Revista Guará I ed.

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ISSN 2316-2007

Revista Guarรก

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Revista Guará

REVISTA

Revista Guará

EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS

Ficha técnica

Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

Conselho editorial

Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto

Heberth de Paula Iguatemi Santos Rangel Janyluce Rezende Gama José Viegas Muniz Neto Josimar Ribeiro Lúcia de Fátima Guerra Ferreira Luiz Alexandre Oxley da Rocha Luiz Antônio Dagiós Maria de Nazaré Tavares Zenaíde Maurice Barcellos da Costa Pedro Florêncio da Cunha Fortes Rogério Drago Rosiléa Maria Roldi Wille

Vice-Reitora

UFES UFES UFES UFES UFES UFPB UFES UFES UFPB UFES UFES UFES

Maria Auxiliadora de Carvalho Corassa Pró-Reitora de Graduação

Francisco Guilherme Emmerich Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Aparecido José Cirilo Pró-Reitor de Extensão

Amarilio Ferreira Neto Pró-Reitor de Administração

Maximilian Serguei Mesquita Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional

Maria Lucia Casate Pró-Reitora de Gestão de Pessoas e Assistencia Estudantil

Revista Guará Publicação Semestral da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Espirito Santo Ano I - nº 1 - Outubro de 2012 ISSN: 2316-2007

Equipe técnica Paola Pinheiro Bernardi Primo Claudia Rangel Iury do Vale Borel

Editor Aparecido José Cirilo

Ilustrações Imagens do artista Cesar Cola EDITORAÇÃO Iury do Vale Borel

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Reitor

Comissão técnica Marlene Martins de Oliveira Maria Lina Rodrigues De Jesus Antonio Lopes de Souza Neto

Revisão Vera Lucia Santa Clara

Outubro 2012

Reinaldo Centoducatte

Editora Pró-Reitoria de Extensão - UFES Tiragem: 300 exemplares Endereço para correspondência: Universidade Federal do Espírito Santo Pró-Reitoria de Extensão Av. Fernando Ferrari nº 514 Campus Universitário Goiabeiras CEP 29075-910 Vitória – ES e-mails guaraextensao@gmail.com comunicacao@proex.ufes.br www.proex.ufes.br

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Apresentação O processo de aprendizagem não pode ser vivido só para si. Para ser completo é preciso repartir, é necessário compartilhar, levar o saber científico para a interação com o saber popular, pois esta troca leva a uma formação mais ampla, completa e significativa. É nesse conceito que se baseia a Extensão Universitária.

Sumário Sumário Sumário Sumário Sumário Sumári Sumário Sumário Sumário Sumário Sumário Sumári Sumário Sumário Sumário Sumário Sumário Sumári Sumário Sumário Sumário Sumário Sumário Sumári Revista Guará

Artigos OLHAR DA PSICANÁLISE SOBRE A ANGÚSTIA NA ESCOLA . Tânia Mara Alves Prates

A Revista Guará vem com esse propósito. Compartilhar as ações extensionistas que vem sendo desenvolvidas tanto por docentes, técnicos e discentes da Universidade Federal do Espírito Santo, quanto de outras instituições nacionais, buscando a missão da extensão universitária para realizar o intercâmbio de conhecimento, o envolvimento da comunidade, despertando, ampliando e consolidando a integração academia e sociedade, numa relação transformadora. Cumprir essa missão na forma de um periódico requer a elaboração de um material ao mesmo tempo instigante e desafiador. Afinal, preparar uma revista consistente que seja ao mesmo tempo técnica e informativa, exige a organização de bons textos, inspiradoras imagens e a junção disto em um projeto gráfico amigável e que fomente a leitura. A cada número de GUARÁ iremos focar em duas áreas temáticas da extensão, das oito estabelecidas pelo Plano Nacional de Extensão, publicado em novembro de 1999, a saber: Comunicação, Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia e Produção e Trabalho. Nesta primeira edição os textos estão baseados em trabalhos realizados nas áreas de Educação e Direitos Humanos, foco definido pelo emergente necessidade de consolidação de políticas públicas para garantia da integridade humana e cidadã. Neste número, reunimos artigos sobre formação continuada de professores e profissionais da educação para o combate à violência contra a criança e adolescente; educação em direitos humanos; diversidade e pluralidade religiosa. Enfim, procuramos mostrar nesta edição muito do que se faz na extensão universitária em sua interface com o ensino e a pesquisa. Evidenciamos como as ações de extensão se colocam como agentes de transformação e consolidação num país que além da igualdade para todos, busca a erradicação da miséria e fome, entendendo para além de programas de geração de renda. A extensão universitária ensina a pescar e, associando saberes e fazeres populares ao conhecimento produzido pela academia, é uma eficaz parceira das políticas públicas para uma transformação sustentável do Brasil.

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A Rede de Formação Continuada e a formação dos educadores da Rede Municipal do Estado do Espírito Santo em Introdução à Língua Brasileira de Sinais. Kelly Christine Lisboa Diniz

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A Escola e a Educação em Direitos Humanos . Nathalia Foditsch . Rosiléa Roldi Wille

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NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: UMA CAMINHADA NA EXTENSÃO Flavia Batista Portugal . Marilene Gonçaves França . Vitor Buaiz, Marluce Miguel de Siqueira

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PROJETO AFRID - ATIVIDADES FÍSICAS E RECREATIVAS PARA A TERCEIRA IDADE - Geni de Araújo Costa A FAMÍLIA, A ESCOLA E A LÓGICA DO FRACASSO ESCOLAR . Hítala Maria Campos Gomes

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EXPERIÊNCIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE ABRIGO Ana Paula dos Santos . Carla Ramos da Silva Mello . Edinete Maria Rosa . Mônica Rocha de Souza ESCOLA QUE PROTEGE: UMA AÇÃO INTEGRADORA DA ESCOLA À REDE DE PROTEÇÃO.

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PROGRAMA DE ATENDIMENTO AO ALCOOLISTA: 20 ANOS DE ENSINO, EXTENSÃO E PESQUISA Mônica Nogueira Altoé . Patrícia Rossetto Cortes . Bruna Trindade Ambrósio . Marluce Miguel de Siqueira

Entrevista Entrevista com a coordenadora do projeto PAVIVIS - Margarita Martin

ENSAIO VISUAL ENSAIO VISUAL COM O ARTISTA PLÁSTICO CAPIXABA CÉSAR COLA

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Tenha uma boa leitura! Aparecido José Cirilo Pró-Reitor de Extensão

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ENSAIO TECENDO RELAÇÕES – REVELANDO BRASIS . Luiz Antonio Gastardi . Celia Barbosa Da Silva Pereira E Maxsander Luiz De Almeida

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Editorial A sociedade contemporânea caracteriza-se pela convergência de pensamento sobre o papel das universidades brasileiras, as quais devem ser condutoras do processo de transformação sustentável da nação. Mais que gerar conhecimento científico e tecnológico, as instituições de ensino superior devem primar pelo seu papel cultural e, sobretudo, pela sua ação irradiadora do pleno desenvolvimento humano. Neste sentido, a conjunção das ações de produção e construção de conhecimento, tão típica das ações de pesquisa e ensino, tem a completude de sua dimensão quando estes saberes instituídos na e pela academia são compartilhados pelo todo social, atuando como agente de catalisação do desenvolvimento humano. Este nos parece ser o papel primordial da extensão universitária: colocar-se à frente nas transformações necessárias para se poder falar em uma revolução do saber, mediado pela compreensão de que há um nó de interação entre os saberes da academia e os saberes e fazeres das comunidades nas e com as quais a universidade interage. A extensão universitária nasceu com um forte apelo para a assistência, e, ao longo de seu processo de amadurecimento nas universidades, foi transformando-se e assumindo um papel gerador e promotor de conhecimento, mediando o saber acadêmico e as práticas culturais – entendidas agora com a complexidade dos apelos contemporâneos. Hoje, mais que nunca, a extensão coloca-se como um ponto flexível e dinâmico de interface entre as universidades e as sociedades onde estão inseridas as universidades. Por meio dela, disponibiliza-se ao público o conhecimento, mas dele toma, para si, o saber popular que humaniza a academia. A Extensão é uma ação que produz novos conhecimentos, tanto para as universidades, quanto para a sociedade; e o faz por meio de ações trabalhadas e articuladas com o ensino e a pesquisa, sendo agente na compreensão e diversidade das realidades. Assim, é com grande satisfação que lançamos a vocês a primeira edição da Revista Guará. Uma publicação Semestral da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (PROEX-UFES); é um periódico institucional indexado e constitui-se em uma forma de publicar e compartilhar as ações desenvolvidas no âmbito da interface da UFES com a sociedade capixaba e nacional, mas, sobretudo, uma evidência de que a interação ensino, pesquisa e extensão, mais que uma utopia constitucional, é um fato em nossa universidade. Os seus números serão temáticos e se estruturam a partir da conjunção de áreas de afinidade em nossa universidade. Deste modo, nessa primeira edição encontram-se produções extencionistas ligadas aos Direitos Humanos e Educação. Esta edição de lançamento nos revela não só artigos e entrevistas, mas é uma evidência de que os textos visuais também se colocam com um forte elemento catalisador da transformação sensível da sociedade: por isto, cada número trará um ensaio visual do cenário artístico ou cultural capixaba. Não limitaremos esforços para que este número da revista seja um entre os muitos que serão publicados para contribuir com o diálogo e as produções da Extensão Universitária da UFES em sua interface com a geração, produção e circulação do conhecimento, contribuindo assim para que possamos cumprir a missão desta universidade de Gerar avanços científicos, tecnológicos, artísticos e culturais, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, produzindo e socializando conhecimento para formar cidadãos com capacidade de implementar soluções que promovam o desenvolvimento sustentável.

Professora Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto Vice-Reitora da UFES 6

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Olhar da Pscicanálise

sobre a angústia NA ESCOLA Tânia Mara Alves Prates1 RESUMO As escolas recebem jovens que vivenciam angústias geradoras de conflitos e sintomas. À criança, saber de seus problemas favorece que ela os possa resolver. Esta é uma clínica onde um adulto recebe a palavra e o sofrimento dos jovens, escutando-os e colocando normas eficazes para substituir ações destruidoras por um lugar possível no mundo.

PALAVRAS CHAVES dificuldade escolar; angústia; psicanálise, atendimento familiar

1. Médica, Psicanalista e Psiquiatra. Professora adjunta aposentada e voluntária do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Doutora pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USPSão Paulo. Coordenadora do Programa de Extensão Cada Doido com Sua Mania e do Projeto A Clínica na Escola: acompanhamento psicoterápico da criança com dificuldade escolar.

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Introdução As experiências vivenciadas pela equipe do Projeto de Extensão A clínica na escola: acompanhamento psicoterapêutico da criança com dificuldade escolar reafirmam a necessidade de um trabalho interdisciplinar visando a melhoria das condições de aprendizagem e promoção de inserção e de interação desta criança com o ambiente escolar, oferecendo espaço de escuta de suas angústias e conflitos. Nesse sentido, o projeto tem atuado desde 1998, na Escola de 1º Grau José Áureo Monjardim2 , em Fradinhos, Vitória-ES. O projeto está vinculado ao Centro de Atenção Continuada à Infância, à Adolescência e ao Adulto – CACIA do Programa Cada Doido com Sua Mania – CDSM, contando com a parceria da Universidade Federal do Espírito Santo, da Secretaria da Saúde – SESA e do Núcleo de Psicologia Aplicada da UFES através do Estágio Supervisionado “Psicanálise com crianças, adolescentes e adultos”. Olhar da Psicanálise sobre a Angústia na Escola A criança traz qualquer coisa de inédito e ela contribuirá para a edificação do mundo que a recebeu. Freud apontava que aqueles que se preocupam com as crianças têm por função lhes dar vontade de viver e interesse pelo mundo. O pequeno sujeito irá entrar na ordem da cultura, nele vai ser introduzida uma dimensão subjetiva que deve levar em conta a pulsão pela qual o pequeno homem e a pequena mulher resistem ao ideal normativo e à identificação. Esta resistência é a invenção de cada criança, que deve encontrar um lugar no mundo que a precede.

A criança não deve ser deixada ao seu próprio destino,deve-se acolhê-la,dar lugar à sua invenção singular. Isto introduz responsabilidades no mundo dos adultos no qual elas serão recebidas. Se este lugar daquele que a acolherá estiver vazio, a criança corre o risco de ter que se virar sozinha. Assim, faz-se necessário que adultos estejam disponíveis à criança até que ela possa dispensá-los. A primeira instituição que atravessa a criança é a família. Nesta, a criança tem a possibilidade de estruturar-se como sujeito e desenvolver suas chances de sobrevivência e adaptação ao mundo. Sua estruturação depende do lugar de desejo que ela ocupa para cada um dos pais ou dos que ocupam as funções parentais. Na família, a criança tem a chance de viver os sofrimentos necessários à sua constituição enquanto sujeito desejante, submetida às vicissitudes das leis e normas familiares. É neste espaço que a criança vai tentar resolver suas grandes questões de existência e de saber: - Quem sou eu? O que querem de mim? O que tenho? Sou homem? Sou mulher? Pode-se dizer com Lacan, que a criança é o sintoma dos pais. Assim como seus pais resolveram - ou não - suas questões de existência, estes irão colocá-las em cena nas suas relações com a criança. Por isto, nem tudo às vezes dá certo e a criança nem sempre se desenvolve harmoniosamente. A criança pode, além de ser o sintoma dos pais, apresentar sintomas que denunciem estas questões. Assim, ela pode adoecer e não se desenvolver plenamente, ser

2. Escola de 1º Grau José Áureo Monjardim – JAM – Vitória. Parceria UFES/PROEX – PMV – ES.

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excluída do campo da linguagem e do saber, bem como apresentar sintomas de menor ou maior gravidade na esfera psíquica. A criança tem uma segunda chance - segunda como ordem de importância, que é a escola. Na escola, principalmente nas precocemente apresentadas, como a creche e a pré-escola, a criança com dificuldades no seu processo de desenvolvimento tem a possibilidade de encontrar um ambiente mais saudável e mais acolhedor, menos submetidos às questões de existência de seus familiares e resolver junto com os professores e seus amigos as grandes questões de sua inserção no mundo humano. A psicanálise pensa a criança como ser ativo, com necessidades e demandas específicas para este período. Na época em que a criança vai para a creche, ela está traçando os alicerces fundamentais de sua estruturação como sujeito humano. É um período importantíssimo na vida da criança, pois nesta ocasião ela aprende a se locomover, a falar, a organizar suas expressões e desejos e fundamentalmente a resolver questões próprias estruturantes sobre sua origem - quem sou eu? - que inclui a própria noção do eu e do desejo e também questões sobre sua identidade de gênero: - quem sou eu, homem, mulher? Como as crianças entram no saber? Perguntando, brincando e com o corpo (fazendo, desenhando, dançando etc.). Esta entrada no saber, que é uma demanda da criança, vai levá-la à aprendizagem das coisas e das letras. Mas a criança coloca nesta busca todo o seu ser, real e fantasístico. Por exemplo: se a criança acha - porque lhe foi dito assim - que seu interesse pela descoberta da sexualidade é sujo, vão aparecer sujeiras quando escreve como uma tentativa de denúncia e 10

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resolução.Se a criança se sente culpada pelos seus interesses, esta culpa vai aparecer. Se a criança é muito reprimida pelos adultos, ela vai ter poucas possibilidades de perguntar e aprender. Isto que se chamaria de repressão tem a ver com dizer a verdade das coisas do mundo. Como acontece esta repressão? Não dizendo nada ou dizendo muito mais do que a criança suporta, que poderia ser uma hiper-repressão ou uma hiper-liberdade. Se a criança está mergulhada num ambiente muito agressivo e não acolhedor, toda sua libido estará direcionada para entender o que acontece na sua família ou no ambiente onde ela vive e vão sobrar pouco interesse e libido direcionados à escola. Esta criança precisa ser ouvida nessa sua questão primordial para que a escola tenha alguma chance de incluí-la num saber mais generalizado e mais socializado. O convívio com outras crianças facilita a aquisição destas descobertas, mas é necessário um adulto que acompanhe este percurso e a ajude a organizar estas questões e a suportar o sofrimento necessário que estas descobertas impõem, como a perda da onipotência irrestrita, do narcisismo preponderante e da noção de que sempre haverá alguém para supri-la totalmente. A parte mais importante desta tarefa cabe aos pais, mas eles podem ter uma grande ajuda da creche e da escola para a resolução destes desafios. A escola tem que se preparar para a beleza e o fascínio que é participar da entrada da criança neste universo estruturante da linguagem e da sociedade. A escola deve ser aquela que permita à criança ser ativa e a expressar as suas questões com a propriedade e diferenciação própria de cada criança. Assim, já não se pensa mais a

escola produzindo uma pedagogia de processos massificados e rigidamente estruturados, mas que permita à criança a livre expressão e produção. Com isto, ela poderá expressar mais facilmente e com menos sofrimento suas questões de identidade. Uma escola assim poderá permitir muito às crianças, principalmente apreender a noção de que sempre haverá algo que falta e a se organizar em cima desta premissa básica da humanização. Isto, muitas vezes, deixa os pais culpados e por dificuldade de lidar, eles próprios, com suas perdas e faltas, têm a vontade de dar a seus filhos tudo o que tiveram e o que a eles faltou. A escola pode ser o lugar de mostrar às crianças as normas e valores que regem a sociedade e a facilitar sua entrada no processo de socialização, seja através do convívio com as professoras e com os amigos, bem como com as próprias leis institucionais que elas desde cedo aprendem a reconhecer e a respeitar. Para o jovem que encontra dificuldade em se socializar e aceitar as normas cabe ao adulto não colocar normas mais rígidas, mas ir além delas e entender o detalhe deste sujeito, não no sentido de uma homogeneização, mas no sentido de uma orientação que respeite sua singularidade, tomando-a, no entanto, pelo conjunto das normas sociais. Dar a cada um a mesma oportunidade de integrar-se não significa dar o mesmo, mas levar-se em conta as variações necessárias detrás do detalhe do sintoma de cada um.

A função do adulto responsável, interdisciplinarmente orientado, é tirar a criança do domínio da pulsão de morte e destruição, e ajudá-la a encontrar as ficções necessárias para construir sua história com possibilidades de inclusão no mundo. Permitir a criança um percurso singular, fora dos aspectos danosos do seu gozo pulsional e do gozo pulsional dos seus pais. A criança tem outras chances neste seu processo de estruturação como os parentes, os amigos, os vizinhos, outros profissionais como médicos e recreadores que podem ajudá-la neste percurso a ser trilhado na infância e que podem suprir o que faltou na família e na escola. Quantas vezes uma palavra bem dita por um vizinho ou um médico ou um amigo produz um grande efeito na vida de uma criança? Muitos profissionais, de diversos campos, estão se aprofundando e se comprometendo com as vicissitudes de que sofrem os jovens de nossos tempos. Buscam novas respostas frente ao horror e à impotência que os sofrimentos e ações dos jovens (às vezes violentas,loucas e transgressoras) confrontam o profissional, principalmente em serem adultos em um mundo que se infantiliza e se desresponsabiliza cada vez mais. Talvez tenha chegado a hora de trazer à cena o trabalho junto a crianças e adolescentes desenvolvido tanto no NPA3 , no Projeto de Estágio “Psicanálise com crianças, adolescentes e adultos”; no CACIA4 do Programa de Extensão Cada doido com sua mania CDSM, da UFES - que recebe crianças e adolescentes encaminhados pelo Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória; e na

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.Núcleo de Psicologia Aplicada da Ufes.

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.Centro de Atenção Continuada à Infância, à Adolescência e ao Adulto.

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Escola de Primeiro Grau José Áureo Monjardim da PMV no qual é desenvolvido o Projeto de Extensão da UFES “A clínica na escola: acompanhamento psicoterapêutico da criança com dificuldade escolar”,no sentido de mostrar o quanto se aprende quando verdadeiramente se escuta as crianças e suas famílias. Jamais vou me esquecer de uma criança de cinco anos que chegou ao NPA como epiléptico. Havia algo no seu discurso e no de sua família, bem como na conduta clínica, que fazia interrogar este diagnóstico. Foi esclarecido que a criança teve um ataque na creche e quando a mãe chegou para buscá-lo escutou: “Seu filho teve um ataque epiléptico”. Ela ficou perplexa e o repetiu para o médico que por sua vez selou o diagnóstico: “Seu filho é epilético”. Coube ao analista que o atendeu interrogar estas circunstâncias e retirar a criança deste lugar que não era o seu. A criança apresentava dificuldades - era irritadiça, pirracenta e angustiada - mas que não eram da ordem da epilepsia e coube ao analista observar e escutar corretamente o que a criança queria mostrar com seu sintoma. Uma conduta de escuta permite à criança e à família dizer na relação com o profissional, que o acolhe e o escuta, o que está acontecendo. A quem está escutando cabe suportar e sustentar este lugar com os recursos disponíveis na sua formação profissional e na Instituição onde ele está trabalhando. O projeto de extensão5 , desenvolvido desde 1998, tem tido como objetivo oferecer um espaço psicoterapêutico para crianças com dificuldades na escola.O primeiro passo tem sido o acolhimento da demanda dos educadores e das crianças. Após este acolhimento, têm sido realizadas entrevistas

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com as crianças e seus pais para uma compreensão diagnóstica. As crianças com dificuldades foram encaminhadas para psicanálise. Durante a atuação da equipe, foi observado que as crianças participavam, contribuíam e se responsabilizavam pelo seu trabalho terapêutico, surpreendendo a forma como elas respondem ao tratamento. Por exemplo, elas queriam conversar com o analista e pouco a pouco seus sintomas tendiam a ceder. Outro fato curioso ocorrido na escola foi a procura espontânea de crianças e adolescentes, que buscavam um espaço de escuta, sem ter sido encaminhados pela professora ou pedagoga. Alegavam que perceberam o quanto seu amigo melhorou, ou ouviu dizer que uma amiga estava gostando muito ou mesmo já traziam uma questão para ser tratada. Esta demanda dos jovens sempre foi acolhida, respeitando seu pedido. Com a diminuição da angústia, os conflitos, as dificuldades familiares e escolares apresentaram uma melhora, o que favoreceu a participação da criança na escola e contribuiu para surgir uma alegria pela vida que não se via anteriormente. Foi observada uma grande implicação dos pais neste projeto, tanto como co-partícipes do tratamento e da educação de seus filhos quanto por trazer questões relativas às suas próprias vidas incluindo a paternidade e a maternidade. A experiência vivida neste projeto nos ensina que possibilitar que uma criança tenha noção de seus problemas favorece que ela possa resolvê-los com a chance de ter uma vida mais responsável e feliz. Dá-se lugar assim, a uma nova conduta onde um adulto possa receber a palavra e o sofrimento dos jovens, escutando-os e oferecendo-se para acolhê-los.

Outro ponto a se destacar é que na interação com esta equipe, os professores e orientadores passaram a escutar melhor os alunos, o que contribuiu para um melhor processo de aprendizagem. Também foi relevante o que esta demanda causou naquele que estava escutando o que o jovem ou sua família tiveram a dizer. Muitas vezes, esta escuta provocou angústias que fez o profissional da educação buscar mais saber e mais recursos na sua própria subjetividade e na Instituição onde estava atuando, para poder ter uma ação eficaz no sentido de oferecer uma análise e solução possíveis à questão em causa. No CACIA, tem sido um desafio receber crianças que sofreram graves acidentes, estavam adoecidas do corpo e da alma, em briga com suas famílias e com tentativas de suicídio numa época quando deveriam estar brincando de bonecas e carrinhos. Tem-se tentado entender o detalhe de cada criança, levando em conta sua família e o sintoma que os une e principalmente respeitar que lugar do jovem é na escola, jamais interferindo neste espaço sagrado e libertador para eles. Este trabalho tem sido feito através de oficinas terapêuticas (modelagem, imaginação usando jogos, comunicação social, contos, mosaico e sucatas), atendimentos individuais e familiares. Apesar de gratificante quando bons resultados são alcançados, não é fácil trabalhar com jovens, principalmente porque eles trazem ao centro da cena a criança e o jovem que fomos algum dia.Esta criança e o jovem que habitam em nós precisam estar bem tratados e acalmados para que a angústia não compareça do lado do profissional e ele tenha mais neutralidade psíquica para se colocar ao lado do jovem, entendê-lo, ser de valia para ele e realizar seu trabalho com competência e felicidade.

REFERÊNCIAS 1) CENTRO INTERDISCIPLINARIO DE ESTUDIO SOBRE EL NIÑO. Detras de las normas, el detalle: como responden los sujetos a los tropiezos de las regulaciones actuales. Buenos Aires Julho de 2000. 2) DOLTO, Françoise. O caso Dominique. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 3) ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE – MG. Psicanálise e Saúde Mental. Curinga, nº 13. Belo Horizonte: EBP – MG, 1999. a)A criança entre a mãe e a mulher. Curinga, nº 15 e 16. Belo Horizonte: EBP – MG, 2001. 4) FREUD. Sigmund. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. 5) LACAN, Jacques-Marie. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. a) O Seminário. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. b) O Seminário. Livro 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. c) O Seminário. Livro 4. As relações de Objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. d) O Seminário: Livro 5. As Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar,1999. e) O Seminário. Livro 8. A Transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. f) O Seminário. Livro 10. A angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. g) O Seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. h) O Seminário. Livro 17. O avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. i) O Seminário. Livro 20. Mais Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. j) Nota sobre a criança. In Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 6) LEFORD, Rosine. O nascimento do outro. Salvador: Fator, 1984. 7) LEFORT, Rosine. e LEFORT, Robert. Marisa - A Escolha Sexual da Menina. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 8) MANNONI, Maud. A primeira entrevista em Psicanálise. Rio de Janeiro: Campus. 1982. 9) MILLER, Judith (Org.) A Criança no Discurso Analítico. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 10) MILLER, Jacques Alain. A. Los signos del goce. Buenos Aires: Paidós, 1999. a) El banquete de los analistas. Buenos Aires: Paidós, 2000. 11) SAURENT, Marie-Jean. O infantil e a estrutura. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 1998. 12) SPITZ, René. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 1979. 13) VOLNOVICH, Jorge. Lições introdutórias à Psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1991.

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.A Clínica na Escola: acompanhamento psicoterápico da criança com dificuldade escolar.

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A Rede de Formação Continuada e a formação dos educadores da

Rede Municipal do Estado do Espírito Santo em Introdução à

Língua Brasileira de Sinais Kelly Christine Lisboa Diniz

Licenciada em Letras-Português – Ufes1

Resumo O trabalho aborda a questão da formação continuada no contexto educacional contemporâneo como possibilidade para se repensar a melhoria da qualidade do ensino do país e da qualificação profissional dentro da sala de aula. Tomamos como princípio o programa do MEC – Rede de Formação Continuada – para pautar nossas observações em torno de que não é só papel do profissional ser consciente de que sua formação não termina na licenciatura adquirida, mas que também cabe aos órgãos públicos competentes motivar seus educadores e dar suporte para que esses se capacitem cada vez mais de modo a atender a demanda e a necessidade de seus alunos. Acreditamos, mediante a experiência do programa, que formar (ou reformar) o profissional da educação por meio de uma formação continuada proporciona, ao mesmo tempo independência profissional e autonomia para decidir sobre o seu trabalho e suas necessidades de pesquisa contínua. Palavras-chave Formação continuada, professor, CEFOCO, LIBRAS2

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.Responsável pelo Curso de Formação Libras do CEFOCO – Centro de Formação Continuada da Ufes. .Linguagem Brasileira de Sinais

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A REDE DE FORMAÇÃO CONTINUADA A Rede de Formação Continuada surgiu devido Essa sucinta apresentação da Rede, na verdade, à necessidade de melhorar a formação dos tem a finalidade de mostrar que a formação professores em âmbito nacional. Para que continuada, durante algum tempo relegada a esse projeto se consolidasse, a Secretaria de programas falidos, sejam estaduais ou municipais, Educação Básica – SEB – uniu-se a Universidades ganhou uma amplitude maior e, mais ainda, de todo o país com o intuito de formar Centros recebeu o apoio da instância Universitária, espaço de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação. tido como tão distante das ações práticas e do Cada Centro, de acordo com o ideal proposto, diálogo com as outras instâncias da sociedade. seria responsável por equipes que coordenariam a elaboração de programas voltados para a A UNIVERSIDADE E A IMPORTÂNCIA DA formação continuada de professores de Educação PARTICIPAÇÃO EM FORMAÇÃO CONTINUADA Básica.A princípio, foi pensado A universidade só aparece no apenas nos profissionais que cenário da educação básica a estivessem em exercício nos partir da metade dos anos 80, Ninguém nasce Sistemas Estaduais e Municipais quando a LDB nº 9.394/964 educador ou marcado de Educação. assinalou que a formação para ser educador. A de professores de todos os gente se faz educador, Pensou-se em REDE de formação, níveis seria realizada em a gente se forma, pois o propósito seria que, depois nível superior, uma vez que, como educador, de um programa elaborado e anterior a essa lei, admitia-se a permanentemente, na finalizado por cada Universidade formação de professores das prática e na reflexão conveniada à Rede, os cursos e séries iniciais e da educação da prática materiais fossem disponibilizados infantil em nível médio. (Paulo Freire)3 aos outros Centros também pertencentes à Rede e com Essa lei previa, no entanto, a finalidade de formação um engajamento por parte continuada. A Universidade Federal do Espírito das Universidades com relação à necessidade Santo acreditou na proposta e participa da de pesquisas efetivas nessa área que ficou por Rede como um dos Centros, sendo responsável muito tempo relegada à opinião de que as pela Educação Matemática e Científica. Na rede professoras eram meras “tias”, constituindo o há outras áreas de atuação: Alfabetização e ambiente nas séries iniciais como uma simples Linguagem; Ciências Humanas e Sociais; Artes e extensão do ambiente familiar. Educação Física e Gestão e Avaliação da Educação. Cada uma dessas grandes áreas, são subdivididas Pensar a formação e a pesquisa do professor em áreas menores e coordenadas por no mínimo na dimensão acadêmica significou entender 3 (três) Universidades. essa formação em uma perspectiva social e não

3. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991, p.58. 4. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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mercadológica, como se tornaram os Institutos de Educação Superior espalhados pelo país. O processo inicial de formação seria uma resposta não apenas aos apelos da área, devido aos baixos índices da educação brasileira, mas ainda, o processo continuado dessa formação seria a contrapartida dos desafios do cotidiano escolar. Ou seja, a formação inicial do profissional da educação supre uma lacuna de conteúdo, investigação científica a respeito das problemáticas da educação. A formação continuada, por outro lado, vem em auxílio da motivação do profissional, da constante necessidade de investigação e inovação das suas práticas. Algumas Universidades, no entanto, mesmo com o ideal do MEC5 de criar uma Rede de Formação, entendendo rede como um emaranhado, interligações de conhecimentos, não atenderam a essa chamada responsável de formação continuada à comunidade, pois preferiram se tornar setores financeiramente rentáveis, uma vez que o professor, mesmo de Universidades Públicas, é tão mal remunerado. Dessa forma, algumas instituições de nível superior se tornaram meros escritórios privados de prestação de serviços, objetivando qualificar para o acesso a melhores salários. O Centro de Formação Continuada da UFES teve, de início, uma grande dificuldade de conquistar a credibilidade de seus parceiros, a saber, os municípios do Estado do Espírito Santo. Um dos motivos foi a falta de crença em mais uma ação falida do governo federal; outra

razão dizia respeito à desconfiança em serviços gratuitos oferecidos pela Universidade e de que ela de fato, a partir de então, estabeleceria essa comunicação com a comunidade, com a Educação Básica. Esse sentimento se explica porque a Universidade é vista atrás de seus muros como um ambiente fechado e intransponível, enquanto que o propósito dos cursos superiores, principalmente no que diz respeito aos públicos, é o de atender a contento à comunidade que paga altos impostos para sustentar uma estrutura de nível superior. Passando das dificuldades para o êxito do programa é mister afirmar que o intercâmbio estabelecido entre alguns professores parceiros da iniciativa do Centro de Formação Continuada, o próprio Centro e a comunidade de professores do Ensino Fundamental foi enriquecedor. As experiências são ímpares, porém os números e os relatórios provam mais, a formação não só valeu a pena do ponto de vista quantitativa, mas, ainda mais, do ponto de vista qualitativo. Apesar de atender ao ideal da Rede de Formação Continuada, o Centro de Educação Matemática e Ciências e de ter, na sua maioria, oferecido cursos e confeccionado material dentro dessas áreas, como: “Terra e Universo”, “Potências e Raízes”, “Geometria”, etc; o CEFOCO ficou atento às muitas demandas do Estado do Espírito Santo e ao fato de que, de acordo com a lei, a educação deve cada vez mais atender à inclusão de portadores de necessidades especiais, indígenas, afrodescendentes, etc. Dessa forma, em parceria com professores do Departamento

5. Ministério da Educação e Cultura

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de Letras, com o apoio de alunos ligados à pesquisa, investiu na articulação de um curso de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para atender à educação dos surdos. LIBRAS E O CONTEXTO EDUCACIONAL Este curso foi pensado em razão da observação da necessidade de se trabalhar com a inclusão a partir da maior demanda do Estado. De acordo com levantamentos da FENEIS6 os dados sobre a exclusão escolar dos surdos são alarmantes.

Censo Demográfico - 2000 Total de pessoas c/surdez no Brasil

5.750.805

Total com idade entre 0 - 17 anos

519.460

Total com idade entre 18 -24 anos

256.884

Censo Escolar 2003 (MEC/INEP)

Total Surdos matriculados

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Ensino Básico

Ensino Médio Concluído

Ensino Superior (iniciado)

56.024

2.041 (3%)

344 * 90% na rede privada de ensino

Total de crianças e jovens surdos = 776.344;

Pelos quadros abaixo, pode-se perceber como era de extrema importância e urgência que medidas fossem e continuem sendo tomadas no sentido de promover uma verdadeira inclusão escolar dessa significativa parcela da população e uma capacitação dos profissionais que lidam com essa comunidade. Essa formação vem assim contribuir para se repensar sobre o que vem a ser uma educação de qualidade para os surdos, porque não basta a inclusão deles no sistema escolar, eles precisam permanecer e terminar o ensino médio, já que dos pouquíssimos que conseguem estudar, apenas 3% terminam essa etapa, tomando como exemplo os dados referentes à população de surdos do Rio de Janeiro, divulgados pelo FENEIS7 e MEC nos anos de 2000 e 2003.

Diante dos dados apresentados, 710.320 surdos ainda estão excluídos, ou seja, o número de profissionais para atendê-los deve estar equipado para se engendrar nesse desafio de inseri-los no sistema escolar. A língua brasileira de sinais ainda é vista, por muitos profissionais da educação, como mais uma forma de o surdo se comunicar, ou seja, como uma simples alternativa para aqueles surdos que não desenvolveram o oralismo. Esses profissionais não a encaram como uma língua com a qual os surdos podem se valer para interagir com a sociedade. Esta visão oralista da sociedade e dos profissionais que trabalham com surdos, por conseguinte, tem estabelecido uma imposição social que marginaliza o surdo que, na prática, não consegue alcançar o modelo de linguagem oral-auditivo. Com o Decreto de LIBRAS, no Brasil, temos o início de algumas ações, como a instituição da lei de Libras em 2002 (10436/02); ações mais contundentes como o decreto que regulamenta a lei 5626/05, criando, assim, o Curso de Graduação Letras - Libras voltado, preferencialmente, para surdos que pretendem fazer essa formação para dar aula de Libras. Foi instituído, também, o PROLIBRAS, que é um exame de proficiência dado pelo MEC para avaliar e certificar os usuários de Língua de Sinais em quatro categorias: Surdos usuários de

No entanto, essas ações não levam em conta a formação do docente que estará à frente desta empreitada. Muitos desses profissionais trabalham com um público que teve contato com a língua de sinais, mas não é compreendido no seu meio escolar, e outros são obrigados a trabalhar o oralismo, por não terem sequer contato com LIBRAS. O Centro de Formação Continuada da UFES, juntamente com a pesquisadora e intérprete Lucyenne Matos da Costa e o pesquisador e também intérprete Jefferson Bruno Moreira Santana, preparou um material direcionado para as perguntas mais recorrentes dos profissionais que lidavam diretamente com o surdo na sala de aula. Estruturamos o curso em forma de vídeoconferência a fim de aumentar a capacidade de participantes na iniciativa. O resultado com relação ao número de inscrições superou as expectativas, porém mais surpreendente ainda foi o número final catalogado para receber o certificado das 25 horas de palestras por vídeoconferência, totalizando 210 participantes e mais duas turmas de 30 alunos que puderam assistir mais 40 horas de curso de maneira presencial.

Além de certificar os intérpretes (também nos níveis médio e superior). Citamos ainda a criação dos CAS8 como centros de capacitação e aperfeiçoamento nessa área, ainda em implementação em no Espírito Santo.

Não foram apenas esses resultados que motivaram o CEFOCO a continuar a difícil tarefa de incentivar o profissional da educação em sua atuação,mas também por perceber uma resposta satisfatória à ação tomada por parte de todas as Secretarias Municipais de Educação do Estado. Defendemos a idéias de que para impulsionar novas possibilidades na educação e aspirações, não se faz necessário, como defende Nietzsche9 apenas conhecer melhor o ser humano, ou, no caso, o professor, antes, devem-se oferecer novas aberturas para aqueles que estiverem dispostos a isso.

6. Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos 7. http://www.feneis.com.br

8. Centro de Atendimento ao Surdo 9. (apud ELZIRIK, M. F. Dispositivos de inclusão: invenção ou espanto.

LIBRAS de nível superior; Ouvintes usuários de LIBRAS de nível superior; Surdos usuários de LIBRAS de nível médio; Ouvintes usuários de LIBRAS de nível médio.

FORMAÇÃO CONTINUADA E SEUS AVANÇOS EM LIBRAS NO CEFOCO Para oferecer mais aberturas aos profissionais que estão na ponta da educação dos surdos, foi preciso montar um curso com um maior número de horas, embora, devido a espaço físico e recurso humano, se reduzisse o número de vagas. Projetamos algo para que a carga horária por si só não fosse o atrativo principal, mas sim o contato com a Língua de Sinais. Pensando nisso, realizamos parceria com um professor-surdo, Ademar Müller, que não só está inserido na comunidade surda, como abraçou a educação de surdos como uma realidade de vida e propósitos a serem atingidos. Foi gratificante saber que, além de ter participado na confecção do material “Educação de surdos e a realidade Capixaba”,ele contribuiria conosco para a inserção de professores que atuassem com surdos em seus municípios para conhecer mais a visão da língua de seu aluno. O curso de Introdução à LIBRAS foi ofertado a todos os municípios,mas devido a,principalmente, razões geográficas, 26 municípios aderiram e tivemos para 30 (trinta) vagas ofertadas, 36 (trinta e seis) inscritos. A carga horária do curso foi de 120 horas e os encontros eram realizados uma vez por semana na UFES9 em encontros de 4 (quatro) horas. Alguns municípios, por terem um grande número de profissionais atuantes com surdos,, optaram por aguardar uma oportunidade de oferecer o curso exclusivamente para seus professores no seu próprio município. O objetivo não era, conforme relatado pelo próprio professor, ensinar LIBRAS em 15 encontros, o

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propósito maior era o de mostrar a esses professores a realidade das narrativas quase que unânimes de opressão dos seus alunos surdos. Durante o percurso da formação, os profissionais tiveram de pensar em projetos e estratégias para trabalhar com seu aluno surdo na sala de aula, sem excluí-lo e, principalmente, fornecendo mecanismos reais de aprendizado, não tornando o ambiente da escola como uma distração ou horário de ocupação física do aluno. Podemos relatar que o curso apresentou resultados muito satisfatórios. Ao final, os professores apresentaram seus projetos de intervenção em LIBRAS, dentro de conhecimento adquirido durante o período em que realizaram o curso e foram se aprimorando com seus próprios alunos. CONCLUSÃO É dentro desse contexto que acreditamos que a inclusão não se faz apenas desmarginalizando o acesso do aluno à sala de aula. Para que as medidas se efetuem verdadeiramente, a educação ainda conta com seu maior material que é o professor e se ele não estiver preparado para agir, toda ação e mobilização de levar o aluno excluído para a escola serão vãs. Para esse comprometimento,a LDB/96 enfatiza que as escolas brasileiras não devem apenas receber o aluno no seu recinto físico, mas são chamadas a adequar-se a fim de atender satisfatoriamente a todo o público, pois esse é o foco da inclusão. Concluindo, para que as escolas se adéquem, enquanto Universidade, enquanto universo de pesquisa e desenvolvimento, devemos estar engajados na causa de não só formar profissionais para o mercado de trabalho,mas também para lhes dar condição de atendendimento considerando

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as demandas exigidas pela sociedade que tanto clama pelos seus serviços. O Centro de Formação Continuada da UFES10 tem tentado cumprir com esse papel, com incentivo do MEC e das Secretarias Municipais de Educação, por disponibilizar esses projetos de inclusão e, mais ainda, pelo esforço de continuar trazendo a comunidade externa para dentro da Universidade. REFERÊNCIAS EIZIRIK, Marisa Faermann. Dispositivos de inclusão: Invenção ou espanto. In: BAPTISTA, Claudio Roberto; BEYER, Hugo Otto et al. Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Meditação, 2006. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991. SILVA, Waldeck Carneiro. A reforma da formação de professores no Brasil e o lugar da universidade. In: LINHARES, Célia (org.). Os professores e a reinvenção da escola: Brasil e Espanha. São Paulo: Cortez, 2001. RODRIGUES, Angela & ESTEVES, Manuela. A análise das necessidades na formação de professores. Porto: Porto Editora, 1993. http://portal.mec.gov.br/seb/index. http://www.feneis.com.br

10. Universidade Federal do Espírito Santo

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A Escola EA EDUCAÇÃO

EM DIREITOS HUMANOS: Nathalia Foditsch1 Rosiléa Roldi Wille2

RESUMO Em que pese a Educação em Direitos Humanos (EDH) não depender exclusivamente da educação formal, é inegável a centralidade da escola na formação dos sujeitos para a cidadania e os direitos humanos. O Plano Nacional de direitos Humanos - PNDH 3, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH, e as recentes Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, pavimentam o caminho para que o Estado brasileiro assuma os compromissos constitucionais e internacionais com a efetivação dos direitos humanos. O artigo aborda aspectos do papel da escola na promoção da EDH sob a luz dos princípios estabelecidos nas normas ora referidas, quais sejam (i) a dignidade humana; (ii) a igualdade de direitos; (iii) o reconhecimento e a valorização das diferenças e diversidades; (iv) a laicidade do Estado; (v) a democracia na educação; (vi) a transversalidade, vivência e globalidade; e (vii) a sustentabilidade socioambiental.

1. Nathalia Foditsch é formada em direito pela PUC-SP, possui mestrado em políticas públicas e mestrado em direito e governo, ambos pela American University em Washington D.C., e trabalhou no Governo Federal Brasileiro, Centros de Pesquisas e Organismos Internacionais. 2. Psicóloga, consultora da área de direitos humanos e educação. Coordenadora Geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação de 2005 a 2011.

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Não se pode ignorar a persistência de uma cultura, construída historicamente no Brasil, marcada por privilégios, desigualdades, discriminações, preconceitos e desrespeitos. Sobretudo em uma sociedade multifacetada como a brasileira, esta herança cultural é um obstáculo à efetivação do Estado Democrático de Direito. Assim, considera-se que a mudança dessa situação não se opera sem a contribuição da educação realizada nas instituições educativas, particularmente por meio da Educação em Direitos Humanos. (Parecer CNE/CP Nº 8/2012) A Educação em Direitos Humanos (EDH), conforme nos diz Maria Victória Benevides, é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana por meio da promoção e da vivência – práticas cotidianas - dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz3 . Com a EDH é possível desenvolver essa conduta humanizada com atitudes e comportamentos orientados para o reconhecimento e práticas concretas dos direitos humanos, e para a relação entre os sujeitos que se respeitam como iguais em dignidade e direitos, que agem de forma autônoma, crítica e responsável em suas vidas. Por meio da EDH aprendemos a olhar – tanto para nós mesmos como para o outro - a partir de uma perspectiva de consciência social em que a dignidade é um valor absoluto, um fim em si mesmo. O papel da escola na EDH será analisado no presente artigo, em que pese tal educação

não depender exclusivamente da educação formal, que é permanentemente perpassada pelas dinâmicas da sociedade, com todas as suas características e contradições. Embora diferentes estruturas educativas tenham responsabilidade no que diz respeito à EDH, é inegável a centralidade da escola na formação dos sujeitos para a cidadania e os direitos humanos, o que requer que seus atores tenham a capacidade de entender suas realidades, para delas participarem e as transformarem. Para uma melhor compreensão da realidade brasileira em que se assenta o debate a construção das políticas de direitos humanos e de educação para os direitos humanos, é fundamental mencionar o Plano Nacional de direitos Humanos - PNDH 3, instituído por meio do Decreto Nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, após amplo processo participativo que envolveu organizações sociais e populares, gestores(as) públicos(as) das três esferas de governo, dos legislativos e de setores do judiciário. Além de incorporar as resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, o programa contempla propostas aprovadas nas diversas conferências nacionais temáticas promovidas desde 2003 até a sua elaboração. O PNDH 3 apresenta uma visão pública e contemporânea dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que aprofunda o compromisso e responsabilidade do estado brasileiro com a realização dos direitos humanos de todas as pessoas. Ao dar continuidade e ampliar os planos anteriores de direitos humanos aprovados no Brasil, o PNDH

3. BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São Paulo, 18/02/2000. Disponível em www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm. Acesso em 06/12/2011

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3 mostrou que a política de direitos humanos no Brasil não se reduz a uma ação de governos, mas refere-se e a uma política de Estado. O PNDH 3 foi, como bem sintetizou Paulo César Carbonari, “um passo adiante no sentido de o Estado brasileiro assumir programaticamente – além de normativamente – os compromissos constitucionais e internacionais com a efetivação dos direitos humanos como direitos de toda gente” 4. Para que os direitos humanos sejam assumidos programaticamente, contudo, é preciso que seu conteúdo faça parte da vida das pessoas. É nesse contexto que o PNDH 3 referenda os princípios que norteiam a Educação em Direitos Humanos definidos no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH5 e apresenta especificamente um eixo orientador6 que discorre sobre a educação e a cultura em direitos humanos como elementos centrais da formação de nova mentalidade coletiva para o exercício da solidariedade, do respeito às diversidades e da tolerância. Nesse sentido, uma condição básica é o “uso de concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas”7 . Para os direitos humanos integrarem o cotidiano da

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vida das pessoas requer sua inserção nos sistemas de ensino e a sua vivência pelos estudantes de todo o país. Os objetivos estratégicos I e II do Eixo Orientador V do PNDH 3 tratam desse tema e definem a inclusão do tema da EDH nas escolas de educação básica, nas instituições formadoras e nas Instituições de Ensino Superior. A decisão tomada pelo governo federal para atender a esses objetivos se constituiu na recente homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos - Resolução CNE/CP Nº 1/2012 e no Parecer CNE/ CP Nº 8/2012 . Referidos documentos integram as ações previstas no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). De acordo com o Parecer CNECP Nº 8/2012, a EDH é um conceito compreendido como parte do direito à educação, devendo-se para tanto assegurar, nos diversos níveis, etapas e modalidades, espaços educativos em que a cultura de direitos humanos perpasse todas as práticas desenvolvidas no ambiente escolar. Considerando a EDH como princípio que norteia o desenvolvimento de competências, com conhecimentos e atitudes de afirmação dos sujeitos de direitos e de respeito aos demais, é necessário fomentar processos que contribuam para a construção da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais,

4. ARBONARI, Paulo César Carbonari. Manifesto de Apoio ao 3º PNDH. Disponível em http://www.andhep.org.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=79&Itemid=81. Consulta em 08/08/2012. 5. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/edh/pnedhpor.pdf. Consulta em 08/12/2012. 6. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). SDH/PR: Brasília, 2010. 228 p. Eixo Orientador V: Educação e Cultura em Direitos Humanos, p 149, Diretrizes 18 a 22. 7. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP Nº 1/2012. Disponíveis em http:// portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12812&Itemid=866. Consulta em 08/12/2012. Art. 2º.

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do respeito à pluralidade e à diversidade de nacionalidade, etnia, gênero, classe social, cultura, crença religiosa, orientação sexual e opção política, ou qualquer outra diferença, combatendo e eliminando toda forma de discriminação. Mais do que referência, os princípios de DH e da EDH dever nortear todas as políticas, processos e programas e interações educacionais. Os direitos humanos devem ser assegurados no ambiente escolar: “na elaboração do projeto político-pedagógico, na organização curricular, no modelo de gestão e avaliação, na produção de materiais didático-pedagógicos, quanto na formação inicial e continuada dos/as 9 profissionais da educação” . A Resolução CNE/ CP Nº 1/2012 explicita sete principios da EDH que devem ser seguidos pelas escolas “com a finalidade de promover a educação para a mudança e tranformação social”10 , quais sejam, (i) a dignidade humana; (ii) a igualdade de direitos; (iii) o reconhecimento e a valorização das diferenças e diversidades; (iv) a laicidade do Estado; (v) a democracia na educação; (vi) a transversalidade, vivência e globalidade; e (vii) a sustentabilidade socioambiental11 . Para refletir sobre a escola é preciso considerar o universo sobre o qual estamos falando. Segundo o Censo Escolar 201012 , existem 194.939 escolas na rede básica pública e privada do Brasil. São

51,5 milhões de estudantes, sendo 43,9 milhões nas redes públicas (85,3%) e 7,5 milhões em escolas particulares (14,7%). O Estado do Espírito Santo, que conta com uma população de 3.514.952 habitantes, a rede de Educação Básica possui 910.508 estudantes (em 3425 escolas), dos quais apenas 111.680 (12,26%) estudam em escolas da rede privada (378 escolas). Tendo em vista o elevado numero de pessoas na educação pública, é claro o impacto social e a importância da discussão, formulação e execução de políticas públicas de EDH. Ademais, para se trabalhar com a EDH na escola é necessário considerar a sua forma de inserção que poderá ser pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos DH e tratados interdisciplinarmente, ou como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar ou ainda combinando transversalidade e disciplinaridade, como prevê a Resolução o art. 7º da CNE/CP Nº 1/2012. Todavia há um aspecto a ser priorizado na EDH em que a escola precisa estar comprometida: a promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, tendo como principal referência o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Há uma realidade que se impõe a essa visão e que coloca em dúvida sobre como a escola dará conta de sua atribuição uma vez que variados desafios democráticos são colocados

8. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP Nº 1/2012 e Parecer CNE/CP Nº 8/2012. Disponíveis em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12812&Itemid=866. Consulta em 08/12/2012. 9. Id. 10. Art. 3. Resolução CNE/CP Nº 1/2012, caput. 11. Id., incisos I a VII. 12. Realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep do Ministério da Educação.

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como obstáculo. Conforme descreve Francisco Nascimento no artigo “Da escola ao espaço educativo: o novo sentido pedagógico” publicado na Revista Retratos da Escola da CNTE13: o “gerencialismo educativo, mascarado pela imposição de indicadores de desempenho para medir a qualidade educativa, (...) retira a relativa autonomia propugnada pelos processos de gestão democrática”. O referido gerencialismo muitas vezes se utiliza do argumento do direito à igualdade para buscar legitimação. Para que possamos debater a igualdade na educação devemos “abordar o que a viola, ou seja, o preconceito e a discriminação”14. A escola vive uma contradição em seu fazer cotidiano, ao mesmo tempo em que é um espaço privilegiado para a construção de novas formas de pensar, perceber e sentir, é um espaço que produz e reproduz a violência, seja ela realizada por meio de ações ou omissões. Tal fato é evidenciado pela pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar” (2009)15 desenvolvida pela MEC/Secad e Fipe/Inep em 501 escolas públicas de todo o país e 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, em que:

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- 99,3% das pessoas entrevistadas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico, com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração, orientação sexual ou territorial; e - 99,9% das pessoas entrevistadas desejam manter distância de algum grupo social, sendo os dois primeiros as pessoas com deficiência mental (98,9%) e os homossexuais (98,9%). A referida pesquisa, elaborada para subsidiar a estruturação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças, concluiu que as escolas são, de fato, ambientes em que o preconceito é disseminado entre todos os seus atores seja por meio de seus currículos, das linguagens nãoverbais e até mesmo de comportamentos e atitudes. O princípio do reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, preconizado pela Resolução CNE/CP n.1, de 30 de maio de 201216 , refere-se à garantia de que diferenças não sejam transformadas em desigualdades. Retomando Maria Victoria Benevides, ela declara que “o direito à diferença, portanto, é um corolário da igualdade na dignidade. O direito à diferença nos protege quando as características de nossa identidade são ignoradas ou contestadas; o direito à igualdade nos protege quando essas

13. NASCIMENTO, F.C.F. Da escola ao espaço educativo: o novo sentido pedagógico. Retratos da Escola/CNTE, Brasília, v. 3, nº 5, p. 375388, 2007. 14. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O Papel da Escola para Educação Inclusiva. PGr/MPF. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/ atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/pessoa-com-deficiencia/papel-escola-educacao-inclusiva 15. Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar. MEC/FIPE. 2009. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ diversidade_apresentacao.pdf 16. Art. 3, inc. III, Resolução CNE/CP n. 1, de 30 de maio de 2012

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características são destacadas para justificar práticas e atitudes de exclusão, discriminação e perseguição” 17. Para que possamos abordar os motivos pelos quais muitas vezes a escola brasileira tem dificuldade em respeitar a diversidade, é importante observar que a mesma foi fundada com o objetivo de ensinar a religião aos nativos, objetivando sua dominação. A laicidade do estado, princípio também previsto explicitamente pela Constituição Federal de 1988, objetiva assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do País, sem que qualquer forma de proselitismo seja praticada. A laicidade do Estado na EDH é um princípio a ser seguido, não apenas de forma a respeitar as diferentes crenças, mas de recuperar um débito histórico de uma herança proselitista que impossibilitava a inclusão das demais culturas religiosas no ambiente escolar. Sobre este tema, que muitas vezes resulta em violações de direitos humanos nas escolas, que viraram palco de disputa religiosa, o documento final da Conferência Nacional da Educação/ CONAE18 apresenta, entre os seis eixos temáticos aprovados o Eixo VI - Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade, que na letra “e” afirma que o ensino público deva se pautar na laicidade, sem privilegiar religiões, que acabam por dificultar a afirmação, respeito e conhecimento de que a pluralidade religiosa é um direito assegurado na Carta Magna Brasileira.

No início do século XX, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova iniciou a discussão do porquê da escola permanecer isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa extrapolava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais. Passados 80 anos desse manifesto, a discussão que ele aponta é atual, pois a maioria das escolas permanece isolada do ambiente, tem dificuldade de se articular com outras instituições e não integra a rede de proteção. Quando falamos de integrar a rede de proteção, estamos nos referindo a uma atuação intersetorial onde as responsabilidades entre os atores sociais são compartilhadas (co-responsabilidade entre as diversas políticas públicas e a relação estreita com a família). Esta intersetorialidade deve fundar-se na transversalidade, vivência e a globalidade, princípios preconizados pela Resolução CNE/CPNº1/2012 de forma que toda a comunidade escolar deve fazer parte do processo educativo. Crianças e adolescentes devem ser tratados como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, como estabelece o ECA, compreendidos em cada fase de sua vida em sua singularidade e completude relativa, preservando a dimensão da unidade dos sujeitos e superando dessa forma a visão fragmentada/ esquemática por áreas do comportamento: cognitivo, afetivo e psicomotor.

17. BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teóricometodológicos, Vol. II, p. 340. 2009. 18. BRASIL. Ministério da Educação. Conferência Nacional de Educação 2009. Documento Final. BRasília: MEC, 2010. Disponível em http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf. Consulta em 08/07/2012. 19. Art. 3, inciso VI, Resolução CNE/CP Nº. 1, de 30 de maio de 2012

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Outro desafio é assegurar o primado da prioridade absoluta, o que requer uma hermenêutica própria, comprometida com a proteção integral e o melhor interesse da criança, compreendidos como cidadãos do presente e não do futuro. Esta existência humana fundada em direitos é entendimento essencial para o devido respeito ao princípio da dignidade do qual crianças e adolescentes são titulares. Um elemento de transformação e de mudanças sociais que deve ser considerado na atual reflexão sobre direitos humanos é o desenvolvimento tecnológico e da Internet, agentes de mudança que seduzem, cativam e dominam muitas vezes o comportamento das crianças e adolescentes e, portanto, são um terreno fértil para que a EDH se constitua em elemento estruturante do fazer e do espaço pedagógico, da igualdade de acesso, e das relações sociais que permeiam a escola. Há definitivamente oportunidades que se abrem para a EDH com a constante “planificação do mundo”20, que se dá em grande medida pelo avanço tecnológico ora referido. O termo “tecnologia da libertação” (liberation tecnhology) tem sido usado para designar as tecnologias de informação e comunicação (TICs) com potencial de expandir a liberdade política, economica e social. Até mesmo jogos eletrônicos (video games) tem sido usados para a EDH. A organização sem fins lucrativos Games for Change (G4C)21, desenvolve video games com diferentes temáticas ligadas a DH, exemplo de como o avanço tecnológico também está democratizando o acesso a conteúdos, e possilitando, por meio de aulas a distância, por exemplo, que pessoas dos

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mais remotos lugares tenham acesso a realidades e culturas antes inacessíveis. Por fim, destacamos o item 7 do art. 3º da Resolução CNE/CP Nº. 1/2012 que trata do princípio da sustentabilidade socioambiental22. A escola deve levar em conta outras dimensões de sua ação pedagógica, assegurando, por exemplo, espaços que promovam o “desenvolvimento sustentável que preserve a diversidade da vida e das culturas, condição para a sobrevivência da humanidade de hoje e das futuras gerações”23. É necessário, portanto, “viajar em direção ao outro”24, e analisar as realidades em que cada um e cada uma está inserido(a). Diante dos cenários acima descritos, não podermos permanecer inertes e preservando as nossas dúvidas e incertezas que dissuadem a nossa capacidade de empreender esforços para mudar. Assim, nos reconheçamos individual e coletivamente como agentes de transformação, e interajamos no processo histórico de forma que a escola se afirme com um espaço laico de construção do conhecimento e de promoção da cidadania e de valores de solidariedade e que se torne um lugar de acolhida da pluralidade, da diversidade e da liberdade, contribuindo para o fortalecimento da democracia e o respeito à dignidade humana que valorize, ensine e promova os direitos humanos de categorias historicamente vulneráveis - mulheres, negros(as), povos indígenas, quilombolas, idosos(as), pessoas com deficiência, grupos raciais e étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros -, e que sirva como reflexo de uma realidade em que o direito à vida e à dignidade sejam almejados cotidianamente por todas as pessoas.

20. Referência ao livro “O Mundo é Plano” de Thomas Friedman, que explora o fenômeno da globalização. 21. Veja sítio eletrônico da organização Games for Change (G4C): http://www.gamesforchange.org/ 22. Art. 3º, inciso VII da Resolução CNE/CP Nº 1, de 30 de maio de 2012. 23. Parecer CNE/CP Nº: 8/2012, p. 10. 24Referência ao texto de Sari Nusseibeh, professor e filósofo árabe, em seu artigo “A viagem em Direção ao Outro”. AHLMARK, Per ET al. Imaginar a Paz. Brasília, Unesco, Paulus Editora, 2006. p. 293 a 298

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REFERÊNCIAS AHLMARK, Per et al. Imaginar a Paz. Brasília, Unesco, Paulus Editora, 2006. BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos, Vol. II, 2009. Disponível em http://www. redhbrasil.net/educacao_em_direitos_humanos.php. Acesso em 06/07/2012. BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São Paulo, 18/02/2000. Disponível em www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm. Acesso em 06/07/2012. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/edh/pnedhpor.pdf. Consulta em 08/07/2012. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). SDH/PR: Brasília, 2010. 228 p. Eixo Orientador V: Educação e Cultura em Direitos Humanos, p 149, Diretrizes 18 a 22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP Nº 1/2012 e Parecer CNE/ CP Nº 8/2012. Disponíveis em http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_content&view=article&id=12812&Item id=866. Consulta em 08/07/2012. CARBONARI, Paulo César Carbonari. Manifesto de Apoio ao 3º PNDH. Disponível em http://www.andhep.org.br/index. php?option=com_content&task=view&id=79&Itemid=81. Consulta em 08/07/2012. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O Papel da Escola para Educação Inclusiva. PGr/MPF. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov. br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/pessoa-comdeficiencia/papel-escola-educacao-inclusiva. NASCIMENTO, F.C.F. Da escola ao espaço educativo: o novo sentido pedagógico. Retratos da Escola/CNTE, Brasília, v. 3, nº 5, p. 375-388, 2007.

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NÚCLEO

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DE ESTUDOS

SOBRE ÁLCOOL E OUTRAS

DROGAS: UMA CAMINHADA NA EXTENSÃO Flávia Batista Portugal Marilene Gonçalves França Marluce Miguel de Siqueira Vitor Buaiz

Resumo O Núcleo de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas - NEAD é um núcleo interdisciplinar, que congrega profissionais e docentes das mais diversas áreas de conhecimentos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e de outras Instituições, promovendo a produção e divulgação de conhecimentos, a realização de pes¬quisas, cooperação técnica e assessoria no campo da dependência química.

Descritores Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, prevenção & controle.

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INTRODUÇÃO O uso de drogas atinge cada vez mais a sociedade, com esta visão o Núcleo de Estudos sobre Álcool e outras Drogas (NEAD) foi constituído com o objetivo de prestar assessoria e planejamento em dependência química.É um núcleo interdisciplinar, que congrega profissionais e docentes das mais diversas áreas do conhecimento na Universidade, no Centro de Ciências da Saúde e em outras Instituições da área de saúde1. O Núcleo foi criado em julho de 1996, Resolução Nº 086/97 do então Centro Biomédico - CBM, a partir do trabalho desenvolvido por membros da equipe no Programa de Atendimento ao Alcoolista do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (PAA-HUCAM-UFES) desde 1985, por sentirem que neste programa os objetivos restrigiam-se a atividades de assistência e de extensão2-3. O NEAD, mediante um programa de trabalho interdisciplinar e interinstitucional, promove a produção e divulgação de conhecimentos, a realização de pesquisas, a cooperação técnica, assessoria no campo da dependência química e a colaboração na organização de práticas de saúde que atendam às necessidades da população, respeitando a nova proposta de atenção à saúde da Organização Mundial da Saúde4. O núcleo pertence ao diretório de grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), desde sua criação (1996) e da rede de pesquisadores sobre drogas desde 2006. Este Núcleo promove na Universidade Federal do Espírito Santo e, conseqüentemente, no Município de Vitória e no Estado do Espírito Santo, um ambiente específico para o estudo e desenvolvimento de pesquisa experimental, clínica e epidemiológica,na área da saúde mental, especialmente abuso e dependência de drogas. A sua organização vigente permite também que, estudantes e profissionais, possam desenvolver

paralelamente às suas atividades acadêmicas e de serviços, formação em saúde mental e abuso de drogas, através de suas inserções em um setor específico desta Universidade - o NEAD, proporcionando desta forma crescimento pessoal, profissional e científico5. Face ao exposto, nosso objetivo é apresentar o atual cenário das políticas públicas implementadas pelo NEAD, utilizando para tanto, uma revisão sobre os seus pilares teóricos - da saúde e da saúde mental; bem como os seus pilares metodológicos – Relatórios Anuais do NEAD dos anos de 2005 a 2009, com enfoque no seu papel interdisciplinar e interinstitucional, na organização de práticas de saúde que atendam às necessidades da população capixaba. OS PILARES TEÓRICOS O Ministério da Saúde (MS) propõe de modo integral e articulado, o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os usuários de álcool e outras drogas como um problema de saúde pública, buscando resgatar o sentido de saúde coletiva que implica levar em conta a diversidade e especificidade dos grupos populacionais e das individualidades com seus modos próprios de adoecer e/ou representarem tal processo, propostas estas que foram pontuadas na II Conferencia Nacional de Saúde Mental. Nessa perspectiva, as políticas e práticas dirigidas para pessoas que apresentam problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas, devem ser integradas às propostas elaboradas pela área Técnica de Saúde Mental/Álcool e Drogas do MS, que está em consonância com a política de saúde mental vigente, regulamentada pela lei Federal No. 10.216, e constitui um instrumento legal/normativo máximo para a política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas6. 31


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Nesse contexto, em 2001, foi elaborada a Política Nacional Antidrogas (PNAD), com objetivos e diretrizes bem definidos para redução da oferta e da demanda de drogas vinculados a prevenção, ao tratamento, recuperação, reinserção social, redução de danos, repressão, estudos, pesquisas e avaliações. A partir desta data iniciam-se no país, tentativas governamentais de construção de estratégias para redução da demanda e da oferta de drogas, visando ampliar o emprego de recursos públicos e maximizar os resultados para a sociedade, com o objetivo de estabelecer um consenso para a definição de uma Política sobre Drogas que melhor represente a posição da sociedade brasileira7. Além disso, o MS, visando o fortalecimento da rede de assistência aos usuários de álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e, a fim de promover a reabilitação e reinserção social dos mesmos, elaborou o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, via Portaria GM/816 de 30 de abril de 2002, no intuito de criar estratégias de enfrentamento a essa problemática. Assim, o MS promulga a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas (PAIUAD), que possui em suas diretrizes a intersetorialidade e a atenção integral, constitui a prevenção, promoção e proteção à saúde de consumidores de álcool e outras drogas, modelos de atenção (CAPS e Redes Assistenciais) e controle de entorpecentes e substâncias que produzem dependência física ou psíquica, e de precursores8. Para tanto, o NEAD, desenvolve junto às suas atividades de ensino-assistência e extensão, uma série de estudos sobre os efeitos das drogas de abuso e de agentes terapêuticos empregados 32

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no tratamento de desordens comportamentais sobre aprendizagem e memória no homem. Também se ocupa dos diversos aspectos relacionados ao abuso e dependência de drogas e aos tratamentos destas condições patológicas, em consonância com a política estadual9, nacional7 e internacional vigentes10. METODOLOGIA Este trabalho utilizou como fonte de dados os Relatórios Anuais do Núcleo de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas, no período compreendido entre 2005 e 2009. Os dados foram coletados mediante assinatura do Termo de Consentimento Institucional, através de consulta aos relatórios anuais do Núcleo, de onde foram selecionadas toda a produção científica relacionada ao tema “substâncias psicoativas”, sendo a mesma tabulada e categorizada como: a) trabalhos apresentados em eventos científicos – locais, regionais, nacionais e internacionais; b) artigos – submetidos e publicados; c) material educativo – informativo e formativo; d) eventos científicos para a comunidade; e) relatórios técnicos; f) trabalhos de conclusão de curso – graduação, especialização e mestrado. Primeiramente foi realizado um levantamento bibliográfico manual e computadorizado na banco de dados do NEAD e, posteriormente, realizamos entrevistas com a coordenação geral e científica do Núcleo. Através dos itens classificatórios já citados, buscamos delinear o perfil dessa produção, identificando os traços principais e tendências, em uma análise descritiva, que contemplasse simultaneamente aspectos internos e externos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O NEAD tem desenvolvido suas metas gerando produção científica (tabela 1 e 2) envolvendo tanto a prevenção como o tratamento do alcoolismo e outras dependências1-7. Deste modo, na tabela I, podemos observar a produção científica do Núcleo no período compreendido entre 2005 a 2009, a qual é bastante semelhante nos anos de 2005 a 2007 (36,35 e 42, respectivamente), tendo um aumento progressivo em 2008 (58), e em 2009 (75). Este aumento pode ser explicado pelo aperfeiçoamento dos profissionais, uma vez que neste ano e no anterior, houve conclusão de pós-doutorado, mestrado e especialização.

Dentre os eventos realizados para a comunidade, pode-se destacar o Ciclo de Debates: Drogas, e eu com isso? Realizado bimestralmente, o evento conta com palestras, cursos, apresentações científicas sobre a temática, além de contar com apresentações artísticas. Além disso, o NEAD realiza Campanhas Educativas contra o tabagismo: nos dias 31 de maio (Dia Mundial sem Tabaco), 29 de agosto (Dia Nacional de Combate ao Fumo) e 27 de novembro (Dia Nacional de Combate ao Câncer). Através destas campanhas o NEAD visa oferecer a população informações sobre os malefícios do tabagismo, como também ajudar aqueles que desejarem tratamento. Também há o Grupo de Teatro do NEAD, o qual é constituído pelos próprios integrantes (estudantes de graduação do curso de enfermagem e outros membros) do NEAD. De maneira lúdica o grupo visa conscientizar os jovens dos perigos associados ao uso de drogas, como mostrado na Figura 3 em um evento em Alfredo Chaves-ES.

Figura 3: Apresentação do grupo de teatro NEAD, Vitória-ES,2010.

O tipo de produção mais freqüente foram os resumos apresentados em eventos científicos locais em 2007 (28,6%) e internacionais em 2005 (33,3%) e 2009 (32%) e os artigos submetidos e/ ou publicados em periódicos em 2006, 2008 e 2009 (22,9%, 34,5% e 20% respectivamente). Tais achados justificam-se, pelo comprometimento do núcleo na produção de evidências científicas e na divulgação, das mesmas, para a sociedade.

A tabela 2 mostra a produção de material educativo do Núcleo no período compreendido entre 2005 a 2009, onde podemos observar uma maior produção do material informativo sobre substâncias psicoativas (60%) do que o formativo (40%). Os folders informativos e os manuais educativos têm sido mais freqüentemente produzidos e disponibilizados para a população. A parceria com instituições capixabas Secretaria Estadual de Saúde (SESA), Secretaria Estadual de Justiça (SEJUS)/Conselho Estadual sobre Drogas (COESAD), Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), dentre outras, possibilitam a implementação de ações nas 33


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Tabelas Tabela I: Produção Científica do NEAD, no período de 2005 a 2008

Produção Científica

2005

2006

2007

2008

2009

%

N

%

N

%

N

%

N

%

Locais

2

5,6

4

11,4

12

28,6

2

3,4

3

4

Nacionais Internacionais

4

11,1

7

20

4

9,5

6

10,3

3

4

12 5

33,3 13,9

5 1

14,3 2,9

2 4

4,8 9,5

6 9

10,3 15,5

24 17

32 22,7

4

11,1

8

22,9

4

9,5

20

34,5

15

20

Material Educativo

5

13,9

4

11,4

6

14,3

5

8,6

3

4

Relatório Técnico

1

2,8

1

2,9

5

11,9

4

6,9

6

8

Eventos

N

Comunitários Artigos Submetidos e/ou Publicados

Trabalhos de Conclusão de Curso Total

3

8,3

5

14,3

5

11,9

6

10,3

4

5,3

36

100

35

100

42

100

58

100

75

100

Tabela II: Material Educativo produzido pelo NEAD de 2005 a 2009

Formativo

Informativo

Tipo de Material

N

%

Catálogos

3

16,7

Folders sobre PAAA e NEAD

3

16,7

Folders sobre drogras

12

66,6

Total

18

100

Álbum Seriado

2

16,7

Manual Educativo

8

66,6

Manual Técnico

2

16,7

12

100

Total

34

áreas de prevenção, tratamento, reinserção social, estudos e pesquisas, de forma interdisciplinar e interinstitucional; resultando na consolidação de importantes produtos, especialmente o “Catálogo das Instituições Especializadas no Tratamento de Dependência Química no Estado do ES12” , bem como a sua atualização13, os quais tem sido utilizados nos níveis local, estadual e nacional, facilitando a informação sobre a rede de atenção especializada nesta área (tabela 2). A partir de 2005, foi iniciada a série “Projeto Viva a Vida: Uma Experiência de Prevenção”, e os seguintes materiais educativos2 (exposto tambem na tabela 2) foram produzidos e distribuídos pela equipe técnica em Feiras Temáticas locais, estaduais ou nacionais7-15:

Figura 2: Material Educativo produzido pelo NEAD, Vitória-ES, 2010.

dência de drogas. E, a terceira coordenação, dePor fim, a produção científica do NEAD tem sido senvolve consultoria e assessoria a instituições desenvolvida (tabela 1 e 2) através das coorde- sejam elas governamentais ou não, que estejam nações de ensino-assistência, pesquisa e exten- interessadas na organização de práticas de saúsão, com ações interdisciplinares; envolvendo de direcionadas à área de dependência químitanto a prevenção como o tratamento do al- ca, bem como promove cursos e eventos ciencoolismo e outras dependências1-7 A primeira tíficos para ampliação de conhecimento sobre drogas e a divulgação de coordenação, desenvolve Materiais Educatívos2 resultados de pesquisas e ações de atenção a usuá1. Folders: álcool, tabaco, maconha, solventes estudos. rios do álcool (Programa ou inalantes, ansiolíticos e sedativos, cocaína, de Atenção ao Alcoolisanfetaminas, anti-colinérgicos, alucinógenos, ta - PAA)3 e do tabaco Assim, o NEAD desenvolve ópio e morfina, – (Programa de Atenção papel importante na po2. Manuais Educativos: alcoolismo, orientação ao Tabagista - PAT, em fase pulação capixaba, instruinpara o autocuidado (OPA), prevenção a recaída de implantação)11, possibido sobre a dependência (PREVRECAÍDA), tabagismo, comorbidades, litando estágio curricular, química, além de fornecer síndrome alcoólica fetal (SAF), e aprendendo extra-curricular e monitosuporte àqueles que nesobre Cannabis Sativa ria a alunos dos cursos cessitam. 3. Álbum Seriado: álcool, tabaco e outras de graduação. A segunda, drogas. coordenação ocupa-se da realização de investigações 4. Manual Técnico: Assistência de científicas básicas, clínicas Enfermagem no PAA-HUCAM-UFES e Consulta de enfermagem a alcoolistas. e epidemiológicas relacionadas ao abuso e depen35


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CONCLUSÃO Como vimos, historicamente, o Núcleo tem buscado ampliar sua atuação na sociedade, tanto sob a forma de desenvolvimento de investigações que resultem em evidências científicas sobre a realidade capixaba, quanto se inserindo no processo de formulação de políticas públicas nos âmbitos municipais e estaduais. Desse modo, torna-se imperativa a necessidade de estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência centrada na atenção à comunidade associada à rede de serviços sociais e de saúde e que tenha ênfase na reabilitação e reinserção social dos seus usuários, sempre considerando a oferta de cuidados a pessoas que apresentam problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas,baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção psicossocial especializada.14-15 Nessa perspectiva, o NEAD volta seus esforços para otimizar suas ações de ensino-assistência, pesquisa e extensão, reafirmando sua importância na sociedade capixaba, não só como integrante da rede de apoio ao dependente químico no Estado, como também, pela produção de conhecimento na área do uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas. REFERÊNCIAS

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6. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva. Legislação em Saúde Mental 1990-2002. 3a. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 7. Secretaria Nacional Antidrogas. Política Nacional Antidrogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 8. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Secretaria de Atenção a Saúde. Coordenação Nacional DST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. 2a. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 9. Secretaria de Estado da Saúde (Espírito Santo). Gerência Estratégica de Regulação e Assistência à Saúde. Núcleo de Normalização. Coordenação Estadual de Saúde Mental. Política estadual de saúde mental na atenção integral a usuários de álcool e outras drogas 2007-2010. Vitória, 2007. 10. Secretaria Nacional Antidrogas (Brasil). III Fórum Nacional sobre Drogas: Realiñamiento de la Politica Nacional, Brasília, 24-26 nov. 2004. 11. Siqueira MM. Programa de Atendimento ao Tabagismo do HUCAM da UFES: Um Novo Desafio. 2006. Monografia (Especialização em Promoção a Saúde, Prevenção de Álcool, Tabaco e outras Drogas) – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2006. 12. Garcia MLT, Siqueira MM. Instituições especializadas em dependência química no estado do Espírito Santo. J Bras Psiquiatr 2005; 54(3):192-196. 13. Garcia MLT, Siqueira MM. Atualização do catálogo das Instituições especializadas em dependência química no estado do Espírito Santo. Vitória:UFES-NEAD-SEJUS, 2007. 14. Siqueira MM, Barbosa DA, Laranjeira R, Hopkins. Psychoative substances and the provision of specialized care: the case of Espírito Santo. Revista Brasileira Psiquiatria 2007;29(4): 315-323. 15. Siqueira MM, Barbosa DA, Laranjeira R. As Políticas Públicas Relacionadas às Substâncias Psicoativas. Enfermagem Atual. 2008;45: 25-29.

4. Organização Mundial da Saúde. Neurociências: consumo e dependência de substâncias psicoativas. Genebra: OMS; 2004. 5. Amorim TR, Lazarini WS, Siqueira MM. Atenção a Dependência Química na Universidade Federal do Espírito Santo: Possibilidades da Extensão Universitária. Esc Anna Nery R Enferm.2007;11(4):717-721.

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Projeto

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Introdução

AFRID Atividades Físicas e

Recreativas para a

Terceira Idade Geni de Araújo Costa RESUMO O AFRID é um projeto de Extensão, idealizado e realizado tanto por estagiários como por professores do Curso de Educação Física da UFU – Universidade Federal de Uberlândia. Desde 1989 este projeto atende a clientela idosa, com o objetivo de proporcionar atividades físicas em diferentes modalidades, com abordagem recreativa, bem como palestras e estudos de cunho informativo, visando à melhora da qualidade de vida, o bem estar físico, social e emocional desse grupo etário. O projeto atende semanalmente 850 idosos aproximadamente, 650 no campus da Educação Física e 200 nas Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPIs, em Uberlândia. As atividades desenvolvidas no Campus da Educação Física são: hidroginástica, natação, alongamento, ginástica, musculação, danças moderna e do ventre, inclusão digital, canto e coral, fitness, dentre outras. Nas ILPIs são oferecidas atividades físicas adaptadas, atividades artísticas e recreativas. Com o objetivo de possibilitar maior interação e envolvimento, algumas atividades sociais são realizadas, como as festas Junina e de Natal, viagens turísticas e o “Aulão” que é uma atividade realizada com a participação de todos os alunos e estagiários. Além desses encontros, a Semana do Idoso é outro evento anualmente realizado pelo AFRID, que conta com a participação de mais de 1000 idosos em cada atividade diária. A Semana do Idoso é realizada com intuito de discutir, analisar e refletir sobre as temáticas que envolvem o processo de envelhecimento. Entende-se que o AFRID tem conseguido alcançar os objetivos preconizados, melhorando a qualidade de vida, o bem estar físico, social e emocional da população idosa uberlandense.

PALAVRAS CHAVE Exercício Físico. Envelhecimento. Qualidade de vida na Velhice.

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tempo não para. Só a saudade “Oé que faz as coisas pararem no tempo. ” (Mario Quintana) Neste final de milênio são muitos os desafios que população e governo enfrentam para a construção de uma sociedade mais humana e igualitária. O fenômeno universal do envelhecimento das populações, decorrência do aumento da expectativa de vida, tem colocado na ordem do dia a questão dos idosos e dos aposentados. Embora a longevidade constitua uma notável conquista da ciência, todas as pessoas sensatas são unânimes em afirmar que mais importante do que ter a existência prolongada é envelhecer com dignidade e qualidade de vida. A população idosa que até então consistia em uma minoria e era preterida em função de outras faixas etárias, passou a ser alvo de preocupação e atenção por parte dos governos de vários países, estudiosos e pesquisadores. Essa emergente e preocupante realidade exige busca de solução imediata dos profissionais de todas as áreas, pois diferentes são as necessidades desse segmento populacional que nas últimas décadas vem se avolumando aceleradamente. Sabe-se que uma parcela cada vez maior desses indivíduos está envelhecendo com melhores condições sócio-econômicas e, portanto, está também buscando dar novo sentido e significado a essa etapa do curso de vida. Nesse sentido, as diferentes concepções que orientam esse novo contexto, juntamente com a implementação de

novas linhas de ação, estão redimensionando o olhar sobre o processo e, criticamente, ampliam e complexificam o campo de estudos sobre a velhice (COSTA, 2000). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1970 o Brasil contava com 4,7 milhões de pessoas com mais de 60 anos (o que representava 5,05% da população total); em 1980 já eram 7,2 milhões (6,06%); em 1991, a população de idosos cresceu para 10,7 milhões (7,30%). De acordo com a projeção desse órgão, o país continuará galgando anos na vida média de sua população, alcançando em 2050 o patamar de 81,29 anos, basicamente o mesmo nível atual da Islândia (81,80), Hong Kong, China (82,20) e Japão (82,60) (IBGE, 2007; BERQUO e CUNHA, 2001). Em 2008, a média de vida para mulheres chega a 76,6 anos e para os homens, 69,0 anos, uma diferença de 7,6 anos. Em escala mundial, segundo o IBGE, a esperança de vida ao nascer foi estimada, para 2008 (período 2005-2010), em 67,2 anos e, para 2045-2050, a Organização das Nações Unidas (ONU) projeta uma vida média de 75,40 anos. O Brasil ocupa atualmente a quinta posição entre os países mais populosos passando, de acordo com as projeções da ONU, para a oitava posição em 2050 (IBGE, 2008). Vale ainda ressaltar que o envelhecimento populacional brasileiro tem discrepâncias numéricas quando se analisa o contingente de idosos por estado, como demonstra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em 2006 Microdados. Em ordem decrescente, o estado com o maior número de idosos é São Paulo (4.456.706 milhões), em seguida vem o estado do Rio de Janeiro (2.180.441) e, por último, Minas Gerais (2.141.287 milhões )(IBGE, 2007). 39


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O fenômeno da longevidade da população mineira está bem representado na população uberlandense. Esse crescimento da população idosa e o aumento da longevidade vêm acarretando importantes repercussões nos campos social e econômico, bem como cultural e educacional do município, não fugindo, portanto, à tendência geral em todo o país. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o contingente idoso na realidade mineira caracteriza, comporta e retrata, em termos quantitativos, a realidade brasileira (COSTA, 2000). Felizmente, mesmo que lentamente, a consciência crítica sobre as questões que envolvem o envelhecimento, principalmente por intermédio da Lei 8.842, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso abarcando áreas fundamentais como saúde, previdência, educação, família, moradia, cultura, esporte e lazer (SIQUEIRA, 2007; NERI, 2004). Entre a população de mais idade, observase uma crescente demanda por educação (entendida aqui como qualquer atividade que possa enriquecer ou promover maior qualidade de vida), justamente por parte dos segmentos que envelheceram à sua margem e ainda veem nela um instrumento para ascensão social e de promoção de conhecimento (CLAVAIROLLE; PEIXOTO, 2005). Considerando essa nova realidade, acreditando numa proposta de atuação e nas potencialidades dessa clientela, a Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia vem desenvolvendo, desde 1989, um amplo programa de atividades físicas e ações recreativas que atende todo o município e tem como meta proporcionar o bem-estar físico, social 40

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e emocional dos participantes do Projeto AFRID. Compõe, também, o nosso quadro de intenções, a pesquisa e preparos de recursos humanos, com embasamento teórico-prático para o trabalho com idosos. Além das atividades desenvolvidas no próprio Campus, a equipe do AFRID desenvolve suas atividades em seis Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) para um atendimento mais específico e adaptado aos idosos mais fragilizados (idade variando entre 60 e 108 anos). Todos os núcleos já existentes e, ainda, os que se pretende realizar neste projeto atendem pessoas da Terceira Idade com situação sócio-econômica baixa ou mesmo deficitária. Esse é um compromisso da equipe de profissionais envolvidos no projeto que atende, semanalmente, um total de 650 pessoas a partir de 50 anos, no Campus da Educação Física e mais de 200 internos nas ILPIs. Uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, musicistas, psicólogos, professores de língua estrangeira e atividade física e, ainda, monitores voluntários buscam amenizar os problemas de saúde dos participantes do projeto que são mais comuns na velhice, sejam eles físicos, sociais e/ou emocionais, auxiliando-os a manterem a saúde integral por meio da prática de atividades físicas, buscando assim garantir a tão almejada qualidade de vida. A verdade é que nunca se deu tanta importância à prática de atividades físicas como nas últimas décadas. Seus benefícios e efeitos positivos com relação ao bem-estar e à competência comportamental são indiscutíveis. Há evidências de que essas atividades têm implicações sobre a qualidade e a expectativa de vida. Entende-se aqui como Qualidade de vida a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto de cultura e sistema de valores nos quais ele vive e

em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Na velhice, de forma geral, as atividades físicas, realizadas regularmente, não somente favorecem a capacidade de resistência e flexibilidade, mas também facilitam a velocidade psicomotora, a coordenação, o desempenho neuropsicológico, o controle postural, além de proporcionar a socialização entre pares e a sensação de bem-estar geral do organismo (FARINATI, 2008; SHEPHARD, 2003). Na perspectiva de um envelhecimento bemsucedido, não há como negar os benefícios da prática regular e moderada da atividade física, pois ações ligadas à adoção de ritmo de vida mais ativo, diretamente relacionado a exercícios corporais favorecem, em última análise, melhoria da autonomia, da saúde física e psicológica, do bem-estar geral do idoso, auxiliando-o, na maioria das vezes, a reconhecer-se como Ser singular (WHITAKER, 2007).

indivíduo e que esse pode ser estimulado e aprimorado dentro dos limites de plasticidade individual permitida pela idade, estabelecidos por condições individuais de saúde, estilo de vida e educação, é que se enquadra uma proposta de atuação como esta – a conquista da longevidade, da velhice bem-sucedida com verdadeira qualidade de vida. Objetivo Geral Proporcionar atividades físicas em diferentes modalidades, com abordagem recreativa, bem como palestras e estudos de cunho informativo para a comunidade de Uberlândia e região de faixa etária acima de 50 anos, visando à melhora da qualidade de vida, o bem estar físico, social e emocional desses indivíduos.

A atividade física e o movimento espontâneo são realidades indissociáveis e que se realizam harmoniosamente é que se propõe o desenvolvimento desse projeto, no qual os idosos possam realizar a mais pura expressão da vida. Para tal, busca-se, por meio da recreação e das atividades físicas, reeducar a população para a valorização do seu desempenho e de suas potencialidades nos domínios: psíquico, social, político e econômico. Estas atividades favorecem a descontração e propiciam momentos de liberação, de cooperação, de interação, de criatividade e de aquisição de conhecimentos. Enfim, por acreditar que o requisito fundamental para uma boa velhice é a preservação do potencial para o desenvolvimento do 41


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Objetivos Específicos •Minimizar os efeitos negativos que a velhice causa no idoso (desvalorização física, econômica e social); •Propiciar, aos professores e acadêmicos do Curso de Educação Física da UFU, embasamento teórico e prático para o trabalho com indivíduos da Terceira Idade; •Vincular comunidade e Universidade, resgatando os papéis de produtora de conhecimento e sensora de problemas sociais desta instituição; •Ampliar os conhecimentos acerca da problemática dos idosos, contribuindo com propostas para a resolução da mesma; •Promover momentos de descontração, de interação entre grupos, de desinibição, de socialização entre pares, de movimentos expressivos realizados de forma prazerosa, com atividades interessantes, desafiantes e que levam a novas descobertas; •Propor atividades físicas adaptadas às reais necessidades dos idosos, favorecendo, desta forma, a melhora da autoestima, do equilíbrio, da destreza motora, levando-os a ter mais confiança nas suas potencialidades; •Provocar, por meio de atividades estimulantes e desafiantes, a socialização e a autoconfiança diante de suas capacidades, proporcionando novo ânimo para bem viver; •Promover discussões entre profissionais e a comunidade acadêmica a respeito das necessidades, do idoso e da população em geral, da prática de atividades físicas regularmente orientadas; •Favorecer o atendimento fisioterápico com a utilização de aparelhos apropriados; •Realizar o atendimento nas ILPIs buscando maior qualidade de vida e bem-estar para aqueles que nelas vivem. 42

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Metodologia As atividades desenvolvidas no Projeto AFRID/ UFU acontecem desde 1989, durante todo o ano, seguindo o calendário acadêmico da UFU. As atividades são oferecidas em diversas turmas, três vezes por semana, em dias alternados e horários pré-definidos, com duração inicial de 30 minutos cada sessão, aumentando, gradativamente para 60. As turmas são mistas e distribuídas no período da tarde, durante toda a semana. No período da manhã apenas alguns horários são disponibilizados. As turmas são formadas obedecendo às características necessárias para um bom desempenho do grupo, podendo diferir quanto ao número de participantes em cada modalidade. Para a participação no Projeto, três critérios são adotados: •Ter mais de 50 anos; •Não possuir dependência física limitante (com acompanhamento é permitida a participação); •Apresentar atestado médico de liberação para a prática de atividade física. Nas ILPIs o atendimento acontece de forma individualizada ou em pequenos grupos, buscando sempre aproximar os idosos em grandes atividades. Para garantir qualidade no trabalho no que se refere à capacitação dos recursos humanos, a coordenação do Projeto propõe reuniões administrativas semanais tanto com os monitores das ILPIs quanto com os monitores do Campus Educação Física, a fim de esclarecer possíveis

complicações no momento da realização das atividades propriamente ditas. Uma outra formação dos monitores e professores se dá em reuniões acadêmicas, nas quais são tratados assuntos referentes à produção do conhecimento na área, bem como as diferentes forma de apresentação desses conteúdos em seminários para todo o grupo. Todos devem apresentar artigos, dissertações e/ou teses recentes, inclusive os coordenadores do projeto. São também promovidos cursos de extensão e aperfeiçoamento, bem como organização de eventos em parceria com as entidades nacionais de atendimento a idosos, além das disciplinas obrigatórias e optativas no currículo de graduação. Há uma grande flexibilidade na escolha das atividades a serem desenvolvidas. O tipo de exercício prescrito deve encontrar aceitação e satisfação da pessoa ao praticá-lo, de forma a evitar um futuro abandono e a perda dos benefícios adquiridos. As atividades oferecidas são explicitadas a seguir. Ações extensionistas desenvolvidas no Campus Educação Física Hidroginástica – É uma atividade aeróbia que envolve um grande grupo de músculos em movimentos repetitivos, sem exigir o máximo do corpo, permitindo, assim, a sua realização por longos períodos de tempo. A hidroginástica é a atividade mais procurada pelos idosos e, para sua realização, utilizamos uma metodologia específica, pela qual os idosos praticam 15 minutos de atividades fora da água aliando o esforço físico ao peso da gravidade corporal. Natação – Para aqueles que dominam os movimentos na água, é uma das melhores formas de aumentar a capacidade cardiorrespiratória e o idoso deve nadar o estilo que mais lhe traga prazer.

Caminhada – É um exercício aeróbico de baixa intensidade e longa duração que traz diversos benefícios à saúde. A caminhada realizada em grupo é mais atraente para o idoso. Aumenta a socialização e o controle do cansaço é mais efetivo, pois os idosos fiscalizam uns aos outros e não deixam que o companheiro ultrapasse os limites. Musculação – É a atividade física mais indicada para aqueles que querem obter um rápido resultado em curto prazo de treinamento. Os benefícios mais evidentes são: melhora na função neurológica, aumento da resistência e a força muscular localizada, melhora no equilíbrio e na coordenação das AVDs, favorecendo ainda a socialização e melhorando a auto-estima e autoconfiança. Fitness AFRID – é uma modalidade executada com grande teor motivacional que trabalha as múltiplas cadeias musculares por meio de atividades ritmadas, exercícios intercostais, abdominais e força dos membros. Ginástica – São exercícios realizados de forma localizada e repetitiva para maior fortalecimento e rendimento corporal. Sua prática orientada e regular proporciona à pessoa idosa uma melhora significativa do sistema cardiovascular, bem como maior amplitude articular, maior equilíbrio e melhor postura. Dança de Salão – A dança é uma expressão representativa do corpo que desenvolve a capacidade coordenativa, melhora a noção espaço-temporal e a capacidade motora, articular e cardiorrespiratória. Retarda o risco de osteoporose, reduz riscos de quedas, aumenta a força muscular, permitindo, assim, maior mobilidade e independência. 43


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Dança Moderna – A dança permite relacionar o sistema educativo com a formação corporal e, por isso, ela pode beneficiar a pessoa idosa no seu estado mental, na redução das tensões e frustrações e na liberação das emoções reprimidas. Dança do Ventre - É uma atividade despojada, na qual a pessoa idosa pode explorar o corpo através de movimentos sinuosos e expressivos. Para o desenvolvimento dessa modalidade artística, uma metodologia foi adaptada, trabalhando, de forma coerente e saudável, os diferentes movimentos corporais solicitados pela composição musical, dentro das possibilidades e potencialidades de cada participante. Esportes Adaptados/Jogos Recreativos – Estas atividades são adaptadas ao idoso de acordo com as capacidades motoras e participativa dos idosos. São sempre recreativos e primam pela coletividade e cooperação. Promovem uma harmonia entre o fazer descompromissado e o prazer da realização. Além do bem-estar proporcionado pelo movimento, alterações em aspectos como noção espaço-temporal, equilíbrio, velocidade de reação, lateralidade e força muscular podem ser observados com a prática dessa modalidade. Língua Estrangeira – Inglês – Pretende-se com essa iniciativa proporcionar aos idosos o contato com a língua inglesa. Saber falar outra uma língua nos coloca em contato com novas culuras, novas pessoas; abre um leque de opções de contato e aprendizagens infinitas, significativas para toda a vida. Canto e Coral: Tem como objetivo desenvolver o espírito crítico dos idosos, o gosto pelas artes, o espírito de equipe, a cooperação entre pares, aguçando sua sensibilidade para a musicalização. 44

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Inclusão Digital: O ensino de informática para idosos é uma tarefa que tenta efetuar a inserção do aluno no mundo digital. Esta atividade é realizada em parceria com a ESEBA- Escola de Educação Básica da UFU Aulão - É uma atividade dinâmica e divertida realizada a cada início de semestre com a participação dos idosos do projeto AFRID. São organizadas diversas atividades coletivas com a intenção de incentivar todos a participarem de uma gincana esportiva/social. Passeios turísticos - Pela cidade e região e eventos culturais - teatro, canto, cinema – Visase com estas atividades, a desenvolver o espírito crítico dos idosos, o gosto pelas artes, o espírito de equipe, a cooperação entre pares, aguçando, assim, a sua sensibilidade para a história local e regional, bem como para o conhecimento da importância do lazer para uma vida saudável e com qualidade. Eventos Sociais – Festa Junina e Festa de Natal – São eventos realizados em datas específicas e buscam a confraternização entre todos os idosos participantes do Projeto AFRID e familiares, inclusive aqueles abrigados nas ILPIs. Semana do Idoso - É um evento gratuito realizado a cada ano. É um encontro informativo, educacional e cultural para a comunidade em geral, especialmente a clientela idosa, pertencente ou não ao projeto AFRID. Tem o propósito de criar uma maior integração e socialização entre os pares, aquisição de conhecimentos e informações acerca de temas que dizem respeito ao envelhecimento e, ainda, criar oportunidades de revitalizar potencialidades adormecidas ou estagnadas ao longo dos tempos. Para a concretização do evento várias são as ações implementadas, como:

palestras, oficinas, concurso da miss e do mister terceira idade, serviços relacionados à saúde, sorteio de brindes, encaminhamentos médicos e odontológicos, entre outras possibilidades de atendimento. Participam, aproximadamente, cerca de 3.500 pessoas inscritas. Além das atividades já citadas, o AFRID, em parceria com outras Unidades Acadêmicas e/ou Entidades, oferece atendimento psicossocial e fisioterápico, assim como promove atendimentos a pessoas portadoras de diabete e hipertensão. Esse procedimento é desenvolvido no próprio Campus da Faculdade de Educação Física por uma equipe de profissionais e estagiários das diferentes áreas envolvidas. Para garantir a divulgação do material produzido no âmbito do projeto, é cofeccionado um jornal bimestral com artigos elaborados pelas pessoas envolvidas, profissionais convidados. Além disso, um home page do Projeto (www.afrid.faefi.ufu.br) é alimentada continuamente com informações atuais referentes ao envelhecimento saudável. A cada ano novas modalidades são acrescidas ao leque de opções com a finalidade de atender o público nas suas mais urgentes necessidades e desejos. Ações extensionistas desenvolvidas nas instituições de longa permanência para idosos As atividades desenvolvidas nessas instituições são adaptadas de acordo com as necessidades e condições de cada grupo de idosos – acamados, cadeirantes e ativos. Desenvolvem-se atividades recreativas que variam desde festas, cantigas, recortes, colagens e pequenos jogos motores até exercícios de reabilitação. As atividades físicas e recreativas desenvolvidas são:

•Cantigas e danças folclóricas regionais; •Exercícios de coordenação, atenção e destreza motora, e brincadeiras recreativas com utilização de material alternativo - bolas de meia, bolas de borracha, balões, bastões, fitas coloridas, saquinhos de areia, etc.; •Brincadeiras recreativas com ou sem material; •Movimentos espontâneos, expressivos e criativos com material alternativo para melhora do equilíbrio, plasticidade e força muscular, principalmente dos membros inferiores; •Ginástica cerebral com exercícios para a ativação da memória; •Confecção de instrumentos musicais de percussão para bandinha rítmica; •Atividades de psicomotricidade fina para aguçar as habilidades manuais; •Atividade de desenho dirigido e espontâneo, colagem, recorte em grandes dimensões; •Exercícios de alongamento e posturais (passivo, ativo, em grupo); •Trabalhos manuais: bordado, argila, pintura em tecido e papel, etc.

Recursos Humanos Envolvidos Atualmente o projeto conta com a participação de uma professora coordenadora, três professores colaboradores, dois técnico-administrativos, trinta e sete monitores do curso de Educação Física, uma estagiária do Curso de Pedagogia, duas estagiárias do Curso de Psicologia e quatro estagiárias do Curso de Enfermagem. Resultados O Projeto AFRID/UFU tem como metas melhorar a qualidade do trabalho, atender um maior número de idosos, aumentar o desempenho dos monitores e estagiários, abrir novas modalidades esportivas, culturais e recreativas; aumentar o número de ILPIs atendidas e, ainda, incrementar, significativamente, o volume da produção científica referente ao envelhecimento bemsucedido. Pode-se afirmar que essas metas têm sido alcançadas com competência e qualidade, ao longo de todo o desenrolar do projeto. 45


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O pessoal envolvido no projeto tem participado efetivamente dos congressos mais importantes da área, apresentando um número considerável de trabalhos, os quais avaliam a população atendida nos mais variados aspectos sejam biológicos e psicológicos, sejam sociais. Os responsáveis pelo projeto estimulam os monitores/estagiários à publicação, tendo em vista a possibilidade de produção do conhecimento como forma de aprendizado e enriquecimento curricular. Como indicadores de resultado positivo, pode-se citar os prêmios obtidos pelos Grupos de Dança Moderna e do Ventre em festivais de Dança do Mercosul (Foz de Iguaçu e Argentina), classificados nos 1º e 2º lugares por três anos consecutivos, na categoria Terceira Idade. Conclusão O Projeto AFRID/UFU tem conseguido alcançar os objetivos preconizados, melhorando a qualidade de vida, o bem estar físico, social e emocional dos seus participantes. Dessa forma, a Universidade, por meio de seus projetos extensionistas e de prestação de serviços, cumpre um papel primordial para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas bem como na formação de futuros profissionais competentes para atuarem tanto no campo da geriatria, como da gerontologia e, ao mesmo tempo, incentivar estudos e pesquisas sobre o envelhecimento humano. Referências BERQUO, E. S.; CUNHA, E. M. G. P. Morbidade feminina no Brasil (1979-1995). Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.

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(Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população 2007. IBGE 2008. Tendências demográficas – Uma análise da população. IBGE 2007. FARINATI, P. T. V. Envelhecimento: Promoção de saúde e exercício. Rio de Janeiro: Manole, 2008. NERI, A. L. O que a Psicologia tem a oferecer ao estudo e à intervenção no campo do envelhecimento no Brasil, hoje. In: NERI, A. L.; YASSUDA, M S (Orgs.); CACHIONI, M.(col.);. Velhice bem-sucedida, aspectos afetivos e cognitivos. Campinas, SP: Papirus, p. 13 -27, 2004.

A FAMÍLIA, A ESCOLA, E A LÓGICA DO FRACASSO ESCOLAR Hítala Maria Campos Gomes

SHEPHARD, R. J. Envelhecimento, atividade física e saúde. Rio de Janeiro: Phorte Editora, 2003. SIQUEIRA, M. E. C Velhice e políticas públicas. In: NERI, A. L. (Org.) Idosos no Brasil: Vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo: Editora: Fundação Perseu Abramo, 2007. WHITAKER, D. Envelhecimento e poder. São Paulo: Alínea, 2007

RESUMO Este trabalho pretende demonstrar, por meio de um projeto realizado na Escola de Primeiro Grau José Áureo Monjardim, que a dificuldade de aprendizagem, presente hoje na escola, pode ser vista também como um sintoma, que pode ter tido suas origens fora do contexto escolar. Nesses casos, um atendimento psicanalítico torna-se necessário e útil. PALAVRAS CHAVES dificuldade escolar; angústia; família; psicanálise.

CLAVAIROLLE, F.; PEIXOTO, C. E. Envelhecimento, políticas sociais e novas tecnologias. São Paulo: FGV, 2005. COSTA, G. A. Atividade Física, Qualidade de vida e currículo: Por uma velhice bem-sucedida. 2000. 265 fls. Doutorado

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Introdução O Projeto A Clínica na Escola é uma parceria entre a Escola de Primeiro Grau José Áureo Monjardim, a Pró-Reitoria de Extensão da Ufes e a Prefeitura Municipal de Vitória-ES, e funciona no bairro Fradinhos, em Vitória ES. O trabalho é desenvolvido desde 1998, não tem prazo para terminar, e foi desenvolvido no ano de 2009 através de atendimentos individuais às crianças com dificuldade escolar e também com algum tipo de conflito ou angústia. Objetivos O projeto A Clínica na Escola tem por objetivos: oferecer à escola os recursos da psicanálise; possibilitar a criação de um espaço psicoterapêutico para crianças com dificuldade escolar; acolher a demanda de atendimento estabelecida pelos educadores;e possibilitar uma experiência e estudo clínico sobre a angústia envolvida na questão da dificuldade de aprendizagem. Dessa maneira, a dificuldade escolar será vista e estudada a partir de uma outra ótica, não apenas como uma questão cognitiva, ou como responsabilidade da escola ou do aluno, mas também como um possível sintoma de uma situação complicada que a criança pode estar vivendo. Metodologia O primeiro passo é o acolhimento da demanda dos educadores (professores, pedagogas ou coordenadoras) e dos estudantes. Normalmente os educadores encaminham aqueles que apresentam maior dificuldade escolar, os estudantes tidos como “hiperativos”,“inquietos”, “bagunceiros”, contudo, em alguns casos, a demanda parte do próprio aluno que em virtude de alguma angústia não consegue acompanhar bem o processo de aprendizagem escolar. 48

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Após esta fase, os estudantes de psicologia realizam entrevistas com os alunos e com os pais destes; a escola em parceria com o projeto auxilia também neste contato com os pais. As crianças com dificuldades são, então, encaminhadas para a psicoterapia. Estas têm participado e se responsabilizado pelo seu trabalho terapêutico. Este processo é acompanhado por grupos de estudo e por supervisões semanais. Também acontecem reuniões mensais, entre os supervisores e alunos a fim de se discutir os temas e questões gerais, sejam institucionais, ou mesmo uma dificuldade individual. Isso para que os alunos tenham uma base suficiente para atender e escutar as demandas dos estudantes e da escola. O público alvo do projeto, portanto, são os alunos de 1ª a 8ª Séries da Escola Joaquim Áureo Monjardim. É um serviço aberto a todos, contudo, o atendimento é realizado respeitando a uma prioridade de espera, urgência, compatibilidade de horário e da disponibilidade de extensionistas. A Família,a Escola e a Lógica do Fracasso Escolar O modelo de família e a forma de lidar com a construção do sujeito e sua subjetividade vêm sendo modificados ao longo dos anos.Até o século XVII, a família não existia como um sentimento ou valor, era mais uma realidade moral e social, e a partir desse momento, muitas transformações ocorreram. Segundo Áries, É entre os moralistas e educadores do século XVII que vemos formar-se esse outro sentimento da infância [...] que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação moral. (ARIÈS, 1981, p.162) .

Mesmo já existindo esta diferenciação entre criança e adulto desde o século XIII, o século XVII se torna um marco decisivo, pois é neste momento que a criança se torna o centro de composições (na pintura, na iconografia), aparecendo nas pinturas agora sozinhas, e até mesmo nuas. No final do século XVIII, a família se fecha, se individualiza, e assume uma função moral. Além disso, surge também uma identidade, os membros da família se unem pelo sentimento, costume e o gênero de vida (ARIÈS, 1981). É também no final deste século que aparece a ação da medicina doméstica, conferindo à mulher um novo poder. As funções maternas ganham maior importância, e diminuem as influências externas na criação dos filhos,assim,a mãe transforma-se numa educadora (DONZELOT, 1986). Nesse momento, a medicina aparece não como uma forma preventiva. A esse respeito Ariès diz que“Tratava-se dos doentes com dedicação [...] um corpo mal enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios” (ARIÉS, 1981, p.164) . Nas famílias burguesas, os médicos alertam a respeito da educação “errônea” ao deixar os filhos no internato,ou sujeitá-los a programas excessivos, e no final do século 19 se inicia uma educação mista, familiar e escolar (DONZELOT, 1986). Este autor relata ainda que nas famílias pobres ocorreu o inverso, muitas crianças foram abandonadas em hospícios para menores. Deste modo, eram submetidas, basicamente, a muitas horas de trabalho e a poucas horas de uma instrução muito precária. Não era interessante que se “aprendesse a pensar”, pois isso poderia fazer com que os indivíduos questionassem a ordem vigente. Era apenas importante que“aprendessem a trabalhar” para que a produção industrial aumentasse.

A escola aparece neste contexto como uma solução possível, prudente, barata e preventiva, contra as resistências individuais e coletivas para com as novas condições de vida e de trabalho. (ARIÈS, 1981). Nos séculos XVIII e XIX a escolaridade aumentou sua duração, junto com as exigências disciplinares rigorosas. Nesse período, a educação também se torna possível às mulheres. Surge, contudo, um ensino duplo, que faz distinção de acordo com a condição social: de um lado escolas para os burgueses e de outro, escolas para o povo. (ARIÈS, 1981). O acesso ao saber se torna exclusividade da escola e só é considerado legítimo se obtido nesta instituição. Atualmente, através da ética do consumo, que difunde na cultura a promessa de que tudo é permitido, o estudo passa a ser guiado pelo imperativo capitalista, estudando-se para garantir a entrada numa universidade, um futuro melhor (COHEN, 2006), deixando a educação de se constituir como um princípio em que o homem transmitia socialmente sua singularidade, estando então, relacionada à transmissão dos valores de uma sociedade. Cohen (2006), afirma ainda que: Para o sujeito da modernidade, a conduta moral é uma forma específica de sujeição [...] Não só suas ações serão sempre julgadas,como também outras manifestações da moralidade que obedecem a determinados parâmetros fazem com que ele se constitua a partir da relação consigo mesmo, tomando-se como objeto a conhecer e utilizando práticas que modifiquem seu modo de ser . Existe, então, neste sujeito da modernidade, uma preocupação com a conduta moral, cuja transgressão implicará em castigo, as ações 49


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morais muitas vezes serão julgadas, e a escola em alguns momentos, irá facilitar e moldar esse sujeito. Assim, não é possível se pensar em escola e educação desvinculadas da sociedade e da política, já que os governos atuais exercem uma política dita democrática em que a força de mercado globalizado rege a vida das pessoas, implicando também, na educação. Chomsky apud Cohen (2006) diz que “Hoje, [...] o saber se vincula diretamente à busca de lucro e os atuais governos, ditos democráticos, exercem uma proteção da propriedade privada em que a força de mercado, globalizada, rege a vida dos cidadãos” . Com o capitalismo, a infância passou a se situar numa nova posição social, a criança passa a ser coadjuvante dos pais, já que pelo trabalho escolar elas se preparam para assumir seu futuro lugar de trabalhador e cidadão (COHEN, 2006). Além disso, é possível notar fortemente a presença de uma política segregacionista e reducionista nas instituições de ensino, um exemplo é o convite que a escola faz ao aluno que não passa de ano de se retirar da escola, favorecida pela conivência dos pais. Tais políticas passam a ser justificadas até mesmo cientificamente, por meio de explicações que se esgotam no plano das diferenças individuais de capacidade (PATTO, 1997). Muitas vezes, as práticas e os processos escolares que dificultam a aprendizagem não são levados em consideração, tendendo a produzir nos alunos atitudes e comportamentos que os rotulam como “indisciplinados”, “bagunceiros”, “burros”, “hiperativos”, “agressivos”, e/ou “com alguma deficiência mental”. Estas atitudes têm sido colocadas como legitimidade. Classificam50

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se as crianças para fins de inclusão ou exclusão na escola, no entanto, tal fato, acaba por tomar verdadeiro o que seria útil e prático para a própria escola. Afinal, é mais fácil achar um culpado, e que este culpado seja sempre o outro. Nem mesmo a psicologia escapa deste cientificismo “coisificador” do sujeito e do conhecimento, já que com seus testes e laudos, muitas vezes, apenas reduzem o sujeito, criando estigmas e excluindo (PATTO, 1997). Contudo, o fracasso escolar nem sempre é um sintoma. Ele pode decorrer, apenas, do encontro do aluno com diferentes encarnações dos ideais educativos na cultura, se expressando então, por meio de mecanismos inibitórios. Às vezes, nem mesmo seja necessário um tratamento psicanalítico, e sim um trabalho transferencial entre professor e aluno, uma vez que [...] as tensões originas nas articulações entre o impossível e o necessário da educação, podem, por intermédio da inibição de funções cognitivas, traduzirem-se em fracasso escolar. Por outro lado, não se pode descartar que o fracasso escolar pode ser abordado enquanto sintoma. Isso porque, “[...]a aprendizagem é a possibilidade de a criança tomar o que está no campo do Outro. Para que isso ocorra, todavia, é necessário um encontro, uma contingência que possibilite a transmissão de algo. Desse encontro contingente o fracasso escolar pode se produzir como sintoma e deixar sua marca na cultura . Neste sentido, o papel do psicanalista dentro da escola será um importante contribuição ao processo de aprendizagem.

DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO À ANGÚSTIA NA ESCOLA De acordo com Lacan (1969), na evolução das sociedades, a família conjugal que é sustentada e mantida,valoriza uma transmissão – da ordem de uma “constituição subjetiva”, que implica que o desejo não seja anônimo . Sauret (1998) acrescenta ainda que “não há necessidade de família para se fazer filhos, mas para se fazer sujeitos, sim. Então essa transmissão implica a relação com um desejo que não seja anônimo . Assim, a inscrição do sujeito no simbólico lhe pré-existe, uma vez que é a partir de um investimento fálico, da alteridade na criança, que a incidência da ordem do significante é traçada. Então, [...] esse objeto criança não pode prescindir da animação da estrutura operada pelo agente de seus cuidados. Esse Outro primordial, a mãe, atribui ao infans um lugar e uma significação, que não pode senão alienar-se na condição de objeto de um outro, funcionando dessa posição. Como objeto, o infans é alguma coisa para alguém e está submetido a isso. Contudo, essa relação entre a mãe e a criança é atravessada pela função paterna, que incide sobre o desejo materno que irá determinar a condição de possibilidade do sujeito se constituir. Miller(1997) lembra que “A função feliz da paternidade é [...] realizar uma mediação entre as exigências abstratas da ordem, o desejo anônimo do discurso universal, de um lado, e o que decorre, para a criança, do particular do desejo da mãe”. Então, o sujeito irá se estruturar a partir de um saber suposto ao pai, substituindo a operação anterior de alienação ao Outro primordial (Vocaro, 2005). Dessa maneira.

A metáfora infantil, como se pode chamála, pode inscrever-se como a conseqüência da metáfora paterna. E vê-se bem o quanto ela ameaça, primeiro, fazer sumir do mapa o desejo do falo do lado da mulher e, segundo, fixar o sujeito a uma identificação fálica, a ponto de fazer do desejo de ser o falo a fórmula constante do desejo neurótico. Assim, numa relação dual com a mãe, ao mesmo tempo em que a criança a recebe como imediatamente acessível, preenchendo a mãe, ela também a divide. E conseqüências clínicas irão aparecer de acordo como tal processo se efetua. O sintoma surge então, na criança, a partir da relação dual desta com a mãe ou ainda a partir do par familiar (pai/mãe). E é neste sentido que Lacan (1969), dirá que “o sintoma da criança é capaz de responder pelo que há de sintomático na estrutura familiar”. O sintoma da criança, portanto, aparece como uma resposta à verdade do casal. Mesmo assim, a criança se torna responsável por ele, uma vez que os sintomas a constituem como sujeito de sua própria palavra. Neste contexto, a escola surge como uma segunda chance para a criança. É na escola (principalmente nas escolas como a creche e a pré-escola), que a criança – com dificuldade no seu processo de desenvolvimento – tem a possibilidade de encontrar um ambiente mais saudável e mais acolhedor, menos submetido às questões de existência de seus familiares e resolver junto com os professores e seus amigos as grandes questões de sua inserção no mundo humano. Sobre a importância da escola no desenvolvimento da criança, Borges (2205) acrescenta que é justamente neste espaço de conivência “onde são postas à prova às 51


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identificações, a metáfora paterna, a relação com o sexo, tudo que constitui a subjetividade” . O sintoma, portanto, poderá se manifestar também no processo de aprendizagem e em dificuldades na escola, mostrando assim, um possível caminho encontrado pelo jovem para solucionar a sua questão. Isso porque, […] o sintoma é uma linguagem que nos cabe decifrar. O indivíduo propõe a sua questão por intermédio de seus pais, para eles ou contra eles. O apelo à opinião surge aí quase sem o conhecimento dele. A angústia é o seu motor, o sintoma aparece como uma solução. Nesse momento em que o jovem está em sofrimento, uma nova clínica pode surgir, onde um adulto recebe o sofrimento e a palavra da criança e do adolescente, através da escuta ou mesmo através da“imposição”de limites e normas eficazes, flexíveis e necessárias para acalmá-los, o que permite substituir ações destruidoras e indiscriminadas por um lugar possível de se colocar na sociedade. Deste modo, utilizar-se da teoria psicanalítica na psicologia escolar é ir além do descolamento da psicometria das recomendações, de um processo de orientação, que ultrapassa laudos cheios de psicodiagnósticos e resultados. (SANTOS, 2001), isto porque a psicanálise permite um respeito à palavra do sujeito, à sua singularidade e à verdade do seu discurso, conforme nos apresenta Bautheney (2001). Pode-se concluir que as dificuldades apresentadas pelos alunos vão além das questões escolares, portanto a tentativa de garantir a escuta dessas crianças é também a de lhes garantir um lugar 52

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de voz e uma nova postura escolar, familiar e social. Assim, o projeto “A Clínica na Escola” visa um atendimento psicoterapêutico desses alunos com dificuldade escolar (inicialmente), a fim de se criar um lugar de escuta destes, o que pode possibilitar uma “contenção” da angústia e, com isso, os conflitos, as dificuldades familiares e escolares tendem também a diminuir, o que facilita a participação da criança e adolescente na escola e contribui para modificar a postura e o comportamento destes diante da vida. Considerações Finais A psicanálise pensa a criança como um ser ativo, que desde cedo faz escolhas de gozo que irão orientar sua existência, e ainda, com necessidades e demandas específicas para este período (BORGES, 2005). Na época em que a criança vai para a creche, ela está traçando os alicerces fundamentais de sua estruturação como sujeito humano. Neste período ela aprende a se locomover, a falar, a organizar suas expressões e desejos e fundamentalmente a resolver questões próprias, estruturantes sobre sua origem, que inclui a própria noção de eu e também questões sobre sua identidade de gênero. Sobre a importância da escola neste período, Borges (2005) acrescenta que depois da família, ela (a escola) é o primeiro campo de socialização da criança, porque “[...]instituise automaticamente como parceiro, parceirosintoma, [...], porque ensinar a leitura, a escrita, o cálculo, a instrução, enfim, equivale a se ensinar a cifrar o gozo, ou seja, a faze-lo entrar no intercambio simbólico . O psicanalista aparece, então, numa tentativa de abrandar a dimensão sintomática deste sujeito, uma vez que é através da escuta que a família e a criança poderão dizer sobre o que acontece.

Segundo Prates (2005), a quem escuta, cabe suportar e sustentar este lugar com os recursos disponíveis na sua formação profissional, e na Instituição onde ele está trabalhando, na maior e melhor parte das vezes, na escola. Desta forma, a análise com estas crianças apresenta a possibilidade de ir além do sintoma que a mortifica, “operação que implica passar do ‘dito’ ao desvelamento do dizer do sujeito que subjaz ao sintoma” , o que torna possível ao sujeito, uma mudança de posição subjetiva diante do discurso familiar, e uma mudança de postura e comportamento. Durante a realização do projeto percebeu-se que através de interação com a equipe é possível também, uma escuta melhor dos alunos por parte dos professores e orientadores, o que favorece todo o processo de aprendizagem, e os relatos do trabalho que já vem sendo desenvolvido apontam para uma melhora do quadro clínico e pedagógico da maioria das crianças atendidas, além de um maior engajamento por parte dos professores e pedagogos envolvidos. Espera-se, assim, que esta participação continue aumentando, e também, que a angústia dos alunos bem como aquela que permeia o ambiente escolar possa estar sempre diminuindo.

BORGES, Sônia. A escola como parceiro-sintoma. Disponível em:<http://www.revistas.ufg.br/index.php/ interacao/article/view/1315/1358 >Acesso em: 26 março 2008 COHEN, Ruth Helena Pinto. A lógica do fracasso escolar: psicanálise & educação. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2006. DONZELOT, Jacques. A polícia das Famílias. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1986 LACAN, Jacques. Duas notas sobre a criança. 1969 MANNONI, M. A primeira entrevista em psicanálise. Rio de Janeiro: Campus, 1982. MILLER, Jacques – Alain. A criança entre a mulher e a mãe. Opção Lacaniana, São Paulo, 1997. PATTO, Maria Helena Souza. Para uma Crítica da Razão Psicométrica. Psicol. USP , São Paulo, v. 8, n. 1, 1997 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-65641997000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 31 Out 2007. SANTOS, Leandro Alves Rodrigues dos. Psicologia escolar e psicanálise: saberes antagónicos ou intersecção ainda pouco explorada? .In: COLÓQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 3., 2001, São Paulo. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/ scielo.php?screipt=sci_arttex&pid=MSC000000003200100030 0035&lng=en&nrm=abnt> Acesso em: 17 maio 2007

REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. LTC Editora, Rio de Janeiro, 1981 BAUTHENEY, Kátia Cristina Silva Forli. Clínica psicopedagógica ou psicologização do cotidiano escolar? : Delimitando dois campos distintos. In: COLÓQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 3., 2001, São Paulo. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttex&pid=MSC0000000032001000300 028&lng=en&nrm=abnt> Acesso em: 17 maio 2007

SAURET, Marie-Jean. O infantil & a estrutura. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 1998. VOCARO, Ângela. Crianças na psicanálise: clínica, instituição, laço social. Rio de Janeiro: Companhia do Freud, 1999.

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Entrevista

Criado em 1998, o Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (PAVIVIS) é hoje referência no setor. Por meio do programa foram atendidas e encaminhadas mais de quatro mil crianças e mulheres vítimas desse tipo de violência. O programa é, também, responsável pelos encaminhamentos dos casos que atende às instâncias jurídicas, tornando-se única referência para o abortamento jurídico. Funcionando com poucos profissionais e num espaço emprestado no Centro de Ciências da Saúde, o PAVIVIS hoje busca novo fôlego para continuar com os relevantes atendimentos que presta à sociedade capixaba. Na entrevista a coordenadora do programa, Margarita Martin, fala das origens e rumos do PAVIVIS. 54

Como surgiu o Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (PAVIVIS)? Durante meu trabalho dentro das enfermarias da Maternidade pude observar a chegada de adolescentes grávidas que compareciam até o HUCAM para o parto, sem acompanhamento do pré natal, em condições de abandono familiar e até abuso sexual. Assim, resolvi acompanhar o atendimento também do ambulatório de Ginecologia com a finalidade de tentar oferecer algum suporte nesses casos. A Dra. Clicie Lima Turra, que fazia sua residência conosco, acompanhou alguns destes casos e, quando formada, foi para o DML como perita. Lá, encontrou um número expressivo de mulheres e adolescentes com queixas objetivas ou veladas sobre histórias de violência sexual. Sensibilizadas com o sofrimento destas mulheres e com a falta de um serviço adequado a tal demanda, surgiu a vontade de oferecermos um espaço de acolhimento e escuta para estas pessoas. Aos poucos, alguns profissionais, funcionários do Hucam e estudantes da UFES, foram se aproximando voluntariamente deste trabalho após o término dos seus atendimentos. No início de 1998, com a crescente demanda por atendimento, profissionais de diversas áreas afins foram se agregando ao serviço. Assim em outubro de 1998, foi firmado um convênio de parceria científica entre a Polícia Civil, por meio do DML/Vitória, e a UFES, por meio do HUCAM, que possibilitou a criação do PAVIVIS (Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual). Por meio desse convênio, as vítimas de violência sexual atendidas pelo DML seriam todas encaminhadas até o PAVIVIS para receberem acompanhamento médico, 55


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laboratorial, e psicossocial. Esse convênio não envolvia nenhum recurso financeiro para o Programa. Todo o Hucam foi treinado para a recepção prioritária destes casos, no que se refere às datas das consultas, dos exames e da distribuição de medicação de acordo com as Normas do Ministério da Saúde. Em 2001 o Governo Federal, por meio do Ministério de Ação Social, iniciou o Programa Sentinela juntamente com as Prefeituras Municipais. O programa Sentinela tinha como objetivo o acompanhamento à vítimas de violência sexual a crianças e adolescentes, assim como a criação de um plano de ação para trabalhar a questão da exploração sexual infantil. A Prefeitura de Vitória, conhecendo nosso trabalho, entrou em contato, solicitando que assumíssemos este Programa. Isso nos permitiu contratar todos os profissionais que já tinham sido treinados e trabalhavam conosco há quatro anos. Em 2002, o PAVIVIS se tornou projeto de Extensão da UFES, e também parceiro do Ministério Público Estadual, através do Centro de Apoio à Infância e a Juventude e do Centro de Apoio Criminal. Este convênio foi assinado pelo Procurador Estadual do Ministério Público e seus dirigentes; o Reitor da Universidade, e o Diretor do HUCAM, assim como o Chefe da Polícia Civil junto com a Diretora do DML/ Vitória e foi publicado no Diário Oficial e da União, e foi renovado por cinco vezes. Em 2008, porém, o atendimento do PAVIVIS foi suspenso em função do fim do convênio do Programa Sentinela da Prefeitura Municipal de Vitória. Em conseqüência disso, não 56

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pudemos mais contar com os profissionais cuja contratação só era possível por meio dos recursos financeiros que eram recebidos do Governo Federal e administrados pela prefeitura. Como o PAVIVIS pode continuar seu trabalho com o fim do convênio com o programa Sentinela? De outubro de 2008 até outubro de 2011, atuamos apenas com dois profissionais. Recebíamos todas as vítimas de violência sexual do estado, maiores de 18 anos que compareciam ao PAVIVIS com até 72 h após a violência. Fazíamos o atendimento psicossocial de emergência. Em meados de 2011, com a minha aposentadoria compulsória, procuramos or órgãos competentes para mostrarmos a impossibilidade de continuar com qualquer tipo de atendimento com um só profissional e comunicando que devido às atuais condições o Programa fecharia suas portas definitivamente. O próprio HUCAM se negou a continuar sendo referência de atendimento às vítimas de violência sexual sem o trabalho do PAVIVIS como uma “porta de entrada” e de acolhida para o atendimento psicossocial e o acompanhamento às vítimas, principalmente no Serviço de Interrupção à Gravidez. Assim, várias encontros e reuniões foram marcadas com pessoas do meio político, legislativo e executivo, intermediadas pelo servidor da Ufes, Antonio Lopes. Em uma audiência pública realizada na sede da OAB em Vitória, as comissões de Saúde e Direitos Humanos da OAB e da Assembléia Legislativa assumiram o compromisso de não deixar o Programa fechar, e em outubro de 2011,

conseguimos contratar três profissionais por um ano. Isso nos deu fôlego e nos permitiu recomeçar o atendimento com crianças e adolescentes com a esperança de conseguirmos novos contratos para poder alcançar a qualidade e a amplitude que tínhamos anteriormente.

demanda espontânea. O Serviço Social recebe a vítima e faz a entrevista de acolhimento. Quando a vítima for criança ou adolescente, acompanhada pelo seu responsável, será encaminhada de acordo com sua idade e suas necessidades para os profissionais da equipe. (ver box)

Como é feito o atendimento dessas pessoas que sofrem violência sexual? Nestes quase quatorze anos de funcionamento foram acompanhados cerca de 4.000 casos. O Programa, que a princípio somente pretendia oferecer atendimento de saúde, foi gradativamente acumulando mais funções e ampliando sua atuação e objetivos. Uma equipe técnica multidisciplinar foi montada para o funcionamento do programa, que hoje conta com profissionais nas áreas de saúde, psicologia, assistência social e direito etc.

Nossa proposta é fazer com que a vítima, subjugada por acontecimentos fora de sua escolha, seja bem recebida, criando, assim, uma relação de confiança que lhe permita crescer e aumentar sua auto-estima abalada pela violência. Procuramos torná-la sujeito de seu tratamento evitando, assim, reforçar sua posição de submissão.

Nosso fluxo de atendimento foi criado aos poucos e hoje os pacientes recebem atendimento conforme o Protocolo do Ministério da Saúde no que se refere ao acompanhamento médico, medicamentoso e exames laboratoriais para rastreamento de doenças sexualmente transmissíveis. Também usufruem de atendimentos e acompanhamentos dos profissionais da equipe de saúde mental e o serviço social acompanha a situação familiar e faz os encaminhamentos devidos aos serviços da Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente e da Rede de Atenção à Mulher Vítima de Violência. No nosso fluxo, a vítima com denúncia é encaminhada ao DML, que envia para o nosso serviço através de um “folheto”, que orienta esta a comparecer o mais rápido possível (até 72 horas) após a violência. A vítima sem denúncia se dirige diretamente ao PAVÍVIS portando o encaminhamento recebido ou através da

A partir dessa primeira entrevista e após o estudo do caso pela equipe, a vítima terá um atendimento específico com procedimentos médicos laboratoriais e acompanhamento terapêutico. A situação da vítima é notificada para os órgãos que compõem a Rede de Atendimento de defesa de direitos e garantias (DPCAs, Conselhos Tutelares, Ministério Público e Programas Sentinela). Desta maneira, todos os agentes são notificados do caso para que juntos possa ser enfrentada a situação da violência. O atendimento jurídico é fornecido através da orientação às famílias e o acompanhamento dos processos. Conforme solicitações das entidades de responsabilização (Delegacia do Adolescente em conflito com a lei, Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente, Ministério Público Estadual e Judiciário), elaboramos relatórios de atendimento a fim de instruir inquéritos policiais e processos judiciais. Quando solicitado pela justiça, fornecemos nosso Parecer Técnico. A vítima permanece no Programa até receber a alta que permite o retorno equilibrado à sua vida sem situação de risco. 57


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No que se refere às ações educativas e preventivas, o PAVIVIS realiza treinamentos, capacitações e palestras para profissionais das diversas áreas de atuação, grupos e associações e, principalmente, para profissionais das áreas de educação e de saúde. Quais são as metas para o ano de 2012? A principal meta para 2012 será reiniciar o acompanhamento às vítimas crianças e adolescentes que foi suspensa durante dois anos, devido à demissão de profissionais com o fim do convênio com o Programa Sentinela em 2008. Temos como outra meta muito importante reunir esforços com os Órgãos de Defesa e Proteção da Criança e do Adolescente, com as Comissões de Saúde e Direitos Humanos da OAB e da Assembléia Legislativa para retomar a criação da Vara Especializada Contra Crimes à Criança e ao Adolescente. Não podemos aceitar que os processos judiciais se prolonguem durante anos nas Varas Criminais e Especializadas sem solução, enquanto as vítimas prosseguem expostas a estes crimes e os autores das violências continuem em liberdade. Outra meta é a colaboração no fortalecimento das Redes de Proteção Integral e de Atenção, que permanecem falhas devido à dificuldade da integração efetiva das diversas entidades, no fluxo de transferência e contra-referência e a competitividade entre elas. O que você acha que pode ser feito para combater este tipo de violência? A violência e a exploração sexual é um fenômeno complexo e multifatorial. O enfrentamento à violência, o acolhimento, a proteção e o atendimento a estas pessoas exige compreensão, conhecimento e comprometimento. Necessitamos de ações mais urgentes, eficazes e articu58

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ladas, juntamente com o compromisso ético-profissional dos atores sociais dos diversos segmentos envolvidos neste processo. Não podemos esquecer que a denúncia é o primeiro passo para o combate a esta forma de violência, mas exige um processo posterior imediato que necessita e deve urgentemente ser revisto e modificado: o combate à burocracia e sua lentidão no sistema judiciário; o combate à impunidade; a criação, o fortalecimento e a continuidade dos serviços existentes, com condições de sustentabilidade nas políticas públicas de responsabilização, defesa de direitos, atendimento e prevenção; profissionais capacitados e comprometidos. Precisamos do planejamento de ações de curto, médio e longo prazo. Somente com o envolvimento e compromisso da sociedade e, principalmente, do interesse político e público, estaremos trilhando o verdadeiro caminho do enfrentamento. A Rede de Proteção Integral deverá ser vista com um olhar diferenciado que tenha na vítima o principal foco de atenção e não apenas um número a ser codificado. Precisamos expandir o conhecimento do fluxo de referência e contra referência. É preciso que a Rede de Proteção Integral trabalhe em conjunto e em unidade com os mesmos princípios, mesmo atuando em órgãos diferentes, para que a se beneficie de toda ajuda e proteção que o Estado tem o dever de oferecer, a curto e longo prazo, e não se torne “propriedade” de um serviço único onde, lamentavelmente, existe, muitas vezes, passividade e competitividade política.

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Ensaio Visual

César Cola César Cola mora em Vitória, Espírito Santo, Brasil. Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim em 1956, mudando-se para Vitória em, aproximadamente, 1962, onde reside até os dias atuais. Desde sua infância, possui o hábito de desenhar e pintar, tendo uma relação importante com tudo o que é visual.

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Aos doze anos frequenta aula de pintura acadêmica com a professora Sônia Campello, juntamente com seu irmão e desde então jamais parou de lidar com a arte. Elabora desenhos e pinturas frequentemente, consolidando com outras atividades que desenvolve, como professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Produz textos sobre processo de criação e arte, algumas vezes relacionadas ao desenho da criança. É leitor assíduo de autores, geralmente filósofos como Merleau - Ponty, Bachelard, Schopenhauer, Bayer entre outros.

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Dessa forma, arte, filosofia, imagem, escrita fazem parte de seu universo de produção. Expõe pintura e desenho em diversas galerias de arte. Possui obras em acervos como, por exemplo, HSBC, PUC/SP, UFES, Governo do Estado do ES, CEFET, Adriana Penteado - Arte Contemporânea, Museu de Arte do ES etc. É Bacharel em Artes Plásticas, professor de Arte, Mestre em Educação e Doutor em Comunicação e Semiótica. 62

Acervo do artista Todas as imagens foram retiradas do acervo particular do artista. Para conhecer todo seu acervo, acesse:

http://www.cesarcola.com 63


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Experiência

em uma instituição de abrigo Ana Paula dos Santos Carla Ramos da Silva Mello Edinete Maria Rosa Mônica Rocha de Souza

Resumo Este trabalho consiste em um relato de experiência em um abrigo localizado em Vitória – ES, buscando compreender o desenvolvimento psicossocial das crianças no contexto da instituição, identificando os aspectos que influenciam de forma positiva ou negativa esse desenvolvimento embasado no Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Palavras- chave Inserção ecológica, abrigo, desenvolvimento humano, criança.

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O ECRIAD e as instituições de abrigo O Estatuto da Criança e do Adolescente ECRIAD foi instituído em 1990 fundamentado nos princípios da proteção integral e prioridade absoluta da criança e do adolescente, já previsto no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Uma das grandes contribuições do ECRIAD foi a proposta da superação das práticas coercitivas destinadas às crianças e aos adolescentes em condições de riscos pessoal e social, até então nomeados “menores”, além da reafirmação da condição de sujeitos de direito. Segundo o Estatuto, devem ser oferecidos serviços de assistência integral à criança e ao adolescente quando a família não assegura o cumprimento dos direitos dos mesmos (BRASIL, 1990). Para isso o Estado assume o compromisso de prover órgãos de apoio como os abrigos para os quais são encaminhadas crianças e adolescentes que estão expostos a vários tipos de abuso, negligência, exploração, vulnerabilidade e outras formas de violência. No artigo 101, parágrafo único, o ECRIAD caracteriza o abrigo como uma medida de proteção provisória e excepcional, ou seja, de caráter transitório para posterior reinserção das crianças e adolescentes no ambiente familiar, não implicando privação da liberdade. Embora o abrigo seja um ambiente temporário, pode-se observar que é freqüente a permanência do abrigado por um longo período, tornando a instituição um espaço referencial onde são estabelecidos vínculos afetivos, sociais e onde se dá a construção do seu projeto de vida, ou seja, o seu desenvolvimento. É importante ressaltar que por melhor que seja um abrigo, a criança e o adolescente nele hospedado, tem seu direito de convivência familiar e comunitária violado (SILVA, 2004).

Para Carvalho (2002) o ambiente institucional não se constitui no melhor ambiente de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto índice de criança por cuidador, a falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetiva são alguns dos aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência institucional pode operar no indivíduo. O atendimento, muitas vezes, pouco individualizado, padronizado, por ora estigmatizante, dos abrigos, tem por conseqüência a modificação na maneira de como as crianças e os adolescentes abrigados irão estabelecer vínculos afetivos e sociais futuramente. Instituições de abrigo: Considerações a partir da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano A Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano, proposta originalmente por Bronfenbrenner (1979/1996), tem sido utilizada para reconhecer os processos pelos quais o indivíduo se desenvolve inserido em um sistema de relações que sofrem intervenções de múltiplos níveis do ambiente mais próximo (SIQUEIRA; DELL’AGLIO, 2006). De acordo com essa teoria, o abrigo se caracteriza como um ambiente ecológico, pois é nele que ocorrem diversas interações, influências, atividades e vivências que ativam o desenvolvimento psicossocial dos abrigados. Acompanhar, então, ecologicamente essas entidades, seria buscar compreender as crianças e adolescentes que neles residem como indivíduos em desenvolvimento influenciados pelo contexto da instituição. A Teoria Bioecológica propõe que o desenvolvimento humano seja estudado através de quatro núcleos inter - relacionados: o 65


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processo, a pessoa, o contexto e o tempo. Neste estudo abordaremos aspectos relacionados ao terceiro componente do modelo biecológico: o contexto. O contexto é analisado através da interação de quatro níveis ambientais: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema (BRONFENBRENNER, 1979/1996). O microssistema é o ambiente mais próximo do sujeito e pode ser compreendido pelas relações que este estabelece com seus pais ou outros cuidadores. Essas relações proximais “devem ser estáveis, recíprocas e com equilíbrio de poder entre os diversos papéis” (DE ANTONI E KOLLER, 2000, p.349). No caso de abrigamento, as crianças “têm na própria instituição o microssistema central de seu ambiente ecológico” (SIQUEIRA E DELL’AGLIO, 2006, p. 72). O mesossistema é formado pela interação com outros ambientes (MAYER, 2002) ou outros microssistemas (SIQUEIRA E DELL’AGLIO, 2006), sendo ampliado “sempre que uma pessoa passa a freqüentar um novo ambiente” (CECCONELLO E KOLLER, 2003, p.04) participando dele de forma ativa (DE ANTONI E KOLLER, 2000). No caso de abrigamento, o mesossistema“consiste nas interações entre o próprio abrigo e sua família de origem, entre a escola e o abrigo” (SIQUEIRA E DELL’AGLIO, 2006, p. 72) e ainda entre o abrigo e a comunidade. Para Siqueira, Betts e Dell’ Aglio (2006) as relações desenvolvidas na transição de vários microssistemas podem agregar mais pessoas à rede de apoio social e afetiva da criança, podendo assumir o papel de fornecer apoio para ela se adaptar e superar eventos estressantes e adversos. A transição ecológica entre os microssistemas será eficaz se as interações desenvolvidas nestes contextos forem saudáveis (BRONFENBRENNER, 1979/ 1996). 66

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Para Santana (2003) o microssistema e o mesossistema são os ambientes mais importantes para o desenvolvimento das crianças devido à proximidade das relações que são estabelecidas nesses dois níveis. O exossistema, de acordo com Koller et al (2007), diz respeito à interação existente entre dois ou mais ambientes, nos quais o indivíduo não é um participante direto em todas as relações, mas é influenciado pelas mesmas no seu contexto mais imediato. Exemplo disso, podemos considerar como constituintes do exossistema, no que se refere aos abrigos, instituições como o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, assim como a direção da própria entidade (SANTANA, 2003; DE ANTONI E KOLLER, 2001). Segundo Bronfenbrenner (1979/1996) o macrossistema é um sistema mais amplo que engloba o microssistema, o mesossistema e o exossistema, e corresponde a um conjunto de crenças ou ideologias comuns a uma dada cultura ou subcultura. Na situação de abrigamento, o “macrossistema é influenciado pelos seus contextos específicos, no caso, o cotidiano institucional, e também pelo contexto mais amplo, como os valores culturais” (SIQUEIRA, DELL’ AGLIO, 2006, p.72). Metodologia de Trabalho Segundo Bronfenbrenner (1979/1996) o modelo teórico – metodológico da Teoria Ecológica permite a observação e a análise da influência dos diversos aspectos sobre o desenvolvimento humano. Através da observação naturalística o pesquisador pode se inserir ecologicamente no ambiente a ser estudado.

A inserção ecológica proposta originalmente por Cecconello e Koller (2003) consiste no acompanhamento de pessoas ou famílias ao longo de um determinado período e inclui visitas freqüentes, observações, conversas informais e entrevistas. Em síntese, “esse método tem como objetivo avaliar os processos de interação das pessoas com o contexto no qual estão se desenvolvendo” (ESCHILETTI PRATI et al, 2008, p.161). A inserção ecológica no abrigo ocorreu a partir do acompanhamento da dinâmica de funcionamento do mesmo, por meio de visitas, observações e conversas informais. Primeiramente buscou-se perceber e descrever aspectos como o espaço físico do abrigo, relações estabelecidas entre as crianças e seus cuidadores, além da identificação de dados referentes aos motivos de abrigamento, tempo de permanência no abrigo, registros de encaminhamento de casos. Resultados e Discussão Contextualização do abrigo A instituição envolvida acolhe crianças de ambos os sexos e é um abrigo gerenciado por uma organização não governamental de caráter filantrópico, de educação popular integral e promoção social (FYAES, 2008). Além disso, o abrigo recebe contribuições de doadores espontâneos e recursos financeiros da Prefeitura Municipal de Vitória. O planejamento das atividades é estruturado de acordo com um regimento interno da ONG que gerencia o abrigo com capacidade de atender até quinze crianças, abrigando atualmente treze crianças na faixa etária entre zero e seis anos de idade.

A estrutura física da instituição é bem ampla, consistindo em duas casas. A primeira casa possui: um escritório (parte administrativa), uma sala de visita, uma cozinha, uma sala de vídeo e brinquedos, um banheiro infantil, além de uma área de serviço com banheiro. Há também um espaço recreativo gramado, contendo alguns brinquedos, além de uma pequena quadra esportiva. A segunda casa é composta por quatro dormitórios e um banheiro, além de um espaço destinado aos armários coletivos das crianças. O abrigo conta com uma equipe formada por uma coordenadora (pedagoga), uma assistente social, um psicólogo, oito educadoras sociais, duas cozinheiras, dois motoristas e duas auxiliares de serviços gerais. As crianças são encaminhadas ao abrigo através do Conselho Tutelar e do Juizado da Infância e Juventude, após o recebimento da denúncia de violação dos direitos dos infantes. Os motivos de abrigamento, relatados nos históricos das crianças, são: maus tratos (21,43%), violência física (14,28%), negligência (57,14%), exploração (14,28%), abandono (21,43%) e uso/tráfico de drogas dos responsáveis (7,14%), sendo que alguns históricos relatavam como causa do abrigamento, dois ou três dos motivos citados. O encaminhamento ocorre quando as crianças estão impossibilitadas de retornar, de forma definitiva ou temporariamente, ao convívio da família de origem. Apesar do caráter transitório do abrigo, o tempo de permanência na instituição não é tão breve. Há casos de abrigamento de quase dois anos e o tempo médio de permanência é de aproximadamente um ano e três meses. Juntamente com o Conselho Tutelar, o abrigo promove trabalhos 67


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de reinserção familiar, seja na família de origem ou família substituta. No que tange a reinserção na família de origem, o Conselho Tutelar fiscaliza os lares das crianças a fim de verificar se estão garantidas as condições para um desenvolvimento saudável, outrora ausente no contexto intrafamiliar. Já nos casos de inserção em família substituta, a parceria estabelecida é com o Juizado da Infância e Juventude do município, que informa o Abrigo sobre o andamento dos casos e sobre a possibilidade de possíveis adoções. Desde o início de nossa inserção ecológica, o abrigo promoveu a reinserção familiar de três crianças, sendo uma inserida em família substituta e duas reinseridas em suas famílias de origem. A inserção em família substituta consistiu-se em uma adoção internacional. Como o estágio de convivência com a criança a ser cumprido no território nacional pelo adotante foi breve, não foi possível o acompanhamento do processo. Também não foi possível acompanhar as duas reinserções em família de origem, uma vez que a preparação para o desligamento do abrigo se dá quando o Juizado noticia ao abrigo a possibilidade de adoção ou reinserção familiar da criança. Tal informação é transmitida em última instância à instituição, fazendo com que todo o processo ocorra bem rápido, o que impossibilitou seu acompanhamento já que as visitas e observações foram efetuadas de forma alternada. No abrigo estudado, as famílias de origem compõem o mesossistema das crianças abrigadas. Isso porque não observamos a presença constante de familiares no abrigo desconfigurando uma relação face-a-face com as crianças, apesar de o abrigo incentivar as visitas e manter contato com elas. 68

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Através de conversas informais foi possível identificar alguns aspectos das relações estabelecidas entre as crianças e as educadoras sociais. O cuidado com as crianças envolve uma rotina diária de alimentação, higiene, banho, vestuário, ida à escola, medicação entre outros. As educadoras promovem brincadeiras com os infantes, além de atividades como colagem, pintura, desenhos, modelagem de massinha que fazem parte das propostas de um projeto pedagógico ainda em fase de construção. Entretanto, tais atividades nem sempre despertam a atenção das crianças, pois também são executadas no ambiente escolar. Além disso, as diferentes faixas etárias dificultam a execução de uma tarefa que atenda o desenvolvimento cognitivo de todas ao mesmo tempo. A necessidade de relações afetivas positivas dos infantes é muito grande e isso fica bem evidente nas visitas realizadas pelas extensionistas, pois elas se mostram muito receptivas, buscam interação com as elas estabelecendo vínculos através de brincadeiras, abraços e pedidos. Esse comportamento corrobora a tese de Cecconello e Koller (2003) de que na pesquisa cujo enfoque referencial é a teoria ecológica do desenvolvimento, o pesquisador faz parte do processo proximal, portanto, mediador de processos de desenvolvimento. O abrigo procura desenvolver atividades como passeios em locais externos como o Horto de Maruípe, o Parque Moscoso, o Parque Pedra da Cebola entre outros, além de passeios pelo próprio bairro para que as crianças aprendam coisas do cotidiano e interajam com a comunidade.

Conclusões O Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano possibilita a compreensão do abrigo como um espaço de diversas interações, vivências que podem influenciar em vários aspectos o desenvolvimento psicossocial das crianças. O acompanhamento da dinâmica de funcionamento da instituição permite avaliar e observar a proximidade das relações que são estabelecidas nos níveis ambientais do microssistema e mesossistema. Nesta inserção ecológica no abrigo observamos aspectos positivos para o desenvolvimento psicossocial das crianças, dentre eles, o bom relacionamento entre as crianças e seus cuidadores. Estes buscam sempre interagir e atendê-las em suas necessidades compondo relações proximais favoráveis ao desenvolvimento psicológico das crianças manifestado em relações positivas de apego. Percebemos assim que, após a separação de suas famílias, as crianças abrigadas tentam encontrar outras figuras de apego em diferentes situações e contextos (ALEXANDRE E VIEIRA 2004). Percebemos também o cumprimento dos direitos previstos no Estatuto, na medida em que o abrigo oferece serviço de proteção integral à criança, boas instalações físicas, além de promover ações de reintegração familiar, tendo em vista que o abrigo constitui uma medida de proteção provisória. Conforme Bronfebrenner (1979/1996) o microssistema consiste em relações entre pessoas e pessoas e pessoas e objetos ou símbolos. Portanto, um ambiente que respeita os direitos e as necessidades básicas nos aspectos físicos contribui também de forma positiva para o desenvolvimento psicológico de seus habitantes. 69


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Em nossas visitas as crianças sempre se mostraram atenciosas e buscaram interações de forma positiva. Em nenhum momento reclamaram da instituição, embora algumas relataram que a mãe voltaria para buscá-la ou ainda que gostariam de morar em outras casas. Essas falas nos chamam a atenção para o fato de que, mesmo tendo boas condições no abrigo, as crianças manifestam o desejo de voltar para a família de origem ou até mesmo serem adotadas. Alexandre e Vieira (2004) também observaram esse desejo (também-mudar de lugar) em estudo realizado com 14 crianças abrigadas com idade variando entre três e nove anos no estado de Santa Catarina. Os autores constataram que, ao contrário das famílias adotantes, as crianças que querem ser adotadas não escolhem o tipo de família, apenas desejam ser acolhidas por alguma. A concepção de família que existe em uma dada sociedade é um exemplo de macrossistema que faz parte da vida de uma criança. Portanto, é papel do abrigo, por meio de seus educadores, refletir com as crianças a função da família evitando reforçar estereótipos e preconceitos presentes no cotidiano de nossa sociedade. De posse de nossos resultados, concluímos que o abrigo com as características aqui apresentadas contribui de forma positiva no desenvolvimento da criança que nele reside, na medida em que possibilita ao infante o estabelecimento de relações afetivas positivas com seus cuidadores, além de ter seus direitos garantidos. Referencias ALEXANDRE, D. T. e VIEIRA, M. L. Relação de apego entre crianças institucionalizadas que vivem em situação de abrigo. Psicol. estud. [online]. 2004, vol. 9, no. 2, pp. 207-217. BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre

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o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de julho de 1990. BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. (Original publicado em 1979). CARVALHO, A. Crianças institucionalizadas e desenvolvimento: possibilidades e desafios. In LORDELO, E., CARVALHO, A. & KOLLER, S. H. (Coords.). Infância brasileira e contextos de desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. CECCONELLO, A. M. e KOLLER, S. H. Inserção ecológica na comunidade: uma proposta metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.16, n.3, 2003. Disponível em: < http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279722003000300010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 set. 2008. DE ANTONI, C. D.; KOLLER, S. H. O psicólogo ecológico no contexto institucional: uma experiência com meninas vítimas de violência. Psicol. cienc. prof., mar. 2001, vol.21, no.1, pp.14-29. DE ANTONI, C; KOLLER, S. H.. A visão de família entre as adolescentes que sofreram violência intrafamiliar. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 5, n. 2, 2000. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413294X2000000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 18 set. 2008.

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ESCOLA QUE PROTEGE: UMA AÇÃO

INTEGRADORA

DA ESCOLA Maria Lina Rodrigues de Jesus1 Valber Ricardo dos Santos2 Layon Brito Almeida3 Kesya de Souza Silva4

À REDE DE PROTEÇÃO.

RESUMO O Projeto Escola Que Protege é uma ação do Ministério da Educação em parceria com a Universidade de Extensão da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo do Projeto é oferecer subsídios aos profissionais da educação e da rede de proteção para trabalhar na prevenção e enfrentamento de várias formas de violência contra crianças e adolescentes. Este artigo apresenta o trabalho dos parceiros do projeto nas cidades onde ele atua por meio da extensão universitária e, ainda, algumas reflexões sobre a educação em direitos humanos e perspectivas do projeto.

PALAVRAS CHAVES educação em direitos humanos; extensão universitária; escola que protege.

1. Coordenadora das áreas temáticas de Educação e Direitos Humanos da PROEX/UFES e do Projeto Escola que Protege; 2. Assistente Social do Projeto Escola que Protege e Mestrando em Política Social na UFES; 3. Estudante de Graduação em Psicologia na UFES e Estagiário do Projeto Escola que Protege; 4. Psicóloga do Projeto Cine é da Hora.

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INTRODUÇAO Tratar do Projeto Escola que Protege é discorrer sobre sonhos e esperanças. Sonhos, porque sem eles não investiríamos em ações e, tão pouco, projetaríamos metas. Esperanças, pois, se não acreditarmos que somos capazes de produzir mudanças ou, pelo menos, contribuir para que a educação seja de fato a porta de entrada para a inclusão de crianças e adolescentes no acesso aos bens materiais e imateriais, a indiferença continuará a fazer da escola um dos espaços de exclusão de crianças e jovens deste país, principalmente aqueles pertencentes aos segmentos excluídos e pauperizados.

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sempre foram contempladas nos currículos dos cursos de formação dos professores nas diferentes áreas de conhecimento, o que faz da atuação do projeto Escola que Protege um reforço às ações de educação buscando assim renovar o sentido da Escola.

Para se promover uma cultura de respeito e promoção da dignidade humana no espaço escolar é indispensável a melhoria na qualidade da formação dos educadores, com ofertas de cursos que possam favorecer o atendimento às demandas dentro e fora da Escola, principalmente aquelas relacionadas às diferentes formas de violência praticadas contra crianças e adolescentes nos vários contextos sociais, entre os quais a Escola.

Dessa forma, uma das metas do Projeto Escola que Protege é oferecer subsídios teóricos, metodológicos e práticos a fim de que profissionais da educação e demais integrantes da Rede possam atuar, juntamente com a Rede de Proteção Integral, na prevenção e enfrentamento às violações de direitos praticadas contra crianças e adolescentes. Isto ocorre através de apoio à produção de materiais didáticos e para didáticos e formação de professores e profissionais da educação formal e não formal para a construção de uma cultura de Educação em Direitos Humanos. Este processo exige atitudes e encaminhamentos no âmbito escolar que estejam em íntimo acordo com a comunidade, a sociedade civil organizada e iniciativa de políticas públicas.

Igualmente, faz-se necessário atentar para a aplicabilidade destas temáticas dos direitos humanos da infância e juventude no contexto da comunidade escolar. Contudo, o educador deve ter como premissa a prática de Educação em Direitos Humanos que contemple todas as pessoas envolvidas no processo educacional. A Educação em Direitos Humanos deve ser conhecida e discutida no sentido de subsidiar o desenvolvimento de mecanismos que possibilitem a construção de uma cultura que tenha como premissa a dignidade humana. As temáticas de Direitos Humanos, Violência contra a infância e juventude, Rede Proteção e Legislações específicas e congêneres nem

EDUCAÇÃO EM DIRETOS HUMANOS, ESCOLA QUE PROTEGE E EXTENSÃO UNIVERSITARIA. A Educação em Direitos Humanos, segundo diretrizes formuladas no Caderno “Conselho Escolar e Direitos Humanos” do ano de 2008, é entendida como um processo sistemático e de variadas dimensões, que orienta a formação do sujeito de direitos, incluindo conhecimentos e habilidades, valores, atitudes, comportamentos e ação. Ou seja, é composta pela conexão entre conhecimento, valores e ação. Por isso, a Educação em Direitos Humanos precisa do desenvolvimento de processos participativos e de construção coletiva, e do fortalecimento de práticas individuais e sociais que favoreçam a

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apreensão de conhecimentos, a formação de uma consciência cidadã e a afirmação de uma cultura de Direitos Humanos. Segundo o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), são cinco as áreas temáticas contempladas na educação em direitos humanos: educação básica (compreendendo educação infantil, ensino fundamental, ensino médio); educação superior; educação não-formal; educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança; e educação e mídia. A educação básica tem uma enorme importância na formação do indivíduo, pois a escola, nas sociedades contemporâneas, é o local onde se consolidam visões de mundo, valores, a percepção do outro e a consciência social. Incluir a temática de Educação em Direitos Humanos nos currículos desenvolvidos pela Escola é essencial para o processo de construção e fortalecimento de uma cultura que valorize tanto a pessoa humana e sua dignidade, como seu pleno desenvolvimento como sujeito de direito. Na educação superior a Educação em Direitos Humanos pode ser incluída por meio de diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros. Na pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos requerem uma política de incentivo que institua esse tema como área de conhecimento de caráter interdisciplinar e transdisciplinar, em especial pela constituição de núcleos que reúnam estudiosos de diversos campos de conhecimento, potencializando os esforços de investigação e produção de novos conhecimentos.

A educação não-formal em direitos humanos orienta-se pelos princípios da emancipação e da autonomia. Sua implementação configura um permanente processo de sensibilização e formação de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas públicas, podendo ser compreendida como: a) qualificação para o trabalho; b) adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade; c) aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos sociais; d) educação realizada nos meios de comunicação social; e) aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades diversificadas; e) educação para a vida no sentido de garantir respeito à dignidade do ser humano. Os direitos humanos são condições sine qua non para a implementação da justiça e da segurança pública em uma sociedade democrática. A construção de políticas públicas nas áreas de justiça, segurança e administração penitenciaria sob a ótica dos direitos humanos exige uma abordagem integradora, intersetorial e transversal com todas as demais políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida e de promoção de igualdade, na perspectiva do fortalecimento do Estado Democrático de Direito. A capacitação de profissionais dos sistemas de justiça e segurança é, portanto, estratégia para a consolidação da democracia. Esses sistemas, orientados pela perspectiva da promoção, defesa e garantia dos direitos humanos, requerem qualificações diferenciadas, considerando as especificidades das categorias profissionais envolvidas. Ademais, devem ter por base uma legislação processual moderna, ágil e cidadã. 75


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Os meios de comunicação são constituídos por um conjunto de instituições, aparatos, meios, organismos e mecanismos voltados para a produção, a difusão de informações e entretenimento. O conteúdo produzido pela mídia chega a todos os setores da sociedade por meio de diferentes linguagens, provendo informações, reproduzindo valores e propagando idéias e saberes. É um espaço político, com capacidade de construir e reforçar opinião, formar consciências, influir nos comportamentos, valores, crenças e atitudes. A contemporaneidade é caracterizada pela sociedade do conhecimento e da comunicação, tornando a mídia um instrumento indispensável para o processo educativo. Por meio da mídia são difundidos conteúdos éticos e valores solidários, que contribuem para processos pedagógicos libertadores, complementando a educação formal e não-formal. Especial ênfase deve ser dada ao desenvolvimento de mídias comunitárias, que possibilitam a democratização da informação e do acesso às tecnologias para a sua produção, criando instrumentos para serem apropriados pelos setores populares e servir de base a ações educativas capazes de penetrar nas regiões mais longínquas dos estados e do país, fortalecendo a cidadania e os direitos humanos. No total, as linhas de ação da Educação em Direitos Humanos são sete: 1- desenvolvimento normativo e institucional (responsável pela criação de normas e pela inserção da questão no cotidiano das instituições educacionais); 2- produção de informação e conhecimento; 3- produção e divulgação de materiais; 4- formação e capacitação de profissionais, 76

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5- gestão de programas e projetos; 6- realização de parcerias e intercâmbios internacionais; 7- avaliação e monitoramento. O processo de implementação que envolve o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos compreende ações de: divulgação do documento; articulação de parcerias e intercâmbios no âmbito internacional e nacional; integração de esferas de governo nos níveis federal, estadual e municipal; implementação e apoio a projetos de Educação em Direitos Humanos; formação e capacitação de promotores de Direitos Humanos; formulação e divulgação de estudos, pesquisas e produção de materiais relativos à Educação em Direitos Humanos; monitoramento e avaliação da implementação do PNEDH. A Universidade Federal do Espírito Santo, por meio da Coordenação de Educação em Direitos Humanos da Pró-Reitoria de Extensão, tem contribuído para a divulgação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos nos municípios participantes do Projeto Escola que Protege entre os anos de 2008 e 2012. A meta cumprida foi a realização de Audiências Públicas em cada um dos municípios parceiros (Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Colatina, Guarapari, Ibiraçu, Linhares, Marataízes, São Mateus, Serra, Viana e Vitória). Nos eventos realizados, a maioria deles nas Câmaras de Vereadores locais, as representações políticas e da Rede foram chamadas a fim de que conhecessem o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e, além do mais, assumissem compromissos ético-políticos para a formulação de políticas em educação em direitos humanos e garantir a implantação de planos de ação formulados pelos cursistas, tanto do curso de Educação em Direitos Humanos quanto do Escola que Protege.

Projeto Escola que Protege O Projeto Escola que Protege é uma estratégia da política pública de educação para o enfrentamento e prevenção das violências contra crianças e adolescentes. Isto se dá por meio de apoio a projetos que visam à formação continuada de profissionais da educação básica e à produção de materiais didáticos e paradidáticos voltados para a promoção e a defesa, no contexto escolar, dos direitos de crianças e adolescentes. Considerando que a educação é fator fundamental na promoção do desenvolvimento pessoal e social, capaz de promover a inclusão social e o exercício da cidadania, e a relevância do papel da escola no contexto da promoção e garantia de direitos, o Ministério da Educação – MEC, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD, implantou em 2004 o Projeto Escola que Protege, em parceria com os demais setores governamentais da área de saúde, direitos humanos, justiça e desenvolvimento social nas três esferas governamentais, visando contribuir para o enfrentamento e prevenção desse grave problema. Tal atuação conjunta é prioritária, considerando que as questões que permeiam as diversas formas de violência são de responsabilidade das políticas intersetoriais governamentais, não desconsiderando as instâncias da sociedade civil. O Projeto Escola que Protege se insere no Plano Nacional de Educação em Direitos dentro da área de Educação Superior e as ações são desenvolvidas por intermédio da Coordenação de área temática Educação e Direitos Humanos da Pró-Reitoria de Extensão. Concordamos, em conformidade com o PNEDH (2008, pag. 38), que:

Na Extensão Universitária, a inclusão dos direitos humanos no Plano Nacional de Extensão Universitária enfatizou o compromisso das universidades publicas com a promoção dos direitos humanos. A inserção desse tema em programas e projetos de extensão pode envolver atividades de capacitação, assessoria e realização de eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino, pesquisa, contemplando temas diversos. O Escola que Protege é uma estratégia da política publica de educação que faz parte das ações de apoio educacional à crianças e adolescentes em situação de discriminação e vulnerabilidade social do Programa de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Foi lançado em Brasília, no dia 28 de outubro de 2004 pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (atualmente chama-se Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão). Também visa ao fortalecimento da política de inclusão da educação na Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. Neste fortalecimento consideram-se as ações de formação que contribuam para a prevenção e o combate às diversas formas de violência contra crianças e adolescentes, cujas nuances se apresentam nos vários espaços sociais. Nosso público-alvo será formado por profissionais das modalidades de educação formal e não formal, profissionais da Rede de Proteção Integral, representantes da sociedade civil, entre outros. 77


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A Pró-Reitoria de Extensão da UFES articula os processos educativo, cultural e científico, visando ampliar a relação entre a universidade e a sociedade. Sua prática se dá pelo processo de interlocução constante através de programas, projetos, prestação de serviços na forma de assessorias, consultorias, eventos, cursos e produções científicas, técnica, educacional, cultural e artística, dentre outros. Em conformidade com diretrizes do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (2007), essa dinâmica de atuação estrutura-se por meio de oito áreas temáticas de ações de extensão que são expressas em quatros eixos: Impacto e transformação – “estabelecimento de uma relação entre a Universidade e outros setores da sociedade”; Interação dialógica – “desenvolvimento de relações entre universidade e setores sociais”; Interdisciplinaridade – “caracterizada pela interação de modelos e conceitos complementares de material analítico e de metodologias”; Indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão – “reafirmando a extensão como processo acadêmico”. A adesão desta Pró-Reitoria ao projeto se deu em 2006. De acordo com o ofício circular nº 19/2006 – GAB/SECAD/MEC, foi realizada a parceria, entre a SECAD e esta Universidade, no Encontro de PróReitores de Extensão, realizado em Brasília de 15 a 17 de fevereiro de 2006. A partir da adesão, iniciou-se o processo de implantação na Grande Vitória, buscando envolver as Secretarias de Educação e demais instituições que compõem a Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, e as escolas que desenvolviam o Programa Escola Aberta na Grande Vitória (Vitória, Cariacica, Vila Velha, Viana e Serra). 78

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Após a adesão, a formação da Comissão Gestora, a articulação e as inscrições, realizou-se a formação presencial entre os meses de setembro e outubro de 2006 nas modalidades presencial (ocorrida na UFES) e semipresencial, sendo que a semipresencial ficou a cargo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a presencial pela Pró-Reitoria de Extensão, através do Programa de Atendimento às Vitimas de Violência Sexual – PAVIVIS. No ano de 2008, ainda sob a coordenação pedagógica do PAVIVIS, o projeto teve sua continuidade e o curso foi ministrado entre os meses de agosto e dezembro de 2008, nos municípios de Vitória, Colatina e São Mateus, e entre os meses de Março e Abril de 2009, em Guarapari, sob a coordenação pedagógica da PróReitoria de Extensão, o que favoreceu aglutinar o quadro de professores, sendo este formado por profissionais do sistema de justiça, por professores desta Universidade e PAVIVIS. Em 2009/2010, a Pró-Reitoria de Extensão da UFES manteve sua parceria com a SECAD/MEC e demais instituições parceiras. Considerando as avaliações tanto da equipe técnica quanto dos cursistas e Comissão Gestora, o projeto foi aprimorado em seus módulos, com a inclusão de módulos específicos em Educação em Direitos Humanos, Saúde do Professor e Práticas Educativas com ênfase para a temática das medidas sócioeducativas. Os municípios participantes foram Cariacica, Serra, Viana, Cachoeiro de Itapemirim, Marataízes, Linhares e Ibiraçu e o número de pessoas formadas foi de aproximadamente 800 profissionais da Educação e da Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente.

O Projeto Escola que Protege, sob a Coordenação da Técnica em Assuntos Educacionais da UFES, Maria Lina Rodrigues de Jesus, será finalizado em Dezembro de 2012 e os resultados alcançados são: Realização de 7 Seminários de apresentação da Rede de Proteção; 7 Seminários de apresentação dos Planos de ação; 7 Audiências Públicas para apresentação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e do Projeto Escola que Protege; Realização do 1º Colóquio Estadual de Avaliação do Projeto Escola que Protege em Dezembro de 2010; Realização do Colóquio de Avaliação da Ficha de Comunicação de Suspeita ou Confirmação de Violência no Município de Guarapari em Dezembro de 2010; Realização de 2 eventos alusivos ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio de 2011) e Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil (12 de junho de 2011); Realização do 1º Seminário Estadual do Projeto Escola que Protege e 3º Seminário de Educação em Direitos Humanos nos dias 08 e 09 de Dezembro de 2011; Participação em outros eventos organizados por instituições do Estado do Espírito Santo; Organização e finalização de Material Paradidático volta para o Ensino Fundamental. AVANÇOS E PERPECTIVAS Nossas primeiras observações, a partir dos encontros com as comissões gestoras municipais, das avaliações dos cursistas e também das avaliações da equipe de professores, mostram que a validade do projeto é do tamanho dos desafios. Igualmente, temos de prosseguir com horizontes de coletividade, construindo e possibilitando atuações coerentes entre teoria e prática, embasadas em princípios e valores que promovam a construção de uma cultura de Direitos Humanos.

Percebemos que: 1 – As temáticas do curso foram avaliadas de forma positiva pelos cursistas, por terem proporcionado uma aproximação/familiarização melhor com os temas e, além do mais, reflexão sobre práticas articuladas a teoria. As discussões nestes momentos, por vezes calorosas, foram produtivas, o que mostra a relevância de tais experiências, envolvendo profissionais diversos na proposição de encaminhamentos para a Escola e demais realidades locais; 2 – Aproximação dos profissionais da Educação com profissionais da Assistência Social, Conselheiros Tutelares, Sentinelas, dentre outros. Isto foi de grande ajuda para os profissionais da Educação, haja vista que esses profissionais não tiveram, a contento, uma formação que incluísse temáticas e questões relacionadas a rede de proteção integral, Estatuto da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos, etc.; 3 – Maior conhecimento dos papéis da Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente; 4 – Capacidade dos profissionais que ministraram o curso. Em geral, os ministrantes foram avaliados de forma positiva especialmente devido ao fato de terem experiência em larga escala na área da Criança e Adolescência. Destacamos a participação das Professoras Margarita Martin, Maria Izabel Devos Martin e Maria Cristina Rocha Pimentel, profissionais com notável experiência no trabalho na área da Infância e Adolescência no Estado do Espírito Santo; 5 – Parcerias: com relação às parcerias, algumas foram efetivadas e outras foram frustradas. Destacamos a participação e parcerias das Secretarias Municipais das varias setorialidades das políticas sociais, no entanto, entendemos que estas parcerias deveriam ter ido muito mais além do que a simples indicação de cursistas e fornecimento de estrutura física e áudio-visual; 79


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6 – Papel Social da Universidade: Entendemos que a Universidade não deve restringir sua utilidade somente para aqueles inseridos nela. Entendemos que ela tem muito a oferecer à sociedade, já que nela se encontram especialistas para os mais variados temas. Seria pretensão dizer que a Universidade cumpre totalmente seu papel social, mas cremos ser esta uma semente lançada. A Universidade, representada por Esta Pró-reitoria de Extensão, tem se mostrado disposta a capacitar, desmistificar, quebrar paradigmas e estereótipos construídos historicamente, e este momento de aglutinação da discussão e formação em Educação e Direitos Humanos e/ou Educação em Direitos Humanos tem favorecido o cumprimento deste papel; 7 – Realização dos módulos em fins de semana: este fato foi considerado um ponto negativo pela maior parte dos cursistas, visto que os profissionais precisam abdicar do seu horário de descanso para participar do curso de formação. Acreditamos ser necessário buscarmos meio de apoio a formação do professor, permitindo que estes possam ter garantido a formação continuada em horário de trabalho, considerando que a sua carga horária de trabalho é sobrecarregada. 8 – Falta de materiais didático-pedagógicos: este foi um problema ainda não contornável, haja vista a importância do material em mãos para acompanhamento das ministrações. No entanto, esta é uma das metas a serem alcançadas pelo projeto no ano de 2010. 9 – Falta de recursos audiovisuais: os recursos são ferramentas indispensáveis as ministrações do curso, devido à grande quantidade de vídeos explicativos, educativos e relacionados à área temática da Criança e Adolescência. Apesar das dificuldades, quando podíamos, usufruíamos o espaço e equipados, computadores e projetores da UFES. Entretanto, nas localidades do interior do ES esta falta foi mais sentida; 80

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10 – Trâmites: dentro da UFES, após o longo caminhar por todos os departamentos possíveis para a aprovação do Projeto Básico, planilhas, dentre outras coisas, o projeto fluiu normalmente. Entretanto, ressaltamos todas as dificuldades encontradas de Dezembro de 2007 quando a liberação de recurso. Somente em junho de 2008 que o convênio com a Fundação Ceciliano Abel de Almeida foi realmente firmado. Para a gestão de 2009 as mesmas dificuldades foram vivenciadas. 11 – Número de Inscritos: Ampliação do numero de vagas, de forma a garantir a formação continuada de um numero cada vez maior de educadores e demais profissionais envolvidos na educação formal e não-formal. CONCLUSÃO A extensão universitária tem papéis importantes a cumprir dentro da universidade, dentre os quais o de promover o encontro de realidades sociais, chamando a atenção da comunidades interna, especialmente dos gestores e pesquisadores, e externa para as questões cotidianas relacionadas aos direitos humanos, especialmente no que tange à infância e juventude que, segundo dados do Mapa da Violência de 2012 (WAISELFIZ, 2012), se constitui, especialmente adolescentes entre 15 e 18 anos, no grupo mais vulnerável aos homicídios. Ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha incorporado uma série de direitos e garantias fundamentais de acordo com o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e que o Brasil venha conquistando significativos resultados no acesso aos direitos por parte de seus cidadãos, visualiza-se no cenário nacional, regional e local uma série de violações às garantias fundamentais, reforçando o fato de que temos

muitos desafios a superar. E o Espírito Santo não fica de fora desse cenário, muito pelo contrário. São flagrantes as constantes violações e desrespeito aos direitos humanos. O curso de formação Escola que Protege, dentro desse cenário, contribui não somente para refletir todas essas questões as quais vivemos em nosso cotidiano, mas também para a construção de uma cultura de educação em direitos humanos. O caminho a ser percorrido ainda é longo, mas não desconsideramos o fato de que ao lançarmos as sementes dentro dos cursos de formação estamos caminhando para uma realidade onde os profissionais de educação e da Rede sejam mais sensíveis aos direitos humanos e que, aguçada essa sensibilidade, atuem, através de planos de ação em suas realidades específicas, na promoção e defesa de espaços que promovam a qualidade relacional, os direitos humanos de crianças e adolescentes e, acima de tudo, a dignidade humana. REFERÊNCIAS

Conselho Escolar e Direitos Humanos. – Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 104 p.: il. – (Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares; 11). PNEDH. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos / Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2008. 76 p. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. Educação em Direitos Humanos: Fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007. 513 p. WAISELFIZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil: Intituto Sangari, São Paulo, 2012. 243p.

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PROGRAMA DE ATENDIMENTO

AO ALCOOLISTA:

20 ANOS DE ENSINO, EXTENSÃO E PESQUISA Mônica Nogueira Altoé1 Bruna Trindade Ambrósio3 Patrícia Rossetto Cortes2 Marluce Miguel de Siqueira4

RESUMO O alcoolismo é um grave problema de saúde pública. Diante desse quadro é essencial que os profissionais de saúde estejam aptos a intervir nas intercorrências com a finalidade de impedir danos causados pelo consumo de álcool a curto e longo prazo. Palavras-chaves Alcoolismo, Enfermagem, Tratamento, PAA.

1. Universidade Federal do Espírito Santo; Acadêmica de Enfermagem; Bolsista de Extensão pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEX-UFES); monicaaltoe@yahoo.com.br; 2. Universidade Federal do Espírito Santo; Acadêmica de Enfermagem; Bolsista de Extensão pelo HUCAM-UFES; patrícia.rossettocortes@yahoo.com.br; 3. Universidade Federal do Espírito Santo; Enfermeira pesquisadora do NEAD/UFES e Profª Supervisora da UNIVIX; brunatrindade@ yahoo.com.br; 4. Universidade Federal do Espírito Santo; Enfermeira e Profª Associada I do Depto de Enfermagem; marluce.siqueira@uol.com.br.

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INTRODUÇÃO O uso de substâncias que alteram os estados da consciência é observado em todas as civilizações e culturas humanas. Porém, as características deste consumo vêm se modificando significativamente nas últimas décadas, colocando em risco a vida de muitas pessoas, refletindo-se nas transformações nas condições sociais e culturais decorrentes do incremento da crise econômica no país, com o conseqüente desemprego estrutural e o aumento da criminalidade (SCHNEIDER et al., 2003). Especialmente o álcool, tem ocasionado graves problemas de saúde pública, porém ainda, sem uma resposta governamental efetiva através de políticas públicas abrangentes. Em geral, os danos sociais e à saúde, relacionados ao consumo do álcool só encontram resposta na saúde pública, quando os problemas já estão graves e a intervenção se torna, neste caso, necessária, porém menos eficaz. O alcoolismo é considerado um desafio, uma vez que na população dos hospitais psiquiátricos brasileiros, quase um quarto dos pacientes são internados por transtornos decorrentes do consumo do álcool, e em torno de 40% apresentam o consumo prejudicial ou nocivo de álcool como precursor do quadro clínico. É sabido ainda, que a internação nos hospitais psiquiátricos apresenta inúmeras desvantagens para a recuperação destes pacientes, contribuindo para a sua estigmatização e isolamento social. Por outro lado, os hospitais gerais têm absoluta resistência a atenderem pacientes com este tipo de problema, resultando em um impasse assistencial grave (BRASIL, 2004). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo de álcool contribui significativamente na etiologia e manutenção de vários problemas

sociais, econômicos e de saúde enfrentados pela população, principalmente em grande parte dos países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil. Tais padrões de consumo se refletem nas taxas de morbi-mortalidade atribuíveis ao uso de álcool que, em 2000, determinaram 3,2% da mortalidade global. Em 1990, esta estimativa foi de 1,5% (WHO, 2001). Houve, portanto, um aumento de mais que o dobro no valor encontrado no período de dez anos indicando, portanto, uma tendência preocupante em termos de saúde pública. No Brasil, o uso abusivo de álcool pode ser responsável por mais de 10% dos problemas totais de saúde da população (MELONI, 2004). De acordo com o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, o qual envolveu 108 maiores cidades do país e a faixa etária entre 12 e 65 anos, a porcentagem de pessoas que já receberam algum tratamento de álcool e outras drogas, foi de 2,9%, sendo três vezes maior entre os homens. Além disso, a maior prevalência de tratamento ocorreu no sexo masculino, na faixa etária ≥l a 35 anos (6,2%), correspondendo a 614.000 pessoas. Em relação às complicações decorrentes do uso de álcool e drogas no trânsito, independente da faixa etária, as maiores porcentagens aparecem no sexo masculino, representando um total de 2% ou 1.029.000 pessoas com complicações (CARLINI et al., 2005). Para que ações de controle do uso de álcool sejam efetivas é necessário fortalecer as capacidades humanas e institucionais e canalizar esforços coletivos considerando o contexto atual e as estratégias de saúde públicas vigentes (RONZANI, 2005). Consequentemente, estratégias de atenção 83


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à dependência química são necessárias, à luz da Política Nacional Antidrogas (PNAD), para que o enfrentamento da questão das drogas possa ser ampliado através de medidas eficazes que envolvam e contemplem todos os setores da sociedade (AMORIM, 2006). Neste sentido, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), como referência na formação profissional de nível superior no Estado, aliada à responsabilidade social através da extensão universitária, desenvolve uma importante estratégia de produção de conhecimento e atenção à dependência química. No Espírito Santo, o início dessa atividade ocorreu em 1985, com a criação e implantação do Programa de Atendimento ao Alcoolista do Hospital Cassiano Antônio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (PAA/HUCAM/UFES), através de um projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Siqueira, 1985). Em 1987 o projeto tornou-se efetivamente um programa especial da extensão da universidade. Hoje ele é pioneiro na estruturação de uma proposta interdisciplinar e na oferta de uma metodologia assistencial de enfermagem ao alcoolista e a seus familiares, assim como é considerado, pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), referência no tratamento ambulatorial para todo estado (MACIEIRA et al., 1993). No PAA/HUCAM/ UFES, a intervenção é desenvolvida através de uma equipe técnica composta por serviço social, medicina, enfermagem e psicologia (MACIEIRA et al., 1992), que assistem o alcoolista e seus familiares de forma tanto individual quanto grupal, tendo o enfermeiro um papel essencialmente educativo. Segundo Pillon e Nóbrega (2001), 84

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esse papel educativo auxilia na quebra de crenças, preconceitos e superação da negação do problema, possibilitando o desenvolvimento de um plano assistencial individualizado, com intervenções educativas e aconselhamentos. METODOLOGIA No PAA/HUCAM/UFES, a intervenção é desenvolvida através de uma equipe técnica composta pelo serviço social, medicina e enfermagem oferecendo ao usuário e seus familiares atendimento tanto individual quanto em grupo. O enfermeiro destaca-se pelo papel educador do alcoolista auxiliando o mesmo na quebra de crenças, preconceitos e superação da negação do problema (FORNAZIER, 2006). A intervenção destinada ao alcoolista e familiares é realizada com uma metodologia própria constituída de cinco etapas: 1) Reunião de sala de espera; 2) Entrevista com o serviço social; 3) Consulta médica; 4) Consulta de enfermagem; e 6) grupos de ajuda mútua - AA, AL-ANON, AL-TEEN (REBELLO, 2006). Os atendimentos ocorrem todas as segundas, terças, quartas e quintas feiras às 12:30 até as 17 horas, fazendo-se necessário que o usuário chegue sempre na hora marcada a fim de que o mesmo seja atendido (REBELLO, 2006). Após avaliação inicial, a equipe discute com o usuário um plano de acompanhamento que deverá adequar-se às suas necessidades. Em geral, os retornos são semanais, quinzenais, mensais, bimestrais e trimestrais, e, de acordo com a complexidade da doença, pode ser encaminhado para internação hospitalar imediata, totalizando assim 12 (doze) meses de seguimento, sendo ao final, realizada a avaliação visando a alta do usuário (REBELLO, 2006). 85


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No que tange a reunião da sala de espera na qual é realizada mediante a supervisão do profissional do serviço social, o alcoolista, acompanhantes e familiares dialogam experiências particulares que possuem um cunho de mobilização dos demais participantes, levando os mesmos a reflexões sobre alcoolismo-doença bem como a importância do tratamento, minimizando a ansiedade, contribuindo assim para que as intervenções propostas durante o atendimento sejam mais bem compreendidas e consequentemente aceitas pelo usuário (AMORIM, 2006). Após a reunião da sala de espera, o usuário é atendido pelo serviço social, na qual o profissional é responsável pelo levantamento da história de vida do alcoolista bem com das complicações nas áreas social e familiar além de confeccionar a autobiografia (AMORIM, 2006). Posterior a consulta com serviço social, o usuário é atendido pelo profissional médico, sendo este responsável pela anamnese clínica, exame físico, solicitação de exames laboratoriais de rotina para usuários alcoolistas e outros exames complementares dependendo do caso. Há também orientações por meio do profissional quanto a Síndrome de Abstinência (SA) e uma possível intervenção para a mesma, a internação (AMORIM, 2006). Na consulta de enfermagem, são avaliadas a abstinência, fatores facilitadores e/ou impeditivos quanto a indivíduo, família e relações sociais, a ocorrência de lapsos e recaídas; são realizadas orientações sobre o autocuidado enfocando as necessidades humanas básicas (alimentação, hidratação, higiene, sono-repouso, sexualidade, atividades físicas, recreativas, ocupacionais e espirituais); enfatiza também a participação do alcoolista em grupos de ajuda mútua a fim de que seja um suporte ao usuário na manutenção 86

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da abstinência sempre orientando ao usuário o grupo de Alcóolicos Anônimos próximo a residência. Para isso consulta-se o Catálogo de Instituições Especializadas em Dependência Química no Estado do Espírito Santo. Também faz parte da metodologia assistencial do profissional enfermeiro a aplicação do SAAD (Short Alcohol Dependence Data), questionário de avaliação da severidade da Síndrome de Dependência do Álcool. Além disso, através do manual “Viva a Vida: uma experiência de prevenção - o que você precisa saber sobre alcoolismo”, é fornecido informações e orientações ao usuário sobre o que é o alcoolismo, as comorbidades associadas ao mesmo, as causas, bem como as conseqüências do consumo para o indivíduo e à sociedade. Finalmente, o usuário recebe orientações sobre as medicações em uso, efeitos terapêuticos e adversos e retorno ao ambulatório para dar continuidade ao tratamento (AMORIM, 2006 e REBELLO, 2006). A fim de formar profissionais capacitados na área, bem como capacitar os membros da equipe do PAA, o Núcleo de Estudos sobre Álcool e outras Drogas (NEAD) promove na Universidade Federal do Espírito Santo e, conseqüentemente, no Município de Vitória e no Estado do Espírito Santo, um ambiente específico para o estudo e desenvolvimento de pesquisa experimental, clínica e epidemiológica, na área da saúde mental, especialmente abuso e dependência de drogas. Assim, organização vigente permite que estudantes e profissionais, desenvolvam paralelamente às suas atividades acadêmicas e de serviços, formação em saúde mental e abuso de drogas, através de suas inserções em um setor específico desta Universi¬dade - o NEAD, proporcionando desta forma crescimento pessoal, profissional e científico.

IMPACTO DO PAA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM Segundo Ito et al, a formação do enfermeiro deve ser centrada em quatro eixos, que são a assistência, gerência, ensino e pesquisa, tendo como pressuposto a educação como possibilidade de transformação, focada no desenvolvimento da consciência crítica, levando o futuro enfermeiro à reflexão sobre a prática profissional e o compromisso com a sociedade. As Diretrizes Curriculares propostas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) definem que a formação do enfermeiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente (ITO, 2006). Entre outros objetivos das novas diretrizes está o de levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender, que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer (FERNANDES, 2004). O PAA além de ser um programa assistencial, se revela um facilitador na melhoria da qualidade de ensino público, visto que funciona como campo de Estágio para graduandos de Enfermagem da UFES na disciplina de Enfermagem na Saúde do Adulto (ENF 05035). Além disso, proporciona a oportunidade de atuação desses enquanto extensionistas, levando o conhecimento adquirido no contexto universitário de uma forma dinâmica aos usuários e seus familiares. Adquiri-se aí uma vivência além da graduação, que perpassa a grade curricular, acrescentando à formação acadêmica do enfermeiro uma experiência da aplicabilidade prática dos conteúdos teóricos (AMORIM, 2007).

O ENFERMEIRO E O ATENDIMENTO AO USUÁRIO ALCOOLISTA Os enfermeiros são os profissionais que possuem maior contato com os usuários dos serviços de saúde e apresentam um grande potencial para reconhecer os problemas relacionados ao uso de álcool a fim de promover e propor metodologias assistenciais. Entretanto, é notório que apesar das várias pesquisas que têm sido realizadas com enfoque no álcool ainda há dificuldades em relação ao lidar com esta problemática (SPRICIGO, 2004). Estudos mostram que a importância do autoconhecimento do enfermeiro na busca de identificar suas próprias crenças, valores e preconceitos em relação ao uso de álcool e aos alcoolistas, possuem certa relevância através do comportamento durante a assistência ao alcoolista bem como no momento das orientações ao usuário e acompanhantes (SPRICIGO, 2004). CONSIDERAÇÕES FINAIS Conhecer a dimensão dos problemas relacionados ao alcoolismo é importante para o enfermeiro, bem como os profissionais de saúde envolvidos no processo, a fim de prestar uma assistência de saúde de qualidade. Entretanto, o preparo para lidar com usuários com transtornos relacionados a substâncias psicoativas só será possível se essa temática for considerada importante e incluída de forma satisfatória na formação acadêmica (Ramos et al., 2001). Assim, as ações integradas do NEAD e PAA, além de aperfeiçoar a formação dos graduandos, desenvolvem pesquisas significativas e atualizadas de suma importância à saúde pública, bem como a capacitação e treinamento de profissionais de saúde e assistência de qualidade à população. 87


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REFERÊNCIAS AMORIM, T.R.;LAZARINI, W.S.;SIQUEIRA, M.M. Atenção à dependência química na Universidade Federal do Espírito Santo: Possibilidades da Extensão Universitária. Esc Anna Nery Rev Enferm. V.11 Ed: 4, p.717-21. Rio de Janeiro, 2007.

PILLON, SC; NÓBREGA, MP. Desintoxicação alcoólica ambulatorial realizada por enfermeiras. In: Focchi GRA. et al. Dependência química: novos modelos de tratamento. São Paulo: Roca, 1991. p. 143-60.

AMORIM, T.R., LAZARINI, W.S, SIQUEIRA, M.M. Estratégias de atenção à dependência química na Universidade Federal do Espírito Santo da extensão universitária. Vitória, 2006.

REBELLO, F.V.; ZOCOLOTTI, L.K.; SIQUEIRA, M.M. Atuação da Enfermagem no programa de Atendimento ao Alcoolista. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, v.100, n.1, 2006.

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RONZANI, T.M., RIBEIRO, M.S., AMARAL, M.B., FORMIGONI, M.L.O.S. Implantação de rotinas de rastreamento do uso de risco de álcool e de uma intervenção breve na atenção primária à saúde: dificuldades a serem superadas. Cad Saúde Publ 2005. SCHENKER, M.; MINAYO, M. C. S. A importância da família no tratamento do uso abusivo de drogas: uma revisão da literatura. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):649-659, mai-jun, 2004 SPRICIGO, J.S.; ALENCASTRE, M.B. O enfermeiro de unidade básica de saúde e o usuário de drogas – um estudo em Biguaçú-SC. Rev Latino-am Enf. 2004 março-abril; 12(número especial):427-32. World Health Organization. Global Status Report on Alcohol. Geneva: World Health Organization; 2001.

MACIEIRA MS, GOMES MPZ, GARCIA MLT. Programa de Atendimento ao Alcoolista do HUCAM da UFES. J Brás Psiq, 97109, 1993. MACIEIRA MS, GOMES MPZ, GARCIA MLT. Tratamento do alcoolismo: atuação de uma equipe interdisciplinar. Inf Psiq, 130-1, 1992. MAGNABOSCO, M.B; FORMIGONI, M.L.O.S; RONZANI, T.M. Avaliação dos padrões de uso de álcool em usuários de serviços de Atenção Primária à Saúde de Juiz de Fora e Rio Pomba (MG). Rev. Bras. Epidemiol. , São Paulo, v. 10, n. 4, 2007 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1415-790X2007000400021&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 04 Set 2008. MELONI, JN, LARANJEIRA R. Custo social e de saúde do consumo do álcool. Rev Bras Psiquiatr 2004.

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ENSAIO

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PESQUISA-EM-AÇÃO: da educação informal para crianças e adolescentes a partir da formação social e iniciação ao trabalho à reflexão teórica da práxis investigativa nos trabalhos sociais Prof. Dr. Luiz Antonio Gastardi - UFES RESUMO Este texto apresenta uma breve reflexão sobre a construção teórica de intervenção na área da educação informal, elaborada com base na experiência do programa de extensão realizado pelo departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo junto ao Instituto Joana D´Arc, localizado em Vitória-ES. Ao mesmo tempo em que se configura como um relato de experiência, busca-se também, refletir sobre os procedimentos metodológicos que nortearam as ações e sua análise. Esta elaboração recebe o subtítulo de pesquisaação-em-ação e, em síntese demonstra que, ao mesmo tempo em que se realiza uma prática socio-educacional, o profissional reflete a sua relação com o público usuário e, juntamente com este, constrói um novo método de abordagem social além de realizar uma construção crítica sobre a realidade vivida. As palavras chaves Educação informal, Serviço Social, Crianças e Adolescentes.

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Introdução: o Programa e sua ação O trabalho realizado junto ao Instituto Joana D’Arc, em Vitória, ES – principalmente nos Bairros da Região da Grande São Pedro- é desenvolvido em conjunto com um grupo de crianças e adolescentes, ampliado às suas famílias e Instituições correspondentes, independente da situação econômica ou status social. No entanto a maioria atendida, são crianças pobres inclusive que vivem nas ruas. Suas ações estão fundamentadas num atendimento de orientação sócio-pedagógica por meio do processo grupal, visando uma intervenção que busca a singularidade psicossociológica interrelacionada com a universalidade (a sociedade vivida) das crianças e adolescentes. O programa de extensão oferece educação de preparação para a convivência social, para as relações de trabalho, superando a consciência mítica e passiva do cotidiano alienado. O objetivo é refletir e propor metodologia de atendimento a crianças e adolescentes formuladas com base no modelo de pesquisa denominado pesquisaação-em-ação. O modelo de pesquisa que norteou este trabalho é construído a partir da perspectiva de práxis social. Parte dele é fundamentada na construção teórica proposta pelos modelos da investigação-ação e pesquisa-ação, sendo que, o ponto de partida para a explicitação teórica deste modelo, está fundamentado no estudo da prática de educação social oferecido a crianças e adolescentes através do programa de extensão universitária denominado “Atendimento a crianças e adolescente – da educação informal à iniciação profissional” . Este modelo traz em seu conteúdo, uma revisão do movimento de reflexão teórica sobre a

pesquisa científica numa perspectiva de práxis social. Por isso mesmo a pesquisa-ação-naação sofreu modificações em suas construções tomando como referência as teorias originais. Ela se apresenta agora, também, como um resultado de uma prática de educação social na qual o próprio investigador foi o orientador social da prática e que, por isso mesmo, contribuiu para as transformações da teoria para se adequarem à realidade de trabalho. Esta proposta se apresenta ainda, como resultado de um processo de coleta de dados tendo como referência um modelo inicial, passando a ser denominada pesquisa-ação-em-ação. Isto implica afirmar que o modelo é também resultado das transformações realizadas na consciência do investigador e no interior da prática social. Esta é uma demonstração que a ação dialética proposta resulta do método filosófico que está contido na dinâmica interna do processo de pesquisa-ação-em-ação: “O pensamento dialético afirma, (...) que nunca há pontos de partida absolutamente certos, nem problemas definitivamente resolvidos; afirma que o pensamento nunca avança em linha reta, pois toda verdade parcial só assume sua verdadeira significação por seu lugar no conjunto, da mesma forma que o conjunto só pode ser conhecido pelo progresso do conhecimento das verdades parciais. A marcha do conhecimento aparece assim como uma perpétua oscilação entre as partes e o todo, que se devem esclarecer mutuamente” (Goldman,1991,5,6. Dialética e Cultura) 91


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O objetivo deste texto é, portanto, mostrar um modelo de pesquisa denominado pesquisaação-em-ação que se construiu no decorrer de 5 anos de trabalho. Trata-se de um recorte num determinado período histórico que, por certo no final desta ação, poderá retornar à realidade acrescentando novos pontos analíticos/ interventivos no seu próprio contexto. A pesquisa-ação-em-ação pressupõe alguns postulados, tais como o que

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determinada situação. De acordo com ele, a realidade na qual o homem transita é dinâmica, ou melhor, está em um movimento constante que é resultante de forças contraditórias. Tratase de reconhecer que a ação do homem sobre problemas, situações, faz com que ele modifique constantemente a realidade. Para que faça estas modificações, o mesmo homem precisa conhecê-las, de proceder a uma decodificação de sua aparência. Este postulado compreende a realidade em estado de “indeterminação” 1 . “Essa “indeterminação” é que se transforma em problema, desencadeando a necessidade de investigá-la com vistas a uma solução tal que configure uma situação nova, relativamente mais determinada. A hipótese corresponderia ao “projeto de solução” para o problema identificado na situação real”. (Myrian V. Baptista. Texto mimeografado.1995).

“assume como postulado a associação fundamental entre prática e teoria. (...) é um processo que busca, ao mesmo tempo, realizar uma crítica de superação dos conhecimentos e práticas já existentes e criar conhecimentos que apontem novos caminhos e condições para a prática. (...) essa metodologia explicita um esforço no sentido de viabilizar uma produção conjunta de conhecimentos que permitam ultrapassar as práticas espontâneas e as reflexões que se confirmam em ações pontuais para, através da polêmica e da crítica teórica, construir uma “pedagogia dinâmica da ação””. (Myrian Veras Baptista, impresso, 1995).

Esta prática de projetos de solução implica na existência de sujeitos2 e intencionalidades. Os sujeitos no caso específico deste estudo, são as crianças, os adolescentes e o assistente social/pesquisador se inter-relacionando com a sociedade que lhes circundam. (familiares, professores, membros da comunidade).

Outro postulado é reconhecer que qualquer ação transforma constantemente uma

No caso específico do investigador cabe-lhe um papel assessório no processo. Ele deve

1. Esta expressão também é retirada de anotações sobre pesquisa-ação-na ação elaboradas por Myrian Veras Batista, Assistente Social, PH.d, professora do curso de Pós-graduação em Serviço Social da PUC/SP. 2. Para efeito de distinção entre os indivíduos envolvidos na pesquisa-ação, procurou-se denominá-los de sujeitos compreendendo neste contexto, o vislumbramento da possibilidade da formação da consciência crítica. E para as outras pessoas que compõem o universo relacional dos sujeitos (os pais, os professores, os membros da comunidade) convencionouse chamá-los de indivíduos, compreendendo para tal denominação, aquelas pessoas que estão inseridas numa relação de cotidianidade reproduzindo as relações sociais de produção sem a intenção consciente de exercer a prática numa perspectiva de práxis social. De uma maneira geral a preocupação está relacionada com a capacidade de ocupação de um espaço para a sobrevivência no meio no qual estão inseridos.

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trazer consigo o material de reflexão necessário para produzir o concreto pensado, ou seja a disposição para uma ação a partir da vivência e não uma vivência previamente direcionada. Um material sócio/filosófico que sirva de referência para relacionar as ações cotidianas particulares às estruturas universais. Relacionar que os modos de relações sociais cotidianas são os modos de relações sociais vigentes na macro-sociedade circunscrita àquele ambiente imediato. Em outras palavras, as ações particulares são analisadas sob o ponto de vista das representações sócio/filosóficas elaboradas sobre a realidade. Estas representações universais terão a função de orientar o levantamento de teses e supostas ações, no sentido de proceder possíveis modificações sobre a realidade cotidiana e com isso, contribuir para a modificação da universalidade. Toda essa transformação se processa sobre a realidade no sentido da particularidade para a universalidade e da universalidade (o concreto pensado) para a particularidade. Esta ação refletida requer uma determinada lógica a qual Karl Marx em a “Contribuição para a Crítica da Economia Política” (pp.228-237) denomina de lógica Dialética. Para a verificação de sua efetividade no processo de pesquisa-ação-em-ação, esta lógica requer maiores detalhamentos quando à sua compreensão a fim de ser posta à prova numa ação cotidiana, ou seja, o ponto de partida e de chegada é a realidade empírica, sendo essa a realidade na qual cotidianamente os homens interagem, nela produzindo conceitos e a transformando. “(...) os fatos empíricos isolados e abstratos são o único ponto de partida da pesquisa e também que a possibilidade de compreendê-los e deles extrair as leis e a significação

é o único critério válido para julgar o valor de um método (...) (Goldman,1991,4) Dialética e Cultura“ Nesta seqüência de raciocínio o modelo pressupõe a existência de sujeitos ativamente engajados e compromissados com o processo dinâmico das relações sociais incidindo sobre o destino das tarefas cotidianas. Eles são incentivados a desenvolver uma postura refletida e crítica sobre as práticas que exercem de mudanças e transformações realizadas no cotidiano em que estão inseridos. Por este motivo o objeto e a intencionalidade de cada sujeito na sua singularidade pode ser diferente, sendo este fato necessário para que cada sujeito, possuindo suas especificidades, exerça papéis diferenciados a fim de que a realidade seja compreendida ao máximo em sua complexidade e totalidade. Quando estes sujeitos estão integrados em propostas, objetivos e metas comuns, num determinado processo, eles interagem e constroem a realidade. Da particularidade/universalidade/ particularidade: dinâmica da pesquisa-ação O movimento da particularidade/ universalidade/ particularidade deve considerar que existe outro movimento implícito nesta dinâmica. Trata-se da satisfação da singularidade de cada sujeito. Isto implica considerar que as situações modificadas num determinado contexto particular e até mesmo universal devem satisfazer aos desejos de cada pessoa singularmente. O pesquisador, por exemplo, pretende nesta práxis, defender uma tese de doutoramento, o participante deseja solucionar uma determinada situação conflituosa, conseguir um determinado trabalho, resolver um cálculo, realizar um jogo, entretanto, nenhum 93


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destes interesses singulares serão realizados se não forem reconhecidos no âmbito da particularidade e da universalidade. O desafio enfrentado para a defesa e aplicação deste modelo é que ele releva a existência acentuada de uma singularidade. Ele pretende oferecer uma educação orientada para a construção de uma relação dialogal/ação entre os sujeitos e ao mesmo tempo defender as seguintes propostas: Transposição da ação individualista da sociedade em que se vive, em troca de uma ação coletiva não significando abandonar ou eliminar a existência da singularidade; orientar no sentido de não oferecer respostas ou soluções para interação entre singularidades/ particularidades e que, de certa forma, contradiz as propostas provenientes da mass-media: “(...) as mass-media ocupam um lugar de opção desde a rádio e a televisão, que se tornaram um elemento constitutivo do estilo de vida da maior parte dos europeus e dos habitantes dos E.U., ao cinema, que transmite, ao mesmo tempo, informações e obras de imaginação, dotadas de real valor estético, até essa enciclopédia notadamente difundida, constituída pelo livro de bolso, e a degradação esquemática e estereotipada da narrativa imaginária das histórias em quadrinhos. A partir destas considerações, é possível esboçar um quadro otimista, constatando uma elevação contínua (...) do

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nível cultural da sociedade em seu conjunto, acrescentando-se, bem entendido, que todo progresso deste gênero arrasta simultaneamente em aumento do número de pessoas que, na realidade, acendem à cultura (...) que permanece ao nível do que se poderia chamar de uma pseudocultura e que, não obstante, constitui, uma espécie de antecâmara da cultura verdadeira” (Goldman, 1991, 8)). Através destes procedimentos, a pesquisaação na ação propõe a ação do pesquisador. Segundo Thiollent, “...é possível estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação (...) a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. (...) A pesquisa-ação através destas características possui também a especificidade de relacionar dois tipos de objetivos: (...) a) Objetivo prático: contribuir para o melhor equacionamento possível do problema considerado como central na pesquisa, com levantamento de soluções e propostas de ações correspondentes às “soluções” para auxiliar o agente (ou ator) na sua atividade

3. “É conhecida a análise crítica da estrutura da consciência e da criação cultural da sociedade capitalista liberal e monopolista, desenvolvida por Marx e pelos pensadores marxistas, Lukacs especialmente: é a célebre teoria da reificação. Para nos limitarmos a algumas idéias centrais, dizemos que o conjunto da estrutura social, o caráter global das relações inter-humanas, tende a desaparecer da consciência dos indivíduos, reduzindo assim, consideralvelmente, a esfera na qual sua atividade de síntese podia manifestar-se e criando uma visão individualista e atomizada das relações dos homens com os outros homens e o universo” (Goldman,21. A importância do conceito de Consciência,).

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transformadora da situação (...) b) Objetivo do conhecimento: obter informações que seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos, aumentar nosso conhecimento de determinadas situações (reivindicações, capacidades de ação ou de mobilização, etc.) (Thiollent:18:19:21). A pesquisa-ação não privilegia nenhum dos dois objetivos pois são complementares e por isso necessitam do mesmo esforço e desempenho. Já, a pesquisa-ação-em-ação propõe ir mais longe. Propõe a elaboração do concreto pensado. Relaciona a ação particular que pode produzir mudanças no contexto do grupo a uma perspectiva de explicação mais ampla de um grupo, ou seja, explica a ação no nível do contexto da universalidade. Através do ponto de vista da investigação sociológica do tipo estruturalistagenético, Goldman propõe esta relação entre as particularidades e a universalidade. Diz que na prática esta relação se faz através de “aproximações sucessivas”: “Parte-se da hipótese de que se pode reunir certo número de fatos numa unidade estrutural, tenta-se estabelecer entre esses fatos o máximo de relações compreensivas e explicativas, procurando-se englobar também outros fatos que parecem estranhos à estrutura que se está destrinçando; chegase, assim, à eliminação de alguns dos fatos de que se partiu, à admissão de outros e à modificação da hipótese inicial; repete-se essa operação por sucessivas aproximações até ao momento em que se chega (é o ideal mais ou menos atingido, segundo o caso) a uma hipótese estrutural que pode explicar

um conjunto perfeitamente coerente de fatos.” (Goldman,Soc.Romance.211)

Nesta trama que envolve relações contraditórias entre sujeitos, os resultados da ação e das concepções elaboradas pelo conhecimento não são definitivas: “Isso significa que o estudo de um problema nunca está acabado, nem em seu conjunto, nem em seus elementos. Por um lado, é evidente que, recomeçando a obra, encontrar-se-á ainda e somente em último lugar o que se deveria ter posto no início, e por outro lado, o que vale para o conjunto não é menos válido para suas partes, as quais, não sendo elementos primeiro, são, em sua escala, conjuntos relativos. O pensamento é uma operação viva, cujo progresso é real sem ser, entretanto, linear e, sobretudo, sem nunca estar acabado” (Goldman,1991,7) Seguindo esta linha de reflexão a pesquisa-açãoem-ação constrói determinadas categorias as quais são denominadas temas compreensivos/ explicativos provisórios. “Uma das regras mais importantes para isolar estruturas sociais essenciais e construir, em cada caso concreto, o conceito máximo de consciência possível está baseado na hipótese inicial de que todos os fatos humanos constituem um processo de estruturação significativo orientado para equilíbrios provisórios e dinâmicos” (Goldman,p.13). Acrescenta o autor que aparentemente os fatos humanos não são 95


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significativos “e sim um aglomerado de dados parciais que podem ser constatados empiricamente e enumerados, mas cuja estrutura é muito difícil demarcar” (Goldman, p13) “(...) a descrição de uma estrutura significativa e de seus vínculos internos é um fenômeno de compreensão. Mas a tentativa de descrever o futuro da estrutura mais vasta (pois é claro que estamos sempre em presença de uma estrutura relativa composta de estruturas mais vastas) tem um valor relativamente à estrutura englobada” (Goldman,p16) Implica assim, uma prática de dois segmentos de ações: ao mesmo tempo em que consegue circunscrever a ação num determinado centro de convergência tematizado ele também é contextualizado na universalidade. Estes temas são, portanto, particulares e universais. Particulares porque representam a situação cotidiana do grupo e universais porque relaciona esta situação particular numa explicação genérica à luz das propostas elaboradas pelo materialismo dialético. Na práxis há uma constante oscilação entre o tema particular e genérico. Na relação entre os sujeitos, eles confirmam/refutam ou modificam estes temas. No entanto o que resulta desta reflexão é o constante relacionamento que os sujeitos fazem sobre ações particulares, implicando em situações que poderão transformar aspectos da singularidade nos grupos de referência além da perspectiva de inserção na universalidade através do reconhecimento e da ação propriamente dita. O resultado deste processo pode se dar em nível da ação, quando se reconhece na consciência a verdade do tema, ou em nível da reelaboração quando a consciência não lhe reconhece. 96

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Da teorização á vivência: A experiência vivencial que originou a reflexão aqui apresentada é resultante de uma ação realizada junto ao Instituto Joana D’Arc, em Vitória, ES, em conjunto com um grupo de crianças e adolescentes; suas famílias e Instituições correspondentes, independente da situação econômica ou status social. Na sua maioria, as crianças são de classes populares e algumas inclusive vivem nas ruas. As ações da prática vivencial do Programa estão fundamentadas num atendimento de orientação sócio-pedagógica por meio do processo grupal, visando uma intervenção que busca a singularidade psicossociológica interrelacionada com a universalidade (a sociedade vivida) das crianças e adolescentes. As principais ações envolvem a oferta de vivências para crianças e jovens que reproduzam o cotidiano abrangendo os seguintes aspectos: a) evitar a exploração sexual, de trabalho e uso de drogas; b) reforçar a importância da escola e instituições que contribuam para o desenvolvimento social/ psicológico; c) estimular a vocação profissional; d) oferecer oficinas de artes, cultura, esportes e lazer; e) promover excursões culturais e vivências alternativas; f)praticar atividades de iniciação ao trabalho; g) apoiar a autoestima para busca de alternativas de sobrevivência em campos de trabalho socialmente aceitos. Esta intervenção busca, ainda, desenvolver uma educação denominada “educação informal” que busca trazer à consciência (individual e grupal) o modo de vida cotidiano vivido e conseqüentemente a escolha de outras possibilidades de se viver socialmente.

O programa funciona num prédio de 2 andares possuindo 8 salas de 3,5 X 3,5 metros. Esta estrutura busca a similitude de uma residência em cujos cômodos há cozinha, copa, sala, quartos e um mini auditório. Também há um pátio de 370 metros quadrados. O prédio localiza-se no interior do bairro onde moram os usuários. As crianças e adolescentes freqüentam o programa e participam de todas as atividades de rotina como limpeza, preparo de alimentos, arrumação e planejamento das oficinas as quais desejam participar. As oficinas variam todo semestre de acordo com os recursos humanos, materiais e financeiros arrecadados. Invariavelmente são oferecidas oficinas de computação de música, teatro, canto, minicursos, palestras, excursões, lazer. Os recursos humanos fixos constituem de uma assistente social e um secretário. Os demais recursos são compostos de monitores da própria comunidade, estagiários da Universidade Federal do Espírito Santo, membros da sociedade civil. Entretanto, todos os recursos humanos envolvidos, prestam serviços através de projetos pontuais cujos objetivos, metas, cronograma e recursos são antecipadamente planejados para informar precisamente à comunidade usuária as possibilidades e limites de cada projeto. Além de oferecer educação de preparação para a convivência social, para as relações de trabalho, superando a consciência mítica e passiva do cotidiano alienado, o projeto busca refletir e propor metodologia de atendimento a crianças e adolescentes formuladas com base no modelo de pesquisa denominado pesquisa-ação-em-ação. Na experiência analisada no programa de extensão citado, o objeto de investigação para o pesquisador é a prática metodológica

refletida e construída a cada intervenção que auxilia os sujeitos a enfrentarem as relações no cotidiano. Já a busca das crianças e adolescentes é outra, diferente do objeto do pesquisador. Para o grupo particular a intencionalidade é o enfrentamento das relações sociais que se efetivam no seu cotidiano. Singularmente cada um tem objetivos especificamente delineados (embora possam ser inconscientes) para realizar-se existencialmente neste enfrentamento. Esta diferenciação de objeto e de intencionalidade do pesquisador e das crianças e adolescentes é fundamental para compreensão do processo porque cada uma das partes busca respostas distintas, embora haja nesta dinâmica uma imbricação de processos que o investigador esforça-se para transformar esta ação/refletida num processo de grupo particularmente inserido e potencialmente possível de transformar a situação particular e com possibilidades de atingir uma maior amplitude em direção à universalidade. Cada um depende do outro para os avanços e o alcance dos objetivos propostos nas relações. Em outras palavras, o pesquisador compartilha e depende da ação dos sujeitos para estudar seu objeto e os sujeitos dependem da reflexão de seus atos, e isto é feito com apoio do pesquisador para que possam solucionar as situações problematizadas, podendo produzir resultados de solução em grupo ou singulares. Mas o confronto com a realidade não é passivo. Os adolescentes e o assistente social/ pesquisador que se apresentam como sujeitos do processo de construção da realidade, sofrem a ação destas transformações ou das reações às transformações. 97


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Mesmo que o pesquisador possua um conhecimento construído e um instrumental técnico-operativo para o trabalho, os indivíduos de numa sociedade relacional, também possuem, mesmo que através da experiência na prática, um conjunto de estratégias para enfrentamento das relações neste cotidiano. Estas estratégias dependem substancialmente da formação singular e particular que cada um desenvolveu. Estes diferentes tipos de concepções se confrontam e os sujeitos, que em outros modelos de pesquisa seriam meros informantes ou executores, se transformam e modificam o meio através de uma prática refletida. Este movimento faz emergir categorias analíticas das quais caberá ao pesquisador proceder a leitura e a reconstituição intelectiva, além de contribuir para a tomada de consciência de seus interlocutores. A partir desta dinâmica, então, se constrói o movimento contraditório e a construção do novo cotidiano. Procedimentos da pesquisa-açãona-ação Para atingir os dois objetivos na perspectiva da pesquisa-ação-em-ação é necessário que o pesquisador e os seus interlocutores, através de aproximações sucessivas, intervenham sobre a realidade empírica de modo a desvelála e reorganizá-la no pensamento. Isto implica em avançar em direção às tarefas cotidianas (através das quais surgem temáticas específicas que devem ser conhecidas e transpostas como, por exemplo, o dogmatismo das religiões, o controle exercido pelos pais e pelas instituições de referência, a sexualidade, o trabalho, a pobreza, as limitações da política da assistência social, educação e da saúde) e também suas determinações universais, ou seja, as pressões 98

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e tensões do momento histórico vivido como estruturas do cotidiano. Estas aproximações fornecem informações que auxiliam o movimento dos sujeitos no cotidiano do mesmo modo que possibilita o pesquisador, através do uso de técnicas de entrevista, observação e relacionamento, aliados a técnicas de análise, desenvolver um processo de descrição que objetiva a compreensão e explicação desta realidade. As aproximações sucessivas relacionam sempre a ação e a reflexão através das constantes idas à realidade empírica e o retorno ao processamento descritivo, compreensivo e explicativo produzindo uma visão conceitual da universalidade ligado à particularidade. “O grande mérito deste (...) método consiste, entretanto, no fato de ter trazido - pela integração do pensamento dos indivíduos ao conjunto da vida social e notadamente pela análise da função histórica das classes sociais - o fundamento positivo e científico do conceito de visão de mundo, retirando dele qualquer caráter arbitrário, especulativo e metafísico” (Goldman, 1991,23) Um momento importante desta perspectiva de trabalho denominada práxis, é a contextualização e a tomada de consciência dos sujeitos sobre o seu cotidiano e a relação com o momento histórico particular em que estão vivendo. Para que isso aconteça, no IESJD eles participam das atividades sugeridas por eles mesmos ou daquelas sugeridas pelo pesquisador. É preciso enfatizar que estas atividades estão sempre relacionadas ao cotidiano, surgindo nelas, situações que necessitam ser superadas. A tomada de decisões para superar as situações- problemas que envolvem as

atividades eleitas amplia uma reflexão sobre este momento. Citamos como exemplo a prática da natação. O questionamento “ Onde nadar?” requer planejamento, confronto, negociações, avanços e retrocessos. Além de tarefas consideradas cotidianas o pesquisador/orientador inclui a reflexão crítica para um avanço da consciência além da imediaticidade. Esta prática depende em parte da participação do trabalho intelectual principalmente em compreender o nível de consciência que os atores possuem daquela determinada realidade. “A tomada de consciência varia de um homem a outro e só atinge seu máximo em alguns indivíduos excepcionais, ou na maioria dos membros do grupo em certas situações privilegiadas (guerra para a consciência nacional, revolução para a consciência de classe, etc.) Disso resulta que os indivíduos excepcionais exprimem a consciência coletiva melhor e de uma maneira mais precisa do que outros membros do grupo (...) (Goldman,1991,21) Mas a direção do trabalho não está centrada em “medir” o estágio de consciência na qual cada sujeito se encontra na determinada situação. Ele está centrado na possibilidade do desenvolvimento da potencialidade de cada consciência, tomando como ponto de partida o estágio em que se encontra a consciência sobre si ou sobre alguma coisa. Ultrapassar suas próprias possibilidades diante de situações enfrentadas no cotidiano é o desafio. “Conforme o nível a que se situa a investigação, o essencial nunca será, portanto, conhecer a consciência efetiva do

grupo num dado momento, mas o campo em cujo interior estes conhecimentos e estas respostas podem variar sem que haja modificação essencial das estruturas e processos existentes. Ora, se a investigação, sociológica não consegue ainda fazer o inventário destas respostas possíveis, pode em compensação estabelecer pelo menos duas modalidades privilegiadas, situadas no interior deste campo: a consciência efetiva e a consciência máxima possível, ou seja, o máximo de conhecimento adequado à realidade que os processos e as estruturas estudadas podem comportar, máximo que nos parece ser um instrumento conceptual de primeiríssima ordem para a compreensão da realidade” (Goldman,1978,31) Há certas ressalvas a serem feitas e já ditas na apresentação deste ensaio. Esta prática depende do nível de consciência de cada sujeito e de cada grupo em particular. Tentar chegar a um nível de consciência numa perspectiva de transformação simplesmente ignorando outros níveis significa ser indiferente a todo o processo ora proposto considerando especialmente a referência sobre as aproximações sucessivas. O salto da imediaticidade para a mediaticidade requer a explicação da representação da consciência sobre o cotidiano e sua possível determinação de transcendência deste. Nesta modalidade de pesquisa, a coleta de dados que fornece informações para construção de categorias se realiza através da participação do pesquisador na ação, pois ao mesmo tempo em que ele é pesquisador exerce uma função prática profissional de assistente social. Esta forma de trabalho é 99


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“um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo” (Thiollent, 1992:15). Tanto a aproximação ao cotidiano para conhecê-lo como a aproximação ao conjunto de conhecimentos teóricos para a construção do concreto pensado se fazem sobre dados obtidos pela pesquisa. Esses dados são matéria prima para posterior análise no sentido de se transformarem em instrumentos de conhecimento para a retomada à prática social. Outro passo do trabalho consiste na tarefa do pesquisador identificar estes temas com base na leitura dos relatórios, das gravações, dos desenhos, das entrevistas e depoimentos; analisá-los inicialmente de forma compreensiva, classificá-los em categorias genéricas que permitem compreender melhor a situação em foco, isto é, a sua estrutura essencial. As categorias detectadas são postas à luz de um conjunto de teorias que se aproximam da explicação do fenômeno social em questão. O conteúdo de categoria reformulado com base nos dados empíricos no sentido da compreensão e da explicação daquela realidade e é posto à luz da crítica pelos sujeitos envolvidos no processo. Os sujeitos procuram se reconhecer naquele concreto pensado ao mesmo tempo em que exercitam o uso de estratégias para modificar o cotidiano. Havendo desvios de compreensão e de identificação, a 100

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categoria é novamente pensada, podendo daí emergir novas categorias mais identificadas com a essência do fenômeno sob intervenção dos atores. De acordo com o momento histórico a trajetória da ação é revista e transformada tendo por base o potencial do grupo. Muito embora em alguns momentos mesmo após análise crítica da situação as ações não são alteradas, seja por motivo de estratégia ou por insegurança. Para o alcance dos objetivos deste projeto, foram utilizados os procedimentos da observação participante. Segundo Gil, (1987) a observação participante, ou observação ativa, consiste na participação real do observador na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada. Neste caso, o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro do grupo. O esforço inicial do pesquisador é procurar abstrair a visão de mundo do adolescente a partir da sua ótica; como a constrói e como lida com o cotidiano. Daí por que se pode definir a observação participante como a técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo. Para que este processo tenha prosseguimento, ele, assistente social, deve desenvolver uma prática interventiva, refletir a ação junto aos seus interlocutores, levantar as categorias principais e as secundárias, buscando compreender se tais categorias identificam a estrutura essencial das questões abordadas pelo grupo além de proceder a pesquisa bibliográfica existente sobre o tema, a fim de que se busquem explicações.

É essa experiência de exercer o papel de assistente social e pesquisador que caracteriza o processo de pesquisa-ação-em-ação. Este desempenho vai além da coleta de dados e implica em propostas de alterações da prática cotidiana que é descrita e apreendida pelos sujeitos. O pesquisador se posiciona na prática profissional como participante da construção do novo cotidiano, da nova consciência construída sob uma perspectiva crítica dada a partir da leitura da realidade e da consulta literária a respeito. Nestas atividades além do acompanhamento do processo grupal e individual,fundamentados no material proveniente do cotidiano, também são induzidas atitudes diferentes daquelas que os sujeitos conhecem como, por exemplo, planejar, tomar decisões, contestar um comando e mesmo obter acesso a determinados locais públicos ou privados. Os adolescentes tomam conhecimento que a prática exige procedimento, ações e reflexões, além daquela que usualmente realiza no cotidiano. Tudo isso ocorre à medida que processam as aproximações empíricas para realização das tarefas eleitas,. O Fluxograma I esquematizado ao final do ensaio, procura sintetizar o movimento de aproximação da realidade empírica ao processo de construção intelectiva desta realidade proposto até o momento. Este esquema orienta os procedimentos básicos para a construção das categorias gerais e específicas na medida em que a ação

do assistente social/pesquisador exerce uma prática diante dos fenômenos sociais cotidianos. Demonstra também a necessidade da busca de um referencial teórico geral que permite compreender, explicar e intervir nas situações sociais e psicológicas demandadas da prática. Representa, portanto a essência da prática de reflexão/ação dos sujeitos no processo de pesquisa-ação-em-ação, ou seja, a construção de categorias gerais e específicas que norteiam todos os procedimentos teóricos e práticos a serem construídos a partir deste processo. Tomando como base a prática no Instituto Joana D´Arc (IESJD) este procedimento ocorreu nas situações em que algumas crianças e adolescentes necessitavam de um atendimento individualizado; outras vezes em situações de grupo e outras quando existiu a necessidade de enfrentamento de situações sociais que envolveram a escola, a família ou a comunidade. A vivência sempre determinou um ritmo de trabalho para a descoberta de estruturas essenciais. As situações vividas sempre necessitaram de compreensão e trabalho diferenciado. Considerar a prática como base para o tipo de trabalho a ser desenvolvido orientou para que fossem construídos e executados planos e estratégia de ação juntamente com a coleta de dados para a pesquisa. Estes procedimentos sempre foram tomados de acordo com uma categoria enunciada estimulando os interlocutores a identificarem-nas e

4. Utiliza-se o conceito de abstração no sentido de eleger um aspecto da realidade empírica e a partir daí relacionar este aspecto à totalidade. Neste sentido a abstração situa a visão de mundo do adolescente e consequentemente como ele se dá no contexto social em que se expressa como sujeito social

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participarem inclusive do desenvolvimento do processo de intervenção servindo, como já enunciado, a dois objetivos. O levantamento de categorias gerais é uma espécie de diagnóstico da situação a ser trabalhada. Ela se configura no esforço de compreender e explicar o contexto no qual os interlocutores estão envolvidos. Amiúde também, há uma classificação de categorias específicas que são os temas mais próximos ao cotidiano dos sujeitos, como por exemplo, a exclusão (do uso de uma piscina), que se torna o objeto de reflexão e de ação. Estes temas específicos são proporcionalmente as categorias mais particulares que se desdobram a partir das categorias gerias5. O surgimento dessas categorias se faz quando as crianças e adolescentes fornecem os dados através das representações que fazem das relações cotidianas e que, a princípio, para eles são indecifráveis. Trata-se de um processo de relações mais ou menos mecânico que requer pouco esforço de raciocínio, como os atos de dormir, comer, passear, entre todas as coisas que se faz no dia a dia. Descobrir as categorias gerais e específicas que precisam ser trabalhadas é função do assistente social/pesquisador que possui certo significado, como a chave para abrir portas de novas realidades e com isso se possa desenvolver uma ação técnica de atendimento em grupo e/ ou individual, a fim de compreender e explicar as categorias que representem as demandas.

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Após a relação que o profissional possui com a prática, matéria prima para o processo de reflexão, ele deve reconstituir estas categorias gerais com base nos estudos sociológicos e filosóficos amplos. Atentando-se para que estas explicações se aproximem, ao máximo, à especificidade daquela demanda trabalhada. Com base nas duas fontes de dados, o pesquisador relaciona as duas fontes que justificam as categorias aos seus interlocutores. Verifica-se nesta explicação, se há um processo de tomada de consciência por parte de seus interlocutores ou seja, se eles reconhecem que a situação particular está relacionada com um contexto mais universal6. Este trabalho profissional requer leituras de conteúdo técnico/científico/filosófico. O sucesso do trabalho depende do alcance e da organização pedagógica de uma determinada categoria de trabalho. Uma elaboração mal realizada ou pouco fundamentada, com dados coletados da prática e da teoria, desgasta por demais os interlocutores quando se fazem aproximações que não representam intelectualmente suas vivências. Resumindo o conteúdo acima, as aproximações às categorias gerais a uma situação demandada se fazem então, sob a perspectiva de uma prática sobre as questões vivenciadas no dia a dia. Esta prática é relacionada a uma prática pensada e construída num patamar científico/filosófico. As duas construções (a do senso comum e a construção teórico/filosófica) se confrontam e resultam numa prática refletida, com elementos do dia a dia e do conhecimento teórico/filosófico.

5. O detalhamento deste processo será analisado no capítulo pesquisa-ação-em-ação, mais especificamente no item de técnicas compreensivas. 6. Esta dialética entre categorias gerais e específicas é tratada no capítulo o processo de pesquisa-ação-em-acão.

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Isto quer dizer que a práxis gira em torno da participação de vários sujeitos, que se interrelacionam numa determinada jornada com diferentes estágios de consciência sobre a realidade e um conhecimento já construído. Ao final do processo, existe uma nova jornada com novos sujeitos e novas teorias. Considerações finais Neste relato sobre a construção de categorias orientadoras da práxis social, há indicativos de que as categorias são 1) resultados de sujeitos operando sobre o conhecimento e sobre a prática embora haja diferentes níveis de consciência. 2) Há relações íntimas entre sujeitos e 3) há relações num nível social imediato como grupos próximos e intergrupos que se colocam diante de 4) trocas no dia a dia e que 5) estão intimamente relacionadas a um complexo de relações sociais e muito 6) se tem construído teórica/filosoficamente para representar tais complexos. Reconhecese que 1) a práxis, 2) a singularidade, 3) a particularidade, 4) a cotidianidade, 5) a universalidade e 6) a concreticidade que são as categorias teórico/filosóficas que embasam um procedimento científico sem sequer abranger o homem e a sociedade numa perspectiva de totalidade e em movimento. Sendo estas categorias gerais introduzidas como resultado de estudos e do relacionamento profissional nas atividades diárias, é importante compreender que esta prática requer o reconhecimento de que existe uma singularidade em cada um deles. Mas essa singularidade só existe no momento em que se fazem expressar representativos, que se apresentem em seus grupos de referência, ou seja, seus grupos particulares.

Como assistente social/pesquisador, desejando ir além da compreensão da representatividade que as crianças e adolescentes tem da realidade na qual estavam inseridos, o pesquisador também invencionou descobrir quais categorias específicas essas representações determinavam e quais os seus resultados. Mais além da simples observação ou mesmo da compreensão de cada uma das categorias, pretendeu ainda interferir nestas ações com vistas a mudanças das atitudes individuais e dos grupos, reintroduzindo as categorias gerais e particulares decodificadas para realização de um processo de tomada de consciência. Esta práxis sempre esteve direcionada responder às seguintes perguntas: Por existem determinados situações sociais se tornam problemas? Como proceder enfrentá-las?

para que que para

Há por isso, recortes nesta práxis. Cronologicamente, o primeiro recorte se trata da ação de orientação social propriamente dita realizada junto a crianças e adolescentes. O segundo é a construção metodológica de orientação social para crianças e adolescentes. As categorias são construídas, portanto, quando há o reconhecimento de que neste processo, existem sujeitos ativos que desvelam e realizam um conjunto de ações sobre um determinado objeto, sobre uma determinada realidade; isto configura uma investigaçãoação-em-ação, onde os sujeitos se relacionam entre si e com a realidade. O resultado desta ação pode ser a transformação da realidade, da consciência e do conhecimento. O sujeito, ao entrar em uma relação dinâmica 103


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com outros sujeitos sociais, com o objetivo de se firmar e/ou alterar as relações sociais das quais fazem parte em seu convivo social, realiza sucessivas aproximações aos sujeitos e aos objetos ele investiga. Tenta compreendêlos, participar de suas atividades, adaptar-se a eles e até mesmo transformá-los. Duas esferas de interesses estão em jogo nesta dinâmica; a) a possibilidade de construção de uma singularidade para atender suas expectativas específicas, psíquicas, fisiológicas e b),a manutenção ou modificação de uma realidade para atender suas expectativas particulares, comuns a outros homens. Lazer, trabalho, cultura. Nesta dinâmica podemos concluir que o método de pesquisa-ação-em-ação põe os sujeitos e a realidade em relação. Os sujeitos se esforçam para se inserirem nas realidades mais próximas possíveis de seu relacionamento onde suas necessidades imediatas poderão ser atendidas bem como o seu desejo de atender suas expectativas. Por sua vez, a realidade é constituída por um complexo de relações sociais e materiais que estabelecem um conjunto de comportamentos que expressam as formas de trabalho, de educação, de lazer, da cultura etc. Nela os sujeitos relacionam-se com uma tarefa cotidiana de conservá-la ou modificá-la a partir do momento em que tomam conhecimento concreto de sua essência e de sua dinamicidade. Por isso uma reflexão sobre as categorias acima apontadas, pretende caracterizar os sujeitos inseridos numa sociedade além de 104

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avaliar a possibilidade de transformação da realidade. Estes conceitos estão intimamente imbricados num processo histórico de movimento em direção a produção material e de idéias universais que procuram identificar a singularidade, a particularidade, a genericidade e a práxis. Estas categorias estão materializadas na sociedade e no homem, historicamente dado, e num contexto por ele vivenciado, que é seu cotidiano. Esta ação precisa de sujeitos, embora que os seus níveis de consciência não sejam iguais, e nem se pretenda isto com a proposta, é preciso caracterizar a existência de um processamento da real interação entre sujeitos dentre os quais há a presença de investigadores. O investigador, além de outras atribuições já vistas no decorrer deste trabalho, deve saber discernir os níveis de consciência do mais ao menos predominante na existência do grupo. Deve saber identificar se o ambiente tende a discutir sobre uma temática social ou se deve praticar uma ação sob a égide das experiências afetivas nas quais se expressam relações transferenciais num plano psíquico. Muito pouco adiantaria explicar o ambiente imediato vivenciado pelo grupo através de uma categoria sociológica, se o ambiente necessita de um apoio em nível da psique. A mesma sensibilidade deverá possuir o investigador quando surgirem outros níveis de consciência sobre a realidade vivenciada. Para cada ambiente vivenciado faz-se necessário levantar um tipo de categoria própria a fim de que se possa utilizar os recursos técnicos/instrumentais específicos para a ação propriamente dita. Esta é a proposta deste modelo de pesquisa-ação-em-ação.

“Depois de desmontado o objeto da investigação, o investigador encontra-se perante outro problema particularmente importante. A realidade social é, com efeito, demasiado rica e complexa para que seja possível analisar o conjunto dos dados concretos, mesmo no âmbito de um objeto desmontado de uma maneira mais ou menos válida (<mais ou menos>) porque se parte sempre de uma desmontagem aproximativa que se é levado a modificar ao longo da investigação, eliminando certos fatos que à medida que se vai definindo a estrutura estudada, se verifica não lhe pertencerem e juntando-lhe, pelo contrário, outros fatos dos quais não se suspeitava no início pertencerem a esta estrutura). O investigador é, portanto, obrigado a partir de dois instrumentos conceptuais que só raramente correspondem de maneira suficientemente próxima à realidade empírica: a estrutura equilibrada e coerente para a qual tendia o antigo processo de estruturação agora em vias de ser superado e aquela para que tende o principal processo de estruturação atualmente em curso” (Goldman, 1978,30) Esta consideração de Goldman poderá desencadear a formação da consciência possível descrita por Goldman, (1978,33) como sendo, “...uma tentativa consciente de intervir na vida social para nela introduzir certas transformações”.

Referências BAPTISTA, Myrian Veras, Aproximações Analíticas Os diferentes Níveis de Aproximação da Realidade. Texto mimeografado, São Paulo, 1995. Da Pesquisa-Ação-na-Ação, mimeografado,São Paulo, 1995.

Texto

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Fluxograma I

Ação (imediaticidade) (procedimento dos atores) I

Reconstrução dos conceitos, explicação da realidade e reconhecimento ou refutação desta explicação. (mediaticidade) (procedimento dos atores) VI

Explicação das categorias com base nos conceitos construídos relacionados com os dados coletados na realidade empírica (procedimento do pesquisador/sujeito V

Coleta de dados empíricos (procedimento do pesquisador/sujeito) II

Construção de categorias (pesquisa Biblioteca) (procediemnto do pesquisador) III

Explicitação teórico-filosófica das categorias organizadas. (procedimento do pesquisador) IV 106

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