Olhar outro (Videoinstalação, 2011)

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

OLHAR OUTRO

São Paulo . 2011

Isis Ferreira Gasparini



FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS CURSO DE BACHARELADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA HABILITAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS

OLHAR OUTRO Trabalho de Graduação Interdisciplinar, vinculado à disciplina Desenvolvimento de Projeto Integrado II, apresentado como exigência parcial para obtenção de certificado de conclusão de curso.

Isis Gasparini Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Entler São Paulo . 2011


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

GASPARINI, Isis Olhar Outro. Isis Ferreira Gasparini Trabalho de Graduação Interdisciplinar - FAP/FAAP São Paulo, 2011. 1. Fotografia

2. Espectador

3.Olhar

4.Espaço Expositivo

5.Corpo


Ă€ Tania Ferreira, que me mostrou como viver tĂŁo bem, compartilhando disso comigo.



Agradecimentos


Ronaldo Entler, por toda a dedicação e delicadeza nas orientações. Pelo envolvimento nesta pesquisa, compartilhando suas referências, sabedoria e observações sempre construtivas, dando grande incentivo a seguir adiante. Por quem tenho grande respeito e admiração. Igor Gasparini, pela confiança recíproca, por tantas risadas, por estar sempre presente e por todas as revisões e “re-revisões”. Ao meu pai e minha avó, ele por financiar meus estudos mesmo às vezes sem entender no que isso ia dar, e à vó por ter orgulho de tudo que eu sempre fiz. Aos dois por todos os transportes que tornaram possível a realização de diversos cursos. Ao Fe, por respeitar minhas decisões às vezes “absurdas” e ajudar como podia. Por imprimir “tuuudo” que eu precisava. Kátia Ribeiro, por suas considerações sempre tão precisas e referências preciosas. Ana Farinha, por sua delicadeza e atenção nas sugestões para as soluções da montagem do trabalho. Ao Matangra pela paciência, por compartilhar seus conhecimentos tecnológicos, fotográficos, artísticos, por sempre tirar minhas dúvidas e por alguns almoços muito agradáveis.


Lucia Koch, por disponibilizar recursos para a pesquisa. A Jú, que compartilhou de tantas comidinhas nos intervalos, por achar comigo uma forma de rir disso tudo em alguns momentos para aliviar o stress e a pressão. Marcio Ricardo, por me apresentar tantos vídeos interessantes e compartilhar de muitas risadas em longas horas de edição e “viagens” pela internet. Por toda a paciência nas tentativas de explicação destes programas malucos que eu nunca entendi e nas sugestões e soluções para a concretização da edição final. Marcos Moraes e Thiago Honório, por tentarem sempre fazer seu melhor, por terem acrescentado com suas sábias observações. Ao Emersom, Emílio e Sr. Odair da gráfica FAAP, alguns professores em especial e técnicos que puderam me acompanhar de “mais perto”, que contribuíram em momentos importantes, auxiliaram e “acrescentaram algo em minha formação”, cada um à sua maneira e aos amigos que passaram por esses últimos anos comigo.



Ă?ndice



Percurso Antes

O Ponto de Partida: Le Gioconde

Olhar Outro: Intensidades nas Relações entre Espectador e Obra de Arte

Aura: Relações com a Obra de Arte Diálogos: O Olhar como Objeto

Fragmentos e Continuidade: a Foto e o Filme Visão, Olhar, Corpo Diante da Obra Espectador, Observador, Público, Visitante Visitantes nos Espaços Expositivos

Olhar da Psicanálise Pausa Referências

Bibliografia Consultada Filmografia Webgrafia

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Percurso


“O olhar do amado traz consigo o amante” – Walter Benjamin.

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Este estudo foi desenvolvido ao longo dos últimos dez meses e traz informações a respeito da busca pela complexidade nas diferentes dinâmicas do olhar de espectadores diante de obras de arte. Uma das motivações desta pesquisa foi a contaminação recíproca de duas experiências que fazem parte da minha vida: as artes plásticas e a dança. Olhar Outro mostra parte de um processo de reflexão sobre as relações estabelecidas entre espectadores e obras de arte. Dirigi maior atenção para os corpos que olham as obras e fiz uso da fotografia para esse registro. O trabalho consiste de uma projeção dessas imagens fotográficas, bem como deste texto de reflexão. O ponto inicial para o desenvolvimento desta pesquisa foi outro trabalho que iniciei

em uma viagem em 2009, em que fotografei diversos espectadores visitando museus. Esse processo originou a série intitulada Le Gioconde, que será discutido no primeiro capítulo. O capítulo seguinte apresenta uma reflexão sobre a obra Olhar Outro e discute também o deslocamento da minha perspectiva, registrando a relação obra-espectador, colocando-me entre esses dois corpos. Nas visitas às exposições, o intuito foi fotografar as pessoas que olhavam para as obras e não as obras em si. Dessa maneira, proponho um deslocamento que faz do olhar o objeto da representação. Trago da minha experiência com a dança a relação de um corpo que se movimenta e que olha outro corpo.


Este trabalho não pretende discutir a dança, e sim apropriar-se de suas referências. O contraste entre o dinâmico e o estático foi percebido em diversas situações quando visitava as exposições, escrevia sobre o trabalho e olhava para as imagens realizadas. Assim, observei que o que fora vivido por mim anteriormente, em ambas as áreas, transportou-se para o trabalho atual. Procurando trabalhar esse contraste, busquei, no capítulo três, referências em autores que discutem trabalhos que relacionam fotografia e cinema, apontando na direção de uma possível linguagem híbrida que foi chamada de foto-filme. No capítulo quatro, procurei refletir sobre as diferentes formas de olhar, a partir de autores, filmes e obras que discutem a percepção

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visual como potência que vai além do aspecto físico e biológico, e como termos como “ver” e “olhar” podem se referir a experiências distintas. Ao longo da pesquisa, esbarrei na diversidade de nomenclaturas adotadas para definir a pessoa que está diante de uma obra de arte, o que me levou a discutir no capítulo cinco as diferenças entre termos recorrentes como “espectador”, “observador”, “público” e “visitante”. Em meio aos seus sentidos diversos, priorizei aqueles que melhor definem uma relação efetiva e singular com a obra de arte. Vários autores e obras do meu interesse conduziram-me muitas vezes a leituras relacionadas à psicanálise. Desta forma, dediquei um breve e último capítulo a esse assunto, que abre uma porta para uma possível continuidade desta pesquisa.


Capítulo 1 . ANTES


O retrato me interessou desde o primeiro contato que tive com obras de arte, quando observava pinturas em livros de coleções. Comecei a fotografar há aproximadamente cinco anos e, desde então, o interesse pela figura humana se consolidou. Busquei fotografar pessoas que não soubessem que estavam sendo fotografadas, evitando a pose, e, através desses retratos, registrar a diversidade de dinâmicas do olhar, o que, para mim, é mais instigante e misterioso. Vale dizer que o meu primeiro contato com uma prática artística foi por meio da dança, que estudei, desenvolvi, pesquisei e pesquiso até hoje; algo que me acompanha desde a infância. Acredito que, em grande parte, o interesse por outras artes seja decorrente disso e que elementos particulares dessa linguagem ainda estejam implícitos nesse interesse pela performance do olhar.

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Essa busca me conduziu a três movimentos: fotografar pessoas olhando obras de arte; fotografar pessoas enquanto estas igualmente fotografam e tentar registrar as diferentes formas de envolvimento que alguém pode ter com uma imagem. Neste primeiro momento, me atenho à primeira destas propostas que, de algum modo, também incorpora algo da última. Comecei esta pesquisa com uma reflexão a respeito do gesto de registrar imagens, de ir a um museu e fotografar as obras expostas, supondo que muitas vezes esse registro pudesse representar o risco de substituir o olhar do espectador. Entendo que o excesso de informações e o bombardeio cotidiano de imagens podem resultar em uma relação superficial com a obra de arte e em um uso pouco refletido das técnicas de registro. Esse pensamento guiou um projeto anterior, Le Gioconde, que discutirei a seguir.


Em contrapartida, busco neste momento resgatar as situações em que alguma relação se estabelece, mesmo que sutilmente, entre obra e espectador. Sem pretender criar uma teoria incontestável, pareceu-me necessário buscar a diversidade de dinâmicas nas quais uma possibilidade efetiva de olhar ainda sobrevive.


1.1 O Ponto de Partida: Le Gioconde Em uma viagem a Paris, realizei uma série de fotografias no Museu do Louvre, na sala onde se encontra a Mona Lisa1, esta que talvez seja uma das mais vistas e procuradas obras no mundo. Em 2010, isso deu origem à série Le Gioconde, da qual três imagens foram mostradas na 42a Anual de Artes da FAAP. Nesse trabalho, mostro as pessoas que se aglomeram e tentam se aproximar da Mona Lisa, com o objetivo de fotografá-la mais do que de contemplá-la. (figuras 1, 2, 3 e 4) Quinhentos anos depois de sua realização, essa obra permanece sendo visitada todos os dias por milhares de pessoas. O que

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faz com que uma obra da história da pintura se eternize e ainda suscite teorias, controvérsias, curiosidades, questionamentos e reflexões? De algum modo, as imagens feitas por esses turistas participam da construção desse interesse e reafirmam uma relação fetichista com a Mona Lisa. Nessa visita ao museu, eu, como tantos outros visitantes, também não pude deixar de passar pela sala enigmática da Mona Lisa. Quando cheguei, quase não conseguia ver a pintura de Leonardo Da Vinci (1452-1519), via apenas a multidão que se atropelava para tentar se aproximar da obra. Mais que isso,

1 Da Vinci, Leonardo. Mona Lisa. 1505-1507. Óleo sobre madeira de álamo, 77x53cm. Museu do Louvre, Paris. Também intitulada La Gioconda.


as pessoas invadiam a sala com seus braços erguidos para que, de algum ângulo, pudessem fotografar a pintura. Por que fotografar aquilo que já se mostrou exaustivamente? Essa imagem já foi infinitamente reproduzida, seja em livros, souvenirs, na internet ou ainda nas fotografias de outros tantos turistas que por lá passaram.

o encontro desses dois tempos. Fotografar algo que já foi, para revê-lo ou mostrá-lo no momento que será. O ato de registrar imagens é uma forma de congelar momentos que parecem nos projetar a outro tempo, na ilusão de eternizá-lo, ao mesmo tempo em que fica atestada para a posteridade aquela presença diante de um ícone.

Um caminho seria pensar que, muitas vezes, vivemos o passado e o futuro, por mais contraditório que isso possa parecer. Projetamos nossas expectativas e idealizações para o futuro, seja o amanhã próximo, seja o tempo distante das próximas gerações. O mesmo fazemos com o passado. Estamos frequentemente recordando acontecimentos individuais ou coletivos, contando histórias. Portanto, o ato de fotografar seria

A necessidade de registro parece estar relacionada ao sentido de poder, de status e, num certo sentido, de posse: ao fotografar uma obra de arte, ela se insere na história de uma pessoa. Ao fotografar-se junto à Mona Lisa, insere-se numa narrativa privada uma história que se tornou pública. É como se a Mona Lisa, presente ao lado desse sujeito, afirmasse sua importância. Desse modo, a foto se torna o atestado de uma “conquista”.


A imagem reproduzida possibilita o acesso das massas a uma obra original, sempre distante, e por mais que se trate de um museu com obras que têm circulação pública, o acesso ainda é restrito. Walter Benjamin2 (1892-1940), em um de seus textos mais conhecidos, “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, imaginou que a possibilidade de reproduzir uma obra de arte abalaria sua aura, diluiria seu valor de culto. No entanto, as tantas reproduções da Mona Lisa apenas colaboram com uma forma bastante vulgar de fetichização: as pessoas desejam estar diante da obra exatamente porque ela já foi muito vista e mostrada, porque seu fácil reconhecimento faz dela um emblema bastante funcional dessa conquista, dessa suposta erudição.

Naquele dia, na sala da Mona Lisa, observei as inúmeras reações de cada visitante que tentava se aproximar. Uma grande contradição foi perceber que quase todos que ali estavam não olhavam para a obra, olhavam para as câmeras. Naquela situação, o que mais importava era registrar o momento e não exatamente vivenciálo. As pessoas enquadravam a cena, ao mesmo tempo em que passavam a fazer parte de outros enquadramentos, de outras câmeras. O que fiz, portanto, foi registrar as pessoas fotografando a obra enquanto recolhiam seu próprio “souvenir”.

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2 BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.165-196.


Figura1: Isis Gasparini Le Gioconde, 2010 Ampliação Fotográfica (Vinil Adesivo) 42a Anual de Artes da FAAP


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Partes 1, 2 e 3 Le Gioconde, 2010 132x188cm Ampliação Fotográfica (Vinil Adesivo)


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Capítulo 2 . Olhar Outro: Intensidades nas relações entre espectador e obra de arte


Na atual pesquisa, sigo fotografando espectadores e suas relações de fruição com a obra de arte, mas, desta vez, dando espaço para a diversidade e a complexidade que seus olhares podem assumir. Observando a relação obra-espectador, percebo que ela não se dá apenas de forma visual. Mais do que isso, é todo um corpo que projeta seus sentidos e se relaciona com este outro corpo, a obra de arte. Reconheço nessa busca um pouco da minha experiência com a dança, onde tal sinestesia ocorre explicitamente, pelo fato de assumir o corpo todo como lugar de expressão de linguagens. Há um olhar intenso, que se conecta, que atravessa a obra em contraste com muitos outros que não transcendem ou simplesmente não alcançam sua superfície. Esta pesquisa tenta identificar essa intensidade mesmo quando

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a contemplação não é explícita, respeitando a diversidade de interações que se estabelecem entre obra e espectador; um olhar cuja duração não se mede com o relógio, mas por uma temporalidade sempre subjetiva. Essa profundidade é às vezes inesperada, visto que não necessariamente é algo que se busca intencionalmente. Dessa forma, o olhar encontra seu caminho muitas vezes quando se desvia de um ponto óbvio e central de atenção. Efetivamente, quando vou às exposições para fotografar as pessoas que olham para as obras e não as obras em si, as imagens mostram pessoas que reagem às obras de arte, uma multiplicidade de formas que o olhar pode assumir nos espaços dedicados à arte. Inicialmente, escolho os cenários considerando as formas de circulação que o espaço oferece,


as distâncias que posso manter dos os espectadores e, ainda, as regras impostas pelas instituições. Em um segundo momento, passo algum tempo observando como o público se posiciona e reage às obras e, só depois, inicio os registros fotográficos. Em seguida, edito as imagens privilegiando recortes que não permitem identificar as obras. Evito também reações muito exageradas ou caricatas. Não me interessa apresentar cenas que evidenciem de maneira didática e imediata um ou outro tipo de reação. Não existe a intenção de construir uma ciência, de demonstrar a natureza de certas posturas que se pode ter diante de certas obras. Procuro eliminar tudo aquilo que tende a ser lido a partir de estereótipos, já que o fundamental é a singularidade dos olhares para as obras.

Está claro que Olhar Outro foi pensado desde o início como fotografia, linguagem com a qual tenho trabalhado há algum tempo. Porém, assumi a possibilidade de fazê-lo dialogar com outras formas de expressão. Após a edição final das imagens, optei por montá-las com sobreposições em longas sequências horizontais, que, durante a exposição, percorrerão a tela num movimento panorâmico muito lento, criando algumas zonas de confusão que simplesmente apagam as pessoas fotografadas, mas também formam algumas “molduras” que destacam ainda mais os olhares e gestos retratados. Algumas foram colocadas em preto e branco, outras coloridas, e a projeção em looping não impõe ao espectador um tempo determinado, nem um ponto de início para essas sequências.


A projeção será feita em uma tela curva de aproximadamente 4 metros de largura por 2,5 metros de altura, montada no canto de uma sala. As paredes de fundo serão pintadas de preto, a fim de proporcionar maior destaque para a superfície que receberá a projeção. Minha intenção é realizar uma montagem que envolva o corpo dos espectadores. Para isso, retiro a projeção do plano, espaço ideal ao qual o olhar se acomoda, e enfatizo a troca de olhares, a observação recíproca entre obra e espectador por este corpo que habita o espaço diante dela. O trabalho inverte o sentido do olhar, que usualmente se direciona para a obra e que, agora, se dirige para aquele que vê a obra. Isso se complementa na apresentação do trabalho, quando outros espectadores, ao observarem

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e interagirem com a obra, acrescentam a ela novos olhares, intensificando a interação que as fotografias registram. Originalmente, esses espectadores olhavam para obras e, agora, “olham” também para os outros espectadores que os contemplam através da minha obra.


2.1 Aura: relação com a obra de arte Em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin apresenta o conceito de aura como “a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”3. Em princípio, a fotografia e o cinema abalam a unicidade característica da pintura, ou seja, sua aura, tanto pela precisão das imagens, quanto pela possibilidade de reproduzi-las a partir de uma matriz (o negativo). Mas Benjamin sugere que a aura ainda parecia sobreviver nas primeiras fotografias: “o observador sente a necessidade de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem”4

3 Ibid., p 170. 4 BENJAMIN, Walter. Pequena História da Fotografia. In: Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, p.94

De algum modo, o trabalho Le Gioconde mostra os desdobramentos de uma aura que tem a ver com sua importância histórica mas, sobretudo, com teorias e polêmicas sensacionalistas que reforçam seu ar de mistério. Reconhecendo sua importância, mas sem compreendê-la, o público estabelece com ela uma relação de deslumbramento, uma forma vazia de culto, baseada num gesto estabanado e repetitivo de fotografar a obra, que apenas atesta o modo como o olhar é ofuscado. Em Olhar Outro, faço um movimento inverso. Parto de obras que não têm o mesmo peso histórico; muitas vezes, de obras


contemporâneas apoiadas em procedimentos banais, que recusam toda idéia de singularidade. Mas, mesmo que não haja uma contemplação evidente, busco na performance dos espectadores aquilo que pode restar de singular na relação com a obra. Portanto, se a aura não recai mais sobre a obra, busco a possibilidade de encontrá-la no olhar, mesmo que numa existência muito sutil.

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2.2 Diálogos: o olhar como objeto Tradicionalmente, as artes visuais oferecem a representação de um objeto ao olhar. O que significa inverter o sentido desse movimento, seguir num contra-fluxo, mostrar o outro lado de uma experiência com a arte? Em meu trabalho, proponho um deslocamento que faz do próprio olhar o objeto da representação. Com isso, constitui-se uma experiência de metalinguagem, um discurso sobre o modo de produzir um discurso. Encontramos obras de diferentes épocas que assumem esse mesmo tipo de deslocamento. A obra As Meninas5, Velázquez (1599-1660), é nesse

de Diego sentido uma

5 VELÁZQUEZ, Diego. As Meninas. 1656. Óleo sobre tela 310x276cm – Museu do Prado, Madrid.

referência importante para a pesquisa. Velázquéz deslocou o ponto de vista revelando os bastidores da pintura, mostrando o reverso da cena, ao mesmo tempo inserindo o espectador na obra, colocando-o na posição de retratado. Desse modo, tanto o olhar do pintor quanto o do sujeito diante da obra se tornam objetos da representação. É possível apreender através da fotografia uma dinâmica do olhar, suas direções, suas intensidades, suas qualidades? Encontramos em uma foto de Robert Doisneau (1912-1994) um exemplo curioso que revela uma teia complexa de olhares: nós espectadores olhamos sua foto e, nela,


vemos um cachorro que observa o fotógrafo (e nos observa), enquanto seu dono olha para um pintor com sua tela, pintando uma modelo que posa ao ar livre e também olha para o pintor. (figura5) Com esses focos múltiplos, poderíamos dizer que o próprio olhar se torna o principal objeto da imagem de Doisneau. Por fim, no documentário experimental Zidane um retrato do século XXI (2006), dirigido pela dupla de artistas plásticos Douglas Gordon (1966-) e Philippe Parreno (1964-), intuímos os lances de toda uma partida de futebol entre Real Madri e Sevilha, a partir do olhar e dos gestos de um único jogador, Zidane, seguido por dezessete câmeras.

Figura5:

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Robert Doisneau O Pintor da Pont des Arts, 1953


Por fim, no documentário experimental Zidane - um retrato do século XXI (2006), dirigido pela dupla de artistas plásticos Douglas Gordon (1966-) e Philippe Parreno (1964-), intuímos os lances de toda uma partida de futebol entre Real Madri e Sevilha, a partir do olhar e dos gestos de um único jogador, Zidane, seguido por dezessete câmeras. A performance de Zidane é apenas interrompida por uma série fatos que ocorrem ao redor do mundo na mesma data do jogo. O áudio se alterna entre os ruídos captados no estádio e uma música suave que parece projetar a figura do jogador para um lugar imaginário. Também aqui, o essencial é o deslocamento da perspectiva: enquanto esse ídolo do esporte atrai

todas as câmeras e olhares, é através dos indícios deixados pelo seu próprio olhar que se apreendem todas as emoções e tensões da partida. (figura6)

Figura6: Frame do Filme Zidane um Retrato do Século XXI (2006)


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CapĂ­tulo 3 . Fragmentos e Continuidade: a foto e o filme


Olhar Outro é um trabalho que se coloca na fronteira entre a linguagem da fotografia e o vídeo (também da dança, se considerarmos a inspiração que tomo para pensar as performances das pessoas que fotografo). Como já foi dito, parto de registros em fotografia que posteriormente seleciono e os transformo, por meio de montagem digital, em sequências horizontais. Em seguida, proponho um movimento sutil que simula o percurso panorâmico de uma câmera sobre as próprias imagens. Os testes realizados com as fotografias em movimento deram origem a alguns Flip Books.

registro de um instante, o cinema é uma sucessão de instantes que resgata a ilusão da passagem do tempo. A fotografia, quando enfatiza seu potencial como registro documental, como atestado do real, opera uma verticalização do tempo, algo que destaca o instante recortado de um fluxo. Já o cinema, quando se assume como narrativa ficcional, opera na horizontalidade do tempo.

Mesmo que o cinema tenha nascido com base na película fotográfica, é evidente que há características marcantes que distinguem a tradição dessas duas artes. Enquanto a fotografia suscita um tempo específico e se apresenta como

Em um certo sentido, podemos dizer que, hoje, os foto-filmes6 já se constituem quase como um gênero, apoiado em técnicas de animação que resgatam a possibilidade de dar movimento a fotografias, mas sem necessariamente pretender reproduzir a

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A pesquisa dialoga com iniciativas contemporâneas que discutem e estimulam a dissolução das fronteiras que distinguem as várias linguagens.

6 O termo é empregado por Érico Elias em sua dissertação de mestrado, Fotofilmes: da fotografia ao cinema. Campinas, 2009, Nela, o autor nos apresenta filmes feitos a partir da animação de fotografias, sem o sistema tradicional de registro fílmico contínuo. O nome foi inspirado na coletânea de curtas-metragens intitulada “Fotofilmes” realizada pela Programadora Brasil. (www.programadorabrasil.org.br).


ilusão de tempo real do cinema. Nessa perspectiva, o que apresento é uma fotografia que se traduz em vídeo, mas sem abrir mão de suas características iniciais, sem pretender deixar de ser foto. Um caráter estático e outro dinâmico convivem e são igualmente perceptíveis na projeção do trabalho. Em 2009, assisti a uma palestra de Philipe Dubois (1958-) na 3a Semana de Fotojornalismo da FAU-USP. Entre outras discussões, esse autor fez uma crítica a seu próprio livro, O ato fotográfico7, escrito originalmente mais de duas décadas antes. Nessa obra clássica, Dubois ainda busca definir as especificidades da fotografia, em contraposição às outras linguagens visuais. A busca de uma essência das linguagens está na base de muitas pesquisas realizadas nas últimas décadas e conduz também 7 DUBOIS, Philipe. O Ato Fotográfico. São Paulo: Papirus, 2004. 8 WOLLEN apud ELIAS, Érico. Fotofilmes: da Fotografia ao Cinema. 2009. Dissertação. (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. 9 Ibid. P. 27.

a uma distinção radical entre fotografia e cinema. É isso que vemos, por exemplo, nas metáforas criadas por Peter Wollen: “O filme é como fogo e a foto é como gelo. O fogo derreterá o gelo, mas a água resultante do derretimento irá apagar o fogo”8 Ou ainda, segundo ele: “A fotografia é como um ponto. O filme é como uma linha”.9 Retornando a Dubois, ele considera, hoje, esse pensamento ultrapassado, pois julga que não é mais necessário definir os limites das linguagens de modo purista, não precisamos categorizar uma obra como vídeo ou fotografia. Daí a crítica que faz a seu próprio livro, O ato fotográfico. Mais interessante do que definir especificidades é buscar pontos de conexão entre essas formas de expressão.


Esta abertura é recorrente em pesquisas recentes, como a tese de Érico Elias, dedicada exatamente à experiência que tem sido chamada de foto-filme: Não há sentido em pensar o filme como unidade indivisível, se sabemos que ele tem sido cada vez mais dilacerado desde que surgiram a televisão, o videocassete, a imagem digital, a internet. Ademais, muitos filmes são recordados por meio de imagens especialmente marcantes, que ganham um caráter fotográfico por sua pontualidade.10

Na palestra mencionada, Dubois apresentou um vídeo do artista Egbert Mittelstadt, Elsewhere, (figuras 7 e 8), que lida com questões como a quebra das fronteiras entre espaço e tempo, assumindo de um modo singular essa possibilidade

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de fusão entre foto e filme. Esse vídeo consiste em uma gravação realizada dentro do metrô em Tóquio, no qual Mittelstadt registrou a cena com duas câmeras posicionadas paralelamente, uma sobre a outra, uma filmando, outra fotografando e ambas fazendo um giro de 360o enquanto capturavam a cena que, em seguida, nos apresenta as imagens sobrepostas evidenciando as propriedades da fotografia e do filme, o estático e o dinâmico. Ao assistirmos esse trabalho, percebemos uma fotografia que em alguns instantes ganha movimento na sobreposição, em outros retorna à sua fixidez. Outros trabalhos serviram como referência quanto à possibilidade de colocar a fotografia em diálogo com o vídeo e o cinema na construção do movimento a partir de fotografias e na sobreposição das imagens.

10 ELIAS, Érico. Fotofilmes: da Fotografia ao Cinema. 2009. Dissertação (Mestrado em Artes) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.


Um dos pioneiros no uso de fotografias em filmes é Chris Marker (1921-), com obras como La jetée (1962), Si j’avais quatre dromadaires (1966) e Souvenir d’un Avenir (2001), compostos essencialmente por fotografias de arquivos que têm seus sentidos transformamos pela associação entre imagens e pela interação com a narração e com o som. (figuras 9 e 10) Outros dois trabalhos mais recentes, Feito poeira ao vento (2006), de Dirceu Maués, e Caixa de sapato (2008), da Cia da Foto, que operam nesse trânsito de linguagens, soluções as para contribuições trouxeram 11 e 12) (figuras pesquisa. plásticas dadas a esta

Figura7 e 8: Frames do Vídeo Elsewhere de Egbert Mittelstadt Pal,DV, 5:49min, 1999


Figura9: Frame do Filme La JetĂŠe (1962) de Chris Marker

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Figura10: Frame do Filme Si j’avais quatre dromadaires (1966) de Chris Marker


Figura11: Frame do Vídeo Feito Poeira ao Vento (2006) de Dirceu Maués

Figura12: Frame do Vídeo Caixa de Sapato (2008) da Cia. da Foto


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Capítulo 4 . Visão, Olhar, Corpo


Quando pensamos na visão, estamos certamente nos referindo a um fenômeno físico que envolve uma relação entre a luz, corpos que a emitem, refratam ou refletem e um ser biológico que a recebe. Mas, para o ser humano, esse fenômeno invariavelmente implica um processo que é, além de físico e biológico, também cultural, cognitivo e afetivo. Em Fenomenologia do olhar, Alfredo Bosi (1936-) apresenta uma distinção entre ver e olhar. Enquanto o primeiro define a captação involuntária de informações, o “ver como receber”, como pura passividade, o segundo se refere a uma busca, algo que estabelece uma relação ativa com o mundo. Para ele, o olhar é um dirigir a mente que está enraizado na corporeidade, um “ato de intencionalidade” que, portanto, define a essência dos atos humanos. O olhar não é,

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nesse sentido, apenas captação mecânica; ele conhece sentindo, desejando ou temendo, e sente reconhecendo, é linguagem da vontade e da força antes de ser órgão do conhecimento.11 A partir do interesse inicial em refletir sobre o modo como um espectador vê uma obra de arte, busco na complexidade implicada no fenômeno do olhar uma somatória de olhares, incluindo aquele que parte da obra em direção ao espectador. No espaço expositivo, para onde olham os que estão ali? O que e como olham? Maurice Merleau Ponty (1908-1961) escreve sobre o intercâmbio de polos entre aquele que vê e o que é visto. Em cada observador, é possível analisar reações diferentes, mas que podem ser semelhantes devido à acuidade visual, já que o ser humano

11 BOSI, Alfredo. Fenomenologia do Olhar. In: NOVAES. Adauto. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.78.


interage com as imagens a partir de convenções estabelecidas por uma determinada linguagem. Segundo Merleau-Ponty, o olhar do observador varia essencialmente segundo o enfoque na leitura da imagem, que advém da relação emocional e intelectual do observador com a obra e que exerce uma reação psicológica positiva ou negativa sobre ele, a partir de fatores como conhecimento, crenças, classe social, época, cultura e dados afetivos. O olhar de cada espectador se modifica de acordo com as características de cada época. O olhar da Renascença, por exemplo, não é o mesmo da contemporaneidade. No primeiro, o homem buscava sua autonomia, sua maioridade nas artes, o espaço de reconhecimento para denominar-se artista, sua emancipação quanto

à religiosidade, colocando-se como centro do conhecimento que produz. Hoje, a presença do artista está invariavelmente subentendida em sua própria obra, sua assinatura é a própria linguagem da obra, um fazer com o qual se identifica profundamente. Do mesmo modo, o espectador também transita diante da obra de uma outra forma. Na Renascença a conexão entre a obra e o público se dava, sobretudo, de maneira contemplativa. Hoje, muitas vezes, a obra contemporânea - ou mesmo a obra clássica vista na contemporaneidade - permite uma interação mais complexa com a obra, uma relação corporal, não se esgotando em um olhar estático e contemplativo. Muitas vezes, a obra existe para ser atravessada, em outras, ela nos convida a desviar ou fechar os olhos,


a operar com os outros sentidos, de tal forma que exista uma relação efetiva com a obra mesmo quando o olhar não está fixamente apontado para ela. Portanto, não se trata apenas de perceber o espaço como ilusão visual, mas de vivenciar um espaço real que a obra ajuda a construir. Segundo Ernst Hans Gombrich (1909-2001), o papel do espectador é invariavelmente ativo. Ele constrói o sentido da obra através de dois tipos de investimento psicológico: o “reconhecimento” e a “rememoração”. Para ele, é o espectador que faz a imagem. A partir de Gombrich, Jacques Aumont (1942-) concluiu que a imagem exerce uma ação psicológica positiva ou negativa no espectador, mas que “o olhar fortuito é então um mito”12. Para ele, o “ver” caracteriza uma espécie de fonte, enquanto o olhar se realiza numa ação que visa um objetivo.

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A prática do olhar se constrói sempre de modo muito singular, a partir de dinâmicas complexas, que envolvem uma dimensão cultural, afetiva e corporal: A percepção do outro depende da leitura dos seus fenômenos expressivos dos quais o olhar é o mais prenhe de significações. Tomando a analogia ao mundo físico, o olhar não seria apenas comparável à luz que entra e sai pelas pupilas como sensação e impressão, mas teria também propriedades dinâmicas de energia e calor graças ao seu enraizamento nos afetos e na vontade. O olhar não é apenas agudo, ele é intenso e ardente. O olhar não é só clarividente, é também desejoso, apaixonado.13

12 AUMONT, Jacques. A Imagem. São Paulo: Papirus Editora, 1990. p.86. 13 BOSI, Alfredo. Fenomenologia do Olhar. In: NOVAES. Adauto. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.77.


No documentário Janela da alma, Walter Carvalho e João Jardim reuniram depoimentos com personalidades que vão de poetas a neurologistas, passando por cineastas e músicos, falando sobre as dinâmicas do olhar, suas eventuais limitações e as possibilidades de ver além das aparências. Na primeira cena, quando Hermeto Pascoal estabelece um diálogo com os diretores, a câmera fechada em seus olhos dissimula a presença da equipe e o coloca numa relação mais próxima com o espectador. Em outro momento, nos conta como ele considera ver “normalmente”, em vantagem aos outros que nem sempre sabem para onde ele está olhando, pois devido a um deslocamento e a uma fraqueza do nervo óptico, seus olhos não

param de procurar. Diz que nunca sentiu falta da visão, pois não sabe como os outros enxergam, ou porque, em suas palavras, a visão interior é aquilo que desenvolvemos mais, e a que ele mais utiliza. José Saramago fala de ver uma realidade que talvez não queiramos ver, razão de procurarmos ver nem demais, nem de menos. É pretensioso acreditar que nossos olhos conseguem ver a realidade tal como ela é. Para ele, vivemos hoje, mais que em qualquer outra época, na Caverna de Platão, vendo sombras e acreditando que são realidade. Afirma sermos todos cegos, de algum modo: cegos da realidade, da razão, da sensibilidade, o que nos torna seres agressivos, egoístas, violentos no espetáculo que o mundo oferece.


Para Win Wenders, temos de tudo em excesso e, por isso, por vermos demais, é que somos incapazes de nos emocionar com as imagens. Assim não conseguimos dedicar a devida atenção às estórias mais simples e discretas, que não nos comovem mais. Buscamos então nos acontecimentos extraordinários alguma coisa capaz de abalar nossa percepção. “Vemos em parte com os olhos, mas não exclusivamente”13, complementamos o que vemos com nossa imaginação, algo que, para ele, não é mais estimulado pelos filmes da atualidade, que não deixam espaços para que os espectadores completem as entrelinhas. Win Wenders também nos conta sobre a experiência de usar óculos: certa vez, tentou usar lentes de contato, que lhe possibilitavam enxergar bem, porém, sentia falta do enquadramento que os óculos que lhe proporcionavam, um olhar seletivo,

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13 Trecho retirado do filme Janela da Alma. 14 Idem.

uma espécie de moldura que traz consciência do que se está vendo: “sem os óculos, tenho a impressão de ver demais. E não quero ver tanto, quero ver de forma mais... contida”14. Nas falas do neurologista Oliver Sacks, o ato de ver vai além do que está visível, “ver e olhar não se limitam ao enxergar”. Pensar nos olhos como Janela da Alma pressupõe que eles sejam passivos e que apenas absorvam. Para ele, a alma e a imaginação também se manifestam pelo olhar. Todos somos criaturas emocionais, nossas experiências são carregadas de afetividades, e o que vemos é constantemente modificado pelo conhecimento, pelos desejos, emoções e cultura. A construção do documentário oscila entre falas, depoimentos e pequenos silêncios,


músicas e ruídos cotidianos. As imagens são mostradas ora com foco, ora desfocadas, mais próximas ou distantes, em cores ou em preto e branco. Com toda sua diversidade, as falas concordam quando definem unanimemente o olhar como algo essencialmente interior. No filme, isso é explicitado quando cegos, por exemplo, falam de suas experiências com o olhar. Ver, olhar, enxergar são indissociáveis de um caráter emotivo e individual, se transformam e se constroem a partir dos diversos estímulos, além da luz captada mecanicamente pelo olho. Este olhar, mais uma vez, expandese pelo corpo, quando se estrutura de forma ao mesmo tempo perceptiva e expressiva.


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CapĂ­tulo 5 . Diante da Obra


5.1 Espectador, Observador, Público, Visitante No desenvolvimento do trabalho, deparei-me com a questão de como nomear essas pessoas que fotografo e as relações possíveis entre os termos mais recorrentes, como visitante, público, espectador, observador etc. Essas palavras possuem sentidos diversos e sugerem tratamentos diferentes daquele que se coloca em relação à obra, que pode ser tomado em sua singularidade ou apenas pelo que há de mais generalista em seu comportamento. Visitante pode ser entendido como toda e qualquer pessoa que passa por uma exposição ou lugar que lhe pareça alheio. Esse seria o mais genérico dos termos, o que menos especifica uma

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relação com a obra, apenas pressupõe alguém que está presente em certo local, independentemente de qual seja. Em seguida, a noção de público compartilha da mesma generalização que visitante, pois não define um sujeito, pressupõe uma massa de pessoas que são pensadas a partir de uma média de comportamentos. É usado para definir um grupo de pessoas que assiste a um espetáculo de dança ou teatro, ou que se beneficia de uma ação cultural, e que parece compartilhar momentaneamente dos mesmos interesses. Essa é geralmente a nomenclatura encontrada em textos que se referem


às exposições em grandes instituições, que pretendem atingir um número grande de visitantes, encontrada também nos textos relacionados às exposições de história ou ciências, de caráter essencialmente educativo. Já apontando para certa singularidade do sujeito, observador é não mais um coletivo, mas alguém que dedica atenção a algo, não especificamente um objeto de arte. É alguém que percebe, vê, mas não necessariamente interpreta; apenas absorve informações que possivelmente serão aproveitadas futuramente. Estabelece uma correspondência com o termo latino observantia, que muitas vezes denota reverência, respeito e atenção.

Por razões acima de tudo poéticas, o termo mais instigante para mim é espectador. Usado na maioria das vezes para definir um sujeito particular relacionado às artes, surge também para definir aquele que assiste a um espetáculo de qualquer natureza. A origem latina de espectador, spectator, remete a outras derivações como spectabilis, que é o visível, spectaculum, a festa pública que se oferece ao spectator, aquele que vê, o espectador. Essa visão pode alcançar ainda algo que está fora do campo das aparências óbvias: o spectrum, que é a aparição de algo invisível, às vezes, literalmente um fantasma. O verbo spectare (ver, observar) também está ainda na raiz de outro, expectare: um ver que manifesta uma vontade, um desejo, uma busca.


Um “expectador” seria então alguém que, além de observar, projeta expectativas sobre aquilo que está vendo. Mesmo que essas palavras sejam distintas, tal derivação sugere uma concepção de visão que se abre a uma possibilidade de interação com o que é visto, deixando de ser, portanto, apenas um ato passivo. Isso Bosi, que

remete diz em

novamente a Alfredo Fenomenologia do Olhar:

É no uso das palavras que os homens trançam os fios lógicos e os fios expressivos do olhar. Contemplar é olhar religiosamente (con-templum). Considerar é olhar com maravilha, assim como os pastores errantes fitavam a luz noturna dos astros(con-sidus). Respeitar é olhar para trás (ou olhar denovo), tomando-se devidas distâncias (re-spicio). E admirar é olhar com encanto movendo a alma até a soleira do objeto (ad-mirar).

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Os termos afins, contemplação, consideração, e respeito conheceram todos uma matiz de atenção e superior deferência, que as locuções “ter consideração”, ter “contemplação” e “ter respeito” (fr. “avoir dês égards”) por alguém assinalam de modo inequívoco. Olhar não é apenas dirigir os olhos para perceber o “real” fora de nós. É tantas vezes, sinônimo de cuidar, zelar, guardar, ações que

trazem o outro para a esfera dos cuidados do sujeito: olhar por uma criança, olhar por um trabalho, olhar por um projeto. E, não por acaso, o italiano guardare e o francês regarder se traduzem precisamente por “olhar”.15

O espectador relaciona o que está diante de si, somando representações subjetivas aos estímulos externos. A experiência de cada espectador é um tipo de recriação da obra do artista. A obra de arte é, portanto, a somatória do ponto de vista do artista com aquele construído pelo espectador.

15 BOSI, Alfredo. Fenomenologia do Olhar. In: NOVAES. Adauto.

O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.p. 78.


Há uma temporalidade na relação obraespectador que está na base da experiência com as diversas artes, algo nem sempre consciente, mas que gera expectativas que fundamentam a fruição. No cinema ou no teatro há um tempo que é diverso daquele de uma fotografia, por exemplo. A fotografia sugere muitas vezes um tempo que aponta para o passado, por se tratar de algo que ocorreu em um determinado espaço de tempo e que se colocou diante da câmera. Mas aqui a questão é de outra ordem: não me refiro à captura da imagem, mas à sua apresentação. Nesse caso, a imagem estática difere daquela trazida pelo cinema, que impõe um tempo em sua edição final, tempo este que determina uma duração e um modo de observação, em oposição à fotografia, que não pressupõe um tempo de observação pré-determinado pelo

16 Palavra utilizada sobretudo na linguagem psicanalítica, nos textos de Jacques Lacan. Também encontrada no texto de Jacques Aumont, dessa forma, como é traduzida para o português.

artista, e que oferece ao espectador a chance de uma performance peculiar diante da imagem. Podemos pensar a fruição como uma troca de olhares: quando a obra em questão (seja foto, cinema, pintura ou qualquer outra) afeta e transforma o olhar, também observa de algum modo o espectador. Nessa inversão de pontos de vista, o objeto observado é um objeto desejante16, projeta ou possui o olhar daquele que se dirige a ele, algo que pode ocorrer em frações de segundo ou transcender para muito além deste breve instante. Portanto, quando há um olhar desejante, há uma relação apaixonante entre esses dois pontos, espectador e obra, há uma relação mutua, momento em que o fenômeno do olhar atinge sua mais extrema intensidade.


Para Didi Huberman (1953-), há algo na obra que não se mostra completamente, que não é aquilo que todos vêem de imediato, não é o que necessariamente se está buscando. Há uma lacuna, um vazio que as estratégias de observação não dão conta de penetrar. É aqui que se manifesta algo inesperado, um indício do que nos constitui, nos concerne: Sem dúvida, a experiência familiar do que vemos parece na maioria das vezes dar ensejo a um ter: ao ver alguma coisa, temos em geral a impressão de ganhar alguma coisa. mas a modalidade do visível torna-se inelutável – ou seja, voltada a uma questão de ser – quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa, isto é: quando ver é perder. Tudo está aí.17

completo, algo que age por meio daquilo que não se vê. Abandonando o saber interpretativo, o espectador deixa de ser sujeito e passa então a ser objeto de uma visão. O olhar devolvido pela obra abala a segurança e a autonomia do observador, que se sente, então, exposto, visto pela imagem, visto exatamente por meio daquela fresta que seu olhar não é capaz de iluminar e de atravessar. Portanto, não é apenas a obra como objeto e o espectador como sujeito, daí a angústia de não saber o que vem a ser meu próprio corpo, do que me olha: “Devemos fechar os olhos para ver quando o ato de ver nos remete, nos abre a um vazio que nos olha, nos concerne e, em certo sentido, nos constitui.”18

O olhar não é unilateral e implica certa fissura, uma abertura que jamais se revela por

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17 DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998. p.34. 18 Ibid., p.31.


5.2 Visitantes nos espaços expositivos Diante de uma obra, os sentidos são organizados por algo que foi proposto por um artista e, hoje, também pelos curadores, arquitetos e cenógrafos que definem o espaço expositivo. Isso significa que a obra não demanda do público apenas uma sequência linear de paradas para a contemplação, mas um percurso complexo, uma performance. Segundo artigo publicado na revista Museum19, em 1993, há uma mudança significativa na década de noventa no papel dos museus e instituições quanto à organização de exposições e às montagens. Nos últimos vinte anos, desenvolvemse estratégias para que o espaço expositivo possa

19 SCREVEN. C. G. Los Visitantes. In: Revista Museum. 178 (Vol XLV, n 2, 1993).

n.

ser mais efetivo para aqueles visitantes que não são acompanhados por um guia, um professor, um monitor ou por conhecimentos prévios acerca do que se apresenta. O artigo afirma que, sem fazer dos museus parques de diversões, é preciso assumi-los como espaços de enriquecimento cultural e educativo, o que justifica a preocupação atual com a apresentação e disposição das obras. Elementos como a densidade das informações, a organização lógica do espaço, a eficácia dos textos, os meios de comunicação utilizados, os elementos ativos e passivos da mostra influem na impressão do visitante. Determinam, por exemplo,


quanto tempo dedicarão à leitura dos textos ou à contemplação do que está exposto. Ainda segundo o artigo, os elementos audiovisuais e a intensidade de informações são decisivos para o entendimento das mensagens, para o impacto em termos de atitude e comportamento dos espectadores e afetam também o tempo dedicado à exposição. Porém, é importante pontuar que só é possível cativar a visão quando há uma busca por parte do espectador, quando essa dinâmica planejada se coloca em relação a estímulos subjetivos. Representações inconscientes, afetos, crenças, a cultura, a época tornam esse olhar e essa performance diante da obra sempre singulares. Nas palavras de Luigi Pareyson (19181991), há um dilema implícito entre a unicidade e a arbitrariedade da interpretação, a objetividade e a pessoalidade, a fidelidade e a liberdade,

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a verdade e a originalidade, nas tentativas de definir esse tipo de operação que tem sempre presente a sensibilidade e a interpretação pessoal como elementos inseparáveis. “Pensamento e juízo estão sempre presentes, tanto na reflexão quanto na espontaneidade, de forma naturalmente diversa, isto é, ora desdobrada e motivada, ora contraída e condensada.”20 O observador, nesse momento, julga, analisa, interpreta, avalia, executa, em estado de contemplação da obra, que para Pareyson: (...) é preciso ter presente que a obra de arte enquanto tal é essencialmente objeto de uma consideração dinâmica: ela revela sua perfeição somente a quem sabe considerá-la como a conclusão de um processo, a quem sabe captar e delinear seu desenho criativo, a quem sabe resgatá-la da sua aparente

20 PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.238.


imobilidade para colhê-la no movimento de onde nasceu; e, de fato, na contemplação o olho não é imóvel, mas percorre a obra de lado a lado, circula através da lei de coerência que mantém unida numa estrutura perfeita e numa totalidade indivisível (...) trata-se de sonorizar e de visualizar da maneira querida pela própria obra, de modo a fazê-la viver como ela própria quer viver. Sem dúvida, isto diz respeito a todas as artes, mesmo às visuais, nas quais o olhar não se limita a registrar passivamente, mas realmente “executa”, isto é, reconstrói a realidade viva da obra, multiplicando as perspectivas, escolhendo os pontos de vista, dando maior relevo a certas linhas do que a outras, notando os tons e as relações, e os contrastes, e os relevos, e as sombras, e as luzes, em suma, dirigindo, regulando e operando a “visão”.21

21 Ibid., p.207 a 211.


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Capítulo 6 . O Olhar na psicanálise


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Na visão psicanalítica de Sigmund Freud (1835-1930) e Jacques Lacan (1901-1981), a arte é vista como um sintoma e considerada sob um aspecto subjetivo de seu produtor, ou seja, o valor de uma obra está em sua construção, e a análise deve ser feita não a partir de um resultado, mas das operações inconscientes de quem a realiza. Assim, a obra de arte é um discurso secundarizado, já que o artista é o foco principal dos estudos psicanalíticos relacionados às artes, desde seus primórdios no século XIX, quando se desenvolvem paralelamente, fotografia, psicanálise e as vanguardas artísticas. Jacques Aumont, em “A imagem”, diz que foi a propósito da pintura que Lacan desenvolveu a ideia do olhar como objeto, considerando

22 RIVERA, Tânia. Gesto analítico, ato criador. Duchamp com Lacan. Pulsional Revista de Psicanálise, São Paulo, n.184, Ano XVIII, p.66, dezembro/2005.

o quadro como aquilo que fornece alimento ao olho, satisfazendo parcialmente, ou quase, a pulsão escópica, um desejo de ver além do olhado. Assim, o espectador assume um papel de suma importância na realização da obra, mais precisamente em sua conclusão, quando é exibida e cada um pode complementá-la à sua maneira. Para a psicanalista Tânia Rivera, o ato do artista caracteriza-se pelo “olhador” da obra, quando este se posiciona entre a intenção e a ação do artista, havendo uma continuidade entre eles, autor e obra. Por fim, “o objeto de arte não mais reflete em espelho uma apaziguadora imagem do sujeito autor/contemplador, mas lhe reenvia a inquietante pergunta sobre sua própria determinação”.22


O objeto olhado – a obra de arte - determina para o sujeito um ponto a partir do qual também é olhado. Slavoj Zizek (1949-) escreveu que olhar e ver são sempre assimétricos, por nunca se poder ver a imagem no ponto em que esta nos olha. O enquadramento é seletivo e, do campo da visão, isto é, o olhar, aquilo que atravessa o material exposto é um ponto em que o próprio enquadramento não dá conta de alcançar. Ao saber que este objeto também me olha, por meio de um sentimento indefinível, constitui-se uma observação de um ponto que escapa à visão e que, assim, torna impotente o “olhador” quando é algo que instaura uma fratura, uma lacuna entre o ser e o objeto. Acerca de Lacan, acrescentou “é o objeto que me olha”. A fotografia apresenta um diálogo efetivo com a psicanálise desde o final do século XIX,

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início deste desenvolvimento análogo. Segundo as afirmações de Tânia Rivera, a psicanálise não vê na arte um terreno para aplicar suas teorias, assim como a arte não procura explicações ou interpretações na psicanálise para se justificar. Porém, é considerável perceber os diversos momentos em que dialogam e como ambas tendem ao questionamento sobre o sujeito na contemporaneidade. Talvez os surrealistas tenham sido os que mais relacionaram sua produção às pesquisas que se desenvolviam na psicanálise, sendo que frequentemente adotavam a histeria e o sonho como tema em seus trabalhos. Situar o olhar a partir da psicanálise é descrever seus limites, sua intencionalidade. Para Freud “é preciso que seja produzido em nós o estado de paixão, de emoção psíquica que o impulso criador provocou no artista”.23

23 FREUD apud PAVIS, PAtrice. A Análise dos Espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 216


O corpo do espectador recebe uma carga energética como efeito daquilo que é exposto à sua frente, o que resulta na estimulação de seus sentidos, não apenas a visão, mas uma sinestesia, e, dessa maneira, ele vivencia o impulso que a obra produz nele. Para começar, preciso insistir nisso – no campo escópico, o olhar está do lado de fora, sou olhado, quer dizer, sou quadro. É aí que está a função que se encontra no mais íntimo da instituição do sujeito no visível. O que me determina fundamentalmente no visível é o olhar que está do lado de fora. É pelo olhar que entro na luz, e é do olhar que recebo seu efeito. Donde se tira que o olhar é o instrumento pelo qual a luz encarna, e pelo qual – se vocês me permitirem servirme de um termo, como faço freqüentemente, decompondo-o – sou fotografado.24

24 LACAN. Jacques. O que é um quadro. In: O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p.104.


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PAUSA


“O ouvido é mudo, a boca é surda, mas o olho ouve e fala” – Goethe

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Iniciar esta página é algo um tanto enigmático, uma vez que o que se apresenta como conclusão não é necessariamente um fim para o trabalho. A finalização do curso de graduação parece impor a necessidade de escolher um grande tema para ser desenvolvido, algo que, de certa forma, possa abranger e sintetizar as questões vivenciadas ao longo de minha formação e, ainda, aquelas que permanecem latentes neste momento. É uma responsabilidade grande. De todo modo, a fotografia foi o que mais me instigou e o que me pareceu permitir não exatamente uma síntese mas, pelo menos, um diálogo entre vários dos meus campos de interesses, como as linguagens da dança, da pintura e do vídeo, e conceitos como movimento, montagem e sobreposição.

O processo da pesquisa foi muito prazeroso e instigante. A sensação era a de que nunca haveria um fim. Na verdade, a conclusão tem a ver com a simples necessidade de colocar um ponto final, já que permanece a vontade de continuar pesquisando, lendo, conversando, escrevendo, produzindo... Pude ir a fundo em um processo que me abriu caminhos nos quais não havia pensado como possibilidades anteriormente. Ao lado da produção plástica, a possibilidade de mergulhar nas teorias que dialogavam com o trabalho foi muito tentadora. Mesmo que corresse o risco de me distanciar do meu próprio trabalho, acabei arriscando em alguns momentos. Pensar no sujeito, seu respectivo comportamento e observar atentamente como ele


transita no espaço cultural foram a base para que outras questões surgissem. A partir daí, a relação do espectador com uma obra de arte foi fundamental e se tornou o fio condutor para o meu olhar diante do olhar dos outros, a essência do próprio trabalho O trabalho Le Gioconde foi, nesse sentido, um marco inicial para a minha proposta de pesquisa. Naquele momento, a questão principal era o “olhar insuficiente” que aqueles turistas dedicavam à obra. Em princípio, a continuidade da pesquisa ainda estava marcada por essa visão pessimista, que tende a sublinhar as relações superficiais com a obra. No entanto, a observação e o registro da diversidade de performances dos espectadores nos espaços expositivos me convidaram a repensar esse julgamento. Optei por tentar entender como alguns deles estabelecem uma relação peculiar e sutil, mas não

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necessariamente vazia, na fruição da obra de arte. O interesse em pensar, por meio da fotografia, um exercício do olhar, que é essencialmente dinâmico, me levou a atravessar os limites tradicionais dessa linguagem e a me aproximar de uma experiência híbrida que foi chamada de foto-filme. Com base nessas questões, cheguei ao formato de apresentação da obra que faz parte da conclusão deste percurso, que permitiram materializar conceitos que atravessavam a pesquisa, como, por exemplo, o limiar entre o estático e o dinâmico, a sobreposição e a transparência. A questão do olhar ainda se mantém bastante complexa e é algo que pretendo continuar pesquisando. A breve reflexão sobre o olhar na psicanálise que aparece no último capítulo é algo que ainda desejo explorar.


Para finalizar, gostaria de retornar à noção benjaminiana de aura, que define na obra aquilo que ele chamou de um “valor de culto”, a sensação de uma “única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja”. Em Le Gioconde, esse culto se desdobra em um ofuscamento do olhar e em uma atitude de claro deslumbramento diante de uma obra que se tornou objeto de consumo turístico. Nesta pesquisa, busquei reencontrar uma aura que pode existir para além desse culto evidente ao objeto, que surge em relações mais sutis - mas também intensas - que se estabelecem entre espectador e obra e permanecem complexas e misteriosas. Quando busco a singularidade da dinâmica desse corpo diante da obra, busco destacar o modo como ele participa da constituição dessa aura, que de algum modo persiste mesmo quando a contemplação já não é tão evidente.


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ReferĂŞncias


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Filmografia


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O HOMEM com uma Câmera. Direção: Dziga Vertov. União Soviética: Continental Home Vídeo; 1929. Preto-e-branco; (68min). SANS Soleil. min).

Direção: Chris Marker. França, 1983. Cor; (100

SI J’avais Quatre Dromadaires. Direção: Chris Marker. França, 1966 P&B; (49min). UMA VIDA Iluminada. Direção: Liev Schreiber. Produção: Peter Saraf e Marc Turteltaub. Intérpretes: Elijah Wood, Eugene Hutz, Boris Leskin. Roteiro: Liev Schreiber, baseado em livro de Jonathan Safran Foer; EUA, 2003. Cor; (100min). ZIDANE – Um Retrato do Século XXI. Direção: Douglas Gordon e Phillippe Parreno. França/Islândia: Paris Filmes, 2006. Cor; (91min).


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Webgrafia


98


Site de Egbert Mittelstadt: http://www.atelier-fuer-medienprojekte.de/ Acessado em 22/02/2011 Blog que mostra um trabalho de Egbert Mittelstadt: http://thesoundofeye.blogspot.com/2010/09/egbert-mittelstadt-unfolding-2002.html Acessado em 22/02/2011 Site do artista Golan Levin - Texto sobre Slit-Scan uma tĂŠcnica de espelhamento na fotografia: http://www.flong.com/texts/lists/slit_scan/ Acessado em 22/02/2011 Site sobre fotografia - Texto sobre Didi-Huberman: http://www.forumfoto.org.br/es/2010/10/geroges-didi-huberman-quando-as-imagens-ardem/ Acessado em 04/04/2011




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