A influência do setor comercial nas redações e o financiamento coletivo de conteúdos jornalísticos

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A influência do setor comercial nas redações e o financiamento coletivo de conteúdos jornalísticos independentes como alternativa Isaías Rheinheimer1 Filipe Foschiera Vieira2 Nem tudo está perdido para jornalistas que pretendem realizar reportagens investigativas longe das amarras capitalistas, resta saber se a alternativa terá vida longa.

RESUMO: Este artigo aborda o jornalismo sem fins lucrativos através do financiamento coletivo de conteúdos jornalísticos (crowdfunding). Em grande medida, a proposta devolve a autonomia para os jornalistas - muitos deles demitidos recentemente por conta da crise econômica que destrói, dia após dia, centenas de postos de trabalho no mundo -, e, como isso, se relaciona com a Sociedade do Espetáculo, que trata do capitalismo (da necessidade de consumo) e da alienação da sociedade. A vida nas redações está cada vez mais delicada, com pressão do setor comercial no trabalho do jornalista para garantir um produto vendável antes de qualquer coisa. Por isso, para aqueles jornalistas insatisfeitos com essa influência, mostramos que é possível fazer jornalismo independente e que, paralelamente, a sociedade tem a oportunidade de voltar a pensar.

Palavras-chave: Jornalismo independente; crowdfunding; Sociedade do Espetáculo; financiamento coletivo; conteúdo jornalístico; cibercultura; ciberjornalismo.

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É estudante de jornalismo, cursa o segundo semestre de Comunicação Social na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. É repórter há sete anos na Editora Jornalística O Diário (Ivoti/RS), que abrange 11 municípios da Encosta da Serra. E-mail: isaias.jornalismo@gmail.com. 2 É estudante de jornalismo, cursa o terceiro semestre de Comunicação Social na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. É repórter no Jornal de Gravataí (Gravataí /RS), um dos maiores diários impressos do Vale do Gravataí, e também em projetos paralelos em rádio comunitária e rádio web. E-mail: filipetec@hotmail.com. 1


Introdução Este artigo trata do crescimento/surgimento de financiamentos coletivos de conteúdos jornalísticos independentes (crowdfunding), que naturalmente resultam em reportagens investigativas de fôlego. As demissões em massa, jornalistas fazendo o papel de fotógrafo, redator, editor, diagramador e até de motorista, o advento das redes sociais (cibercultura), a dispensa do diploma, a falta de espaço para trazer assuntos mais aprofundados, entre outras questões que assolam as empresas jornalísticas do Brasil afora, mas, principalmente, a intromissão comercial no dia a dia das redações, resultam no empobrecimento do jornalismo. Essa conclusão não exige muito para ser comprovada, mas Ignacio Ramonet dá a sustentação necessária: À procura de uma rentabilidade que não encontram, as empresas da imprensa são entregues a temíveis cost killers, especialistas na redução de custos, que cortam a machadas as equipes e as despesas. Em todos os lugares as demissões são drásticas(...). Os salários dos funcionários foram diminuídos ou congelados. Quem diz “enxugar” as redações fala de um tratamento menos completo da informação(...). e mais grave ainda, da extinção de programas de gêneros que passam a ser considerados como “muito caros”, “não rentáveis”: o jornalismo de investigação e as reportagens locais(...). É claro que as redações têm hoje menos autonomia de análise. O ponto de vista específico, a maneira de ver particular de cada redação diluiu-se pouco a pouco. Esse intelectual coletivo que chamamos de “redação” é igualmente ameaçado de “desaparição silenciosa”. Como comunidade – com sua tradição de debates, sua hierarquia e seus ritos –, também ela está em vias de demolição rápida ou de grande transformação sob os fortes golpes da internet e das redes sociais. (RAMONET, 2012, p. 36, 37 e 39).

Fazer jornalismo dá trabalho e, claro, exige aporte financeiro. Então, a partir deste contexto, o objetivo desse artigo é demonstrar aos estudantes de jornalismo e aos jornalistas que desejam investir em histórias, que talvez não ganhariam espaço na mídia tradicional, que a colaboração pode fomentar novos espaços editoriais. É possível se desprender de amarras comerciais e dedicar-se a conteúdos relevantes à sociedade. Nesse sentido, um dos caminhos a se seguir é investir na carreira independente associada ao financiamento público, exemplo que será tratado por meio da Pública, Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo (Barra Funda/SP). Para embasar este trabalho, vamos ter como teoria a Sociedade do Espetáculo, análise crítica de Guy Debord sobre o consumismo e suas influências na sociedade, e 2


relacionar com uma “novidade” no mercado jornalístico, o financiamento coletivo de reportagens. Esse novo modelo de produção jornalística é luz para a manutenção do jornalismo independente, que nos moldes atuais não passa de uma terminologia mítica.

Sociedade do Espetáculo e os prejuízos ao jornalismo

Um retrato de que o capitalismo influencia diretamente os meios de comunicação e as pessoas foi apresentado pelo filósofo Guy Debord, ainda na década de 1960, quando elaborou a teoria “Sociedade do Espetáculo”. Debord aborda as manifestações espetaculares na sociedade moderna e as define como algo a serviço do capitalismo, fazendo com que a vida das pessoas não seja autêntica e sim baseada na alienação.

O espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele é um suplemento ao mundo real(...). É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário - o consumo. Forma e conteúdo do espetáculo são identicamente a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. (DEBORD, 1967, p. 14 e 15).

Para o autor, a propaganda, ou mesmo conteúdos investidos do manto sagrado do jornalismo, têm efeito agressivo sobre o público, com isso consegue ditar regras – necessidades de consumo – fazendo o receptor, no caso o leitor/ouvinte/telespectador, refém de seus interesses. O autor da teoria Sociedade do Espetáculo, Debord, juntamente com outros militantes políticos e estudiosos, fazia parte da Internacional Situacionista (IS). O grupo, que passou a ser conhecido como Os situacionistas, queria acordar a sociedade da alienação que vivia. A intenção era fazer que estudantes e trabalhadores se mobilizassem, através de sindicatos, e agissem dentro das instituições e empresas em que atuavam. O movimento aconteceu, mas fracassou como estratégia para revolucionar a sociedade capitalista (COELHO, 2011). Em 1988, Debord publica os Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo, reconhecendo que, em vez de a sociedade do espetáculo ser destruída, ela se fortaleceu no período histórico posterior às lutas sociais de 1968. Nesse texto, ele afirma que a produção de espetáculos 3


tomou conta de toda a vida social; o poder espetacular manifesta-se agora de forma integrada, já que desapareceram os movimentos sociais de oposição, que se assimilaram à sociedade capitalista e não defendem mais sua superação (COELHO, 2011).

Mas o capitalismo não é o único vilão da história do empobrecimento do jornalismo. O conteúdo que atualmente é priorizado pelos meios de comunicação passa também pelas mãos (interesse) do público. Cada vez menos interessado em assuntos que dizem respeito ao crescimento socioeconômico de sua cidade (só para citar um exemplo), o receptor está interessado em animosidades, fofocas, entre outras banalidades da vida moderna. Para atender ao público, os meios de comunicação acabam caindo na armadilha do “se não fizer, alguém fará” e cedem ocupando um espaço com informações que, bem avaliadas, não teriam tanto peso. O resultado é a miséria, o fim de análises e conjecturas – conteúdos indispensáveis para a formação de opiniões e de elaborações conceituais que podem estabelecer diretrizes para melhorar a vida de uma comunidade. O jornal de hoje quase não está mais servindo para embrulhar peixes, ou vem servindo apenas para isso. De acordo com o jornalista Juremir Machado, corroborando com a análise apresentada acima: “Na atualidade, com o triunfo (momentâneo? periclitante?) do neoliberalismo ou simplesmente com a crise (passageira?) da utopia marxista, o mercado comanda, o manual da redação adapta-se a ele e o jornalista, mesmo convencido de seguir rigorosamente a norma, limitase a fazer a vontade do consumidor” (2000, p. 10).

Em outras palavras, tudo está atrelado ao capital e se no final das contas os bolsos vão estar cheios. Se não for assim, o jornalista e o conteúdo que ele produz não prestam. Refém do sistema, o jornalista, por mais revolucionário que queira ser, acaba curvando-se as vontades capitalistas ‘para ter o que comer no almoço do dia seguinte’. A regra do comércio é clara: o cliente sempre tem razão. Então, se o consumidor quer, o mercado trata de atender sua vontade para não perder. Para o jornalista José Arbex JR, autor do livro Showrnalismo, a notícia como espetáculo, “a transformação de ‘fato’ em ‘notícia’ passa pela sanção do mercado” (2002, p. 97), logo, quem faz o mercado? O cliente! E, como podemos ver, a história não evolui deste circulo vicioso do qual o jornalismo é refém. O capitalismo subestima o intelecto humano e está acabando com o poder de decisão dos cidadãos. As ‘coisas’, mesmo que subliminarmente, estão quase sendo 4


impostas pela mídia capitalista. Vale ressaltar que esse não é um fenômeno recente, pois desde os primeiros estudos funcionalistas da comunicação o víeis mercadológico já era observado. A notícia, como produto final, é o resultado de um pacto de cumplicidade: o mercado se vê refletido por uma mídia que, por sua vez, dá visibilidade aos eventos que reforçam a estrutura de mercado. O ‘efeito de mercado’ contamina os mais distintos campos de produção cultural, incluindo as ciências humanas e a filosofia, já que, para adquirirem visibilidade na mídia, devem provar-se sedutores e ‘vendáveis’ como ‘produto’ (ARBEX JR, 2002, p. 97).

Toda essa relação “promiscua” do jornalismo com o capitalismo nasceu logo depois de 1900. O capitalismo começou a tomar conta da mídia quando os jornais passaram a usar as colunas de opinião para atacar corporações. James Edward Rogers afirma que “por terem atingido seus objetivos, provocando pressão contra interesses de grandes negócios, os jornais passaram a ser alvo dos interesses capitalistas como forma de autopreservação provocando a entrada dos capitalistas no universo da imprensa como negócio” (apud TÖNNIES, 2006, p. 119). Logo, o jornalismo começou a sofrer interferência direta na qualidade do material produzido e os meios de comunicação passaram a se preocupar mais na venda do que na formação de opinião. Esse prognóstico passou a ficar cada vez mais escancarado com o passar dos anos, até que se teve um choque de realidade e as empresas jornalísticas passaram a se dar conta do frágil conteúdo que estavam produzindo. Os ‘jornalistas com pedigree3’ tentam reinventar o jornalismo desatrelado do capitalismo e a maneira que se mostra viável é o financiamento coletivo (crowdfunding). Financiamento coletivo – crowdfunding O jornalismo puro-sangue está em extinção no Brasil. O que os leitores, ouvintes e telespectadores dos sistemas de edição multiplataforma recebem é o resultado de uma equação que inclui, evidentemente, os fatos, mas agrega aditivos que refletem o interesse específico de determinada empresa de comunicação no tema. As célebres perguntas básicas do jornalismo – “quem, o que, quando, onde, como e por quê?” – são agora submetidas a uma simples questão: “quem ganha, quem perde?”. Essa formulação define como vai funcionar o filtro da mídia e é esse o padrão que determina o resultado do processo midiático. Portanto, importa cada vez menos o 3

Jornalista com pedigree: aquele que tem uma ideologia marcante e a segue, negando assim imposições comerciais no seu trabalho. 5


acontecimento em si, e cada vez se torna mais relevante o processo comunicacional. Em alguns casos, o movimento massivo e coordenado dos grandes meios pode alterar o significado de um evento e conduzir a sociedade a ações contrárias a seu interesse (COSTA, 2015).

A análise de Luciano Martins Costa, ao escrever “O fim do jornalismo purosangue” para o Observatório de Imprensa, contempla os dois lados deste artigo. Fala da decadência do jornalismo (e dos jornalistas?) e do uso dos meios de comunicação, com seu poder de formador de opinião, para interesses comerciais. É inegável que Costa mexe com o ego dos jornalistas quando afirma o fim do jornalismo puro-sangue. Na mesma linha, Denis Jeambar, fala do intelectual coletivo das redações que estariam ameaçados de desaparecer, pois se perdeu a tradição de debates: “(...) a gordura pensante de uma redação paquidérmica, o mau humor permanente de uma assembleia de ranzinzas procurando bodes expiatórios durante todo o dia” (apud RAMONET, 2012). Nesse sentido, o financiamento coletivo (crowdfunding) de conteúdo jornalístico pode alterar esse paradigma, pois incentiva efetivamente o jornalismo investigativo. O mecanismo é simples, a já citada Pública trabalha da seguinte forma: o jornalista apresenta suas ideias de pautas e como pretende desenvolvê-las. Diz qual será o custo e o prazo de produção. De acordo com o interesse, o público apoia o projeto fazendo depósitos de qualquer valor em uma conta disponibilizada pela agência. Após a conclusão da reportagem, o jornalista responsável recebe o valor correspondente. Esse novo modelo de negócio para o jornalismo começou a ganhar destaque nos últimos dez anos e começou a ser citado como “jornalismo sem fins lucrativos”: Nos nichos da web, novos sites de informação desenvolvem-se e especializam-se sobre assuntos bem precisos. Destinguem-se várias tendências. Em primeiro lugar, o ‘jornalismo sem fins lucrativos’, financiado por mecenas, fundações ou doações feitas por cidadãos que não desejam ver o desaparecimento da informação independente, um dos pilares da democracia. Não se trata de uma fórmula mágica, mas é uma pista interessante (RAMONET, 2012, p. 77).

O Kickstarter4 é um dos mais expoentes grupos de financiamento coletivo do mundo. Ele já arrecadou mais de 1 bilhão de dólares para mais de 50 mil projetos, desde que foi criado. Em abril de 2012, com base no diretório do Crowdsourcing.org, o mais Dados extraídos da matéria “Um canal para produção de reportagens via financiamento coletivo” (LARA, 2014). 4

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completo banco de dados de sites de crowdfunding, havia 452 plataformas de financiamento coletivo ativas no mundo, movimentando quase 2,2 bilhões de dólares e financiando mais de um milhão de campanhas em 2011. Isso mostra que o financiamento coletivo, em um âmbito geral, tem dado certo.

A Agência Pública, o crowdfunding e a Sociedade do Espetáculo: quais relações podem ser estabelecidas?

O boom do crowdfunding no Brasil ocorreu no início do século 21 e era apresentado como “vaquinha”. Para o jornalismo, apareceu pela primeira vez somente no final de 2011, com o lançamento da plataforma Catarse5, mas teve maior visibilidade em 2013 através da Agência Pública6. O Catarse movimentou R$ 14 milhões para viabilizar 930 projetos desde que foi criado. A Pública ancora seus projetos no Catarse. A diferença entre o Catarse e a Pública é que o primeiro busca financiamentos para diversos segmentos, já a Pública somente para a área de jornalismo. Na primeira campanha, entre agosto e setembro de 2013, a Pública arrecadou R$ 58.935 de 808 apoiadores (média de R$ 72 por pessoa). Em troca, foram publicadas 12 reportagens investigativas ao longo de seis meses no site da agência e em uma rede de republicadores – site, jornais e demais parceiros da Pública, que ajudam na divulgação do conteúdo produzido pelos jornalistas que ganham o financiamento. Ao defender o trabalho que vem realizando, a Pública fez a seguinte análise: Para assinar uma revista semanal por um ano, o leitor brasileiro paga em média 430 reais. Em troca, recebe na sua casa o produto, um compilado das principais notícias selecionadas por editores que muitas vezes ele desconhece – e segundo critérios que raramente são expostos de maneira aberta e transparente. Seu papel como financiador é pequeno(...) Pode parecer óbvio, mas é fundamental para entender o que tem levado milhares de pessoas a investir em projetos de jornalismo que ainda nem existem, por meio do financiamento coletivo, ou crowdfunding. O crowdfunding é um modelo de produção completamente diferente. O foco é a qualidade e não a quantidade. E não se trata de qualidade jornalística apenas, mas de experiência. Não se trata de uma relação entre fornecedor e consumidor, mas de algo simbolicamente muito mais complexo: a integração do leitor no fazer jornalístico. E é por isso que combina tão bem com a nova era da produção do jornalismo pós-industrial. (VIANA, 2015)

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https://www.catarse.me/pt http://apublica.org/quem-somos 7


Em 2015, quando completou quatro anos de fundação, a Pública lançou sua segunda campanha de arrecadação e atingiu o objetivo. Foram arrecadados R$ 70.224 de 963 apoiadores. Até dezembro, a Agência irá publicar dez (algumas já saíram e podem ser conferidas no site da Pública) reportagens investigativas. Entende-se, com base na pesquisa realizada, que o financiamento coletivo está atrelado à cibercultura. Sem a (semi) democratização do acesso à internet e o advento das redes sociais, possivelmente não existiria o crowdfunding e o jornalismo seguiria à míngua. Com a cibercultura/ciberjornalismo tudo ficou mais transparente, iniciando assim um processo de revolução da comunicação. Contudo, cabe salientar que mais informação não é, necessariamente, mais comunicação (WOLTON, 2011). O jornalista independente, que até então não tinha para onde correr, passou a ocupar espaço aberto com a cibercultura e seu trabalho passou a ser visto e valorizado. A mídia tradicional, ainda presa ao século retrasado e conectada à Sociedade do Espetáculo, entrou em descrédito. Agregada ao conceito de Sociedade do Espetáculo, onde o que importa não é a transparência, mas a visibilidade: a visibilidade de uns serve para fomentar e manter passivos e ordenados os outros invisíveis/receptores. A transparência era o grande ideal iluminista da modernidade: informar é o ato de tornar transparente. Na lógica do espetáculo, quanto mais visibilidade, menos transparência. A Tese 12 (Debord, 1997, p. 16) é taxativa: “O que aparece é bom, o que é bom aparece” (no espetáculo). (MORAES, 2011, p. 550 e 551)

Ou seja, ao mesmo tempo em que exigia transparência, os meios de comunicação de massa foram atingidos por ela com a chegada da cibercultura. A atuação da imprensa passou a ser questionada e criticada pelo público que passou a ocupar de forma revolucionária o ciberespaço, abrindo também as portas para a interatividade. A transparência “ofuscou o brilho” de muitas empresas de comunicação. A maneira encontrada por elas para melhorar a imagem foi investir em tecnologias e pessoal para se comunicar com esse “novo público”. A ação resultou numa melhora no relacionamento, mas a revolução já aconteceu e a imprensa capitalista aprende a conviver com isso. A Pública, diferente dos veículos de comunicação que aí estão, não entra na esfera opinativa. Não publica notícia trivial, o hard news do dia a dia, tampouco se sustenta com dezenas de colunistas emitindo opiniões sobre tudo e todos. Aí está uma diferença entre o que a Pública está se propondo ao investir no financiamento coletivo e a mídia tradicional: a Agência quer qualidade e profundidade e não a cultura do “click” 8


– audiência por audiência. Aliás, a cultura do “click” está atrelada a Sociedade do Espetáculo, já que é através da audiência que os veículos defendem o comercial (capitalismo). Com a Pública, a história é outra. É oferecer conteúdo relevante e de embasamento, para tirar o leitor “da caixa” e fazê-lo refletir sobre determinados assuntos. Em cima disso, ele fica livre para tirar conclusões lúcidas, contrariando o capitalismo criticado pela Sociedade do Espetáculo, que faz de tudo para cegar a população com seu “jornalismo de mentirinha”. Nas reportagens até o momento financiadas por intermédio da Pública, estão assuntos diversos: desde violações de Direitos Humanos até denúncias que revelam relações suspeitas entre empresas financiadas pelo governo. O trabalho vem dando o que falar e algumas reportagens pautaram o restante da mídia tradicional após serem publicadas. Considerações finais Nem tudo está perdido para jornalistas que pretendem realizar reportagens investigativas longe das amarras capitalistas, resta saber se a alternativa terá vida longa. O financiamento coletivo de conteúdo jornalístico é uma novidade que vem tendo bons resultados no Brasil e no mundo. Contudo, caminha num terreno movediço, cheio de incertezas. No Brasil, muita coisa boa nasce e morre em um piscar de olhos, por falta de apoio, de continuidade, de persistência ou por comodismo. O crowdfunding de jornalismo está dando certo por ser um “brinquedo novo” ou porque as pessoas não estão completamente mergulhada na “Sociedade do Espetáculo”, alienada a assuntos relevantes – e, em grande medida, graves – que acontecem no mundo? A análise nos mostra que a primeira opção é a resposta certa. Esse modelo de negócio está dando certo por ser um “brinquedo novo”? Por enquanto, pode até ser que sim. Mas, sem dúvidas, investir no ramo vale a pena e permite um olhar mais apurado e aprofundado de reportagens que perderam seu espaço na imprensa em decorrência da concorrência do capitalismo. Fica a interrogação: Qual será o futuro do financiamento coletivo para o jornalismo? A Agência Pública, por exemplo, existe há quatro anos, mas faz pouco tempo que está se dedicando ao financiamento coletivo de reportagens investigativas. No sentido de garantir o sucesso do empreendimento, seria importante que a Agência

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realizasse parcerias (para não se vender para o mercado e manter o caráter independente) com agências publicitárias com o intuito de popularizar o projeto, garantindo, assim, mais doações e mais conteúdos jornalísticos de qualidade e relevantes à sociedade. A partir do momento em que as empresas jornalísticas passaram a priorizar o capitalismo, o espaço para reportagens foi se esvaindo e, automaticamente, as redações foram sendo enxugadas. É importante salientar que essa redução se deve também em função da crise econômica mundial. As demissões em massa são um dos principais motes que impulsionaram o financiamento coletivo. Sem emprego, os jornalistas se vieram obrigados a buscar novas alternativas. Outra alavanca é o fortalecimento da cibercultura, que possibilitou o crescimento e a propagação da mídia digital, potencializando a divulgação e permitindo maior interatividade entre o produtor (jornalista) e o receptor (internauta). Mas dessa análise toda concluímos que o processo de democratização da internet coloca a mídia tradicional, que sustenta(va) a teoria Sociedade do Espetáculo há séculos, um degrau abaixo que estava, e deixa a porta aberta para a decolagem das plataformas que defendem o jornalismo independe, de fato.

Referências ARBEX Júnior, José. Fatos e notícias. In:______. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. p. 95-137. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Mídia e poder na sociedade do espetáculo. Revista Cult, São Paulo, ed. 154, fev. 2011. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2011/02/midia-e-poder-na-sociedade-doespetaculo/>. Acesso em: 13 jun. 2015. COSTA, Luciano Martins. O fim do jornalismo puro-sangue. Observatório de Imprensa, São Paulo, ano 19, ed. 839, 25 fev. 2015. Disponível em: < http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-emquestao/o_fim_do_jornalismo_puro_sangue/>. Acesso em: 13 jun. 2015. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. LARA, Tomas de. Um canal para produção de reportagens via financiamento coletivo. Brasil Post, 12 mar. 2014. Disponível em: < http://www.brasilpost.com.br/tomas-delara/reportagens-financiamento-coletivo_b_4951224.html>. Acesso em: 11 jun. 2015.

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MORAES, Heloisa Juncklaus Preis. Inteligência coletiva: o ciberespaço como retrato da sociedade ou uma discussão da ética da estética. Revista Famecos: Mídia, Cultura e Tecnologia, Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 542-556, maio/agosto 2011. TÖNNIES, Ferdinand. Opinião pública ou “a” opinião pública. In: MAROCCO, Beatriz; BERGER, Christa (Orgs.). A era glacial do jornalismo: teorias sociais da imprensa: pensamento crítico sobre os jornais. Porto Alegre: Sulina, 2006. p. 115-127. RAMONET, Ignácio. Inovações e êxitos. In:______. A explosão do jornalismo: das mídias de massa à massa de mídias. São Paulo: Publisher Brasil, 2012. p. 36-39 e 7785. SILVA, Juremir Machado da. A miséria do jornalismo brasileiro: as (in)certezas da mídia. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. VIANA, Natália. Por que fazer um ‘crowdfunding’ para jornalismo? Observatório de Imprensa, São Paulo, ano 17, ed. 759, 13 ago. 2013. Disponível em: < http://observatoriodaimprensa.com.br/interessepublico/por_que_fazer_um_lsquo_crowdfunding_rsquo_para_jornalismo/>. Acesso em: 12 jun. 2015. ______. O jornalismo independente precisa de você. Agência Pública, 13 jan. 2015. Disponível em: <http://apublica.org/2015/01/o-jornalismo-independente-precisa-devoce/>. Acesso em: 12 jun. 2015. WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Editora Sulina, 2011.

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