ACESSO
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Entrevista:
“Além dos Obstáculos”
Mariana Torquato desconstrói os estereótipos de pessoas com deficiência
Relatos de quem vive dificuldades no dia a dia
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páginas 6 e 7
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editorial
suplemento Acesso Livre tem como objetivo abordar assuntos que se relacionam com a questão da Acessibilidade. Por não contarmos com uma pessoa com deficiência na redação e diagramação desse projeto, buscamos dar voz a todos e produzir um conteúdo que fosse do interesse dessa parcela da população, que representa uma grande parte dos brasileiros – cerca de 24%, segundo o IBGE - e que não tem as mesmas oportunidades que pessoas sem deficiência por pura desinformação e preconceitos presentes em nossa comunidade. Acreditamos que a inclusão da pessoa com deficiência depende de acesso. A Acessibilidade, como tantas outras conquistas sociais, necessita não só da vontade da população, mas também do interesse político, que existe no plano ideal dos programas de governo, mas nem sempre avança para o campo das ações. Apesar da Paralimpíada Rio 2016 ter sido um sucesso no quesito visibilidade, encorajamento e apoio aos atletas, essa postura não deveria ficar restrita apenas no decorrer dos Jogos, muito menos somente àqueles que participam da competição. O acesso deve ser fornecido durante todo o ano, para toda a população. Esperamos mostrar, com essa produção, que cada um dos nossos entrevistados enfrentam dificuldades cotidianas, mas que isso não os define. Essas pessoas possuem conquistas e derrotas, como qualquer indivíduo, independente de suas limitações. Desejamos que esta publicação contribua para a criação de relações interpessoais cada vez mais respeitosas. Nós, da equipe Acesso Livre, acreditamos em uma sociedade igualitária, em que o respeito está colocado acima de qualquer preconceito ou repressão. Buscamos quebrar a barreira do ‘normal’ que, na verdade, é extremamente anormal. Acreditamos que todos os seres são diferentes, cada um de sua maneira, e é isso que nos permite apreciar a vida.
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação DIRETOR: Prof. Dr. Marcelo Carbone Carneiro VICE DIRETOR: Profa. Dra. Fernanda Henriques
índice
30% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, mas o capacitismo impede a compreensão dessa realidade Daniele Fernandes
O palavrão: Capacitismo Mobilidade é prejudicada por falta de estruturas adequadas 3 As barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência na busca por emprego 4 Entrevista - Mariana Torquato A deficiência interpretada nas telas
Planejamento Gráfico Editorial II PROFESSOR: Prof. Dr. Francisco Rolfsen Belda Jornalismo Impresso II PROFESSOR E JORNALISTA RESPONSÁVEL: Prof. Dr. Ângelo Sottovia Aranha (MTB 12.870) Av. Eng. Edmundo Carrijo Coube, 14-01 Bairro Vargem Limpa CEP: 17033-360 - Bauru SP FONE: (14) 3103-6000
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capacitismo é o conceito de que pessoas que possuem alguma forma de deficiência são diferentes, menos aptas. É como se a nossa sociedade carregasse para si a noção de que esse termo é equivalente a fraqueza, sofrimento, e aplicasse isso a todos que possuem uma deficiência. O capacitismo trabalha com um parte mais física e a outra que diz mais sobre como a pessoa com deficiência é tratada.
O físico
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Além dos obstáculos
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Tecnologia muda o dia a dia de pessoas com deficiência
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Brasil é bem representado com a nova geração paralímpica 9 Alunos especiais são um desafio Acessibilidade nas escolas
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Paralimpíada deixa mudança cultural como legado Entrevista - Drika Valério
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Lista - Adaptações em espaços
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Departamento de Comunicação Social CHEFE: Profa. Dra. Maria Eugênia Porém VICE CHEFE: Prof. Dr. Ângelo Sottovia Aranha Curso de Jornalismo COORDENADOR: Prof. Dr. Denis Porto Renó
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O palavrão: Capacitismo
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
REITOR: Sandro Roberto Valentini VICE-REITOR: Sérgio Roberto Nobre
ACESSO
A parte física do capacitismo está mais ligada à independência das pessoas com alguma deficiência, que faz com que elas precisem de auxílio ou torna as atividades diárias mais complicadas, mesmo que existam legislações que assegurem esses direitos. As calçadas que geralmente fogem do padrão ou permanecem obstruídas pelo comércio local; a falta de rampas e de acesso a cadeirantes; o raramente visto piso tátil e outras padronizações obrigatórias que são esquecidas, fazem com que a pessoa que precise de alguma dessas adaptações não consigam ou evitem realizar atividades diárias e básicas, como sair do trabalho para almoçar ou ir ao banco pagar contas. Um exemplo é o caso de Igor Gomes, um estudante de DIreito da UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Igor é cadeirante e precisa de duas conduções para chegar na faculdade. Uma delas, uma linha de trem, que não possui acessibilidade e conta com 33 degraus para acessar a plataforma. Para conseguir chegar na
faculdade o Igor precisa da ajuda de 4 funcionários da companhia e leva, só nesse meio tempo, 30 minutos. “O menino precisa esperar aparecer um ônibus que tenha a adaptação, muitas vezes explicar para o motorista como funciona o mecanismo, enfrentar os olhares dos atrasados. Quando chega no trem precisa de 4 funcionários da companhia para levar ele para o vagão. só essa parte já vai mais de 30 minutos. Que horas esse menino tem que acordar? Isso é uma barreira”, fala Mariana Torquato. “E como o estado reage quando o menino entra com uma ação contra isso? Processa o menino”. A indignação de Mariana é justificada já que, após ganhar uma ação judicial para que a empresa SuperVia e o governo do estado tornem a estação acessível e forneçam um transporte adequado para ele. Após o período o governo estadual entrou com um recurso e, quando a desembargadora derrubou a liminar, obrigaram o menino a pagar 16 mil reais referentes ao transporte oferecido. Esse é um caso de adaptações capacitismo e também entra em adaptações existentes e que, por conta de mal uso, o acesso é dificultado. Um exemplo são os elevadores que, apesar de instalados para facilitar o acesso de pessoas com dificuldade de locomoção, são fechados à chave e por isso é necessário algum funcionário presente para liberar o acesso e também as vagas reservadas com cones e outras formas de impedimento, para que pessoas que não necessitam dessa vaga não estacionem sem permissão. Essas limitações prejudicam a pessoa que
precisa do acesso e que muitas vezes estão instaladas apenas por obrigatoriedade. Você já percebeu que o local destinado a pessoas com dificuldade de locomoção no cinema, por exemplo, são os que possuem menor visibilidade da tela e onde ninguém quer ficar? Exato, ninguém quer ficar.
O social
Essa é a parte do capacitismo que envolve o modo como a pessoa é tratada pela sociedade e isso inclui a mídia. Considerar uma pessoa com deficiência incapaz, inocente, vulnerável, é pré-julgar alguém por uma característica que não define sua personalidade. Não existe na sociedade a ideia de que essas pessoas possam ser independentes e isso faz com que elas sejam julgadas. Ta m b é m não existe a ideia de sexualidade atrelada a elas, chegando ao senso comum de que alguém julgado “normal” é uma pessoa bondosa e caridosa por ter algum tipo de relação com alguém que tem uma deficiência. A linguagem utilizada normalmente também coloca as pessoas com deficiência em uma situação inferior. Ao se utilizar o termo “O deficiente” está colocando a sua deficiência como
principal característica, excluindo a sua personalidade e aparência. Quando se usa termos como “retardado” ou “anão”, também é considerado pejorativo, pois o significado que essas palavras têm para nós também é pejorativo.
A representatividade
A mídia tradicional raramente representa a população brasileira e estereotipa as minorias, fazendo caricaturas que revelam o preconceito intrínseco. Personagens com deficiência, nas novelas brasileiras, sempre possuem uma trama que gira em torno disso e geralmente são dependentes, tristes e muitas vezes algum milagre da medicina os curam. E os atores que os interpretam também não vivem essa realidade, pois foi apenas em 2008, 57 anos após a primeira novela ser lançada, que tivemos uma atriz com deficiência física em uma novela. Foi na novela Água na Boca, da emissora Band, onde a personagem Joana era cadeirante e foi interpretada por uma atriz também cadeirante. A trama de Joana não girava em torno de sua deficiência e não vitimizava a personagem, tornando-a dependente de alguém. Ela possuía problemas pessoais que não eram ligadas à sua deficiência.
“Para entrar na mídia tradicional você precisa passar por um filtro. Isso faz com que as pessoas que estão lá não representem a realidade.”
Mobilidade é prejudicada por estruturas inadequadas Falta de calçadas acessíveis obriga pessoas com deficiência física a se locomoverem pela rua Isaque da Costa
DIAGRAMAÇÃO: Mariane Tognolli Arantes Sofia de Olivera Hermoso Thábata Lima Camargo REDAÇÃO: Ana Laura Essi Daniel Daniele Pereira Fernandes Isaque da Costa e Silva Neto Marina Marques Debrino Matheus José da Silva Araújo Sofia de Oliveira Hermoso Thábata Lima Camargo
B Ana Laura
Isaque
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Mariane
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auru é conhecida por ser a cidade sem limites. Mas não é bem isso o que as pessoas com deficiência encontram ao sair de casa. A dificuldade de se locomover por conta das calçadas estreitas, em péssimas condições e sem rampas de acesso é o principal desafio para se deslocar no meio urbano. A falta de acessibilidade existe desde em bairros mais afastados até na principal avenida bauruense, a Nações Unidas. Na Lei Municipal Nº 5.825 de 2009 consta que todos os passeios públicos, cujos lotes sejam em esquinas, tem de prever, durante a execução, a implantação da rampa de acessibilidade com piso tátil. Porém a lei só fiscaliza obras que estejam em andamento, novas ou em reforma. O fato de a legislação não abranger as estruturas já existentes,
só complica a mobilidade das pessoas que necessitam das rampas. No centro de Bauru é possível se deslocar com maior facilidade, como no quadrilátero entre as ruas Bandeirantes e Ezequiel Ramos, mas em muitos bairros a calçada nem existe. É o que acontece em vários pontos da avenida Nações Unidas. Um deles é na altura do sambódromo, no qual as pessoas com deficiência, ou não, precisam andar na própria via comprometendo a integridade física. Para o Doutor em geografia pela Unicamp, José Aparecido dos Santos falta uma imposição das autoridades públicas para a melhoria da transitabilidade urbana. “Você não vê uma normatividade no que se refere a mobilidade nos passeios urbanos, o po-
der público não se impõe”, afirma José Aparecido. “Você está andando em uma calçada e encontra uma escadinha, encontra outra, agora você imagina uma senhora grávida, um idoso, uma pessoa com deficiência para se deslocar nesses caminhos” completa o geógrafo. Cidade modelo Quando se fala em imposição de autoridades públicas para melhorar a mobilidade no meio urbano, Uberlândia serve de exemplo. Com a criação de leis e órgãos de fiscalização como o “Núcleo de Acessibilidade” - que garante o direito de ir e vir de todos os moradores – a cidade mineira foi considerada em 2010 pela ONU uma das 100 cidades do mundo modelo em acessibilidade.
Uberlândia possui rampas de acesso em todas as esquinas, foi o primeiro município brasileiro a ter 100% do transporte público acessível, piso tátil para orientar deficientes visuais está presente nas calçadas, terminais rodoviários e prédios públicos. E assim como em Bauru, os novos projetos de rua, prédio ou loteamento só é aprovado se tiver planos de acessibilidade. Essas medidas que são tomadas para melhorar a locomoção das pessoas com deficiência vão muito além da mobilidade física. Proporciona inclusão social, além de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos com deficiência ao possibilitar condições de se movimentarem pelos diferentes espaços de uso coletivo da cidade.
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Entrevista
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As barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência em busca de emprego
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mariana Torquato
Mariana Torquato já cursa a segunda faculdade e no YouTube desconstrói a imagem que a mídia e a sociedade brasileira criam sobre as pessoas com alguma deficiência Daniele Fernandes
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Gestores afirmam que há resistência ao contratar pessoas com deficiência
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Os gestores de empresas precisam se informar mais sobre contratação de pessoas com deficiência
A segunda edição da pesquisa “Expectativas e Percepções sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho”, feita em 2015 pela i.Social, uma consultoria com foco na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em parceria com a Catho e com apoio da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), buscou apresentar a explicação para essas barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência na busca por um emprego. De acordo com os resultados da pesquisa, que entrevistou 1519 profissionais de Recursos Humanos, 67% dos gestores e empresários têm resistência em entrevistar e/ou contratar um candidato com deficiência. Além disso, 93% dos entrevistados consideram que os gestores necessitam de mais informações sobre contratação e gerenciamento de pessoas com deficiência. As quatro principais dificuldades apontadas pelos entrevistados para a contratação de uma pessoa com deficiência são, em primeiro lugar, a baixa qualificação do candidato (51%), seguida por falta de acessibilidade (49%), resistência de gestores (39%) e, por fim, a falta de banco de currículos confiável (38%).
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A Lei Federal nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, foi criada com o objetivo garantir às pessoas com deficiência que são beneficiárias do Programa de Reabilitação Profissional pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) a possibilidade de exercer uma atividade remunerada. Essa regulamentação obriga as empresas com mais de 100 funcionários a destinar de 2% a 5% do seu quadro de funcionários para pessoas com deficiência. A porcentagem varia de acordo com o total de empregados que a organização possui. Até 200 funcionários, a reserva é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1000, de 4%, e acima de 1001, de 5%.
”
Apesar de se fazer presente na Constituição Federal, essa regra nem sempre é cumprida. O Ministério do Trabalho contabilizou, em 2014, mais de 4,5 mil autuações devido à infrações na Lei de Cotas. A responsável nacional pelo Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, Fernanda Maria Pessoa di Cavalcanti, em entrevista ao Portal Brasil, explicou que os argumentos mais utilizados pelas empresas que não cumprem a lei são o alto custo para adaptação do ambiente de trabalho e a falta de qualificação do profissional. “Hoje, temos 9,3 milhões de PCDs [pessoas com deficiência] que se encaixam na Lei de Cotas, para 827 mil vagas abertas. Então tem gente, sim, para entrar no mercado de trabalho”, apresenta.
“Hoje, 9,3 milhões de PCD’s se encaixam na Lei de Cotas. Então, tem gente, sim, para entrar no mercado de trabalho!
Além dessa regulamentação, existe a Lei nº 13.146, de julho de 2015, é a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que garante a não restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive em etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena para a contratação.
O Ministério do Trabalho e Previdência Social criou um portal, pensando na maior acessibilidade e inclusão: o Mais Emprego. Nele, as pessoas com deficiência podem cadastrar seus currículos e se conectar com possíveis empregadores. As vagas são classificadas como exclusivas ou compatível com tipos específicos de deficiências. O portal pode ser acessado através do site maisemprego.mte.gov.br.
Acesso Livre: Como você descreve o seu canal?
muita gente esqueceu o que significa representatividade...” e segue dando uma aula descontraída e informativa. A descontração também está no nome do seu canal no Youtube, VAI UMA MÃOZINHA AÍ?, já que, devido a uma má formação, Mariana nasceu sem o antebraço esquerdo, deixando o nome do canal, autoexplicativo. Em conversa com o Acesso Livre a youtuber explica um pouco mais sobre seu canal e as dificuldades de uma pessoa com deficiência.
Tenho um canal no Youtube. Nele falo com bom humor e didática sobre a deficiência e a vida das pessoas com deficiência. É uma vida meio na marginal da BR!
”
Acesso Livre: O seu canal representa uma afronta aos padrões da mídia?
M.T: Meu canal foi feito para criar consciência em relação a vida das pes- M.T: Não, eu não acho que o canal é uma afronta aos padrões. É uma soas com deficiência. Mostrar que vivemos de forma igual aos outros, a não ser quando o sistema nos impõe barreiras que não podemos controlar.
conscientização de que o padrão mesmo não existe. Nós não somos objetos para ter um padrão. Somos diferentes, com ou sem deficiência.
Acesso Livre: A deficiência quase não é vista na indústria do entretenimento. Quando é mostrada, são pessoas simulando deficiências, como na capa da Vogue com Cléo Pires. Como você vê esse cenário?
Acesso Livre: Quais são as piores dificuldades que você encontrou durante a vida?
M.T: A deficiência não é nada vista na indústria do entretenimento, e quan-
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do é, tem um estereótipo de fraqueza. Possui traços de capacitismo que não tem motivo para estar na mídia. A capa da vogue da Cléo Pires me deixou tão brava que eu tive que fazer um vídeo! Foi o primeiro do canal.
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M.T: Acho que a maior dificuldade que eu encontrei da minha vida foi
aceitar que eu era assim, que a minha diferença era na cara. Eu sou assim, não ia mudar entendeu foi uma das principais dificuldades que eu achei. Então é difícil? É, mas depois eu comecei a me amar tudo mudou. Então é difícil? É, mas vale muito a pena. Amor próprio vale muito a pena. Acho que é um dos amores que mais vale a pena nesse mundo.
A deficiência interpretada nas telas
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Raramente se vê pessoas com deficiência protagonizando filmes, novelas e séries
Marina Debrino
1344 1152 1195 1313
6340 5584 6190 6309
”
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Infografia: Thábata Camargo
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ificilmente vê-se protagonistas que fogem ao padrão estético incorporado na sociedade em obras audiovisuais, essa falta de diversidade cultural faz com que segmentos da sociedade não se sintam representados na mídia como um todo. Quantos deficientes foram protagonistas de alguma novela? Ou de um filme consagrado? São poucos que fazem essa reflexão, “Não acredito que exista representatividade significativa de pessoas com deficiência no audiovisual, infelizmente. Nem na frente, nem atrás das câmeras”, é o que afirma Mauana Simas, sócia-fundadora da produtora Nós Todos Filmes. Sua produtora foi fundada em 2013 e visa promover a acessibilidade e a inclusão ao audiovisual. Sobre a participação de deficientes na produção, ela diz que é essencial que pessoas com deficiência participem do processo, já que os recursos são produzidos para eles. “É totalmente possível, por exemplo, uma pessoa surda ser di-
retora de fotografia. Existem mil funções que uma pessoa com deficiência visual pode assumir no audiovisual. E eu gostaria de ver isso, não só na etapa de acessibilidade”, comenta Mauana.
Márcio (Breno Viola) - inspirados por Thelma & Louise (1991), decidem fugir no carro do jardineiro em busca de seus sonhos. O filme humaniza a deficiência e quebra os preconceitos que
Créditos: Divulgação
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o Brasil, de acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 24% da população é composta por pessoas com algum tipo de deficiência, totalizando 45,6 milhões de indivíduos. No entanto, essas pessoas ainda enfrentam uma grande dificuldade para entrar no mercado de trabalho. Apenas cerca de 403 mil pessoas com deficiência atuam no mercado de trabalho formal, o que corresponde a 0,84% do total de vínculos empregatícios do país, Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2015, divulgados pelo Ministério do Trabalho.
Possibilidade
Regulamentação
Créditos: Flávio Tin
Ana Laura Essi
oi para celebrar o início das Paralimpíadas que a revista de moda Vogue convidou as celebridades Cléo Pires e Paulinho Vilhena para estrelar sua campanha Somos Todos Paralímpicos. Na campanha eles representavam paratletas e suas respectivas deficiências. O ensaio gerou revoltas, acusando a revista de capacitismo*. A campanha revoltou tanto a Mariana Torquato que a Catarinense de 24 anos teve que fazer um vídeo. Ela começa o vídeo falando: “Acho que
O filme “Colegas” (2012) é um exemplo da quebra do estereótipo citado anteriormente. Na obra, três jovens com Síndrome de Down, Aninha (Rita Pokk), Stallone (Ariel Goldenberg) e
a envolve. “A partir do momento em que você esquece que eles têm Síndrome de Down, quando você começa a assistir ao filme, e isso acontece com todo mundo quase, você está in-
cluindo eles na sociedade”, explica o diretor do filme, Marcelo Galvão. Na sua visão, o maior papel de inclusão social do filme é mostrar garotos com Síndrome de Down atuando. “Mais do que qualquer mensagem do filme, é você mostrar que consegue rir, chorar, se emocionar, torcer por eles e pela atuação deles”, aponta o diretor. A participação de deficientes em atividades culturais é assegurada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoas com Deficiência). Mesmo assim, pouco se vê sendo feito em relação a isso. “Em geral, são pessoas sem deficiência interpretando pessoas com deficiência. E, em geral, ou são “punidas” com a deficiência porque são malvadas, cruéis, ou então estão em busca da cura. Na maior parte das vezes, o audiovisual representa pessoas com deficiência de uma forma muito estereotipada”, critica Mauana.
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Além dos
obstáculos Ana Paula, Cosmo e Gilmara enfrentam dificuldades relacionadas a falta de acessibilidade todos os dias. Eles nos contaram um pouco de suas histórias e como foi o processo de adaptação para lidar com suas deficiências. Ana Paula de Souza Calixto Bita, 34 anos.
Sofia Hermoso
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inha maior dificuldade em relação a acessibilidade é a falta de banheiros adaptados. Já passei por diversas situações desagradáveis em que o local não tinha o box adaptado. Além disso, foi uma batalha ter meu próprio automóvel e não depender de transporte público. Em casa fiz algumas adaptações, mas ainda falta dinheiro para reformar o restante. Apesar de tentarmos levar a vida sem ficar lembrando do acidente, situações como essas ficam relembrando o que passamos. Em 2008, com 25 anos, eu caí da sacada de casa após beber uma noite e fui encontrada na rua, com a coluna quebrada e traumatismo craniano. O processo de adaptação foi tenso e demorei uns dois anos para me aceitar. Enquanto estava no hospital por dois meses, achava que a fisioterapia resolveria meu problema, mas quando a ficha caiu eu não queria mais estar viva. Fui até o Hospital Sarah Kubitschek em Brasília, vi casos piores do que o meu e conheci a equipe de reabilitação de lá. A partir daí aceitei que a vida continua, apesar de não ser fácil e de bater uma tristeza às vezes, que piora com coisas como a falta de acessibilidade. Também acontece de a família querer superproteger e das pessoas com deficiência se fecharem em um casulo por vergonha ou medo de sair de casa por causa de dificuldades e preconceito. Em Bauru as pessoas são bem solícitas, mas já vivi situações em que me negaram ajuda É triste mas é a realidade.
(Ana Paula de Souza Calixto Bita, 34 anos)
”
Cosmo Antônio da Silva, 22 anos.
“O
maior obstáculo que enfrento é quando preciso utilizar o transporte público, por causa da dificuldade que possuo em subir os degraus do ônibus. Por causa da muleta, às vezes escorrego nos lixos e plásticos da rua. Sempre acontece de algumas pessoas olharem meio emburradas e curiosas, querendo saber o que aconteceu e eu não tenho problemas em falar. Em 2014, saí de Pernambuco e vim para Bauru atrás de uma oportunidade melhor de emprego. No mesmo ano, já em Bauru, fui diagnosticado com câncer na perna e os médicos optaram pela amputação. Minha adaptação foi bem rápida e sem complicações. No segundo dia já peguei a muleta e saí andando, mas estou afastado do trabalho até hoje.
“P
(Cosmo Antônio de Souza, 22 anos)
”
ara mim as rampas são muito importantes, porque em Bauru nem todos os lugares tem rampas acessíveis. Nos ônibus também é complicado porque dependo deles, já que meu carro não é adaptado e meu marido trabalha. Geralmente as plataformas dos ônibus estão quebradas. Também é muito importante uma rua lisa e com rampas. No meu bairro o asfalto para na esquina de casa e a rua é de terra,. O Governo disponibilizou cadeiras de roda motorizadas para aqueles que necessitam, mas isso não adianta se a rua não é asfaltada. Eu acabo ficando ilhada em casa de qualquer jeito, porque a cadeira motorizada não resolve todos os problemas. Quanto a adaptação do lugar , minha casa foi construída sem degraus e com portas do tamanho correto para passar uma cadeira de rodas. (Gilmara Ap.
S. Calixto da Silva, 43 anos)
”
Gilmara Ap. Severino Calixto da Silva, 43 anos.
Créditos: Sofia Hermoso
POSSIBILIDADES Gilmara teve paralisia infantil aos 6 anos de idade e já possuia dificuldade em se locomover desde então. Há nove anos sofreu um acidente de trabalho que a colocou na cadeira de rodas. Ela parou de trabalhar como cobradora de ônibus e passou a cuidar das crianças do bairro enquanto os pais trabalham. O sonho de Gilmara é construir uma creche para abrigar as crianças no bairro Bauru I., que não possui nenhuma creche. Na foto ao lado, Gilmara está com sua filha Isabel e com duas crianças (Marcela e Kauã), que firequentam sua casa diariamente enquanto os pais estão fora.
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Tecnologia muda o dia a dia de pessoas com deficiência Grandes empresas de tecnologia incluem ferramentas de acessibilidade em seus produtos Ana Laura Essi
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om o decorrer dos anos, as inovações tecnológicas tornaram-se cada vez mais presentes no cotidiano do cidadão. Para tanto, as mudanças que promovem na sociedade ainda não passam despercebidas. Grande parte das novidades no ramo da tecnologia estão voltadas à Acessibilidade, e ajudam no dia a dia das pessoas com deficiência. Ana Raquel Périco Magili, estudante universitária, possui perda auditiva bilateral moderada e é usuária do AASI (Aparelho de Amplificação Sonoro Individual). Ela conta com a ajuda de um dispositivo eletrônico para ter um melhor aproveitamento em situações em que o ambiente onde se encontra apresenta ruído excessivo, como uma sala de aula. O Sistema FM, utilizado pela estudante, é composto por duas
peças: um transmissor e um receptor de frequência modulada. O transmissor fica próximo à fonte emissora de sons, que pode ser um professor, enquanto o receptor fica acoplado aos aparelhos da universitária. Segundo Ana Raquel, esse dispositivo é importante porque faz com que o som chegue com mais clareza aos seus ouvidos, já que não precisa enfrentar as barreiras físicas do meio em que está. Essa ferramenta também se faz importante para alunos com deficiência auditiva na fase de aprendizado, já que facilita a compreensão dos sons da fala de professores e das outras crianças. Em função do custo do Sistema FM, que pode variar entre 7 e 10 mil reais, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a fornecer o equipamento em junho
de 2013. Para conseguir o aparelho, a pessoa deve ter entre 5 e 17 anos, ser usuária de AASI e/ou Implante Coclear, estar matriculada em uma instituição de Ensino Fundamental ou Médio, possuir domínio ou estar em fase de desenvolvimento da linguagem oral e apresentar bom desempenho na avaliação de habilidades de reconhecimento de fala no silêncio. A solicitação deve ser feita na Secretaria de Educação.
Outras Tecnologias
Além de dispositivos móveis que facilitam o dia-a-dia de uma pessoa com deficiência, existem diversos aplicativos para o celular com esse mesmo objetivo. A Google começou a investir em acessibilidade para pessoas cegas ou com baixa-visão na
sua versão do Android 4.0 Ice Cream Sandwich, em 2011, apesar de não ter sido tão funcional. Já na versão Jelly Bean, de 2012, é possível ativar a acessibilidade do smartphone pressionando a tela com os dedos e deslizando-os para baixo. Além disso, os aparelhos, a partir dessa versão, contam com o dispositivo TalkBack, que faz a leitura de tudo que ocorre na tela. Outra grande empresa de tecnologia que vêm investindo em acessibilidade é a Apple. Os produtos possuem o dispositivo VoiceOver, que pode ler quase tudo que está presente na tela, e está disponível para iPhone, iPod, iPad e Macbooks. Além disso, é possível ajustar zoom, fontes, inverter as cores e escalas de cinza e parear iPhone ou iPad com mais de 40 monitores Braille.
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
Infografia: Mariane Arantes
Isenção do IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados As pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de 18 (dezoito) anos, poderão adquirir, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com isenção do IPI, automóvel de passageiros ou veículo de uso misto, de fabricação nacional, classificado na posição 87.03 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi).
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Nova geração paralímpica representa bem o país Isaque Costa
Velocista mariliense já é realidade no atletismo para Tóquio 2020
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azer os primeiros ter a bolsa do gover300m forte, e os no que o ajuda a se últimos metros seja manter como atleta. o que Deus quiser. Sempre com o penEssa foi a estratégia samento positivo, de Daniel Martins de o velocista acredita 20 anos para vencer a que suas conquistas prova dos 400m T20 recentes servem de (para deficientes inteinspiração para outras lectuais) no atletismo pessoas com deficiênna Paralimpíada do cia que tem vontade Rio de Janeiro. Além de seguir a carreira de do ouro, Daniel ainatleta. Gosta de passar da bateu seu próprio a mensagem de que recorde mundial de se ele conseguiu to47s78 para 47s22. dos podem conseguir, Durante sua infânbasta não desistir. cia e adolescência o Quem o inspira atleta migrou em vámuito é seu amigo rios esportes, como de profissão também a capoeira, futebol de Marília, João de e basquete. Após Oliveira ou João da um episódio de desBarreira. “Eu semmaio e convulsão o pre me espelhei e mariliense percebeu ainda me espelho Daniel comemora ouro e recorde mundial conquistado na Paralimpíada Rio 2016. Créditos: Daniel Zappe que não conseguia no João da Barreira, acompanhar seus comsempre conversamos, panheiros de treino e me dizia para contiestava com dificuldades de aprendi- “Sempre tive apoio da família, amigos meço difícil e de onde chegou, “ia a nuar treinando para realizar meu sozado. Foi quando conheceu o esporte e treinadores e as barreiras eu conse- pé para treinar, o tênis sempre estava nho e graças a Deus eu consegui”. paralímpico através da AMEI (Asso- gui superar”, afirmou Daniel Martins. rasgado e para não queimar meu pé eu A preparação para Tóquio 2020 já O medalhista de ouro na Rio 2016 colocava um papelão, mas hoje Deus começou, mas agora o foco está volciação de Marília de Esporte Inclusivo) e entrou para o atletismo em 2010. e também campeão mundial em 2015 me abençoou em ter um privilégio de tado para o mundial de atletismo que Em 2014 o desejo de disputar uma teve um início de carreira complicado ser patrocinado pela Nike”. Após as acontece esse ano. Martins conta que Paralimpíada despertou e sua deficiên- como tantos atletas brasileiros. Sem Paralimpíadas diz que tudo mudou, após o mundial a preparação será cia nunca foi vista por ele como uma patrocínio e apoio do governo, Daniel “agora as pessoas sabem quem é Da- totalmente para os próximos Jogos barreira para conquistar seus sonhos. Martins lembra com orgulho do co- niel Tavares Martins”, e se alegra em Paralímpicos, no qual tentará con-
Fonte: www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/doenca-deficiente-direitos.htm
Isenção do IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas a Títulos ou Valores Imobiliários São isentas do IOF as operações financeiras para aquisição de automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127 HP de potência bruta para pessoas com deficiência física, atestada pelo Departamento de Trânsito do Estado onde residirem em caráter permanente, cujo laudo de perícia médica especifique;
o tipo de defeito físico e a total incapacidade do requerente para dirigir automóveis convencionais;
Amparo Social O benefício de assistência social será prestado ao deficiente, independentemente de contribuição à seguridade social, no valor de um salário mínimo, desde que a renda familiar mensal (per capita) seja inferior a ¼ do salário mínimo; A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social. As avaliações serão realizadas, respectivamente, pela perícia médica e pelo serviço social do INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este fim.
a habilitação do requerente para dirigir veículo com adaptações especiais, descritas no referido laudo;
A Isenção do IOF poderá ser utilizada uma única vez.
Isenção do ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias Todos aqueles que possuem algum tipo de deficiência física limitadora da capacidade de dirigir um veículo comum sem prejuízo à sua saúde ou sem risco à coletividade têm direito à isenção do ICMS. A condição de deficiente físico deverá ser atestada por uma junta médica do Departamento de Trânsito - DETRAN.
Isenção do IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores Cada Estado possui legislação própria regulamentando a matéria. Por isso, o primeiro passo é verificar se a legislação do seu Estado contempla a isenção de IPVA para os veículos utilizados por pessoas com deficiência, podendo se enquadrar nessa condição o paciente com câncer com limitação física. Essa informação pode ser obtida nos DETRANs e nas Secretarias Estaduais da Fazenda.
Isenção da Tarifa no Transporte Público As pessoas com deficiência física têm direito ao transporte coletivo gratuito. Há cidades que concedem esta gratuidade, inclusive, ao acompanhante da pessoa com deficiência que não pode se deslocar sozinho, desde que comprovado por atestado firmado por uma instituição especializada ou serviço da Prefeitura Municipal. Busque maiores informações junto a Secretaria de Transporte Público de sua região.
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ACESSO
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Alunos especiais são um desafio
Formação de educadores é essencial para o desenvolvimento de estudantes com deficiência Créditos: Sofia Hermoso
Thábata Camargo
Alunos do Lar Escola no projeto Dançando no Escuro
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Educação Inclusiva é adaptada às necessidades do educando, respeita e ajuda a cada um em suas dificuldades, sejam elas físicas, auditivas, visuais ou intelectuais. Nos últimos anos, houve um avanço na inclusão de portadores de necessidades especiais em ambientes relacionados à educação.
O principal obstáculo para que essa educação especializada seja bem-sucedida é a falta de capacitação de profissionais que lidem com diferentes deficiências. São poucos os educadores que recebem alguma formação específica; os cursos oferecidos são raros, não esclarecem todas
as dúvidas e não chegam a prepa- simples lidar com a limitação dos ourar satisfatoriamente os educadores. tros, por isso é tão importante que toO projeto Dançando no Escuro é vol- dos passem um pouquinho da sua extado ao ensino de ginástica rítmica, periência, são os detalhes que fazem a dança e técnicas de expressão corpo- diferença”, reflete. Segundo Luciana, a troca de experiral para deências e o clima ficientes Educação Inclusiva de colaborativivisuais. Codade ajudam ordenado deve ser vista como na vivência e pela fisioteparte do sistema e no aprendirapeuta Susel Lopes, desde não de forma isolada zado diários. Rosana Heras primeimoso, educadoras reuniões apostou no preparo dos monitores ra da APAE de Bauru, acredita que o para melhorar a qualidade de vida desenvolvimento da inclusão educados alunos. “Assistimos a muitos ví- cional só pode ter bons resultados se deos com depoimentos de deficientes forem feitos por meio da qualificação visuais, para entender como eles são profissional e o trabalho em conjunto tratados pela população e como devem com a família do educando, “As famíser tratados na opinião deles”, explica. lias e professores se frustram quando Luciana Campos Silva, uma das mo- não veem resultados rápidos, e esse é o nitoras do projeto e educadora social fator mais difícil. Precisamos entender no Lar Escola Santa Luzia, aponta a que, apesar de toda dedicação, a evounião dos voluntários como a parte lução dos alunos especiais é gradativa, fundamental do treinamento, “Não é e isso é completamente normal!”, diz.
Acessibilidade nas Escolas Lei exige que todas as escolas sejam acessíveis, mas o caminho é longo Mateus Araújo
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acessibilidade é essencial para a inclusão do cidadão com deficiência. Ignorá-la é excluir essas pessoas. Lugares como escolas e universidades têm o dever, por lei, de serem acessíveis. Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, “é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”. Mas mesmo com as leis falta muito para que isso se torne um padrão. Dados apontam que apenas uma em cada quatro escolas conta com itens básicos de acessibilidade. Faltam itens como rampas e corrimãos, e até sanitários adaptados para pessoas com deficiência, e isso gera uma exclusão social das pessoas com deficiência. Esse problema pode ter como base tanto o desinteresse como a falta de verba e iniciativa. O direito à educação está sendo deixado de lado. Ana Raquel, formada em jornalismo pela Unesp, possui deficiência física
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e auditiva, e conta um pouco de sua experiência, dizendo que já chegou a ouvir que não escutava porque “não queria”. Ela disse que nenhuma escola onde estudou fornecia monitores em tempo integral, e a própria mãe já chegou a atuar como sua monitora em algumas ocasiões. Quando perguntada
para receber pessoas com deficiência. Apesar de nunca ter havido resistência quanto sua matrícula nas escolas, Ana Raquel disse que teve escola que disse que ela teria que “se virar sozinha”, justamente pela falta de acessibilidade relativa à legendagem do conteúdo audiovisual passado em classe:
Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência
É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação
sobre as escolas onde havia estudado, “ Me disseram que não era obrigação a jornalista disse que, com exceção da da escola me fornecer legendas em víUnesp, as demais instituições não ti- deos, e que não possuíam essa opção”. nham todos os profissionais preparados A acessibilidade em escolas é um as-
sunto que deixa alguns questionamentos, o principal é a falta de acessibilidade das escolas ser resultado de uma política de segregação, falta de dinheiro ou seria puro desinteresse? Quando questionada sobre isso, Ana Raquel responde os dois fatores que mais pesam são a falta de verba e a falta de interesse. “É um processo lento e gradual, e a crise econômica generalizada acaba barrando muitas iniciativas de acessibilidade, que costumam ter um custo substancial, e com isso ocorre menos interesse em se investir na área.” O caminho para que todas as escolas sejam acessíveis e, além disso, para que o preconceito desapareça, é longo, porém está acontecendo. Com essa lei, escolas estão finalmente tornando-se acessíveis, ou ao menos enxergando a importância disso, e o assunto está se tornando mais recorrente, tornando-se visível. “O preconceito ainda existe, claro, mas vem diminuindo com o passar do tempo, devido ao aumento das políticas inclusivas no Brasil”, reflete Ana Raquel.
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Paralimpíada deixa mudanças culturais como legado O resultado foi positivo, com um centro novo de treinamento
Créditos: Marco Antônio Teixeira
Ana Laura Essi e Isaque Costa
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uando se faz um grande espetáculo esportivo, como as Olimpíadas e as Paralimpíadas, espera-se que além do sucesso do evento, exista um impacto positivo e duradouro para o país. Diferente da Copa do Mundo de 2014, que deixou uma herança negativa de muitos elefantes brancos espalhados pelo Brasil, a Rio 2016 já vem mostrando que não seguirá o mesmo caminho. Não só na estrutura física mas também na conscientização social. A aceitação dos Jogos Paralímpicos foi considerada surpreendente, já que registrou o segundo maior público da história, perdendo apenas para Londres 2012. Os espectadores abraçaram o evento e incentivaram os atletas com a mesma intensidade da Olimpíada que aconteceu um mês antes. Devido à grande participação
popular e a cobertura da mídia, o esporte paralímpico ganhou mawis visibilidade, os competidores se tornaram mais conhecidos e o interesse pelas modalidades, até então pouco disseminadas e conhecidas, aumentou. Pessoas com deficiência tiveram a oportunidade de entrar em contato com o esporte adaptado e viram uma oportunidade de se tornarem atletas de alto rendimento. Em entrevista ao Portal Brasil, Dirceu Pinto, medalha de prata nos pares da classe BC4 da bocha na Paralimpíada no Brasil, afirmou que “a informação de que existe esporte de alto rendimento para os deficientes, graves ou não, chegou às famílias brasileiras. Acredito que agora eles vão sair de casa”. Pensando na expansão do esporte, o Comitê Paralímpico Brasileiro decidiu aumentar o investimento na estrutura.
Inaugurou no início de 2016 o Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo. Considerado o legado máximo dos jogos, o complexo é o maior do mundo em números de modalidade contempladas, são 15: atletismo, basquete em cadeira de rodas, bocha, natação, esgrima em cadeira de rodas, futebol de cinco, futebol de sete, goalball, halterofilismo, judô, rugby em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, triatlo e vôlei sentado. A unidade teve um investimento de R$305 milhões de reais e conta com áreas esportivas de treinamento, hotel, centro de convenções, laboratórios, condicionamento físico e fisioterapia. O prédio possui 86 alojamentos com capacidade para 280 a 300 pessoas. A intenção do Comitê Paralímpico é utilizar os materiais usados nas Olimpíadas e, principalmente, nas Paralimpíadas.
Entrevista “
Porém, nem toda a estrutura chegará ao complexo, devido à burocracias no regime de contratação, que impedem a doação de todo o equipamento. Esse centro de treinamento será importante para que o Brasil conquiste mais ouros, pratas e bronzes e suba no quadro de medalhas na próxima Paralimpíada que acontecerá em Tóquio, em 2020. Assim como a Grã-Bretanha que, depois de Londres 2012, teve um crescimento tanto no número de atletas quanto no número de vitórias, subindo do terceiro para o segundo lugar na classificação. "Agora termos uma casa para chamar de nossa. Quero agradecer aos apoiadores do esporte e gostaria de fazer um pedido: que esse sonho não acabe", disse Shirlene Coelho, integrante da seleção brasileira de atletismo paralímpico, em entrevista concedida ao Portal Brasil em 2016.
drika valério
Para que vestido de noiva para deficiente, se deficiente não casa? Me perguntaram ”
Sofia Hermoso
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ensando na necessidade de facilitar a vida de pessoas com deficiência, a designer e estilista Drika Valério criou uma marca de roupa. Essa marca atende esse nicho da sociedade, muitas vezes deixado de lado pelos principais estilistas do mercado. A empresa já ganhou diversos prêmios de Moda Inclusiva, entre eles, o 1º lugar no Concurso de Moda Inclusiva de 2012, em São Paulo. Drika conta um pouco sobre o processo de produção da Somos Todos Nós. Acesso Livre: De onde veio a ideia de fundar a Somos Todos Nós? Drika Valério: Surgiu no final da faculdade de design, durante o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso, quando identifiquei a necessidade de vestimentas para pessoas com deficiência e que não havia nenhuma empresa que as atendia. Era 2011 na época.
DV: Somos 3 pessoas divididas enas com deficiência. Elas podem levar e aceita pelo mercado convencional. tre as partes de criação, administração até 2h30 para se vestir ou despir, e e a operacional. isso muitas vezes as faz nem sair de AL: Como é a fabricação das peças, da casa, o que é motivo para baixa autoidealização à produção? estima, depressão e outros problemas. AL: Qual o diferencial do trabalho DV: O projeto de cada peça é feito com moda adaptada? AL: Quais os principais desafios enfren- diretamente com o cliente, seguindo tados pela empresa? suas necessidades. Nada é desenDV: É o retorno positivo do público volvido aleatoriamente. Depois, a DV: Preconceito! Desde sempre. Ig- peça piloto é confeccionada e, pos- por produzirmos algo que facilita a vida norância, pois já me perguntaram para teriormente, divulgada e vendida. de pessoas que realmente precisam. que fazer vestido de noiva para defiAL: O custo é muito alto? ciente, se deficiente não casa. E, por AL: Quantos profissionais fazem parte da ser novidade no mercado, o desafio de empresa? DV: O custo é bem próximo ao das fazer a moda inclusiva ser conhecida confecções convencionais, produzidas Créditos: Lu Gomes
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AL: Qual é a principal intenção da marca? DV: É a inclusão social por meio da moda, é dar autonomia às pesso-
Participantes do desfile de moda inclusivo promovido pela Somos Todos Nós.
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Adaptações em espaços
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odo espaço destinado à pessoa com mobilidade reduzida ou deficiência visual deve proporcionar a ela total autonomia; ou o espaço será apenas adaptado e não acessível
Texto: Matheus Araújo
• Piso nivelado e rampas Para pessoas que utilizam cadeira de rodas, bengalas, andadores ou possuem a visão comprometida, é necessário que o piso seja nivelado, de preferência antiderrapante, e que caso haja escadas no imóvel, a instalação de rampas é necessária.
• Espaços mais largos
Corredores mais amplos, portas mais largas é de grande ajuda aos cadeirantes e pessoas que usam outros aparatos para a locomoção.
• Móveis
• Maçanetas e puxadores especiais Caso o morador ou moradora da casa não tenha braços ou mãos, ou uma mobilidade das mãos, é necessário que as maçanetas e puxadores das casas sejam adaptados.
Para evitar possíveis ferimentos, a melhor opção seria a instalação de móveis com cantos arredondados, pois caso a pessoa venha a esbarrar neles, as chances de causar um ferimento são menores.
• Cozinha
• Altura
Na cozinha, uma adaptação positiva seria a troca do fogão a gás pelo fogão elétrico, já que os riscos de ferimentos seriam menores. Os balcões, mesas e armários devem estar adaptados a uma altura boa para o morador ou moradora que possua deficiência.
A altura de acessórios como maçanetas, interruptores e tomadas deve ser adaptada à pessoa, que poderia ter dificuldades em alcançar tais coisas em uma casa não adaptada.
• Banheiro
Nos banheiros, é necessário o uso de piso antiderrapante, barras de apoio, bancos especializados para o banho (caso a pessoa não consiga ficar em pé), vaso sanitário adaptado (elevado, por exemplo, para que fique mais fácil a um(a) cadeirante passar da cadeira para o vaso).
• Cores Caso a pessoa possua uma deficiência visual, procura-se colocar cores chamativas em locais possivelmente perigosos, para sinalização.