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O processo de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas do Observatório Itaú Cultural | Entrevista
O processo de construção do PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) do Observatório Itaú Cultural resulta de um esforço conjunto contínuo, que conta com a colaboração de especialistas nacionais e internacionais sobre esse tema. Neste encontro, Flávia Oliveira e Leandro Valiati conversam sobre esse processo, abordando três aspectos: (1) a importância e as motivações do projeto; (2) os desafios; e (3) os resultados preliminares desse indicador.
Planejar e implementar políticas públicas para o crescimento e o desenvolvimento de qualquer país pressupõe a disponibilidade de indicadores e evidências econômicas confiáveis. Nesse sentido, identificar e mensurar o valor econômico de diferentes atividades, materiais e imateriais, se constitui em importante mecanismo para tomadores de decisão, públicos e privados. Entre esses mecanismos, o Produto Interno Bruto (PIB) destaca-se como um dos principais indicadores utilizados internacionalmente para a comparação entre economias, sendo também utilizado como termômetro para a “saúde” da economia de qualquer país.
Em face do declínio da importância relativa das indústrias tradicionais, gerando desemprego e mudanças estruturais na economia, cristaliza-se a crescente preocupação com a importância da atividade econômica cultural e criativa (OAKLEY, 2004)1. A criatividade surge, nesse sentido, como alternativa para a geração de renda, emprego e riqueza, reforçando a necessidade de mapear e mensurar o valor econômico das atividades a esta relacionadas. Contudo, refletir sobre um setor tão dinâmico como é o criativo requer um olhar atento às suas especificidades, especialmente considerando-se o cálculo do PIB setorial. Nesse sentido, o processo de construção do PIB da Ecic se pautou por quatro grandes balizadores, quais sejam: (1) estabelecer quais setores considerar nesse cálculo;
(2) mapear e identificar quais são as bases de dados disponíveis para a estimação do indicador econômico; (3) permitir a comparabilidade das estimações; e (4) oferecer a possibilidade de acompanhamento do PIB segundo séries históricas.
Prezando pelo caráter colaborativo do processo de construção do PIB da Ecic, as escolhas metodológicas para corresponder aos quatro objetivos balizadores foram dialogadas, mediante a consulta a especialistas nacionais e internacionais. De modo geral, essas consultas resultaram em cinco pontos consensuais entre os especialistas: (1) incorporar informações sobre a formalidade e informalidade no setor criativo e cultural; (2) criar instrumentos que considerem as múltiplas realidades regionais brasileiras, levando-se em conta a diversidade de expressões criativas e atividades artístico-culturais; (3) captar aspectos relacionados à desigualdade social brasileira, expressa pelo acesso à cultura, por disparidades de gênero e de raça/cor, mobilidade social e concentração de renda; (4) possibilitar o acompanhamento periódico das estimativas de forma recorrente, segundo a consolidação de séries históricas; e (5) mensurar os valores gerados a partir dos impactos da digitalização do setor criativo, relativos ao acesso à cultura através de plataformas digitais, principalmente o streaming. Esses e outros importantes aspectos relativos ao processo e às motivações para a construção do PIB da Ecic podem ser acessados no primeiro vídeo da série, a seguir.
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Cabe destacar, ainda, que pensar sobre a economia criativa e propor indicadores econômicos passíveis de mensuração e acompanhamento periódico envolve uma série de desafios específicos, especialmente em países em desenvolvimento. Nesse sentido, emergem três importantes aspectos. Em primeiro lugar, ressalta-se que o Brasil possui uma histórica e consolidada tradição na produção e sistematização de bases de dados públicos. Contudo, em razão das especificidades e limitações inerentes às metodologias tradicionais de mensuração do PIB, coloca-se a necessidade de uma seleção de apenas algumas informações que correspondam a esse espectro analítico bastante restrito. Em segundo lugar, justamente em razão da superestrutura de desigualdades sociais brasileiras, é necessário incorporar informações sobre a formalização e informalização do emprego, bem como aspectos relativos à concentração de renda no setor criativo e cultural. Informações estas extraídas de bases de dados oficiais e já incorporadas no cálculo do PIB da Ecic. Por fim, evidenciam-se as especificidades inerentes à dinâmica do setor criativo e cultural, que se pauta por atividades que produzem impactos materiais e imateriais – como as “externalidades positivas” das práticas culturais, gerando sociedades mais diversas e inclusivas – e, portanto, que podem ou não ser passíveis de mensuração/valoração econômica. Desse modo, e em linha com as contribuições dos especialistas nacionais e internacionais sobre a digitalização do setor, destaca-se o empenho em já considerar em nossas estimativas do PIB da Ecic as informações sobre os direitos de propriedade intelectual, do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) da música. É justamente esses desafios, e a forma como são enfrentados, que o segundo vídeo da série aborda a seguir.
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Mais especificamente, sobre o valor do PIB da Ecic no Brasil, cabe novamente ressaltar que esse cálculo se constitui em um processo, em contínua construção e evolução, segundo o esforço constante de captar a totalidade e diversidade de dinâmica inerente ao setor, tendo em vista as bases de dados e os níveis de desagregação disponíveis. Em termos práticos, considerando-se a renda do trabalho formal e informal (massa salarial), a renda das empresas (massa de lucros) e outras fontes (até o momento correspondente aos dados do Ecad), o PIB da Ecic equivale a algo entre 2% e 3,5% do PIB brasileiro em 2020. Cabe ressaltar que, a despeito das limitações inerentes à tradicional abordagem de estimação do PIB, e mesmo das escolhas metodológicas adotadas, o setor cultural e criativo fica entre os dez setores mais importantes da economia brasileira2. Essas e demais informações sobre o valor estimado para o PIB da Ecic brasileiro podem ser encontradas no terceiro e último vídeo da série da entrevista da jornalista Flávia Oliveira com o professor e pesquisador Leandro Valiati.
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Fl Via Oliveira
é jornalista. É comentarista na GloboNews e colunista no jornal O Globo e na rádio CBN. É podcaster no Angu de grilo. Integra o conselho deliberativo da Anistia Internacional Brasil e os conselhos consultivos das organizações Uma Gota no Oceano, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Observatório de Favelas, Agência Lupa, Rede Liberdade, Instituto Sou da Paz, Instituto Ibirapitanga, Perifa Connection e Museu do Amanhã.
Leandro Valiati
é professor e pesquisador na área de economia da cultura e indústrias culturais no Brasil e no Reino Unido. Por intermédio de sua posição acadêmica, teve a oportunidade de desempenhar papel importante na construção e execução da política para a economia da cultura e indústrias criativas de todas as gestões do Ministério da Cultura entre 2010 e 2018.
Notas
1. OAKLEY, K. Not So Cool Britannia: The Role of the Creative Industries in Economic Development. International Journal of Cultural Studies, v. 7, issue 1, p. 67-77, 2004. Disponível em: https:// journals.sagepub.com/doi/ abs/10.1177/1367877904040606 Acesso em: 31 out. 2022.
2. Os dez setores com maior participação na composição do PIB brasileiro (IBGE, 2019) são, em ordem decrescente: indústria de transformação (12,0%); comércio varejista (11,3%); administração pública (10,2%); atividades financeiras (7,2%); educação (6,7%); saúde (5,1%); construção (3,9%); agricultura (3,2%); indústria extrativa (2,9%); e energia (2,1%).