MEDICINA HUMANIZADA Prof. Mário Tadeu Penedo Borges
Centro de Ciências da Saúde – UFES
Todos os textos aqui escritos, exceto aqueles com registro de autoria ao final, foram escritos pelo autor da “apostilha” Prof. Mário Tadeu Penedo Borges.
IDEALIZAÇÃO DA CAPA: PROF. MÁRIO TADEU PENEDO BORGES DESENHO DA CAPA: WILLI PISKE JÚNIOR - UFES
PROJETO: MEDICINA HUMANIZADA PARA O CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE/UFES
PROMOÇÃO E ORGANIZAÇÃO: CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – UFES DIRETORA: PROF.ª Dr.ª GLAUCIA RODRIGUES DE ABREU
PROJETO E INICIATIVA: DR. MÁRIO TADEU PENEDO BORGES PROF. DO DEPTo. DE CLÍNICA MÉDICA – CCS / UFES
O projeto MEDICINA HUMANIZADA para o Centro de Ciências da Saúde/UFES, é uma gota de água em um devastador incêndio para os pacientes: a excessiva “mecanização” da medicina. Esta gota de água “transbordou” a partir da manchete do jornal “A TRIBUNA” (23/02/2013) reproduzido no verso desta página. ESTE PROJETO É DEDICADO AOS MÉDICOS CITADOS-, PRINCIPALMENTE, MEU PAI JOSÉ LEÃO BORGES- NO BELO TEXTO A SEGUIR DE AUTORIA DO PSICANALISTA DR. PAULO BONATES, QUE EU APÓS LÊ-LO ALGUMAS VEZES, ENTUSIASMEI-ME COM A REALIZAÇÃO DESTE ANTIGO SONHO E “PENSEI NELE” COMO “A BÍBLIA DOS MÉDICOS EM 17 LINHAS”. Nosso (nobre) objetivo é conscientizar os formandos em medicina que eles deram um enorme passo, mas em hipótese alguma o único, para tornarem-se médicos capazes de relacionarem-se com seus pacientes como os citados no texto (e inúmeros outros) relacionavam-se antes desta maravilhosa, porém avassaladora, tecnologia diagnóstica do século XXI: tratar a doença e não o doente.
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114 médicos são investigados por erros de diagnóstico e em cirurgias
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jornal a Tribuna, sábado, 23 de fevereiro de 2013
A BÍBLIA DOS MÉDICOS EM 17 LINHAS RELACIONAMENTOS
Grande parte da distorção ou do camuflar sobre medicamentos deve-se ao apagamento gradativo da imagem do médico diante da ideia que o paciente deveria fazer dele. O psicanalista húngaro Michael Balint, que trabalhou toda sua vida profissional na arte de supervisionar médicos clínicos na relação com seu paciente, considerava a relação médico-paciente como algo concreto. “Se fosse colorido, o espaço entre o médico e paciente durante uma consulta poderia ser visto”. O efeito de um medicamento, a farmacodinâmica, depende mais da relação que o profissional estabelece com o cliente que dos efeitos farmacoterápicos propriamente ditos. Ou seja, o médico seria o próprio remédio. Muitos concordam mas, na prática, isso não é desenvolvido. O ensino médico, por sua vez, baseia-se na repetição e no decorar das bulas, preterindo-se, então, o pensar. Seria ferir o orgulho do médico aceitar que o único conhecedor total de sua dor é o doente. Em 1950, apenas para citar uma época, a medicina nutria-se de uma aura de credibilidade, quase mitológica, própria do pensar e do amor. Foi assim que passaram por nós os doutores Antonio Costa, Jolindo Martins, Jaime Santos Neves, Dório Silva, José Leão Borges e outros cuja a vida foram marcadas pelo bem e, só depois pela medicina. A substituição do médico pelo remédio simplesmente não existe. É comum, diz-se à boca miúda nas rodas de médicos, um paciente agradecer sua melhora ao medicamento acertado que lhe foi prescrito. Ainda bem. Poderia ter ido direto à farmácia onde encontraria, quase sempre, alguém lhe prestar os serviços que, teoricamente, substituem o ato médico. E é triste fazer tal constatação.
PSICANALISTA E PSIQUIATRA
Dr. Paulo Bonates
Homenagem “in memoriam” ao brilhante intelectual brasileiro – prof. Darcy Ribeiro - que nos seus dizeres abaixo, mostra claramente, como uma parcela significativa da sociedade elitista brasileira (inclusive a universitária), dispensa cruel oposição aos seus poucos intelectuais criativos e atuantes:
“Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, mas não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu “
Darcy Ribeiro
APRESENTAÇÃO Pretendemos iniciar, no Centro de Ciências da Saúde - UFES, um novo e absolutamente necessário entendimento sobre o complexo processo do ensino e exercício da medicina. Sabemos que será uma missão muito difícil, mas, também, sabemos que temos de enfrentá-la já. Aliás, já passou da “hora”, pois os erros médicos já estão frequentando quase diariamente o noticiário policial. Precisamos urgentemente incrementar, de forma significativa, nas duas atividades médicas acima citadas, a “visão médica humanizada do paciente”, que nos últimos quarenta anos está sendo, cada vez mais, relegada a um nível insignificante ou, em outras palavras, “insuportável” para o paciente, pois ele deixou de receber atenção do médico como pessoa (doente), que está dirigindo toda sua atenção apenas para a doença. Esta atitude médica distorcida, leva-os consequentemente a condutas muito mais iatrogênicas do que benéficas para seu paciente (principalmente devido ao excesso de “remédios” e exames complementares desnecessários). A verdadeira medicina jamais será uma ciência exata, portanto, as maravilhosas “máquinas” diagnósticas apenas ajudam ao médico a diagnosticar, após um exame clínico cuidadoso. As “máquinas” jamais conseguirão substituir a maravilhosa e absolutamente terapêutica relação médico-paciente. Podemos então afirmar com absoluta certeza, de que a forma a atual do médico “olhar” para seu paciente necessita retroceder cinquenta anos no tempo, para voltarmos à nossa atenção principalmente ao doente (“medicina da pessoa”) e não à doença. Caso consigamos isso, e ajudados apenas, quando necessário, pela maravilhosa tecnologia diagnóstica do século XXI, exerceremos uma “medicina espetacular”. Cuidaremos realmente dos nossos pacientes, as condutas repletas de iatrogenia diminuirão muito, e a classe médica voltará a ser notícia humanizada como os grandes médicos de um passado não distante.
O autor.
PREFÁCIO Caros participantes do I Seminário de Medicina Humanizada É com muita satisfação que a direção do Centro de Ciências da Saúde prefacia esse material que marca, em nosso Centro, a semeadura de uma concepção perdida ao longo de nosso “desenvolvimento”: assistir aos nossos pacientes com foco no doente, na pessoa. Essa concepção, quase ideológica, pressupõe que o médico, além do conteúdo técnico científico e das habilidades necessárias para diagnosticar e tratar, precisa intimizar a relação com o paciente, assumindo que nesse momento, se estabelece uma relação maternal com o doente e familiares que veem na pessoa do médico, a única possibilidade de cura ou, quando esta não é possível, o último nível de relação humana na terra. Tarefa nem sempre fácil considerando se tratar de duas pessoas: uma que cuida e outra que é cuidada. Desejo que esse momento fundamente novas reflexões sobre o envolvimento que todo médico precisa ter no momento de cuidar. Pois, senão dentro da universidade, onde mais poderíamos nos permitir o novo? Na universidade temos oportunidade de romper com paradigmas que não nos atendem mais, defender ou refutar ideias e até mesmo formular teorias. Tudo isso porque aprendemos a pensar. Pensar, avaliar e buscar o novo, certamente é a maior herança que recebemos de nossos formadores, porque, só assim, se faz e se refaz os caminhos. Parabéns ao Prof. Mario Tadeu (idealizador desse projeto) e aos demais médicos que prontamente responderam ao nosso chamado para colaborar com o que acreditamos deva ser o maior alicerce na formação médica: a de que lidam com vidas humanas e vidas humanas pressupõe harmoniosa integração corpo, mente e alma. Boa leitura e bom seminário! Prof.ª Dr.ª Glaucia Rodrigues Abreu
Diretora CCS/UFES
MEDICINA TECNOLÓGICA: A MEDICINA HUMANIZADA AGONIZANDO
A partir do final do século XIX, Freud, através de permanente e cuidadoso exame clínico em seus pacientes, conseguiu demonstrar a enorme relação que havia entre os transtornos emocionais e/ou afetivos e o aparecimento dos mais variados sintomas nesses inúmeros pacientes. Nos cem anos subsequentes, a medicina, através de estudos científicos e principalmente através da atividade clínica diária de grandes médicos do século XX, solidificou e ratificou definitivamente as constatações clínicas iniciais de Freud. Nas últimas cinco décadas, dissipou-se qualquer sombra de dúvida que ainda poderia haver a respeito da manifestação clínica conhecida como somatização: aparecimento de sintoma(s) sem uma causa “orgânica” subjacente. Apenas consequentes a transtornos emocionais. Um enorme percentual desses sintomas leva a quadros clínicos que são chamados de síndromes ou doenças funcionais, pois existe apenas alteração da função do órgão, sem que nele ocorra lesão estrutural (anatômica). As doenças funcionais são os mais frequentes motivos (70% em média) das consultas médicas, considerando-se as diversas especialidades médicas existentes. Até a década de 1960, período dos grandes clínicos humanistas, esses pacientes com doenças funcionais (ultimamente chamados negativamente pelos próprios médicos de poliqueixosos) eram corretamente examinados, diagnosticados e tratados. Praticamente sem ajuda alguma de exames complementares, pois esses eram escassos antes de 1960. A principal atitude terapêutica nas doenças funcionais é a indispensável correta relação médico-paciente, que proporciona ao paciente total confiança no seu médico (amparo emocional), e, portanto, diminui-lhe, significativamente, a insegurança e a ansiedade. Essa é a única possibilidade de cura real dos pacientes funcionais. Os comprimidos são meros coadjuvantes secundários. A partir da década de 1970, quando a maravilhosa tecnologia moderna invadiu também a medicina, o tempo da consulta médica diminuiu excessivamente, pois o diagnóstico passou a ser colocado muito mais nas “mãos dos exames complementares do que na indispensável relação médico-paciente. Os exames complementares, principalmente através das maravilhosas máquinas diagnósticas, jamais diagnosticarão as doenças funcionais. Somente a anamnese completa e o exame físico bem feito fazem esse diagnóstico. Assim, devido à ausência da correta atitude médica, a grande maioria dos nossos pacientes não terá diagnóstico e tratamento corretos e serão despropositadamente chamados de “muito nervosos” e “pacientes poliqueixosos”(no complaint, no doctor. Isn’t true?). Se a medicina, isto é, os médicos, não tivessem abandonado a atitude médica típica dos grandes clínicos da primeira metade do século XX, e agora, auxiliados apenas quando necessário pela ultramoderna tecnologia diagnóstica, estaríamos exercendo a “medicina perfeita”. Continuaríamos examinando o paciente dentro do seu complexo contexto biopsicossocial (a medicina da pessoa). Assim continuaríamos a diagnosticar e a tratar corretamente as “doenças” de origem emocional, além de termos todo arsenal diagnóstico moderno para diagnosticar e tratar as chamadas doenças orgânicas (nestas, os sintomas são decorrentes de lesões estruturais dos órgãos. Por exemplo: o câncer).
Infelizmente, para os pacientes, assim não aconteceu. A medicina atual esqueceu-se quase completamente da grande maioria dos seus pacientes (aqueles com doenças funcionais) e passou a dirigir sua atenção quase que exclusivamente aos pacientes com doenças orgânicas (30% da totalidade dos pacientes), levando consequentemente a uma grande distorção médica: quase toda a atenção dirigida à doença e atenção insuficiente dedicada ao paciente (doente). Este é o grande comportamento iatrogênico da “medicina moderna”. Gostaria de expressar aqui a minha visão sobre uma antiga afirmação, conhecida por todos, de que a principal “missão” dos médicos é salvar vidas. Com certeza, esse secular pensamento não é sábio (correto). Estou absolutamente convicto de que a principal missão dos médicos é MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DOS PACIENTES. Milhões de pacientes com inúmeras doenças crônicas, necessitam frequentemente de um ou mais médicos acompanhando-os, para terem uma vida de boa qualidade. Esse distorcido pensamento generalizado (salvar vidas é muito importante, entretanto é muito menos frequente do que acompanhar um paciente durante vários anos) só serve para cegar os médicos quanto à absoluta necessidade da boa relação médico-paciente para o tratamento correto de todos pacientes. Sem exceção. Observação final: Decidi (inspirei-me) escrever este texto quando, em março de 2014, vi um belo cartaz de divulgação do PRIMEIRO Congresso Brasileiro de Doenças Funcionais. Imediatamente ocorreram-me dois sentimentos opostos: uma pequena alegria por finalmente aparecer uma microluz no fim do túnel, e uma enorme tristeza por constatar definitivamente como a verdadeira medicina (biopsicossocial) parou no tempo, no mínimo há 30 anos. Em 2014, a sociedade médica brasileira deveria estar realizando o TRIGÉSIMO Congresso de Doenças Funcionais. Como professor adjunto do Depto. de Clínica Médica, tenho falado sobre esse importante tema nas sessões científicas do Serviço de Gastroenterologia desde 1990. Nesses 24 anos, pareceu-me pequeno o interesse dos participantes das nossas reuniões neste importantíssimo tema médico. Esta insuficiente atenção médica (é óbvio que existem muitas e maravilhosas exceções) dispensada aos pacientes com sintomas de origem emocional (doenças funcionais e etc...) é uma clara evidência de que a medicina humanizada está quase sepultada, com a sua cova cavada pela tecnologia médica. Esta é a pior notícia possível para milhões de pacientes, independente do(s) motivo(s) pelo(s) qual(is) eles procuram auxílio médico. Em 2013, iniciamos junto com o Centro de Ciências da Saúde, o projeto MEDICINA HUMANIZADA. Este projeto pretente, a médio prazo, tirar da UTI, o atual estado da relação médico-paciente, que está agonizando; e se possível, posteriormente, darmos alta hospitalar a este atual grave quadro clínico do exercício da medicina. Temos certeza de que todos os pacientes do estado do Espírito Santo, agradecerão muito.
PALESTRA DE ABERTURA DO SEMINÁRIO
“A MEDICINA DA PESSOA” PALESTRANTE:
DR. SANDRA DE SOUZA MARTINS Professora Titular do Departamento de Pediatria do Centro de Ciências da Saúde - UFES
RESUMO DAS PALESTRAS ESCRITOS PELOS RESPECTIVOS PALESTRANTES
MEDICINA E ESPIRITUALIDADE Podemos conceituar Espiritualidade segundo Dr Harold Koenig (Universidade de Duke –EUA) como “uma busca pessoal de respostas sobre o significado da vida e o relacionamento com o sagrado e/ou transcendente”. A Dra Pamela G. Reed a define como “a propensão humana para encontrar um significado para a vida através dos conceitos que transcendem o tangível, um sentido de conexão com algo maior que si próprio, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal”. Estamos vivendo num momento de transição da Medicina onde ainda impera o modelo Mecanicista-Reducionista em que o foco principal está na doença e estamos caminhando para um novo modelo que chamamos de Personalista ou Espiritualista, onde o foco central da atenção é a pessoa.A pergunta que se faz agora não é mais que doença esta pessoa possui, mas que tipo de pessoa carrega esta doença? A própria definição de saúde da OMS já nos fala que saúde não é meramente ausência de doença, mas o estado de completo bem estar físico, mental e social do indivíduo. O modelo Mecanicista nasceu no sec XVII quando a ciência, liderada por Newton e Descartes, teve um grande avanço e se viu sufocada pelas instituições religiosas e estabeleceu um rompimento da ciência com a religião afirmando: “da ciência cuidamos nós e da religião cuidam vocês”. Com este modelo houve um grande avanço científico que contribuiu para chegarmos ao nível de excelência tecnológica que vemos na Medicina atual. Mas, por outro lado, afastou a ciência médica da pessoa humana na sua integralidade. O que vemos hoje é uma prática médica fria, insensível, instrumentalizada, com uma relação médicopaciente precária e ineficiente. Este modelo está se esgotando. Existem preconceitos por parte de alguns médicos resistentes a esta mudança, acreditando que, se voltarmos a falar de sentimentos e de espiritualidade/religiosidade com os pacientes, estaríamos promovendo um grande retrocesso na Medicina moderna. No entanto, não é isto que os estudos científicos têm demonstrado: Dr Harold Koenig numa análise sistemática de 1.200 estudos científicos, incluindo diversas doenças (hipertensão arterial, infarto, arritmia, AVC, câncer, etc) demonstrou que aqueles que possuíam um maior nível de religiosidade/espiritualidade tiveram menor incidência ou evoluíram melhor se acometidos por elas. Ainda ficamos tímidos em abordar Espiritualidade com os pacientes, porém, já temos dados científicos que nos autorizam: - a maioria dos pacientes são religiosos. No Brasil 98% acreditam em Deus e 70% tem uma religião formal. - crenças religiosas influenciam decisões médicas. - atividades religiosas estão relacionadas a uma melhor saúde e qualidade de vida. - a maioria dos pacientes gostaria que os médicos abordassem suas necessidades religiosas (60-70%). - 80-90% dos pacientes acreditam que crenças e práticas religiosas são importantes formas de enfrentar as doenças. Para 40% é o fator mais importante. Aprendemos no curso de Medicina que as doenças são causadas por agentes externos e agora, no modelo Espiritualista vemos que a fisiopatologia é inversa, de dentro para
fora. Isto muda radicalmente a forma de tratarmos as doenças. Sem mudança interior não tem cura definitiva. O paradigma Espiritualista nos leva a refletir sobre o comportamento do indivíduo, sua forma de agir, de pensar e de sentir. Como está a sua relação afetiva com ele mesmo, com os outros e com o ser supremo. Qual a razão da sua existência? Qual o significado para a sua vida? E o significado maior da vida é compreender que nascemos para aprender a amar e a servir, numa convivência salutar conosco mesmo e com os outros. Como disse o cientista Hans Selye: “Amar ao próximo é o mais sábio conselho médico de todos os tempos”. No Discurso de Pasteur aos jovens estudantes de Medicina ele sintetiza a essência deste modelo: “... Não se considerem os únicos donos da verdade e do conhecimento, pois um diploma não faz o cientista. Somente assim poderão cumprir sua missão, ser úteis ao próximo. E façam tudo com amor, pois será um dia esplêndido aquele em que, dos progressos da ciência, participar também o coração”. Dr Décio Landoli nos posiciona com muita sabedoria: “Ser médico é ser parceiro É estar ao lado e não acima É auxiliar com amor e não com prepotência É estar consciente de que a cura é atributo do enfermo e não do terapeuta É ser solidário Mas, acima de tudo, é ser humano”.
DR. WILSON AYUB LOPES Médico Cardiologista
TORNAR-SE MÉDICO Um aspecto importantíssimo relacionado ao correto exercício da profissão médica, que há muitos anos me parece óbvia, infelizmente tem passado despercebido aos olhos da grande maioria dos leigos (pacientes), estudantes e formandos em medicina: A gigantesca diferença que existe entre ser formado em medicina e ser médico: exercício competente e humanizado da medicina. “O formando em medicina só se torna médico quando recebe o diploma da humildade”. Infelizmente para muitos isto nunca acontece. Todos nós somos muito jovens quando nos graduamos em medicina, portanto absolutamente inexperientes em relação à vida, e principalmente ao complexo contexto existencial do ser humano doente, angustiado e inseguro diante do “fantasma” da morte. Não há absolutamente nenhuma dúvida de que este jovem necessita de“amadurecimento” como pessoa (tornarmos-nos precocemente adultos), para entendermos e aceitarmos corretamente o exercício de uma profissão maravilhosa, porém de enorme complexidade e responsabilidade como é a medicina. Este longo período de amadurecimento do jovem formado em medicina exige conhecimentos, mínimos que sejam, filosóficos, sociológicos e culturais (além da indispensável “frutificadora semente” de tudo isso, que é uma boa educação na infância e adolescência, através dos pais e da escola). Se este “quarteto” existencial, base do tornar-se pessoa, não fizer parte, em um futuro próximo ou distante da vida daquele que formou-se em medicina, jamais ele se tornará médico, isto é, ter atitude e comportamento competente e humanizado diante do seu paciente. Dar atenção principalmente ao doente em sua plenitude como ser humano – MEDICINA DA PESSOA - e NÃO apenas à doença – MEDICINA DO ÓRGÃO-DOENTE -. Infelizmente as escolas médicas ajudam muito pouco (quase nada) no sentido dos seus estudantes iniciarem o mais cedo possível esse processo de amadurecimento, que os tornam capazes de entenderem a complexidade existencial do seu paciente. Nas escolas médicas, não há, por exemplo, por incrível que pareça, disciplina alguma que ensine aos estudantes claramente a subjetividade e individualidade do ser humano (“psicologia”em termos mais compreensíveis). No meu modesto, porém claro entendimento, este tema fundamental para o médico, deveria ser o primeiro transmitido aos estudantes de medicina – a vida, e não anatomia – a morte. É absolutamente indispensável, pois que tenhamos uma formação pessoal de “bom caráter” e compaixão ao próximo (o paciente) que nos possibilite tornarmo-nos médicos de verdade, pois a medicina eleva-nos ao grau máximo de auto-realização pessoal quando bem exercida. Uma formação teórico-prática e sócio-cultural que nos leve a entender, como já disse anteriormente, o ser humano em sua plenitude. A teoria dos livros textos de medicina é um passo muito importante, mas apenas uma parte dela. Jamais podemos confundir o universo generalizado dos livros com o universo totalmente individualizado dos pacientes. Não existe outro caminho, além do correto amadurecimento pessoal para que os jovens formados em medicina tornem-se médicos de verdade, capazes de dispensar atenção clínica aos seus pacientes como faziam os médicos de cinquenta anos atrás, pois a riqueza máxima que a medicina nos presenteia não é status social e/ou financeiro (em toda história da medicina os grandes médicos jamais correram atrás disso) mas sim proporciona um verdadeiro sentido para nossa vida, habitualmente repleta de contradições e indagações.
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE “SÓ SE VÊ BEM COM O CORAÇÃO, O ESSENCIAL É INVISIVEL AOS OLHOS”
ANTOINE DE SAINT- EXUPÉRY
Em seu livro, “O Médico, seu Paciente e a Doença”, editora Atheneu, Michel Balint 1896-1970, psicanalista britânico, de origem húngara, versa sobre a relação médicopaciente. Seus trabalhos tornaram-se referência nos meios acadêmicos. Segundo Balint, a personalidade do médico é o primeiro “medicamento” que se administra aos pacientes. Wilson Chebabe, psiquiatra e psicanalista carioca, de quem tive o privilégio de ser aluno, nos dizia que “um ser humano ainda é o melhor remédio para outro ser humano”. Os grandes médicos de todos os tempos foram observadores agudos das emoções humanas. Não só os médicos, mas inúmeros escritores de todos os tempos atentaram para o tema. Mia Couto, escritor moçambicano, em 1998, em um de seus livros afirma: “O médico escutou tudo isso, sem me interromper. E a mim, essa escuta que ele me ofereceu, quase me curou. Então eu disse : já estou tratado, só com o tempo que me cedeu, doutor.” Vejam que interessante a captação psicológica desse escritor, na medida em que ele mostra não só a importância da relação propriamente dita como um dos seus elementos essenciais – a atenção que o médico dá a seu paciente e o tempo que ele lhe oferece para escutá-lo. Terapeuta não tem apenas o significado de curar. Terapeuta é aquele que cuida de algo, alguém obsequioso, que serve, servidor. Abraham Ekstermann, outro mestre de quem também tive o privilégio de ser aluno, dizia: “Não existem doenças psicossomáticas. Todas são psicossomáticas”. A capacidade de escutar exige uma modificação considerável do médico. O paciente é um ser humano igual a ele, médico. A missão de nós médicos é procurar acercar-se de seu paciente e procurar compreender sua existência, buscando restabelecer suas possibilidades de comunicação com o mundo. Dr. Edson Dias da Costa Psiquiatra e Psicoterapeuta
O MÉDICO ENTRE A VIDA E A MORTE “Curar algumas vezes, aliviar muitas vezes, consolar sempre”.
Segundo Joffre Rezende ¹ este aforismo que, define o compromisso médico para com os doentes e foi consagrado como divisa da própria medicina, muitas vezes é atribuído a Hipócrates. Porém, não é encontrado nos livros que integram o Corpus hippocraticum. Seu autor não é conhecido e nem se sabe quando foi usado pela primeira vez. Ao que parece aflorou naturalmente como síntese da própria medicina e do compromisso do médico para com a humanidade sofredora. Nele encontramos como deve ser nossa postura frente a vida, o sofrimento e a morte. Quando o paciente se apresenta a nós temos que exercitar o acolhimento, a escuta, o exame criterioso, o diagnóstico correto, o tratamento bem orientado. Isto só é possível se temos conhecimento. Não podemos abrir mão dos estudos, das horas consumidas em aprender um aprendizado tão perfeito quanto possível. Não importa o que digam os tempos modernos, medicina continua sendo vocação e “uma vocação é uma consagração” nos disse Sertillanges ². Façamos nosso trabalho com o entusiasmo dos apaixonados por uma grande causa. A vida de nossos pacientes é a causa maior, nosso compromisso com esta causa vai nos permitir curar algumas vezes. Porém, vai chegar o momento em que vai nos parecer ter perdido a guerra. A vida se esvai, rápida ou lentamente. A doença progride apesar de nossos esforços. Nada mais a fazer? Perdemos o paciente? Nosso conhecimento é inútil? Não. Aí descobrimos o que é ser médico. Neste momento, todo nosso conhecimento e compaixão nos levarão a investir não na doença, mas no doente e em sua qualidade de vida. Cuidaremos para que nossos pacientes sejam informados do seu quadro clínico, possam fazer perguntas e escolhas quanto ao seu tratamento ou, até mesmo, rejeitá-lo. Estaremos atentos para que não sofram desnecessariamente, sejam assistidos na dor, tenham reconhecidas suas necessidades humanas básicas (presença da família e amigos, assistência religiosa se desejar, entre outros) até os últimos momentos da sua existência. Assim, assumimos que cuidamos de pessoas e enfim vamos poder aliviar muitas vezes e consolar sempre, mesmo quando a cura não for possível.
A vida, o sofrimento e a morte são o dia a dia da medicina e o médico deve conduzir cada um deles com sabedoria.
Dra. Flavya da Silva Souza Ribeiro Patologista e Especialização em Teoria Pesquisa e Intervenção em Luto
TRATANDO DOENTES E NÃO DOENÇAS:A ALMA ALÉM DA DOR “SÓ SE VÊ BEM COM O CORAÇÃO, O ESSENCIAL É INVISIVEL AOS OLHOS”
ANTOINE DE SAINT- EXUPÉRY
Gostaria de começar nossa conversa com uma história: Uma paciente grávida de alto-risco, com pré-eclampsia, estava internada havia algumas semanas, desde a internação vinha apresentando todas as sextas-feiras um quadro de aumento significativo de pressão arterial, sem que nenhuma justificativa patológica fosse encontrada. Uma assistente social ao conversar com a mesma foi informada de que esta havia comprado recentemente um aparelho refrigerador e que a cada sextafeira desde a compra sempre realizava sua limpeza para garantir a preservação. A paciente estando internada sabia que nem seu esposo, nem seus filhos, se atentariam a essa fato. Ao perceber a importância desse processo para o bem-estar emocional e, portanto, fisiológico desta mulher, a assistente social teve uma séria discussão com o chefe da maternidade, através da qual foi obtida a autorização para levar esta mulher, em transporte hospitalar, a sua casa na sexta-feira seguinte. A mulher foi até sua residência, realizou sua “importante” tarefa e retornou a internação hospitalar sem apresentar mais nenhum outro episódio de alteração de sua pressão arterial. Nessa história tão comum percebemos a importância de uma escuta sensibilizada, em que o acolhimento do outro como “ser”, traz ao mesmo o sentimento de singularidade necessário ao seu bem estar. Imagino que ao receber um paciente, o médico esteja preparado para escutar uma série de queixas e sintomas, que após anos de estudo e sua especialização, vão lhe dar o poder de diagnosticar o mal que atormenta o outro. A consulta termina e o paciente vai embora. O médico cumpriu com seu papel, quando termina seus expediente ele sabe o número de doenças descobertas e de tratamentos receitados, está tudo no seu computador. Mas, será que sabe o número de seres humanos tocados em sua consulta? Como foi sua escuta e sua acolhida? Quais são as características desta população sofrida e suas diferenças? Qual foi a compreensão de sua cultura, de sua personalidade ou como ele chegou até nós? Porque certamente todos têm origens diferentes: há alguns com conhecimentos e sabedores de seus direitos. E há outros que possuem seu mundo, sua própria cultura que as vezes é tão frágil e porque não dizer, tão primitiva. É preciso compreender que o corpo e a vida dele lhe pertence. Até onde podemos ir sem o seu consentimento, e se por acaso ele rejeitar o tratamento proposto? Tivemos tempo para perguntar isso para ele ou com nosso conhecimento científico já determinamos passagens que serão necessárias para sua cura? Será que atentamos ao fato de que precisar de uma internação, por exemplo, pode significar a perda de sua
identidade e de sua autonomia? Nada de nosso esforço e empenho terá valor se não conseguimos chegar perto e explicar, de acordo com sua capacidade de compreensão, o que estamos propondo, permitindo sempre sua escolha, sua participação. Todos temos uma história a ser vivida. É preciso lembrar que o sim e, sobretudo o não, tem sempre que estar cheio de esperança. Precisamos ter a sensibilidade essencial e o respeito por este ser fragilizado, que espera por nós e que ao nos aproximar dele, sinta estarmos juntos. Muitas vezes o tempo é curto e somente tivemos um momento de aproximação, logo é necessário estar alertas a esse instante, porque na maioria das vezes será rápido e único. Pode ser a simples entonação da voz ou apenas uma palavra. É como se quiséssemos fotografar um pôr de sol: Se esperamos para encontrar o ângulo, escolher a lente, observar a distância focal... O sol terá se posto e teremos perdido esse momento de extrema beleza. Em nosso caso essa espera, foi o momento perdido de tocar o outro. “diferentemente de um problema matemático, o problema médico é como um presente que se recebe; ele vem acondicionado no invólucro da personalidade humana. É preciso penetrar cuidadosamente esse invólucro para saber o que está dentro”. Protásio da Luz
LUZ, Protásio L. da; Nem só De Ciência Se Faz A Cura, Atheneu, São Paulo, 2002. Margarita M. Garcia de Mateos Coordenadora do Programa de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual.
IATROGENIA NA RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE
Donald Winnicott nomeou como mãe-suficientemente-boa aquela que fosse dotada da certas capacidades fundamentais no lidar com seu bebê. Entre elas, dentro de um processo regressivo natural, reconhecê-lo pelo choro, traduzir essa “fala” fundamental na direção da necessidade, estabelecer um holding - espécie de acolhimento único -, e trocar experiências durante esse processo inicial de modo que essa troca venha a inaugurar o que Danilo Pellestrelo chamou de Pessoa. Pelo processo de escuta ativa, e internalização transmutadora de ambos inaugura-se a fala da nova Pessoa. A língua materna se estabelece como forma de comunicação mais importante - que determina a língua pátria – e passa a ser usada nas relações interpessoais ou Self-Objetais. A partir de então, Self-Objeto-Self, ou o eu-o-outro-eu forma um conjunto de comunicação muito complexo que inclui a compreensão, o afeto que se encerra aí, a possibilidade de falar do corpo (o corpo não fala da fala), das relações com o mundo. O objetivo dessa fala é mostrar a inserção da ligação médico-paciente nesse processo. Isto quer dizer que, assim como a relação mãe-bebe-mãe, o setting do atendimento é um modelo de acolhimento. Ou deveria ser. A distorção, ou perversão, desse modelo é o tema que trataremos aqui. Não deveria ser tarefa difícil para nós, clínicos, ter conhecimento de que a doença, objeto que nos traz a Pessoa doente está repleta de fatores emocionais e tem um importante papel na evolução do tratamento - a começar pela seleção de queixas que faz o paciente, consciente ou inconscientemente. Assim é que eu tenho a petulância, diante de pessoas reconhecidamente capazes de exercer tal habilidade e de alunos no mínimo muito interessados em ser um médico, de fazer tais considerações. Perdoem a incapacidade de estender tais conceitos a outros agentes de saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, que talvez, mais que nós médicos, já tenham a priori essa consciência. Neste breve resumo, concluo com exemplos de atitudes iatrogênicas do cotidiano como forma de ilustrar o que será esta minha participação no Seminário. Em uma homenagem indireta, cito algumas observações de Danilo Pellestrelo. De pronto ele preconiza que a mesa interposta entre paciente e médico obriga-o a uma postura corporal desconfortável e um inevitável estado de tensão, impedindo-o de exercer a franqueza. Sente-se interrogado, como se fosse obrigado, ao invés de falar de suas chagas, responder as perguntas corretamente. White, em The Paciente Sits Down: A Clinical Note, anotou que 55,4% dos pacientes sentam-se comodamente sem a mesa completamente interposta.
Com pacientes adultos e em alguns casos com crianças recomenda-se presentes na sala apenas o médico e o paciente. Uma terceira pessoa, seja ela quem for, julgará a necessária espontaneidade das respostas que se deseja obter. Por sua vez o médico não deve furta-se a esclarecer o que ocorre ali no setting. Como parte do tratamento, a relação não pode estabelecer um clima paranóide em que apareça a ideia de que o doutor sabe algo de mal sobre mim que não me revela. Algumas vezes, dependendo da rigidez do protocolo, o paciente confessa seus sintomas sob tortura de interrogatório. |Não quer estragar o diagnóstico pressuposto do médico. Nem sempre se confere toda a liberdade ao paciente para não responder, se assim o desejar alguma pergunta, ou interromper a entrevista se assim o desejar. Ele também tem timing. A investigação caminha do senso estrito – as informações do paciente e seu exame – para o lato, o diagnóstico formal. Não se pode enfiar uma Pessoa em um conceito. Ou seja, diagnosticar o que eu sei, não o que o paciente apresenta. Muitas anotações inscrevem um caráter persecutório, quando não são explicadas as razões. Quando, por exemplo, o médico escreve todas as revelações, alguns pacientes temerosos acham que as anotações que ficam no consultório ou passam por muitas mãos, perguntam se mostraremos aquilo para alguém. No caso de gravação ou filmagem é fácil deduzir. Carvalhal Ribas, um dos ícones da Clínica Médica, é taxativo: nenhum esquema de interrogatório deve ser rígido e deve ser moldado à história longitudinal. E não a um corte transversal apenas. Finalmente queria citar nesse pré-texto a tristemente célebre inversão na qual se solicita exames e examina-se depois.
DR.PAULO JORGE DA FONSECA BONATES
Médico Psiquiatra, Psicanalista Especialista em Medicina Psicossomática
PACIENTE NÃO É SINÔNIMO DE DOENTE
Um paciente procura auxílio médico, por que está com dúvidas e preocupações em relação à sua saúde. Apresenta um ou mais sinais e/ou sintomas, sobre os quais ele não tem nenhuma ideia (ou tem uma ideia errada) do seu significado para si mesmo. A sequência natural e óbvia seria o médico ouvir com atenção e examinar bem o seu paciente, para ter condições de ter uma conduta correta, isto é, diminuir a angústia do paciente. Infelizmente, não acontece sempre assim. Com uma frequência significativa, muitos médicos mantêm ou aumentam o nível de preocupação do seu paciente, exatamente por não ouvi-lo atentamente e assim solicitar exames complementares e prescrever “remédios” desnecessários e/ou em excesso. Estes aspectos acima expostos podem levar o médico a “transformar pacientes são” em doentes, isto é, paciente cujas queixas clínicas são apenas uma “variação da normalidade”, e que o médico quando competente sabe concluir isso com segurança. Portanto sua conduta será benéfica, e não iatrogencia, para o paciente. Quando diante de um doente conduzi-lo corretamente, e quando diante de um “paciente são”, orientálo claramente e adequadamente. De uma forma relativamente superficial (não há como se aprofundar neste complexo tema aqui) diríamos que o paciente quando procura o médico, está dentro de uma destas possibilidades clínicas: 1) Só distúrbio emocional. 2) Sintoma ou síndrome funcional. 3) Doença psiquiátrica. 4) Doença psicossomática. 5) “Doença orgânica”. 6) Paciente são. Os “pacientes sãos” geralmente apresentam o mesmo “sintoma”(sic) há muito tempo, sem nenhuma evolução clínica e nenhum comprometimento no seu estado físico. Estes pacientes existem em todas as especialidades médicas (um exemplo comum em gastroenterologia: “ tenho gases demais sempre que bebo muito leite” (sic)). Finalizando eu gostaria de dizer que na minha visão pessoal, eu considero que o momento sublime da medicina é quando o médico pode “tratar” seu paciente sem necessidade de qualquer exame complementar ou qualquer medicação. Apenas orientando-o claramente e adequadamente. Terminei esta exposição registrando esta visão pessoal, porque, frequentemente, vejo médicos “entusiasmados”, pois fizeram um diagnóstico “difícil” através de uma belíssima imagem de TC Computadorizada, porém com péssimo prognóstico para o paciente. A verdadeira medicina deveria ficar “triste” nestes diagnósticos de doenças ainda sem possibilidades de
O ENTE
Doutor, estou muito doente! Calma, meu caro paciente, vejamos o que você sente, você pode estar apenas carente. Não doutor, estou mesmo doente, tenho dor de cabeça intermitente, e azia permanente, preciso de uma endoscopia urgente. Neste momento, não preciso de um exame que complemente, não sou médico impaciente, precisamos conversar de forma sapiente, e examiná-lo mesmo aonde você nada sente, só assim faremos um diagnóstico inteligente, e um tratamento coerente. Exames pedidos de forma displicente, é coisa de médico inconsequente, que não sabe principalmente, que cada paciente tem sua própria mente, seu estômago pode queimar sem estar propriamente doente, pode ser apenas uma manifestação latente, um pedido de socorro urgente, de uma alma descontente.
ORA PÍLULAS!
O enorme progresso tecnológico dos aparelhos para diagnóstico em medicina, e também o maravilhoso desenvolvimento da indústria farmacêutica teria sido 100% benéficos para todos os pacientes, se eles fossem meros robôs, mas “infelizmente”os pacientes são, na verdade, seres humanos angustiados dentro do seu contexto existencial: CORPO – MENTE - MEIO AMBIENTE (e agora também a ESPIRITUALIDADE, pois, nos últimos 10 anos foi comprovado cientificamente, que a fé e a espiritualidade “positiva”, melhoram muito o tratamento de pacientes com doenças que dependem da resposta imunológica e doenças relacionadas ao stress). Esta criatura de Deus, física e racional (?), absolutamente individualizada por fatores psicossociais (e genéticos) – nosso paciente - podemos afirmar que para ele , obviamente o centro das nossas atenções ( pelo menos deveria ser e não as belíssimas imagens reveladas por essas poderosas máquinas) este progresso não é tão enorme assim,e muito distante dos 100%. Não sei se você se surpreende com esta afirmação, mas é muito fácil e importante explicá-la (a medicina já foi exercida sem “máquinas” e maravilhosa para o paciente - ser humano, mas hoje, infelizmente, ocorre o contrário). Vou falar, é claro, da medicina no seu sentido mais amplo possível e não de alguns pacientes para os quais o aparelho moderno foi fundamental para o diagnóstico. Quanto mais “máquinas” e quanto mais “pílulas de última geração”o médico tem à sua disposição, mais ele se distancia do seu paciente como pessoa, isto é, mais ele o “entrega nas mãos das máquinas e das pílulas. Não individualiza o seu paciente e torna a medicina uma ciência exata, dois aspectos desastrosos no exercício desta profissão. A “Medicina da Pessoa”, é a única onde há o alicerce mais poderoso para bem sustentar o paciente e tratá-lo (conduzi-lo) corretamente independente de quais sejam seus sintomas ou sua doença: A fundamental e indispensável BOA (CORRETA) RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE , muito presente antes deste maravilhoso avanço tecnológico, e atualmente cada vez mais agonizante. O único olhar correto do médico é quando ele primeiramente olha para o doente (pessoa) e depois (nunca esquecê-la , é óbvio) para a doença. Às vezes não temos muito o que oferecer para a cura da doença, mas sempre temos muito o que oferecer para melhora da qualidade de vida do doente. Esse é o compromisso sagrado do médico com a medicina, e esse compromisso com o passar dos anos, tem sido cada vez mais profanado. A boa relação médico-paciente, esta antiga e bela forma de diagnóstico e tratamento (ela,em si mesma, é muito terapêutica desde o primeiro contacto entre o médico e o paciente) com certeza ajuda 100% dos doentes. A tecnologia avançada é frequentemente usada de forma exagerada e desnecessária, ocasionando ao paciente o oposto do que ele deseja e tem direito: sentir-se amparado pelo seu médico e
consequentemente mais tranquilidade durante sua doença, por obter mais esperança de cura. As pílulas tratam verdadeiramente o paciente quando o médico “sai do consultório” junto com a prescrição feita e isto acontece exclusivamente se houver a boa relação médico-paciente. Não há outra opção para se exercer a correta medicina, portanto os pacientes que tomarem consciência de que estão sendo tratados como um órgão doente (em função das novidades médicas) e não como um ser humano doente em sua plenitude, deveriam todos gritar em alto e bom tom: “ORA PÍLULAS! ESTOU PRECISANDO DE UM MÉDICO, E NÃO DESTA PILHA DE EXAMES E DESTE CONFUSO LABIRINTO DE COMPRIMIDOS”.
Frases do livro “A Lua Cheia Nasce para Todos” (MINHA AUTORIA) RELATIVAS AO NOSSO TEMA – MEDICINA HUMANIZADA
JAMAIS ENTENDEREI POR QUE ALGUNS MÉDICOS SE DESVALORIZAM TANTO. ACHAM QUE ALGUMAS PÍLULAS SÃO MAIS IMPORTANTES NO CORRETO TRATAMENTO DE SEUS PACIENTES COM CLAROS SINTOMAS DECORRENTES DE TRANSTORNOS EMOCIONAIS (SOMATIZAÇÃO) DO QUE ORIENTADORAS E TRANQUILIZADORAS PALAVRAS SUAS.
O FORMANDO EM MEDICINA SÓ SE TORNA MÉDICO DE VERDADE QUANDO RECEBE O DIPLOMA DA HUMILDADE.
AO ENTRAR EM SEU CONSULTÓRIO, O MÉDICO DEVERIA TIRAR NÃO APENAS O SOBRETUDO, MAS PRINCIPALMENTE O “SOBRETODOS”.
ENTRE MÉDICOS O PIOR CEGO É AQUELE QUE NÃO OUVE SEUS PACIENTES.
ANDA TÃO EXAGERADA A SOLICITAÇÃO DE EXAMES EM MEDICINA QUE VAI CHEGAR O DIA QUE O MÉDICO VAI PERGUNTAR PARA O PACIENTE: “POR QUE VOCÊ NÃO FEZ TODOS OS EXAMES QUE SOLICITEI?” E O PACIENTE VAI DIZER: “FIZ SIM DOUTOR, MAS PRECISO DE DUAS VIAGENS PARA TRAZER TUDO.”
NÃO ATENDA SEUS PACIENTES CORRENDO TANTO, VOCÊ PODE SOFRER UM ACIDENTE DE TRÂNSITO.
O EXERCÍCIO DA MEDICINA EM SUA PLENITUDE
O exercício pleno da medicina só se realiza mesmo quando o médico tem uma relação tão positiva (acolhedora) com o paciente que é por ela mesma tranquilizadora (diminui a ansiedade existente em todo paciente) e orientadora, e principalmente esta relação sai do consultório junto com a prescrição feita ao paciente e permanece ao seu lado durante todo o tratamento, mesmo não estando fisicamente presente. Em outras palavras: o paciente não tem em casa apenas pílulas, mas tem pílulas e um médico no seu consciente e no seu inconsciente, melhorando enormemente sua qualidade de vida durante a “doença” por diminuir muito a sua ansiedade, e sensação de solidão e morte que qualquer doença causa ao paciente.
OS 10 MANDAMENTOS DA ATITUDE MÉDICA HUMANIZADA EM UM HOSPITAL DE ENSINO
I Sempre refira-se (ou relacione-se) aos pacientes pelos seus nomes próprios. Jamais pelo número do seu leito ou pelo nome de sua doença. II Transmita aos alunos, implícita e explicitamente a enorme importância terapêutica da correta (boa) relação médico – paciente. III Somente após “aprender bem” o exame clínico do paciente, deverá o estudante aprender exames complementares (principalmente os exames sofisticados de “belas imagens”). IV Ao iniciar-se uma aula prática com um paciente que o professor não conhece pessoalmente, apresente-se (junto com os alunos) ao paciente. V Prepare” corretamente os pacientes para o exame físico. Principalmente “as pacientes”, cobrindo-as com um lençol, respeitando o pudor de toda mulher, especialmente as mais humildes. VI Durante as visitas médicas, é fundamental respeitar o “temor” do paciente, evitando discussões clínicas “assustadoras” para o paciente na sua presença. VII Jamais sente-se no leito do paciente para conversar. (Exceção: Intervenção médica de urgência). VIII Mesmo sendo um hospital de ensino, devemos evitar barulho. Principalmente “falatório” excessivo e sapatos (doutoras) que façam “toc...toc...” ao caminhar nos corredores e enfermarias. IX
Vista-se sempre com seu jaleco branco fechado (abotoado) na frente.
X A equipe de enfermagem não é “serviçal” da equipe médica. São colegas de trabalho em prol do principal objetivo do hospital: A melhora do paciente.
DOIS LIVROS DE CABECEIRA
Recomendamos os dois livros (leitura absolutamente indispensável) abaixo citados, para os estudantes e formados em medicina que desejem exercer “medicina humanizada”.
“A Medicina da Pessoa” Danilo Perestrello Livraria Atheneu (1982)
“Tratando Doentes e Não Doenças” Aloysio Campos da Paz Junior Sarah Letras (2002)
I SEMINÁRIO SEMESTRAL DE “MEDICINA HUMANIZADA” DO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE -UFES
AUDITÓRIO ELEFANTE BRANCO 22/04/2014 20:00 HS ABERTURA
20:00 HS PALESTRA : “A MEDICINA DA PESSOA” - Dr.ª Sandra de Souza Martins
23/04/2014 MANHÃ
TARDE
08:30 HS
14:15 HS
“MEDICINA E ESPIRITUALIDADE” Dr. Wilson Ayub Lopes
09:20 HS “TORNAR-SE MÉDICO” Dr. Mário Tadeu Penedo Borges
10:00 HS COFEE-BREAK
10:20 HS “A RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE” Dr. Edison Dias da Costa
11:00 HS DEBATES
“O MÉDICO ENTRE A VIDA E A MORTE” Dra. Flavya da Silva Souza Ribeiro
15:00 HS
“TRATANDO DOENTES E NÃO DOENÇAS: A ALMA ALÉM DA DOR” Dra. Margarita M. Garcia de Mateos
15:45 HS COFEE-BREAK
16:00 HS “IATROGENIA NA RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE” Dr. Paulo Jorge Bonates
17:00 HS DEBATES
17:50 HS ENCERRAMENTO
O conteúdo desta apostilha é o “espelho” diante do qual, todos nós estudantes e formandos em medicina devemos examinarmo-nos detalhadamente (como deveríamos fazer com nossos pacientes), para que imediatamente comecemos a exercer uma medicina muito mais humanizada do que a habitualmente exercida nos dias atuais. Este é o único objetivo de todos os textos e do “ I seminário semestral de medicina humanizada do CCS – UFES”.