Eixo Tamanduateí: leituras de um espaço fragmentado
Isabella Maria Davenis Armentano orientação Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga
FAUUSP Trabalho Final de Graduação junho/2013
agradeço
Ao meu orientador, Eugenio Queiroga, pelas ideias, apoio e provocações que foram determinantes no desenvolvimento deste trabalho. À professora Clice Mazzilli pelo incentivo ao olhar atento e pela presença no ano passado, orientando minha iniciação científica, momento em que tudo começou. Aos professores Ricardo Moretti e Silvia Passarelli da UFABC por todos os esclarecimentos e por terem aberto um espaço de suas aulas para que eu desenvolvesse parte da minha pesquisa. Ao professor Alexandre Delijaicov, pela importância na minha formação como arquiteta. A todos os alunos da UFABC e da Escola Estadual Carlina Caçapava de Mello que me ajudaram na construção do desenho deste trabalho. Ao pessoal do Depave, Amanda, Lais, Matheus, Fabíola e Carol. Obrigada pela compreensão e por todas as conversas, sugestões e momentos de terapia. Aos amigos Kaique, que trouxe parte do seu dia-a-dia para esse caderno, Clara e Maiara pela ajuda na etapa final. Aos meus amigos da FAU, por todos os aprendizados ao longo desses anos. Aos que tiveram, de uma forma ou outra, maior contato com este trabalho: Nuno, Julia, Aline, Alex, Nate, muito obrigada por todas as sugestões e críticas. Ao Daniel pela compreensão e companheirismo de sempre. As minhas tias, Gló e Sá pela presença em todos os momentos. A minha avó, Aida, que trago em pensamento todos os dias, minha primeira professora. Aos meus pais Solange e Marco. Por tudo, sempre.
Rua Cel. Oliveira Lima, Santo AndrĂŠ, 1972 Acervo DGABC
sumรกrio
introdução 008 objeto de estudo 014 espaço concebido 016
primeira aproximação com o objeto de estudo
018
o projeto eixo tamanduatehy 020
de acordo com o plano diretor
024
espaço percebido 026 espaço vivido 038
oficinas
042
um espaço a ser vivido 062 circular 084 coexistir 092 redimensionar 098 integrar 104 atravessar 116 abrir 152 referências bibliográficas
162
introdução
008
“O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento.”
Milton Santos
Inicialmente, devo considerar que, embora sinta que esse trabalho reflita grande parte de tudo o que presenciei e aprendi ao longo desses anos, ele não pode ser encarado como uma síntese desses aprendizados, tampouco como conclusão de meus estudos. Encaro este trabalho como parte integrante do meu longo processo de estudos como arquiteto, ainda que ele marque uma transição entre a aluna estudante e a profissional estudante. A respeito da escolha do tema, ao longo desses anos de graduação, foram muitas as áreas que obtive afinidade no curso de arquitetura. Por muitas vezes, me senti perdida por não ter claro, como muitos dos meus colegas, a área que mais gostava na faculdade. Da programação visual, passando pelo estudo da história das cidade e das artes, pelo projeto de edificação até a intervenção na escala da cidade. O que interessa para mim é a arquitetura e o papel que ela pode desempenhar na vida dos indivíduos que dela se apropriam. 009
Parto, então, do espaço. Lidar com o espaço, quer seja, uma cidade, um edifício, um ambiente, significa ter que lidar com as múltiplas ações que fazem desse espaço um sistema complexo, devido à singularidade/individualidade dos elementos presentes nele: homens, empresas, instituições, meio ambiente construído etc. Adotando-se a cidade como objeto de estudo e cenário para esse complexo sistema, podem ser esboçados alguns termos que serão utilizados no decorrer desse trabalho. Escolho a definição proposta por Queiroga (2012) cuja análise contrapõe os termos ‘esferas públicas’ e ‘espaços públicos’, sendo o primeiro a denominação de toda a vida em público, definindo ‘esfera pública geral’ , a espacialidade dessa vida em público, seja ela em um espaço de propriedade pública ou privada. E cabendo ao segundo termo, a definição de propriedade pública. Essas definições aparecem em um momento em que os contornos e relações encontram-se difusos, devido a inúmeros fatores como o aumento dos deslocamentos e a comunicação dos meios digitais, por exemplo. Situação essa que acaba por compor um cenário em que as relações entre público e privado transcendem a separação de propriedade pública e privada, ou seja, surgem espaços privados que acolhem a vida coletiva. Nesse contexto, Solá-Morales (2001) destaca a importância dos espaços onde a vida coletiva ocorre. É a forma de pensar essa espacialidade da esfera pública geral que caracteriza a minha inserção no contexto urbano, como estudante e profissional. Como tentativa, então, de me aproximar dos complexos sistemas que envolvem essa espacialidade, no caso, a cidade, proponho uma análise baseada na interpretação da tríade lefrebviana1.
1 010
Denomino tríade lefrebviana, a teoria de Lefebvre (1974) que define os
A análise, portanto, parte do espaço concebido, aquele que está registrado, previsto e estimado pelos planos, do espaço percebido, que seriam as minhas percepções, apreensões e análises do local, e do espaço vivido, que, na escala do cotidiano, consistiria nas percepções, registros e desejos pela óptica do indivíduo que vive na região estudada. Incluo, aqui, uma última classificação de espaço, o espaço “a ser vivido”, que seria, não uma síntese daquelas três primeiras definições, mas sim, uma nova forma de investigar a situação espacial através de um desenho urbano, uma reflexão propositiva aproximando-se das três situações iniciais. Essa análise aparece também como forma de mostrar a incompatibilidade entre planos urbanísticos e os interesses da população diretamente atingida, entre o previsto nos planos e os acontecimentos. Através disso, nota-se a importância que tem o arquiteto urbanista em seu papel de deixar de conceber a cidade somente em termos de modelos teóricos e de questões funcionais, ignorando a complexidade do fato urbano, a superposição de subsistemas. Isso porque se o papel do arquiteto é projetar o espaço, seria possível, então, desassociar esse espaço do movimento que o rege, dos indivíduos que o preenche e lhe dão vida? Ao longo desses anos, pude perceber que não se pode ignorar a dimensão urbanística e a escala vivencial do cotidiano dos cidadãos. Acredito que o meu principal entusiasmo com a profissão venha da influência que um traço no papel pode gerar no cotidiano de um ou mais indivíduos. Essa relação três momentos na produção social do espaço: o espaço concebido; o espaço vivido; e o espaço percebido. O espaço concebido é notadamente o da representação abstrata traduzido no capitalismo pelo pensamento hierarquizado, imóvel, distante do real. Advindo de um saber técnico e, ao mesmo tempo, ideológico, as representações do espaço. O espaço percebido aparece como uma intermediação da ordem distante e a ordem próxima. Já o espaço vivido denota as diferenças em relação ao modo de vida programado. enquanto experiência cotidiana (ordem próxima). No presente trabalho, utilizo essa tríade, ainda que faça algumas alterações em seus significados, como método de análise central.
entre indivíduo e cidade é fundamental ser estudada. Como permitir que as cidades sejam construídas e reconstruídas incorporando a riqueza de nossas vivências e experiências emocionais? Como reconhecer e promover a qualidade nas ações cotidianas como um passeio em família, ou um andar pela cidade entre sua casa e sua escola? Sendo assim, através da valorização da dimensão cultural e antropológica do ambiente construído, considerando a “complexidade da vida urbana, da integração e inter-relação entre as funções e atividades humanas, a importância das redes sociais estabelecidas, dos valores afetivos e de tantos outros fatores vitais para o cidadão”2 procuro no meu trabalho, abordar a região estudada, adotando-se o conceito de desenho urbano, enquanto disciplina. Acontece que, algumas vezes, o termo desenho urbano é entendido como sinônimo de projeto urbano. A diferença principal entre eles é que a disciplina traduzida para o português desenho urbano busca como dimensão de análise e atuação a ótica do usuário. Segundo Del Rio (1990, p. 54) é um “campo disciplinar que trata a dimensão físicoambiental da cidade, enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a população através de suas vivências, percepções e ações cotidianas”
Santos (2002) revela que “A cidade é o lugar onde há mais mobilidade e mais encontros.” Portanto, são nos lugares públicos que a dinâmica da sociedade é manifestada, através de suas coexistências e seus conflitos. Crianças, idosos, trabalhadores, estudantes; em constantes atividades, em Del Rio, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. Pini. São Paulo, 1990. 2
passagem, em seus usos corriqueiros como a pausa para uma conversa, um encontro. A apropriação espontânea. Diante disso, o que se busca para um espaço urbano é a variedade e mistura de usos, a flexibilidade, oportunidades múltiplas, a maior utilização possível 24 horas por dia, tipologias arquitetônicas variadas, com densidades compatíveis, gerando uma área urbana, ruas, praças, esquinas, pontes, com a maior vitalidade possível, com variedade de acontecimentos. Esse meu interesse em estudar a percepção da cidade não somente sob o meu olhar, mas também através de outros olhares, encontra-se suas raízes no meu projeto de pesquisa de iniciação científica, orientado pela Professora Dra. Clice Mazzilli, realizado no último ano. Essa pesquisa tomava como base a percepção da RMSP através do eixo que o rio Tamanduateí configura, como forma de representar uma parcela da RMSP e exemplo das transformações que incidem sobre a metrópole no seu conjunto. Dessa maneira, constatar, caracterizar e medir a visibilidade do rio Tamanduateí, como um dos elementos que estrutura, em São Paulo, a percepção urbana, constituiu o interesse que a norteou. A partir desse trabalho, pude coletar alguns dados que me auxiliaram nesse processo de pesquisa para meu Trabalho Final de Graduação. Um dos pontos apreendidos, refere-se a forma de percepção, o ritmo da maioria da população da RMSP. Nota-se que as transformações nas metrópoles influenciam a maneira de enxergar a cidade. A velocidade, os eixos de passagem, a correria do dia-a-dia, e as inúmeras informações visuais contribuem para a formação de um olhar contemporâneo que dificulta a percepção de elementos estruturadores da cidade. Em uma das etapas da pesquisa, houve a necessidade de se abordar alguns usuários da região a fim de adquirir outras visões do local estudado. Quanto a essa aproximação, com base no método de documentação da percepção visual utilizado 011
por Lucrécia Ferrara em seus estudos sobre os significados urbanos3, foi dada uma máquina fotográfica, descartável, e de fácil manuseio a todos os sujeitos entrevistados que eram convidados a tirar em torno de 10 fotografias, recebendo a pergunta: “Se você tivesse que descrever a região que trabalha/reside/passa a um amigo, quais imagens você mostraria para eles?” O intuito maior dessa abordagem era saber qual a percepção que os habitantes da RMSP têm da região, analisando se esses usuários perceberiam e tirariam foto do rio, uma vez que se trata de um usuário para quem o rio está incorporado à paisagem, faz parte dos seus hábitos de leitura visual cotidiana. A hipótese de que a visão e percepção do rio é dificultada, pode ser comprovada, em parte, pelas fotos tiradas desses participantes, já que na maioria delas, o rio não aparece. Notase que é dada uma maior importância aos espaços de uso coletivo, equipamentos públicos, do que para o rio. O interessante dessa tarefa acaba sendo não somente o conhecimento dos diferentes olhares desses indivíduos, mas FERRARA, Lucrecia D´Alessio. Os significados Urbanos. 1 ed. São Paulo: EDUSP, 2000. 3
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também a ação que tem o usuário quando é levado a parar perante a cidade, interromper o hábito de seu uso, perceber seu entorno, seu significado. A presença do rio, na verdade, ao contrário de ser ignorada deveria orientar o olhar estrangeiro que da cidade se aproxima. Mostrar então que aquele rio existe e deve ser percebido foi um grande estímulo para a pesquisa, e principalmente para a realização do vídeo, produto final dessa iniciação científica. A partir das questões levantadas quanto ao modo de apreensão da paisagem pelos indivíduos, assim como quanto à qualidade desses espaços estudados, defino o principal objetivo desse trabalho: a realização de uma proposta de desenho urbano que visa qualificar os espaços públicos, integrando esse rio não só ao espaço físico urbano, como também ao cotidiano da população que reside/trabalha/habita o seu entorno. Para isso, buscou-se manter um contato com os usuários da região, diante da importante troca entre quem vive e quem projeta o espaço.
Fotos tiradas por moradores da região: ênfase dada aos espaços livres de uso público e ausência do rio.
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objeto de estudo
A escolha pelo município de Santo André deve-se a certos fatores. Em primeiro lugar, era necessário definir um recorte nesse eixo metropolitano para se chegar a um desenho. É muito comum no TFG da FAU os alunos “voltarem para casa”, ou seja, fazerem um trabalho de graduação referente ao local que residiam antes da faculdade. Embora eu nunca tenha saído de casa, acabei me afastando da cidade que morei desde que nasci por conta dos estudos – já que desde a oitava série estudei em São Paulo, e sendo assim, a maioria dos meus amigos e lugares que frequentava localizavam-se na capital. Voltar as minhas atenções para essa cidade foi um estímulo para realização desse trabalho. Além disso, julguei que seria interessante trabalhar em uma região em que já existe um projeto urbano – “Eixo Tamanduatehy” – que, na minha opinião, apresenta muitas deficiências.
RMSP: em destaque o rio Tamanduateí e o eixo configurado no município de Santo André. Mapa elaborado pela autora a partir da imagem tirada do Google Earth.
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espaรงo concebido espaรงo percebido espaรงo vivido um espaรงo a ser vivido
sobre o espaço concebido
primeira aproximação ao objeto de estudo
Um breve entendimento das transformações da região estudada constitui uma importante variável de análise. Após um longo período de estagnação desde a sua fundação ocorrida no século XVI, Santo André garante sua expansão urbana e seu desenvolvimento econômico relacionados à implantação da estrada de ferro Santos-Jundiaí, construída na segunda metade do século XIX, entre 1860 e 1868, pela companhia inglesa São Paulo Railway Company, nas proximidades do Rio Tamanduateí. A implantação dessa ferrovia no vale do Tamanduateí gerou impactos profundos e imediatos, modificando a paisagem de seu entorno. Foi a partir da década de 1920 que a região sofreu um intenso processo de industrialização, devido à instalação de grandes plantas ao longo desse rio e ferrovia. No entanto, foi em meados de 1930 que houve um fortalecimento da industrialização do município de São Paulo e arredores. Esse fortalecimento foi uma resposta à crise mundial no período entre guerras, já que nesse momento, com a dificuldade de importação dos produtos industrializados, era necessário atender ao mercado interno que crescia. Os incentivos ficais (como isenção de impostos municipais), a ferrovia, o rio e a oferta de terrenos propiciaram a implantação de plantas industriais no eixo Tamanduateí e um crescimento populacional nas próximas décadas. Este aumento da importância industrial dessa região, no entanto, pode ser explicada por uma certa saturação industrial do núcleo da capital. A concentração industrial da Região Metropolitana de São Paulo deveu-se, principalmente, pela instalação da ferrovia. Porém, esse eixo, que funcionou como elemento estruturador da metrópole até a década de 1950, seria transferido de modalidade já que com os governos federal e estadual estimulando o transporte rodoviário, foi criada a rodovia Anchieta em 1947, ocorrendo também um incentivo à indústria automobilística que foram se instalando ao longo dessa via.
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Nesse contexto, a Avenida dos Estados chega à região do ABC. Essa significativa via que hoje funciona como um eixo metropolitano de passagem surgiu através dos loteamentos populares que foram se formando na região, de acordo com as necessidades de seu entorno. É a partir da década de 70 que a concentração industrial da RMSP começa a reverter, uma vez que é possível observar a transferência de plantas industriais da metrópole para o próprio interior do estado e também para novos pólos localizados nas mais expressivas capitais regionais como Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. (NOBRE, 2000). Essa transferência acaba resultando em uma dramática perda de emprego industrial no Grande ABC no período de 1988-1997 e em um declínio da economia da região. Somados a recessão da economia brasileira de 1980, outros fatores contribuíram para esse processo de desconcentração industrial como por exemplo a falta de terrenos disponíveis, a legislação restritivas, a dificuldade de locomoção e acesso, altos níveis salariais e a forte organização sindical.
Eixo rio Tamanduateí (e seus meandros) e ferrovia. Santo André, 1940. em: www.igc.sp.gov.br, acessado em 05/05/2013 às 13:45.
Nesse contexto, na década de 1990, houve uma melhora do setor terciário, nos serviços oferecidos à população, criando centros auto-suficientes, diminuindo, assim, a polarização exercida pela capital. Ainda assim, essa diversificação e crescimento do setor de comércio e serviços, não substituiu os padrões de riqueza do período anterior. O resultado de todas essas transformações ao longo da historia é a configuração do vale do Tamanduateí em uma área com vazios e fábricas desativadas e outras em funcionamento, um ônus a cidade, uma área de degradação urbana.
019
o projeto eixo tamanduatehy ‘um espaço de oportunidades’
Diante desse contexto, é na gestão do prefeito Celso Daniel, que se pode encontrar as origens do Projeto do Eixo Tamanduatehy. Durante seu segundo mandato, em 1997, o prefeito lança o “Projeto Santo André Cidade do Futuro” com o intuito de discutir os problemas da cidade em um fórum democrático. Nota-se, portanto, que já em seu início existia uma busca por consultar representantes de diversas entidades civis e públicas. Nessa ocasião, pode-se observar a presença de Jordi Borja (urbanista catalão) um dos principais pensadores do Planejamento Urbano na Europa. Borja defendia, como forma de reverter o quadro de ‘negativismo’ que a saída das indústrias deixou, a descentralização da capital, mostrando a necessidade em se obter uma autonomia do município de Santo André através da instalação de equipamentos públicos que melhorassem a qualidade de vida da população em relação à dependência de São Paulo. Criando-se, assim, uma alternativa à capital. Além disso, observava a potencialidade da Avenida dos Estados como um eixo urbano, já que ela, juntamente à ferrovia e ao rio compõem um grande eixo metropolitano. A importância desse eixo também se dá pelo surgimento dos enormes terrenos sem destinação econômica e urbana, passando, assim, a ser visto como um espaço de oportunidades. Em agosto de 1998, a Prefeitura de Santo André promoveu um workshop com técnicos locais, decidindo pela elaboração de um projeto que recuperasse a área deixada pelas indústrias. Dando início, dessa forma, ao Projeto do Eixo Tamanduatehy. Nesse momento, começa-se a surgir novas ideias que até então não existiam no município de Santo André, como, por exemplo, as parcerias público-privada. 020
Sobre o Projeto do Eixo Tamanduatehy, pode-se dizer, que em sua primeira fase, era um projeto especial já que estava diretamente ligado ao gabinete do Prefeito da época, Celso Daniel. Embora possam ser encontradas algumas contribuições desse projeto quanto à criação de uma nova centralidade metropolitana nesse Eixo, muitas críticas existiram quanto a forma de condução do mesmo. Na dissertação de mestrado de Margarida Sakata (2006), é possível encontrar a posição de Ermínia Maricato de que ’a cidade empresa’ transforma o espaço urbano em mercadoria, direcionando economicamente e não socialmente a cidade. Acredito que esse enfoque econômico dado quanto a implantação desse projeto pode ter sido um fator que tenha contribuído para seu estágio atual, uma vez que se tivesse dado maior enfoque social, a sociedade poderia ter ficado mais envolvida e contribuído para a continuidade e gestão desse projeto.
o projeto eixo tamanduatehy ideias fora de seu contexto
Para a elaboração do Projeto do Eixo adotou-se uma estratégia de contratação de profissionais com experiência na elaboração de projetos de intervenção urbana internacionais. Para isso, os consultores do projeto na época, Jordi Borja e Raquel Rolnik, decidiram contratar equipes mistas coordenadas por arquitetos europeus, sob a explicação de que a Europa vivia uma experiência de projetos de renovação urbana, com reaproveitamento de grandes áreas, como por exemplo a desativação de áreas portuárias, ferroviárias e industriais. Com o intuito de meramente coletar “grandes ideias”, em 1998, então, foram contratadas equipes de arquitetos nacionais e internacionais para a elaboração dos Anteprojetos para a região: a reabilitação urbana de uma área de 9,6 quilômetros quadrados, ao longo do Rio Tamanduateí. Refere-se somente a ‘coleta de grandes ideias’, uma vez que as propostas não levavam em consideração a propriedade da
terra do todo da área, que era, em sua maior parte privada, e assim, comprometia a viabilidade da execução da obra, tendo em vista a falta de recursos do município devido à diminuição na arrecadação. Acredita-se no entanto que o principal interesse desse projeto, não era sua realização, mas sim, sua repercussão. Segundo Sakata (2006, p. 93)
“A ampla divulgação pelos meios de comunicação chamou a atenção para o projeto, criando o debate além dos limites da cidade. O projeto ganhou visibilidade. Era essa a estratégia para se buscar novos investidores e para o projeto ter uma ‘caráter metropolitano’”
As quatro propostas então apresentadas foram importantes para um debate inicial para o futuro daquela região, embora refletissem ideias provenientes de um contexto diferente daquele apresentado no Brasil – três das quatro equipes contratadas, eram lideradas por arquitetos europeus e o contexto e o ciclo industrial no continente se deu de forma distinta se comparado ao ciclo incompleto brasileiro. Ainda que trabalhavam com intervenções na mesma área, tomaram proporções e debates muito distintos, até complementares. O catalão Joan Busquets, em seu projeto, previa a reabilitação do eixo da Avenida dos Estados, através da transformação do vale do rio em um grande parque linear, como uma espécie de tapete verde. Questões quanto as transposições da ferrovia e quanto à condições de permeabilidade do solo também podiam ser encontradas em sua proposta.
Imagens projetos urbanos para o eixo: o grande parque linear da equipe de Busquet, estudos sobre a macro acessibilidade de Leira, estudos sobre a volumetria de Portzamparc e, por fim, o projeto urbano de Cândido Malta (última imagem). Imagens retiradas da tese de mestrado de Margarida Sakata.
“Da proposta de Busquets, a ideia de um grande parque linear ao logo do Rio Tamanduateí foi incorporada pela projeto síntese com a alternativa de melhorar os passeios ao longo da Avenida dos Estados, alargando-o e criando canteiros de jardim, como podemos observar no projeto para o paisagismo do passeio em frente ao Terminal Logístico da Cosipa (não executado) e canteiros e passeios ao longo do Shopping Global.“4
Já o também espanhol Eduardo Leira, enfatizou em seu projeto a questão da acessibilidade do eixo, através de uma proposta de revitalização da ferrovia paralela ao rio Tamanduateí, além de propor a criação de um tipo de Arco Metropolitano, a chamada ‘Diagonal ABC’ que ligaria a região ao Aeroporto de Guarulhos. Trabalhando essa questão da macro-acessibilidade, o arquiteto tinha o objetivo de criar uma nova porta de entrada da região, criando, dessa forma, uma nova centralidade metropolitana. O projeto ainda previa a melhoria dos transportes metropolitanos, um centro irradiador (“motor do projeto”) com passagens subterrâneas e viadutos ligando as duas margens do rio, o enterramento do tramo ferroviário e praças cívicas organizando os espaços. O francês Christian de Portzamparc, por sua vez, preocupavase com as imagens daquele que passavam pelas ruas, trabalhando o conceito de “Quadra Aberta” – quadras com gabaritos variáveis e o interior verde, constituindo uma área comum aos moradores daquela quadra, semi pública. Sendo assim, o estudo sobre volumetria, a relação de espaços vazios e construídos e das edificações entre si, estavam muito presentes em seu projeto. SAKATA, Margarida Nobue (2006) Projeto Eixo Tamanduatehy: uma nova forma de intervenção urbana em Santo André? Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAUUSP. P. 93. Disponível no site www.teses.usp.br , acessado em 20 de agosto de 2012, as 13:45. 4
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Além disso, propôs a remodelação do corredor viário da Avenida dos Estados, criando uma pista local que separava o tráfego de passagem da dinâmica do lugar. Esse modelo, ainda que adotado pela Prefeitura do Município, fora abandonado ao longo do projeto. Questões quanto à implantação do projeto, como a do controle dos gabaritos variáveis (como que em um mesmo quarteirão os índices urbanísticos seriam distintos) e ao rompimento da propriedade privada para a implantação de áreas comum no interior do quarteirão estiveram presentes nas discussões quanto as dificuldades de implantação desse projeto. O projeto do brasileiro Cândido Malta Campos Filho tinha como um dos seus objetivos unificar os dois subdistritos de Santo André, separados pelo rio e pela ferrovia. Além disso, propôs elementos arquitetônicos como “prédios pontes, torres de até 100 andares, sistemas de quadras amplas, parques temáticos, centro de multimídia, praias artificiais e metrô de superfície.” Além disso, o arquiteto enfatizava sua percepção da importância e potencialidade de um corredor como esse. Em entrevista dada à Ivana Jenny, Malta fala sobre sua proposta dizendo que além de se pensar a ferrovia como um obstáculo que secciona o tecido, pensa a ferrovia como elemento de estruturação. Ele parte de uma estrutura, tudo existente na área como as indústrias, as favelas, os bairros residenciais, os vários tipos de tecido que estão na região. Após isso, ele diz estudar o que se pode fazer sem destruir o que já existe lá. Sobre a ideia dos prédios-ponte ele revela que esses elementos surgem como forma de resolver a costura de um lado com o outro sem ter que ser pelo automóvel, mas que seja com as pessoas andando, mas que não fossem uma simples passarela ou ponte. (MALTA apud JENNY, 2005, p.241-242) A partir então das discussões geradas por esses quatro projetos, foi criada uma entidade gestora, denominada Grupo Gestor. Esse grupo também foi responsável por conquistar uma aproximação com os setores da sociedade civil, na
tentativa de somar aliados ao projeto. Tinha como maior objetivo a tentativa de garantir que o projeto tivesse uma autonomia para uma continuidade além daquele mandato. No entanto, a continuidade desse grupo ficou comprometida com o processo eleitoral de 1999 e houve esvaziamento das reuniões.
o projeto eixo tamanduatehy resultados
A prefeitura de Santo André trabalhou com um quinto projeto, o projeto síntese. Esse projeto, constituiu-se em uma diretriz de projeto. “A partir dessas diretrizes e oportunidades que surgiam com os empreendimentos na área do Eixo, havia uma negociação para a concretização das ideias através das contrapartidas realizadas pela iniciativa privada. Havia todo um processo de negociação, caso a caso, mas a partir de diretrizes muito bem estabelecidas no Projeto Síntese”.5 Essas intervenções aconteciam de forma pontual, conforme os empreendimentos privados se estabeleciam no Eixo. Sob a coordenação de Ênio Moro, as questões quanto à participação popular foram retomadas. Como forma de garantir maior envolvimento dos atores locais, algumas diretrizes foram traçadas como a “geração de trabalho e renda por meio da manutenção e atração de atividades produtiva; promoção de Habitação e Inclusão Social; participação popular nos processos decisórios; urbanismo includente; reabilitação urbana por meio de valores materiais (propriedade e renda) e simbólicos (direito à cidade).” (Sakata, 2006). Nessa busca de uma maior participação popular, “foram realizados alguns seminários e audiências nos bairros como os ‘painéis urbanos’ e as ‘caminhadas urbanas’. Ainda assim, infelizmente, todas SAKATA, Margarida Nobue (2006) Projeto Eixo Tamanduatehy: uma nova forma de intervenção urbana em Santo André? Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAUUSP. P. 109. Disponível no site www.teses.usp.br , acessado em 20 de agosto de 2012, as 13:45. 5
essas iniciativas não passaram de discursos e esses fóruns com a participação popular acabaram esvaziados com a saída do coordenador em 2003. Tanto a mudança dos mandatos que gerou a mudança de coordenação do projeto e o assassinato do prefeito Celso Daniel, em 2002, contribuíram para o seu enfraquecimento, já que fizeram com que esse projeto urbano então deixasse de ser prioridade do gabinete do prefeito e passasse a ser gerido no âmbito de uma secretaria. Os interesses de cada secretaria acabaram resultando na falta de apoio quanto aos projetos de outras secretarias, na corrida por recursos. Além disso, para Moro, os objetivos do projeto não foram alcançados pelas dificuldades que extrapolavam o gerenciamento municipal. Outro motivo que pode ter dificultado o encaminhamento do projeto, refere-se as parcerias e operações efetuadas dentro do projeto Eixo Tamanduatehy. Ainda que dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano mostrem que essas operações entre os anos de 1997 e 2001 geraram para a cidade 14 mil empregos entre diretos, indiretos e envolvidos na construção civil6 o fato é que não existia uma diretriz mais impactante e de médio e longo prazo, e, sendo assim, o Eixo funcionava sempre reativamente, à luz dos empreendimentos e da vontade dos empreendedores. As contrapartidas adquiridas pelas parcerias, acabaram configurando, assim, áreas de “embelezamento” envoltórias dos megaempreendimentos comerciais implantados. Sendo assim, o projeto acabou adquirindo características de um grande negócio imobiliário, na busca por investidores e acompanhando as tendências de mercado. In: SAKATA, Margarida Nobue (2006) Projeto Eixo Tamanduatehy: uma nova forma de intervenção urbana em Santo André? Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAUUSP. P. 125. Disponível no site www.teses.usp.br , acessado em 20 de agosto de 2012, as 13:45. 6
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espaço concebido
a região de acordo com o Plano Diretor Neste contexto, não se pode ignorar a discussão do Plano Diretor Participativo do município que seguiu as diretrizes do Estatuto da Cidade. Embora esse processo tenha suscitado uma expectativa quanto à elaboração de um plano diretor para o Eixo e sua estruturação jurídica, nada se concretizou, tendo sido definida a área de intervenção do projeto como Zona de Reestruturação Urbana que é caracterizada com uma área com predominância de uso misto, carência de equipamentos públicos e incidência de edificações não utilizadas e terrenos subutilizados ou não utilizados. No entanto, a questão habitacional na área do projeto ganha maior destaque com a criação das ZEIS – Zona Especial de Interesse Social. Foram denominadas de ZEIS ‘C’, as áreas destinadas especificamente aos terrenos não edificados e imóveis subutilizados localizados na área do Projeto Eixo Tamanduatehy, totalizando 850 mil m2. Ao se observar os parâmetros urbanísticos da região, notase um desejo de adensamento dessa área, uma vez que o coeficiente de aproveitamento mínimo dessa zona, é maior do que as outras. Ainda que a ideia inicial do projeto consistisse na mudança da zona industrial e sua reestruturação, é possível notar o resultado disso em um grande vazio urbano com fragmentos de grandes empreendimentos murados, sem qualquer inserção no tecido urbano e preocupação. Das contrapartidas desses empreendimentos, nota-se a presença de fragmentos de espaços privados destinados ao uso público, sem a apropriação da população, que criam nada mais que ‘emolduramento’ desses grandes empreendimentos.
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Em sentido horário: o rio Tamanduateí e o município de Santo André na RMSP; o município de Santo André; a divisão das macrozonas (urbana, em laranja e rural, em verde); destaque em laranja para a Zona de Reestruturação Urbana.
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espaรงo concebido espaรงo percebido espaรงo vivido um espaรงo a ser vivido
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espaço percebido
“Quem, na cidade, tem mobilidade – e pode percorrêla e esquadrinhá-la – acaba por ver pouco, da cidade e do mundo.”
Milton Santos
Os 8 quilômetros que marcam o trajeto do eixo metropolitano ferrovia - avenida – rio dentro do perímetro do município de Santo André da divisa com a cidade de Mauá até a divisa com São Caetano, podem ser considerados como um eixo de passagem. São poucos os lugares de permanência nessa área, e, aqueles que existem quase não são utilizados. A “categoria” dos espaços de passagem, de circulação ou de mobilidade, preponderante na região estudada, tem reforçado a obsessão por novas relações de velocidades e deslocamentos. O resultado disso na produção do território acaba por gerar um espaço pouco utilizado para os encontros e deslocamentos a pé. O desenho ainda reforça o domínio do automóvel, sobrepondo-se ao rio, que nessa configuração aparece totalmente desarticulado do tecido urbano, impossibilitando a proximidade, até visual, em alguns momentos, do usuário para com esse elemento.
Rio Tamanduateí confinado pelo rodoviarismo. Acervo da autora.
Essa configuração acaba reforçando a ideia de apreensão da paisagem a partir da velocidade. Sobre essa velocidade, no artigo de Eder Chiodetto, fotógrafo e curador é possível encontrar uma denominação para esse tipo de apreensão do ambiente urbano 029
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“Sob o signo da velocidade o deslocamento entre origem e destino se tornou, abruptamente, uma experiência radical de anulação, de apagamento da paisagem. Entre origem e destino restou o vácuo ou, quando muito, estilhaços de imagens que num frenesi surgem e desaparecem na tela do computador, do palm top, do celular, no retrovisor do carro, na janela do trem, do táxi, do avião, da van. Paisagem-passagem.”7 A partir disso, nesse local de permanente passagem, integrante de diversos percursos, seus usuários, podem denominar-se passageiros-urbanos. A ausência de espaços de permanência apropriados, também pode relacionar-se à configuração espacial desse território, marcada por grandes quadras e uma estrutura viária voltada à macro acessibilidade e não à escala local. Além disso, a inflexibilidade e falta de mistura dos usos, acontecimentos, também contribuem para essa questão. Há espaços de permanência nesse eixo, entre eles, o piscinão construído próximo ao bairro Santa Terezinha pode revelar um bom resultado de apropriação de um espaço projetado e do contato com a água. No local do piscinão hoje existe um pesqueiro que sempre se encontra lotado. É interessante notar que em meio a esse eixo de passagem, alguns vivenciadores encontram espaço para praticarem suas atividades o que revela a carência de lugares de uso público articulados ao tecido urbano. Em notícia publicada no Diário do Grande ABC em 26 de janeiro de 2002, relata que a criatividade dos moradores do bairro Santa Terezinha, em Santo André, solucionou o problema da falta de área de lazer no bairro, já que O piscinão que, antes recebia apenas esgoto e água de chuvas, agora é uma verdadeira área de lazer.
CHIODETTO, Eder. Paisagem – Passagem. In:http://p.php.uol.com. br/tropico/html/textos/2812,1.shl, acessado às 12:36, 12/04/2012. 7
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Além disso, deve-se considerar que em meio a esse eixo, em 2010, é inaugurada parte do novo campus da Universidade Federal do ABC. Desde esse momento, é possível observar um adensamento dessa região, devido a esse novo vetor que configura um pólo atrativo de pessoas. Com a vinda dessa universidade às margens do rio Tamanduateí, novos fluxos na região são formados, já que pessoas do Brasil inteiro, e até de fora do país, vão para esse local. No momento, algumas partes do edifício encontram-se em obras. Não se nota, até agora, alguma integração do campus com o tecido urbano, já que a área encontra-se murada, articulada apenas com um entrada aos fundos e uma lateral na divisa com o supermercado Carrefour, através de sua praça cedida por contrapartida. Ao analisar a região, é possível perceber que os usuários, aqueles que não utilizam o transporte privado, chegam na universidade através do trem, realizando o percurso Estação Santo André - UFABC a pé. Outra opção é chegar de trólebus, parando na rua Oratório. Inicia-se, então, as primeiras configurações dos problemas a serem enfrentados. Compreender esses percursos, e qualificálos para os pedestres, projetando e conectando espaços de permanência, serão alguns desafios dessa proposta de desenho urbano. Pensar nesses caminhos e começar a esboçar urbanidades, a partir do desenho da cidade, significa ter que encarar a característica principal desse eixo: uma forma de costurar o tecido urbano que se encontra desconectado devido as fraturas transversais: ferrovia, grandes plantas e vazios industriais, avenida e rio).
Nas páginas anteriores, “passageiros-urbanos”. Fotos tiradas pelo celular, por Kaique Carvalho.
UFABC: rio, avenida, muro e UFABC; rampa de acesso da UFABC, movimento durante a noite. Fotos da autora, 2013.
Pesqueiro dos Girass贸is: contato com a 谩gua. Acervo autora, 2013.
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espaรงo concebido espaรงo percebido espaรงo vivido um espaรงo a ser vivido
espaço vivido
Compreender esses percursos, e a dinâmica da região, requer um maior aprofundamento do local. Para isso, sugere-se uma possível forma de análise baseada no contato com outros indivíduos. A aproximação com o usuário, no entanto, não visa a legitimação do projeto ou torná-lo mais democrático, mas sim a oportunidade de trabalhar com outros interlocutores, aproximando-se mais da região pela ótica de quem a vivencia, garantindo assim, um maior envolvimento com o local. Através dessa interlocução com os usuários da região, é garantida a aproximação não só da complexidade de um fato urbano, mas também da prática do desenho urbano. Hoje, já se sabe que “os sistemas de valores dos usuários, como comprovam diversos estudos, não são, absolutamente, iguais aos dos arquitetos que irão definir os ambientes onde irão morar e trabalhar” (DEL RIO, 1990, p. 96) Acredita-se que o diálogo entre o usuário e o profissional que irá projetar a região seja fundamental. Essa “troca” tem que existir, o arquiteto, ser sensível a ponto de perceber as necessidades daquela determinada região, mas também passar e compartilhar seus valores e experiências a partir do desenho. Para isso, como forma de garantir uma primeira aproximação do local estudado, foi realizado um questionário origem e destino, na região do eixo onde está situada a UFABC como forma de compreender os percursos que envolvem a população que transita no local. A aplicação desse questionário que visava entender a origem dos trajetos, os principais meios de locomoção e os percursos realizados, gerou os seguintes resultados. Dos 50 entrevistados: - 35 utilizam transporte público - 5 vão a pé, - 4 moram em repúblicas no entorno, - 1 em Santo André, mas distante.
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Dos 35 que utilizam transporte público: - 28 usam o trem, - 7 linha de trólebus, - 34 acham o local perigoso a noite, - 31 não utilizam a pracinha do Carrefour, passando por dentro do supermercado em seu trajeto, alegando insegurança na região. Das contrapartidas geradas pelos empreendimentos situados no eixo Tamanduatehy, um caso interessante a se notar é a praça do supermercado Carrefour. Embora seu uso sempre tenha sido questionado, com a vinda da universidade para a região, esse espaço pertence ao trajeto da maioria dos usuários. No entanto, esses indivíduos, revelaram que preferem passar por dentro do supermercado, realizando um trajeto mais longo e difícil, do que utilizar essa praça, por sentirem-se inseguros.
Praça Carrefour, e, ao fundo, edifício da UFABC. Foto Google Street View, 2012. 041
espaço vivido
oficinas
Após mapear esses percursos, foram identificadas algumas instituições próximas ao rio, a já mencionada UFABC, uma unidade do serviço social da indústria (S.E.S.I.) que possui uma escola com ensino fundamental e médio, voltada aos filhos de funcionários das indústrias e que em sua maioria não residem em Santo André e a Escola Estadual Professora Carlina Caçapava de Mello. Como forma, então, de identificar os elementos presentes na percepção dos usuários da região, pensou-se em se adotar o método de pesquisa de Kevin Lynch sobre os mapas mentais. No entanto, propus não restringir a representação em mapas, a fim de garantir ao interlocutor maior liberdade possível para sua imaginação. A partir disso, foi definido um método para aplicação desse exercício. DESENHO 1 – Desenhe como é o trajeto casa-local de estudo, mostrando tudo o que tem próximo da instituição. O objetivo dessa etapa foi perceber se o rio Tamanduateí aparece nos desenhos, observando, assim, se esse é um elemento presente no cotidiano e na percepção dos abordados, por isso era importante não mencionar o rio em um momento inicial. DESENHO 2 – Desenhe como você gostaria que fosse o rio próximo do local onde estuda. O objetivo dessa etapa era observar os desejos, e o entendimento de como seria o rio ideal para esses usuários. O intuito foi deixá-los livres para o que quisessem desenhar, não dando muitas referências, apenas o enunciado, independente do resultado final.
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Localização aplicação das oficinas. Mapa elaborado pela autora.
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ESCOLA ESTADUAL CARLINA CAÇAPAVA DE MELLO “Essa é a Isabella, ela está fazendo um trabalho sério, e eu quero que vocês prestem atenção e a ajudem, realizando o exercício proposto por ela.” Essas foram as palavras ditas pelo coordenador Humberto, da E.E. Carlina, para a turma do 5º ano A, minutos antes de fechar a porta e me deixar sozinha, frente a frente com aquelas crianças. Nunca tinha passado por essa experiência de estar a frente de uma sala de aula ocupada por pessoas de uma faixa etária tão distinta da minha, ocupando aquela posição criada pelo sistema educacional do professor, daquele que comanda a turma. Em um primeiro momento, fiz uma introdução, a fim de me aproximar daquele meio, perguntando se já sabiam o que fariam na universidade e se conheciam a minha futura profissão. Depois de um longo período de respostas em um tom alto de voz, pude aplicar o exercício. Enquanto distribuía uma folha sulfite A4 para cada aluno, perguntava se eles moravam nas proximidades daquela escola (o coordenador já me informara que todos os alunos moravam relativamente perto do local, alguns no próprio bairro e outros na favela do outro lado do rio). Logo depois, pedi, enfim, para que eles desenhassem o trajeto escola-local onde moram, com todos os elementos que eles percebiam ao longo do percurso. Os 20 minutos que se seguiram para aplicação desse exercício foram marcados por muitas questões do tipo: “Professora, pode fazer em dupla?” “Professora, pode ouvir música no celular? Pode mudar o tema? Pode colorir? Está certo desenhar assim?” 044
(…) Ao finalizarem, fui colando os desenhos na lousa, e conversamos um pouco antes de pedir para que fizessem o segundo desenho. Nesses desenhos, nota-se a forte presença de alguns elementos como o Parque Pignatari, a “Praça” que não recebe nenhum nome, a Igreja, supermercados, a Av. Dos Estados. Outro elemento que aparece na maioria dos desenhos marca a morfologia do bairro Santa Terezinha – onde a escola se situa – a estrutura radial-concêntrica, aparece na forma de rotatória nos desenhos. Poucos desenharam o rio – o que foi um questionamento feito por mim no momento da discussão – ninguém desenhou a ferrovia. Na ocasião, uma menina disse que não passava pelo rio no trajeto da escola. Notei aí talvez uma deficiência da aplicação do exercício, quando pedi o desenho do trajeto. Ainda assim, o restante dos que não desenharam, não fizeram nenhuma observação, mostrando que não desenharam o elemento por não haverem lembrado dele ou o julgado relevante. Após perguntar sobre a ausência do rio nos desenhos, pedi para que desenhassem como queriam aquele rio – quais atividades próximas dele queriam que tivesse. Os desenhos mais interessantes surgiram nessa etapa. Ainda que muitos tenham escrito frases do tipo “não jogue lixo no rio” demonstrando a rasa noção de ecologia dada a essas crianças: não jogar lixo em um rio que o aluno nem tem contato (nem mesmo visual); muitos desenharam um rio, reto (muitos usavam a régua para o seu traçado) que na maioria das vezes ocupa a folha inteira, ou grande parte dela. Poucos aparecem tendo uma relação com o tecido urbano, os rios que possuem
margem, essa margem remete a avenida dos estados, reta, cinza, com a presença do automóvel. As atividades junto da água: nadar, pescar, andar de barco, também são muito enfatizadas. Em alguns desenhos nota-se o desejo de um rio menos urbano, mais rural, a margem aparece em forma de grama, há a existência de peixes, etc. Isso também pode revelar que a imagem do rio para um “indivíduo urbano” só aparece ligada a questões mais rurais, talvez pela falta de referência que se tem de um rio utilizado dentro da cidade.
Nas seguintes páginas, alguns desenhos foram selecionados e colocados neste trabalho, a fim de ilustrar os pontos aqui levantados. Nas duas primeiras páginas encontram-se o “espaço vivido” pelos interlocutores. Já nas duas seguintes, começa a se esboçar as primeiras ideias de “um espaço a ser vivido”.
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UFABC A aplicação do exercício na UFABC foi bem diferente. Não só por estar lidando com universitários, portanto um grupo social bem distinto do primeiro, mas pelo fato de trabalhar com estudantes da questão. Apliquei o exercício nas duas turmas de “Teoria do Planejamento Urbano” do curso de Engenharia Ambiental e Urbana. Ainda que fosse a segunda aula da disciplina, os alunos sabiam que fariam um estudo na área do rio Tamanduateí para a matéria. Sobre esse trabalho, acredito que isso tenha sido um fator positivo e também negativo. Isso porque, ao mesmo tempo que o meu exercício dialogava muito com o proposto em sala, e portanto proporcionou uma troca significativa entre a minha atividade e aquelas turmas, os desenhos provavelmente tenham sofrido certa influência das questões a serem estudadas e trabalhadas, refletindo assim, mais um olhar de estudante da questão do que de vivenciador daquela região. Isso fica mais evidente quando, diferentemente do outro grupo social, pedi para desenharem o entorno da universidade (o entorno pelo fato de que muitos não moram próximos da região, achei que talvez fosse mais eficiente). Notei naquele momento que muitos começaram o desenho pelo rio. Parecia que aquele elemento guiava o restante dos outros elementos do cotidiano e na minha interpretação, parecia que isso era o resultado da influência da disciplina no exercício. Quanto ao resultado dos desenhos, quando pedi para que desenhassem o entorno da UFABC (o professor da disciplina, Dr. Ricardo Moretti, orientou os alunos propondo que desenhassem a área para alguém que não a conhecia, indicando os elementos presentes próximos dali) muitos demonstraram certa insegurança quanto ao traço, usando a régua, borracha, etc.
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O rio, como já revelado anteriormente, aparece na maioria dos desenhos, sendo um dos primeiros elementos a serem desenhados. Além disso, todos desenham a avenida, já a ferrovia é desenhada por poucos. Alguns apresentam uma visão superficial da área, desenham alguns pontos de referência como os supermercados da região – Carrefour, Sams Club, Assaí – o correio, a indústria, o shopping ABC Plaza. Outro elemento referencial são a indústrias. Tanto o nome “Rhodia” e “Moinho São Jorge” aparecem em muitos dos desenhos. Outros já revelam um olhar mais atento, da escala do cotidiano já que lembram de alguns pontos como o “sinucão” (um antigo galpão transformado em bar e muito utilizados pelos alunos), o xerox, alguns restaurantes próximos. No entanto, esses elementos do dia-a-dia estão localizados no lado do edifício sede da UFABC, revelando que não existe uma ‘livre circulação’ entre os dois lados da cidade seccionados pela avenida e ferrovia. Em alguns desses mapas é possível verificar que o nome das ruas aparecem mais do que os elementos. Além disso, outros elementos merecem ser destacados como a presença de alguns pontos de interrogação em determinados locais (revelando não saberem o que tem naquele local), a presença de uma ponte interditada sobre o rio (esse aspecto mostra que alguns dos usuários que andam e tentam atravessar o rio, acabam por encontrar essa barreira). É muito interessante também observar a proporção dos vazios apontados na área. Nem sempre o tamanho desses vazios representam de fato o que é um terreno vazio. A UFABC aparece muito pequena perto dessas áreas, sendo que realmente, as áreas de fato vazias na margem do rio não são muitas. Outro ponto interessante a ser notado é a referência ao supermercado Carrefour como “Bloco C/D”, como se o local pertencesse à Universidade, tanto pela sua proximidade, como também pela utilização pelos alunos de seus serviços.
O segundo desenho é marcado por principalmente um tratamento da margem. Em muitos dos desenhos esse tratamento não passa de um “emolduramento” com uso de vegetação na margem desse rio. Já em outros, propõe-se um uso dessa área, às vezes com a diminuição de faixas da Avenida dos Estados, criando-se um parque linear, com contato com a água (pesca e transporte). Quanto a isso, é interessante notar que, enquanto a maioria desenha espaços escrevendo seus usos, alguns desenham vivências, colocando pessoas utilizando esses espaços criados. Nota-se uma importância dada quanto à circulação, mobilidade, já que são muitos os que desenham transposições do rio e da avenida. Muitos propõe espaços e equipamentos públicos e evidenciam a falta de urbanidades na região, propondo um uso misto com residência, comércio, bares, restaurantes, etc. Outro ponto levantado é quanto à iluminação. Nas propostas, diferentemente dos mapas de percepção, a cor surge, ainda que timidamente. Essa parte da pesquisa, como já mencionado anteriormente, visava a aproximação de diferentes interlocutores, fazendo também com que os participantes parassem o que estavam fazendo e começassem a olhar para região. Além disso, pretendia-se extrair algumas informações quanto à percepção e desejos daqueles que vivenciam o local para um posterior diálogo com o desenho proposto.
Nas seguintes páginas, serão expostos alguns desenhos selecionados, a fim de ilustrar os pontos aqui levantados quanto ao “espaço vivido” pelos interlocutores.
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Nas seguintes páginas, serão expostos alguns desenhos selecionados, a fim de ilustrar os pontos aqui levantados quanto ao “espaço a ser vivido” pela ótica dos interlocutores.
espaรงo concebido espaรงo percebido espaรงo vivido um espaรงo a ser vivido
um espaço a ser vivido
uma investigação do espaço pelo desenho
Antes de mais nada, deve-se considerar que essa categoria de análise não pretende ser uma síntese das três primeiras, mas sim, uma nova abordagem de investigação. O artigo masculino indefinido (‘um’ espaço e não ‘o’ espaço) revela que essa é uma, diante de muitas possibilidades de propostas de implantação para a região estudada. No início desse caderno (“Sobre o Espaço Concebido”) foram analisadas as propostas para o projeto urbano “Eixo Tamanduatehy”. Daqueles projetos alguns aspectos serão considerados nesse desenho: o tratamento da margem a fim de melhorar a qualidade dos passeios ao longo do rio Tamanduateí, a questão da quadra aberta e a variedade de gabaritos, o entendimento da ferrovia como elementos estruturador.
Essa delimitação, portanto, não só encara a situação recorrente ao longo desse eixo – ferrovia, grandes plantas industriais, avenida, rio – mas acaba também revelando uma postura que o trabalho adotará – a articulação desse tecido com o rio. Isso acaba por anunciar a proposta de trabalho, a transposição dessas barreiras já mencionadas em um caso mais central, propondo-se diretrizes que possam ser reproduzidas ao longo do eixo, com o objetivo de articular os dois lados do tecido urbano de Santo André fraturados por essas barreiras e uma articulação desse tecido com o rio, garantindo, que a população se aproxime da água, presenciando as características topográficas do local, pensando em espaços de permanência que atraiam pessoas, não apenas da região. A escala do ‘passageiro metropolitano’ analisada no “espaço percebido” no modo de observação da maioria daqueles que passam pelo local, deve ser substituída pela a escala do cotidiano do ‘espaço vivido’. Isso porque ‘A categoria dos espaços de passagem, de circulação ou de mobilidade tem reforçado a obsessão por novas relações de velocidades e deslocamentos. Focada (e submissa) à predominância do uso dos automóveis particulares, a produção do território tem negado o papel destes no sistema de mobilidade, mais propenso à imobilidade por “engarrafamentos’.”8
No entanto, outros aspectos serão questionados e contrapostos como a não consideração do tecido urbano existente e sua complexidade – o único projeto que trabalhou essa questão foi o comandado pelo brasileiro Cândido Malta – a ideia de se esconder o trem através do enterramento do tramo ferroviário na proposta de Eduardo Leira, o não cuidado com as questões do rio, o esquecimento da escala do cotidiano. Como forma de apreensão e aproximação do local para a realização do seu desenho, foi escolhida uma área de recorte – a área compreendida entre as estações de trem Prefeito Saladino e Santo André. Esse recorte acaba sendo também definido pelas características topográficas já que delimita a área configurada por dois vales de córregos (não visíveis) que deságuam no rio Tamanduateí. 066
ESTEVES, Milton, ALMEIDA, Lutero. Neogênese - Neoformações destinadas à produção do território em prol da diversificação, dinamização e qualificação das funções urbanas. In ENANPARQ, nº2, 2012, Natal. 8
Essa situação acaba acarretando na destruição da categoria dos espaços de permanência, já que esta tem sido destituída de atividades coletivas voltadas à sociabilidade devido ao isolamento dos indivíduos e das famílias nos espaços privados e à anulação dos valores comuns nos espaços públicos.
questões a fim de garantir maior liberdade ao processo criativo. Inicia-se a investigação do espaço pelo desenho partindo-se da premissa de saneamento publico ao longo desse eixo.
Trabalhar e analisar a escala do cotidiano requer uma maior aproximação não só do local mas também daqueles que vivem o dia-a-dia desse local. A extração das informações adquiridas nos mapas mentais desses indivíduos também guiaram essa proposta. O desenho do espaço a ser vivido inicia-se na aplicação das oficinas quando propõe-se aos participantes o desenho do ‘rio ideal’. O contato com a água, a apropriação das margens com atividades, a não integração do rio com tecido urbano, a ausência da ferrovia, a diversidade de elementos e atividades presentes no cotidiano são indicativos de algumas medidas a serem tomadas. A análise da cidade através da escala do cotidiano revela a iversidade de elementos presentes no dia-a-dia daqueles que vivenciam o espaço trabalhado. Para garantir essa diversidade de atividades no novo tecido urbano proposto, deve-se gerar urbanidades, redesenhar esses espaços pensando na flexibilidade e mistura de usos, propondo-se um redesenho das quadras e com a revisão de alguns parâmetros urbanísticos. Através dessa diversidade de usos e a intensidade das atividades ao redor dos espaços livres públicos, a questão da segurança, presente na fala de muitos dos usuários da região, pode também ser aprimorada. Como todo exercício de projeto acadêmico, esse exercício também parte de algumas premissas e considera certas
A seguinte Imagem foi elaborada pela autora com base em imagem do Google Earth, 2012. Foto panorâmica: Acervo da autora.
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ÁREA DE APROXIMAÇÃO
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Área de aproximação configurada por dois vales de córregos “invisíveis” Maquete em cortiça confeccionada pela autora
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área de aproximação situação
Como mencionado anteriormente, para se propor diretrizes e um desenho mais aproximado, uma escala em que o pedestre possa aparecer, resolveu-se analisar a área mais central desse eixo, onde está localizada a UFABC (um novo pólo para a região) compreendida entre as estações de trem Prefeito Saladino e Santo André. Acredita-se que, as diretrizes gerais propostas para essa região, sirvam como uma espécie de projétil. Ou seja, que elas possam ser reproduzidas, consideradas as especificidades de cada lugar, ao longo de todo o eixo. Através do mapa da página ao lado, é possível notar que a área em questão é uma área fragmentada pela ferrovia, por grandes plantas industriais e pela Avenida dos Estados. À leste da linha do trem, encontra-se um tecido urbano menos regular do que se comparado ao lado Oeste. Muitas Indústrias (em roxo) ainda se encontram na região, como é o caso do Moinho São Jorge, e da Rhodia. No entanto, o que vem sendo construído na área, em substituição à descentralização industrial, são grandes empreendimentos (em amarelo) que, aproveitam dos enormes terrenos deixados, aumentando ainda mais a divisão desse espaço. Essas novas construções também reforçam a barreira constituída pelas enormes quadras da região. À Leste, entre a Avenida dos Estados e a ferrovia, e à Oeste, entre a ferrovia e a Avenida dos Estados, existem duas grandes quadras de aproximadamente 1,5km de extensão. Em branco, encontram-se as áreas com potencial para desenvolvimento de projeto já que são consideradas como grandes vazios urbanos (estacionamentos, terrenos vazios, etc).
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situação
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s/ escala
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14 estações Prefeito Saladino (Norte) e Santo André 1 - terrenos “vazios urbanos” 2 - lojas materiais de construção 3 - shopping ABC Plaza 4 - estacionamento shopping 5 - terminais rodoviários 6 - rhodia 7 - supermercado sam’s club 8 - estacionamento carrefour 9 - carrefour 10- ufabc 11 - copafer - loja material de construção 12 - correios 13 - terreno a construir bloco anexo à ufabc 14 - motel 15 - moinho são jorge 16- supermercado assaí
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áreas verdes As áreas verdes mais significativas da região encontram-se enumeradas no mapa ao lado. Acontece que, com exceção do Parque Celso Daniel, do canteiro central da Av. Prestes Maia e do campo de futebol pertencente à Prefeitura, os outros espaços, na maioria das vezes encontram-se vazios. Isso se deve, principalmente, pela ausência de articulação com o tecido existente, já que se configuram como uma moldura de grandes empreendimentos/ intervenções na área.
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Foto campo de futebol prafeitura. Acervo da autora
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áreas verdes s/ escala
estações Prefeito Saladino (Norte) e Santo André 1 - campo futebol prefeitura 2 - praça lateral do viaduto 3 - canteiro central av. prestes maia 4 - parque celso daniel 5 - praça 18 do forte 6 - praça carrefour
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implantação 0 10
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plano geral 1- campo de futebol prefeitura (existente) 2- rampa arquibancada projetada 3- praça encontro dos córregos 4- novas quadras permeáveis 5- canteiro central com córrego 6- quadras novas propostas 7- praça central 8- edifício biblioteca municipal 9- edifício uso misto 10- edifício anexo da ufabc - novo arranjo da volumetria 11 - espelho d’água linear proposto - lagoa de retenção de águas pluvias 12 - quadra uso misto - calçadão comercial 13 - galeria proposta 14 - parque da rhodia - lugar da memória 15 - praias fluviais (moinho e ufabc) 16 - praça ligação 17- estações de trem 080
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A proposta de leitura/investigação do espaço através do desenho permite que sejam analisadas as diversas camadas existentes no tecido urbano. Para a realização do plano geral exposto nas páginas anteriores, foram propostas algumas estratégias/diretrizes que aparecem como “ações” a serem implantadas no local.
circular coexistir redimensionar integrar atravessar abrir
circular coexistir redimensionar integrar atravessar abrir
circular
Embora esse não seja o foco do trabalho, para uma proposta de intervenção na área, algumas estratégias projetuais quanto à mobilidade foram adotadas. A listagem de prioridade quanto aos modais de locomoção deixa evidente algumas características adotadas ao longo do projeto. Nessa lista, foi priorizada a escala do pedestre, depois da bicicleta, do transporte coletivo de passageiros sobre trilhos (de alta, media e baixa capacidade), do transporte rodoviário coletivo e, por ultimo, do automóvel. Para isso então, inicialmente, são analisadas algumas estratégias de implantação do passeio ao longo do rio Tamanduateí localizado na Avenida dos Estados – um eixo rodoviário metropolitano. Atualmente, no local, à margem do rio localizam-se quatro faixas de leito carroçável, sem nenhum passeio (calçada, pavimentação, ou até dimensões para isso) entre este rio e a avenida. A redução das dimensões das faixas do leito carroçável da avenida dos Estados - que acarretaria na diminuição da velocidade do automóvel – e a retirada de uma das faixas dessa avenida garantem um maior espaço para o calçadão central, a beira do rio, que além do espaço para o pedestre permite também a implantação de uma ciclovia.
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O prejuízo dessa redução da avenida dos estados- um transito mais intenso na região, seria sanado pela oferta de aumento das linhas de ônibus, com parada na região, com o
Estudos esquemáticos para implantação do calçadão da Av. dos Estados. Elaborado pela autora.
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aparecimento de um meio alternativo - a ciclovia – e, por fim, com um incremento do transporte ferroviário. Quanto ao transporte ferroviário de passageiros, o desenho parte da premissa que o ferroanel esteja construído para o transporte de carga. Somente assim, será possível o aumento de linhas destinadas ao uso de passageiros, e consequentemente o aumento dos trens servindo à região.9
Projeto Ferroanel, 1969. www.ferroanel.blogspot.com.br. Acessado em 03/02/2013 as 10:53.
Ainda a respeito do transporte sobre trilhos, foi determinada uma proposta de implantação de linhas de VLT (bonde) na região expandindo-se para o restante da cidade, que apesar da baixa capacidade se comparado ao metro e ao trem, o transporte garante, através de sua capilaridade, sua característica meândrica, uma maior permeabilidade no tecido urbano, articulando todos os sistemas propostos. Propõe-se que sejam implantados novos pontos de ônibus no canteiro central da avenida dos Estados criando assim uma maior proximidade do rio ao cotidiano das pessoas e articulando o sistema de transporte cicloviário ao transporte rodoviário coletivo. Além disso, em uma área próxima à estação da CPTM e ao Terminal de ônibus, foi proposta uma área de aluguel e oficina de bicicletas. Os circuitos de bicicleta também pertencem a um plano mais geral e priorizam a proximidade com os corpos d’água. 9
Para garantir o desenvolvimento da cidade de São Paulo, acreditava-se que o modelo rodoviário radial-concêntrico, observado em cidades de países mais desenvolvidos, era a melhor solução. O que não foi observado, no entanto, era que em Viena, Paris e Moscou, por exemplo, antes desse modelo, já havia um anel hidroviário e depois ferroviário para só assim se executar o anel rodoviário. Passando por cima dessa observação, Prestes Maia concretizou seu Plano de Avenidas quando prefeito da cidade. - em documentário “Entre Rios”, dirigido por Caio Silva Ferraz e produzido, em 2009, como um trabalho de conclusão de curso de bacharelado em Audiovisual do Senac-SP. 088
Nas pĂĄginas seguintes, serĂŁo expostos os estudos de mobilidade realizados pela autora.
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são caetano
são mateus
mauá
estrutura viária linha trólebus
estrtutura cicloviária proposta
ferrovia
ferrovia
estações de trem
estações de trem
pontos de ônibus
corpos d’água
transporte existente s/ escala
são bernardo
centro santo andré
fluxos ciclovia s/ escala
são caetano
são caetano
são mateus
são mateus
mauá
mauá
estrutura viária estrutura vlt proposta
estrutura viária
ferrovia
estrutura vlt proposta ferrovia estações de trem
são bernardo
centro santo andré
estrutura vlt s/ escala
são bernardo
centro santo andré
estações de trem pontos de ônibus
articulação vlt e ônibus s/ escala
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circular coexistir redimensionar integrar atravessar abrir
residĂŞncias
moinho sĂŁo jorge ufabc correios linha trem
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centro
rhodia galp천es desativados rhodia
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coexistir
Lidar com a complexidade de um determinado ambiente urbano, é entender seus diferentes usos. Fazer coexistir a pesquisa científica, o consumo, os espaços verdes, a moradia unifamiliar, a república de jovens estudantes, as grandes indústrias que dão o sustento a muitas famílias e que guardam a história daquela cidade, as pequenas quadras de uso misto e serviço, o hospital, a igreja, o museu, a biblioteca, e todos os indivíduos que os habitam na bicicleta, no trem, no carro, na moto, no ônibus, andando, conversando, sentados, brincando, comprando… (…) Devido a isso, o desenho proposto tenta preservar todas as atividades da região, levando-se em conta que os espaços para se desenhar são aqueles caracterizados como os grandes “vazios urbanos” – terrenos vazios, lugares abandonados, galpões, estacionamentos. Sendo assim, um dos primeiros obstáculos encontrados na região consiste na presença do Shopping ABC Plaza. O Shopping reforça ainda mais a barreira criada por essas grandes plantas industriais presentes na área de estudo.
A fim de amenizar esse aspecto propõe-se uma maior permeabilidade, criando-se uma saída em extremidades opostas do shopping, como forma de compor um novo caminho por dentro desse edifício. É interessante notar que esse edifício possui algumas vitrines voltadas para a rua. Como forma de aumentar a relação existente entre rua-shopping, cria-se uma faixa de lojas voltadas para o exterior do prédio, quebrando a barreira ainda existente. As lojas marcam a transição da rua e do shopping, dando um uso e qualificando a área para o pedestre da região, que possui fluxo intenso. Pretende-se manter as indústrias ainda presentes na região. O Moinho São Jorge e a Rhodia além de suas funções, possuem grande importância simbólica para o município de Santo André. O emblemático edifício do Moinho São Jorge em um futuro cenário – momento de descentralização industrial devido à pressão do mercado imobiliário e à dificuldade de expansão – permanecerá na região. Propõe-se a utilização desse tipo de edifício para grandes escritórios, indústrias de tecnologia, etc.
Em destaque o cinturão de transição shopping-rua e a abertura de nova entrada, criando maior relação com tecido existente
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circular coexistir redimensionar integrar atravessar abrir
cheios e vazios
Ao lado, em destaque, as quadras de 1,5km de extensão, a nova configuração (novas frentes urbanas). Acima, estudo volumétrico das novas quadras: permeabilidade próximo às transposições, diferentes tamanhos de lotes, diversidade de usos e gabaritos.
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redimensionar
Na área estudada existe uma grande quadra de aproximadamente 1,5km de extensão marcada pela presença, além das indústrias, grandes terrenos vazios, grandes estacionamentos, um shopping e um recente empreendimento residencial de média renda. A partir disso, propõe-se o redimensionamento dessa grande quadra, gerando, dessa forma, novas frentes urbanas. Sendo assim, novas vias, sua maioria com sentido único, são propostas, com calçada de 6 metros de largura. Ao propor as calçadas – lugar do pedestre – com mesma dimensão ou maiores do que o ‘lugar do automóvel’, a lógica comumente utilizada nas cidades é quebrada. Com essa nova configuração e através da intenção de reproduzir àquele tecido urbano da cidade existente, e como forma também de contrariar aquilo que tem sido feito pelo mercado imobiliário, propõe-se alguns mecanismos de controle do solo, como a definição de lotes de diferentes tamanhos, a implantação de diferentes gabaritos em função do tamanho do lote e a proibição do remembramento desses lotes. Foi feito um breve ensaio dessa nova volumetria, prevendose a abertura ao pedestre de algumas quadras – as com
maior proximidade das transposições propostas. Imaginase a ocupação dessas quadras com uso misto. Naquelas permeáveis, propõe-se a abertura do pavimento térreo tanto comercial como residencial para o exterior e interior do lote. Criando um passeio movimentado no interior dessas quadras. Nota-se que não foi definido o “proprietário” desses espaços internos da quadra (esses podem ser adquiridos por contrapartidas do setor privado ou serem de propriedade pública). O que de fato interessa para o projeto é que será um espaço de utilização pública. Esse estudo da volumetria é realizado principalmente pelo fato de se acreditar que as edificações estabelecem os espaços de uso público. Essa relação é importante ser trabalhada uma vez que em muitas áreas de uso público presentes na região – principalmente aquelas adquiridas por contrapartidas – revelam a proposição contrária: um emolduramento de grandes empreendimentos cujos edifícios não tem nenhuma articulação com o entorno. Em algumas áreas de grandes estacionamentos, como o estacionamento do shopping e do Carrefour (ambos com dimensões de uma quadra) foram propostas novas quadras. No caso da quadra proposta ao lado do shopping, propõe-se um calçadão recortando-a a fim de criar um eixo comercial. Ainda assim, pretende-se o uso misto para esse local. 103
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integrar
barreiras x recursos Como já tratado anteriormente ainda que a fundação do povoado date do século XVI, o surgimento da cidade de Santo André se deu no século XIX com a passagem da ferrovia em seu território. Sendo assim, a presença da linha do trem possui grande significado para a região trabalhada. Mesmo sabendo da liberdade que um exercício acadêmico proporciona, optou-se por manter a ferrovia em seu local, sem enterrá-la, escondê-la, ou seja, encarando-a como recurso de projeto e não como um obstáculo ou barreira na região. Dessa forma, pretende-se integrar essa linha visivelmente ao tecido urbano, ao contrário do que hoje acontece na área estudada. Levar a cidade até o trem, contando que exista uma barreira visualmente permeável, contrapondo o ‘muro do trem’ presente na maior parte da região. Ao longo dessa área de estudo, propõe-se que o córrego que corre paralelo à ferrovia e o espelho d’água proposto funcionem como o ‘gradil’ da linha férrea, fazendo com que a água seja a barreira que impede o cruzamento da linha e delimite essa área. Nesses grandes terrenos onde se propõe um novo desenho do tecido urbano – a continuação daquele existente até a linha do trem – muitos córregos são revelados. Como já descrito, uma das diretrizes do projeto em questão refere-se a um maior contato com a água. Fazer então que o indivíduo em seus percursos sinta e presencie as características topográficas e naturais do local consiste em um dos partidos do projeto.
O rio Tamanduateí também é integrado ao trajeto dos indivíduos. Um grande calçadão à sua margem abre espaço a caminhos do pedestre, estares, ciclovia. A proximidade com a água é garantida por dois grandes módulos construídos que funcionam como uma praia fluvial. A descida desses módulos acontece por meio de uma rampa que possui inclinação leve – funcionando como a continuação desse passeio – que atinge um patamar intermediário. Uma escada chega a um deck flutuante que se localiza em cima da água. Em períodos de cheia o deck atinge o limite – o patamar intermediário. Além disso, ao cotidiano das pessoas pretende-se integrar e mostrar as questões de drenagem das águas pluviais. As novas quadras propostas, contam com canteiros pluviais (de biorretenção), tratando as aguas nos locais. O solo desses canteiros são compostos por uma camada de areia e brita, já que o solo em questão possui baixa capacidade de absorção das águas pluviais. A cobertura da nova volumetria contará com um sistema de captação das aguas pluviais que absorve e armazena e, depois por evaporação devolve parte da umidade ao ambiente (coberturas verdes). Também são propostos junto ao córrego existente um grande jardim pluvial. Esse sistema aparece também com o intuito de desviar as águas em um período de cheia, já que nesse córrego será construída uma barragem a fim de controlar a água sempre na superfície próxima ao passeio. O espelho d’agua linear construído terá a função de uma lagoa pluvial, retendo parte da água em cheias. Sobre os espaços verdes, não foram determinados nenhum tipo de espécie já que esse não era o objetivo do trabalho. A vegetação é regida por intenções espaciais e são determinadas a fim de garantir sombra ou pegar sol (áreas gramadas).
Integra-se, portanto, os recursos (ferrovia/água, rios e córregos) ao tecido urbano existente e ao cotidiano, ao trajeto dos que se apropriam da cidade, tornando-os visíveis e próximos. Foto pesqueiro dos girassóis. Acervo da autora, 2013.
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Com o objetivo de garantir uma maior circulação e integração entre os dois lados do tecido urbano, seccionados pela ferrovia, foram determinados alguns percursos de transposição da linha do trem qualificados ao nível do pedestre. Esses percursos existem a fim de complementar aqueles existentes na região os presentes nas estações de trem. A proposta de transposição da linha férrea acontece em três pontos criando eixos marcantes no tecido urbano.
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O eixo da transposição localizada mais à Norte é determinado pelo caminho do córrego que atualmente só aparece na área de intervenção. Esse ‘caminho’ passa pelo canteiro central da Avenida Prestes Maia, pelo canteiro central da nova área desenhada (onde o córrego aparece), até chegar em uma praça proposta que marca o encontro de dois córregos. Nessa praça do encontro localiza-se uma das cabeceiras da transposição. O pé direito da passarela é vencido ou por uma escada de 2 metros de largura ou por um elevador. A outra cabeceira situa-se no terreno onde já existe um campo de futebol da prefeitura e a continuação dos córregos que se juntaram. Por meio de uma arquibancada-rampa que chega à calçada , a transposição integra esses dois elementos ao percurso do vivenciador. No entanto, do lado do campo a arquibancada recebe sua forma mais tradicional. Do outro lado, para o córrego, alguns patamares se juntam, criando estares e bancos. 121
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O eixo da transposição central inicia-se no Parque Celso Daniel, atravessa a avenida Industrial, e, depois por um caminho arborizado, como um fragmento do parque, chega na grande praça proposta. Essa praça abriga dois edifícios, com programas diferenciados que possuem a maior parte do seu vão, no pavimento térreo, livre. Em um deles propõe-se um uso misto, residência, escritório e comércio. No outro é proposto um programa que contemple atividades complementares as da Universidade, por exemplo, uma biblioteca municipal. Isso porque, parte do restante da praça é inclinada, formando uma escadaria com o plano não inclinado. A inclinação suave mais a elevação da linha do trem – onde a paisagem é amenizada por um talude – permitem que o vivenciador transponha a ferrovia por baixo, em forma de trincheira e chegue ao nível da Avenida dos Estados. A outra cabeceira dessa passagem é composta por uma praça, no terreno do edifício anexo à UFABC (onde segundo programa, existirão laboratórios e escritórios administrativos). Nessa transposição sob a ferrovia, é projetado uma separação das linhas do trem a fim de garantir um respiro, uma entrada de luz a essa passagem. Dependendo da incidência solar nessa área, o trem também vira um elemento de projeto, já que quando ele passa, sua sombra é projetada no interior dessa passagem. É proposto pelo escritório responsável pelo desenho desse edifício (ainda em fase de projeto) uma grande área de estacionamentos. Propõe-se, portanto e a fim de garantir uma melhor articulação com a praça central desenhada um novo arranjo da volumetria do edifício. Além disso, acredita-se que a passarela que liga a UFABC (Sede) e seu edifício anexo, também proposta no projeto, impossibilita uma relação de proximidade com o rio Tamanduateí. Devido a isso, propõe-se a sua retirada e a travessia tanto do rio como da avenida no nível do leito carroçável.
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Esquema volumÊtrico a fim de mostrar a passagem sob a ferrovia. Na primeira imagem, sem a presença do trem. Jå na segunda, o trem aparece, gerando uma sombra maior no local e, assim, funcionando como elemento de projeto.
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Um outro eixo de transposição é dado próximo à estação de trem – Santo André e ao terminal Rodoviário, na região central do município. Tal local, é marcado pela presença de um forte comércio e, por isso, nessa área é proposta uma galeria comercial que não só se articula com o comércio local, mas também com a nova quadra proposta no perímetro do estacionamento do shopping e às estações. Projeta-se uma ampla escadaria no interior desse edifício e um elevador com a finalidade de se adquirir a circulação vertical. Do pavimento superior, uma passarela transpõe a ferrovia e chega no atual terreno da indústria química da Rhodia. Acontece que, nos dias atuais, com a descentralização das indústrias, a Rhodia química não utiliza mais a área total do seu terreno. Sendo assim, propõe-se que na descida dessa passarela, suas dimensões sejam aumentadas, formando uma esplanada – pelo seu sentido simbólico e não por sua função – uma continuação do chão dessa área desocupada com antigos galpões. Propõe-se poucas intervenções nessa área, como forma de manter parte da memória da cidade Desenha-se uma marquise a fim de garantir uma sombra no passeio daqueles que caminharem pela região. Já existe um projeto de implantação de um poupa tempo em um dos galpões daquele terreno. Ao se observar a implantação da indústria é possível notar a presença de retângulos verdes de mesmas dimensões dos galpões desativados. Em conversa com a professora Dra. Silvia Passarelli da UFABC, descobriu-se que esses retângulos são as marcas de antigos galpões demolidos na região. Pretende-se, portanto, tomar partido dessas marcas , fazendo com que em algumas delas existam praças secas, inundáveis, enquanto que outras permaneçam do jeito que estão – rastros, tempo em suspensão. Este novo espaço abrigará programas temporários como exposições, oficinas, etc. O intuito dele é preservar a memória da Rhodia na cidade, ao mesmo tempo que esteja livre para a apropriação daqueles que passarem por ali. 143
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Inicio esse trabalho, com a emblemática foto da Rua Coronel Oliveira Lima, em 1972. Uma rua central, com diversidade de usos e pessoas. Pessoas que tomam o lugar do automóvel. Lugar esse que, com o tempo, foi substituído por um grande calçadão. Essa foto contrapõe aquilo que se vê na área estudada: uma área de aparente monofuncionalidade, de passagem, marcada pela ausência de urbanidades, pessoas dando seu movimento. O que quase ninguém percebe, inclusive e principalmente, aqueles que moram na região, é a proximidade dessas duas regiões. O centro, da rua Coronel Oliveira Lima e a área do rio Tamanduateí, estão lado a lado mas são recortados pela ferrovia e pelas grandes plantas industriais. Como levar esse movimento para o outro lado? Abrindo espaço. Criando e construindo cidade. As diretrizes aqui propostas têm como objetivo criar estratégias que facilitem esse encontro e quebrem as barreiras existentes, deem continuidade ao tecido urbano. “As dinâmicas metropolitanas geram espacialidades fragmentadas e fragmentárias, desconectadas e descontextualizadas, resultantes de uma justaposição de enclaves estratégicos, de subcentros e de “ilhas” monofuncionais (destinadas à produção, à circulação, ao ócio e, inclusive, ao uso residencial), pervertendo as noções de associação, de convivência e de continuum urbano.”10
Abrir. Quebrar a monofuncionalidade aparente da região. Respeitar os diferentes usos e desejos. Projetar um desenho ESTEVES, Milton, ALMEIDA, Lutero. Neogênese - Neoformações destinadas à produção do território em prol da diversificação, dinamização e qualificação das funções urbanas. In: ENANPARQ, nº2, 2012, Natal. 10
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que assuma um caráter híbrido, flexível, móvel, mutante e transformista; que contemple as diversas instalações e equipamentos para distintas atividades: práticas esportivas; salas de aula; bibliotecas; laboratórios; ambulatórios; equipamentos qualificados para o lazer etc. Abrir espaços às possibilidades é garantir flexibilidade ao território e assegurar complementaridade e diversidade à totalidade urbana. Garantir flexibilidade, uma cidade aberta a novos cenários e apropriações. Já também no início desTe trabalho, é revelado o interesse pelas diversas apropriações da arquitetura/espaço. Considerar, portanto, quem garante o movimento do espaço, priorizando a escala do cotidiano, do pedestre, abrindo novos caminhos em substituição ou complementando aqueles existentes, torna-se importante.
A rua através de seus elementos e seu arranjo espacial, sugere usos e comportamentos extremamente diferenciados que não necessariamente referem-se à circulação de veículos. Uma rua pode ser o espaço para crianças brincarem. Uma escadaria em uma praça pode desempenhar o papel de passagem, de estar, pode tornar um circuito para o skate, uma arquibancada para um espetáculo, para exibição de um filme, entre tantos outros papéis. A praça, que na maior parte do projeto aparece proposta, é o local que ocorrem os encontros. É também um espaço cívico livre para as possibilidade de uso coletivo do cotidiano. Hoje a fábrica pode ser amanhã comércio, residência. A praça pode virar um auditório. O rio pode ser a via que liga a região do ABC ao centro de São Paulo.
Considerar que os movimentos do corpo acontecem pela cidade e abrir o espaço para o indivíduo andar – sua primeira sensação de liberdade conquistada. Andar e perceber, ver, sentir, fazer parte daquele sistema urbano, encontrar lugares, lugares públicos. Potencializar o caráter público dos espaços públicos. A partir dessas constatações, fica evidente que o arquiteto não possa prever aquilo que acontecerá em um ambiente projetado e construído. No caso do espaço público, quem dá anima/movimenta esse lugar, os protagonistas daquele espaço são aqueles que dele se apropriam, vivenciam. Abrir espaços públicos às possibilidades significa entender as diversidades desses indivíduos que animam o espaço e portanto ter maturidade de não necessariamente definir aquilo que tal espaço possa vir a ser.
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“A história é sem-fim, está sempre se refazendo. O que hoje aparece como resultado é também um processo; um resultado hoje é um processo que amanhã vai tornar-se uma outra situação” Milton Santos
referĂŞncias bibliogrĂĄficas
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