que que se pagou de juros, do que se pagou de encargos, né? Ou seja, você não renegociar de fato, você acaba tendo medidas e austeridade, ou seja, congela salário, faz o congelamento do teto do gasto agora e isso impede claramente, que a gente possa investir mais em educação, construir mais salas, pagar melhor o salário dos professores, criar mecanismos de subsídios do transporte para os estudantes, para os professores, os trabalhadores da educação, porque eles precisam se deslocar. Então é uma engenharia complexa de fato, se você tem um orçamento que é sequestrado para o setor público, essa situação hibrida que nós vivemos, que é o seguinte: sai dinheiro do setor publico para o privado, mas não vai do privado para o publico e isso engessa o desenvolvimento, seja econômico das pessoas, como dos equipamentos públicos, ce fica com dificuldade de pagar melhor salário para os médicos, os enfermeiros, os professores, o pessoal, todos os trabalhadores da educação, o porteiro, a merendeira, enfim, o gari, ou seja, ce fica nesse sentido com algemas,né? vamos dizer assim. Isabella: Mas no sentido da educação integral isso é discutido ou não?

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Leonel: Não, não há essa discussão, não há! Claro que pra você fazer educação integral você vai ter que disponibilizar um recurso muito maior de dinheiro, né? Mas caro é o custo da ignorância. Isabella: Exatamente, a gente vê no futuro, tamo vendo né? Leonel: Claro. Isabella: E por último, qual que é o aluno que a gente deseja formar e qual é o que a gente forma? Leonel: Qual o aluno que a gente deseja formar? O aluno que a gente deseja formar é um aluno com uma capacidade crítica, ou seja, que a escola ensina ele ter, a pensar. Que ele conheça sua história, conheça da onde veio, quem é. Que ele seja sujeito da sua história e que a gente possa ser um canal de melhorar economicamente a vida das famílias, porque a escola de tempo integral ela é de fato a proteção da família brasileira. E o aluno que nós queremos é um aluno critico, consciente da sua história, consciente da história do mundo, capacitado para o mercado de trabalho e que ele tenha a oportunidade após a sua formação escolar, de ele optar pelo meio acadêmico, né? ou pelo um curso técnico de qualidade que possa lhe dar um emprego com um salário que ele possa ter uma vida melhor, se desenvolver, formar família, parceiro parceira ou o que, de fato, ele desejar, pra que a gente possa melhorar economicamente o país. Isabella: Bem diferente do que a gente tem hoje, né? Leonel: É, totalmente né Isabella, bacana, se precisar de documento eu tento te enviar, ta? Eu tenho alguns documentos do CIEP, de construção inicial, do acervo. Eu vou pedir ao Bruno, que trabalha comigo, pra que ele possa te enviar também, ta? E Parabéns, parabéns pela coragem também de defender o CIEP, a escola pública do povo. Isabella: Beleza, muito, muito obrigada.

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Nilma Ramos Ximenes Entrevista realizada no dia 25/10/2020 1. Qual seu cargo nessa escola? - Professora de uma turma de Educação de Jovens e adultos, com muitos alunos com deficiência incluídos. 2. Quanto tempo você está na área de Educação? - Há 50 anos 3. Quais as ações vocês têm adotado para a construção do conhecimento? - Principalmente a troca de experiências e investimento nas potencialidades e possibilidades individuais, através do trabalho com projetos de inserção na realidade e cultura local. 4. Qual a Formação continuada que essa rede adota? - Aos professores, esporadicamente, são oferecidos cursos de pequena duração, orientação para projetos e palestras. 5. Como os recursos didáticos auxiliam nos processos de aprendizagem do aluno? - Recursos didáticos são imprescindíveis para o enriquecimento do trabalho pedagógico eficiente. A rede pública municipal do Rio, na realidade, oferece pouquíssimos recursos didáticos, por isso o professor precisa ser criativo e trabalhar com materiais alternativos, com investimento na reciclagem 6. Como o Estado tem se colocado para corrigir os índices de privação das crianças oriundos da ausência e/ou redução dos serviços públicos existentes no território onde o CIEP está localizado? - Há oferta de alimentação razoável, esporadicamente, de material didático e uniforme, oficialmente. Há encaminhamento dos alunos com deficiência para Salas de Recursos e atendimento especial. Extraoficialmente, a direção junto

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junto ao CEC (Conselho Escola Comunidade) implementa ações de orientação das famílias para vacinação, atualização de documentos e inserção no mercado de trabalho. 7. Garantir oportunidade de acesso à Educação, Esporte, Lazer e Cultura é um direito fundamental estipulado na Constituição Federal de 1988. Como esse agrupamento de serviços ocorre nos espaços dos CIEPs? - Quando há professor de Educação Física disponível, o que nem sempre acontece, as turmas são atendidas regularmente e são inseridas em competições esportivas. Por iniciativa exclusiva dos professores, busca-se a participação em atividades culturais, especificamente junto ao SESI e SESC, que oferecem espetáculos de música e teatro, bem como visita aos pontos turísticos da cidade, mesmo com a dificuldade de transporte para alunos. Há uma parceria da escola com a Vila Olímpica para a realização de atividades extracurriculares 8. Como está sendo o processo de ensino online? - De certa forma, tem trazido o benefício de estimular alunos e professores a valorizarem o aspecto da educação online, mudando o patamar da mídia, que para muitos, era usada mais pra diversão, bem como a habilitar os professores para o uso de diversas plataformas. Por outro lado, temos o problema da falta de universalização dos serviços, aos quais grande parte não tem acesso, inclusive alguns professores de regiões de periferia. 9. Como a implementação das novas diretrizes curriculares (conferir esse nome) refletirá nesse processo? - Se as novas diretrizes a serem implantadas vierem a contemplar as reais necessidades da comunidade escolar e encaminharem o provimento de recursos, a valorização do professor e formação continuada, trarão, certamente, muitos benefícios. Considerando ainda, a nova realidade que se anuncia pós pandemia, que exigirá mudanças de paradigmas, há que se garantir o envolvimento de toda comunidade escolar na construção e implementação destas novas diretrizes.

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10. Qual a participação dos moradores (demanda atendida) nas decisões sobre o uso e apropriação dos espaços e atividades dos CIEPs? - Hoje em dia, infelizmente, por conta da atuação da Milícia e do Tráfico nas proximidades do CIEP, a comunidade tem se mostrado ausente, amedrontada, e só participa das atividades estritamente ligadas ao trabalho cotidiano da escola. Nem mesmo, quando da invasão e depredação do espaço e materiais, a comunidade se posiciona. 11. Há algum canal específico (como um Conselho) de decisão ou deliberação para a formatação das regras e/ou leis específicas sobre o uso do equipamento? - Há o CEC, que tenta, muitas vezes sem muito sucesso, estabelecer regras e critérios com os quais a comunidade não se compromete de verdade. 12. Havia ou há programas de capacitação específica para os Educadores nesta modalidade de ensino? - Sim, já houve, em outras gestões, excelentes programas e capacitação, que infelizmente foram escasseando e se tornando muito esporádicos. 13. Qual o raio de abrangência do CIEP? Ele tem dado conta da demanda do território? Caso negativo qual percentual e qual faixa etária que está mais descoberta? - Na Educação de Jovens e Adultos, supre quase a totalidade da necessidade. Na Educação Básica, de primeiro segmento, há carência de vagas e a com unidade nem sempre é atendida e precisa buscar vagas em outras regiões. 14. As diretrizes curriculares são adequadas ao território onde o CIEP está localizado? - Sim, mas com as devidas adaptações realizadas pela equipe pedagógica e pelos professores de classe para atender às reais necessidades de cada grupo.

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15. Qual é a perspectiva dos alunos que saem dessa escola? - Há uma grande preocupação quanto a isso, uma vez que nestas localidades não há ensino superior e os alunos precisam se deslocar gerando o problema de recursos para o transporte, além da grave questão de terem que arcar com o custo do ensino particular que predomina no interior. Há ainda, a preocupação de difícil acesso à educação continuada, em cidadezinhas onde só o ensino de primeiro segmento é oferecido. 16. Como O CIEP colabora com a mobilização social? - Sem dúvida, o papel do CIEP, é fundamental nesta mobilização, uma vez que promove o intercâmbio entre as famílias, orienta os alunos sobre seu papel social, direitos e deveres, o que, consequentemente, atinge seus familiares. Sobretudo, o desafio de que a comunidade se responsabilize pela preservação e manutenção deste território, que é um bem comum e presta serviço inestimável à comunidade. 17. Como estão os indicadores de violência no território em que o CIEP está localizado? Na sua percepção estes indicadores se alteraram? - Em nossa região, a violência sempre foi uma constante. Mesmo durante a pandemia, aconteceram alguns saques à escola e muitos conflitos nos arredores. Ultimamente, os confrontos entre milicianos e traficantes, se intensificaram, cerceando o direito dos moradores, que se veem reféns dos dois grupos. Houve alteração para pior. 18. O que muda na formação do Ensino Integral (de Anísio Teixeira) para a adequação das Escolas cívico-militares? - Sem sombra de dúvida, o Ensino Integral de Anísio, foi o embrião do programa dos CIEPs, que trouxe para os docentes conscientes, a esperança de uma educação de qualidade, cuja prioridade seria a formação integral do aluno e não apenas a mera instrução. Na escola Cívico-militar, de custo muito mais alto, se prioriza a instrução, talvez com vistas ao desempenho no Ideb. Nesta modalidade, os pais se satisfazem com o fato de os filhos estarem em um ambiente seguro e disciplinado. Questiona-se a “adequação” de tais sistemas. Certamente haverá mudanças, nem sempre positivas.

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19. Em 2019 não houve construção de novas escolas no Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, descaracterização significativa de muitos edifícios dos CIEPs. Podemos ver isso com bons olhos, apenas a caráter de uma atenção para a escola, ou importaria mais que ocorresse de fato uma apropriação? (Joaquim Pimenta x Ulysses Guimarães) - É claro que o que mais importaria seria uma apropriação, com as devidas alterações que viessem a facilitar a ação educativa, otimizando o uso dos espaços e oportunizando novas e mais eficazes ações para a clientela e a comunidade local. 20. Qual a demanda social dessa escola? - Em primeiro lugar, local de acolhida dos estudantes, oferecendo uma formação ideal e, na medida do possível, ampliando os horizontes culturais. Consequentemente, trazendo a família para um novo lugar, em que a educação traz a possibilidade de ascensão social, inserção no contexto da vida e, sobretudo, o exercício da cidadania, com usufruto dos direitos e cumprimento dos deveres. 21. Quais as necessidades dos profissionais – administração, apoio e docentes - na escola? - Para todos os profissionais que atuam na escola, espera-se a oferta de formação continuada, programas de atualização pedagógica, troca de experiências com outros grupos educacionais, valorização profissional e garantia dos direitos. 22. Como foi pensada a questão do KIT - alimentação para os alunos? - A proposta da SME, foi de oferecer cartões alimentação, para os beneficiários do Bolsa Família e Cartão Carioca, mas houve muita reclamação dos responsáveis sobre irregularidade na entrega dos mesmos. Ofereceram-se cestas básicas, que foram consideradas pouco consistentes e em quantidade insuficiente.

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23. Há diferença na alimentação diária das crianças? Elas recebem algum auxílio? - Durante a pandemia, houve distribuição de cartões alimentação, considerados insuficientes bem como de cestas básicas que não atenderam à expectativa e necessidade das famílias. 24. Todas as escolas estão contempladas no KIT - alimentação? - Oficialmente, sim. No entanto, há informações de muitas irregularidades e dificuldades na entrega do mesmo. 25. Há discussão sobre a valorização de políticas públicas de Educação na escola? Como isso funciona? - Essa discussão ocorre esporadicamente nos Conselhos de Classe e nas reuniões do CEC. Embora seja sempre incentivada pelo sindicato e seus representantes na escola, nem sempre são assumidas de forma responsável e consciente. Há muita acomodação entre o funcionalismo. 26. Qual é o Programa Pedagógico da escola? - A escola tem um Projeto Político Pedagógico, que visa oferecer uma educação de qualidade, com envolvimento de toda comunidade escolar, em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais e as orientações emanadas da SME. Em esfera particular, busca incentivar os Projetos voltados às questões locais, visando despertar os alunos para o protagonismo de sua cidadania, consequentemente, a ser um elemento articulador na família e na comunidade. Procura, ainda, ser um local abrigo e proteção diante da vulnerabilidade existente na comunidade. 27. Quais atividades complementares? Como essas atividades se relacionam com o espaço da escola? Onde e em qual período elas ocorrem? - Há oferta de atividades extras no contraturno, diárias, quando existe o profissional habilitado e contratado. Ao lado do CIEP existe uma Vila Olímpica, que regularmente, era frequentada pelos alunos antes da pandemia. Ofereciam, semanalmente, a prática de vários esportes como futebol, algumas modalidades de atletismo e luta, natação, balé, dança de rua, teatro, capoeira e, raramente, espetáculos.

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28. Existe abertura dos espaços físicos (internos e externos) dos CIEPs nos finais de semana, para os moradores do bairro? Caso negativo, porquê? - A quadra era frequentada pela comunidade nos finais de semana e à noite, por vários grupos de esportes, luta, capoeira. Houve interrupção tanto pelas invasões ocorridas quanto pela pandemia. 29. Quais investimentos necessários que não ocorrem e/ou que são precários nessa escola? - A questão principal é a falta de recursos e investimentos na manutenção do prédio, das diversas dependências internas, ar condicionado, mídias, móveis e utensílios, segurança e recursos humanos. 30. Qual o custo por aluno na modalidade de ensino integral? - Creio que, em média, R$ 500,00 ao mês, no caso de nossa escola, com regime de 40 horas semanais. 31. “Escola como porta onde a criança possa fazer escolhas que garantam seu desenvolvimento lá na frente” (REPULHO, 2017). Qual a relação dessa afirmação com a realidade? - Em virtude da escandalosa e crescente disparidade social e políticas públicas insipientes para a educação, pouquíssimas crianças poderão fazer esta opção. Seus sonhos, na maioria das vezes, são tolhidos pela falta de oportunidades na comunidade, pelo cerceamento da liberdade que sofrem com a violência, por desacreditarem em suas possibilidades e superação; pelas limitações da escola que não tem autonomia; por fim, pela descrença de muitos profissionais de educação que se sentem oprimidos pelo sistema e acabam se acomodando. 32. Como vocês envolvem os alunos para que permaneçam na escola? - Tentando despertar e valorizar seu potencial, elevar a autoestima, oferecer atividades interessantes e proveitosas, incentivar a descoberta de talentos, promover a troca de experiências e implementar ações que favoreçam o apoio escolar aos que apresentam déficit de aprendizagem.

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33. Como é a evasão escolar, dos anos iniciais até o ensino médio? Você identifica as principais causas desta evasão? - Sempre se implementam ações que favoreçam a permanência e/ou retorno dos alunos que se ausentam por períodos longos, buscando as causas e oferecendo soluções na medida do possível. Algumas famílias saem da comunidade expulsas ou por medo da violência. Alguns alunos se ausentam por enfermidades para as quais não conseguem atendimento no serviço de saúde pública. Com certeza, a evasão nas séries finais é maior. 34. Como analisar os impactos do Programa Especial de Educação (PEE) quando foi implantado? Qual a importância de um programa desses hoje em dia? -Certamente o PEE chegou como a concretização dos sonhos da real democratização da educação, educação de qualidade para todos. Acreditamos que, para nossos dias, continua sendo o caminho ideal para se implementar, de fato, uma educação de qualidade à qual nossas crianças têm direito. Infelizmente, por falta de políticas públicas decentes, falta essa explicitada agora, pelas omissões e falácias na atual campanha eleitoral, tão cedo alcançaremos este ideal de educação. 35. No Programa Especial de Educação (PEE) formar o professor também era preocupação da escola. Os dados mostram que em 1993, no concurso público para profissionais em escolas de horário integral, de 140.000 inscrições, cerca de 80.000 foram os aprovados, sendo o maior índice de reprovação a redação, tendo carência de 12.500 professores para o ciclo básico e ginásio. Hoje em dia, como é encarada essa questão de aprovação do docente? - Considero que o índice de reprovação em redação, foi consequência da educação que os candidatos receberam, mais na linha de instrução que formação, sem investimento em leitura, artes e falta de oferta de atividades extracurriculares que enriquecem e ampliam o conhecimento e as experiências. Creio que não tenha havido grandes mudanças neste aspecto, mas com a exigência de graduação para atuação nas escolas, estão surgindo melhores perspectivas. 36. O plano de Educação do Rio de Janeiro (do ano de 2011) propõe que mais escolas tenham Educação em tempo integral. Qual a viabilidade disto, tendo em vista o sucateamento na Educação em geral e da narrativa de abundância de escassez de recursos?

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- Na verdade, muitas propostas ficam no papel e pouquíssimas, como para uma vitrine, são efetivadas. Há, ainda, o agravante da falta de estrutura e recursos humanos para que, de fato, esta modalidade seja assumida decentemente. Há muita maquiagem e pressão para o painel das estatísticas. São fatos que denigrem a imagem das secretarias de educação. 37. Qual é o aluno que se desejava formar, qual se deseja e qual se forma? - Nós, professores conscientes, que nos empenhamos por uma educação de qualidade para todos, sempre desejamos formar um aluno que, inserido em sua comunidade, se comprometesse e contribuísse para o bem coletivo, que tivesse resiliência, senso de justiça e solidariedade, sendo um articulador na busca de soluções. Um aluno que soubesse se posicionar perante a vida, porque lhe foram oferecidos instrumentos de formação e informação, com visão prospectiva de vida. Nem sempre tivemos sucesso, mas nosso ideal continua o mesmo, agora, mais do que nunca, nos comprometendo com as novas implicações pós pandemia. Hoje, lamentavelmente, há poucas condições de um trabalho realmente nesta linha. Começando pelo quantitativo excessivo de alunos por turma, passando pela falta de estrutura de muitas escolas, carência de recursos humanos e propostas absurdas da secretaria de educação, que fogem da condição da escola absorver. A falta de autonomia dos gestores é um agravante e, em alguns casos, a desmotivação de certos professores. 38. Comente alguma experiência marcante em seu tempo de atuação. - O trabalho na Educação de Jovens e Adultos que a SME vem implementando nos últimos tempos, oportunizou-me a realização de um desejo antigo: incluir pessoas com deficiência em turmas regulares. Foi, realmente, uma experiência marcante, onde cresci como pessoa, assumi desafios enquanto educadora e, sobretudo, tive a chance de encorajar meus colegas a assumirem, com responsabilidade, a proposta da inclusão. Respeitar direitos, vencer preconceitos e valorizar as possibilidades evidenciando as potencialidades, são desafios que nos impulsionam a exercer a cidadania plena, onde todos nos tornamos protagonistas do bem e da paz para todos.

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