ANAIS Nº 05 V JORNADA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Belém-PA 2012
1
CELIA MARIA COÊLHO BRITO Organizadora LUCIANA DE FÁTIMA DAVID BASTOS Layout e Diagramação
Dados Internacionais de Catalogação –na -publicação (CIP). Biblioteca da Faculdade Integrada Brasil Amazônia- FIBRA, Belém - PA. ___________________________________________________
J82
Jornada de Pós-Graduação (4.: 2012: Belém)
Anais da V Jornada de Pós-Graduação da Faculdade Integrada Brasil Amazônia. Belém: set. 31, out. 01, 2012.
1.Pós-Graduação- Jornada. 2. Anais- Pós-Graduação- FIBRA (4.:2012- Belém). Resumos. 4. Faculdade Integrada Brasil Amazônia. I. Título.
3. Anais-
ISSN: 2178-0269
__________________________________________________
2
V JORNADA DA PÓS-GRADUAÇÃO
ANAIS nº 5 outubro de 2012
3
DIRETOR GERAL Vicente de Paulo Tavares Noronha VICE-DIRETOR Atila Nunes Marinho DIRETOR ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO Atila Nunes Marinho DIRETOR ACADÊMICO Fernando Antônio Colares Palácios DIRETOR ADJUNTO DE GRADUAÇÃO Wilson Ricardo Cardoso Silva DIRETORA ADJUNTA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO Célia Maria Coêlho Brito COORDENADORES DE CURSO DE GRADUAÇÃO Wilson Ricardo Cardoso Silva (Curso de Administração) Manuela Beltrão Oliveira e Silva (Curso de Pedagogia) Guilhermina Pereira Corrêa (Curso de Letras) Renato Aloísio de Oliveira Gimenes (Curso de História) Maurício Miranda Ferreira (Curso de Direito) Michelle Sena da Silva (Curso de Geografia) Maria Lúcia da Silva Ribeiro (Curso de Farmácia) Patrícia Bentes Marques (Curso de Biomédicina) Maria Liracy Batista de Souza (Curso de Enfermagem)
4
APRESENTAÇÃO A promoção de eventos realizados por uma instituição de ensino superior que propiciem a socialização de trabalhos acadêmicos justifica-se, muito mais efetivamente, se também forem envidados esforços para a publicação destes. Nesse sentido, a FIBRA novamente dá passos largos em seu empreendimento educacional, ao publicar os ANAIS da V Jornada de Pós-Graduação realizada nos dias 28 e 29 de setembro de 2012. Além da socialização de conhecimentos, as jornadas de pós-graduação promovidas pela FIBRA têm tido a intenção de fomentar o intercâmbio acadêmico entre instituições de ensino superior e de pesquisa, e entre pós-graduação e graduação. A V Jornada de Pós-Graduação, portanto, foi mais um momento em que a FIBRA abriu suas portas não somente para expor sua produção científica, mas ainda para dialogar com pesquisadores e aprendizes de pesquisadores de outras entidades acadêmicas, no intuito de, assim, contribuir mais plenamente para o desenvolvimento científico e profissional da sociedade. De ano a ano, as jornadas de pós-graduação vêm dando saltos quantitativos e qualitativos consideráveis. Isso se observa pelo quantitativo, a cada vez, mais expressivo de trabalhos submetidos para apresentação e, pela importância das temáticas propostas para reflexão. O número desses trabalhos foi bem mais significativo do que o das jornadas anteriores. Infere-se desse dado que as jornadas de pós-graduação estão conferindo à FIBRA uma visibilidade maior de seu campo de ação e conseguindo alcançar um de seus grandes objetivos, o de promover o intercâmbio com outras instituições acadêmicas. Os artigos da coletânea que aqui apresentamos são fruto de fazeres científicos de professores e alunos da FIBRA bem como de acadêmicos de outras instituições de ensino superior e ou de pesquisa, expostos em 15 Mesas-Redondas e 20 Sessões de Comunicações Coordenadas. As temáticas envolvem a diversidade de áreas do conhecimento contempladas pelos cursos de Pós-Graduação que a FIBRA oferece: Administração; Arte; Direito; Geografia; História Contemporânea; História e Cultura Afrobrasileira; Língua Inglesa; Língua Portuguesa; Literatura; Matemática; Meio Ambiente; Patrimônio Histórico e Cultural; Pedagogia; Projetos Sociais; Saúde; e Turismo. Em decorrência da forma de serem perquiridos os objetos investigados, em função da imbricação natural da interdisciplinaridade do conhecimento humano, os trabalhos abordam temáticas que se entrelaçam. Assim é possível observar nas discussões e análises realizadas diferentes áreas confluindo para preocupações sociais comuns, como direito e projetos sociais; saúde, administração e educação; literatura e tradução; arte e patrimônio histórico; meio ambiente, geografia e turismo; língua portuguesa, história, geografia e educação. O entrelaçamento de perspectivas teóricas só foi possível em razão de uma peculiaridade do evento em causa, que envolve uma variedade de campos do saber, o que o distingue de outros tipos de encontros comumente realizados no mundo acadêmico, que se restringem apenas a uma área de conhecimento. Além dos integrantes do quadro docente e discente da FIBRA, nesta publicação, há trabalhos de professores e alunos de 19 entidades de ensino e ou pesquisa. Ao todo são 49 artigos, sequenciados, na medida do possível, por área: sete de direito; dois de Língua Portuguesa; seis de Literatura; três de Meio Ambiente; três de Patrimônio Histórico; três de Saúde; um de Turismo; quinze de Pedagogia; três de História; dois de Geografia; dois de Arte; dois de Tradução; três de Administração. Por fim, parabenizo a todos os autores dos artigos que compõem os Anais da V Jornada de PósGraduação por contribuírem com seu saber para a produção de conhecimento em prol de melhorias sociais e, como não poderia deixar de fazer, realço que esta publicação só chegou a seu termo pelo incentivo e apoio incondicionais dos diretores da FIBRA, que não medem esforços para que a instituição FIBRA caminhe sempre abrindo mentes no sentido de que vislumbrem novos horizontes com vista ao progresso e bem-estar da sociedade.
Profª Célia Maria Coêlho Brito Diretora de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da FIBRA
5
SUMÁRIO ARTIGOS
10
CONFLITOS ASSIMÉTRICOS E O ESTADO: o neoterrorismo e os novos paradigmas para formulação de Políticas de Defesa Nacional Wando Dias Miranda, Durbens Martins Nascimento
19
COMÉRCIO ELETRÔNICO, SOCIEDADE DO RISCO E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Amadeu dos Anjos Vidonho Junior
27
INSTRUMENTOS PERICIAIS PARA ELUCIDAÇÃO PSICILÓGICA NO DIREITO BRASILEIRO Augusto Cezar Ferreira de Baraúna
36
O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA DO INDIVÍDUO GERADO A PARTIR DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA EM FACE DO DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DE MATERIAL GENÉTICO Nathália Miranda Abdon
42
O EFEITO JURÍDICO DA CONDUTA PATOLÓGICA DO AGRESSOR NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NA RELAÇÃO CONJUGAL Clívia Santana da Silva
50
OS DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL DIANTE DO PENSAMENTO DOMINANTE DO CAPITALISMO INSTRUMENTALIZADO PELA IDEOLOGIA NEOLIBERAL Luiz Nestor Sodré da Silveira
56
A VIOLÊNCIA ESCOLAR COMO SUSCITADOR DE QUESTIONAMENTOS AOS DOCENTES DO PROJOVEM URBANO MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-AÇU Paulo Sérgio Paes dos Santos
64
FORMAÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO NO DISCURSO DE POSSE DE DILMA ROUSSEFF Daciléia Marinho Ribeiro; Célia Maria Coêlho Brito
72
AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM: UMA ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO ARARIBÁ, DO 8° ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. Adriano Nascimento Silva
77
“BURITI” OU A LINGUAGEM DO SILÊNCIO SOB O SIGNO DA NOITE: aspectos do interdito e da transgressão em guimarães rosa Brenno Carriço; Sílvio Holanda
82
NAS TRILHAS DA OBRA THE DEVIL TO PAY IN THE BACKLANDS: outro olhar em prova Suellen Cordovil da Silva; Sílvio Augusto de Oliveira Holanda
88
DIMENSÕES DO MODERNO: intimidades da família em butiri bom Francisco das Chagas Ribeiro Júnior; Sílvio Augusto de Oliveira Holanda
92
O SENSACIONISMO NA POESIA DE ALBERTO CAEIRO Tatiane Souza Teran
99
O “SER-TÃO” DE GUIMARÃES ROSA E DE MARILY DA CUNHA BEZERRA: diálogo interartístico Karla Alessandra Nobre Lucas; Sílvio Augusto de Oliveira Holanda
DO
CRIME
DE
TORTURA
6
105
O MODERNISMO EM RUY BARATA E SUA IMPORTÂNCIA NO CENÁRIO PARAENSE. Franciete Pereira da Silva
112
TRADUÇÃO BASEADA NA TRANSCRIAÇÃO: a simplicidade de Drummond na tradução do Poema Ornithology for Beginners, de Dorothy Parker. Dayana Crystina Barbosa de Almeida
120
TRUE STORY, CHALLENGE ACCEPTED, POKER FACE, TROLL E FOREVER ALONE: o uso dos Rage Comics em aulas de leitura e produção textual Dayana Crystina Barbosa de Almeida; Graça Helena Barbosa de Almeida
129
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA O DESENVOLVIMENTO GERENCIAL – um estudo de caso Vera Lúcia Vasconcelos Affonso; Eugênia Suely Belém de Sousa
137
A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO ORÇAMENTÁRIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA NA CIDADE DE BELÉM/PA: relato de experiência Rosane Marques Rosado Gomes; Eugênia Suely Belém de Sousa
147
PEDAGOGIA EMPRESARIAL: as possibilidades de contribuição para o Planejamento Estratégico em uma Instituição Pública Natany Soares Leite; Priscila de Aragão Maia; Eugênia Suely Belém de Sousa
157
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL Rosa Maria Lopes Noronha
162
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: a hora pedagógica em questão Andréa Souza de Albuquerque
170
O DISCURSO DOS PROFESSORES SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: significados e sentidos na prática docente Marcos Antonio Silva; Nilda de Oliveira Bentes
177
OS DESAFIOS DE SE ENSINAR E DE SE APRENDER HISTÓRIA E GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: um estudo de caso etnográfico sobre práticas pedagógicas de professores de uma escola pública em Belém do Pará, de 2011 a 2012 Lucidéa de Oliveira Santos; Deylane Mendes; Fabrício Araújo; Manuela Beltrão Cavalleiro de Macedo; Cristiane Moreira; Carmen Denise Cavalleiro de Macedo; Michelle Sena da Silva
188
EDUCAÇÃO FÍSICA INCLUSIVA: o desenvolvimento psicomotor e a síndrome de down Rafael Costa Martins
196
OS JOGOS MATEMÁTICOS E A APRENDIZAGEM DOS NÚMEROS INTEIROS ENTRE ESTUDANTES DO 7º ANO Meriã Thyele Sozar de Oliveira; José de Ribamar Miranda Marinho
205
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: Quais níveis de formação na pós- graduação dos professores de matemática no ensino. Meriã Thyele Sozar de Oliveira
214
CRECHE CASULO: uma experiência da pedagogia waldorf no norte do país Altair Dolores Dias Klautau Vergne
222
UM ESTUDO DE CASO ACERCA DE UMA UNIDADE DE ENSINO PRIVADA NO BAIRRO CENTRO, DE ANANINDEUA, NO ANO DE 2012 Dalea Saraiva da Silva Filha; Edwana Coutinho dos Santos; Wellida das Graças Santos; Lucidéa Oliveira Santos; Lúcia da Costa Florenzano
7
228
O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: o espaço da geografia na educação centenária no IFPA Campus Belém Maria Fernanda Ribeiro Santos
236
ACESSIBILIDADE PARA CEGOS NA TRILHA DO PARQUE DE ANANINDEUA ANTÔNIO DANÚBIO Mailson Caires Oliveira
243
PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE ALUNOS E PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA-PA, NO ANO DE 2012 Cléa de Nazaré Soares da Costa; Dielle de Aguiar Tinoco; Lucidéa de Oliveira Santos
252
CIRCUITOS ECONÔMICOS NOS BAIRROS DE NAZARÉ E UMARIZAL EM BELÉM-PA Mauro Emilio Costa Silva
258
O PLANEJAMENTO DO ASSENTAMENTO JOÃO BATISTA II, CASTANHAL – PA Edionisson da Conceição dos Santos
266
IMPACTO URBANO EM ÁREAS DE RISCO E ALAGAMENTOS EM BELÉM E REGIÃO METROPOLITANA Rudilardson Silva Pinto; Lítala do Nascimento Andrade; Amanda Moreno Coelho Abreu; Lucidéa de Oliveira Santos
273
REFLEXÕES SOBRE A CRIAÇÃO E A EXPANSÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM: Uma análise sobre o parque ecológico do município de Belém Naiara de Almeida Rios; Aline Reis de Oliveira Araùjo
282
ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DO TRATO DOS RESÍDUOS URBANOS: DE LIXÃO À IMPLANTAÇÃO DE UMA CPTR CLASSE II, EM MARITUBA, COMO NOVOS MECANISMOS DE COLETA E DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS DOMÉSTICOS Rudilardson Silva Pinto; Lítala do Nascimento Andrade; Amanda Moreno Coelho Abreu; Lucidéa de Oliveira Santos
291
TURISMO E MEIO AMBIENTE: uma abordagem dos impactos socioambientais configurados pelo uso e ocupação do solo na ilha de Cotijuba, na região metropolitana de Belém Rudilardson Silva Pinto; Lítala do Nascimento Andrade; Amanda Moreno Coelho Abreu; Lucidéa de Oliveira Santos
298
EXPRESSÕES SONORAS NA CAPOEIRA ANGOLA E REGIONAL Marcelo Pamplona Baccino
307
NOS TRILHOS DO RIO TOCANTINS: a memória da extinta ferrovia Tocantins Carlos Eduardo Costa; Gilma Isabel Rego D’aqino
317
QUANDO OS CORPOS “FALAM”: processos de comunicação nas danças folclóricas da Amazônia Gleison Gonçalves Ferreira; Isabel Rêgo D’aquino
327
ANILZINHO: símbolo de resistência e luta (1979-1991)! Adriane dos Prazeres Silva
335
RELAÇÕES ENTRE AMAS DE LEITE E AS FAMÍLIAS ESCRAVISTAS: NEGRAS “MÃES PRETAS” APÓS A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM BELÉM (1888-1912) Meg Fernandes de Carvalho
8
342
ABOLIÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS: A MULHER NEGRA EM BELÉM NA REPRESENTAÇÃO HISTÓRICA-LITERÁRIA E NOS JORNAIS DE (1888-1912) Meg Fernandes de Carvalho
352
ATRAVÉS DA IMAGEM: a visualidade afrobrasileira no acervo do MUSEU de ARTE de BELÉM - MABE Rosângela do Socorro Ferreira Modesto
362
O USO DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM NAS SÉRIES INICIAS: Quais as interfaces? Thiago André Nunes da Cruz
370
CONTROLE SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO ESTADO DO PARÁ: os desafios da Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador – CIST/PA Roseana Gomes Leal dos Santos; Eugênia Suely Belém de Sousa
379
ENVELHECIMENTO E SAÚDE PÚBLICA: Velhice com qualidade de vida Alba Lúcia Tocantins Álvares; Eugênia Suely Belém de Sousa
398
O PAPEL DO PEDAGOGO NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS COM AUTISTAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PEDAGOGO NA CASA DA ESPERANÇA – ANANINDEUA/PARÁ Núbia Christian Farias
9
CONFLITOS ASSIMÉTRICOS E O ESTADO: o neoterrorismo e os novos paradigmas para formulação de Políticas de Defesa Nacional
Wando Dias MIRANDA (UFPA) Durbens Martins NASCIMENTO (UFPA) Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América e seus desdobramentos com a chamada ―Guerra ao Terror‖ marcam um novo cenário político e estratégico mundial no campo do planejamento de Políticas de Defesa e Segurança dos Estados. O modelo clássico de combate dos conflitos de Terceira Geração sede cada vez mais espaço para os conflitos de Quarta Geração que são caracterizados pelo caráter informal, dinâmico, flexível e mutável dos combates. Assim, forças de combates irregulares, grupos terroristas, guerrilheiros, ações de organizações criminosas e de narcotraficantes se multiplicam pelo mundo levando sua mensagem de medo, terror e intolerância, fazendo um número cada vez maior de vítimas em suas ações e em alguns casos, influenciado os processos decisórios e políticos de nações, como no caso dos atentados de 11 de março de 2004 de Madri, na Espanha. Em tempos de globalização e de terrorismo sem fronteiras e midiático, o planejamento de políticas de defesas focadas num caráter defensivo e preventivo do Estado é sem duvida um dos maiores desafios campo da política e das relações internacionais. Palavras-chave: Conflitos Assimétricos, Estado, Políticas de Defesa
"A coragem alimenta as guerras, mas é o medo que as faz nascer." (Émile-Auguste Chartier) Para Clausewitz, a guerra não é arte nem ciência, ela é um fenômeno que pertence ao campo da existência social, e que, dependendo das condições, pode tomar formas radicalmente diferentes, modificando a sua natureza em cada caso, e se ajustando a um novo padrão de conflito. Na mesma linha de pensamento, o general e filosofo chinês Sun Tzu, século IV a.C, em sua obra, a Arte da Guerra, aponta a necessidade do emprego apropriado das forças de combate flexíveis e ágeis aos diferentes tipos de terrenos, Forças Especiais1 , capazes de identificar os pontos frágeis do inimigo e minando sua resistência e vontade de lutar, dessa maneira, produzindo vitórias incontestáveis de uma força de combate inferior sobre uma superior, onde a utilização de estratégias de combate irregulares, como as táticas de guerrilhas, venceram exércitos mais bem equipados tecnologicamente e com maiores recursos. E assim foi ao longo da história da humanidade, onde por muitas vezes, exércitos irregulares combatendo com Exércitos regulares do Estado em lutas sangrentas pelo poder local de uma região ou territórios. Podemos citar a ação dos Zelotes2 na resistência aos romanos na antiguidade clássica durante a ocupação de Jerusalém. Contemporaneamente, podemos mencionar a ação de grupos de partisans3
e maquis4 durante a guerra de
resistência aos exércitos alemães durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na URSS e na França respectivamente, os movimentos de libertação nacional pós-Segunda Guerra na África e na Ásia. Atualmente, podemos analisar e diferenciar os ataques terroristas feito por grupos como o IRA, ETA e o Setembro Negro, que apresentam uma forma de ação clássica, dos ataques do Neoterrorismo5 promovidos por grupos como a Al-Quaeda, Ansar al-Islam e Abu Sayyaf, o que nós leva a refletir como os Estados podem se
1
São denominadas Forças Especiais, as unidades militares treinadas para a guerra irregular. Tende a se nomear os militares formados em cursos de forças especiais como operante ou operador, tendo em vista que estão capacitados a realizar operações especiais. 2 O termo Zelote estar relacionado ao movimento político judaico do século I que procurava incitar o povo da Judeia a rebelar-se contra o Império Romano e expulsar os romanos pela força das armas, que conduziu à Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70 d.C). 3 Os Partisos são os soldados irregulares do exército vermelho que lutavam na retaguarda do Exército soviéticos. Atuavam em guerra de guerrilha e na caça dos inimigos dentro das linhas do Exército Vermelho, uma variação desse tipo de combate. 4 O termo Maquis estar relacionado a organização dos soldados da resistência francesa que aplicavam técnicas de guerrilha e atuavam nas áreas rurais do país durante a Segunda Guerra Mundial, agindo em sabotagens, ações de inteligência, assassinatos e combates indiretos. 5 Denomina-se por Neoterrorismo a nova fase do terrorismo internacional, posterior aos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, é caracterizado pela emergência de organizações, grupos e redes não-estatais que por meio de ações violentas premeditadas, direcionados contra alvos não-combatentes, com o uso da mídia como um meio para potencializar a sensação de terror na população e a utilização de armamento não convencional, como aviões, barcos e mulheres bombas em algumas ações.
10
defender dessa nova modalidade de terrorismo que foge ao padrão clássico e tem como uma de suas principais características no seu modus operandi, maximalizar o número de vítimas civis em seus ataques.
Uma era de Insegurança O mundo estar cada vez mais globalizado e em rede, o que leva a um grande fluxo de mercadorias, serviços e pessoas, em alguns casos, descontrolado e sem uma devida fiscalização dos Estados de suas fronteiras, permitindo a entrada de agentes e organizações criminosos em seu território, o que leva grandes riscos a sua população. Nesse cenário, os sistemas de defesa nacionais devem estar preparados para essa nova realidade, que surge tanto para além de suas fronteiras, como também dentro delas, procurando desestabilizar suas estruturas sociais, política e econômicas, disseminando o medo e terror dentro da sociedade. Soros (2007) aponta em seu livro A Era da Insegurança, como uma das consequências da guerra contra o terrorismo internacional, a intensificação da ação de máfias internacionais, de grupos terroristas e do crime organizado e do mercado mundial de drogas e armas. Em uma época marcada pela incerteza, a insegurança parece ser a única certeza no mundo. Segundo o Instituto Heidelberg6, em seu relatório anual sobre conflitos mundiais, constatou que no ano de 2010, como mostra o gráfico 01, tivemos 363 conflitos espalhados pelo mundo, divididos entre conflitos de alta, média e baixa intensidade, no ano de 2002 foram registrados 172 conflitos. Nesse mesmo relatório, podemos constatar uma tendência mundial no aumento desses conflitos ao redor do globo, motivados por vários interesses, sendo que a grande maioria desses conflitos apresenta um padrão bem parecido, e podem ser classificados como Conflitos Irregulares.
Gráfico 01: Conflitos globais de baixa, média e alta intensidade 1945-2009. Fonte: Relatório Conflict Barometer 2010.
Segundo Visacro (2009), Conflitos Irregulares são formas muito antigas de combate e são caracterizados por uma força que não dispõe de organização militar formal e legal, nem equipamentos de grande porte e logística específica, mas acima de tudo, não possuem autoridade jurídica, institucional e legal, ou seja, é uma modelo de conflito levado por uma força não regular, como os grupos terroristas, guerrilhas, insurreições, movimentos de resistência, combates não convencionais. Assim, nesse tipo de beligerância, não existe regras fixas que possam ser usadas como padrão para conceituá-los de forma teorias, mas ao mesmo tempo, essa ausência de regras é uma das suas principais características, pois lhe permite adequar-se e moldar-se aos mais variados ambientes políticos, sociais e militares.
6
O Heidelberg Institute for International Conflict Research publica anualmente o relatório Conflict Barometer, onde faz um levantamento dos conflitos mundiais, dividindo-os em três categorias: Alta, Média e Baixa Intensidade, os relatórios podem ser acessados no site: http://www.hiik.de/en/konfliktbarometer.
11
Em outro estudo realizado pelo SIPRI7 (Stockholm International Peace Research Institute) podemos observar no gráfico 02 um aumento dos gastos militares mundial como um todo, principalmente após os atentados terroristas ao Estado Unidos da America pós 11 de setembro de 2001. Entre os campeões de gastos militares são EUA, Rússia, Alemanha, França, Inglaterra e China. No ano de 2000, segundo estudos do SIPRI, os EUA gastaram 377 bilhões de dólares no seu setor militar e no ano de 2009, esse montante ultrapassou a soma de 663 bilhões de dólares, valores esse justificados pela sua guerra ao terror em proporções mundiais com o custeio das campanhas militares no Iraque e Afeganistão, além de operações encobertas e de inteligência pelo mundo, a China investiu no ano de 2009 99 bilhões de dólares contra 31 bilhões no ano de 2000, já a Inglaterra e a França gastaram em sua política de defesa a soma de 69 e 67 bilhões de dólares respectivamente. Grande parte desses gastos está relacionada a atividades defensiva de defesa e reaparelhamento de suas forças de combates e ações de inteligência e contra-inteligência. Nesse cenário, o Brasil no mesmo ano disponibilizou para o setor de defesa 51,3 bilhões de reais, sendo que o valor para investimento de 4,1 bilhões (8%) e de 6,7 bilhões para gastos de custeio (13,18%) e pessoal 38,8 bilhões (75,54%), segundo dados do Ministério do Planejamento.
Gráfico 02: Gastos Militares Mundiais 1988-2009 Fonte: SIPRI 2011
A Evolução do modo de lutar A ilusão criada de um mundo mais pacífico Pós-Guerra Fria não se concretizou, e o mundo está cada dia mais armado e os conflitos tem se multiplicado. Assim como o poder de infligir danos materiais e mortes em um novo cenário de guerra sem fronteiras, onde os valores estratégicos das ações de grupos irregulares visam à desestabilização do Estado e a imposição pela força e pelo medo suas ideologias. É importante observar que os conflitos de tipo irregular, fazem parte de um processo de evolução das guerras, que segundo coronel Willian S. Lind (1989), especialista em estratégia militar, podem ser divididos em quatro tipos, os conflitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações. Sendo assim, os conflitos de primeira
7
O SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute) é uma organização sueca que se dedica a fazer estudos sobre os gastos militares mundiais, e suas publicações podem ser acessadas no site: http://www.sipri.org.
12
geração caracterizados pela disposição das tropas de forma simétrica no campo de batalha, pelo emprego de grande quantidade de homens e uma organização precisa das tropas, nesse tipo de combate, a guerra é um monopólio do Estado e só pode ser conduzida por ele, como exemplo desse tipo de guerra, podemos citar as guerras napoleônicas. Nos conflitos de segunda geração temos a introdução da artilharia no campo de batalha que prepara o avanço da infantaria, configurando-se pela máxima que diz ―a artilharia conquista, a infantaria ocupa‖, padrão visto durante a Primeira Guerra Mundial. A terceira geração é marcada pela utilização de bombardeiros táticos e estratégicos e na utilização conjunta das forças armadas, tendo com exemplo a Blitzkrieg8 (guerra relâmpago) alemã durante a Segunda Guerra Mundial. E por fim, nos conflitos de quarta geração temos o fim do monopólio da conduta da guerra pelo Estado, os conflitos passam a ter várias outras motivações, entre elas valores culturais, étnicos, religiosos ou ideológicos, compondo um mosaico extremamente complexo de razões. Na verdade, não é uma ―evolução‖ dos conflitos, mas uma tendência ao se adaptarem a uma nova realidade de combate baseada numa nova estrutura tecnológica e política. Szu Tzu, em seus estudos sobre a guerra, chama à atenção que durante a evolução do conflito, as técnicas e estratégias utilizadas devem ser adequadas a realidade do combate, assim um exército pequeno pode derrotar um grande exército, através da utilização de confronto indiretos e evitando os confrontos diretos, utilizado as vantagens do terreno e a surpresa contra seu oponente. No ano de 1999, dois generais chineses, Qiao Liang e Wang Xiangsui, autores de Unrestricted Warfare - A Guerra sem Limites chamaram a atenção de estrategistas e estudiosos do tema, para o uso maciço das novas tecnologias com as antigas técnicas de guerrilha, como ferramentas do terrorismo em rede que disseminam ataques cada vez mais violentos e inesperados como exemplo os ataques terroristas de 11 de setembro. Nessa obra, muitos especialistas identificaram os elementos centrais no modo de operação da Al-Qaeda, mas que na prática já era empregada largamente pelos serviços secretos da CIA 9 e da KGB10 nos tempos da Guerra do Vietnã e do Afeganistão. O general Prussiano Carl Von Clausewitz, na obra Da Guerra, traça uma série de considerações sobre os fins e dos meios da guerra no capítulo II do primeiro livro, nele, podemos constatar que para ―desarmar um Estado‖ devemos observar três fatores: as forças militares, o território e a vontade do inimigo. Estes três fatores seriam os objetivos clássicos a enfrentar: destruindo seu exército, para que não possa continuar a luta; conquistando seu território, para que não se estruture um novo exército; e compelindo, pela força, a cumprir com a sua vontade, porque o objetivo supremo é a captura moral do inimigo, assim, as Guerras Irregulares tem um objetivo bem claro, que foge dos dois primeiros fatores apontados por Clausewitz, mas está relacionado intimamente com o terceiro, que é ataca a vontade de lutar do inimigo, e dessa forma, desmoralizando-o em sua capacidade de atingir seus objetivos. Os Conflitos Irregulares se apresentam como a face mais latente desse novo tipo de guerra, uma vez que se utiliza ―táticas não-convencionais‖, como ataques surpresas seguido de retirada rápida, escaramuças, sabotagens,
8
O Blitzkrieg (termo alemão para guerra-relâmpago) foi uma doutrina militar a nível operacional que consistia em utilizar forças móveis em ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar a defesa. Seus três elementos essenciais eram a o efeito surpresa, a rapidez da manobra e a brutalidade do ataque, e seus objetivos principais eram: a desmoralização do inimigo e a desorganização de suas forças (paralisando seus centros de controle). O arquiteto desta estratégia militar foi o general Erich von Manstein. 9 A Agência Central de Inteligência (CIA) é uma agência de inteligência civil do governo dos Estados Unidos responsável por fornecer informações de segurança nacional para os políticos seniores dos Estados Unidos. A CIA também se engaja em atividades secretas fora do solo americano, sendo proibida de agir dentro do seu território. A agência foi criada em 1947 pelo presidente Harry S. Truman (1884-1972) mediante um pacto governamental de Segurança Nacional para satisfazer uma necessidade estratégica devido ao início da Guerra Fria e ao avanço do comunismo. 10 KGB (Komityet gosudarstvennoy bezopasnosty; em português, Comité de Segurança do Estado) era o nome da principal agência de informação e segurança (serviços secretos) da antiga União Soviética, que desempenhava em simultâneo as funções de polícia secreta do governo soviético, entre 13 de Março de 1954 e 6 de Novembro de 1991. O domínio de atuação do KGB, durante a Guerra Fria, pode ser comparado, nos Estados Unidos, à combinação dos serviços secretos da CIA e da segurança interna do FBI. Depois da implosão da URSS, o maior sucessor do KGB é o Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB). Também o nome oficial do serviço de inteligência da Bielorrússia, a Agência de Segurança do Estado, permanece como KGB.
13
combates seletivos entre outras técnicas que tem por objetivo surpreender os exércitos inimigos e a população civil, potencializando assim uma sensação de terror e insegurança. Outro ponto importante dos conflitos assimétricos, é que em alguns casos, o agressor é o próprio Estado, que se utilizar de seu aparelho militar e tecnológico para agredir grupos com poder de reação limitado ou sem poder. Como o caso dos ataques preventivos realizados por tropas israelenses em território palestino, o que muitas vezes, deixa um número grande de vítimas não combatentes, e as ações norte-americanas no Iraque, baseadas na chamada Doutrina Bush11 que lança mão do Hard Power12 como elemento central de suas ações no cenário internacional em detrimento do Soft Power13, baseado em ações diplomáticas e de cooperações internacionais. Assim, para Joseph S. Nye (2009) ―os estados agem segundo seus interesses nacionais para garantir sua segurança‖, onde podemos entender o termo segurança de uma forma bastante abrangente o que poderia levar a uma nova discursão, que não é o objetivo desse trabalho, sobre o próprio conceito de soberania no campo das relações internacionais.
O Terrorismo Clássico e o Neoterrorismo O Terrorismo é um fenômeno social bastante antigo, onde podemos encontrar os mais variados relatos de sua utilização ao longo da história. Durante a República Romana era muito comum as chamadas guerras punitivas contra grupos que se opunham a sua política, a destruição da cidade de Cartago, serviu durante muito tempo de mensagem de terror para todos aqueles que se levantassem contra Roma, a mensagem era clara, seriam exterminados da face da terra, esse é um exemplo clássico de terrorismo de Estado na antiguidade. Mas foi sem dúvida durante o século XVIII, no período de Revolução Francesa, que o terrorismo se tornou um instrumento político-ideológico da revolução, Robespierre e outros revolucionários acreditavam que o terror era um meio justificável de destituir os que se opunham ao seu domínio. O terrorismo como conhecemos hoje, possivelmente tem suas origens no século XIX, quando Carlo Pisacane, revolucionário italiano, propôs que o terrorismo poderia transmitir uma mensagem para um público especifico, ao chamar atenção para sua causa e tentar conquistar apoio. Esse tipo de terrorismo tinha muito mais uma causa ideológica e teve sua fase mais intensa durante o processo de descolonização européia Pós-segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria. No Brasil, nos anos de 1960 e início da década de 1970, as técnicas de terrorismo foram sistematizadamente utilizadas durante a guerrilha urbana contra o Regime Militar (1964-1985). Carlos Marighella (1969) em seu Manual do Guerrilheiro Urbano sistematizou as varias técnicas terroristas, desde ações de infiltração, sequestros e assaltos a bancos, além do uso de inteligência na obtenção de informações e de contra-inteligência. O terrorismo clássico apresenta como suas principais características ser eminentemente local, secular, de motivação política, ideológica e nacionalista e focada na autodeterminação, apresentando uma estrutura fixa em um determinado país hospedeiro e com uma hierarquia rígida e organizada, as autorias dos atentados, normalmente, eram reivindicadas de imediato e suas ações utilizavam armamentos portáteis e explosivos com poder de destruição
11
A Doutrina Bush é um termo utilizado para descrever uma série de princípios relacionados com a política externa dos Estados Unidos da America durante a gestão do presidente George W. Bush, ela é resultado direto dos atentados de 11 de setembro de 2001. A frase inicialmente descrita na política que os EUA tinham o direito de tratar como terroristas os países que abrigam ou dão apoio aos grupos terroristas, que foi utilizado para justificar a invasão do Afeganistão e do Iraque. Mais tarde, ele incluiu elementos adicionais, tais como a controversa política de guerra preventiva, que dar aos EUA a legitimidade de depor regimes estrangeiros que representam uma suposta ameaça à segurança dos Estados Unidos, mesmo que esta ameaça não seja imediata. 12 Hard power (do inglês poder duro) é um conceito que é principalmente usado no realismo das relações internacionais e se refere ao poder nacional que vem de meios militares e econômicos. 13 Soft power (do inglês poder suave) é um termo usado na teoria de relações internacionais para descrever a habilidade de um corpo político, como um Estado, para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos. O termo foi usado pela primeira vez pelo professor de Harvard Joseph Nye. Ele desenvolveu o conceito em seu livro de 2004, Soft Power: The Means to Success in World Politics (Soft Power: Os Meios para o Sucesso na Política Mundial). Embora sua utilidade como uma teoria descritiva foi desafiada, soft power entrou desde então em discursos políticos como uma maneira diferente de distinguir os efeitos sutis de culturas, valores e ideias no comportamento de outros. Nas palavras de Nye.
14
limitado, tendo seus alvos específicos autoridades políticas e militares, essa modalidade de terrorismo apresentado uma preocupação com a opinião pública buscando apoio para sua causa, destacamos aqui a ação do IRA, ETA, Frente de Libertação da Palestina, Brigadas Vermelhas Italianas, Sendero Luninoso, entre outros. O Neoterrorismo possui um modo operacional diferente do terrorismo clássico, para Da Silva (2009) ―o neoterrorismo não tem campo de batalha, é de massa, espetacular, midiático e se utilizar de bombas múltiplas‖. Assim o novo terrorismo é globalizado, apresentando um radicalismo religioso em seus discursos, apresentando uma estrutura de operação móvel, organizada em redes espalhadas pelo mundo onde ocorre a proliferação de inúmeras novas organizações, a maioria desconhecida, as autorias dos atentados não são prontamente assumidas e suas ações utilizam normalmente agentes suicidas, com explosivos com grande poder de destruição, além de uma quantidade de armamentos e explosivos variados, seus atentados são organizados para fazer um grande número de vítimas e buscam uma ampla divulgação pelos meios de comunicação. No mundo atualmente existe um grande medo que essas organizações, muitas vezes invisíveis as agencias de segurança do Estado, possam ter acesso a armamento químico, biológico e nuclear (AQBN), o que poderia maximizar seu poder de destruição e discriminação do medo na sociedade. Os conflitos irregulares urbanos Nos grandes centros urbanos, temos o aparecimento de novos atores que se utiliza do terror para impor suas vontades, o crime organizado se estrutura como um câncer em alguns países, a máfia russa, a chinesa, os cartéis internacionais de drogas e as grandes organizações criminosas como os Zetas no México e o Primeiro Comando da Capital - PCC e Comando Vermelho - CV no Brasil, são exemplos de um poder que hoje não é mais paralelo em relação à estrutura de poder do Estado, mas podem até se torna transversal ao poder oficial, uma vez que agentes dessas organizações se infiltram dentro das esferas do poder para operacionar o sistema em beneficio próprio, e isso ocorre, em grande parte dos casos, devido aos elevados índices de corrupção dos operadores do sistema. No Brasil, o crime organizado já demostrou seu poder de aterrorizar a população em vários momentos, em 2006, ações empreitadas por facções criminosas promoveram vários ataques incendiários a ônibus e atentados e execuções de vários agentes do sistema de segurança pública, os atentados se dirigiam principalmente a polícias militares e agentes do sistema prisional no ano de 2006, que deixou 18 mortos e mais de 20 feridos. No Rio de Janeiro, em 2009, traficantes do Morro dos Macacos, zona norte Rio, abateram um helicóptero da Polícia Militar. Ações como essas e tantas outras demostram o poder bélico dessas organizações e sua estrutura organizacional para enfrentar o Estado. Os números dessa guerra civil entre o Estado e as organizações criminosas são espantosos, segundo o relatório ―Estado das Cidades do Mundo 2004/2005‖ do Programa de Assentamento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU – Habitat), mostrou que cresceu a criminalidade no Brasil, apontando os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espirito Santo e Pernambuco com os mais violentos do país. O relatório atribui esse aumento da violência à ação do crime organizado, ao tráfico de drogas e armas, além da ausência do Estado nos setores estratégicos (Saúde, Educação, Segurança, Lazer e Trabalho) da sociedade para impedir a entrada de jovens no circuito do crime. Para Visacro (2009), a questão da violência urbana no Brasil é algo bem mais complexo, decorrente da interação de um conjunto de fatores de diferentes ordens que não podem ser trabalhados de forma isolada. A ação desses grupos criminosos profissionais é feita através de um planejamento operacional quase que militar, onde suas táticas de ações se assemelham em muitos casos a ações de grupos guerrilheiros, pelo seu poder bélico, sua ferocidade nas ações e objetividade, além é claro, de um eficiente sistema de segurança orgânica que dificulta em
15
alguns casos, a identificação de suas lideranças e o papel de cada integrante das organizações e suas redes de contatos.
Ações Defensivas do Estado O processo de elaboração de Políticas de Defesas dos Estados hoje é sem dúvida um dos maiores desafios de nossa época, pois como criar políticas de combate e ações defensivas e preventivas contra um inimigo que não possui um rosto conhecido e nem uma bandeira ou território para defender, e que por vezes, pode se infiltra dentro do Estado para obtém vantagens tanto de valor operacional, informações e de ações táticas que acabam por favorecer suas ações? A necessidade crescente do desenvolvimento de métodos para o combate dessas novas ameaças baseadas em conceitos de flexibilidade, agilidade e inteligência no planejamento das ações pode ser um dos caminhos a seguir pelos Estados para proteger sua população. Assim, o treinamento e a utilizações de Forças Especiais aparecem como uma alternativa no modelo de preparo dos exércitos modernos. Ações de grupos terroristas, guerrilha, insurgente, narcoterroristas e crime organizado necessitam de uma nova estratégia que foge dos padrões militares formais dos exércitos ou das forças auxiliares (no caso do crime organizado e das guerrilhas urbanas nos grandes centros). O uso de sistemas de inteligências, redes de atuações a prevenção do Estado que atendam as comunidades carentes e o aprimoramento dos códigos de leis são ferramentas indispensáveis, e devem ser utilizadas pelos governos durante a elaboração de suas Políticas de Defesa e Segurança. Para Pinheiro (2004) o aspecto essencial mais ratificado no conflito de quarta geração é que o uso da Inteligência militar e governamental são as chaves para o sucesso de qualquer campanha contra as forças irregulares. Hoje, mais do que em nenhum momento histórico, as operações de inteligência e contra-inteligência orientam as ações estratégicas e táticas dos Estados no sentindo de prevenir as ações desses grupos, mas somente essas atividades não são suficientes para combater essa modalidade de conflito, é necessária também a cooperação internacional através de suas várias agências internacionais na tentativa de fechar o fluxo de dinheiro que corre de forma irregular e alimenta ações terroristas e do crime organizado pelo mundo. Políticas de Estados para a Segurança e Defesa devem ser pensadas de forma ampla buscando dinamizar suas ações de caráter preventivo e ao mesmo tempo salvaguarda sua população de processos de aliciamento dessas organizações. O crime organizado nos grandes centros urbanos, os movimento de guerrilha principalmente nas áreas de fronteira e a ação de grupos terroristas são desafios da nova ordem de poder mundial. Onde os Estados devem estar preparados para enfrentá-las com a certeza que não será um conflito rápido e decisivo, mas lento e dolorido.
REFERÊNCIAS BEAUFRE, André. Introdução à estratégia. Rio de Janeiro: Bibliex. 1998. BRASIL – Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2007. BRASIL – Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Senado Federal, 2008. BRASIL – Política de Defesa Nacional. Brasília: Senado Federal, 2005. BRASIL – Segurança Nacional: Legislação e Doutrina. Brasília: Senado Federal, 2006. BOBBIE, Norberto. Estado; Governo; Sociedade – Para uma teoria geral da política. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987. CARVALHO, J M de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
16
CARR, Caleb. A assustadora história do terrorismo. São Paulo: Prestígio. 2002. CEPIK, Marco. Sistemas Nacionais de Inteligência: Origens, Lógica de Expansão e Configuração. Atual 2003. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/dados/v46n1/a03v46n1.pdf> acesso em 17 out. 2008. ____________. Democracia e Espionagem. Rio de Janeiro: FGV. 2003. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996. CLAVEL, James. A arte da Guerra/Sun Tzu. Rio de Janeiro: Record, 2005. CLUTTERBUCK, Richard. Guerrilheiros e Terroristas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1977. DENÉCÉ, Éric. A História Secreta das Forças Especiais. São Paulo. Ed Larousse, 2009. DA SILVA. F. C. Teixeira & Zhebit, Alexander. Neoterrorismo: Reflexões e Glossário. Rio de Janeiro: Gramma, 2009. FLORES. M. C. Reflexões Estratégicas: repensando a defesa nacional: São Paulo. Realizações. 2002. FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. São Paulo: Rocco, 2006. FOCH, Ferdinand. A conduta da Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex. 1986. HAMBRICK, D. C., 1980, ―Operationalizing the Concept of Business-Level Strategy in Research‖ Academy of Management Review, vol. 5, nº. 4, p.567-575. JACKSON, Robert & SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 2007. LIANG, Q. & XIANGSUI, W. Unrestricted Warfare. Beijing: PLA Literature and Arts. Publishing House, 1999. LIND, William S. SCHMITT John F. & WILSON Gary I. The Changing Face of War: Into the Fourth Generation. In Research‖ Academy of Management Review,, nº. 2, p.567-575. 1989 NYE, Joseph S. Cooperação e Conflitos nas Relações Internacional. São Paulo: Ed. Gente, 2009. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004. __________________. Escritos políticos / A Arte da Guerra. São Paulo: Martin Claret, 2002. MATHIAS, Meire & RODRIGUES, Thiago. Política e Conflitos Internacionais. Rio de Janeiro, Ed. Revan, 2004. MASSON. Philippe. A Segunda Guerra Mundial – História e Estratégias. São Paulo: Contexto. 2010. MARIGHELLA. Carlos. Manual do Guerrilheiro Urbano. Edição on-line 2006. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/7019339/Manual-de-Guerrilha-PDF-Carlos-a. Acesso em 03 de meio de 2011. MEAD, W. R. Poder, terror, paz e guerra: Os Estados Unidos e o mundo contemporâneo sob ameaça. Rio de Janeiro: Zahar. 2006. NASCIMENTO, Durbens Martins (org). Relações Internacional e Defesa na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 2007. _____________________________ (org). Amazônia e Defesa. Belém: NAEA/UFPA, 2010. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (org). SEGURANÇA & DEFESA NACIONAL: da competição à cooperação regional. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2007. ________________________. DEMOCRACIA E DEFESA NACIONAL: A criação do Ministério da Defesa na presidência de FHC. Baueri/SP: Manoel. 2005. PINHEIRO, A. De Souza. O Conflito de 4ª Geração e a evolução da guerra irregular. (2004) Disponivelem:http://www.decavalaria.com/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=515&Itemid=3 08. Acesso em 06 de fevereiro de 2011.
17
Relatório CONFLICT BAROMETER 2002. Heidelberg Institute on International Conflict Research at the Department of Political Science, University of Heidelberg. Disponível em: http://www.hiik.de/en/konfliktbarometer/pdf/ConflictBarometer_2002.pdf. acesso em 18 de out. de 2010. Relatório CONFLICT BAROMETER 2010. Heidelberg Institute on International Conflict Research at the Department of Political Science, University of Heidelberg. Disponível em: http://www.hiik.de/en/konfliktbarometer/pdf/ConflictBarometer_2010.pdf. acesso em 18 de out. de 2010. Relatório “Estado das Cidades do Mundo 2004/2005‖ do Programa de Assentamento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU – Habitat), Disponível em: http://www.onuhabitat.org/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=75&Itemid=71 . Acesso em 02 de abril de 2001. SUN TZU, SUN PIN. A Arte da Guerra – edição completa. São Paulo, Martins Fontes. 2004. SAINT-PIERRE, Hector L. As ―novas ameaças‖ as democracias latino-americanas: uma abordagem teórica conceitual. In SEGURANÇA & DEFESA NACIONAL: da competição à cooperação regional. Eliézer Rizzo de Oliveira (org). São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2007. p. 60-81. SOROS, George. A Era da Insegurança: as consquencias da guerra contra o terrorismo. Rio de Janeiro: Campus, 2007. TODD, Paul & BOLCH, Jonathan. Global Intelligence. The world‘s secret services today. New York. BfC. 2004. KEEGAN, John. Inteligência na Guerra – Conhecimentos do inimigo, de Napoleão à Al-qaeda. São Paulo: Companhia das letras, 2006. HEAD, Vivian & WILLIAMS, Anne. Ataque terrorista. A face oculta da vulnerabilidade. São Paulo: Larousse. 2010. HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das letras, 2007. HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilização e a Recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1997. VISACRO. Alessandro. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Contexto, 2009.
18
COMÉRCIO ELETRÔNICO, SOCIEDADE DO RISCO E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Amadeu dos Anjos VIDONHO JUNIOR (FIBRA).14 O presente artigo expõe as reflexões do projeto de iniciação científica intitulado ―Comércio eletrônico e seus aspectos comercial, tributário e consumerista: uma abordagem no Estado do Pará‖ tendo em vista a sociedade contemporânea do risco. Busca também pesquisar as consequências jurídicas na área do comércio eletrônico referentes ao uso de dados de consumidores e para o consumo de forma ilícita por terceiros fraudadores. Neste ponto tocará no conceito de comércio eletrônico, nas estatísticas sobre o ramo de comércio eletrônico, bem como seus conflitos jurídico-consumeristas em casos de fraudes com o uso de dados de cadastros ou dos consumidorescomo forma de colaboração para a defesa e proteção do consumidor no Brasil (art. 5º, XXXII e 170, V, CF/88). Palavras-chave: Internet, Comércio eletrônico e consumidor, fraudes. 1 Introdução Ao escrevermos o presente ensaio jurídico procuramos enfocar as reflexões e conclusões sobre o projeto de iniciação científica intitulado ―Comércio eletrônico e seus aspectos comercial, tributário e consumerista: uma abordagem no Estado do Pará‖ e seu contraste com a atual sociedade do risco15. Buscamos também pesquisar as consequências jurídicas na área do comércio eletrônico referentes ao uso de dados de consumidores para a realização de negócios fraudulentos via internet e a responsabilidade do fornecedor. Neste ponto, tocaremos no conceito de comércio eletrônico, nas estatísticas sobre o ramo de comércio eletrônico, bem como, seus conflitos jurídico-consumeristas na jurisprudência dos tribunais em casos de fraudes com o uso de dados de cadastros edos consumidores e aplicação da responsabilidade civil objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). A exposição de seus resultados objetiva, por fim, subsidiar a defesa e proteção do consumidor (arts. 5º, XXXII e 170, V da Constituição Republicana de 198816) na presente Sociedade da Informação 17 frente ao uso indevido de seus dados cada vez mais acessíveis.
2 Dados de acesso à Internet e Comércio Eletrônico Desde as mais antigas concepções de comércio temos a ideia de troca, contrato de troca, antes, de produto por produto, hoje, também de produto ou serviço por moeda (compra e venda ou prestação de serviço) ou outras formas de riqueza. Interessante verificar que a revolução pós-industrial ou para outros, digital, efetivada pelas
Advogado, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA, especialista em Direito pela UNESA/ESA/PA, CoordenadorAdjunto do Curso de Direito e Professor de Direito Eletrônico da Universidade da Amazônia – UNAMA, Professor Pesquisador e de Direito Digital da Faculdade Integrada Brasil-Amazônia – FIBRA, Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia e Processo Judicial Eletrônico da OAB/PA, associado ao Instituto de Advogados do Pará – IAP, ao Instituto Brasileiro de Direito da Informática – IBDI, ao Conselho Nacional de Ensino e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI e à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. 15 Cf. BUENO, Arthur, Dialogo com Ulrich Beck (ANEXO), ―O conceito de sociedade do risco expressa a acumulação de riscos – ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais, que tem uma presença esmagadora hoje em nosso mundo. Na medida em que o risco é vivido como algo onipresente, só há três reações possíveis: negação, apatia e transformação.‖ In BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade (Trad. Sebastião Nascimento). São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 361. Ainda para Raffaele de Giorgi, ―O risco não é uma condição existencial do homem, muito menos uma categoria ontológica da sociedade moderna, e tampouco o resultado perverso do trabalho da característica das decisões, uma modalidade da construção de estruturas através do necessário tratamento das contingências. É uma modalidade da relação com o futuro: é a forma de determinação das indeterminações segundo a diferença de probabilidade/improbabilidade.‖ DE GIORGI, Raffaele. O risco na sociedade contemporânea (Trad. Cristiano Paixão, Daniela Nicola e Samanta Dobrowolski), in Direito, democracia e risco. Vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 197. 16 A defesa do consumidor é preceito Constitucional de inúmeras Cartas como: a) da Argentina (art. 42); b) da Bolívia (arts. 37, 75-76); do equador (arts. 52-55); do Paraguai (art. 38); do Peru (art. 65); da Venezuela (art. 117) cf. CIPRIANO, Rodrigo Carneiro; NEGÓCIO, Ramon de Vasconcelos (Org.). Constituições da América Latina e Caribe. Vols. I e II, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG, 2010. Disponível em: http://funag.gov.br/biblioteca/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=419&Itemid=41. Acesso em: 10 ago. 2012. Sobre o tema, ainda ver FARIA, Heraldo Felipe de. A defesa do consumidor como princípio constitucional. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/defesa-do-consumidor-como-princ%C3% ADpio-constitucional. Acesso em: 03 nov. 2012. 17 PORTUGAL. LIVRO VERDE PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. Disponível em: http://www2.ufp.pt/~lmbg/formacao/lvfinal.pdf. Acesso em: 03 nov. 2012. Afirma o respectivo Livro que a ―...expressão ‗Sociedade da Informação‘ refere-se a ―um modo de desenvolvimento social e económico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais.‖ 14
19
Tecnologias da Informação e Comunicação - TICs18, sobretudo a Internet, trouxe completa diversidade de meios inovadores nas relações negociais, como a possibilidade de transferência eletrônica de dinheiro e crédito em geral entre computadores, a oferta eletrônica de produtos e serviços e a decorrente possibilidade de viabilização da entrega. Tal facilidade incentivou o consumo eletrônico ou o realizado fora do estabelecimento comercial. À medida que as pessoas começaram a ter maior acesso à rede Internet que tem início efetivamente no Brasil a partir de 1995 (Internet comercial), com a criação dos provedores de acesso e de conteúdos 19e as privatizações da telefonia, esse mercado virtual teve intenso crescimento. Segundo a última investigação realizada pelo IBGE em 2005, que pesquisou as pessoas que tiveram acesso à internet no período de referência de pelo menos três meses antes da consulta revelou o total de 152.740.402 (cento e cinquenta e dois milhões, setecentos e quarenta mil e quatrocentas e duas) pessoas das 183.987.291 (cento e oitenta e três milhões, novecentos e oitenta e sete mil e duzentas e uma) (IBGE, 2007) existentes:
*IBGE - Acesso à Internet - Utilização da Internet no período de referência dos últimos três meses - Tabela 1.1.1 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por Grandes Regiões, segundo o sexo e os grupos de idade – 2005.
O comércio eletrônico é uma forma de comércio à distância, onde o estabelecimento e o consumidor estão à distância - inexistindo limite territorial, contudo, interligados, em regra, através de uma rede de computadores onde há transferência de dados (EDI – eletronic data interchange) que pode ser a infraestrutura da Internet. Assim, há circulação de produtos e serviços solicitados por um consumidor através de uma vitrine virtual que é a homepage.Para Claudia Lima Marques, comércio eletrônico é o
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede (Trad. Roneide Venancio Majer). 6ª ed., vol. 1, Rio de Janeiro: Paes e terra, 2000, p. 57/58 ―As novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação medida por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais. Mas a tendência social e política característica da decada de 1990 era a construção da açãp social e das políticas em torno de identidades primárias – ou atribuídas enraizadas na história e geografia, ou recem-construidas, em uma busca ansiosa por significado e espiritualidade. Os primeiros passos históricos das sociedades informacionais parecem caracterizá-las pela preeminência da identidade como seu princípio organizacional. Por identidade, entendo o processo pelo qual um autor social se reconhece e constrói significado principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais.‖ 19 Conforme Nota Conjunta (Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério das Comunicações) de junho de 1995,―2.1 A Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade. (...) 2.3 Interligadas às espinhas dorsais de âmbito nacional, haverá espinhas dorsais de abrangência regional, estadual ou metropolitana, que possibilitarão a interiorização da Internet no País. 2.4 Conectados às espinhas dorsais, estarão os provedores de acesso ou de informações, que são os efetivos prestadores de serviços aos usuários finais da Internet, que os acessam tipicamente através do serviço telefônico.‖ (grifos nossos). 18
20
comércio ―clássico‖ de atos negociais entre empresários e clientes para vender produtos e serviços, agora realizado através de contratações à distância, conduzidas por meios eletrônicos (e-mail, mensagens de texto etc.), por Internet (online) ou por meios de telecomunicação de massa (telefones fixos, televisão a cabo, telefones celulares etc.). Estes negócios jurídicos por meio eletrônico são concluídos sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar, daí serem denominados, normalmente, contratos à distância no comércio eletrônico, e incluírem troca de dados digitais, textos, sons e imagens.(MARQUES, 2004, pp.35-36)
Conforme os últimos dados da ebitempresa o comércio eletrônico teve estimados 10 (dez) bilhões de reais em faturamento no primeiro semestre de 2012, com taxa de crescimento de 21%, o aumento de 5,6 milhões de novos e-consumidores, sendo que cada um em regra gastou em uma compra (tiquete médio)o valor de R$ 346,00 (trezentos e quarenta e seis reais).
*Fonte:http://www.webshoppers.com.br/webshoppers/WebShoppers26.pdf Assim, como o volume de negócios e o crescimento de e-consumidores começou a ser expressivo, o risco20 social aumentou na mesma proporção. Hannah Arendt explicando o fenômeno do consumo versa que (...) as horas vagas do animal laborans jamais são gastas em outra coisa senão em consumir; e, quanto maior é o tempo de que ele dispõe, mais ávidos e insaciáveis são os seus apetites. O fato de que estes apetites se tornam mais refinados, de modo que o consumo já não se restringe às necessidades da vida, mas ao contrário visa principalmente as superfluidades da vida, não alterar o caráter desta sociedade; acarreta o grave perigo de que chegará o momento em que nenhum objeto do mundo estará a salvo do consumo e da aniquilação através do consumo. (ARENDT, 2001, p.146)
3 Fraudes de dados pessoais no comércio eletrônico e a defesa do consumidor Não se tem dúvidas de que hoje as relações que permeiam o comércio eletrônico sejam relações de consumo (arts. 2º e 3º, CDC) a não ser com raríssimas exceções 21.Por conseguinte, o vazamento de dados seja de cadastros efetuados presencialmente, através de sitesde comércio eletrônico ou na internet ou mesmo armazenados pela própria administração pública 22 tem contribuído para inúmeras fraudes com o uso indevido de documentos pessoais em contratos e na compra de diversos bens e serviços de consumo. Esse tipo de prática ilícita tem aumentado cada vez mais na medida em que se tem um aumento desses negócios virtuais. Conforme o Jornal ―O LIBERAL‖ a cada 15 (quinze) segundos um consumidor brasileiro é vítima de tentativa de fraude (Indicador Serasa Experian de tentativas de fraudes), sendo contabilizadas entre janeiro e 20
Sobre o tema também ver SERRANO, José Luis. A diferença risco/perigo. Disponível em: http//: www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/download/1776/1416. Acesso em: 10 nov. 2012. 21 Por ex., quando alguém vai a um sitede leilões como o www.mercadolivre.com.br vender unicamente sua residência, sua casa, não se enquadrando no conceito de fornecedor habitual, mas de oferta ao público (art. 429, CC) como em um classificados de um jornal, ou mesmo quando não se vê a qualificação nos conceitos de consumidor ou fornecedor (arts. 2º e 3º, CDC). 22 Sobre o vazamento de dados em redes da administração pública ver a reportagemA senha do crime. JORNAL DO SBT NOITE, exibido dia 09.10.09. Disponível em: http://www.sbt.com.br/sbtvideos/media/271233ea6eef2e1ca65f0afdc13bdb10/Serie-Senha-do-Crime---Parte-1.html. Acesso em: 15 nov. 2012.
21
setembro de 2012, 1,565 milhão de tentativas de fraudes, considerado recorde23.Alexandre Libório Dias Pereira versando sobre a futuraDirectiva n.º 2000/31/CE24 que dispõe sobre comércio eletrônico na Comunidade Europeia (o Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2000 relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno), preocupado com a segurança, a defesa do consumidor, bem como, a confiança neste tipo de comércio, menciona que a Diretiva tem o objetivo de ―reduzir os riscos de atividades ilegais na Internet, prevendo um controlo efetivo das autoridades nacionais, diretamente exercido na fonte das atividades (no estado-membro em que estiver estabelecida a empresa em questão) e determinando a responsabilização das referidas autoridades no que se refere à sua obrigação de assegurarem uma proteção do interesse geral não só no interior das suas fronteiras, mas também no conjunto da Comunidade e a bem dos cidadãos dos outros Estados-membros; (PEREIRA, 1999, p.51)
Desta preocupação resultaram, por ex., os arts. 12 e14 da Diretiva 2000/31/CE 25 que concluem por alguns conceitos bem claros, qual sejam, segurança, defesa do consumidor e confiança. E para ter segurança, no mínimo, seus dados devem estar invioláveis nos bancos de dados onde se cadastra e efetua o pagamento de seus contatos eletrônicos. Sobre a segurança dessa informação tão cara à sociedade contemporânea tendo em vista a impossibilidade da existência de redes 100% seguras 26, o art. 45-E, §5º, II do Projeto de Lei do Senado n. 281/2012 que altera o CDC para dispor do comércio eletrônico, menciona ficar (...) vedado veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais. (BRASIL, Projeto de lei do Senado n. 281/12) (grifo nosso)
Aliás, no Direito Estrangeiro a Constituição da República Portuguesa já afirma em seu art. 35 o Princípio da Autodeterminação Informativa onde ―Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei.‖ Contudo, infelizmente o que se verifica pelas notícias e julgados é que o serviço de controle dessas informações não se tem efetivado de forma segura como exige a norma consumerista (arts. 4º; 6º, I; 8º; 14, §1º, CDC, por ex.,); o que tem ocasionado inúmeras fraudes, e, por consequência, danos ao consumidor, gerando, por outro lado, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor, senão vejamos os julgados a respeito. 4 Jurisprudência da responsabilidade objetiva do fornecedor por fraudes a dados pessoais no comércio eletrônico A todo o momento estamos envoltos por dados, informações, que ora estão contidas em documentos pessoais, ora em arquivos ou bancos de dados digitais que os exigem, logo, o controle desses dados passa a ser daquele que os armazena na sociedade da informação e não mais, exclusivamente, da pessoa titular dos mesmos. Assim, exames médicos, cadastros de compras, dados de identificação e todos os exigidos pelos órgãos públicos passam, com a digitalização, a não ter um controle único, e o direito à intimidade e privacidade referente aos dados
FALSIFICAÇÃO. A cada 15 segundos um brasileiro é vítima da tentativa de fraude. Jornal ―O LIBERAL‖, Coluna ―Poder‖, 10 nov. 2012,p.1. Directiva n.º 2000/31/CE. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=PT&numdoc=300L0031&model=guichett. Acesso em: 25 nov. 2012. 25 UNIÃO EUROPEIA, DIRETIVA 2000/31/CE. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2000:178:0001:0001:PT:PDF. Acesso em: 15 nov. 2012. 26 Esse fato suscita a discussão sobre o risco do desenvolvimento ou estado da técnica e de conhecimentos ou estado da arte constante na Diretiva 85/374(UE) onde cabe, para alguns, que o fornecedor arque com os riscos da própria atividade econômica, no caso a insegurança das redes informatizadas, ou seja, o fornecedor deve produzir, fabricar de forma ideal e ser responsável mesmo em casos de ausência ou inexistência de conhecimento da melhor técnica (Jean Calais-Auloy, José Reinaldo de Lima Lopes), o que nos leva à responsabilidade objetiva, consubstanciada na proteção ao consumidor como por ex., no recall (Portaria M.J. 789/2001). Em contrário, alguns entendem que um defeito como, por ex., em um medicamento, sem a possibilidade de ser conhecido pela Ciência e, portanto, não previsto no momento de sua fabricação, é excludente de responsabilidade civil do fornecedor inclusive prevista pelos arts. 10, 12, § 1º, III, CDC (Fabio Ulhoa Coelho, James Marins, Gustavo Tepedino, João Calvão da Silva). In CHINELATO, Silmara Juny de Abreu; MORATO, Antonio Carlos. Responsabilidade civil e o risco do desenvolvimento nas relações de consumo na obra NERY, Rosa Maria Andrade, DONNINI, Rogerio. Responsabilidade Civil. Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, São Paulo: RT, 2009, pp. 27-61. 23 24
22
sensíveis27, inclusive, passam a ser publicizados. O problema é quando a segurança na manutenção desses dados nos sistemas informatizados é defeituosa (art. 14,§1º, CDC), violada muitas vezes através de invasão a dispositivos computacionais (art. 154-A,CPB) para o cometimento de ilícitos comerciais como realização de contratos e empréstimos falsos e penais como a clonagem de cartão de créditos (art. 298, parágrafo único, CPB) 28, a falsidade documental (arts. 297, 298, CPB) e ideológica (art. 299, CPB), sequestro (art. 159, CPB), constrangimento ilegal (art. 146, CPB), ameaça (art. 147, CPB), furto mediante fraude de contas-correntes bancárias (art. 155, §4º, II, CPB) e estelionato (art. 171, CPB) envolvendo negociações comerciais. Nesse exato momento poderia se perguntar se é possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor já que estas vítimas nunca realizaram aqueles negócios fraudados? A resposta é sim, tendo em vista a boa-fé que deve prevalecer nos negócios jurídicos e a figura do consumidor bystander ou por equiparação29 passando a pessoa humana a ser consumidor em razão de interferir (art. 2º, parágrafo único, CDC), estar exposto às práticas (art. 29, CDC), bem como, especificamente, ser uma vítima de uma relação de consumo (art. 17, CDC) como são os negócios realizados via comércio eletrônico. Ainda nesse contexto, podemos questionar qual a espécie de responsabilidade que pode ser aplicada para a defesa do consumidor? A sociedade do risco globalizado, em razão da excessiva concorrência entre mercados, faz com que o meio tecnológico utilizado pelos fornecedores nos seus produtos e serviços seja parte de seu segredo industrial, impossibilitando qualquer informação a mais, a não ser a de uso ou operabilidade mínima desses produtos e serviços, lhe trazendo a vulnerabilidade técnica e tecnológica (art. 4º, I, CDC) 30. Dessa forma, não há como o consumidor ter acesso à prova ou provar qual e onde ocorreu o defeito no sistema ou mesmo o furto voluntário de dados por fraudador31, para que seus dados fossem utilizados indevidamente, fraudulentamente. De outro lado, prevendo esse tipo de situação, da possível insegurança das redes informatizadas, o fornecedor tem o dever de garantir a segurança nas transações que expõe e possibilita para consumo, autorizando-se a responsabilidade objetiva prevista pelos arts. 12, 14, CDC, como informa sua cláusula geral ―independente de culpa‖ como mais adequada à sociedade pós-moderna, fundada nos Princípios da Dignidade (art. 1º, III, CF/88) Socialidade, da Fraternidade (Preâmbulo Constitucional), Solidariedade (art. 3º, I, CF/88) vigorantes na Carta Constitucional de 1988, bem como, na assunção pelo fornecedor dos riscos do desenvolvimento da sua própria atividade, senão vejamos a jurisprudência firmada: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO DE MEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS. MERCADO LIVRE. OMISSÃO INEXISTENTE. FRAUDE. FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DO SERVIÇO. 1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535, II do CPC.
27
PORTUGAL, LEI n. 67/98 que transpõe a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995 relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, em seu art. 7.º dispõe: ―Tratamento de dados sensíveis,1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.‖ (grifo nosso). Disponível em: http://www.cnpd.pt/bin/legis/nacional/lei_6798.htm. Acesso em: 15 nov. 2012. 28 IKETANI, Talita. Polícia prende dois hackers em Belém. Presa dupla especializada em clonagem de cartões de créditos para compras através da internet. TV RBA. Disponível em: http://www.tvrba.com.br/videos_detail.php?nIdVideo=1672. Acesso em: 10 nov. 2012. 29 Pode-se dizer quanto ao conceito de consumidor que a Teoria Finalista vem sendo mitigada a fim de reconhecer como consumidor, pessoa física e jurídica, não apenas o destinatário final de uma cadeia complexa (art. 2º, caput, CDC), mas o atingido de alguma forma pelas consequências e práticas do consumo conforme o Superior Tribunal de Justiça no Recurso especial n. 119564/RJ, DJe. 13.11.2012. 30 É a falta de conhecimento específico e técnico sobre a produção ou fabricação de bem ou serviço, o que lhe traz dificuldades e a possibilidade de ser facilmente enganado sobre a utilidade do bem adquirido, sendo em regra presumida aos não profissionais; na mesma tipologia está a vulnerabilidade informacional onde o consumidor não tem acesso à informação sobre o produto ou serviço. 31 Nesse mesmo sentido a prática de crime de concorrência desleal prevista pelo art. 195, XI e XII da Lei 9.279/96 de quem (...) ―XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;‖ ―XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude;(...)‖ (grifos nossos).
23
2. O prestador de serviços responde objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermediação de negócios e pagamentos oferecido ao consumidor. 3. O descumprimento, pelo consumidor (pessoa física vendedora do produto), de providência não constante do contrato de adesão, mas mencionada no site, no sentido de conferir a autenticidade de mensagem supostamente gerada pelo sistema eletrônico antes do envio do produto ao comprador, não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do serviço por ele implementado, sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada. 4. A estipulação pelo fornecedor de cláusula exoneratória ou atenuante de sua responsabilidade é vedada pelo art. 25 do Código de Defesa do Consumidor. 5. Recurso provido. (STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.024/DF(2008/0264348-2), DJ. 14/12/2011.)
No caso, o fornecedor fora condenado pela falta de segurança do serviço (art. 14, §1º, CDC) de intermediação e pagamento do negócio em compra em página da Internet. TRANSAÇÃO COMERCIAL. SITE ESPECIALIZADO DA INTERNET. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FRAUDE. CAPTURA DE INFORMAÇÕES PESSOAIS DO CADASTRO. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO AFASTADA. RISCO DECORRENTE DA EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. - NOS CASOS DE REALIZAÇÃO DE TRANSAÇÃO COMERCIAL ATRAVÉS DE SITE ESPECIALIZADO, RESPONDE A RESPECTIVA EMPRESA PELAS FRAUDES SOFRIDAS PELOS SEUS CLIENTES, QUANDO NÃO COMPROVAR CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO. - HAVENDO O CADASTRAMENTO DO ENDEREÇO ELETRÔNICO DO CLIENTE EM SEU BANCO DE DADOS, ATRAVÉS DO QUAL SE DARIA O CONTATO COM OS POSSÍVEIS COMPRADORES, CONFIGURA DEFEITO DO SERVIÇO, SE ESSA INFORMAÇÃO É ACESSADA OU CHEGOU DE QUALQUER MODO AO CONHECIMENTO DE ESTELIONATÁRIO, QUE DELA SE UTILIZOU PARA LUDIBRIAR A CONSUMIDORA E OBTER O RECEBIMENTO INDEVIDO DA MERCADORIA ANUNCIADA. – A RESPONSABILIDADE DECORRENTE DOS RISCOS DA EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA É OBJETIVA E, PORTANTO, PRESCINDE DA DEMONSTRAÇÃO DA CULPA. MAS NO CASO PRESENTE, ELA TAMBÉM ESTARIA PRESENTE POR FORÇA DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE PRESERVAÇÃO DE INFORMAÇÃO RESTRITA OU SIGILOSA. - RECURSO IMPROVIDO. (Processo: ACJ966599220068070001.DF.0096659-92.2006.807.0001. Relator(a): LUIS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA. Julgamento: 18/03/2008. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF. Publicação: 29/04/2008, DJ-ePág. 148. Fonte: www.jusbrasil.com.br
Como constatado e pela interpretação que se tem dado, o descuido, a falha ou defeito na recepção, manutenção, inclusão e alteração dos dados dos consumidores não é fato de terceiro (art. 14, § 3º, II, in fine, CDC), mas fato do fornecedor que permite com que terceiros estranhos ao negócio, modifiquem ou se apropriem ilicitamente dos dados32 de cadastros efetuados por consumidores legítimos, o que denota a falta de segurança no cadastro e recolhimento de informações nos contratos e negócios eletrônicos. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. PRELIMINARES REJEITADAS. VENDA DE PRODUTO PELA INTERNET. FRAUDE. SOLIDARIEDADE ENTRE O ANUNCIANTE E O RESPONSÁVEL PELO SITE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. REVELADA A MANIFESTA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR O FORO DE ELEIÇÃO ESTABELECIDO PELO RESPONSÁVEL PELO SITE EM QUE ADQUIRIDO O PRODUTO NÃO PREVALECE SOBRE O FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR (INCISO I, DO ART. 101, DA LEI N. 8.078/90). PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA. 2. SE A PROVA PERICIAL É TECNICAMENTE INÚTIL AO DESLINDEDA CONTROVÉRSIA NÃO DEVE SER PRODUZIDA. PRELIMINAR DEINCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS REJEITADA. 3. OBSERVADO O DEVIDO PROCESSO LEGAL, O JULGAMENTO PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE ACOLHE A FUNDAMENTAÇÃO DA PARTE AUTORA NÃO IMPLICA, POR EVIDENTE, EM AFRONTA À ISONOMIA, AO CONTRADITÓRIO OU À AMPLA DEFESA DA P ARTE RÉ. PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA. 4. É SOLIDÁRIA A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR E DO MANTENEDOR DO SITE EM QUE REALIZADA A VENDA DO PRODUTO OBJETO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DO CONSUMIDOR (ARTS. 7º E 14 DA LEI N. 8.078/90). PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REJEITADA. 5. HÁ RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O RESPONSÁVEL PELO SITE, QUE DEVE ZELAR PELA SEGURANÇA DAS OPERAÇÕES, E O ADQUIRENTE DO PRODUTO ANUNCIADO. EVENTUAL FRAUDE, COM PREJUÍZO AO CONSUMIDOR, IMPLICA NA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA MANTENEDORA DO SITE NA INTERNET, A TEOR DO QUE DISPÕEM OS ARTS. 7º E 14 DA LEI N. 8.078/90 6. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DE JULGAMENTO SERVINDO DE ACÓRDÃO, NA FORMA DO ART. 46 DA LEI Nº 9.099/95. CONDENO O RECORRENTE AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 10% DO VALOR DA CONDENAÇÃO. Processo:
32
No mesmo sentido, por exemplo aplicada para furtos de conta corrente nos Bancos, a Súmula n. 479 do Superior Tribunal de Justiça informa que ―As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.‖
24
ACJ127921820088070007.DF.0012792-18.2008.807.0007.Relator(a): SANDRA REVES VASQUES TONUSSI.Julgamento: 13/10/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Publicação: 27/10/2009, DJ-e Pág. 176. Fonte: www.jusbrasil.com.br
Concluindo, tendo em vista que a proteção e defesa do consumidor é um direito fundamental previsto pelo art. 5º, XXXII da CF/88 e como norteador da ordem econômica (art. 170, V, CF/88) pode-se pontuar: a) no contexto de uma sociedade do risco assim considerada a atual, onde ―toda ação se dá na ausência de conhecimento seguro em relação a seu resultado‖ (BECK, 2010, p. 362) e a grande maioria de atividades desenvolvidas contemplam um risco ―natural‖ graças à complexidade tecnológica e dos segredos industriais, a teoria que mais se enquadra no conceito de prevenção pela precaução é do risco pelo desenvolvimento ou estado da arte33 que, nesse caso, é capaz de imputar responsabilidade pelos defeitos advindos do uso das tecnologias no comércio e que por isso, essas permitem a possibilidade e previsibilidade da ocorrência de fraudes e a própria sociedade deve prevenir os danos; b) a espécie de responsabilidade civil que mais se enquadra para a completude destes preceitos, aplicada a eficácia imediata horizontal dos direitos fundamentais ao dever jurídico fundamental de reparar34 (art. 5º, X e §1º da CF/88) (MATTOS, 2012) os danos causados ao consumidor, é a responsabilidade objetiva fundada na assunção do risco e da previsível insegurança (arts. 4º, caput, d e V; 6º, I; 8º; 9º, 10º; 12, §1º; 14, §1º; 31; 36, §2º; 55, §1º; 58; 66; 68 e 106, VIII; todos do CDC) 35 da atividade por fraudes provocadas nas relações de consumo (arts. 12 e 14, CDC) e tuteladas também pelo Direito Penal (por ex., arts. 154-A, 298, parágrafo único, 297, 298, 299, 159, 146, 147, 155, §4º, II, 171, CPB); c) uma última ponderação mantém a aplicação da responsabilidade solidária (arts. 7º, parágrafo único; 18, 19, 25, §§ 1º e 2º; 28 e 34 do CDC; 3º, I, CF/88) dos que fazem parte ou interferem nas complexas cadeias de consumo como destinatários do dever de reparar (fornecedor, sites hospedeiros e intermediadores, etc.) graças à intensa impossibilidade do consumidor identificar os reais agentes causadores dos danos.36 REFERÊNCIAS A senha do crime. JORNAL DO SBT NOITE, exibido dia 09.10.09. Disponível http://www.sbt.com.br/sbtvideos/media/271233ea6eef2e1ca65f0afdc13bdb10/Serie-Senha-do-Crime---Parte1.html. Acesso em: 15 nov. 2012.
em:
ARENDT, Hanna. A condição humana (Trad. Roberto Raposo). 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade (Trad. Sebastião Nascimento). São Paulo: Ed. 34, 2010. BRASIL, Nota Conjunta (Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério das Comunicações) de junho de 1995. Disponível em: <http://www.cg.org.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 15nov. 2012. BRASIL, Projeto de Lei do Senado n. 281/12. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106768. Acesso em: 15 nov. 2012. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede (Trad. Roneide Venancio Majer). 6ª ed., vol. 1, Rio de Janeiro: Paes e terra, 2000.
Ao contrário, conforme a Diretiva n. 374/85 da União Europeia (85/374/CEE) o ―estado da ciência e da técnica‖ ou ―estado da arte‖, permite a exclusão da responsabilidade do produtor se provar ―que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência de defeito.‖ (NERY, 2009, p. 28). 34 Sobre o tema ver MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. 35 Para alguns autores, ao contrário do que defendemos neste ensaio, a segurança só pode ―existir dentro das normas legais, dentro do Direito positivo, dentro da dogmática jurídica. Assim, a defesa da segurança do Direito estaria baseada, para esses autores, na lei como lei.‖ In PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. A teoria do risco de desenvolvimento. UNISINOS: Estudos Jurídicos, setembro-dezembro 2005. Disponível em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/stories/pdf_estjuridicos/v38n3/art02_pereira.pdf. Acesso em: 12 nov. 2012. 36 ―Para além da exegese, a práxis também, sinaliza no sentido da auxese da incidência da responsabilidade civil, em face da responsabilidade real de identificação do autor, seja porque a cadeia de causalidade, decorrente da sociedade complexa, tornou-se extensa demais para permitir essa identificação, seja pela dilação de relação espaço-tempo em medidas que não permitem essa verificação.‖ (MATTOS, 2012, P. 115) 33
25
CIPRIANO, Rodrigo Carneiro; NEGÓCIO, Ramon de Vasconcelos (Org.). Constituições da América Latina e Caribe. Vols. I e II, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão - FUNAG, 2010. Disponível em: http://funag.gov.br/biblioteca/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=419&Itemid=41. Acesso em: 10 nov. 2012. MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco. Vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. DONEDA, Danilo.A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia. Brasília: Escola Nacional de Defesa do Consumidor -SDE/DPDC, 2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={D5C20E664F91-42F3-9A0A-6E5C34E0CB7E}&ServiceInstUID={7C3D5342-485C-4944-BA65-5EBCD81ADCD4}. Acesso em: 10 nov. 2012. FALSIFICAÇÃO. A cada 15 segundos um brasileiro é vítima da tentativa de fraude. Jornal ―O LIBERAL‖, Coluna ―Poder‖, 10 nov. 2012, p.1. FARIA, Heraldo Felipe de. A defesa do consumidor como princípio constitucional. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/defesa-do-consumidor-como-princ%C3%ADpio-constitucional. Acesso em: 20 nov. 2012. IKETANI, Talita. Polícia prende dois hackers em Belém. Presa dupla especializada em clonagem de cartões de créditos para compras através da internet. JORNAL DA TV RBA. Disponível em: http://www.tvrba.com.br/videos_detail.php?nIdVideo=1672. Acesso em: 10 nov. 2012. MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MATTOS, Paula Frassinetti. Responsabilidade Civil. Dever jurídico fundamental. São Paulo: Saraiva, 2012. NERY, Rosa Maria Andrade, DONNINI, Rogerio (Coord.). Responsabilidade Civil. Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, São Paulo: RT, 2009. PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. A teoria do risco de desenvolvimento. Unisinos: Estudos Jurídicos, setembrodezembro 2005. Disponível em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/stories/pdf_estjuridicos/v38n3/art02_pereira.pdf. Acesso em: 12 nov. 2012. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Comércio eletrônico na sociedade da informação: da segurança técnica á confiança jurídica. Coimbra: Almedina, 1999. PORTUGAL, Constituição da República Portuguesa. Disponível em: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acesso em: 15 nov. 2012. PORTUGAL. LIVRO VERDE PARA A SOCIEDADE DA http://www2.ufp.pt/~lmbg/formacao/lvfinal.pdf. Acesso em: 03 nov. 2012.
INFORMAÇÃO.
SERRANO, José Luis. A diferença risco/perigo. Disponível www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/download/1776/1416. Acesso em: 10 nov. 2012.
Disponível em:
em: http//:
UNIÃO EUROPEIA, DIRETIVA 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2000 relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (Directiva sobre o comércio electrónico). Disponível em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2000:178:0001:0001:PT:PDF. Acesso em: 15 nov. 2012. ____________. DIRECTIVA 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31985L0374:pt:HTML. Acesso em: 10 nov. 2012. http://www.ebitempresa.com.br http://www.webshoppers.com.br/webshoppers/WebShoppers26.pdf
26
INSTRUMENTOS PERICIAIS PARA ELUCIDAÇÃO DO CRIME DE TORTURA PSICILÓGICA NO DIREITO BRASILEIRO Augusto Cezar Ferreira de BARAÚNA37 (UFAP) O presente artigo científico faz uma abordagem doutrinária sobre o conceito do crime de tortura com base em diversas cartas ou declarações de direitos, para, em seguida, efetuar uma pesquisa sobre o conceito de tortura na Constituição Federal (inciso V do art. 5º) e na Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. O problema deste trabalho está em identificar na legislação a existência de instrumentos de perícia técnica que possam caracterizar a tortura psicológica pelos Institutos Médico-Legais nos Estados do Brasil. Palavras-chave: Tortura psicológica, Direitos humanos, Perícia técnica.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca efetuar um estudo sobre as principais cartas internacionais de declaração de direitos e o seu combate a prática da tortura física ou psicológica. Em seguida, buscaremos identificar os conceitos de tortura presente na Convenção Interamericana de Combate a Tortura e outras modalidades cruéis, na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Faremos um estudo, ainda, sobre as principais consequências ou efeitos da tortura psicológica, quanto ao aspecto da sua sintomatologia. E finalmente, identificaremos quais os instrumentos de aferição de perícia técnica quanto á tortura física e psicológica no sistema brasileiro. Importante destacar, ainda, que nosso estudo utilizará das recomendações apresentadas pelo Grupo de Trabalho do Governo Brasileiro, que apresentou suas recomendações ao Congresso Nacional – Protocolo Brasileiro de Perícia Técnica - mas ainda não devidamente aprovado, como resposta à inserção em nosso sistema das regras da Convenção Interamericana de Combate a Tortura e outras modalidades cruéis, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984.
2 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS E O COMBATE A TORTURA A Declaração dos Direitos da Virgínia foi uma Declaração de Direitos que se inscreveu no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América. Previu a Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia em seu art. 11º que: ―Não devem ser exigidas cauções excessivas, nem impostas multas demasiadamente fortes, nem aplicadas penas cruéis e desusadas‖. Impulsionada pelos ventos da Revolução Americana (1776) e pelas ideias filosóficas do Iluminismo38, a Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 e votou definitivamente a 2 de outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão prevê em seu art. 8º que: ―A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada‖. No início de 1848 um furioso vendaval político varreu a Europa Ocidental, ameaçando deitar por terra, em pouco tempo, o edifício conservador e imperial e as palavras de ordem eram: nacionalismo, trabalho e liberdade. Na França, o descontentamento do operariado urbano com os excessos capitalistas, foi singularmente reforçado pelo agravamento da fome no campo, em conseqüência da desastrosa colheita de 1846/47. A revolta popular de Paris, irrompida em 23 de fevereiro de 1848, visou claramente não só à derrubada do rei, mas à
1. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós- Doutorando pela Universidad de La Matanza na Argentina. Professor Adjunto da Universidade Federal do Amapá. 38 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 6 ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 93.
27
reinstauração da República, instalando um governo provisório, do qual se decidiu convocar de imediato uma assembleia constituinte. Compromisso com valores conservadores relacionados à Família, à Propriedade, à Ordem pública e ao progresso da civilização. Porém, pela primeira vez na história constitucional, a pena de morte é abolida em matéria política, conforme se observa da leitura do art 5º: ―A pena de morte é abolida em matéria política‖. Contudo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é, sem sombra de dúvida, o mais importante documento internacional de banimento da prática da tortura. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros e não tem força vinculante, mas que não admite qualquer forma de tortura, conforme podemos observar da leitura de seu art. 5º: ―Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante‖. Dentre as convenções internacionais de maior importância no combate às formas de tortura destacamos o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, adotado pela Resolução n.º 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. Previu a mencionada convenção internacional em seu art. 7º que ―Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas‖. Já a Convenção Americana sobre direitos humanos – Pacto de São José da Costa Rica -, publicado em 22 de novembro de 1969, previu em seu art. 5º, 2, que “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano‖. O tema sobre a tortura em relação a realidade brasileira está intimamente ligada a sua presença no período do golpe militar de 1964. Pessoas relacionadas ao regime deposto foram perseguidas e cresceu a concepção de "segurança nacional", aumentando a prática dos arbítrios em nome da segurança da pátria. Com o Ato Institucional nº 5 imposto pela Ditadura Militar, ocorreu a censura e a suspensão do habeas corpus. Surgiu a guerrilha urbana e as organizações de esquerda. Ao tempo que se dá início a prática da tortura em nosso país, principalmente como forma de se obter confissões e revelações de informações tidas como imprescindíveis à segurança nacional. Após vinte anos de ditadura militar, com a morte de centenas de opositores políticos e a prática da tortura institucionalizada, principalmente pela Agência Nacional de Informação brasileira (SNI), adentramos em uma nova fase em nossa história, com o movimento pelas ―Diretas Já‖ e a eleição dos deputados federais para a preparação de um novo texto constitucional. Com a promulgação da nova Carta Constitucional de 1988, a prática da tortura foi abolida com fulcro nas novas garantias constitucionais, que no inciso V do art. 5º previu que ―ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante‖. 3 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL, A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DE COMBATE A TORTURA A definição de tortura está presente na Convenção Interamericana de Combate a Tortura e outras modalidades cruéis, adotada pela Resolução 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984, devidamente ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989. O art. 1º da Convenção Internacional assim previu:
28
Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
Segundo a mencionada Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões. Assim, dispôs o texto sobre a tortura física e mental, enquanto uma dor de sofrimento agudo. Mas, não conseguiu mensurar o nível da dor ou sofrimento em cada pessoa, pois isto se altera em relação a cada individualidade. Por certo, a definição de dor do ponto de vista físico é mais simples, pois reflete uma atitude desempenhada por alguém em relação a terceiro que, em regra, decorre de alguma interferência física sobre o corpo do outro, causando um grande sofrimento. Assim, a dor psicológica é de difícil precisão e de natureza subjetiva, face seus limites em preceito normativo que possa alcançar o sentido de sua profundidade intelectual. O art. 1º da Convenção Internacional de Combate a Tortura prevê limite entre tortura e entre outras formas 39 de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou desagrandes, pois estabelece os seguintes elementos essenciais: a) a existência de dores ou sofrimentos graves, de natureza física ou metal; b) intenção ou consentimento de pessoas no exercício de suas funções públicas; c) propósito específico de obter informação, punir ou intimidar. Segundo Foley40, apesar desta definição jurídica a distinção suscitada [...] "é de difícil identificação, em geral, dependendo muitas vezes de circunstâncias específicas do caso de características da vítima em particular". [...]. Foley 41acrescenta ser inviável a elaboração taxativa de atos proibidos como tortura na legislação nacional e internacional considerando a mutabilidade dos conceitos e valores culturais no tempo e espaço das sociedades democráticas, que exigem padrões mais elevados na área de proteção dos direitos humanos, de forma que os atos classificados no passado como tratamentos desumanos em oposição à tortura podem vir a ser classificados de formas diferentes no futuro. Todavia, a mencionada convenção internacional de combate à tortura exige que os estados signatários realizem investigações e procedimentos que permitam aos agredidos o direito de denunciarem seus agressores, considerando os seguintes princípios42: a) As investigações devem ser realizadas por especialistas competentes, qualificados e imparciais, independente dos suspeitos do crime e do órgão ao qual eles servem; b) Os investigadores deverão ter acesso a todas as informações necessárias, recursos orçamentários e instalações técnicas para investigarem por completo todos os aspectos das denúncias; c) Os investigadores deverão ter acesso irrestrito a locais de custódia, documentos e pessoas. O órgão investigador terá o direito de citar testemunhas, exigir a produção de provas e confiscar todas as ordens operacionais importantes e materiais de instruções pertinentes. Os achados de todas as investigações devem ser tornados públicos. Conforme podemos observar ainda do mencionado preceito, que o sentido de tortura envolve outros elementos: a) castigar por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; b)
39
FOLEY, Conor. Combate a tortura. Manual para magistrados e membros do ministério público. Reino Unido: ed. Human Rights Centre, University Of Essex, 2003, p. 11. 40 FOLEY, Idem, p. 11. 41 Idem, p. 12. 42 Ibid, p. 55.
29
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; c) quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Contudo, o inciso V do art. 5º da Constituição Federal previu a partir de 1988 que ―ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante‖. Logo, com a previsão constitucional, tornou-se necessária a edição de uma lei infraconstitucional de competência da União (art. 22, I, da CF), para efeito de tipificação. A definição de tortura com base na edição de lei infraconstitucional ficou estabelecida nos termos do art. 1º da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que prevê: Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Portanto, o crime de tortura na legislação infraconstitucional está previsto enquanto constrangimento ou emprego de violência ou grave ameaça, que gera intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Quanto às hipóteses de caracterização da tortura física, observamos no corpo de delito um conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal de tortura, que podem ser avaliados por meios de instrumentos técnicos de aferição técnico-científica. Segundo Nestor Távora43, nas investigações que deixam vestígios: Se a infração deixa vestígios impõe-se a realização do exame de corpo delito, seja ele direto ou indireto (art. 158, CPP). Exame do corpo de delito é aquele em que os peritos dispõem do próprio corpo de delito para analisar. Os vestígios estão à disposição dos peritos para que possam realizar seu trabalho.
Quanto à necessidade da presença do laudo técnico e à possibilidade de caracterização da nulidade processual, leciona Nestor Távora que44
Deixando a infração vestígios, a realização do exame direto ou indireto é obrigatória, podendo ser suprida, como já visto, pela utilização da prova testemunhal (art. 167, CPP). A não realização da perícia implicaria nulidade absoluta do processo, a teor do art. 564, inciso III, alínea b, Código de Processo Penal, com a ressalva da possibilidade de utilização das testemunhas. Tal a saída do código, que não nos parece, contudo, a mais adequada para todos os casos. No transcorrer do processo, percebendo o magistrado a ausência do exame, a determinação ex offício supriria a omissão. Em não sendo possível a realização do exame, e percebendo que a materialidade não ficou demonstrada, a alternativa é a absolvição do réu, e não o reconhecimento da nulidade do processo. Por sua vez, a condenação sem a perícia implicaria nulidade insanável.
Portanto, a presença do corpo de delito exige a necessidade de um procedimento técnico de aferição por meio de laudo de médico-legista que possa atestar o crime de tortura. Ademais, a presença de laudo médico que possa atestar a presença de dor física pela prática de tortura, constitui uma exigência para a formalização de inquérito e processo penal, mediante laudo técnico pelo Instituto Médico Legal, com vista à penalização daqueles que praticam a tortura física ou psicológica no Brasil.
43 44
TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual. São Paulo: Ed. Jus podium, 3. ed., 2009, p. 337. TÁVORA, Idem, p. 338.
30
Em nosso sistema a verificação de perícia poderá ocorrer por meio de perito técnico ou por pessoas idôneas com curso superior que possam atestar que mediante verificação do corpo de delito possam identificar a ocorrência de tortura: Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Assim, a falta de uma melhor técnica para a aferição da tortura psicológica em laudos técnicos do Instituto Médico Legal pode ensejar limites ao exercício do jus puniendi pelo Estado Brasileiro. Afinal, como a tortura psicológica não deixa marcas visíveis que possam ser elucidadas por meio dos padrões de investigação disponíveis na estrutura dos atuais Institutos Medicina Legal dos estados que compõem a Federação Brasileira.
4 SINTOMATOLOGIA DA TORTURA PSICOLÓGICA Assim, observemos no presente capítulo os conceitos de tortura psicológica, para depois analisarmos a sua dificuldade de caracterização por meio de laudo técnico dos peritos do Instituto Médico Legal. Na tortura psicológica ocorre a destruição interna do indivíduo, sua identidade e seus valores, que não se expressam, necessariamente, por meio de apresentações de dor físicas. Por certo que, as pessoas que são vítimas de tortura física apresentam sequelas comprovadas de forma evidente em laudo clínico, mas a tortura psicológica se ―instala na alma‖, ou seja, se estabelece nos recônditos da mente humana. A tortura psicológica45 traz sequelas mais frequentes de problemas identitários, de processos dissociativos graves, de comportamentos regressivos, de luto não elaborado, de angústia crônica, de ansiedade e depressão, ainda seguida de insônia permanente com pesadelos, agravando-se com transtornos neuróticos ou psicóticos, e problemas com hábitos alimentares, inclusive, com um alto nível de irritabilidade, seguindo-se crises de clausura com sentimento de culpabilidade e vergonha, seguido de sentimentos de perseguição e danos permanentes, gerando incapacidade para o trabalho e perda profissional, ou isolamento com transtornos da memória e da percepção, assim como, dificuldades na relação do casal ou conjugal e familiar, com grande dificuldade de inserção no ambiente de trabalho. Na tortura clássica ou de guerra, se estabelece um procedimento de destruição da identidade do torturado, com perda de sua visão própria e de seus valores. Segundo Alfredo Mantin 46 o processo traumatizante se estabelece em três fases: A primeira é mais conhecida tem como alvo a destruição da pessoa, dos seus valores e convicções; A segunda é uma experiência limite de desorganização da relação do sujeito consigo mesmo e com o mundo, e a demolição propositadamente, também conhecida como ―esvaziamento narcisista‖, onde é usurpada a identidade e a história do sujeito; A terceira abre-se a possibilidade de ―resolução‖ da crise dessa situação de traço limite, perante a organização de uma conduta substitutiva em maior ou menor consonância com os ―valores‖ do torturador e daqueles que o comandam.
Assim, a tortura psicológica elimina a formação de valores do torturado, gerando uma perda de identidade própria, angústia, ansiedade e depressão crônicas, com efeitos de transtornos neuróticos ou psicóticos, que limitam o crescimento intelectual e emocional do indivíduo.
45 46
MARTIN, Alfredo Guilhermo. As sequelas psicológicas da tortura. Brasília: Revista Psicologia e ciência, 1981, p. 435. MARTIN, idem, p. 436.
31
Do ponto de vista externo, a tortura psicológica pouco se evidencia em marcas ou hematomas, principalmente pelas novas técnicas encontradas nos dias atuais, que permitem ao torturador manter-se despenalizado pela ausência de configuração traumática. Mas, em relação ao torturado, as sintomatologias são indeléveis, inclusive, com altos níveis de mortalidade, seja por suicídio ou doenças decorrentes das agressões psicológicas. Inclusive, existem certos tipos de torturas psicológicas decorrentes de discriminação ou preconceitos que extrapolam a barreira da geração do torturado (negros, judeus, vítimas de guerra). Os filhos dos torturados recebem a carga traumática da geração anterior em razão da formação educacional elaborada pelo torturado. Existem ainda outras modalidades de torturas mais modernas, que não decorrem de período de guerra, mas pelo exercício da relação de poder estatal, que também tem gerado graves sequelas sociais e de pouca comprovação médica ou pericial (choques elétricos, com recurso da água, com a privação do sono, ou na tortura acústica). Essas torturas psicológicas não deixam agressão física aparente, mais causam um alto dano ao indivíduo quanto aos seus efeitos psicológicos.
5 A CARACTERIZAÇÃO DA TORTURA PELA PERÍCIA TÉCNICA O Protocolo Brasileiro de Combate à Tortura (2005, p. 27) prevê que a perícia em casos de tortura em custodiados tem dificuldade em apontar evidências pela sofisticação dos meios utilizados e pela conivência dos agentes do poder [....].‖ Esta dificuldade pode ser mitigada quando for tomada algumas providências que reduzam a possibilidade de descaracterização da tortura. Segundo nosso Protocolo Brasileiro de Combate à Tortura (2005, 27) seguem as seguintes recomendações de perícias de caso de tortura: a) Valorizar, no exame físico, o estudo esquelético tegumentar; b) Descrever detalhadamente a sede e as características dos ferimentos; c) Registrar em esquemas corporais todas as lesões encontradas; d) Fotografar as lesões e alterações existentes nos exames interno e externo; e) Detalhar em todas as lesões, independente de seu vulto, a forma, a idade, dimensões, localização e particularidades; f) Radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões agredidas ou suspeitas de violência; g) Trabalhar sempre em equipe; h) Examinar a luz do dia; i) Usar os meios subsidiários disponíveis. j) Ter o Consentimento livre e esclarecido do examinado; k) Examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do poder; l) Examinar com paciência e cortesia; m) Respeitar as confidências; n) Examinar com privacidade; o) Aceitar a recusa ou o limite do exame. Jorge Vanrell, (2007, p. 275) enfatiza sobre perícia no morto que A maioria destas recomendações, com as exceções óbvias, são aplicáveis também, à perícia no morto, quando os cuidados devem ser redobrados, a atenção aguçada e a isenção levada aos limites estabelecidos, ora pelas normas de procedimentos mais duras, ora pela consciência humana e profissional dos examinadores.
Em caso de exame clínico, prevê o Protocolo Brasileiro (2005) que se busque nas vítimas um histórico, assim, no exame físico deve se verificar, a presença de fratura na face, lesões oculares, auditivas, nasais, na mandíbula, na cavidade oral e dentes (choque elétrico), o exame do tórax, do abdômen, do aparelho urinário (estupro), da região anal, nos pés, na mão, etc. A necropsia, nos casos de morte por tortura, deve realizar um exame externo do cadáver e considerar sinais relativos à identificação do morto, estado de nutrição, fenômenos cadávericos, tempo aproximado de morte, condições do meio e sinais relativos de morte, em especial as lesões traumáticas.
32
No que se refere às observações externas de lesões traumáticas no cadáver, Jorge Vanrell, (2007, p. 279) recomenda que se devam valorizar as seguintes características: a) Multiplicidade; b) Diversidade; c) Diferenças de épocas de produção; d) Forma; e) Natureza etiológica, f) falta de cuidados e; g) Local de predileção. Portanto, são as seguintes as características das lesões externas (VANRELL, 2007): a) Equimoses e hematomas (face, tronco, extremidades e bolsa escrotal); b) Escoriações generalizadas (face, cotovelo, joelho, tornozelo); c) Edemas cor constrição (punhos e tornozelos); d) Feridas contusas (supercílios e lábios); e) Queimaduras em especial de cigarros ( dorso, tórax, ventre); f) Fraturas de ossos (nariz, costelas); g) Alopecias com zonas hemorrágicas do couro cabeludo (arrancamento de tufos de cabelo); h) Edemas e ferimentos (regiões palmares, plantares e fraturas dos dedos pelo uso de palmatória ou do procedimento conhecido como ―falanga‖nos pés; i) Leões oculares e otológica; j) Fraturas dentárias; k) Sinais de abuso sexual de outros presidiários como manobra de tortura e humilhação da própria administração carcerária; l) Lesões produzidas por eleticidade, por ambientes de baixa temperatura, decorrentes de avitaminose e desnutrição por omissão de alimentos, falta de cuidados adequados e de higiene corporal e; m) Lesões produzidas por insetos e roedores. Quanto ao exame interno do cadáver, devem ser consideradas as lesões cranianas, cervicais, tóracoabdominal, raquimedulares e as lesões de membros superiores e inferiores. Malthus Galvão (apud Camille Giffard, 2006, p. 18) destaca em relação ao laudo que o ―médico é provavelmente o mais importante meio de prova que se pode obter, e pode acrescentar forte base de sustentação em depoimentos de testemunhas, quando se corroboram reciprocamente‖. Os instrumentos utilizados em crimes de tortura podem comprovar o sofrimento físico ocasionado por lesões ou seqüelas deixadas na vítima. Em geral as lesões contusas apresentam relação com o agente causador, inclusive pode apresentar o formato dos instrumentos impressos no corpo da vítima. Encontrado o instrumento empregado ou semelhante, pode-se determinar a compatibilidade entre as suas características e as lesões encontradas externamente na vítima, e ainda determinar especificamente qual o instrumento utilizado, se houver manchas de sangue de tecido por meio de exame de DNA, e quiçá a identidade do agressor pela coleta de impressões digitais. A ausência de comprovação da tortura física por exames periciais da cena do crime (exames necroscópicos) pode ocasionar a despenalização do torturador, por não haver relevância quanto aos vestígios e métodos de tortura. Outros fatores importantes podem ocasionar a despenalização do autor do crime de tortura física ou psicológica: a) A falta de qualificação dos profissionais da área criminal; b) A falta de monitoramento das Entidades que auxiliam no combate a prática do crime de tortura; c) A falta de compromisso do Estado em oferecer melhores condições de proteção aos custodiados; a ausência de cumprimento das normas que podem dificultar a identificação e a instauração do processo judficial contra os responsáveis por tais atos; d) A falta de inspeções em locais de detenção; e a ausência de medidas legislativas, administrativas e judiciais que impeçam que atos de tortura sejam cometidos. As recomendações são apresentadas pelo Grupo de Trabalho, convocado pela Presidência da República do Brasil, mediante Protocolo Brasileiro de Perícia Técnica, aprovado, em resposta a inserção do Brasil na Convenção Interamericana de Combate a Tortura, de 10 de dezembro de 1984. Especificamente em relação a necessidade de recomendação complementar para a perícia forense nos casos de tortura, qual a necessidade do cumprimento de algumas tarefas essenciais47:
47
Idem, p. 17.
33
1) Todos os hospitais da rede pública, conveniados-SUS e privada e nos hospitais de emergência da rede pública deverão contar com profissionais de saúde encarregados de prestar pronto atendimento às vítimas de tortura;. 2) Reforma imediata dos quesitos específicos nos formulários dos Institutos de Medicina Legal (e, onde couber, aos demais institutos forenses), para adequá-los à Lei nº 9.455/97. 3) Deve ser constituída uma espécie de ―grupo móvel‖ de peritos criminais, a fim de se realizar perícias em hospitais ou em qualquer outro local que seja mais apropriado para a vítima. [...] 14) Os peritos devem sempre apresentar, na forma da legislação específica, aos servidores policiais, ao Ministério Público, às autoridades judiciárias e demais agentes públicos, os prontuários e informações sobre as vítimas atendidas. 15) É fundamental a criação de equipes interdisciplinares nos IMLs, compostas entre profissionais, por psicólogos e psiquiatras (inclusive com formação psicanalítica), com o objetivo de avaliar os efeitos psicopatológicos ocorridos na vítima submetida à tortura (grifo nosso).
Contudo, a dificuldade de comprovação da tortura psicológica por meio de perícia técnica, decorre da dificuldade de implementação de política pública que compreenda a amplitude dos meios subisidiários de diagnósticos disponíveis e indispensáveis, com destaque para os exames psiquiátricos e psicológicos, odontológicos, histopatológicos e toxicológicos. Sem maiores aprofundamentos pragmáticos, podemos reconhecer a dificuldades dos Institutos Médicos Legais em vários estado deste país, que possam congregar uma equipe multidisciplinar, com a presença de médicos, psicólogos e psquiatras. Ademais, com a presença de recursos técnicos e materiais efecientes que possam melhor elucidar a caracterização da tortura psicológica no Brasil.
6 CONCLUSÃO Existem várias cartas universais de combate à prática da tortura ou forma similar em nosso sistema legal internacional. Da mesma forma, identifica-se o combate ao crime tortura na Constituição Federal (inciso V do art. 5º) e na Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Por outro lado, constata-se a obrigatoriedade da caracterização do crime de tortura por meio de laudo médico de legista do Instituto Médico Legal não dimensionado no art. 159 do CPP e sendo possivelmente resolvido por meio de prova testemunhal (art. 167 do CPP). Contudo, observa-se das propostas do Protocolo Brasileiro de Perícia Técnica, apresentados pelo Grupo de Trabalho por determinação da Presidência da República, que a comprovação da tortura física, em especial, da tortura psicológica, necessita da implementação de políticas públicas de possam melhor efetivar a sua caracterização e posterior penalização pelo Poder Judiciário Brasileiro. 7 REFERÊNCIAS COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6.ed., São Paulo: Saraiva, 2008. FOLEY, Conor. Combate a tortura. Manual para magistrados e membros do ministério público. Reino Unido: ed. Human Rights Centre, University Of Essex, 2003. GALVÃO. Malthus Fonseca. A perícia médico legal como instrumento de prevenção e punição da tortura. 2006.58f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, DF.Disponívelem:http://www.malthus.com.br/rw/forense/Pericia_em_Casos_de_Tortura_monografia_malthus.pdf . MARTIN, Alfredo Guilhermo. As sequelas psicológicas da tortura. Brasília: Revista ista Psicologia e ciência, 1981. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003.
34
PRESTES, Maria Luci de Mesquita. A pesquisa e a construção do conhecimento científico: do planejamento aos textos, da escola a academia. São Paulo: ed. respel, ed. 3, 2008. PROTOCOLO BRASILEIRO: Perícia Forense no Crime de Tortura. Grupo de Trabalho sobre tortura e perícia forense. Secretaria de Direito Humanos. Brasília: 2005. TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual. São Paulo: Ed. Jus podium, 3. ed., 2009. VANRELL, Jorge Paulete. Manual de medicina legal: tanatologia. 3. ed. São Paulo: J. H. Mizuno, 2007.
35
O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA DO INDIVÍDUO GERADO A PARTIR DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA EM FACE DO DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DE MATERIAL GENÉTICO48 Nathália Miranda ABDON (FIBRA) 49 No contexto atual, vivencia-se uma total reestruturação do conceito de família não só no Brasil, como no Mundo. Verifica-se ultimamente a formação de famílias unidas não mais somente pelo sangue e sim por laços de carinho, amor e atenção, os quais prevalecem sobre aquele. Desse modo, tem-se como um dos meios recentes de formação da família a técnica de inseminação artificial heteróloga que dá origem à laços socioafetivos que não devem ser confundidos com os biológicos, também decorrente da referida técnica. Portanto, ao se analisar um indivíduo gerado a partir desse procedimento, onde se utilizou material genético proveniente de um doador anônimo, deve-se ter em mente que este doador não possui qualquer vínculo, salvo o consanguíneo, com o concebido. Contudo, isso não significa dizer que o concebido não terá direito de conhecer a sua origem biológica. Pois, o direito à sua identidade genética nada mais é do que uma garantia da individualidade biológica do próprio ser humano, assim, entendido como um sinônimo de individualidade genética, além de surgir também como um bem jurídico fundamental constitucionalmente tutelado. Não se pode olvidar ainda que as possibilidades de relações incestuosas entre irmãos ou entre pai/doador ou mãe/doadora e filha ou filho e a probabilidade de prevenção do surgimento ou avanço de doenças hereditárias graves, colabora para à quebra do referido anonimato do indivíduo doador de material genético. Palavras-chave: Filiação, Inseminação, Anonimato, Identidade genética. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta como tema central a problemática da aplicação do Direito à Identidade Genética do indivíduo gerado a partir da inseminação artificial heteróloga em face do Direito ao Anonimato do doador de material genético. Primeiramente, para que haja o processo de reprodução humana, é necessária a existência de vários elementos válidos, ou seja, é imperioso que tanto a mulher quanto o homem estejam em condições de realizar o ciclo reprodutivo normal completo, isto é, que possuam todas as condições de desenvolver as etapas da reprodução efetivamente para chegarem ao final com a fecundação. Desse modo, é necessário esclarecer que a fecundação nada mais é do que um processo pelo qual há o encontro de duas células sexuais, a masculina, também chamada de espermatozóide, e a feminina, conhecida como óvulo, no interior das Trompas de Falópio localizadas no aparelho reprodutor feminino. Entretanto, podem ocorrer os chamados problemas de fertilização que são quando por alguma razão esse processo de reprodução não consegue atingir o seu objetivo.50 Diante disso a biociência propôs uma solução para esse problema criando técnica da reprodução assistida que se subdivide em homóloga que utiliza o material genético do próprio casal e a heteróloga que utiliza o material genético doado por terceiro. No Brasil por enquanto essa técnica só pode ser utilizada por casais com problemas de fertilidade, conforme a resolução 1957/2010 do CFM, restando ainda não regulamentada a questão com relação as mulheres solteiras. 51 Por esse fato, este artigo dará enfoque à forma heteróloga, já que esta é a forma que mais gera discussões, já que o indivíduo gerado a partir dessa técnica possui, assim como os demais indivíduos, o direito a sua identidade genética que está ligado aos Princípios da identidade, personalidade e dignidade humana. 48
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso de Direito, orientado pelo Professor Nelson Pereira Medrado e apresentado à Banca Examinadora composta pela Professora Márcia Valéria de Melo e Silva Rolo e pelo Professor Maurício Miranda Ferreira. Bacharel em Direito pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA e Advogada. E-mail: nathalia_abdon@hotmail.com. 50 BALAN, Fernanda de Fraga. A reprodução assistida heteróloga e o direito da pessoa gerada ao conhecimento de sua origem genética. 2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2544/A-reproducao-assistida-heterologa-e-o-direito-da-pessoa-gerada-aoconhecimento-de-sua-origem-genetica>. Acesso em: 10 jun. 2011. 51 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.957/2010, de 15 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm>. Acesso em: 17 set. 2011. 49
36
Portanto, o objetivo desse artigo é estudo da aplicabilidade do direito a identidade genética em face da relativização do direito ao anonimato do doador de material genético. E para atingir esse objetivo utilizou-se do método comparativo de Taylor52, para fazer uma analogia entre as consequências da relativização do anonimato do doador e as consequências da adoção.
2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO E O ENFOQUE À FILIAÇÃO BIOLÓGICA E A SOCIOAFETIVA Os vínculos afetivos sempre existiram no decorrer da história e eles não são privilégios somente da espécie humana. Tem-se que tal vínculo é tão antigo quanto à própria humanidade, pois, o acasalamento sempre foi algo comum entre os seres vivos, seja somente com a finalidade de perpetuação da espécie, seja também pela própria antipatia e receio que as pessoas têm à solidão, uma vez que o homem naturalmente tende a ligar a felicidade à vida a dois. A evolução natural da humanidade evidencia cada vez mais o agrupamento de pessoas ligadas pelo afeto e com isso se dá a formação da família como uma aglomeração informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação será feita por meio do direito. Entretanto, quando a lei regula juridicamente a família, ela não reflete fielmente a família in concreto, naturalmente multifacetada, cuja origem antecede existência do próprio Estado.53 Destarte, para se analisar a filiação nas modalidades biológica e socioafetiva, e suas diferenças, é necessário se ter conhecimento de uma breve evolução histórica da própria filiação. Assim, tem-se que na antiguidade em Roma a consanguinidade não era vista como base para a idéia de filiação. E o pátrio poder (como era chamado na época) era exercido pelo Pater Famílias que tinha o poder de deliberar sobre a vida e morte dos seus filhos. Posteriormente, houve uma redução do alcance desse pátrio poder com a interferência Estatal na família exigindo do pater o respeito aos filhos.54 Na Idade Média observa-se que os senhores, os criados, as crianças e os adultos, viviam todos juntos em uma espécie de casa aberta, não havendo um local privado para a família. 55 Posteriormente, na Idade Moderna observa-se o fortalecimento da autoridade do pai e a estrutura familiar passou a ser baseada na concepção conjugal restrita a pais e filhos unidos por laços de consanguinidade. Com o decurso do tempo, houve uma mudança nos hábitos da família, isto é, na Pós-modernidade houve o estreitamento da relação paterno-materno-filial trazendo à tona a afetividade como elemento identificador da família. E expressões como filiação ilegítima, informal, adulterina dentre outras foram excluídas do vocabulário jurídico. Aqui eu trouxe o conceito de família que é o grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade.56 Hironaka57 sustenta que as relações hierárquicas, baseadas na obediência e no temor, cedem espaço para os novos pilares norteadores das relações parentais no seio da família contemporânea, quais sejam: o afeto, o amor, a cooperação, a mútua proteção e a sadia cumplicidade entre seus membros. Logo, se faz necessário estabelecer o elemento identificador das estruturas interpessoais que permita nomeálas como família, assim, esse elemento diferencial só pode ser identificado na afetividade. A família é, portanto, um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas. 58 52
TAYLOR apud OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Metodologia científica aplicada ao direito. São Paulo: Thomson: Learing, 2002. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. 55 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. 56 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 57 HIRONAKA apud FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. 53 54
37
Desse modo, tem-se como a filiação socioafetiva aquela consistente na relação entre pai e filho, ou entre mãe e filho, ou entre pais e filho, onde inexiste ligação biológica entre eles, havendo somente o afeto como elemento aglutinador das pessoas que constituem a família.
2.1 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA COMO MEIO DE FORMAÇÃO DA FAMÍLIA Até pouco tempo se tinha como modelo clássico de família a chamada família patriarcal, a qual se caracterizava por ser ligada mediante laços matrimoniais e amparada na consangüinidade, contudo, tal modelo já não subsiste como única espécie de formação familiar, visto que, com o avanço das técnicas científicas referente à reprodução humana, proporcionou-se a diversidade social e jurídica da família, especialmente através da chamada inseminação artificial.59 Assim, é necessário ressaltar que a reprodução assistida na modalidade heteróloga pode ser sim, considerada como um dos meios aptos a formar uma família, já que é capaz de dar origem a laços de filiação socioafetiva. Além do mais, as reproduções assistidas consagraram, juntamente com a adoção, a verdade afetiva da filiação. E conforme o artigo 1.597, inciso V do Código Civil de 2002: ―Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do cônjuge.‖60 Essa autorização prévia de que trata o referido artigo constitui a manifestação do consentimento do cônjuge. Logo, verifica-se o surgimento de novos laços familiares, agora, socioafetivos, entre o indivíduo resultante da inseminação artificial heteróloga e o casal que se utilizou de tal técnica.
3 OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS Antes de adentrar no tópico que trata do direito à identidade genética e ao anonimato é necessário se fazer um estudo sobre os direitos fundamentais e suas garantias. Assim, tem-se que direitos fundamentais e suas garantias são aquelas posições jurídicas que dão ao ser humano um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescritíveis a assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna na vivencia em sociedade e no âmbito individual. 61 Ou seja, os direitos fundamentais, nada mais são do que aqueles direitos que concretizaram o respeito à dignidade da pessoa humana e as garantias existem para amparar e efetivar esses direitos. Sabe-se que os direitos humanos fundamentais possuem várias dimensões de estudo, entretanto para o presente assunto é necessário saber apenas que os direitos de quarta dimensão são os que englobam os direitos relacionados com a biotecnologia. Ademais, não se pode olvidar que a relativização de um direito fundamental em relação a outro só existe para realizar a concordância entre eles.
3.1 COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À IDENTIDADE GENÉTICA DO CONCEBIDO E AO ANONIMATO DO DOADOR Primeiramente é preciso entender que enquanto duas regras não podem existir concomitantemente, quando conflitantes e contraditórias, dois princípios colidentes, podem coexistir normalmente sem se invalidarem. 58
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. SPODE, Sheila; SILVA, Tatiana Vanessa Saccol da. O direito ao conhecimento da origem genética em face da inseminação artificial com sêmen de doador anônimo. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 3, nov. 2007. Disponível em: <http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v2n3/a23.pdf>. Acesso em: 17 set. 2011. 60 BRASIL. Código Civil. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011. 61 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. atual e ampl. Salvador: Juspodivm, 2011. 59
38
Diante desse impasse Rebert Alexy62 e Ronald Dworkin63 propõem soluções para esses conflitos. Segundo os autores para solucionar um conflito de regras ou se inclui uma cláusula de exceção em uma das regras ou se declara a invalidez de uma delas. No Conflito de princípios a solução está no Sistema de pesos e contrapesos onde o princípio de peso maior sobressai em relação ao de peso menor. Portanto, o conflito de regras se daria na dimensão da validade e o conflito de princípios na dimensão do peso. Diante disso, é necessário se observar de onde decorrem os respectivos direitos à identidade e ao anonimato. Assim tem-se que o direito à identidade genética decorre dos direitos de personalidade e o direito ao anonimato do doador decorre dos direitos à intimidade e privacidade e, por sua vez, esses dois direitos, à identidade e ao anonimato são corolários do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, vale ressaltar que a identidade genética é o bem jurídico fundamental do homem, pois decorre das manifestações essenciais da personalidade humana e como vimos está associada ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 64 O anonimato do doador por sua vez decorre da proteção à intimidade e privacidade da pessoa. Portanto, por esses direitos serem direitos fundamentais, no caso de conflito entre eles deve-se aplicar a mesma solução utilizada para conflito entre princípios, pois, por serem direitos fundamentais não poderão ser excluídos ou simplesmente declarados inválidos em caso de conflito.
4 A RELATIVIZAÇÃO DO ANONIMATO DO DOADOR DE MATERIAL GENÉTICO COMO CONSEQUÊNCIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA Em primeiro lugar não se pode ver o direito ao anonimato do doador como um preceito absoluto. Ademais a Constituição Federal de 198865 consagrou o princípio da igualdade entre os filhos, e nesse sentido, o filho concebido a partir da inseminação heteróloga possui o mesmo direito ao conhecimento da sua origem genética que os demais filhos. Assim, com relação a relativização do direito ao anonimato do doador há várias correntes doutrinárias, mas a posição adotada nesse trabalho é a corrente intermediária defendida por Guilherme Calmon Nogueira da Gama 66 e Belmiro Pedro Welter67, que afirma que a sociedade não poderá ter acesso às informações que constam nos registros médicos e nos bancos de gametas, salvo a própria pessoa concebida quando alcançar a maioridade. O art. 27 do ECA dispõe que o reconhecimento do estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.68 Os argumentos para uma possível investigação ficarão limitados à três segundo essa corrente: a) necessidade psicológica do concebido; b) para afastar a ocorrência casamentos consanguíneos; e c) para evitar ou prevenir graves doenças hereditárias.
62
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. DWORKIN apud RUY, Fernando Estevam Bravin. Conflitos entre princípios e regras. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12034/conflitos-entre-principios-e-regras>. Acesso em: 27 ago. 2011. 64 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; THIESEN, Adriane Berlesi. O direito de saber a nossa história: identidade genética e dignidade humana na concepção da bioconstituição. 2010. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/307/230> Acesso em: 24 ago. 2011. 65 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 66 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 67 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 68 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 25 out. 2011. 63
39
4.1 ANÁLISE DA RESOLUÇÃO Nº 1.957/2010 DO CFM Para explicar por que o direito ao anonimato do doador não deve ser entendido como um preceito absoluto é imperioso que se faça uma análise da Resolução nº 1.957/201069 que revogou a Resolução nº 1.358/9270 do CFM. Tem-se, contudo, que, apesar dessa nova resolução ter revogado a antiga, ela continuou omissa quanto a garantir o direito ao concebido de conhecer da sua origem genética, ao prever somente que é vedado o conhecimento da identidade do doador de material genético pelos receptores e vice-versa. Assim, por tratar-se de uma resolução do CFM, não constitui norma cogente, contendo apenas normas éticas a serem seguidas pela classe médica, conforme Resolução nº 1.753/2004 71, que institui o regimento interno do CFM, o que reforça o pensamento de que o direito ao anonimato do doador não deve ser considerado um preceito absoluto.
5 O USO DA ANALOGIA NO ESTUDO DAS CONSEQUÊNCIAS DA RELATIVIZAÇÃO DO ANONIMATO COM AS CONSEQUÊNCIAS DA ADOÇÃO Diante do estudo verificou-se que a reprodução assistida heteróloga constitui um terceiro gênero de filiação, pois, não resulta nem da relação sexual nem da adoção. Além do que a reprodução heteróloga juntamente com a adoção consagram a verdade afetiva da filiação. Não se pode esquecer o direito brasileiro não possui nenhum tipo de restrição quanto ao conhecimento da ascendência biológica por parte do filho adotado, e se na adoção há o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus pais biológicos, permanecendo apenas os impedimentos matrimoniais; na reprodução assistida heteróloga, de forma análoga, haverá também o desligamento dos vínculos de filiação entre o concebido e a pessoa que figurou como doador de material genético, ficando ressalvados apenas os impedimentos matrimoniais. Logo, na reprodução assistida heteróloga quando for relativizado o direito ao anonimato do doador e aplicado o direito do concebido ao conhecimento da sua origem genética, não haverá riscos quanto a constituição de novos vínculos de filiação com o doador, pois a paternidade será reconhecida àquele que não forneceu seu material genético para a fertilização e o terceiro que doou seu material não será considerado pai permanecendo sempre na qualidade de doador não possuindo nenhum vínculo com a criança resultante de tal técnica. Assim, mesmo sendo o genitor, a ele não será reconhecida a paternidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, diante do exposto, e por todo o estudo feito, ressalta-se e reafirma-se que não haverá riscos de constituição de novos vínculos de filiação com o doador pelo fato deste, no momento em que realizou a doação, ter manifestado sua vontade de apenas doar o seu material genético, não assumindo qualquer obrigação relativa à paternidade, por isso, não poderá ser estabelecido nenhum vínculo jurídico de filiação entre o doador e a pessoa concebida a partir da reprodução heteróloga, tendo em vista a estabilidade das relações familiares e do melhor interesse da criança.
69
Disponível
em:
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.358/1992, de 19 de novembro de 1992. Disponível <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm>. Acesso em: 17 set. 2011. 71 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.753/2004, de 07 de outubro de 2004. Disponível <http://portal.cfm.org.br/images/stories/documentos/resolucaocfmn17532004regimentocfm.pdf>. Acesso em: 25 out. 2011.
em:
70
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.957/2010, de 15 de dezembro <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm>. Acesso em: 17 set. 2011.
de
2010.
em:
40
REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. atual e ampl. Salvador: Juspodivm, 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Metodologia científica aplicada ao direito. São Paulo: Thomson: Learing, 2002. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. BRASIL. Código Civil. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 25 out. 2011. BALAN, Fernanda de Fraga. A reprodução assistida heteróloga e o direito da pessoa gerada ao conhecimento de sua origem genética. 2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2544/A-reproducao-assistidaheterologa-e-o-direito-da-pessoa-gerada-ao-conhecimento-de-sua-origem-genetica>. Acesso em: 10 jun. 2011. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.358/1992, de 19 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm>. Acesso em: 17 set. 2011. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.753/2004, de 07 de outubro de 2004. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/stories/documentos/resolucaocfmn17532004regimentocfm.pdf>. Acesso em: 25 out. 2011. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução nº 1.957/2010, de 15 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm>. Acesso em: 17 set. 2011. RUY, Fernando Estevam Bravin. Conflitos entre princípios e regras. 2007. Disponível <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12034/conflitos-entre-principios-e-regras>. Acesso em: 27 ago. 2011.
em:
SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; THIESEN, Adriane Berlesi. O direito de saber a nossa história: identidade genética e dignidade humana na concepção da bioconstituição. 2010. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/307/230> Acesso em: 24 ago. 2011. SPODE, Sheila; SILVA, Tatiana Vanessa Saccol da. O direito ao conhecimento da origem genética em face da inseminação artificial com sêmen de doador anônimo. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 3, nov. 2007. Disponível em: <http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v2n3/a23.pdf>. Acesso em: 17 set. 2011.
41
O EFEITO JURÍDICO DA CONDUTA PATOLÓGICA DO AGRESSOR NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NA RELAÇÃO CONJUGAL Clívia Santana da SILVA (FIBRA) A importância científica do estudo sobre o efeito jurídico da conduta patológica do agressor na violência doméstica contra a mulher na relação conjugal implica no desenvolvimento da estrutura cíclica, do comportamento do agressor e da vítima neste tipo especial de conflito social e da discussão sobre as condutas patológicas do agressor caracterizadas pelo narcisismo perverso, obsessão, paranóia, boderline e psicopatia. O debate foi construído mediante uma abordagem pelo método teórico-dedutivo, com pesquisa bibliográfica, partindo da premissa de que as relações conjugais baseadas em disputas internas de poder entre cônjuges, com dominação do marido sobre a esposa, constroem dentro da estrutura familiar uma situação de subordinação entre os sexos opostos. A segunda premissa permite afirmar que o perfil da personalidade de cada pessoa pode condicionar seu comportamento na relação conjugal com maior tendência a prática de violência doméstica. Em conclusão, observa-se que a conduta do marido que pratica violência contra a esposa, em razão de alguma patologia psicológica, resulta na aplicação de medida de segurança como solução jurídica punitiva do conflito. Palavra-chave: Violência conjugal, Estrutura cíclica, Patologia, Medida de segurança.
1 A violência de gênero contra a mulher na relação conjugal A violência de gênero encontra-se fundamentada em uma relação de poder desigual entre homem e mulher, na qual uma das partes de sexo oposto a outra faz prevalecer seus interesses dentro da estrutura familiar. Para analisar esta relação de poder é necessário conhecer os componentes do modelo vertical, com as seguintes características: Modelo rígido e inamovível que outorga maior poder aos membros do sexo masculino dentro de cada nível hierárquico da estrutura familiar; o marido impõe seu poder por meio de valores e se apresenta como provedor nas relações sociais públicas; o homem exerce seu poder com menor compromisso emocional e de forma independente da aprovação dos demais membros; a mulher assume seu papel com autoridade subordinada, de genitora e procriadora; o marido tem a função de corrigir a mulher em suas falhas, completando a educação dos filhos, atuando como um juiz sobre os assuntos relevantes da família; a relação tradicional autoritária com uma tendência maior para a prática de abusos físicos e psicológicos do homem contra mulher. Grosman72 defende que homem e mulher se igualam em suas necessidades humanas essenciais e desenvolvem no seu ciclo vital sentimentos positivos ou negativos que se intensificam no seio das relações familiares mais complexas. Na relação vertical a interação entre insatisfação e impotência pode gerar uma sensação de violência ampliando a desigualdade da relação de gênero em diferentes graus de risco, com procedimento baseado no controle e na intolerância, manifestada em diversas etapas, com ciclos definidos de maneira repetitiva.
2 A estrutura cíclica da violência conjugal Algumas relações violentas podem se apresentar por meio de uma estrutura cíclica, de maneira repetitiva, na qual o perigo para a vítima aumenta em cada uma das quatro etapas. A primeira fase de tensão e hostilidade, normalmente, ocorre em razão das preocupações e dificuldades da vida cotidiana. Na fase de agressão o homem domina a esposa pela força física, como forma de liberar a energia negativa acumulada, provocando-lhe lesões e sentimento de impotência e tristeza. Normalmente, a mulher vitimizada não reage, por se sentir indefesa e culpada pelo domínio de seu companheiro, considerando a submissão como única solução adequada.
72
GROSMAN, .......p 63.
42
Na fase de desculpas o homem é capaz de pedir perdão para minimizar seu comportamento, demonstrar arrependimento e prometer que não repetirá tal atitude somente para convencê-la a aceitar sua dominação e culpá-la pela violência. A última fase é a reconciliação, quando o homem se propõe a proporcionar à vítima uma pseudo lua-de-mel, caracterizada por atitudes agradáveis, apresentando uma mudança pontual de comportamento. O efeito dessa fase sobre a vítima segundo Hirigoyen73 ocorre da seguinte forma: [...] Durante esta fase, las mujeres recuperan la esperanza, ya que vuelven a encontrar al hombre encantador que supo seducirlas cuando se conocieron. Piensan que van a curar a esse hombre harido y que, con amor, cambiará. Por desgracia, esto no hace más que alimentar la esperanza en la mujer y incrementa, de este modo, su umbral de tolerancia a la agresión. Por lo general, retira la denuncia en este momento. Mientras que el miedo que siente durante el período agresivo podría darle ganas de acabar con esa situación, el comportamiento de su compañero, durante la fase de contrición, la incita a quedarse. De manera que el ciclo de violência puede volver a empezar...
Quando se inicia o ciclo, somente o próprio homem pode interrompê-lo, salvo quando a mulher consegue forças para reagir, pedindo a intervenção de terceiros. O procedimento cíclico de violência conjugal envolve em cada etapa diversas espécies de violência que se alternam ou se conjugam de modo repetitivo como um movimento espiral acelerado pelo tempo, com intensidade crescente. A última fase é o momento em que a mulher está em risco de continuar a sofrer violência porque o sentimento de remissão que prevalece nela faz parecer normal e justificada a conduta violenta de seu companheiro.
3. Análise comportamental do agressor e da vítima na violência conjugal A análise do comportamento do agressor e da vítima na relação conjugal é importante, porque a própria conduta de um ou de outro na vida cotidiana do casal, pode favorecer ao início, ao incremento ou a continuidade do conflito, dificultando a interrupção do ciclo da violência na convivência conjugal. Na hipótese de cônjuges potencialmente violentos e manipuladores é provável que seja fácil para eles detectar, independente da personalidade de cada um, a vulnerabilidade do outro pela observação da própria relação conjugal e, a partir disso, iniciar o processo de domínio. É preciso lembrar que, desde a escolha do parceiro, no princípio da relação, os cônjuges já preparam o ambiente para desenvolver o amor, o respeito ou a dominação. Então, Hirigoyen74 alerta para o cuidado no momento de realizarmos a análise do comportamento do casal envolvido na violência conjugal, para não imputar unicamente à vítima-mulher a responsabilidade de criar seu próprio algoz e vice-versa. Na verdade devemos observar a violência partindo do pressuposto de que ela independe do sexo, pois existem mulheres e homens violentos capazes de utilizar os instrumentos de poder de igual forma na relação conjugal. Fatores internos e externos podem se associar para incrementar o ciclo de violência na relação conjugal, considerando as teorias que discutem a personalidade. Por isso conhecer o funcionamento da estrutura psíquica de cada um dos integrantes da relação conjugal pode ajudar a mulher a se defender melhor e prevenir certos tipos de violência com conseqüências mais graves como o homicídio e evitar os efeitos psicológicos irreversíveis como as psicoses. Há determinadas pessoas com perfis psicológicos que são mais propícios à prática de crimes violentos e fatais do que outros. Homens e mulheres com estrutura psicológica semelhante são capazes de desenvolver o mesmo nível de violência, com a possibilidade de se expressarem de modo igual ou diferente. Assim, seguindo o ensinamento de
73 74
HIRIGOYEN, Marie-France. Mujeres maltratadas: los mecanismos de la violência em la pareja. Bueno Aires: Ed. Paidós, 2008, p 52. Op cit, p. 66.
43
Hirigoyen75, preferimos estudar o perfil geral de homens e mulheres violentos e apresentar a descrição de alguns perfis de personalidade particulares, que não constituem necessariamente patologias psiquiátricas. Descrever como os homens e as mulheres casados apresentam seu comportamento, seus sentimentos e como escolhem suas vítimas na relação conjugal, requer inicialmente uma abordagem sobre o aspecto da vulnerabilidade. A vulnerabilidade de alguém pode ser observada, pelo menos, por dois ângulos: a) o social, relacionado aos estereótipos de inferioridade da mulher inerentes ao sistema instalado na comunidade e; b) o psicológico, que pode se expressar por uma série de sentimentos como autoconfiança; auto-estima; medo de abandono e fracasso; inveja; angústia; depressão; podendo se expressar ainda, por meio de comportamentos relativos à forma de compreender, dominar, condicionar, se adaptar as relações conjugais, etc. Apesar do modelo de família sofrer mudanças na dimensão tempo e espaço, ainda se percebe a predominância do modelo vertical. Sobre as mudanças ocorridas no sistema familiar contemporâneo Hirigoyen 76 afirma que Durante este siglo, hemos presenciado cambios profundos em las relaciones entre hombres y mujeres, pero los estereotipos perduran. Aún ahora, mientras la paridad va instalándose progresivamente em la sociedad, se continúa percibiendo a los hombres como activos y dominantes, y las mujeres como pasivas y sumisas. Las madres contribuyen a alimentar estos estereótipos educando a sus hijos para que sean fuertes, valientes, para que no lloren, dejen a un lado su sensibilidad y sus emociones, mientras que enseñan a las hijas a ser dulces, amables, comprensivas y a centrarse en las necessidades de los demás. Además, en el plano profesional, se atribye a las mujeres, mayoritariamente, roles de cuidado. A pesar de la anticoncepción y el aborto, la misión de las mujeres sigue siendo la reproducción de la espécie y la protección del hogar. No sorprende que, confinadas desde hace siglos en la esfera privada, aún tarden en afirmarse y poner fin a su sumisión.
Apesar de ter independência, a mulher ainda reproduz o modelo de educação tradicional para suas filhas porque ela mesma não aprendeu a confiar em seus sentimentos e filtrar os autênticos perigos da violência conjugal. Segundo Bourdieu77, a condição social da mulher se deve à forma como a sociedade constrói o corpo enquanto realidade sexual, como impõe uma visão mítica sobre a relação homem-mulher e apresenta uma divisão sexual do trabalho. Esses fatores contribuem para a incorporação da dominação masculina como um fato natural, porque o aspecto biológico do corpo masculino e feminino acaba determinando a distribuição das tarefas cotidianas entre homem e mulher na estrutura social, familiar e conjugal. Isto significa que, no modelo vertical de família, algumas atividades são típicas do homem, como o trabalho profissional, procriação pela germinação da mulher, enquanto outras são apropriadas para as mulheres, como a procriação pela gestação, cuidado com o lar, etc. Em consequência, Bordieu
78
considera que essa ideia de definição social do corpo, que designa a posição
simbolicamente dominante do homem, constitui uma representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social que se encontra investida de objetividade dentro do senso comum, entendido como consenso prático. Para Bordieu79 a própria mulher contribui para o esquema de dominação masculina quando reproduz nas suas relações a ordem simbólica acima descrita. Assim, nos deparamos com o que Bordieu80 denomina de violência simbólica, quando as mulheres aprendem a desempenhar o papel que as desvaloriza, conforme se observa a seguir:
La domination masculine trouve ainsi réunies toutes les conditions de son plein exercise. La préséance universellement reconnue aux homes s‘affirme dans l‘objectivité des structures socials et des activités productives et reproductives, fondées sur une division sexuelle du travail de production et de reproduction biologique et sociale qui conferee à l‘homme la meilleure part, et aussi dans les schemes immanentes á tous les habitus: façonnés par des conditions semblables, donc objectiviment accordés, ils fonctionnent comme
75
Op cit., p 57-130. Op Cit., p 59. BOURDIEU, Pierre.La domination masculine. Editions du Seuil, 1998, p 24-25. 78 Op cit, p. 53. 79 Op cit, p. 54. 80 Op cit, idem. 76 77
44
matrices de perceptions, des penssés et des actions de tous le membre de las société, transcendantaux historiques qui, étant universellement partagés, s‘imposent à charque agent comme transcendants. En consequence, la représentation adropocentrique de La reproduction biologique et de la reproduction sociale se trouve investie de l‘objectivité d‘un sens commun, entendu comme consensus pratique, doxique, sur le sens des pratiques. Et les femmes elles-mêmes appliquent à toute réalité, et, en particulier, aux relactions de pouvoir dnas lesquelles ells sont prises, des schèmes de pensée qui sont le produit de l‘incorporation de ces relations de pouvoir et qui experiment dans les oppositions fondatrices de l‘ordre symbolique. Il s‘ensuit que leurs actes de connaissance sont, par là même, dês actes de reconnaissance pratique, d‘adhésion doxique, croyance qui n‘a pás à penser et à s‘affirmer em tant que telle, et qui ―fait‖ em quelque sorte la violence symbolique qu‘elle subit.
O estereótipo da mulher frágil, emotiva e vitimizada lhe proporciona certa facilidade social, com legislação especial, preferência na guarda de filhos com garantia de pagamento de pensão alimentícia em caso de separação, preferência na rede pública e privada de atendimento, programas sociais específicos e outros. Assim, algumas mulheres se identificam com o referido estereótipo por comodidade e se sentem protegidas, mesmo dentro de uma relação conjugal violenta, preferindo se submeter a se libertar. O perfil psicológico da mulher e do homem são fatores internos, extremamente, importantes para minimizar ou potencializar o risco de existir violência na relação conjugal. Assim, é possível distinguir em certos casais traços característicos da personalidade ou do comportamento da pessoa que indicam sua tendência para a obsessão, a possessão, a dominação e o autoritarismo. Estes devem ser fatores negativos preponderantes para a exclusão dessa pessoa para exercer o papel de cônjuge. Uma mulher com perfil solidário, que manifesta grande necessidade de ajudar, reparar e proteger pode eleger um companheiro que necessite de atenção extrema, exigindo dedicação exclusiva, mimos, como se ele fosse um fim em si mesmo, o centro da vida da sua companheira. Do mesmo modo, um homem dominador pode escolher uma esposa imatura, carente e dependente, que também necessita de atenção extrema. Vale lembrar que esses traços psicológicos não constituem necessariamente uma patologia. Há pessoas consideradas normais, cujo perfil psicológico as predispõe ao conflito conjugal. Mulheres carentes de afeto na infância escolhem homens de personalidade forte, porque acreditam que só podem amar homens difíceis, crescem com pouca auto-estima e se situam na relação conjugal em posição de submissão, a ponto de aceitarem a violência de seu companheiro como uma fatalidade inevitável e sem solução. Neste tipo de relação conjugal as mulheres não se consideram dignas de ser amadas e se dispõe a toda sorte de renúncias para ter direito a se casar e ter uma família. O homem com perfil psicológico manipulador sabe detectar a vulnerabilidade psicológica da mulher, reclamando o instinto protetor de sua companheira para seduzi-la. Para isso, é capaz de contar-lhe histórias sobre suas dificuldades de relacionamento com os pais na infância, abusos no ambiente de trabalho ou maus-tratos de uma companheira anterior. Tudo isso para realizar o que Hirigoyen81 chama de ―engate‖ necessário para iniciar o processo de dominação. Este engate se mantém pela configuração da própria relação conjugal. O processo de dominação na relação conjugal se desenvolve em dois tempos 82: a) inicia pela sedução destinada a fascinar a vítima, paralisando e eliminando sua defesa; b) termina pela destruição, mediante estratégias sutis de persuasão, manipulação e coerção. Nesta última fase o dominador pode utilizar técnicas comportamentais; técnicas emocionais e; técnicas cognitivas; também denominadas de lavagem cerebral ou persuasão coercitiva, que resultam no condicionamento social e relacional da vítima. O processo de domínio produz modificações na consciência da vítima, colocando-a em uma espécie de estado de paralisação forçada. Hirigoyen83 explica que a influência do agressor sobre a vítima atinge o nível
81 82
Op cit, p 69. HIRIGOYEN, op cit, p. 73.
45
cerebral produzindo dissociação pela desconexão entre o neocórtex e o cérebro reptiliano, comprometendo as funções de aprendizagem e conhecimento. Sobre o processo de dissociação Hirigoyen84 esclarece: La disociación es un proceso inconsciente por el cual determinados pensamientos se separan (se disocian) del resto de la personalidad y funcionan de modo independiente. Es esos casos, la victima se convierte em observador externo de la agresión que está sufriendo. Es um médio eficaz de supervivência para no perder el juicio, uma estratégia pasiva cuando se tiene la sensación de que no existe ninguna salida possible. Ante um acontecimiento traumático inimaginable, el psiquismo no tiene más recurso que deformalo u ocultarlo. La disociación opera la separación entre lo soportable y lo insoportable que se borra. Filtra la experiência vivida y, de este modo, crea um alivio y una protección parcial contra el miedo , el dolor o la impotencia.
A dissociação conduz a vítima ao esquecimento dos acontecimentos traumáticos, podendo levá-la a ignorar todo o seu passado. Isto ocorre porque os eventos dolorosos não são bem fixados pela memória. O grande problema para a saúde da vítima ocorre quando a dissociação a conduz para um estado de despersonalização com falta de reação sensitiva e afetiva ou sentimento de perda de controle dos atos. À modificação da consciência da vítima de violência conjugal devem concorrer três etapas 85: efracção, atenção e programação. Este processo permite ao cônjuge controlar a vítima fragilizando-a psicologicamente, ativando nela determinado comportamento que a faça reviver experiências desagradáveis, de temores anteriores, a fim de que atue como o dominador pretende. Na etapa de efracção ocorre uma verdadeira intrusão mental, com a ―colonização‖ da mente da vítima, pois o dominador penetra em seu território psíquico, fulminando seus limites, ao ponto de pensar pelo outro ou entrar no corpo do outro, ocasionando agressão física. Temos nesta hipótese, homens que vigiam o tempo ocioso de sua companheira, revelam seu segredo e intimidade, invadem seu pensamento. Na etapa seguinte se capta a atenção e a confiança da vítima com o fim de privá-la de seu livre arbítrio sem permitir que ela tenha consciência disso. É o que ocorre quando o cônjuge anuncia a prática de uma ação violenta, seguida de mensagens tranqüilizadoras. A fase de programação o sujeito dominador busca condicioná-la para manter em todo momento a influência sobre ela, manipulando-a, inclusive, à distância. A técnica comportamental aplicada contra a vítima na violência conjugal consiste em isolá-la do meio social; controlá-la pela vigilância; submetê-la ao estado de dependência econômica e; finalmente, debilitá-la física e psicologicamente. A técnica emocional corresponde à manipulação verbal e a chantagem, com utilização de argumentos que variam de acordo com o perfil psicológico do sujeito. Trata-se de um mecanismo eficaz para provocar na mulher um estado de insegurança e confusão. A técnica cognitiva é exercida pelo controle da linguagem e da comunicação. Basta distorcer os discursos no sentido de situar a pessoa em posição de impotência. Normalmente se obtém a vulnerabilidade da vítima expondo suas referências interiores, estimulando, por exemplo, seu narcisismo. Mensagens contraditórias também ajudam a provocar na vítima confusão, seguida de esgotamento psicológico e renúncia a exercer a capacidade crítica. A instalação de domínio ocorre devido a essa comunicação perversa, que pode transmitir a falsa ilusão de comunicação, viabilizando o condicionamento social da vítima por meio dos seguintes procedimentos estereotipados: a) rejeitar a comunicação direta, utilizando-se de mensagens sublineares, sem responder as perguntas formuladas pela vítima; b) deformar a linguagem, aplicando-se uma forma de comunicação vaga e imprecisa capaz de desestabilizar e culpabilizar a vítima; c) mentir, como forma de esquivar-se de confronto direto, 83 84 85
Op cit, p. 77. Op cit, idem. HIRIGOYEN, op cit, p. 75.
46
criando intrigas para evitar responsabilidade sobre a verdade; d) manejar o sarcasmo, escárnio e o desprezo para criar um ambiente desagradável; e) desestabilizar, semeando a dúvida com mensagens contraditórias que induza a vítima a se desqualificar; f) desqualificar, privando a vítima de razão sobre o que diz ou pensa. Há outra forma de condicionamento relacional da vítima quando se aplica uma espécie de adestramento. Trata-se de uma impotência aprendida relacionada à diminuição da capacidade cognitiva da mulher para encontrar soluções para seus problemas, além de bloquear seu desejo de romper a situação de violência vivida. A mulher condicionada não se sente capaz de antecipar ou controlar a violência de seu companheiro porque não sabe o motivo e o momento desencadeador da tensão na relação matrimonial. Ela sequer tem consciência de que o ciclo de violência se movimenta para retirar-lhe a motivação, causar-lhe sentimento de incompetência, vulnerabilidade ou depressão vinculado com o trauma emocional. Na verdade a impotência aprendida constitui um mecanismo de defesa da mulher vítima de violência conjugal que não consegue se libertar da relação abusiva 86. A vítima aparentemente se submete ao cônjuge violento para adaptar-se a relação e sobreviver, pois acredita que a resistência e oposição frontal podem ampliar a violência. A impotência aprendida da mulher vitima de violência não se confunde com o poder aprendido do homem violento87. Nossa sociedade enfatiza a virilidade masculina, exigindo dos homens eficácia e êxito em tudo. Isso impõe ao homem a condição de ser o melhor e para tanto a sociedade lhe concede ampla liberdade de fazer qualquer coisa e usar todos os recursos para consegui-lo. Com o pretexto da competitividade em uma sociedade de resultados e individualista, se espera a agressividade do homem em certas circunstâncias. O poder aprendido está relacionado ao estereótipo do homem poderoso e isso se torna um fardo pesado para alguns deles. Assim, o único modo de se liberar do estereótipo e ocultar a debilidade masculina é exatamente usar a violência para subordinar na relação conjugal a mulher enquanto pessoa mais frágil na família. Isso gera uma grave conseqüência quando a mulher na sociedade moderna se apresenta na família como um membro forte e passa a agir como chefe do grupo familiar, gerando uma inversão dos papéis na relação conjugal. Isto porque alguns homens sentem inveja do sucesso das mulheres, medo e insegurança de perder a masculinidade nas relações mais paritárias, pior ainda quando a mulher se apresenta como dominadora e autoritária. Segundo Hirigoyen88 ―[...] Algunos hombres pueden vivir la asunción de autonomia de las mujeres como uma desposesión, uma perdida de poder, pero también como uma perdida de valor personal y, em consecuencia, de autoestima‖. Outros mecanismos de adaptação surgem de acordo com as circunstâncias e a forma de violência. Assim, a intensidade e a freqüência do comportamento violento podem criar na vítima reação de surpresa e incredulidade quando se apresentam por meio de uma agressão leve e inesperada. Já na violência habitual e extrema pode provocar na vítima uma alteração de consciência, com desorientação e paralisia. A mulher pode ainda se adaptar à violência conjugal pelo fenômeno da adição que se explica por meio da dependência e da culpabilização, criadas para evitar sofrimento e obter sossego na relação. A mulher adere ao companheiro, pensando que a violência ocorre porque não soube satisfazê-lo. A descrição do comportamento do casal na relação conjugal pode configurar uma violência cíclica, que ocorre de forma ocasional e efêmera ou habitual e duradoura, praticada por pessoas consideradas normais, mas portadoras de perfil psicológico violento. Isso não descarta a existência de alguns perfis de personalidade particulares caracterizadores de patologias. Tal distinção é relevante no aspecto jurídico para definir a responsabilidade dos sujeitos envolvidos na relação conjugal.
86 87 88
HIRIGOYEN, op cit, p 81. Ibidem, op cit,p 101. Op cit, p. 102.
47
Para cada perfil psicológico particular existe uma espécie de violência: a) impulsiva, onde o sujeito tem dificuldade de controlar suas emoções e; b) instrumental, onde as condutas agressivas se efetuam friamente, com intenção de ferir. Nesse contexto, há pessoas com personalidade narcisista que são impulsivas. A violência impulsiva também pode ser praticada por pessoas portadoras de patologia como os psicopatas e os boderlines. Do mesmo modo há a violência instrumental praticada pelos perversos narcisistas. Por fim, não podemos deixar de mencionar a existência de pessoas portadoras de personalidades rígidas, como os obsessivos e paranóicos 89.
4 Comportamentos patológicos na relação conjugal O comportamento patológico de um casal certamente é um fator importante para potencializar o risco de violência na relação conjugal. Difícil é definir em que momento o conjunto de traços característicos da personalidade e a intensidade de sua influência sobre a conduta cotidiana das pessoas configuram um transtorno e uma patologia. Hirigoyen90 apresenta uma classificação de personalidades antisociais, começando sua descrição pelo grupo dos psicopatas. Ressalta como estes são incapazes de se adaptar as normas sociais, costumam ter problemas com a justiça, sendo violentos no ambiente interior e no exterior da relação matrimonial. As características mais marcantes no comportamento do psicopata são: rigidez de suas atitudes; insensibilidade a dor; aparentam serem os mais fortes em seu meio social; desconfiam de suas emoções, considerando os sentimentos ternos e cordiais sinônimo de fraqueza. Utilizam o engodo contra o outro para obter proveito ou prazer; têm dificuldade para assumir um emprego e uma relação pessoal estável ou saldar dívidas. No plano psicopatológico destacam-se também os boderlines ou pessoas em estado limítrofe com: personalidade neurótica ou psicótica; vivência em crise existencial; impulsividade; reações emocionais intensas e instáveis, com mudança imprevisível de humor; tensão interna por meio de ações destrutivas e agressivas; dupla personalidade sendo encantadores na fase de sedução, mas se tornam aterrorizantes na fase de domínio e da instalação do ciclo de violência conjugal. O narcisista perverso apresenta comportamento compulsivo, caracterizando-se como uma pessoa tranqüila e fria, com controle permanente da situação. Na fase de sedução do ciclo de violência escolhe sua esposa pelo desejo ansioso de se apropriar do que ela possui. Alimentam-se da energia positiva das vítimas seduzidas e ao mesmo tempo descarregam nelas sua energia negativa. Por isso escolhem mulheres fortes, plenamente capazes, cheias de vida, economicamente estáveis, com patrimônio consolidado, como se desejassem se apropriar de sua força ou quisessem obter vantagem financeira. Existem ainda pessoas dotadas de personalidades rígidas como os obsessivos e os paranóicos: a) os obsessivos são perfeccionistas, conformistas e respeitosos com as convenções morais e as leis, porém tem dificuldade de relacionamento interpessoal, em razão de seu perfil exigente, dominador, egoísta, avarento e intolerante em relação à singularidade do outro; b) os paranóicos são sujeitos reservados e arredios a aproximação de outros; meticulosos, perfeccionistas, exigentes, dominadores; tem a permanente impressão de perseguição, por isso reprime seus sentimentos para defender-se dos demais; é covarde, não ataca pessoas mais fortes fora do lar; não suporta o bom humor ao seu redor; desconfia da fidelidade da esposa sem justificativa e apresenta a chamada ―paranóia conjugal‖91, que se manifesta pelos zelos mórbidos tendentes a controlar o tempo e o espaço do cônjuge.
89 90 91
HIRIGOYEN, op cit, p. 108. Ibidem, op cit, p 110. HIRIGOYEN, op cit, p 127.
48
Tais traços comportamentais do obsessivo o levam a pratica de crime psicológico como o assédio sexual ou aqueles que não deixam lesões aparentes, enquanto o paranóico indica uma tendência para a prática de crimes violentos, como o homicídio e ao exercício do assédio por intrusão após a separação conjugal 92. Qualquer que seja o comportamento ou perfil psicológico do marido criminoso, compete ao juiz, na solução do conflito, aplicar a melhor medida sancionatória ao caso concreto.
5 Efeitos jurídicos penais da violência conjugal A legislação penal prevê a aplicação de dois tipos básicos de punição para solução dos crimes de violência doméstica: a) para pessoas com patologia, classificadas como inimputáveis, aplica-se medida de segurança de internação, se o crime for punido com reclusão ou tratamento ambulatorial, se o crime for punido com detenção (art. 96 e 97 do Código Penal); b) para pessoas consideradas imputáveis ou semi-imputáveis, aplica-se pena cominada em cada crime praticado, podendo o semi-imputável ter sua pena convertida em medida de segurança, por força do art. 98 do Código Penal. Para os fins penais, imputável ―É a pessoa humana que pratica a figura típica descrita na lei‖ 93, dotada de culpabilidade e passível de sofrer pena em razão de ter consciência de seus atos, enquanto o inimputável constitui pessoa dotada de periculosidade presumida, em razão de perturbação mental proveniente de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, conforme art. 26, caput do Código Penal. Já o semi-imputável configura sujeito que em razão de perturbação psíquica temporária, não era inteiramente capaz de entender o fato ilícito, nos termos do art. 26, parágrafo único do Código Penal. Nos dois últimos casos deve ser aplicado psiquiátrico preventivo, em razão da falta de consciência permanente ou temporária. Segundo o sistema vicariante vigente, compete ao juiz optar de acordo com o perfil psicológico do marido criminoso a adoção de pena ou de medida de segurança para solução jurídico-penal do conflito familiar. Conclusão Em resumo, as personalidades patológicas indicam maior periculosidade para as mulheres vítimas de violência na relação conjugal, podendo ocasionar diversos tipos de ações, desde a agressão física, psicológica a sexual. Assim, podemos afirmar que é importante relacionar a personalidade das pessoas envolvidas no conflito com as condutas agressivas praticadas, para definir qual medida punitiva servirá para melhor solucionar o conflito sob o aspecto jurídico. Desta forma, se o agressor sofrer de patologia, deverá ser submetido à medida de segurança, porém, se a violência decorre somente de fatores comportamentais internos e externos normais, deverá ser submetido à aplicação da pena correspondente ao crime praticado.
92 93
Ibiem, op cit ,p. 129. CAPEZ, Fernando. Direito Penal simplificado: parte geral.15ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 100.
49
OS DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL DIANTE DO PENSAMENTO DOMINANTE DO CAPITALISMO INSTRUMENTALIZADO PELA IDEOLOGIA NEOLIBERAL Luiz Nestor Sodré da SILVEIRA (FIBRA)
Este artigo tem como objetivo trazer reflexões sobre os desafios dos direitos humanos na atual conjuntura da nossa sociedade, analisando as transformações socioeconômicas causadas pelo capitalismo mundial que resultou em uma profunda desigualdade estrutural, agravada pela desvalorização do ser humano diante dos interesses financeiros. Afinal, o pensamento dominante do capitalismo atual, instrumentaliza a ideologia neoliberal para exercer a função social de justificação das transformações que são operadas na vida dos indivíduos pelo poder ofensivo do capital, tornando-o aceitável e entendido como ―normal‖. O resultado disso é a implantação de uma lógica consumista, onde os valores monetários estão acima dos valores relacionados à dignidade da pessoa humana, ou seja, a importância do ser humano está ligada, não ao ser, mas ao ter. Palavras-chave: Direitos humanos, Desigualdade, Capitalismo, Dignidade humana.
INTRODUÇÃO Ao ler a obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman intitulada ―Tempos líquidos‖, deparei-me pela primeira vez com uma incômoda dúvida em relação à efetividade e eficiência dos direitos humanos em uma sociedade onde, nas palavras do antropólogo paraense Romero Ximenes, ―o valor econômico subordina todos os outros valores‖94. Na obra em questão, Bauman orienta que a nação que pretende alcançar a paz precisa administrar a justiça (2007. p.11). Então basta pensarmos um pouco na realidade da sociedade brasileira para percebermos que estamos muito distantes de alcançar a paz que tanto queremos, pois as injustiças fazem parte do nosso cotidiano e entendemo-las como ―normais‖. A afirmação de que o valor monetário subjuga todos os outros valores justifica-se, por exemplo, ao analisarmos que o Brasil é um líder em exportação de alimentos e, ao mesmo tempo, o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) apontam que 11,2 milhões de brasileiros passam fome, ou seja, as pessoas passam fome não por conta da escassez de alimentos, mas porque, simplesmente, não possuem recursos para manter seu sustento. Em outras palavras, a fome é uma consequência do egoísmo e da ambição do homem. A alimentação é um direito de segunda dimensão ou geração95 garantido no artigo 6º da constituição vigente no Brasil. Entretanto, apesar de o Brasil ser autossuficiente na produção de alimentos, existem milhões de cidadãos brasileiros que não gozam do elementar direito de alimentar-se. No caso da saúde, a situação é parecida, os hospitais estão sempre lotados e sem equipamentos, assim muitos morrem sem atendimento. Pessoas que pagam seus impostos, mas não conseguem ter acesso aos cuidados médicos. A corrupção política também é um fator que gera violação de direitos humanos no Brasil. Para exemplificar, imaginemos hipoteticamente que o dinheiro que tinha como destino um hospital público foi desviado por um esquema de corrupção, e a verba desviada estava sendo aguardada para fazer a manutenção da máquina de hemodiálise. A máquina, por não receber a manutenção necessária, parou de funcionar e as consequências disso foram os óbitos de sete seres humanos com insuficiência renal crônica. O direito a vida dessas pessoas foi violado em detrimento da ambição de outras, no caso hipotético indivíduos corruptos. Dessa forma muitos morrem todos os dias. A corrupção política, esse câncer que sufoca o país, impede que crianças tenham acesso à escola, impossibilita
94 95
Trecho de um comentário do professor Romero Ximenes sobre um crime Brutal ocorrido em Belém do Pará. Existe uma discussão sobre esses conceitos entre os estudiosos dos direitos humanos. Um dos motivos é que o termo ―geração‖ supõe uma evolução dos direitos humanos para um patamar imediatamente superior de forma que a versão anterior deixa de existir. Já o termo dimensão, supõe uma continuidade onde existe uma interdependência entre todas as fases, primeira, segunda terceira, quarta e quinta geração.
50
o avanço de projetos sociais importantes para o desenvolvimento humano, causa descrença da sociedade na classe política do país e, como na situação hipotética descrita neste parágrafo, gera morte. Outro aspecto que envolve violações de direitos humanos no Brasil é a questão da terra. Ou melhor, a desigualdade social gerada pela posse da terra, que é um fato histórico no país. Certa vez enquanto estudava, já no curso de pós-graduação em direitos humanos, deparei-me com um documento muito importante, que deveria ser apreciado inclusive por muitos juristas brasileiros adeptos do positivismo da lei, no sentido de acreditar que a letra da lei sempre gera justiça, Trata-se de uma petição da comissão interamericana de direitos humanos à corte interamericana, o caso nº 12.478, também conhecido como o caso ―Sétimo Garibaldi‖, que era o nome de um sem terra que foi assassinado de forma violenta no município de Querência do norte, no estado do Paraná. O documento aponta importantes informações para se compreender a questão da divisão desigual de terra no Brasil. Segundo a petição, apenas 1% da população retém 46% de todas as terras (2007. p.8). Uma das mais injustas do mundo e que viola o direito de acesso à terra. Mesmo existindo leis como a constituição federal e instituições como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a desigualdade é alarmante. Observe que, em todos os exemplos expostos, os valores econômicos subordinam os outros valores, violações ocorrem porque o egoísmo e a ambição dos poderosos os torna cada vez intolerantes para com o seu semelhante. Justamente o que concerne a lógica do capitalismo dissimulado pelo discurso neoliberal, seu principal instrumento. Demostrando que existe um Brasil legal, aquele das normas e garantias avançadas socialmente, e o Brasil real, aquele em que tais leis ainda são apenas letras mortas, sem eficácia em sua aplicação.
AFINAL O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS? Em poucas palavras, direitos humanos são direitos que temos simplesmente por sermos humanos. Além disso, é o único direito que, pelo menos em tese, se aplica absolutamente à todos os indivíduos, em qualquer lugar do mundo. O direito de ser livre, de dizer o que pensa e ser tratado como igual, de viver, de alimentar-se, de estudar entre outros. Atualmente os direitos humanos estão divididos em três gerações ou dimensões. De acordo com a professora Maria Dallari, o que ocorreu foi um processo de aprofundamento e ampliação dos direitos humanos em etapas, onde cada uma dessas etapas convencionou chamar de geração, podemos tranquilamente falar em 3 gerações de direitos humanos. A primeira geração é procedente do liberalismo e consiste em direitos individuais como o direito à liberdade e à vida. Já a segunda geração, que engloba os direitos sociais, culturais e econômicos, provém dos movimentos socialistas e são típicos do século XX, eles aparecem na constituição mexicana de 1917, na constituição de Weimar, de 1919, e no Brasil, na constituição de 1934. Esses direitos são oriundos dos movimentos socialistas e servem para apoiar os da primeira geração ou dimensão. Pois como seria possível um analfabeto exercer o seu direito pleno à livre manifestação do pensamento sem que primeiro tivesse acesso à educação? (2001. p. 8) Da mesma forma, como seria possível desfrutar do direito à vida sem a garantia do direito à alimentação? Ou seja, o direito de segunda geração como a educação e a alimentação são direitos sociais previstos no artigo 6º da nossa constituição, eles surgiram com a função principal de assegurar que todos os seres humanos tenham condições de gozar os direitos individuais de primeira geração como o direito à livre manifestação do pensamento e á vida. Essas duas gerações contêm valores reconhecidos pela declaração das nações unidas de 10 de dezembro de 1948, esses valores reconhecidos exigem, para sua aplicação, a necessidade de ampliação dos princípios nelas contidos. Faz-se necessário o surgimento dos direitos humanos de terceira geração ou dimensão, que se ocupa do direito que todas as pessoas têm de nascer, crescer e viver em um meio ambiente saudável, equilibrado e não contaminado. Os direitos de terceira geração também são conhecidos como direitos ―transgeracionais‖, pois até mesmo os cidadãos que ainda nem nasceram tem sua proteção garantida. Além disso,
51
são direitos que apelam para a união dos povos frente a condições adversas como as guerras, a contaminação e a destruição do meio ambiente. Os direitos humanos de quarta geração ou dimensão são também conhecidos como ―biodireitos‖, pois são referentes á manipulação génetica e os de quinta geração ou dimensão são oriundos da revolução tecnológica e estão relacionados à cibernética e à informática. Portanto o que se observa nesse processo é a evolução do pensamento jurídico inerente à dignidade humana na medida em que novos direitos vão sendo reconhecidos e agregados.
OS DIREITOS HUMANOS CONTEMPORÂNEO
E
O
PENSAMENTO
DOMINANTE
DO
CAPITALISMO
De acordo com a professora Maria Lúcia Barroco 96, é através da ideologia neoliberal que o capitalismo exerce a função social de justificação das transformações operadas na vida social. Para ela o processo de globalização do capital e a implantação de políticas neoliberais têm relação direta com o empobrecimento de algumas classes em detrimento de outra (2011.p. 207). Em outras palavras, é o rico cada vez mais rico e o obre cada vez mais pobre. No Brasil, uma das principais consequências desse processo é a naturalização da violência e da desigualdade social, que é, ao mesmo tempo, gritante e banalizada. Dentro da concepção capitalista a ordem é ―fiquem ricos‖, o consumismo é o ―carro-chefe‖ e a propriedade privada é incorporada pelos indivíduos como símbolo de felicidade e realização pessoal. Portanto o individualismo se expressa fortemente nas relações sociais. Uma das facetas desse processo é o crescimento dos condomínios fechados, casas cercadas por altos muros com cerca elétrica e guardas particulares para garantir a segurança. Sendo que mesmo assim essas ações não são suficientes para se garantir a segurança na sociedade da insegurança, por isso, os grandes empreendimentos agora são os bairros planejados. Tudo para garantir a sensação de segurança pessoal e claro, da família. Até aí tudo bem, mas o problema é que geralmente esse individualismo não permite que se note de forma adequada o que está entorno dessas ―redomas‖. Digo de forma ―adequada‖ porque os que estão no entorno são vistos apenas como uma ―ameaça‖. Porém não são somente nos condomínios que isso acontece, na verdade a sociedade inteira, age de maneira parecida. Os ―malabaristas‖ e ―limpadores‖ de parabrisa que ficam nos cruzamentos, os moradores de rua, inclusive os menores são ignorados até mesmo pelas instituições que deveria os proteger. Eles são os ―invisíveis‖, mas, no discurso do capitalismo eles são pessoas incompetentes que não souberam agarrar as oportunidades, são desgraçados que estão ali porque querem, vivendo a vida que escolheram. No Brasil valorizam-se as pessoas pelo que elas possuem, fomos convencidos de que quem é proprietário de um carro ―zero‖, apenas como exemplo, é mais importante de que aquele que possui um modelo mais antigo ou que anda a pé. Outro aspecto dessa lógica é a desvalorização daqueles que não ―produzem‖ mais, como acontece com os idosos. Neste aspecto, somos diferentes de algumas sociedades orientais, pois em países como o Japão, por exemplo, os idosos são valorizados pela experiência de vida que representam. Aqui no Brasil é preciso que se regulamentem leis para que um idoso tenha o direito de sentar nos transportes públicos. É como se fossem ―descartáveis‖ que só tem validade enquanto estão produzindo. Assim é a sociedade de produção e consumo. Esses são traços de uma sociedade onde cada indivíduo tem sua identidade social moldada no seu potencial de consumo. A teoria da anomia de Merton, estudada na criminologia, ajuda a explicar as consequências negativas de uma sociedade que valoriza de forma extrema a realização econômica e as conquistas pessoais. Robert Merton adaptou a teoria da anomia social de Emile Durkheim e formou seu próprio conceito de anomia. Para Merton, segundo Alessandro Baratta, o estado de anomia acontece porque a estrutura cria expectativas e ambições nas 96
Assistente social, professora de ética profissional e coordenadora do núcleo de estudos e pesquisa em ética e direitos humanos do programa de estudos Pós-Graduados em serviço social da PUC-SP.
52
pessoas sem disponibilizar os recursos de forma igualitária para os indivíduos (2002. p. 63). Em uma sociedade capitalista o objetivo e a ambição principal são o sucesso, a riqueza e o prestígio. Se os meios institucionalizados e legítimos não estão disponíveis a todos, o objetivo será alcançado por outros meios não legítimos. O pior é que culturalmente os crimes econômicos não são vistos como crimes ―perigosos‖ ou ―violentos‖, mas a lesividade provocada por esses crimes são terríveis para toda a sociedade. Essa teoria é interessante porque explica tanto os crimes praticados por indivíduos pertencentes às classes menos abastadas, como também os crimes praticados por indivíduos pertencentes às classes privilegiadas. Pois, está ligada às ambições dos indivíduos independente de sua classe econômica. Explica por exemplo o fato de um empresário burlar o fisco para não perder seu investimento em tempos de crise, ou mesmo a corrupção de integrantes da classe política do nosso país, Afinal eles usam a própria estrutura para se beneficiar de forma ilícita do dinheiro público que para ele não tem dono, ou como diria o professor Roberto da Matta, ―confundiu‖ o público com o privado.
DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA Um dos aspectos mais notáveis do capitalismo, na minha opinião, é a reprodução do medo social como estratégia de domínio. Muitas políticas e ações, inclusive imorais, são justificadas por essa estratégia. As guerras elevaram muitas potências que dominaram o mundo e causaram grandes transformações geográficas, sociais e políticas, na verdade as grandes civilizações se tornaram importante justamente porque organizaram seus exércitos. Portanto, a filosofia da guerra do ―bem‖ contra o ―mal‖ justifica a mais vil ação. As armas da guerra são produzidas para destruir os inimigos do estado e exterminar o outro. O problema é quando as forças de segurança pública absorvem e reproduzem essa lógica em seus cursos de formações, onde o treinamento impõe a humilhação física e psicológica com a finalidade de desumanizar o agente de segurança pública, criando em sua mente um estado de guerra permanente. Assim sendo, essa ideologia da guerra é aplicada dentro da maioria dos cursos de formação de agentes de segurança pública, uma parte importante desse processo de controle já está pronto, resta agora ao estado declarar quem é o inimigo. Ele pode ser um professor reivindicando melhores condições de trabalho, pode ser trabalhadores em greve. O fato é que um agente preparado em uma academia dessa natureza, estará sempre pronto para disparar ―balas de borrachas‖ nas costas de um ser humano que passou boa parte da vida educando outros seres humanos, sendo que tal agente não sentirá nem remorso nem culpa, pois em sua mente o inimigo do estado foi vencido e o dever foi cumprido. Sou agente de segurança pública e geralmente mais de 90% do tempo decorrido em um dia de trabalho, presto serviços que não são tarefas policiais, dependendo do ambiente onde me encontro, minha relação profissional na maior parte do tempo é com cidadãos que respeitam a lei e não com delinquentes e criminosos. Obviamente que existe muita diferença entre um casal de namorados que está iniciando uma discussão e um assaltante ―veterano‖ no mundo do crime praticando um roubo. Para impedir que um crime seja cometido, no caso da briga de namorados, a mediação de conflitos é uma excelente ferramenta. Já no segundo caso a solução é o procedimento policial adequado seria, dependendo do caso, o uso diferenciado da força e até mesmo a aplicação do método Giraldi de disparo de arma de fogo. Não é meu intuito aqui neutralizar a ação policial, mas sugerir a percepção adequada de cada ocorrência. Seria um tremendo absurdo, por exemplo, que no caso da briga de namorados que está iniciando as armas dos agentes de segurança pública atingissem duas pessoas desarmadas ou evoluíssem para algo mais sério, como o óbito de inocentes.
53
A não intervenção dos agentes também poderia gerar morte, pois, imaginem que dois moradores de rua estão iniciando uma discussão por causa de uma ―buchudinha‖ de cachaça. Imaginem que as autoridades de segurança pública passaram e não deram muito caso para uma ocorrência ―tatu‖ e que em alguns minutos depois, soube-se que um morador de rua matou o outro. Esse óbito poderia ser evitado com a simples aplicação da técnica de mediação de conflitos. Atualmente a segurança pública está mudando, no estado do Pará, os cadetes fazem o curso de bacharel em defesa social na academia de polícia localizada no Instituto de Ensino em Segurança Pública do Pará (IESP). No desenho curricular do curso, disciplinas como ―direitos humanos‖, ―criminologia aplicada à segurança pública‖ são ministradas no curso. Já na Guarda Municipal de Belém, o curso de formação de guardas municipais obedece as diretrizes determinadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Disciplinas como ―sociologia da violência‖, ―analise critica e ações preventivas das prováveis causas indutoras da violência‖, ―violência interpessoal, institucional, estrutural e sua prevenção‖ são exemplos que demonstram que paradigmas estão sendo quebrados e a segurança pública está se tornando mais humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os direitos humanos, que já foi chamado de leis naturais e de direito natural, tem uma história de gradativo avanço, na verdade são milhares de anos de história, passando pelo cilindro de Ciro depois da conquista da Babilônia, espalhando-se em seguida por outros países do mundo. Ganhou força na Europa e depois nos Estados Unidos, passou por duas guerras mundiais. Na segunda foi apresentado ao mundo o horror do extermínio dos judeus e de outras minorias como ciganos, homossexuais, entre outros. Neste momento, o mundo, assombrado, clamou por direitos humanos. Foi então que as nações do mundo se juntaram e formaram a Organização das Nações Unidas em 1945. E finalmente, em 1948, foi elaborada a declaração universal dos direitos humanos. Porém ainda há muito que avançar, pois, como já foi dito, o direito à alimentação existe, mas, segundo o (IBGE), 11,2 milhões de brasileiros passam fome todos os dias. Todos têm direito à vida, mas, no Brasil, a juíza Patrícia Acioli, apenas para citar um exemplo, foi assassinada em agosto de 2011, no município de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, provavelmente por ser rigorosa nos julgamentos dos casos de homicídios provocados por grupos de extermínio. Todos têm direito à educação, mas, segundo o IBGE, no Brasil existem 14,1 milhões de analfabetos e mais 33 milhões de analfabetos funcionais, que são pessoas com menos de quatro anos de estudos. Todos têm direito a um trabalho digno, mas além dos altos índices de desemprego, estima-se que no Brasil existem entre 20 e 50 mil trabalhadores em condições análogas a de escravo, sem falar nas péssimas condições de trabalho que muitos enfrentam. O desafio dos direitos humanos no Brasil e no mundo é um desafio que envolve todos. Absolutamente todos, é uma luta pessoal que nasce em cada um de nós no nosso dia a dia, em cada pai, mãe, educador, profissional liberal, gari, funcionário público, jovens, idosos, enfim, em todos aqueles que não se conformam em ficar calados diante da injustiça, que se dispõe a ter fé que um mundo muito melhor é possível e que esse mundo começa em cada um de nós, respeitando uns aos outros, agindo com solidariedade uns com os outros, ajudando-se mutualmente, fazendo a diferença nos lugares que frequentamos. Assim é o sacerdócio dos que acreditam e querem um Brasil e um mundo melhor.
54
REFERÊNCIAS ADORNO, Sérgio. A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: um recorte temático. BIB, N.º 35, 1993. BUCCI, Maria Paula Dalari et ali. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo, Pólis, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2007. BARROCO, Maria Lúcia S. Barbárie e neoconservadorismo: os desafios do projeto ético-político. Revista de serviço social. São Paulo, n.106. p. 205-218. Abr/jun. 2011. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e critica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª edição. Rio de janeiro. Editora Revan. 2002. HOBSBAWM, Eric; Globalização, democracia e terrorismo; São Paulo; Companhia das letras; 2007. Demanda perante a corte interamericana de direitos humanos no caso Sétimo Garibaldi (caso 12.478) contra a República Federativa do Brasil. 2007. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/demandas/12.478%20Setimo%20Garibaldi%20Brasil%2024%20diciembre%202007%20P ORT.pdf .
55
A VIOLÊNCIA ESCOLAR COMO SUSCITADOR DE QUESTIONAMENTOS AOS DOCENTES DO PROJOVEM URBANO MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-AÇU Paulo Sérgio Paes dos SANTOS (UNAMA) A violência é um fenômeno que atinge a população mundial, tornado-se, deste modo, um grave problema social, que mediante a globalização, verifica-se o aumento circunstancial da problemática. Com isto, o referido artigo tratará a questão da violência de uma forma mais focada, a violência nas escolas no Programa Projovem Urbano do Município de Igarapé-Açu. Nesta perspectiva, será enfatizado o conceito de violência em seu âmbito geral, mediante teorias de diversos autores. Outrossim, cabe ressaltar que neste aspecto é de extrema relevância enfatizar a atuação dos profissionais que auxiliarão na desconstrução cultural do fenômeno, que no decorrer do artigo será explanado tal afirmativa. A violência nas escolas foi um tema bastante discutido no decorrer do Programa Projovem Urbano, e é neste pensamento que, mediante levantamentos documentais, assim como conhecimentos científicos e empíricos, que forneceram subsídios para construção deste documento, mostrarei a importância da intervenção do educador como mediador de conflitos. Palavras-chave: Violência. Violência Escolar. Educador. Aluno. Cidadania.
INTRODUÇÃO Baseado em teorias que fundamentam a questão da violência escolar, este artigo tratará desta problemática, perpassando pela atuação profissional dos educadores que fazem parte do PROJOVEM Urbano, programa vinculado ao Governo Federal em parceria com o Estado e prefeituras, neste caso a prefeitura do Município de Igarapé-Açu. Esta temática, violência escolar, é bastante discutida na atualidade, sendo que se pode observar que a problemática vem se desdobrando por diversas configurações e entendimentos, diante das violências físicas e psicológicas. Para que se possa esboçar esta questão, o artigo será dividido em tópicos que terão a responsabilidade de auxiliar a leitura, mostrando conhecimentos que revelam a realidade escolar, particularmente a do Programa Projovem Urbano no Município de Igarapé-Açu. Em um primeiro momento foram realizados levantamentos bibliográficos para embasar a questão da violência escolar, abordando diversos autores que auxiliarão a elaborar uma compreensão do contexto, em particular Abramovay e Rua (2003), Pontes (2007), Arendt (1994), dentre outros. O artigo tratará da violência em um âmbito geral, posteriormente como uma questão social observada no cotidiano escolar, retratando seus enraizamentos, ou seja. Em seguida, será posta em questão a importância do Projovem Urbano no dia a dia dos discentes os quais fazem parte do programa, na visão do docente, retratando brevemente sua importância, a convivência escolar. No próximo item discutirei sobre a formação do profissional: a intervenção do profissional de Serviço Social como mediador da disciplina de Participação Cidadã, a escola como multiplicadora de cidadania à sociedade, especificamente para as pessoas do Município de Igarapé-Açu, alvos do programa. Após este debate, focalizarei a situação da violência escolar no Programa Projovem Urbano e a intervenção do educador de Participação Cidadã diante das problemáticas encontradas no decorrer das aulas. Ao término do artigo, retratarei nas considerações finais aspectos relevantes que colocam em evidência a questão problema, ou seja, a violência no âmbito escolar, assim como a prevenção do fenômeno.
56
2. PROJOVEM URBANO: programa baseado na ressignificação social Conforme a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN, Lei Nº 9.396/96), a educação no país vem adquirindo maior relevância na sociedade, estabelecida mediante a Constituição Federal de 1988 (CF/88) para atender diretamente à responsabilidade da União de conduzir as Leis de Diretrizes e Bases da educação nacional conforme o art. 22, XX IV. Essa lei reproduz os princípios constitucionais e traz novas regras relativas às competências da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, às responsabilidades dos estabelecimentos e dos docentes, às diretrizes curriculares e ao financiamento da manutenção e do desenvolvimento da educação escolar. Diante de diretrizes que promulgavam a educação como um dos fatores primordiais para o cidadão brasileiro, baseada na Constituição Federal de 1998 em seu Art. 227 que seria dever do Estado não apenas assegurar a saúde, alimentação, mas também a educação como formação de uma sociedade, foi criado em 2005 e posto em prática em 2006, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens, Projovem no qual os jovens foram redistribuídos por faixa etária, o que será especificado posteriormente e que de acordo com SERRA (2009), o programa sofreu algumas modificações em seu conteúdo original, porém tal fato não afetou sua metodologia. O programa tem a incumbência de atribuir a inclusão de jovens e adultos brasileiros de 18 a 29 anos que ainda não concluíram seu ensino fundamental regular, oportunizando aos mesmos o retorno ao ambiente escolar, além do mundo do trabalho, atribuindo além de uma boa formação escolar e capacitada, através de disciplinas que não são incluídas no ensino regular (como a qualificação profissional e Participação Cidadã) como também as disciplinas básicas (português, matemática, ciências naturais e ciências humanos), sempre como proposta o elo da escolarização com o exercício da cidadania. O Projovem Urbano tem o objetivo de integrar educação básica, qualificação profissional e participação cidadã, com a organização curricular de todas as atividades, além disto, tem a finalidade a ressignificação dos jovens no ensino educacional, além de propiciar a capacitação destes para o mercado de trabalho. Além disto, tem a responsabilidade de trabalhar o jovem em situação de rendimento escolar baixo na era da globalização, da informatização, diante da inclusão digital, através de ações coletivas como instrumentos de comunicação, possibilitando o acesso deste público a cultura, principalmente o que se refere a sua cultura local.
3. CONTRIBUIÇÃO DO PROJOVEM URBANO EM MINHA FORMAÇÃO PROFISSIONAL A atuação do educador em sala de aula tem suas variações conforme a postura de cada discente, principalmente no que se refere a alunos na faixa etária de 18 a 29 anos, caso este específico do Projovem Urbano, até mesmo pelo fato da escola não ser apenas um elo de apoio a sua cultura, pois estes já trazem em sua formação social pré-conceitos estabelecidos pela comunidade, ou seja, elaborados no local no qual convive ou conviveu. Desta forma, a relação entre educador e aluno pode ser estabelecida por uma relação de poder, até mesmo pela hierarquia social existente historicamente, sendo que os professores, em certos casos, não tem o discernimento de atribuir mecanismos que auxiliam nas resolubilidades dos conflitos em sala de aula, ou como afirma Perrenoud (2000) ―uma prática reflexiva banal nem sempre basta para descobrir a imposição de uma mudança de paradigma‖ (2000, p.162). Como dizia Paulo Freire: quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alarma a um corpo indeciso e acomodado‖ (FREIRE, 2002, p. 25)
57
Seguindo esta linha de pensamento, podemos destacar que o docente, em sua formação profissional, tem o papel de trabalhar o alunado em seu conteúdo, para que possa transformá-lo através do ensino, pois ―se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora‖ (IDEM, p. 47). Além disso, é preciso que o professor constitua uma nova postura para ministrar suas aulas no contexto do Projovem ou, como aponta Fazenda (1991): ―É necessária uma revisão da prática do professor do próprio saber gerado na Universidade, que quase retrata uma produção reinterpretada. Além disso, a atuação crítica do profissional da Educação exige que se adaptem às necessidades da clientela as orientações vindas do sistema escolar que produzem muita liberdade‖ (FAZENDA et alli, 1991, p. 64).
Todo e qualquer profissional que está no ambiente escolar tem que saber realizar mecanismos que possam auxiliar na formação do discente. Desta mesma forma, este profissional necessita de aprimoramentos, tais como capacitações, principalmente o gostar de ensinar, para que haja responsabilidade nas atividades desenvolvidas com sua classe. Saber interpretar seu aluno é a forma ideal de transformação, pois ―o educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele‖ (FREIRE, 2002, p. 128). Ou mais ainda: É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar é não transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE, 2002, p. 24-25).
É de extrema relevância também tratar neste item a questão da interdisciplinariedade, sendo que, a partir do final da década de 60, este termo teve sua grande relevância através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) promulgada pela Lei Nº 5.692/71, em que através da intensificação da referida Lei em 1996 (nº 9.394) ganhou expressividade nas escolas, em níveis distintos, na proposta do fazer dos educadores. Atualmente a interdisciplinariedade é uma forma de realizar atividades que possam englobar diversas áreas de conhecimento. Fazenda (1993) retrata que A interdisciplinaridade é proposta de apoio aos movimentos da ciência e da pesquisa. É possibilidade de eliminação do hiato existente entre a atividade profissional e a formação escolar. É condição de volta ao mundo vivido e recuperação da unidade pessoal, a tomada de consciência sobre o sentido da presença do homem no mundo (FAZENDA, 1993, p. 41.).
Saber interpretar a questão da interdisciplinariedade no PJU é saber realizar a interrelação entre a formação básica, qualificação profissional e participação cidadã, oportunizando o princípio fundamental, que seria o direito a educação para o cidadão, assim como ao trabalho. Com isto, através do seu Currículo Integrado propõe aliar teoria e prática, formação e ação, em que as práticas pedagógicas são essenciais para que seja atribuídas condições positivas ao aluno, criando possibilidades de aprendizados, mediante as realidades apresentadas em cada município, contribuindo para a construção de professores e estudantes críticos e compromissados com o seu papel na sociedade. 3.1 O profissional de Serviço Social como docente na disciplina ―Participação Cidadã‖ O Programa Projovem Urbano vem construindo mecanismos que facilitem a aprendizagem do aluno, no que tange à sua formação básica, qualificação profissional e participação cidadã. Diante disto, é muito importante
58
colocar nesta perspectiva educacional o papel do professor da disciplina ―Participação Cidadã‖ na atribuição da melhoria e qualidade de vida dos alunos inseridos no programa. O profissional de Serviço Social tem a atribuição de ministrar as aulas de Participação Cidadã no PJU, ponto de vista que foi estabelecido em concurso público que exigiu esta formação profissional para a realização e planejamento das aulas no referido curso. Partindo deste pressuposto, é de relevância explanar primeiramente o papel do assistente social para a formação cidadã dos alunos. Para Iamamoto (2000), compete ao profissional de Serviço Social: [...] captar inéditas mediações históricas que moldam os processos sociais e suas expressões nos vários campos em que opera o Serviço Social. Ao Profissional é exigida uma bagagem teórico-metodológica que lhe permita elaborar uma interpretação crítica do seu contexto de trabalho. (IAMAMOTO, 2000, p. 80).
Com isto, o assistente social tem o papel de executar políticas públicas que perpassem os direitos sociais e tragam a concepção que cabe a este profissional, e outros envolvidos neste contexto atuar fortemente na construção de condições essenciais a todo cidadão. O profissional de Serviço Social tem a possibilidade de contribuir com o atendimento de qualquer cidadão que necessite de orientações e/ou informações quanto à prática da cidadania. Por conseguinte, cabe ressaltar que é por intermédio do profissional de Serviço Social que se realiza articulação que traz como referência a viabilização de novas formas para orientar o usuário. Entretanto, desafios são encontrados no decorrer de sua atuação. É partindo deste contexto, do profissional de Serviço Social enquanto articulador, que voltamos para a área da docência. O PJU em seu caráter educacional tem a finalidade de criar condições que favoreçam o fortalecimento educacional do cidadão que necessita ser qualificado, e mediante isto a disciplina de ―Participação Cidadã‖ vem fornecer ao aluno as informações que o mesmo possa necessitar. Ao ministrar as Unidades Formativas, assim denominados os ciclos que são realizados trimestralmente mediante avaliações (internas e externas) este elo foi se aprofundando. Para tanto, foram necessárias a realização de dinâmicas e articulações pertinentes que pudessem focar as dificuldades de cada aluno, principalmente no que se referia ao respeito mútuo e também ao modo de vida de cada discente, pois, como já foi citado, os alunos do PJU são diferenciados, devido já virem de uma família que se encontram em situação de vulnerabilidade social e precisam de um olhar diferenciado.
4. VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: uma realidade no Projovem Urbano do Município de Igarapé-Açu A realidade vivenciada no país admite que a violência é um dos fenômenos de maior abrangência, sendo que esta questão é conceituada através de teorias que retratam esta vivência. Seguindo esta linha de pensamento, podemos destacar alguns autores que retratam esta questão. A violência é um fenômeno que se perpetua na sociedade de forma profunda e vem se construindo em diferentes modalidades e conceitos. Tendo em vista a sua complexidade, entendemos ser essencial tratar da questão em suas minúcias. De acordo com Michaud (2001): ―a violência pode ser trabalhada segundo seus sentidos e a sua etimologia. O primeiro correspondente ao fato de agir sobre alguém ou de fazê-lo agir contra a sua vontade empregando a força ou a intimidação; exercer violência; uma disposição natural para a expressão brutal dos sentimentos; a força irresistível de uma coisa; o caráter brutal da ação [...] o segundo trabalha com o seu significado vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa tratar com violência, profanar, transgredir‖ (MICHAUD, 2001, p.7-8).
59
Identifica-se a necessidade de compreender este fenômeno em suas diversas variações, além de colocá-lo na vertente complexa que o fenômeno possui e identificar seu desenvolvimento em consonância das situações na qual ocorre. Conforme Michaud pode-se entender a violência como: um caráter complexo das situações de interação nas quais podem intervir múltiplos atores; das diversas modalidades de produção da violência, segundo os instrumentos de causa; da distribuição temporal da violência; dos diferentes tipos de danos que podem ser impostos (físicos, psíquicos, morais) (MICHAUD, 2001, p.11).
Dentro desta teoria, o autor baseia-se na diversidade do fenômeno em sua dinâmica contemporânea, propondo uma discussão do desenvolvimento da violência relacionada ao desenvolvimento da tecnologia na sociedade. Para ele a revolução tecnológica proporcionou uma diversidade dos instrumentos utilizados na propagação da violência, tais como: mísseis, aviões, armas, explosivos. Segundo Michaud (1998), os meios de comunicação também têm influência na questão da violência, pois possuem interesses e finalidades específicas para obtenção de seu sucesso ao retratar que: A mídia precisa de acontecimentos e vive do sensacional (...) as imagens são enganosas: ainda que cada uma seja autêntica, podemos selecioná-las, montá-las, legendá-las, podemos enquadrá-las e reenquadrá-las, podemos, sobretudo mostrá-las ou não de jeito nenhum‖. (MICHAUD, 1998, p.49).
E de que forma podemos perceber a relação da violência com a mídia? Essa relação acontece de forma dependente, em que para a produção de uma se faz necessário o desenvolvimento da outra. Considerando que a violência está relacionada à manipulação do mais fraco com relação ao mais forte, ou seja, dominante versus dominado, conforme retratado por Dadoun (1998, p. 8), sendo que ―geralmente só levamos em conta aspectos externos da violência, as manifestações e expressões múltiplas que remetem a fatores – políticos, psicológicos ou outros – sobre os quais o homem parece não ter qualquer domínio‖. É de extrema importância observar a questão da violência como um fenômeno que possa ser diluído, exterminado, acabado, mesmo de forma utópica. Diante dos fatos, vale ressaltar que o campo da violência é composto de conceitos que formaram um conjunto amplo de manifestações, dentre elas a violência simbólica, violência urbana e a violência institucional, para assim ser avaliada e discutida com maior abrangência, em sua especificidade.
4.1- Violência Escolar: fenômeno no Projovem Urbano de Igarapé-Açu A questão da violência nas escolas se retrata por situações da realidade vivenciada entre professores e alunos, os quais fazem parte da problemática ou presenciaram, porém é relevante conceituar a violência mediante processo social e histórico que redunda deste nosso passado, como exposto no excerto abaixo: [a]s análises recaíam sobre a violência do sistema escolar, especialmente por parte dos professores contra os alunos (punições e castigos corporais). Na literatura contemporânea, sociólogos, antropológicos e outros especialistas privilegiam análise da violência praticada entre alunos ou de alunos contra a propriedade (vandalismo, por exemplo) e, em menor proporção de alunos contra professores e de professores contra alunos (ABRAMOVAY, RUA, 2003, p.21).
Como se pode observar, o processo de violência nas escolas perpassa por diversas realidades, sendo necessária a intervenção de forma responsável não apenas pela atuação de profissionais competentes que possam auxiliar nesta violação, mas também pela responsabilização de uma sociedade que realmente tenha em sua formação a sabedoria de saber discernir o que é certo ou errado. Entretanto, neste contexto entre o certo e o errado podemos recair no dilema entre o que é correto para alguns e errôneo para outros. Nesta conjuntura, é importante o papel do educador como mediador das relações sociais no âmbito da escola para que haja, de fato, um debate profícuo a respeito deste tema.
60
Faz-se necessário o aprofundamento do conhecimento quanto a esta prática violenta no ambiente escolar, em vários sentidos, tanto na violência dura 97, quanto na violência psicológica. Durante minha permanência no programa, tivemos casos de violência, tanto física quanto psicológica, entre alunos e alunos, o que me fez elaborar este artigo, visando a oportunidade de mostrar a sociedade que este tema pode ser preponderante para que possamos construir um ambiente escolar mais harmonioso e que cumpramos com as diretrizes escolares de forma eficiente. No decorrer dos 18 meses como educador de Participação Cidadã, pude observar, assim como intervir diretamente com situações de agressões entre alunos dos dois (02) núcleos que fazia parte como educador: Núcleo E.M.E.F. ―Profª Odete Barbosa Marvão‖, localizada na Avenida Marechal Deodoro, S/N – Centro, e Núcleo E.E.E.F. ―Macário Felipe Antônio‖, localizado na Trav. Benjamim Constant, 3662 – Centro. Foram observadas três (03) situações que envolveram a violência escolar, dentre elas a que foi mais grave foi a de 02 alunos que, devido à falta de comunicação e diálogo levou ambos às vias de fato, onde, uma dessas ao passar ao lado da outra a empurrou pelo fato desta não ter dado espaço a mesma, ocasionando xingamentos e agressões físicas, transformando, assim, a sala de aula em que estavam em uma desordem generalizada. Nesta situação, o educador que se encontrava no local manteve sua autonomia, fazendo com o que os discentes amenizassem seus comportamentos, entretanto, até que isto cessasse de fato, houve agressões físicas e verbais, desequilibrando a estrutura escolar. Segundo Wieviorka (1997 apud Galinkin 2007, p.12): A violência torna-se um fenômeno mais complexo, exigindo conceitos que a expliquem em suas diferentes dimensões. Hoje é tanto localizada quanto globalizada, tanto social quanto pessoal, uma resposta ao excesso de demandas em uma sociedade de consumo. Assim como as manifestações deste fenômeno têm mudado, o que tem sido compreendido pela sociedade como violência, e as definições dos estudiosos do problema, também sofreram mudanças. Hoje são considerados como violentos comportamentos que já foram aceitos como ‗normais‘, do ponto de vista da cultura, e legais, do ponto de vista das instituições (Galinkin 2007, p.12).
Portanto, a violência é considerada como um aspecto cultural de uma sociedade, principalmente, mediante observações e o que a própria mídia nos mostra em noticiários, telejornais, a maior parte destas violências são cometidas pela população em situação de vulnerabilidade social, devido agregarem-se ao contexto cultural da violência. É nesta concepção cultural que os alunos do Projovem Urbano - Polo Igarapé-Açu se formou no que diz respeito à agressão. Entretanto, com a atuação persistente dos educadores, assim como intervenção com os alunos na obtenção de qualidade de vida aos educandos, a disciplina de ―Participação Cidadã‖ veio com o propósito de ministrar para a população não apenas informações e orientações quanto ao direito do cidadão, mas também oportunizar o indivíduo na socialização cultural diante de atividades que incentivem sua cidadania. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de teorias e análises desenvolvidas neste artigo pudemos observar que a questão da violência nas escolas baseia-se em aspectos comportamentais do indivíduo, assim como a forma cultural de cada família. Por ser tratar de um fenômeno que atinge toda a classe educacional, a violência nas escolas tende a desestruturar todo um ambiente escolar. Através do dia a dia em sala de aula e as situações de violência nas turmas, pude observar que mesmo com a desarmonia entre alguns alunos, é de extrema importância o educador, mediante embasamento teórico e
97
Segundo ABRAMOVAY; CASTRO (2006) violência dura seria a forma de violência que pode causar danos físicos, também sendo denominada de violência física.
61
metodológico, intervir na problemática. Aí se pergunta: Como o educador poderia trabalhar a violência escolar? A resposta pode ser simples para uns ou complexa para outros, mas algo tem que ser feito! O profissional da educação tem que ser um aliado do aluno, reforçando para este seu papel como educando e sua importância na sociedade, pois a cidadania é o aspecto relevante para que o docente transmita seus conhecimentos. No Programa Projovem Urbano, direcionado a jovens de 18 a 29 anos, geralmente pais ou mães de família, é importante preconizar a conscientização da paz, pois estes serão multiplicadores para sua própria família, assim como à sociedade em seu entorno. Deste modo, pode-se verificar que a escola é o lugar de extrema relevância para superação da violência, enfatizando a humanização como mecanismo de cidadania, e através dos agentes formadores, ou seja, educadores, pessoal de apoio, coordenação pedagógica, todos comprometidos com a sociabilização, buscaremos formas de reflexão e auxílio na reconstrução sócio-familiar para uma vida digna e de respeito.
REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam (coord.) Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. Brasília: Rede de Informações Tecnológica Latino-Americana – RITLA, Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF, 2009. _____. Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO, Observatório de violência nas escolas, 2006. ABRAMOVAY, Miriam, CASTRO, Mary. Caleidoscópio das violências nas escolas. Brasília: Missão Criança, 2006. ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violência nas escolas: versão resumida. Brasília: UNESCO Brasil, REDE PITAGORAS, Instituto Ayrton Senna, UNAIDES, Banco Mundial, USAID Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2003. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. ______. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília : 1996. DADOUN, Roger. A violência: ensaio acerca do ―homo violents‖; tradução Pilar Ferreira de Carvalho, Carmem de Carvalho Ferreira. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998. Disponível em: http://www.projovem.gov.br/site/interna.php?p=material&tipo=Conteudos&cod=827. Acesso em 20.12.2011. Disponível em: http://www.projovem.gov.br/site/interna.php?p=material&tipo=Conteudos&cod=16 . Acesso em 20.12.2011. Disponível em: http://cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_20/violenciasimbolo.html. Acesso em 20.12.2011. FAZENDA, Ivani. Práticas interdisciplinares na escola. (ORG.) São Paulo: Cortez,1993. FAZENDA, Ivani et alii; PICONEZ, Stela (coord.). A prática de ensino e o Estágio Supervisionado. 12ª ed. (Coleção magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Campinas, Petrópolis: Vozes, 1987. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GALINKIN, A. L. Velhas e novas violências contra a mulher. In: Procuradoria Regional do Trabalho de Goiás. (Org.). Mulher, gênero e relações de trabalho. 1ª ed. Goiânia: Procuradoria Regional do Trabalho de Goiás, 2007, p. 12-29.
62
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000. MICHAUD, Yves. A violência. Ática: São Paulo, 2001. MICHAUD, Yves. A violência: uma questão de normas. Sciences Humaines, 1998. PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar (tradução Patrícia Chittoni Ramos). Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. PONTES, Reinaldo Nobre (org.). Relações sociais e violências nas escolas. Belém: UNAMA, 2007. SARMENTO, Helder. Rediscutindo os instrumentais e as técnicas em Serviço Social. In: STOCKINGER, S.C. (Org.). Texto de teoria e prática de serviço social: estágio profissional em Serviço Social na UFPA. Belém: Amazônia/ UFPA, 2005. SERRA, E. A cidade como eixo estruturante da Geografia a ser ensinada no ProJovem Urbano. 10° Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (ENPEC). Porto Alegre, 2009.
63
FORMAÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO NO DISCURSO DE POSSE DE DILMA ROUSSEFF Daciléia Marinho RIBEIRO (FIBRA) Célia Maria Coêlho BRITO (FIBRA) O objeto de estudo deste artigo é o discurso de posse da presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher eleita chefe de Estado da nação brasileira, antes, governada exclusivamente, por homens. O discurso em análise é datado de 01 de janeiro de 2011. Foi proferido no Congresso Nacional e ouvido atentamente por vários chefes de Estados, figuras ilustres da sociedade mundial, assim como por milhões de brasileiros. Esse é um momento único que possivelmente marcou e marcará definitivamente a história deste país. Pois pela primeira vez uma mulher chegou ao poder, deixando para trás todos os concorrentes, com quem travou embates políticos para chegar ao poder. Na sua fala, Dilma Rousseff alicerçou seu discurso em um Brasil, que mudou e continuará mudando, porque seu discurso dialoga com o discurso de seu partido político (PT), representado por seu antecessor, Luis Inácio Lula da Silva, que fora imprescindível para que a presidenta chegasse ao poder supremo no cenário político brasileiro. O termo presidenta será mantido em todo o trabalho, para enfocar o papel da mulher nesse cenário permeado por homens. É importante ressalvar que a pesquisa fora sedimentada teoricamente na Análise do Discurso de linha francesa. O artigo abordará a formação do Ethos discursivo, cenas de enunciação, concepções de sujeitos e o poder persuasivo que permeiam o discurso em análise. Pois, todo discurso é movido por um poder tenaz em convencer o outro em crer no que está sendo proferido. O foco principal do artigo é fazer uma análise qualitativa que congregue as teorias que nortearam o trabalho à pesquisa realizada. Palavras-chave: AD. Ethos discursivo, Cenas de enunciação, Sujeito.
1 INTRODUÇÃO O objetivo principal deste trabalho é trazer para o cerne da pesquisa uma abordagem sobre ethos discursivo, cenas de enunciação e o sujeito presentificado no discurso em questão. Trabalhar-se-á com a formação de cenas de enunciação presentes no discurso de Dilma Rousseff. No discurso em análise, aborda-se-á três cenas de enunciação, as quais estarão aportadas na abordagem teórica de Maingueneau (2011). O artigo foi estruturado de acordo com a proposta do trabalho, que é fazer uma abordagem concisa e pertinente sobre Análise do Discurso, doravante AD, a formação do ethos discursivo concebido no discurso da presidenta eleita, cenas enunciativas e concepção de sujeito. Para essa análise é importante mencionar que o ethos discursivo dá-se no âmbito do próprio discurso; nessa perspectiva os antigos designam como ethos discursivo uma imagem de si capaz de persuadir seus interlocutores. Com a referida pesquisa, pretende-se descortinar os argumentos imbuídos nas entrelinhas do discurso analisado capaz de persuadir os interlocutores, que, nesse sentido, se voltou para a classe dos trabalhadores, assim como as demais parcelas da sociedade, aqui, representada por estudantes, por empresários, pela imprensa e os intelectuais, realçando a importância da mulher brasileira nesta conjectura política. Falar em AD é trazer para o escopo da pesquisa temas centrais que norteiam e sedimentam essa área de conhecimento. Considerando a relevância desses para a concepção do trabalho. A pesquisa volta seu olhar para uma concepção teórica que lhe serviu como alicerce e fundamentação. Dentre as fundamentações, tem-se uma concepção da AD e seu percurso metodológico, a formação das cenas enunciativas, a concepção de ethos discursivo na perspectiva do filósofo grego Aristóteles, tendo em vista a relevância de seu estudo a esse respeito, assim como a concepção de sujeito dentro das três fases da AD. Posto que não se pode deixar de abordar tais assuntos, visto a relevância destes para o trabalho. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A análise do Discurso, doravante AD, surgiu na França, no final da década de 60, principalmente, em torno da obra de Michel Pêcheux e Jean Dubois, com o objetivo de explicitar os mecanismos discursivos que deram embasamento à produção de sentido.
64
Falar em AD é adentrar em um instigante campo do conhecimento relacionado à linguagem; é desnudar o caráter discursivo que perpassa todo enunciado, que é produzido com a finalidade de persuadir o interlocutor, que, para esse fim, faz uso de mecanismos capazes de interagir com o outro. A AD foi influenciada pelo linguista norte americano Z.S.Harris, que assim se pronunciara, fazendo um confronto desse campo de conhecimento com a linguística. Análise do discurso dá uma multiplicidade de ensinamentos sobre a estrutura de um texto ou de um tipo de texto, ou sobre o papel de cada elemento nessa estrutura. A linguística descritiva descreve apenas o papel de cada elemento na estrutura da frase que o contém. A AD nos ensina, além disso, como um discurso pode ser construído para satisfazer diversas especificações, exatamente como a linguística descritiva constrói refinados raciocínios sobre os modos segundo os quais os sistemas linguísticos podem ser construídos para satisfazer diversas especificações (Harris, 1952 apud MAZIÉRE, 2007, p.07).
Antes de adentrar no campo de estudos da AD, faz-se necessário expor de maneira clara e objetiva as nuanças que compõem essa linha de pesquisa que, desde o limiar de suas investigações teve um caráter interdisciplinar. Logo, é indispensável compreender a gênese desse estudo, para uma compreensão aprofundada. O florescimento da AD deu-se em um espaço histórico permeado pela emergência de grandes mudanças no contexto da linguística, assim como, da sociedade como um todo. Segundo Maldidier (1994), os precursores da AD foram Dubois (1970/1971), um linguista lexicólogo, que direcionara suas pesquisas para compreender os meandros da linguística, e o filósofo Pêcheux, que direcionara seus estudos a partir de uma releitura da obra de Marx feita pelo, também, filósofo Althusser(1970). Tem-se, ainda, dentro dessa abordagem o próprio Althusser(1970) que apresenta uma releitura da obra de Marx. Em meio a esse preâmbulo de conhecimento, Althusser (1970) faz uma divisão da produção das ideologias em teorias: ―Teoria das ideologias particulares‖ e ―Teoria da ideologia em geral‖. Para ele, a segunda deveria dar conta de evidenciar os mecanismos pelos quais as ideologias particulares se apropriam, pois são essas ideologias que determinam as relações de produção comum a todas as ideologias. Nessas abordagens teóricas, é importante salientar que o filósofo Foucault(1969) teve uma participação significativa no estudo da obra de Marx, todavia os teóricos concebiam-na com viés distinto. É da concepção foucaultiana a formação discursiva ou FD, isto é, o desempenho da linguagem em cada enunciado e formação ideológica, ou FI. É em meio a essa conjuntura política e ideológica que a AD amplia seus estudos. De acordo com as pesquisas, AD apresenta três fazes significativas, que corroboraram para o desenvolvimento teórico científico de seus trabalhos: AD1, AD2 e AD3 respectivamente. A primeira fase, (AD-1) trabalha uma análise de discursos mais ―estabilizados‖, pois, aqui, evidenciam-se, segundo as perspectivas dos analistas, discursos não tão polêmicos, uma vez que esses têm uma carga menor de significados, ou seja, uma menor abertura no que tange à variação de sentido, porque ocorre um silenciamento do outro. Nessa fase, eclodiu a noção de máquina ideológica, por meio da qual os processos discursivos são gerados. Como exemplos desses processos discursivos têm-se: manifesto comunista, manifesto liberal, e etc. No que se refere (AD-2), o conceito de uma máquina de estrutura fechada começa a dirimir-se. Inicia-se o conceito de formação discursiva, doravante FD, pinçada do filósofo Foucault (1969), no qual esse processo vai desaguar na transformação da concepção do objeto da AD. Para Foucault (1969), a FD é ―um conjunto de regras anônimas no tempo e no espaço que definiram uma época dada, e para uma área social, econômica, geografica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa‖. De acordo com que fora abordado acima, uma FD é responsável pelo que pode ou não ser dito, haja vista que ela parte de um lugar determinado socialmente. Uma FD é formada por certa regularidade, pois concebe regras de formação, é um mecanismo de controle (FOUCAULT, 1969), que vai determinar o interno, ou seja, o que pertence,
65
e o externo, isto é, o que não pertence a uma FD. Compreende-se que uma FD é sempre interpelada por outra FD, isto é, toda FD pertence a um espaço construído, que são os discursos que vieram de outros lugares. Portanto, na fase AD2 não se pode conceber a ideia de estrutura fechada, pois o espaço de uma FD é sempre permeado por outras formações discursivas, de um feito que nessa fase, os olhares voltam-se às relações entre as ―máquinas discursivas‖. Diferentemente da AD1, em que se deu a construção de máquinas discursivas, e a AD2, em que se ampliam tais conceitos, A AD3 propõe, a desconstrução dessas máquinas discursivas, assim adotando a perspectiva, segundo a qual, os discursos que atravessam a FD, não se constituem independentemente um do outro, uma vez que esses são regulados por outros discursos, interdiscursos, que estruturam a identidade das FD. Tendo em vista tudo que fora mencionado acerca da AD, questões pertinentes à AD serão obordadas, pois essas questões são relevantes para a concretude do terreno fértil que embasou sua linha de pesquisa. Na seção seguinte, trabalhar-se-á as diferentes noções de sujeitos, que se desenvolveram no escopo da AD.
3 CONCEPÇÕES DE SUJEITO PARA ANÁLISE DO DISCURSO Evidenciar-se-á como os diferentes tipos de sujeitos são concebidos em cada fase da AD, isso porque, cada fase percebe o sujeito de maneira distinta, posto que o sujeito está inserido em um espaço histórico-social, e, desse espaço, projetar-se-á de acordo com a fase de inserção. A AD concebe o sujeito como aquele carregado de subjetividade, e esta subjetividade é o motor condutor para o posicionamento de cada sujeito inserido no discurso. Na visão da AD-1, como cada processo é fomentado por uma ―máquina discursiva‖ fechada, o sujeito é visto como indivíduo que fala, pois o sujeito é a fonte do próprio discurso, é assujeitado a essa máquina, que controla seu discurso, tendo em vista que esse discurso é submetido às regras de enunciação. Segundo Orlandi (2010, p. 32), esse sujeito é: Pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ao controle sobre o modo pelo qual o sentido se constitui nele. Por isso é inútil, do ponto de vista discursivo, perguntar o que o sujeito quis dizer qual disse ―X‖ (...). O que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentido estão ali presentificados.
A AD-2 por sua vez percebe o sujeito, como aquele que não possui uma unicidade, o sujeito, assim, ocupa diferentes posicionamentos que dependerão dos diversos espaços interdiscursivos. O sujeito, aqui, apresenta-se com a ideia de função, pois, vigora na AD2 o posicionamento de que o sujeito está inserido em mais de uma ideia. Assim como na AD-1, o sujeito na AD2 não está verdadeiramente livre para falar de qualquer maneira, visto que ele sofrerá influência de uma formação ideológica (FI). Sua fala é produzida em um determinado lugar e tempo, de modo que esse sujeito é essencialmente histórico e ideológico. Segundo Brandão (2009, p. 49), ―sua fala é um recorte das apresentações de um determinado tempo histórico social.‖ Dessa forma, como ser projetado no espaço e no tempo orientado socialmente, o sujeito, na AD2, situa seus discursos em relação ao discurso do outro. Já para AD-3, o sujeito é essencialmente heterogêneo, clivado, dividido. Essa nova vertente desenvolvera-se em torno dos trabalhos de Authier-Revuz, que evidenciou em seu trabalho essas características do sujeito. As análises, segundo essa abordagem, direcionam-se não mais para o consciente, mas para o inconsciente. Na sequência do trabalho, expor-se-á a noção de ethos discursivo, visto a relevância deste para a concretude da análise.
66
4 CONCEPÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO Evidenciar ethos discursivo é retomar a perspectiva aristotélica, tendo em vista que fora por ele conhecido em seus estudos, para quem ethos está diretamente ligado ao caráter do orador. Diferentemente de Aristóteles, os romanos concebem por ethos, um dado preexistente que se apoia na autoridade individual e institucional do orador, pois, o termo estaria ligado à reputação de sua família, ao seu estatuto social e ao que se sabe de seu modo de vida. É importante trazer para o escopo do trabalho outras perspectivas que são pertinentes à concepção de ethos. Evidencia-se, nesse momento, a visão de ethos pelo viés de Aristóteles, para quem o discurso estivera centrado em três perspectivas: o ethos, que é o discurso: o logos, que é o exercício da razão e o pathos, que age em direção aos interlocutores suscitando em ambos a emoção, paixão e o próprio ato de persuadir, é assim responsável em agir diretamente nas emoções de quem ouve o orador, isto é, o locutor responsável em proferir seu discurso em direção a uma determinada plateia, com o objetivo maior de interagir com essa. De acordo com o mencionado acima, Amossy (2005, p.31) fala sobre o tema da seguinte maneira: O que o orador pretende ser, ele o dá entender e mostra: não diz que é simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está, dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde ao seu discurso, e não ao indivíduo ―real‖, (apreendido) independentemente de seu desempenho oratório: é, portanto o sujeito da enunciação uma vez que enuncia que está em jogo.
De acordo com abordagem centrada na Retórica clássica, ―1. O orador convencerá por argumentos, se, para bem dizer, ele começa por pensar. 2. Ele agradará pelos seus modos, se, para pensar bem, ele começa por viver bem‖. Aristóteles, diferentemente dos teóricos de sua época, os quais compreendiam que a persuasão não estaria no cerne dos estudos sobre ethos, posto que o ethos, segundo esses teóricos, não contribuiria para persuasão. Conquanto, o filósofo inseriu em sua abordagem sobre ethos a persuasão, argumento fortemente dissecado em sua Retórica. E, nesse contexto, Aristóteles emprega o termo epieikeia, que fora traduzido inicialmente por Doufour, por ―honestidade‖. De acordo com esse conceito, o orador que clarifica em seu discurso um caráter honesto pareceria mais digno de crédito aos olhos de seu auditório. É indispensável mencionar-se que em suas conjecturas sobre a Retórica, Aristóteles, gradativamente distanciou-se do aspecto de ethos centrado unicamente no caráter. O filósofo no decorrer de sua obra afirma que ―um homem rude não poderia dizer as mesmas coisas nem dizê-las da mesma maneira que um homem culto‖ (ARISTÓTELES, 2005, p.258). Com isso, Aristóteles, assim como, outros da antiguidade clássica, afirma que os temas e os estilos escolhidos devem ser apropriados (oikeia) ao ethos do orador, o que ele chama de héxis, ao seu habitus, ou seja, ao seu tipo social. Esse termo é encontrado, também, na sociolinguística interacionista. De acordo com o que fora abordado até o momento da visão de Aristóteles sobre ethos, tem-se, ainda, que evidenciar que o filósofo trabalhara com duas perspectivas distintas: uma centrada no termo ethos, o que significara de sentido moral e, por conseguinte, fundada na epieikeia, a qual engloba atitudes e virtudes como honestidade, benevolência ou equidade; outra centrada na abordagem de sentido neutro ou ―objetivo‖, que está direcionado a héxis. Aqui, reúnem-se termos como hábitos, modos e costumes ou caráter. Descortinaram-se duas concepções distintas de ethos na visão de Aristóteles. É interessante notar que ambas completam-se em qualquer processo de atividade argumentativa. Essas abordagens não se excluem, sobretudo, porque em um dado momento elas se imbricarão sem ter como separá-las no discurso, haja vista que ambas caminham em direção ao interlocutor. O ethos proposto pelo referido autor voltara-se para a persuasão de seus interlocutores, nessa direção, Aristóteles enumera três características relevantes que o orador (locutor) deveria ter para conseguir, com eficácia, direcionar seus discursos, que, por conseguinte, deveriam estar centrados no pathos, tendo em vista que essa característica,
67
segundo o mesmo autor, é quem sobressai em seus interlocutores ou expectadores. Pois são essas características que inspirariam confiança: – a saber, phrônesis, a aratê e a eúnoia – ―ter ar ponderado‖ (para phrônesis), ―apresentar-se como homem simples e sincero‖ (araté) e dar ―uma imagem agradável de si‖ (eúnoia). Essas características podem ser observadas no seguinte estudo de Aristóteles (2005, p.160) Os oradores inspiram confiança por três razões que são, de fato, as que, além das demonstrações (apódeixis), determinam nossa convicção: (a) prudência/sabedoria prática (phrônesis), (b) virtude (areté) e (c) benevolência (eúnoia). Os oradores enganam [...] por todas essas razões ou por uma delas: sem prudência, se sua opinião não é correta ou, se pensando corretamente, não dizem – por causa de sua maldade – o que pensam; ou, prudentes e honestos (epieikés), não são benevolentes; razão pela qual se pode, conhecendo-se a melhor solução, não a aconselhar. Não há outros casos.
Procurou-se mostrar de maneira clara e objetiva como o filósofo grego concebera a concepção de ethos discursivo, assunto este presente em suas retóricas e essencial para o escopo deste trabalho. É importante mencionar, aqui, que o ethos está indispensavelmente ligado ao ato de enunciação, contudo não se pode ignorar que o público/interlocutor pode construir as mais diversas representações do ethos antes mesmo que o locutor/enunciador se pronuncie. Trabalhar-se-á na próxima seção com a noção de Cenas de enunciação, tendo em vista que todo e qualquer discurso é recoberto por uma cena enunciativa.
5 CENAS DE ENUNCIAÇÃO De acordo com Maingueneau(2011) há três tipos de cenas de enunciação. Trabalhar-se-á com esta abordagem, posto que a concepção abarca a necessidade da pesquisa e explicita as cenas que recobrem o discurso em análise. 5.1 CENA ENGLOBANTE Esse tipo de cena está direcionado ao tipo de discurso, de uma feita que os mais diversos tipos de discurso são recobertos por este tipo de cena. Aqui, presentificam-se os respectivos discursos como: religioso, político, publicitário, filosófico, literário, etc. No que se refere à cena englobante, faz-se necessário que todos sejam capazes de identificar os discursos e os objetivos com que estes foram organizados, pois, aqui, se clarifica a interpelação do locutor direcionando seu discurso aos interlocutores, com o objetivo primeiro de persuadi-los. 5.2 CENA GENÉRICA Este tipo por sua vez relaciona-se aos tipos de gêneros de discursos ou a um subgênero; como: o editorial, o turístico, a consulta médica, a lista telefônica etc. É importante salientar que esta cena estará incluída em uma cena maior, ou seja, na cena englobante, pois ela se caracteriza dentro de um discurso específico, resvalando para um subgênero discursivo, ressaltando a relevância de se perceber tal cena, para que o efeito do discurso cumpra seu papel. 5.3 CENOGRAFIA Segundo Maingueneau (2011), a cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se o discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e independente dele, é aqui que o ethos vai tomando corpo e voz, uma vez que a cenografia é a cena de fala que o discurso pressupõe para poder enunciar. Nesse sentido, a cenografia não é, somente, um quadro, ou um ambiente, como se o discurso ocorresse em um espaço já construído, isto porque a cenografia vai se delineando no decorrer do próprio discurso.
68
DISCURSO DE POSSE, 01 DE JANEIRO DE 2011 Este foi escolhido em virtude da proposta do artigo, que fora fazer uma analise aportada teoricamente na AD, sob os aspectos discursivos envoltos neste discurso. Aqui, perceber-se-á o comportamento de uma mulher no cenário político brasileiro, que jamais tivera uma expressividade política, mas que consegue de forma heroica subir ao Planalto Central para que a faixa presidencial lhe fosse cingida ao corpo. E dessa maneira marcar definitivamente a história da política neste país. Neste contexto de marco histórico, é interessante mencionar que o discurso da presidenta eleita apresenta aspectos políticos relacionados aos do ex-presidente, Luís Inácio Lula da Silva, que se tornou a primeira pessoa popular a ocupar o Planalto Central. Na análise, observou-se que há uma convergência política entre este discurso de Dilma Rousseff e o governo de seu antecessor. (1) ―Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Luís Inácio Lula da Silva, com quem tive a mais vigorosa experiência política da minha vida e o privilégio de servir ao país, ao seu lado, nestes últimos anos.‖ (2) ―De um presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do País. (3) ―A maior homenagem que posso prestar a ele é ampliar e avançar as conquistas do seu governo. Reconhecer, acreditar e investir na força do povo foi a maior lição que o presidente Lula deixou para todos nós‖. Dilma dialoga com toda a sociedade, inclusive com a classe dos trabalhadores, sobretudo com as mulheres. Seu governo é o que mais apresenta a figura feminina na sua estrutura, e isso a distancia de todos os demais presidentes que governaram o país até exatamente 01 de Janeiro de 2011, data oficial da posse de Dilma Rousseff. Com a presente análise pretende-se descortinar o discurso em questão e como as cenas enunciativas apresentam-se no interior do discurso e quais as principais características do ethos discursivo representado no papel de uma mulher, que com muita perspicácia chegara ao poder, construindo uma imagem positiva de si; e como se forjou a materialização do sujeito neste discurso. No âmbito de interação e cenas enunciativas, o discurso erigiu suas propostas políticas; e no cerne dessas propostas estão imbuídos os argumentos usados pela presidenta, Dilma Rousseff, com o objetivo primordial de coadunar suas propostas políticas/ideológicas com os anseios da sociedade, de uma feita que não se podem separar os argumentos propostos daquilo que a sociedade espera da atual presidenta da república. O discurso fora modelado para congregar tanto os anseios do povo, classe de trabalhadores, como os dos empresários brasileiros e os empresários estrangeiros que atuam no país, assim como a classe de intelectuais. Dilma Rousseff trabalha seus argumentos enunciativos para que esses argumentos alcance toda a sociedade, tanto as pessoas mais simples como as mais escolarizadas. Para isso, ela faz uso de uma linguagem simples. Após a análise, observaram-se aspectos significativos que corroboraram para se constriur um perfil do ethos, representado por Dilma Rousseff, assim como as cenas que se presentificaram no discurso, e , por conseguinte, o sujeito concebido nesse discurso. Dilma Rousseff, no discurso, corporificou-se como uma pessoa congregadora, que buscou trabalhar seus argumentos de maneira que pudesse chegar a todas as camadas da sociedade brasileira; nesse sentido, o ethos representado pela presidenta materializou-se como um bravo guerreiro, que lutará avidamente para fazer um governo justo e igualitário, que seja capaz de dirimir as mazelas que tanto constrangem o Brasil.
69
No que se refere às cenas presentes no discurso, observou-se a caracterização da cenografia, que fora delineada ao mesmo tempo em que a figura do locutor/orador fora construída; da mesma forma que se estruturou a cena englobante eregida no decorrer do discurso; assim como a estruturação da cena genérica. Com relação à corporificação do sujeito no papel de Dilma Rousseff, este foi materializado no âmbito do próprio discurso e construiu uma imagem que pudesse interagir de forma eficaz com os interlocutores. É importante mencionar que a presidenta proferiu seu discurso de um lugar determinado, e é neste lugar que o discurso ganhou voz. Aqui, observou-se um sujeito que pensa que é verdadeiramente livre para dizer o que quer, mas não o é, porque todo o sujeito é movido por situações e lugares específicos de onde podem ou não se pronunciar de uma maneira ou de outra.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Obsevou-se que o discurso analisado não se esgota na análise proposta aqui, visto a relevância deste para a história política da sociedade brasileira. Procurou-se abordar nesta pesquisa assuntos relevantes e pertinentes que venham contribuir para futuros trabalhos com enteresse na Análise do Discurso. Analisar o discurso de Dilma Rousseff fora importante e instigante na medida em que pela primeira vez na história do Brasil uma mulher chega ao cargo de Chefe de Estado e, possivelmente, marcará definitivamente a política neste país, que fora preponderantemente, comandado por homens, desde sua concepção. Pela primeira vez, o povo dá voto e vez a uma mulher, que gravará o seu nome no quadro dos presidentes brasileiros, a partir deste momento político, os livros de história trarão em suas páginas o nome de uma mulher que governará o Brasil e o que isso representará para a democracia brasileira. Dilma Rousseff, possivelmente, permanecerá no imaginário da população, multicultural e multirracial, chamada República Faderativa do Brasil. Se seu governo alcançará os objetivos propostos, somente o tempo confirmará. No decorrer da análise, observou-se a presidenta eleita coadunar suas ideias políticas às da sociedade brasileira, que fora evocada a auxiliá-la no governo. A presidenta ressaltou, incisivamente, a importância de todos estarem juntos para construir um Brasil mais justo e igualitário, onde a miséria e a fome não constranjam mais o povo, que faz parte da sociedade de bem. Dilma Rousseff materializou seu discurso para congregar seus objetivos políticos aos da sociedade, como bem frisou, de bem, que está cansada das mazelas sociais. Na análise, o locutor/orador corporificou-se como um bravo guerreiro, apto a militar por um Brasil que seja forte economicamente e que não regrida o crescimento alcançado por seu antecessor, Luís Inácio Lula da Silva.
BIBLIOGRAFIA AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de Si no Discurso: a construção do Ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ARISTÓTELES. A Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior. 2. ed. Lisboa: Biblioteca de Autores Clássicos, 2005. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 6. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2009. CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2006. FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2010.
70
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos Discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar, 2007. _______. Análise de Textos de Comunicação. Tradução de Cecília P. de Souza e Silva, Décio Rocha. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2011. _______. Cenas da Enunciação. Organização Sírio Possenti, Maria Cecília Pérez de Souza e Silva. São Paulo: Parábola, 2008. MAZIÈRE, Francine. A Análise do Discurso: histórias e práticas. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. MUSSALIM, Fernanda; BENTES Anna Cristina (orgs). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. v. 2. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 5. ed. Campinas, SP: Pontes: 2010.
71
AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM: UMA ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO ARARIBÁ, DO 8° ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. Adriano Nascimento SILVA (FIBRA)
O livro didático é um recurso que professores utilizam para auxiliar as aulas ao longo de um ano, onde cabe a cada docente a análise para verificar qual é o melhor exemplar para trabalhar com determinada turma. Assim, o presente trabalho pretende fazer uma abordagem das concepções de linguagem verificando quais os fundamentos utilizados por cada uma, para embasar o ensino de língua em uma das concepções apresentadas. Fez-se uma análise do livro ―Araribá português‖, do 8° ano do ensino fundamental, em uma das unidades, para estabelecer qual das concepções de linguagem que está presente. Dessa forma pode-se abrir uma reflexão para que docentes de Língua Portuguesa possam situar suas práticas educativas, e que seus métodos abranjam toda a turma, com isso os objetivos alcançados, mostrando também que a linguagem faz parte do cotidiano dos seres humanos, assim pode ser verificada como: expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como processo de interação, basta que possa fazer uma abordagem observando a importância de cada uma para a sociedade. Palavras-chave: Concepções de linguagem, Livro didático, Língua portuguesa. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ao longo do tempo sabe-se que a língua evolui e com essas mudanças, os professores de Língua Portuguesa precisam acompanhar as melhores estratégias para trabalhar com seus alunos em sala de aula. A linguagem que é muito comentada por vários autores é situada em três focos que tem grande relevância para o processo educacional. Assim, a linguagem e a língua estão unidas por pontos que mesmo defendidos por alguns autores de forma divergente, elas tem ligação e se completam dando base para estudos e consequentemente para um melhor trabalho, tendo um foco principal que é o completo desenvolvimento dos educandos. É importante ressaltar que as concepções de linguagem são as organizações que mostram a relevância do estudo para situar os profissionais e os materiais utilizados por eles, para que as teorias aprendidas sejam colocadas em prática na atuação desses docentes. Dessa forma a linguagem pode ser concebida como: a linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e processo de interação. Como é o observado.
Quanto às transformações ocorridas nos estudos da linguagem a partir da primeira metade deste século, em que a escola se fez mais presente no cotidiano das comunidades industrializadas, podemos caracterizá-las, genérica e inicialmente, por transformações de concepções sobre a linguagem humana que foram de uma perspectiva de língua como expressão do pensamento, passando da visão de língua como instrumento de comunicação, até chegar-se uma concepção de língua como interação. (MANTENCIO, 2002. p. 68)
Este trabalho tem como objetivo geral apresentar as concepções de linguagem e analisar o livro didático de língua portuguesa ―Araribá‖, do 8° ano do ensino fundamental, e com isso evidenciar qual a base e concepção de linguagem que este livro apresenta, onde será analisado um capítulo, assim pautando seu trabalho nessas teorias. É relevante fazer esta pesquisa, pois todo material observado instiga o pensamento e as reflexões que devem ser feitas pelos professores de língua portuguesa, onde possam elaborar seus trabalhos, seus planos de aulas em teóricos, para que suas aulas tenham o embasamento necessário para que os objetivos sejam alcançados e o desenvolvimento dos educandos realmente efetivado. Com isso observa-se que todas as concepções de linguagem têm sua importância e que pode ser explorada da melhor forma para utilização de métodos condizentes com o grupo que está trabalhando. O artigo está embasado nos seguintes autores: Irandé Antunes, Luiz Carlos Travaglia, Alexander Romanovich Luria, Maria de Lourdes Meirelles Mantêncio, todos eles apresentam muito bem as relações de língua, linguagem e ensino de língua portuguesa, fatores importantes para a elaboração e base teórica para o presente trabalho.
72
A partir dessas especificações, o presente artigo está dividido em: considerações iniciais, a primeira seção que apresenta a linguagem, as subseções que especificam as concepções de linguagem e a segunda seção que caracteriza o livro didático com a segunda subseção onde analisa a obra. Na Seção 1, é apresentado um breve panorama da linguagem e suas concepções, estas divididas em três subseções, para uma clareza do que cada uma delas defende. Na Seção 2, faz-se uma apresentação do livro didático e da unidade, e posteriormente a análise de uma seção de um livro didático, para verificar qual a concepção de linguagem utilizada por ele nesta unidade, e com os comentários relevantes para este trabalho. Por fim, as considerações finais com as relativas observações para conclusão do trabalho. 1 – A LINGUAGEM E SUAS CONCEPÇÕES A linguagem é um processo muito importante para os indivíduos, ela estabelece relações de compreensão, interpretação e produção dos processos que estão em volta dos seres humanos, assim a leitura de livros, revistas, placas, etc., são elaborados através de linguagem. Como afirma Alexandr, ―Pelo termo linguagem humana, entendemos um complexo sistema de códigos que designam objetos, ações ou relações, códigos que possuem a função de codificar e transmitir a informação e introduzi-la em determinados sistemas. (LURIA, 1986, p. 25)‖ Com o uso da linguagem há consequentemente um desenvolvimento do pensamento, pois interpretação e compreensão são mecanismos que instigam a elaboração de formas apropriadas de uma leitura, todo ser humano, através da linguagem pode ser uma pessoa bem instruída e conhecedora do mundo em que está presente. A linguagem também é o recurso de comunicação entre os indivíduos, devido ela ser o processo de troca de informações entre as pessoas que estabelece uma comunicação e consequentemente uma interação. A fala que se utiliza é um dos mecanismos dessa linguagem. Dessa forma apresenta-se a linguagem como: forma de expressão do pensamento, como forma de comunicação e interação. 1.1 – A linguagem como expressão de pensamento Esta teoria enfatiza a ideia de que os cidadãos formadores de pensamentos devem organizar sua linguagem mentalmente e atribuir as características do falar bem e do escrever bem, pois o ato comunicativo pode ser realmente concretizado por uma fala mencionada, pela própria decodificação.
A palavra e a oração, como formas básicas da linguagem, constituem não somente formas de reflexo da realidade e de expressão da ideia em forma verbal; o domínio do sistema de linguagem garante o salto do conhecimento sensorial ao racional, que é talvez o acontecimento mais importante na evolução da vida psíquica. Graças à linguagem, o sujeito pode penetrar na profundidade das coisas, sair dos limites da impressão imediata, organizar seu comportamento dirigido a uma finalidade, descobrir os enlaces e as relações complexas que são inatingíveis para a percepção imediata, transmitir a informação a outro homem, o que constitui um poderoso estímulo para o desenvolvimento mental, pela transmissão de informação acumulada ao longo de muitas gerações. (LURIA, 1986, p. 2002)
Estes mecanismos apresentados (falar e escrever) materializam o pensamento que era apenas imaginação, com o próprio ato de interação entre os indivíduos envolvidos. 1.2 – A linguagem como instrumento de comunicação A comunicação é uma capacidade humana que é evidenciada pele troca de informações entre os seres humanos, dessa maneira pode dizer que linguagem também é comunicação, já que este processo é um meio em que também pode haver interação no que está sendo desenvolvido, como afirma Kristeva (1969) ―podemos dizer que a
73
linguagem é um processo de comunicação de uma mensagem entre dois sujeitos falantes pelo menos, sendo um o destinador ou o emissor, e o outro, o destinatário ou o receptor‖. Todo ato comunicativo leva a uma apresentação de elementos básicos que carregam significados lógicos para o assunto explanado, consequentemente o conhecimento. 1.3 – A linguagem como processo de interação A concepção de linguagem que trata como o processo de interação refere-se diretamente à necessidade humana de estabelecer comunicação com os indivíduos que estão a sua volta, dessa forma, falar e ouvir são meios para que a interação possa ser concretizada. O ato comunicativo que os seres humanos desenvolvem serve para que haja a troca de informação entre as pessoas, assim um simples diálogo traz em sua essência informação e conhecimento. Uma oralidade orientada para desenvolver a habilidade de escutar com atenção e respeito os mais diferentes tipos de interlocutores – A atividade receptiva de quem escuta o discurso do outro é uma atividade de participação, de cooperação em vista da própria natureza interativa da linguagem. Se não há interação não há ouvinte. (ANTUNES, 2003, p.105)
Conceber a linguagem como forma de interação significa entendê-la como um trabalho em grupo, portanto em sua natureza social e histórica, a linguagem, nesse contexto, é o local das relações sociais em que falantes atuam como sujeitos. O diálogo, assim, de forma ampla, é tomado como aquele que caracteriza linguagem. Uma atividade é interativa quando realizada, conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ações se interdependam na busca dos mesmos fins. Assim numa inter-ação (ação entre), o que cada um faz depende daquilo que o outro faz também: e toda decisão leva em conta essas condições. (ANTUNES, 2003, p. 45)
Irandé Antunes corrobora essa relação da linguagem ser interação, assim a comunicação que é a própria linguagem é também interação, pois na maioria dos casos envolvem os indivíduos em tal processo. 2 – CARACTERIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO O livro didático é um recurso que auxilia no processo educacional desenvolvido atualmente em escolas públicas e privadas brasileiras, onde o professor pode optar por trabalhar um determinado livro ou a coordenação da escola se encarrega de analisar os melhores materiais para ser utilizados durante o ano letivo. O docente pode também fazer uma intertextualidade com outros materiais para completar as necessidades que alguns livros apresentam, assim, a análise desses materiais é de muita importância antes da utilização. O livro didático que foi analisado para produção deste trabalho é um compêndio produzido pela editora Moderna do ano de 2010, é uma obra coletiva, denominada de Araribá Português, do projeto Araribá, do 8° ano, sendo a 3ª edição. A edição do texto foi produzida pelas seguintes pessoas: Áurea Regina Kanashiro, Mônica Franco Jacintho e Daniela Cristina Calvino Pinheiro, e tendo como coordenadora editorial Áurea Regina Kanashiro. A apresentação da obra evidencia que os objetivos dela é ajudar a adquirir o domínio do Português por meio de todas as informações que chegam diariamente das mais diferentes maneiras, desde que acorda até dormir, e com os desafios de continuar sempre aprendendo. ―Araribá português é um livro composto de oito unidades, sendo elas respectivamente: o narrador, narrativa: ponto de vista, a descrição objetiva e subjetiva, a estrutura do texto teatral, formas de organização e exposição, a argumentação, recursos da linguagem poética e imagens que explicam. Para a análise foi escolhido a unidade 8, titulada de imagens que explicam, os tópicos que a compõem são os seguintes: Imagem de abertura, que são imagens da enchente de lama tóxica na Hungria, em 2010; leitura, ―as
74
lições do abismo, uma reportagem da revista Veja; produção de texto, sendo o proposto um artigo de opinião; estudo da língua, com o assunto do emprego da vírgula no período composto por subordinação; novamente leitura, do texto da revista Veja ―O reality show de 1 bilhão de telespectadores‖; produção de reportagem a partir de esquema; questões da língua e revisões. Todas as unidades são compostas basicamente por esta estrutura apresentada anteriormente. 2.1 – A análise do livro didático através das concepções de linguagem A unidade escolhida para análise foi o capítulo 8, que apresenta as divisões que foram apresentadas na seção anterior. O material é bem contextualizado, onde se verifica a presença de textos que abordaram situações que foram e são relevantes para assuntos que devem ser esclarecidas e colocadas em debates no ambiente escolar, para desenvolver melhor o pensamento dos discentes, tornando-os pessoas críticas. No geral, o livro trabalha com as três concepções de linguagem que foram apresentadas anteriormente, pois traz exercícios que vão apenas explorar o pensamento, outros que, além disso, estimularão a melhoria da comunicação e os que deverão ser organizados em grupos, como: debates, apresentações, etc., sendo que o proposito do trabalho é apresentar uma das unidades, com suas respectivas atividades, para situar o uso da linguagem acerca das três principais teorias. O propósito da unidade 8 é que os alunos consigam perceber nas imagens as informações, logo se trabalha com o texto não verbal, onde a imagem mostra uma inundação de lama tóxica na Hungria, nas páginas seguintes é apresentado um texto que fala do vazamento no Golfo do México, e faz algumas observações para as atividades do pré-sal brasileiro. Na relação que se trabalha com o estudo do texto, onde estão as atividades que foram analisadas para verificar a concepção de linguagem presente, mostra como fundamentação a linguagem como uma expressão do pensamento, pois todas as questões envolvidas são de interpretação, assim os discentes tendem a ler e entender os sentidos dos textos, tanto os verbais como os não verbais. Dessa forma eles serão avaliados pelo que compreenderam na leitura e pelas respostas apresentadas nas resoluções dos exercícios.
Em termos de ensino, assumir uma concepção formalista significa considerar a linguagem uma entidade capaz de encerrar e veicular sentidos por si mesma, de expressar o pensamento. De modo geral, a vertente dos chamados ‗estudos tradicionais‘, incluídos aí os gramaticais, situam-se nesta perspectiva. A perspectiva formalista trata, assim, de uma concepção antiga e de forte prestigio, que concorreu e muito concorre ainda na formação dos docentes de letras. As noções de certo e errado, as tarefas de análise linguística que ficam apenas no âmbito da palavra, do sintagma ou da oração, a atividades de interpretação de textos como o exercício da procura do verdadeiro sentido ou do que o autor quer dizer são poucos dos muitos exemplos que poderíamos citar de práticas envolvidas nas salas de aula sob a luz da concepção formalista da linguagem. (MARTELOTTA, 2010, p. 236)
Com o exposto, faz-se uma afirmação da maneira como as atividades levam os alunos apenas as suas informações, ou seja, sua linguagem como desenvolvimento do seu pensamento, o que leva professores a correções de correto ou incorreto, neste capítulo analisado. A referida unidade traz questões como: ―1ª - qual é o assunto do texto?‖, ―2ª – o que causou o acidente na Deep Horizon?‖, ―3ª - esse acidente teve duas consequências importantes e que são apresentadas no primeiro parágrafo. Quais são elas?‖, ―4ª - quais foram as consequências políticas e legais do acidente mencionado no texto?‖, e todas as outras têm o mesmo caráter. Como a interação é um fator de grande importância na educação, e uma das concepções de linguagem apresenta-se como forma de interação, o que poderia ser feito era uma mescla nas atividades para que em todas estivesse o debate, a criação de perguntas e respostas, as apresentações, o que abrangeria um fator que é de muita importância e que ajuda bastante no ato educacional que é a interação.
75
Vale ressaltar que o livro é bem contextualizado, com atividades que apresentem a linguagem como expressão do pensamento, como elemento de comunicação e como modo de interação, mas na unidade analisada prevaleceu a concepção de linguagem que faz referência à expressão do pensamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Trabalhar com o livro didático é de grande importância para o trabalho de cada professor, pois este material de apoio deve ser muito bem escolhido para que as atividades e o conteúdo sejam de valia para a classe em que este material foi designado. O trabalho desenvolvido acerca das concepções de linguagem e a análise ―do livro Araribá‖ podem situar profissionais da língua portuguesa a serem observadores do material utilizado em sala de aula, para não apenas ministrar conteúdos ou propor atividades aos discentes, mas que sua proposta possa ser de importância com textos e atividades que tenham relação com o cotidiano dos alunos. Dessa forma, a pesquisa elaborada pretendeu mostrar que no geral, o livro do projeto ―Araribá‖ é constituído das três concepções de linguagem abordadas (linguagem como expressão do pensamento, como elemento de comunicação e como forma de interação). Sendo que na unidade analisada a concepção presente foi ―a linguagem como expressão do pensamento‖, esta concepção foi a identificada como presente na unidade, pela maneira como os exercícios foram direcionados, já que eles pretendiam apenas verificar a compreensão e interpretação dos alunos nas perguntas, como isso o professor tem a oportunidade de trabalhar com correções de ―correto e incorreto‖. Observa-se que estas três concepções se interligam, pois um processo que ajuda muito do ato educacional é a interação, o professor como mediador pode criar estratégias para que nesta unidade, ele possa fazer as intervenções necessárias para seu aluno elaborar bem essa linguagem como expressão do pensamento. Vale ressaltar que juntamente com os textos e exercícios do livro didático, o professor pode modificar alguns pontos para trabalhar com todas as concepções ao longo do ano, pois o aluno precisa pensar, organizar ideias, apresentar opiniões e escutar as ideias dos outros, assim estará trabalhando unidades essenciais para uma boa formação educacional. Com tudo isso observado é evidente que o livro tem uma boa dinâmica, e que pode a partir da necessidade dos discentes ser aproveitado de diversas formas, já que para época, aborda situações de relevância, traz exercícios de interpretação e compreensão textual, atividades de apresentações e debates em grupo. REFERÊNCIAS ANTUNES, Maria Irandé. Aula de português – encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. LURIA, Alexander Romanovich, Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: 1986. MARTELOTTA, Mario Eduardo (org.), Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2010. MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, produção de textos e a escola. São Paulo: Mercado das Letras, 1998. PROJETO ARARIBÁ. Português: ensino fundamental/ obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela editora Moderna; editora executiva Áurea Regina Kanashiro. 3ª edição. São Paulo: Moderna, 2010. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Língua Portuguesa. Brasília, 1997. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus. São Paulo: Cortez, 1996.
76
“BURITI” OU A LINGUAGEM DO SILÊNCIO SOB O SIGNO DA NOITE: aspectos do interdito e da transgressão em guimarães rosa Brenno CARRIÇO (UFPA/PIBIC — CNPq) Sílvio HOLANDA (UFPA) Situado no limiar entre o arcaico e o moderno, o sertão prospectado pela prosa de Guimarães Rosa (1908-1967), ao retratar os paradoxos da existência humana, não deve ser compreendido a partir de uma leitura restrita que vise a reduzir as vivências das personagens a qualquer interpretação de caráter maniqueísta. Antes, considerando-se a ideia de mediação, deve-se refletir acerca de como a ficção rosiana opera a reconciliação de termos contrários, mas interdependentes — bem/mal, Deus/diabo, por exemplo, e, no caso do título selecionado, sagrado/profano. Na novela ―Buriti‖, de Corpo de baile (1956), a sobreposição das experiências afetivas presente nos discursos de Miguel — veterinário que retorna à fazenda do Buriti-Bom para pedir em casamento Maria da Glória — e Lalinha — esposa traída e abandonada pelo marido —, aponta para essa tensão como um produto da lógica binária de mundividência. Assim, a ausência de subordinação entre causa e consequência se traduz em uma preterição da ordem linear do fato narrado, em função da percepção imediata das sensações. Nesse sentido, o corpo, ―invólucro do ser‖, assume papel primordial na trama, pois, na medida em que o intelecto reinterpreta a consciência sensível, o liame entre o corpo e o erotismo, evidenciado como uma constante interpretativa do romance, se dá pela via da linguagem, ―consciência perceptiva solidária com o corpo, maneira pela qual o indivíduo se instala no mundo‖ (RECH, 2010, p. 55). Este trabalho, à luz do anteparo teórico-metodológico da Rezeptionsästhetik, de Hans-Robert Jauß (1921-1997), abordará os processos de erotização do corpo enquanto instância intrínseca e determinante nas relações entre os protagonistas da novela ―Buriti‖, um problema da recepção crítica, figurado, sobretudo, nos estudos de Dirce Riedel (1962) e Alessandra Rech (2010). Palavas-chave: Guimarães Rosa, Processos de erotização, Recepção crítica. Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o prêto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com êste mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, êste mundo é muito misturado... (Guimarães Rosa)98
A proeminência do moderno no projeto literário de Guimarães Rosa (1908-1967) é evidência que se verifica não apenas na maneira como as representações de uma determinada brasilidade são indiciadas, mas, sobretudo, na intersemiose de discursos que atestam os liames culturais heterogêneos que formam nossos comportamentos, anteparo fundamental para compreender as especificidades da matriz donde provém o ethos nacional contemporâneo, resultado dos múltiplos processos de interação no espaço e no tempo 99. Amplamente difundida pela crítica recente, as hipóteses de que a prosa rosiana é desenvolvida a partir da relaboração do registro historiográfico constituem um viés interpretativo de grande relevância para a apreensão dos conteúdos subjacentes tanto à matéria sócio-antropológica quanto àquela propriamente estética.100 Inserida em uma espécie de entre-lugar, o fio-condutor das narrativas que se passam nos Gerais repousa sobre um campo de tensão em que se tem o elemento tipicamente estável da estrutura arcaica que formam as ―leis dos antigos‖, em convívio admitido com o precário, decorrente da provisoriedade trazida pelo meio urbano,
98
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956b, p. 71. O excerto a seguir, relato da estada de Riobaldo na casa de Assis Wababa, é modelar no que diz respeito ao tratamento das questões relativas às etapas de modernização do ambiente rural. Atente-se, ainda, para o fato de que toda a rede de diálogo se dá entre um alemão e um árabe, em pleno sertão: ―Seo Assis Wababa oxente se prazia, aquela noite, com o que o Vupes noticiava: que em breves tempos os trilhos do tremde-ferro se armavam de chegar até lá, o Curralinho então se destinava ser lugar comercial de todo valor. Seo Assis Wababa se engordava concordando, trouxe canjirão de vinho. Me alembro: eu entrei no que imaginei — na ilusãozinha de que para mim também estava tudo assim resolvido, o progresso moderno: e que eu me representava ali rico, estabelecido. Mesmo vi como seria bom, se fôsse verdade.‖ Cf. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956, p. 124-5. 100 Nem sempre ocorreu assim. Na década de 1970, tendo em voga a tendência marxista de abordagem das obras literárias, obras a exemplo de Grande sertão: veredas sofreram críticas severas de estudiosos como Wilson Martins e Gilvan P. Ribeiro, que assim se refere ao único romance de Guimarães Rosa: ―A postura realista diante do real, levando a um envolvimento com o homem e à repulsa a tudo o que possa travar-lhe o progresso, desnuda os mecanismo que levam à alienação e à fetichização, a um empobrecimento humano do homem. A recusa em colocar tais problemas em pauta afasta o artista da vida e faz de sua obra um mundo morto. A arte verdadeira como a vida é liquidada sumariamente. A evidente disparidade entre a miticização roseana e o real que se propunha como base tornam Grande Sertão: Veredas um imenso palco para a exibição do virtuosismo do autor: um palco povoado de sombras que os arabescos linguísticos se esforçam por prender e reter.‖ RIBEIRO, Gilvan P. O alegórico em Guimarães Rosa. In: COUTINHO, Carlos Nelson et alii. Realismo e anti-realismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p. 104. 99
77
criadores de um antagonismo algo paradoxal, de uma instabilidade necessária para tratar seja do complexo social vigente nas relações intersubjetivas, que assumem uma tônica universalizante, seja para refletir acerca dos caracteres constitutivos de uma identidade peculiar, restrita ao ambiente sertanejo. É à luz dessa assertiva que se deve depreender o caráter intersticial da poiésis rosiana, pois, situada no limiar, inscrita no avesso da conjuntura histórica, ―essa epokhé que se inter-põe num entretempo messiânico — é, afinal, esse aguardar teimoso [de] um sentido último e definitivo‖ (FINAZZI-AGRÒ, 2004, p. 155), cujo intuito é dar relevo às efemeridades de protagonistas que, deparando-se com realidades socialmente demarcadas, vivenciam dramas humanos gerais, tornando, assim, do sertão, o mundo, um não-lugar definido, onde já se faz impossível a afirmação do cogito cartesiano, muito menos dos maniqueísmos que circundam a cosmovisão ocidental, mais especificamente, brasileira. Dessa feita, o caro dilema de Riobaldo, em Grande sertão: veredas (1956), por exemplo, antes de qualquer coisa, é uma aflição do narrar, modo de operar com o ―signo e [o] sentimento‖101 (ROSA, 1956b, p. 780), forma de mediar o conhecimento e a experiência onde tudo é tão misturado, e que se repercute em outros títulos de Guimarães Rosa como em ―Buriti‖, objeto dessa investigação. Nossa proposta é observar o quanto os estudos relativos à obra em exame igualmente se valem dessa perspectiva, uma vez que incidem sobre a interdependência das contradições, que, ao se imiscuírem, superam binarismos como bem/mal, sagrado/profano, e, pela via do erótico, instauram o insólito. Novela fragmentada, que dá forma a um conteúdo que flui do subconsciente 102, a arquitetura narrativa de ―Buriti‖ é construída pela descontinuidade das reminiscências do veterinário Miguel, em cujo presente habita o passado — o amor por Maria da Glória, filha do fazendeiro Liodoro —, projetando-se para o futuro — as incertezas de concretização do happy-end. Em uma atmosfera de enlevo perante a terra e a tradição, a palmeira-símbolo, que dá nome à estória, sintetiza a perpetuação da ordem do patriarcado, a qual os indivíduos, em conformidade com ela, devem conduzir seus atos. O buriti, então, condiciona todo o enredo, funcionando como um símile significativo capaz de sugerir diversas possibilidades exegéticas, ao efetuar como que uma simbiose entre natureza e homem, para exprimir a constância e a liberdade dos sujeitos. A vi, adiante, o extremo em ser do buritizal — os buritis iguais, esperantes, os braços fortes. O BuritiGrande, a aragem regirando em seu cimo, um vento azucrim, que aqui repassava as relvas, com mão baixa. A mata. O Brejão — chôco, má água em verdes, cusposo; mas belo. E o rio, relento. Mas: o Buriti-Grande — uma liberdade. Miguel desceu de pensamento. A vida não tem passado. Tôda hora o barro se refaz. Deus ensina. (ROSA, 1956, v. 2, p. 821-2)
Em termos de recepção, a expoente análise de Dirce Riedel (1962) propõe uma leitura dos aspectos imagísticos enquanto motivo central que induz o leitor à adotar uma percepção unificadora diante do texto, ao inteligir as constantes alegóricas que retornam expressas por comparações, reexpressas por metáforas, chave para o desenrolar da trama. O enquadramento do erotismo, então, se apresenta na série de imagens entrecruzadas, que, para além do simples descrever, suscitam outros sentidos, visto que referem não só à genitália feminina, ―mata ―A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fôsse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data.‖ Cf. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956, p. 124-5. 102 Subconsciente, subconsciência = D.: Unterbewusste. — F.: subconsciente, subconscience. — Em.: subconscious, subconsciousness. — Es.: subconsciente, subconciencia. — I.: subconscio. ―Termo utilizado em psicologia para designar, ou o que é fracamente consciente, ou o que está abaixo do limiar da consciência actual ou mesmo inacessível a ela; usado por Freud nos seus primeiros escritos como sinónimo de inconsciente, o termo é depressa rejeitado em virtude dos equívocos que favorece. [...] [§] Se Freud rejeita o termo ‗subconsciente‘ é porque este lhe parece implicar a noção de uma ‗segunda consciência‘ que, por muito atenuada que se suponha, permaneceria em continuidade qualitativa com os fenómenos conscientes. A seus olhos, só o termo ‗inconsciente‘ pode, pela negação que contém, acentuar a clivagem tópica entre dois domínios psíquicos e a distinção qualitativa dos processos que ali se desenrolam.‖ Cf. LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, JeanBertrand. Vocabulário da psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 636-7. 101
78
marginal [que] se cerrava, uma enormidade, negra de virgem‖ (ROSA, 1956a, v. 2, p. 673), como, ainda, à ejaculação, cheiro ―úmido de amor feito‖ (ROSA, 1956a, v. 2, p. 688), consumação do ato sexual. O brejo não tinha plantas com espinhos. Só largas fôlhas se empapando, combebendo, como trapos, e longos caules que se permutam flores para o amor. Aquêles ramos afundados se ungindo dum muco, para não se maltratarem quando o movimento da água uns contra os outros esfregava. Assim bem os peixes nadavam enluvados em goma, por entre moles, mádidas folhagens. (ROSA, 1956a, v. 2, p. 729-30)
Por sua vez, em Adélia Menezes (2008)103, o erotismo, com base nas proposições de Battaille, diz respeito a congruência da lei com o desejo, forma alternativa que liberta o pensamento, pondo em questão a força inexorável que o interdito representa. Nesse sentido, tal óptica se opõe à concepção neoplatônica e hermético-alquímica vinculada a Benedito Nunes (1969) porque, em ―Buriti‖, a plenitude afetiva inverte a hegemonia do espírito, derruindo seu primado sobre o corpo e lhe subordinando ao erótico, transgressão da ordem, dos limites da racionalidade, e que, por extensão, se associam ao feminino, cujos agentes são Maria da Glória e Lalinha, esposa traída e abandonada pelo marido, Irvino. Logo, não é gratuito o fato de os processos de erotização da narrativa perpassarem, principalmente, pelas instâncias da linguagem das mulheres, atribuição de voz discursiva à personagens periférifas em relação ao centro patriarcal, a fazenda do Buriti Bom, porquanto divergem do mundo do trabalho, e, indiferentes ao meramente utilitário, mesmo em relação ao sexo, por não se deixarem mais ser objeto de um amor idealizado, notabilizam-se pela ousadia com que se desvelam ante o leitor, que, afastado do já conhecido de sua experiência estética, se vê confrontado com revelações que desarticulam sua compreensão das vivências interpessoais no interior do sertão. O trecho a seguir, como mostra do que se afirma, trata-se de um diálogo entre Maria da Glória e sua cunhada, por ocasião do suposto estupro sofrido por aquela. Fôsse mentira, por tudo, por Deus, fôsse uma mentira!... Glória: — ―Mas é verdade, Lala. Verdade, muito. O Gual...‖ [...] Glória: — ―Por quê, Lala? O Gual? Às vêzes êle não é feio... Só é rústico...‖ Glória, tão linda, e aquêle homem se atrevera... Glorinha: — ―Não, Lala. Fui eu que mandei. Quase o obriguei a fazer tudo, a perder o respeito, que êle tinha demais...‖ Aqui? No Buriti Bom? Aqui? Glorinha: — ―Não, aqui não, Lala. Foi num lugar escondido, bonito, no Alto-Grande... Agora, não tem mais remédio. Sossega. Isso não é para acontecer com tôdas?...‖ Lalinha: — ―Mas, por que assim, Glorinha, meu bem, por quê?! Você, logo você...‖ Glorinha: — ―Que me importa!? Eu não quero casar. Sei que Miguel não vai vir mais... Antes, então, o Gual, pronto à mão, e que é amigo nosso, quase pessôa de casa. (ROSA, 1956a, v. 2, p. 811)
Figura preponderante no suceder dos acontecimentos, a nora, em consonância com a pesquisa de Alessandra Rech (2010), encerra uma função primordial no texto, haja vista que, ao se desnudar para o sogro, em uma das cenas finais da novela, pode ser lida na qualidade de ―revelação alegórica, no sentido de uma autodescoberta, que irá aparecer também na influência sobre outros personagens‖, e que marcam, ainda, a ―sua libertação das construções que já não valem mais para a vida que se descortina Buriti adiante‖ (RECH, 2010, p. 52). Esse modus vivendi é a plasmação sinestésica do signo linguístico às possibilidades de representação, no qual a consciência perceptiva instaura a existência, momento-ápice, em que o inteligível se integra ao sensível, de maneira que o proceder erótico se traduz em gestos e expressões do corpo. — ―E o corpo, o senhor gosta? A cintura?‖ — ela requestou. Sim, a cintura, o busto, os seios, as mãos, os pés... Devagar, a manso, falavam de tudo nela, os olhos e as palavras dêle quentemente a percorriam. Parecia um brinquedo. Ah, sim — ela se dizia: — tinha de ser como num brinquedo para que pudessem, sem pejo, continuar naquilo. Como riam, e demonstravam um ao outro estar achando pura graça naquele jogo, prevenindo-se de que dêle não haveria temer consequências. Como inteligentemente tinham-se compreendido, e encontrado a única solução, Lalinha lúcida se admirava. E era um escoar-se, macio, filtrado, se servia apenas a essência de um desejo. (ROSA, 1956a, v. 2, p. 781-2) O professor Luiz Valente, em seu Mundividências (2011), retoma essa abordagem, e, sobre o assunto, comenta: ―Semelhantemente ao erótico de Bataille, o erótico de Guimarães Rosa se situa nos interstícios entre a lei e o desejo, entre o conhecimento e o não conhecimento. A literatura mantém com o erótico uma profunda e íntima ligação na medida em que se situa também naquela zona interstícia, mediadora entre o conhecimento e o não conhecimento, de que fala Bataille. [...] O grande problema para os autores, leitores e até mesmo personagens permanece, no entanto, como transformar em realidade essa visão, esse conhecimento, essa alternativa a que nos conduz a literatura, isto é, como tornar congruentes lei e desejo.‖ Cf. VALENTE, Luiz Fernando. Mundivivências: leituras comparativas de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011, p. 127.
103
79
Obra multifacetada e atual, o moderno, em ―Buriti‖, ultrapassa a atemporalidade do lugar da literatura, e, ao fazê-lo, expande a consciência de modernidade, depondo a favor do potencial criativo do texto, na medida em que sua recepção demanda o fim ―de um passado pela autoconsciência histórica de um novo presente‖ (JAUß, 1996, p. 50). Daí, uma a uma das interpretações aqui abordadas serem dependentes ao que há de unívoco em cada fato literário: ora em decorrência da linguagem ser a substância por meio da qual há a reconciliação entre homem e natureza, como em Dirce Riedel, ora por resultar em uma convergência entre trangressão e interdito, de acordo com Adélia Menezes, ou, também, por tornar harmônicas a percepção sensível e a percepção inteligível, como se observa em Alessandra Rech, liminaridade e mediação são conceitos fulcrais para surpreender outras conexões em Guimarães Rosa, capazes de revelar aos seus leitores o advento dos seres e das coisas, a partir de um universo projetado por esse autor, no qual se reencontra a unidade do mundo, reencontrando-se consigo próprio. Por fim, cabe assinalar que a sexualidade latente em ―Buriti‖, sob o pano de fundo do patriarcalismo estatuído, opera como índice da resistência aos processos de alienação cultural do brasileiro, representando, no espaço literário, tanto o anelo moral socialmente aceito quanto o mais estigmatizado de uma coletividade, figurando como fator diplomático, conciliador da estrutura social dominante e da dominada, daqueles que subsistem em silêncio, obrigados por uma increpação, seja religiosa ou institucional, a compelia. A ars corporis, então, inclusa à poiésis da luta com o signo linguístico, surge repleta de princípios suspensos no encadeamento do contingente histórico da cultura do corpo como forma de expressão, como meio de presentificação do ser sertanejo, num mundo diverso.104
REFERÊNCIAS TEXTOS LITERÁRIOS ROSA, João Guimarães. Corpo de baile: sete novelas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956a, 2 v, 824 p. ______. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956b, 594 p. TEORIA LITERÁRIA E HUMANIDADES JAUß, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994, 78 p. ______. Tradição literária e consciência atual da modernidade. In: OLINTO, Heidrun Krieger (org.). Histórias de literatura: as novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996, p. 47-100. LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 636-7. SOBRE GUIMARÃES ROSA (Seletiva) FINAZZI-AGRÒ, Ettore. O lógos trágico na obra de João Guimarães Rosa. FINAZZI-AGRÒ, Ettore; VECCHI, Roberto (orgs.). Formas e mediações do trágico moderno: uma leitura do Brasil. .São Paulo: Unimarco, 2004, p. 155-160. MORAES, Marcio. O diabo pé de valsa: a hora e a vez do Corpo de Baile. Ensaios da preguiça e do baile. São Paulo, 2009. 171 p. Tese de Doutorado em Letras, Universidade de São Paulo. MENEZES, Adélia Bezerra de. Erotismo e transgressão: o pathos amoroso em Noites do Sertão, de Guimarães Rosa. Ângulo, Lorena, n. 115, p. 10-16, out./dez. 2008. NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Perspectiva, 1969, 278 p.
104
Cf. MORAES, Marcio. O diabo pé de valsa: a hora e a vez do Corpo de Baile. Ensaios da preguiça e do baile. São Paulo, 2009. 171 p. Tese de Doutorado em Letras, Universidade de São Paulo.
80
RECH, Alessandra. Na entrada-das-águas: amor e liberdade em Guimarães Rosa. Caxias do Sul: EDUCS, 2010, 128 p. RIBEIRO, Gilvan P. O alegórico em Guimarães Rosa. In: COUTINHO, Carlos Nelson et alii. In: Realismo e antirealismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p. 95-104. VALENTE, Luiz Fernando. Mundivivências: leituras comparativas de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011, 163 p.13.
81
NAS TRILHAS DA OBRA THE DEVIL TO PAY IN THE BACKLANDS: outro olhar em prova Suellen Cordovil da SILVA (UFPA) Sílvio Augusto de Oliveira HOLANDA (UFPA)
Nesta comunicação propõe-se apresentar a saga Grande sertão: veredas (1956), na versão americana intitulada como The devil to pay in the backlands (1963), traduzida por Harriet de Onís (1899-1969), por James Taylor (18921982), o qual complementou a versão. A primeira edição foi publicada nos Estados Unidos, e, no Canadá, pela editora: Alfred Knopf. Dessa forma, esta pesquisa justifica-se com as descobertas das características de proximidades e distanciamentos da tradução americana com o projeto poético de Guimarães Rosa na tradução americana, e com a recepção crítica da época e atual pelos leitores. A obra rosiana é atualizada pelas diversas leituras críticas americanas. Com diversas leituras críticas americanas da tradução, objetiva-se investigar a recepção crítica da tradução americana do romance e especificamente visa-se conceituar a recepção da tradução do autor francês Antoine Berman (1942-1991), além de discutir alguns trechos da obra americana para constatar a proposta de tradução dos tradutores mediante ao projeto rosiano, e determinar a recepção da tradução americana no Brasil e nos Estados Unidos. A proposta metodológica se baseia nas teorias de recepção de Hans Robert Jauss (1921-1997) e da reflexão quanto à teoria da tradução do francês Antoine Berman (1942-1991). Palavras- chave: Guimarães Rosa, Recepção, Tradução.
Introdução Guimarães Rosa (1908-1967) mencionava que a tradução para o inglês de Grande sertão: veredas não deveria ser um ―lugar-comum‖ e que os tradutores teriam uma tarefa de recriar a linguagem, não de forma banal como dizia à tradutora e com essas trocas de correspondências entre o autor e tradutor entende-se a tradução como uma ferramenta em que cria diálogos entre culturas, dispostos a criar espaços entre culturas, servido como ponte para essa negociação, encontrado, por exemplo, nas cartas entre Onís e Guimarães Rosa que escrevem os impasses e possibilidades na tradução. Propõe-se, aqui, tecer alguns comentários quanto algumas escolhas dos tradutores, inclusive o título da obra. Dessa forma, todo tradutor convive com o Outro numa tensão pelo processo de possibilidade pela aproximação de interpretações e impossibilidade pelo afastamento da mesma, com um alvo consciente de que o ato tradutório nunca está terminado. Apresenta-se este artigo dentro dos métodos de estudos recepcionais de Hans Robert Jauss (19211997), que procurava destacar as críticas da literatura americana, além levantar trechos da edição e procura-se comenta-los tendo como base os estudos de teoria da tradução oriundos de Antoine Berman (1942-1991) e Lawrence Venuti (1953) dentre outros. Não se visa a dar ênfase às trocas de cartas entre o autor Guimarães Rosa e os tradutores, porém elas foram elementos de relevância para o processo de criação da narração americana e, dessa forma, abordam-se alguns caminhos escolhidos explícitos entre elas que fizeram com que se houve uma reflexão entre os criadores da tradução, tão ansiosa na época pelos leitores americanos. Dentre as escolhas destaca-se a decisão de diferenciadora do título o que causou um estranhamento inicial por parte de todos os leitores, além de trazer uma peculiaridade marcada nas cartas, enunciadas brevemente ao longo do artigo. O leitor americano se encontra em 1963 com uma obra traduzida que trouxe diversas críticas na época citados nos jornais entre eles o da New York Times, Baltimore Sun, The Sunday Star Washington entre outros. Nestes jornais apontava-se um resumo da obra e as descrições de lançamentos das demais obras juntamente com The devil to pay in the backlands, que estaria também.
82
Qual é o lugar da literatura traduzida rosiana? Dentro de estudos latino-americanos encontram-se diversas críticas quanto à tradução americana a qual foi enquadrada justamente pelo escritor Jorge amado em seu prefácio The place of Guimarães Rosa in Brasilian Literature da primeira edição The devil to pay in the backlands (1963) que a obra em português demonstrava um grande impacto na literatura brasileira. Em contraponto, Krause (2010) em sua dissertação Translation and the reception and influence of Latin american literature in the United States (2010), relata que a edição americana simplifica o original, por meio de alguns trechos marcados, além de considerar que Guimarães Rosa foi um dos melhores novelistas das Américas que infelizmente não foi conhecido nos Estados Unidos pela tradução. Berman em L‘épreuve de l‘étranger: Culture et traduction dans l‘Allemagne romantique: Herder, Goethe, Schlegel, Novalis, Humboldt, Schleiermacher, Hölderlin de 1992 e La traduction et la lettre, ou L‘auberge du lointain em 1999 tiveram um contribuição de suma importância para este desenrolar de estudos quanto a tradução partindo de uma reflexão crítica e reconhecer que há uma troca de culturas e , também vale resaltar os estudos de Venuti o qual utiliza os conceitos de Berman para esclarecer a tradução Anglo- americana declarados em seus trabalhos conhecidos como The Translator‘s Invisibility: A History of Translation (1995) e The Translation Studies Reader (2000).
Desse modo, Carvalhal (2001) compreende a importância de leitores serem orientados pela
recepção crítica já que a tradução: [...] de um texto raramente é independente do sistema que está destinado a acolhê-la e, por isso, uma tradução ‗dinâmica‘ (quer dizer, que se constitui em fator de troca cultural, de contínua e mútua fecundação) é aquela que integra o texto traduzido na tradição do sistema que o acolhe. 105
O leitor compõe-se dentro da estética da recepção demarcado pelas experiências constatado nas aulas do teórico alemão da Estética da recepção, Hans Robert Jauss (1921-1997), nesta abordagem a estética procura descrever a experiência estética. Luiz Costa Lima, em A literatura e o leitor
106
, afirma que ―o sujeito do prazer
conhece-se no outro, traz a alteridade do outro para dentro de si, ao mesmo tempo, que se projeta nesta alteridade.‖ 107
, de forma que o Outro traz relações entre zonas fronteiriças, causando até certo estranhamento deste outro ou
estrangeiro. Ainda de acordo com Regina Zilberman comenta em seu livro História da estética da recepção108 que a estética da recepção faz ciência literária, tendo base no leitor, colaborando com a literatura comparada, a crítica literária e o ensino da literatura, com isso a metodologia recepcional poderá traçar coordenadas históricas, sociais e identidade culturais. Jauss investigou as obras literárias, na universidade de Constança, e com suas analises, notou a carência da História da literatura, fundando um reconhecimento da historicidade. Jauss restaura a História da literatura destacando o interprete e o leitor, entre o passado e o presente, estabelecendo o seu horizonte histórico, em a História da literatura com provocação à teoria literária109, abordando sete postulados. Surge a experiência estética pelas três atividades poíesis, aisthesis e katharsis, a primeira pelo prazer de inicial do leitor diante da obra, a segunda em se tratar da interpretação, em constante renovação da percepção do mundo, e a última se torna uma aplicação diante da identificação da obra com o leitor por meio do mesmo. Tendo nota da liguagem nas obras de Guimarães Rosa que escreveu uma linguagem poética, o crítico Benedito Nunes revela quanto a fidelidade do espírito do original que deve está presente sutilmente na tradução, conhecendo que Grande sertão: veredas apresenta poeticidade por meio da linguagem como cita: ―A simples
105
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: Editora Ática, 2001.p.71. LIMA, Luiz Costa (sel.). A literatura e o leitor. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 317. 107 Idem, ibidem. p. 19. 108 ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Editora Ática, 1989. 109 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. 106
83
reconstituição da narrativa não basta para assegurar a fidelidade na tradução de textos que, como os de Guimarães Rosa, são fundamentalmente poéticos.‖110. Então, o autor paraense traz o seguinte questionamento quanto à fidelidade nas traduções diante dos originais da saga: ―Como traduzir, então, fidedignamente, a linguagem de Guimarães Rosa, individualizada por qualidades estilísticas marcantes, algumas das quais intransferíveis?‖
111
. Eis o
questionamento proposto, sugere-se algumas possibilidades para estas futuras traduções com estas reflexões em relação às traduções. Guimarães Rosa comenta sobre seu projeto rosiano em suas cartas para Onís e ele diz que a tradução deverá ser estranha ao leitor. O autor Guimarães Rosa acrescenta que em suas obras em português procuravam ―chocar‖ o leitor, conforme se pode observar em trecho de uma de suas cartas endereçadas a tradutora Onís, abaixo: Deve ter notado que, em meus livros, eu faço, ou procuro fazer isso, permanentemente, constantemente, com o português: chocar, ‗estranhar‘ o leitor, não deixar que ele repouse na bengala dos lugares-comuns, das expressões domesticadas e acostumadas; obrigá-lo a sentir a frase meio exótica, uma ‗novidade‘ nas palavras, na sintaxe. Pode parecer crazzy [sic] de minha parte, mas quero que o leitor tenha de enfrentar um pouco de texto, como um animal bravo e vivo. O que eu gostaria era de falar tanto ao inconsciente quanto ao consciente. 112
Observa-se que causar um ―estranhamento‖ ao leitor é um dos alvos do autor em suas obras. Desde a pergunta sobre o título até as escolhas sobre sertão e o que circunda o mesmo deixa uma travessia de negociações entre os tradutores o autor. Este talvez seja um dos motivos pelo qual o único romance de Guimarães Rosa continua em aberto para tradução, constituindo um desafio constante aos que desejam aventurar-se nas veredas dessa escritura.
Trechos da edição americana Para exemplificar, tem-se a palavra inicial do romance Grande sertão: veredas é ―Nonada‖ como ―It is nothing‖
113
traduzido
114
, uma escolha notória de diferença ao leitor americano e em outra amostra da tradução como
Krause (2010) afirma ―Each of these texts ―fails‖ for different reasons, but, fundamentally, they all exemplify a high level of misinterpretation, one that has impeded, I believe, the reception of Brazilian literature in the United States‖115 e tem-se uma percepção dentro da Literatura Brasileira em relação a interpretação desfalcada, enquanto isso a tradução como prática social comunicativa, além de compreender que a tradução da obra literária está para além de uma simples transposição, e nada impossível da leitura inicial por parte do leitor, por exemplo, de Urucúia, gerais e o sertão são incorporados pelo tradutor na obra. Isso possibilitaria um impacto para o leitor, então poderia se afirmar que os tradutores tiveram uma proximidade com o projeto rosiano. Nota- se nas amostras: O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vagens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. 116 The Urucúia rises in the mountains to the west. But today, on its banks you find everything; huge ranges bordering rich lowlands, the flood plains farms that stretch from woods to woods thick trees in virgin florest – some are still standing. 117
110
Idem. p. 197. NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 197. 112 Carta de João Guimarães Rosa a Harriet de Onís, 02 de maio de 1959. 113 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956.p.09-10. 114 ROSA, João Guimarães. The devil to pay in the backlands. Trad.: James L. Taylor e Harriet de Onís. New York: Alfred A. Knopf, 1963. p. 3. 115 KRAUSE, James Remington. Translation and the reception and influence of Latin American literature in the United States. Dissertation Submitted to the Faculty of the Graduate School of Vanderbilt University in partial fulfillment of the requirements for the degree of doctor of philosophy in spanish and portuguese. December, 2010.p.14. 116 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956. p. 09. 117 Idem, ibidem, p. 09. 111
84
Dentro deste trecho observa-se uma perda da sonoridade pelos os ―ões‖ de montões e ―ão‖ de vão na primeira parte para na tradução com ―ou‖ de mountains e ―oo‖ de woods, então pela primeira leitura encontra-se certos contornos intrínsecos da leitura que permitem aproximar a tentativa da edição americana com a original e Riobaldo demonstra uma memória fragmentada e rica na oralidade, levando ao leitor para uma rede de acontecimentos de um ―sertão-mundo‖. No outro ponto compara-se: O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda parte118 The surrounding lands are the gerais. These gerais are endless. Anyway, the gentleman knows how it is: each ones believes what he likes: hog, pig or swine, it‘s as you opine. The sertão is everywhere. 119
Observa-se que a palavra ―sertão‖, não foi traduzida, torna-se o não ―lugar- comum‖ para o leitor e tradutor. Levando o público americano a utilizar um glossário de termos brasileiros, que, por exemplo, ―sertão‖ no glossário da tradução americana fulgura como ―hinterland, sparsely, settled interior of the country; in particular, the backlands of the Brazilian Northeast. In this book, the term refers mainly to the northen half of the State of Minas Gerais‖
120
. Então, propõe-se concordar com uma questão proposta por Krauser (2010) seguinte ―But what exactly
characterizes a good translator? Rabassa views the translator as a creative writer, a person who should possess all ‗the instincts and drives that go to make a writer,‘ as well as ‗a good knowledge of the language he is translating.‘‖ 121
Portanto, neste artigo procura-se trabalhar trechos da obra da americana entre eles estão o momento do encontro
do menino e Riobaldo, logo abaixo: Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, com um chapéu-de-couro, de sujigola baixada, e se ria para mim. Não se mexeu.122 Then, all a sudden, I saw a boy, learning against a tree puffing on a cigarette. A boy approaching manhood, a little younger than I, or perhaps about my own age. There he was wearing a leather hat, with the chin strap hanging, and smilling at me. He did not move.123
Neste encontro leva-se em consideração os estudos de Venuti (2000) quanto a tradução apresentada dentro das teorias de reflexão de Berman chama a atenção para a tradução como um objeto textual de interpretação, e com isso a um processo de acrescer caracteristicas da ação narrada já na tradução como na parte que detalha ―...he was wearing...‖, que difere de ―...com um chapéu-de-couro...‖, neste passo consta-se uma precisão na tradução americana que já se subentende-se no trecho inicial em português. No seguinte trecho ler-se: Antes fui eu que vim para perto dêle. Então êle foi me dizendo, com voz muito natural, que aquêle comprador era o tio dêle, e que moravam num lugar chamado Os-Porcos, meio-mundo diverso, onde não tinha nascido.124 Rather, it was I who went over to him. Then he started telling me, quite naturally, that that buyer was his uncle, and that they lived at a place called Os-Porcos, a long way off, but that he had not been born there.125
Nos trechos acima com as palavras de nomes próprios o tradutor utiliza ainda, por exemplo, quanto ―OsPorcos‖ e os ―gerais‖, que para o leitor norte-americano de inicio seria uma quebra durante a leitura, que se repente ao longo de todo a narrativa. Além de algumas repetições ―that that‖, e sempre o sujeito ―he‖ encontra-se presente 118
Idem, ibidem, p. 09. ROSA, João Guimarães. The devil to pay in the backlands. Trad.: James L. Taylor e Harriet de Onís. New York: Alfred A. Knopf, 1963.p.3. 120 Idem, ibidem, p. 494. 121 KRAUSE, James Remington. Translation and the reception and influence of latin american literature in the united states. Dissertation Submitted to the Faculty of the Graduate School of Vanderbilt University in partial fulfillment of the requirements for the degree of doctor of philosophy in Spanish and Portuguese. December, 2010.p.20. 122 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956. p. 103. 123 Idem, ibidem, p. 103. 124 Idem, ibidem, p. 103. 125 Idem, ibidem, p. 103. 119
85
para explícita o ator da ação para o leitor, portanto supõe-se ampliar com estas escolhas os dados da narração. Por outro dado tem-se: Aquilo ia dizendo, e era um menino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-grandes, verdes. Muito tempo mais tarde foi que eu soube; que êsse lugarim Os-Porcos existe de se ver, menos longe daqui, nos gerais de Lassance.126 He went on talking, a handsome boy, fair, with a high forehead and large, green eyes. Much later I learned that that place of Os-Porcos really exists not very far from here, in the gerais of Lassance.127
Neste trecho observa-se uma reverberação em toda a narração americana, no ponto de não se aproximar da proposta de Guimarães Rosa a qual seria de supostamente surpreender o leitor ao causar um possível ―não-lugar‖ desta literatura, por exemplo, tem-se ―os olhos aos-grandes, verdes‖ por somente green eyes que nesta categoria nota-se que durante toda a narrativa ocorrem supressões da obra original, o que poderia evidenciar um dos fatores que a tradução não compôs em uma totalidade a veemência do estilo do autor brasileiro. É digno de nota que Guimarães Rosa deveras demonstrar em suas cartas enviadas aos tradutores da obra americana algumas características de seu projeto poético rosiano. Logo, Guimarães Rosa, nesse projeto poético, discorre de um não ―lugar- comum‖ para o leitor, ou seja, o projeto desta tradução americana deveria causar um estranhamento ao público-leitor e nestes trechos acima se compreende uma variação intensa da obra original. Dessa forma, Venuti (2002) declara que The translator aims to preserve the linguistic and cultural difference of the foreign text, but only as it is perceived in the translation by a limited readership, an educated elite. This means, that translation is always ethnocentric: even when a translated text contains discursive peculiarities designed to imitate a foreign text 128
Com tudo, a reflexão acima de Venuti (2000) em seu livro The translator‘s Invisibility nota-se a relevância da cultura e diferencia-la nos estudos da linguística ao traduzir um texto estrangeiro, o que leva a mencionar que as traduções são etnocêntricas, mesmo quando o texto traduzido tem características discursivas peculiares que apontam para uma imitação do texto original, o que para Berman (2007) o etnocêntrico significa ―que traz tudo à própria cultura, às suas normas e valores, e considera o que se encontra fora dela – o Estrangeiro – como negativo ou, máximo, bom para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura‖ 129 E, de fato, entende-se a tradução etnocêntrica é aquela que tenta destruir o original, ao deformar o original na tradução, o que provavelmente pode-se notar na tradução americana de Grande sertão: veredas.
REFERÊNCIA BERMAN, Antoine. A prova do estrangeiro. Trad.: Maria Emília Pereira Chanut. São Paulo: EDUSC, 2002. BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad.: Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7 Letras/ PGET, 2007. KRAUSE, James Remington. Translation and the reception and influence of latin american literature in the United States. Dissertation Submitted to the Faculty of the Graduate School of Vanderbilt University in partial fulfillment of the requirements for the degree of doctor of philosophy in Spanish and Portuguese. December, 2010. RABASSA, Gregory. ―The Ear in Translation.‖ The World of Translation. New York: PEN American Center, 1971.
126
Idem, ibidem, p.103. ROSA, João Guimarães. The devil to pay in the backlands. Trad. James L. Taylor e Harriet de Onís. New York: Alfred A. Knopf, 1963. p. 84-85. 128 VENUTI, Lawrence. The Translator‘s Invisibility: A History of Translation. New York: Routledge, 2000. p. 101. 129 BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad. Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7 Letras/ PGET, 2007. p. 28 127
86
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. Ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2001. ROSA, João Guimarães. The devil to pay in the backlands. Trad.: James L. Taylor e Harriet de Onís.1. Ed. New York: Alfred A. Knopf, 1963. VASCONCELOS, Sandra Guardini T. João & Harriet (Notas sobre um diálogo intercultural) In.: LEITE, Ligia Chiappini Moraes; VEJMELKA, Marcel (Org.) Espaços e caminhos de João Guimarães Rosa dimensões regionais e universalidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. VENUTI, Lawrence. The Translator‘s Invisibility: A History of Translation. New York: Routledge, 2000.
87
DIMENSÕES DO MODERNO: intimidades da família em butiri bom
Francisco das Chagas RIBEIRO JÚNIOR (UFPA) Sílvio Augusto de Oliveira HOLANDA (UFPA) O presente trabalho pretende abordar o tema da intimidade em ―Buriti‖, de Guimarães Rosa (1908-1967), obra a qual compõe o ciclo de novelas de Corpo de baile (1956) em um primeiro momento; porquanto, em outro, houve a divisão que originou os livros Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965), cujo título contém a narrativa supracitada. Acerca de ―Buriti‖, pode-se dizer que é a mais extensa das novelas de Guimarães Rosa, narrada em um contexto sertanejo de transformações, principalmente em relação a uma sexualidade em transformação a qual prenuncia também, em termos literários, a modernidade tardia do ambiente interiorano, por exemplo, quando retrata a perda da virgindade de Glorinha antes do casamento, o envolvimento de Lalinha com o ex-sogro Liodoro, e, além disso, com a cunhada, Glória, em insinuações de lesbianismo. Para a compreensão a respeito desses aspectos que denotam uma espécie de ―revolução sexual‖, com o advento da modernidade, é significativo empreender os estudos de Anthony Giddens, em A transformação da intimidade (1993), sobretudo em função de este investigar o papel da mulher, que passou, por meio do estudo de seu corpo, a ser objeto de várias análises da evolução da intimidade familiar na vida moderna. Nesta comunicação, tem-se em vista, ainda, discutir os fundamentos estético-recepcionais de Hans-Robert Jauss (1921-1997), especificamente seu conceito de quebra de horizonte de expectativa, pois a novela em questão promove um distanciamento entre o já conhecido da experiência estética ulterior e a experiência futura, promovida pela nova leitura da obra. Palavas-chave: Guimarães Rosa, ―Buriti‖, Modernidade, Intimidade. Este trabalho tem por objetivo abordar o tema da intimidade em ―Buriti‖ de João Guimarães Rosa, a qual compõe o ciclo de novela intitulado, inicialmente, de Corpo de baile (1956), uma vez que, esta obra posteriormente foi fragmentada nos títulos Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965), em cujo volume está inserida o texto-base de nossas análises. Narrada em um ambiente interiorano, ―Buriti‖ revela-se inovador e de um valor estético precioso ao, também, ressignificar o experienciar da sexualidade na intimidade familiar patriarcal. Desta feita, pode-se discutir, acerca do conceito de sexualidade plástica, uma vez que a reivindicação da mulher ao prazer sexual isenta da necessidade de reprodução. Para isso, será de grande relevância os estudos empreendidos acerca da intimidade, pensada segundo Anthony Giddens, principalmente em seu livro A transformação da intimidade: sexualidade amor & erotismo nas sociedades modernas. Um fato interessante é que em ―Buriti‖, a primeira parte da obra é narrada sob lembranças de Miguel, que compartilham, junto com iô Gualberto Gaspar, quem Miguel conversa primeiramente na narrativa, as primeiras impressões acerca da intimidade na fazenda de Buriti Bom. Entretanto, a primeira parte é considerada parcial, segundo Luiz Roncari130, pois tanto a visão de Miguel quanto a de iô Gual, são influenciadas pelas paixões e, por isso, o cuidado que se deve ter diante de tais visões, isso porque, essas serão contraditadas por uma segunda, a de Lalinha, cuja visão é privilegiada pela proximidade, pela maneira de observar e compreender os fatos na ambiência, como também, de ―decifrar e interpretar as imagens e os sinais do embate entre civilização e sertão no Buriti Bom‖131, ou seja, é sob ponto de vista da protagonista da narrativa, no caso, de Lalinha, e é sob essa perspectiva que ocorrerá as maiores transformações, as quais prenunciam assim, em termos literários, a modernização tardia na fazenda de Buriti Bom. Lalinha foi abandonada pelo esposo, iô Irvino, e Iô Liodoro, depositário de princípios morais de que mulher abandonada não poderia viver sozinha, pois deste modo dessoraria a família do homem, traz Lalinha para Buriti Bom, com ―Comitiva enorme, com um despropósito de malas e canastras, até partes de mobília‖132. Proveniente da cidade, Lalinha se vê situada em um novo contexto, em um novo mundo destoante daquele de sua origem citadina. 130
RONCARI, Luiz. Patriarcalismo e dionisismo no santuário do Buriti Bom. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 46, p. 43-80, fev. 2008. 131 Idem, ibidem, p. 51 132 ROSA, João Guimarães. Corpo de Baile: sete novelas. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p. 397.
88
Críticos a definem de forma misteriosa e desprovida da aura do romantismo, segundo Roncari ―os sinais que dela nos são passados, de mulher urbana, artificiosa, capaz de usar da beleza, do luxo de requintes como meios de sedução, só nos levam a desconfiar da personagem e do que nos conta‖ ou segundo a descrição de Sarah Diogo ―Ela tem um modo precioso de segurar as cartas de jogar, de fumar, de não sorrir nem rir; e as espessas pálpebras, baizadas, os lábios tão mimosamente densos: será capaz de preguiça e de calma‖ 133. Deste modo, a personagem é ambígua, ela não é de verdade e ao mesmo tempo é. Essa ambiguidade acompanha a personagem por toda a narrativa sob dois níveis, o da linguagem verbal, o discurso do personagem, e dos caracteres, a do narrador a respeito do personagem: Então, o amor tinha de ser assim — uma carência, na pessôa, ansiando pelo que a completasse? Ela ama para ser mãe... É como se já fôsse mãe, mesmo sem um filho... Mas, também outra espécie de amor devia poder um dia existir: o de criaturas conseguidas, realizadas. Para essas, então, o amor seria uma arte, uma bela-arte? Haveria outra região, de sonhos, mas diversa. Havia.134
Percebe-se, então, o caráter reflexivo da linguagem verbal de Lalinha, característico da modernidade, pois, conforme nos esclarece Giddens, a auto-identidade se tornar uma problemática na vida social moderna, pois ―as características fundamentais de uma sociedade de alta reflexividade são o caráter ‗aberto‘ da auto-identidade e a natureza. Para as mulheres que estão lutando para se libertar de papéis sexuais preexistentes, a questão ‗quem eu sou‘135. Na relação de Lalinha com seu sogro, que também, realiza-se por meio da linguagem verbal, são as palavras que desnudam e penetram em Liodoro, seduzindo-o, sobretudo, a imaginação. Entretanto, não há o contato físico, somente caricias com palavras e olhares com a mais intensa sedução. Sentia-se fitada, toda. Dar-se a uns esses olhos. E oscilou o corpo, brandamente. [...] Ah, mas podia ver o ofego de suas narinas, a seriedade brutal como os lábios dele se agitavam. Gostaria de poder certificar-se de todos os efeitos que sua sensível beleza produzia no semblante, no corpo dele, o macho. 136
Percebe-se aí, a intensidade e importância do erotismo verbalizado, a qual põe o corpo de Lalinha em uma ―exposição velada‖. Sendo assim, conforme Giddens, o corpo na modernidade está intensamente impregnado de reflexividade, e também, portador da auto-identidade, ao ponto de influenciar as atitudes individuais do estilo de vida, por isso, não raramente, se vê a demasiada preocupação com a aparência e o controle físico. Desta forma, pode-se inferir acerca de Lalinha em um intenso jogo com palavras erotizadas sobre o seu corpo, a personagem tem origem citadina, como explicitado anteriormente, ou seja, carrega formas de compreensão do eu, de autoidentidade, provenientes de uma lugar moderno e utiliza do seu corpo como forma de biopoder para sedução de Liodoro. Além disso, Lalinha mantém relações de insinuações com a sua ex-cunhada e amiga Maria da Glória. Ambas quebram marcas sociais no Buriti Bom, ao experimentar da sexualidade sob finalidade do prazer. ―Você me acha bonita, Lala? Sirvo?‖ Lalinha riu. — ―Mil! meu bem...‖ Riram. — ―Mas... como uma mocinha... ou como mulher?‖ ―— Mas, Lala! Você está me beijando... você...‖ Oh, um riso, de ambas e tontas se agarraram. —―Lala, imagine: ele estava de ceroulas...‖... Seus corpos, tão belas, a roçarem a borra de coisas, depois se estreitarem, trementes, uma na outra refugiadas...‖137
Para melhor compreensão, em transformação da intimidade de Giddens, O autor discute que a sexualidade se FORTE, Sarah Maria. O mundo que perdeu suas paredes: Lalinha e o belo poço parado em ―Buriti‖ de João Guimarães Rosa. ReVeLe, Belo Horizonte, p. 1-14, 9 out. 2011. p. 8. 134 ROSA, João Guimarães. op. cit. p. 441. 135 GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. Trad. Magda Lopes – São Paulo: editora da universidade Paulista, 1993. p. 41. 136 ROSA, João Guimarães. Corpo de baile. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. v. 2, p. 780. 137 ROSA, João Guimarães. Corpo de Baile: sete novelas. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p. 443. 133
89
tornar livre com advento da modernidade, ela tem sido descoberta e propícia ao desenvolvimento de estilos de vida diversificados. O homossexualismo pode ―ser‖ e ―descobrir-se‖ e, não mais algo que se tem como condição natural. É algo que cada um de nós ―tem‖, ou aceita, ou cultiva, não mais uma condição natural que um indivíduo aceita como um estado de coisas preestabelecido. De algum modo, que tem de ser investigado, a sexualidade funciona como um aspecto maleável do eu, um ponto de conexão primário entre o corpo, a auto identidade e aas normas sociais.138
Há outra relação também de elevada relevância, é de Glorinha com iô Gualberto, a qual suscita o conceito de sexualidade plástica. Maria da Glória entrega-se a iô Gualberto sob justificativa esterilidade deste último.
A criação da sexualidade plástica, agravada por sua antiquíssima integração com a reprodução, os lações de parentesco e a procriação, foi a condição prévia da revolução sexual das últimas décadas. Para maior parte das mulheres, na maior parte das culturas, e através da maior dos períodos da história, o prazer sexual, quando possível, estava intrinsecamente ligado ao medo de gestações repetidas, e, por isso, da morte, dada a substancial proporção de mulheres que morriam no parto e aos índices muitos altos então prevalecentes de mortalidade de bebês. Romper com estas conexões foi, portanto, um fenômeno com implicações realmente radicais.139
Sendo assim, há uma gradativa mudança de comportamento na atividade sexual feminina com o advento da modernidade, isso decorre da autonomia sexual feminina ―a garota acham que tem o poder de decidirem iniciarem suas relações sexuais, em qualquer idade que lhes pareça apropriada, ao contrário de certo tempo atrás, a virgindade por parte da garota era apreciada por ambos os sexos.‖ 140 Como se pode perceber no trecho retirado de ―buriti‖ onde Maria da Glória justifica ter-se entregado ao iô Gualberto. ―Não, Lala. Fui eu que mandei. Quase o obriguei a fazer tudo, a perder o respeito, que êle tinha demais...‖ Aqui? No Buriti Bom? Aqui? Glorinha: — ―Não, aqui não, Lala. Foi num lugar escondido, bonito, no AltoGrande... Agora, não tem mais remédio. Sossega. Isso não é para acontecer com tôdas?...‖ Lalinha: — ―Mas, por que assim, Glorinha, meu bem, por quê?! Você, logo você...‖ Glorinha: — ―Que me importa!? Eu não quero casar. Sei que Miguel não vai vir mais... Antes, então, o Gual, pronto à mão, e que é amigo nosso, quase pessôa de casa. .‖ Mas Glorinha empalidecera sem afogo, sentou-se na cama.141
O caráter artístico de ―Buriti‖, segundo o ponto de vista da estética da recepção, tem valor imensurável. Para Jauss, o valor estético da obra está vinculada ao distanciamento da experiência estética já conhecida do leitor pela nova experiência da leitura da obra no futuro O caráter artístico de ―Buriti‖, segundo o ponto de vista da estética da recepção, tem valor imensurável. Para Hans-Robert Jauss, o valor estético da obra está vinculada a ao distanciamento da experiência estética já conhecida do leitor pela nova experiência da leitura da obra no futuro. O horizonte de expectativa de uma obra, que assim se pode reconstruir, torna possível determinar seu caráter artístico a partir do modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre um suposto público. Denominando-se distância estética aquela que medeia entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição de uma obra nova — cuja acolhida, dando-se por intermédio da negação de experiências conhecidas ou da conscientização de outras, jamais expressas, pode ter por conseqüência uma ―mudança de horizonte‖ —, tal distância estética deixa-se objetivar historicamente no espectro das reações do público e do juízo da crítica (sucesso espontâneo, rejeição ou choque, casos isolados de aprovação, compreensão gradual ou tardia).142
Portanto, pode-se dizer que a transmutação do amor é tanto um fenômeno da modernidade quanto a
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. Trad. Magda Lopes – São Paulo: editora da universidade Paulista, 1993. P. 25. 139 GIDDENS, Anthony. op. cit. p. 38. 140 GIDDENS, Anthony. op. cit. p. 41. 141 ROSA, João Guimarães. Corpo de Baile: sete novelas. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p. 507. 142 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. p. 16. Itálico do autor. 138
90
emergência da sexualidade e, está diretamente relacionada às questões da reflexividade e da auto-identidade. Em ―Buriti‖ não há de fato, uma sociedade moderna consolidada, porém nuances de uma modernidade tardia em um ambiente arcaico e paradisíaco, onde os paradigmas femininos são os maiores destaques referente a uma transformação a qual prenuncia um novo tempo.
REFERÊNCIAS FORTE, Sarah Maria. O mundo que perdeu suas paredes: Lalinha e o belo poço parado em ―Buriti‖ de João Guimarães Rosa. ReVeLe, Belo Horizonte, p. 1-14, 9 out. 2011. p. 8. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. 78p. ROSA, João Guimarães. Corpo de Baile: sete novelas. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. 513 p. RONCARI, Luiz. Patriarcalismo e dionisismo no santuário do Buriti Bom. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 46, p. 43-80, fev. 2008. GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. Trad. Magda Lopes – São Paulo: editora da universidade Paulista, 1993. 221 p.
91
O SENSACIONISMO NA POESIA DE ALBERTO CAEIRO
Tatiane Souza TERAN (UEPA) O referido trabalho intitulado O Sensacionismo na poesia de Alberto Caeiro, tem como proposta verificar como se manifesta a corrente literária denominada Sensacionismo na poesia do referido poeta. Sendo assim, foi feito, primeiramente, um capítulo para explicar o surgimento de tal corrente literária, pois para adentrarmos a poesia de Caeiro faz-se necessário termos um conhecimento prévio sobre o Sensacionismo, para isto foram utilizadas como embasamento teórico autores como Cleonice Berardinelli e Nelly Novaes Coelho. Foi feita também uma apresentação da vida do poeta, visto que sua vida tem grande influência no seu modo de produção poética. O referido trabalho finaliza-se com uma análise das poesias de Alberto Caeiro, nas quais se manifesta o Sensacionismo. Palavras-chave: Sensacionismo, Natureza, Antimetafísico, Bucólico. INTRODUÇÃO O presente trabalho, intitulado O Sensacionismo na poesia de Alberto Caeiro tem como objetivo verificar como a corrente literária se manifesta nas poesias de Alberto Caeiro. O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado Fernando Pessoa e o Sensacionismo, será responsável por explicar a origem do sensacionismo, sendo assim será falado também sobre Fernando Pessoa, visto que foi este poeta o criador da corrente literária (Sensacionismo) que será abordada neste trabalho, a partir de Fernando Pessoa será explicado o surgimento do Sensacionismo, já que esta corrente literária é a base de todo este trabalho. No segundo capítulo, O mestre bucólico, será feita uma apresentação da vida do poeta Alberto Caeiro, já que a mesma se compara a sua poesia: simples. Caeiro viveu quase toda sua vida no campo, em contato com a natureza, acredita-se que por isso o sensacionismo se apresenta em suas poesias entrelaçado a Natureza. O terceiro capítulo intitulado O Sensacionismo em Alberto Caeiro, será responsável por analisar de que forma o sensacionismo está presente nas poesias de Caeiro, já que o poeta tinha a sensação como a única forma de ver o mundo. Para a realização deste trabalho, foi utilizado como aporte teórico os seguinte autores: Cleonice Berardinelli; Benedito Nunes; Octavio Paz; Nelly Novaes Coelho e Maria Aliete Galhoz; além dos poemas completos de Alberto Caeiro.
1. Fernando Pessoa e o Sensacionismo: Fernando Pessoa, um dos maiores poetas do Modernismo português, além de sua excepcional produção poética, é conhecido pelo fenômeno da heteronímia, foi o único poeta que conseguiu ser múltiplo, que em meio ao caos que o mundo vivia, conseguiu criar dentro de si outros ―eus‖ e com isso se tornou único e inigualável. Foi um ser extremamente intelectual. Além de ter dedicado toda a sua vida à sua produção poética, também tinha outros interesses, tais quais: economia; política, ocultismo e filosofia. E foi em meio a estes interesses que Fernando Pessoa adentrou a filosofia e com base em seus conhecimentos filosóficos criou algumas correntes literárias como o Paúlismo, o Interseccionismo e o Sensacionismo, expressões que marcam a moderna literatura portuguesa. Vale ressaltar que por muito tempo a poesia esteve entrelaçada à filosofia, portanto, era comum que os filósofos adentrassem na poesia e os poetas adentrassem a filosofia em busca de mais conhecimentos.
92
Sendo assim, embasado nos conceitos filosóficos, Fernando Pessoa criou sua primeira corrente literária denominada Paúlismo, considerada o primeiro ―ismo‖ criado pelo poeta. Conforme o texto extraído do site Faculdade Fernando Pessoa: Com seu poema Impressões do Crepúsculo, marca o advento da poesia modernista em Portugal. Deste poema deriva a corrente paúlismo, o primeiro ismo criado por Fernando Pessoa, tal foi o entusiasmo com que o seu poema foi recebido junto do grupo de amigos que aí viam uma notória inovação e revolução da poesia portuguesa. O poema Impressões do Crepúsculo, que se inicia pela palavra pauis, situa-se no cruzamento de correntes opostas: o saudosismo, corrente literária inspirada em Teixeira de Pascoaes e que se transporta para os poetas reunidos em torno da revista A Águia e o simbolismo-decadentista, que se afasta da primeira seguindo as novas tendências estéticas europeias.
O Paúlismo, por sua vez, deu origem a uma nova corrente literária, o Interseccionismo, ainda conforme o mesmo texto citado acima: corrente que resulta de uma adaptação do paùlismo a novas estéticas como o futurismo e o cubismo. Com esta corrente o poeta pretende exprimir a complexidade e a intersecção das sensações percepcionadas, aproximando-se, então, do cubismo que exprime a interpenetração e sobreposição dos planos dos objectos.
Imannuel Kant e Sartre foram dois grandes filósofos que despertavam o interesse de Pessoa. A partir da teoria kantiana o pensamento do homem se modifica dando espaço a sensibilidade. Foi à filosofia kantiana que deu base para Fernando Pessoa criar o Sensacionismo, a corrente literária que se sobressaiu dentre as outras criadas pelo poeta, cuja se manifesta em todos os heterônimos, inclusivo no ortônimo, o próprio Fernando Pessoa. Ao que tudo indica, o Sensacionismo surgiu por meio de cartas entre Fernando Pessoa e o amigo Mário de Sá-Carneiro, este último vivia em Paris e Pessoa em Portugal. Sá-Carneiro estava sempre informando o amigo, Fernando Pessoa, sobre as novidades que surgiam em sua cidade; assim, Pessoa estava sempre inserido, principalmente, nas novas tendências artísticas. Como Naquela época Portugal era considerado um país decadentista, tentando se reerguer de tudo que sofreu, Pessoa percebeu que havia uma necessidade de algo novo, de uma nova estética literária, já não dava mais pra continuar produzindo poemas ―superficiais‖, na qual a principal preocupação do artista era com a estrutura do poema, as rimas e o ritmo. O poeta passou então a defender a necessidade de uma mudança estética. Foi com este pensamento, de romper com a estética atual e criar uma nova estética, que Fernando Pessoa deu origem a uma das mais importantes correntes literárias, o Sensacionismo; agora o que importava não era a estrutura da poesia, mas sim o seu conteúdo, que se apresentava revestido de sensações. Segundo Pessoa a corrente Sensacionista tem três princípios:
1. 2. 3.
Todo o objeto é uma sensação nossa. Toda a arte é a conversão duma sensação em objeto. Portanto, toda arte é a conversão duma sensação numa outra sensação. (PESSOA Apud BERARDINELLI, 1986, p.426)
O Sensacionismo tenta traduzir a realidade através das sensações, assim a lírica moderna apresenta ao leitor textos contidos de emoções e sentimentalismos. Sobre os fundamentos desta corrente literária, Fernando Pessoa a diferencia das demais atitudes literárias: O Sensacionismo difere de todas as atitudes literárias em ser aberto, e não restrito. Ao passo que todas as escolas literárias partem de um certo número de princípios, assentam sobre determinadas bases, o Sensacionismo não assenta sobre nenhuma. Qualquer escola literária ou artística acha que a arte não deve ser determinada coisa. Assim, ao passo que qualquer corrente literária tem em geral, por típico excluir as outras, o Sensacionismo tem por típico admitir as outras todas. (PESSOA apud BERARDINELLI, p. 434)
93
O Sensacionismo, diferente das escolas literárias, não surge na literatura em oposição a estéticas anteriores, apesar de ter um caráter inovador dentro da poesia, o mesmo rejeita das escolas literárias alguns de seus princípios, mas em contradição aceita outros, por isso, Pessoa diz ser esta uma corrente aberta que não restringe as demais atitudes literárias. Do Classicismo aceita a construção, a preocupação intelectual. Do Romantismo aceita a preocupação pictorial, a sensibilidade simpatética, sintética perante as cousas. Do Simbolismo aceita a construção, a preocupação musical, a sensibilidade analítica; aceita a sua análise profunda dos estados de alma, mas procura intelectualizá-la. (PESSOA Apud BERARDINELLI, 1986, p. 443)
Por outro lado rejeita do Classicismo sua teoria básica de que ―... a intervenção do temperamento do artista deve ser reduzida ao mínimo.‖ (PESSOA Apud BERARDINELLI, 1986, p. 443). Do Romantismo rejeita a teoria do momento de inspiração, a obra de arte não deve ser produzida em apenas um momento inspiratório, como um jato que rápido se acaba. Rejeita do Simbolismo principalmente ―... a subordinação da inteligência à emoção, que deveras caracteriza aquele sistema estético.‖ (PESSOA Apud BERARDINELLI, 1986, p. 443). Apesar do Sensacionismo ter tido grande importância na literatura, foram poucos os poetas que aderiram a esta corrente literária, tendo como principais adeptos Fernando Pessoas e seus heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Em cada um dos poetas o Sensacionismo se manifestou de maneira diferente, particular. Conforme COELHO, 2000, p.63: É principalmente na criação do Sensacionismo, atribuído a Álvaro de Campos, que parece estar a realização poética mais próxima das premissas filosóficas de Kant. [...] o mundo construído pela civilização da Técnica e da Máquina.
Campos é considerado o poeta das sensações modernas, exalta as máquinas, as fábricas, a tecnologia; queria sentir tudo de todas as formas possíveis e excessivamente, procurava a totalização das sensações. Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. (OP, p.344)
Ricardo Reis foi o poeta neoclássico, era pagão, baseava-se nos ideais gregos. Diferente de Campos, o Sensacionismo manifestado na poesia de Reis apresenta-se de uma forma calma, o poeta buscava por meio deste a plenitude de vida. Lenta, descansa a onda que a maré deixa. Pesada cede. Tudo é sossegado. Só o que é de homem se ouve. Cresce a vinda da lua. Nesta hora, Lídia ou Neera ou Cloe, Qualquer de vós me é estranha, que me inclino Para o segredo dito Pelo silêncio incerto. Tomo nas mãos, como caveira, ou chave De supérfluo sepulcro, o meu destino, ] E ignaro o aborreço Sem coração que o sinta. (OP, p.281)
94
Já Alberto Caeiro, o mestre Sensacionista de Campos e Reis, teve uma vida simples como sua poesia, tinha a sensação como a única realidade, diferente de Campos , não aceitava nenhuma filosofia, considerou-se um antimetafísico, ―Reis acredita na forma, Campos na sensação, Pessoa nos símbolos. Caeiro não acredita em nada: existe.‖ (PAZ, Octavio, p. 209), para o poeta bucólico, a sensação das coisas se dava por meio do ver e do ouvir, apenas isto. E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. (CAEIRO, Alberto, p.38)
2 O mestre bucólico: Denominado o mestre dos heterônimos, Alberto Caeiro nasceu em 16 de abril de 1889, em Lisboa; órfão de pai e mãe viveu grande parte de sua vida com sua tia-avó no campo. Caeiro teve uma vida simples, mal frenquentou a escola, teve apenas instruções primárias, e foi por meio desta simplicidade que surpreendeu a todos produzindo três obras, intituladas: O guardador de rebanho, composto por 49 poemas, O pastor amoroso, constituído por 6 poemas, e Poemas em conjuntos, composto por 49 poemas. Poeta Sensacionista, Caeiro se importava apenas em viver o presente, não pensava no passado nem se preocupava com o futuro; valorizava apenas as coisas simples da vida, foi um poeta totalmente ligado à natureza. O poeta ama a natureza, mas sem a exaltação do naturalismo que a diviniza e adora. O que verdadeiramente ama são as coisas, uma a uma, com a forma sensível de que se revestem no espaço e no tempo, e que o conceito abstrato e geral de Natureza suprime. (NUNES, Benedito,1976, p. 220)
Neste aspecto, constata-se que Alberto Caeiro sofreu influências do poeta Cesário Verde, que assim como o mestre dos heterônimos, também exaltava a natureza e via nesta um espaço de beleza e alegria, além do fato de ambos terem sido criados no campo. Tal influência é evidente em alguns poemas de Caeiro, quando fala da natureza e chega a fazer referência do poeta Cesário Verde em sua obra O guardador de rebanhos, Poema III: Ao entardecer, debruçado pela janela, E sabendo de soslaio que há campos em frente, Leio até me arderem os olhos O livro de Cesário Verde. (CAEIRO, Alberto, p. 25)
Além de ser o poeta da natureza, Caeiro também considerava-se um anti-metafísico, negava quaisquer filosofia, para ele ―[...]Pensar é está doente dos olhos‖ (CAEIRO, Alberto, p. 24) e dizia ainda ―[...] eu não tenho filosofia: tenho sentidos...‖ (CAEIRO, Alberto, p. 24),além do mais, o poeta se importava em ver a realidade apenas de uma forma natural e objetiva, sem levantar nenhum questionamento a cerca do mundo ou das coisas que o cercavam. [...] Caeiro adestra-se a ter uma visão direta do mundo, não turbada pela necessidade de reflexão – visão de um olhar só, não desdobrável num outro – reflexivo, que aprecia e julga aquilo que está vendo.‖ (NUNES, Benedito, 1976, p. 220)
Caeiro se tornou mestre pelo fato de conseguir submeter o pensar ao sentir. ―Caeiro é o sol e em torno dele giram Reis, Campos e o próprio Pessoa.‖ (PAZ, Octavio, p. 209) Pelo fato de ter apenas instruções primárias, Alberto Caeiro tem pouco conhecimento a cerca da Gramática, daí o fato de suas poesias apresentarem uma linguagem simples, com uma certa pobreza lexical, sua escrita se aproxima da linguagem falada; não se prende a nenhuma forma (estética) de fazer poesia, produz em versos livres, com métricas irregulares e ausência de rimas, escreve por inspiração.
95
Não me importo com as rimas. Raras vezes Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. Penso e escrevo como as flores têm cor Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me Porque me falta a simplicidade divina De ser todo só o meu exterior Olho e comovo-me, Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado E a minha poesia é natural como o levantar-se vento... (CAEIRO, Alberto, p.43)
Caeiro morreu com apenas 26 anos, no ano de 1915, sem dúvida alguma o que houve de mais excepcional em sua vida foi sua produção poética, que apesar de simples, em termos de estética e recursos estilísticos, é permeada de um objetivismo absoluto, além do Sensacionismo expresso em toda sua obra por meio da Natureza e das coisas simples de sua vida.
3 O Sensacionismo na poesia de Alberto Caeiro: O Sensacionismo permeia toda a poesia de Alberto Caeiro, foi este o maior poeta sensacionista dentre todos, o poeta dos sentidos. Para Caeiro pensar no mundo é senti-lo e não refleti-lo, o ver sem uma necessidade de explicação. Creio no mundo como um malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é está doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo. (CAEIRO, Alberto, p.24)
De acordo com PESSOA Apud BERARDINELI, a base da poesia de Alberto Caeiro se dá na substituição do pensamento pela sensação, visto que o poeta, por ser um anti-metafísico, se desprende de qualquer pensamento filosófico ―E os meus pensamentos são todos sensações.‖ (CAEIRO, Alberto, p.38). Seus poemas são compostos por uma completa simplicidade e naturalidade, tento como cenário de inspiração a natureza. Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo da natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar... (CAEIRO, Alberto, p. 24)
Caeiro foi o poeta da natureza, como o próprio ressalta em sua poesia dizendo-se o único ―[...] fui o único poeta da natureza.‖ (CAEIRO, Alberto, p. 107), assim foi considerado o mestre bucólico. Produz de uma maneira natural e espontânea, rejeita a subjetividade, tornando-se assim o poeta do real objetivo; para Caeiro fazer poesia era como um florescer, acontecia naturalmente, apenas deixava as sensações falarem por si: E há poetas que são artistas E trabalham nos seus versos Como um carpinteiro nas tábuas!... Que triste não saber florir! Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro E ver se está bem, e tirar se não está!... Quando a única casa artística é a Terra toda Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma. (CAEIRO, Alberto, p. 66)
96
Neste fragmento de poesia, fica evidente a crítica que Caeiro faz aos poetas que não veem a poesia como um ato espontâneo e natural, de fato ninguém conseguiu ser o que Alberto Caeiro foi, nem na forma de produzir tão pouco na maneira de sentir. Caeiro acredita apenas no que ver, ou no que sente, se não poder ver ou sentir é como se o objeto não existisse para si. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quizesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! [...] Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. (CAEIRO, Alberto, p. 29)
Fica nítido nesta poesia que além de paganista, Caeiro é também um panteísta, onde Deus está em tudo, principalmente na natureza. Caeiro foi um sensacionista cujo se importava unicamente com o que captava por meio das sensações; o seu olhar foi o que teve de mais intelectual, pois era por meio deste que o poeta adquiria o sentido das coisas. A lição deixada por Alberto Caeiro a nós é a de que devemos sempre ver as coisas como a primeira vez, pois a cada vez que as olhamos nos será produzida uma sensação diferente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Mediante o Trabalho intitulado O Sensacionismo na poética de Alberto Caeiro, com a proposta de verificar como o Sensacionismo se manifesta na poesia de Alberto Caeiro, pode-se concluir que a vida do poeta teve, de certa forma, influência sobre a forma de Caeiro ver o mundo e as coisas que o cercavam. Para este poeta nada importava, além das sensações. Desta forma o Sensacionismo se manifesta através das coisas simples da vida, assim como na natureza. A corrente literária é o que permeia e sustenta sua poesia. Alberto Caeiro foi um antimetafísico, não se detinha a nenhuma filosofia. Sua poesia é simples como sua vida, não se preocupava em fazer indagações sobre o mundo, nem sobre nada, para o poeta bastava sentir para existir. ―Basta existir para se ser completo‖ (CAEIRO, Alberto, p. 101) Deste modo, o Sensacionismo foi toda a sua vida, apenas vivia as sensações, não pensava no passado nem se preocupava com o futuro, apenas vivia o presente por meio das sensações.
REFERÊNCIAS BERARDINELLI, Cleonice. Fernando Pessoa Obras em Prosa. Rio de Janeiro. Editora Nova Aguilar, 1996. BARBA, Calrides Henrich. Elaborações básicas na elaboração de artigo científico. COELHO, Nelly Novaes. A poesia pessoana e grande mutação do conhecimento no século XX. In: _____. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000. CAEIRO, Alberto. Poemas Completos de Alberto Caeiro. São Paulo. Editora Martin Calret,2008.
97
FACULDADE FERNANDO PESSOA, <http://www.ufp.pt/>. Acessado em 22 jul. 2011 GALHOZ, Maria Aliete. Fernando Pessoa, Um encontro de poesia. In: PESSOA, Fernando. Obra Poética. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. HIPÓLITO, Nuno. O dia triunfal de Fernando Pessoa. 2007. <http://omj.nosapo.pt/o_dia_triunfal_deFernando_Pessoa.Pdf.>. Acessado em: 28 ago. 2009.
Disponível
em:
PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Aquém do eu, além do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
98
O “SER-TÃO” DE GUIMARÃES ROSA E DE MARILY DA CUNHA BEZERRA: diálogo interartístico
Karla Alessandra Nobre LUCAS (UFPa) Sílvio Augusto de Oliveira HOLANDA (UFPa) O romance Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, notabiliza-se pela tematização do tempo em seus desdobramentos no caráter memorialístico/reflexivo de Riobaldo, numa simbólica travessia pelas veredas existenciais de um ―ser-tão‖ que supera os limites de tempo e de espaço e se confunde com a essência humana: ―Sertão é o sozinho. [...] Sertão: é dentro da gente.‖ (ROSA, 1956, p. 305). O presente estudo se insere, com base nos referidos pressupostos, na proposição de uma leitura comparatista do romance rosiano e de uma de suas adaptações cinematográficas, o curta-metragem: Rio de-Janeiro, Minas (1991), de Marily da Cunha Bezerra. Nos termos de Jeanne-Marie Clerc (1994, p. 236), a literatura comparada é a arte de aproximar os textos literários de outras formas de expressão e do conhecimento, a fim de que possam ser descritos, compreendidos e melhor desfrutados. Assim, depreende-se que o diálogo entre as diferentes linguagens, literária e fílmica, não se detém na mera verificação do grau de aproximação ou de ―fidelidade‖ de uma arte sobre a outra, antes os princípios que regem a composição das diferentes formas de expressão artística, aqui revisadas, tornam-se responsáveis pela originalidade, tanto do texto literário, quanto de sua transposição para outras artes, e, assim apontam para um complexo de características que dizem respeito as especificidades que permitem ―pensar a criação das obras [...] como dois extremos de um processo que comporta alterações de sentido‖ (XAVIER, 2003, p. 61). Palavras-chave: ―Ser-tão‖, Guimarães Rosa, Marily da Cunha Bezerra.
A literatura comparada, no âmbito das tendências contemporâneas, supera os paradigmas da análise literária comparada tradicional e, assim, redefine seus caminhos metodológicos. Em suas origens, os estudos comparatistas assumem uma postura eminentemente histórica, expressa na linha francesa e na Escola Americana, cujos desdobramentos privilegiam a verificação das influências, da tematização e, ainda, a busca por uma poética universal erigida a partir do modelo eurocêntrico. Os estudos comparatistas adotam atualmente como expoente de seu método, elementos que vão além da mera abordagem dos temas/motivos e das fontes/influências; antes, discorrem acerca de predisposições estéticas que ultrapassam a literatura e se inserem na proposição de um diálogo entre autores e obras, pautados na noção da diferença, na representação da alteridade e nos desdobramentos da cultura e da história nos estudos literários, implicando a necessidade de definir objetos de comparação para desconstruir e ressignificar o horizonte, ou limite de possibilidades da experiência estética.
Um grande sertão O romance Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, notabiliza-se pela tematização do tempo em seus desdobramentos no caráter memorialístico/reflexivo de Riobaldo, numa simbólica travessia pelas veredas existenciais de um ―ser-tão‖ que supera os limites de tempo e de espaço e se confunde com a essência humana: ―O sertão está em toda a parte.‖ (ROSA, 1956, p. 10); ―Sertão é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente.‖ (Idem, op. cit., p. 305). A narração da experiência do tempo vivido decorre no presente, ao passo que a narrativa, organizada in medias res, rompe com o princípio da ordenação sucessiva da ação representada. Forma e conteúdo se articulam no momento em que o veio reflexivo do romance se distende no que Benedito Nunes (1985, p. 402) concebe como ―movimento extático‖, que no eixo da durée bergsoniana, gera a interpenetração do passado em um presente que, paradoxalmente, avança na medida em que o sujeito que narra se detém na recordação do que, qualitativamente, se constitui como indivisível e substancial. O episódio ao qual nos deteremos no presente estudo corresponde ao encontro de Riobaldo com o Menino (Reinaldo/Diadorim). Para além da lembrança do tempo vivido, a experiência de Riobaldo como narrador não se
99
mostra estanque. Tempo e memória são moventes e o conduzem, por intermédio da reflexividade da narrativa, a um devir, que dialeticamente preserva sua iniciação nos grandes temas existenciais projetados nos conflitos do homem do presente — o tempo, a memória, o amor, o fado, a travessia — no nada que é tudo; incitando-o a rememorar e lançar ante seu interlocutor não-nomeado uma problematização acerca do passado que ele necessita compreender. Conferir sentido à própria existência implica reviver o passado, acentuando suas mais caras reminiscências e admitindo que a reconstrução do ―real‖ não está nos extremos, nas bordas do sentido antitético que orienta a condição humana, a saída ou a chegada, mas se dispõe no meio dessa labiríntica travessia.
Do literário ao fílmico Os princípios que regem a composição das diferentes formas de expressão artística, aqui consideradas, — literatura e cinema — apontam para um complexo de características que dizem respeito às especificidades de cada arte. A análise da cadeia dialógica que permeia os textos aproximados à luz do método comparativo — o romance Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa e o curta-metragem: Rio de-Janeiro, Minas (1991), de Marily da Cunha Bezerra —, parte da compreensão de que a teoria narrativa fílmica desenvolveu uma terminologia muito particular seguida de métodos próprios de investigação e, nesse respeito, deve-se atentar para o que Robert Stam pontua ao discorrer acerca da análise da poética do cinema: [...] o texto fílmico, diversamente do literário, não é ―citável‖ [...] Se a literatura e a crítica literária compartilham o mesmo meio, as palavras, isso não é válido para os filmes e a análise fílmica. [...] A linguagem crítica é, portanto, inadequada ao seu objeto; o filme sempre escapa à linguagem que busca constituí-lo. [...] A imagem, por fim, não pode de forma alguma ser transposta em palavras. (STAM, 2006, p. 209-10).
Além das já mencionadas dificuldades para estender modelos literários ao cinema, as dimensões do processo de transposição do texto literário sofrem, como nos diz Xavier (2003, p. 61), deslocamentos inevitáveis dos extremos de um processo que privilegia a ideia de diálogo e nos leva a perceber que, ao comportar alterações de sentido, o processo de transposição promove a criação, uma composição paralela, que se utiliza de mecanismos muito semelhantes aos aplicados no trabalho de tradução. A imagem da palavra é, na verdade, reflexo de um olhar que o artista lança ante o objeto literário. Logo, não podemos desprezar o fato de que o artista transpõe o texto literário para o fílmico, utilizando-se de recursos imagéticos, sonoros e linguísticos, a fim de preencher as lacunas deixadas pelo silêncio da leitura do livro. Ao dar forma ao que no romance é apenas sugerido, o artista, que é antes de tudo, leitor de um texto prévio, que estabelece diálogo direto com o processo de composição de uma nova obra, favorece um olhar que compreende ao limite ou ―horizonte de leitura‖, terminologia aplicada por Jauss (1982, p. 27), que implica a (im) possibilidade de se atender as expectativas de outros leitores. É possível apreender que a repercussão de um autor e de sua obra em um dado período histórico e seu alcance a um leitor específico — que se utiliza de um modo muito particular de leitura — é determinante para que as interpretações sejam capazes de renovar o sentido do texto e, assim permitir que um autor/obra possa exercer influência direta sobre a criação artística de outros escritores (obra/leitor). Então, a imagem do leão que é feito de ―carneiro assimilado‖, reproduzida por Valéry apud Nitrini (1997, p. 131), ganha força na experiência da poiesis, que não pode ser concebida como um ato solitário, mas como um processo dialético, um verdadeiro jogo de perguntas e respostas que reflete uma sequência de experiências estéticas prévias. O diálogo entre leitor e obra se manifesta segundo a interpretação jaussiana, influenciada pelo pensamento de Ingarden e Gadamer, no encadeamento entre a compreensão interpretativa, ou reflexiva à relação pergunta e
100
resposta, como método que permite, a partir, não da anulação do passado, mas de sua alteridade para com o presente — no sentido de que o presente reinventa o passado e não simplesmente o repete — o não esgotamento do texto em si mesmo, mas a reconstrução do horizonte, ou o limite de possibilidades de experiência estética, das perguntas e expectativas suscitadas pela obra no momento em que dialoga com os sujeitos de sua época. De modo que, para além da compreensão fruidora, que diz respeito à primeira leitura, à primeira etapa do método de compreensão estética, a perceptiva, ―compreender algo como resposta‖, como afirma Gadamer apud Jauss (1982, p. 24), significa que a pergunta é o meio que permite ao sujeito adentrar no horizonte de possibilidades da obra literária. A subjetividade compete às interpretações imaginárias das cenas e das personagens tais como: o tom de voz, o aspecto, a atuação e mesmo, seu psicologismo, inerentes aos modelos literários. Dado o fato de que a transposição passa a adquirir uma nova significação, cria-se um novo texto que pode ou não corresponder aos horizontes da experiência estética de cada leitor e ao alcançarem os princípios de organização formal do cinema possibilitam a visualização, sobretudo, do mundo exterior visível, já que para Tavares (2011, p. 50), o cinema não pode nomear emoções, e só com certa precaução pode mostrar a visualização dos pensamentos das personagens justificando, assim, os conflitos que permeiam a obra fílmica e sua recepção.
Encontro dos sertões É verdade que, não obstante a singularidade que se interpõe na poiesis de cada artista, há um significativo ponto de contato entre o ―valor universal‖ das obras, responsável pela ―[...] síntese que governa os jogos intertextuais produzidos na criação‖ (SANTIAGO, 1989, p. 229). Contudo, em seu curta-metragem Rio de-Janeiro, Minas a diretora e roteirista Marily da Cunha Bezerra orienta a composição de seu texto numa esfera ―interartística‖, cuja técnica narrativa excede os limites da análise temática. Gravado no ano de 1991, o curta-metragem de oito minutos — premiado como: melhor roteiro pela Secretaria da Cultura (1991); melhor fotografia pelo Cineclube Banco do Brasil (1994) e Tatu de Ouro na Jornada de Cinema da Bahia (1994) — com trilha sonora assinada por Badi Assad, conta com a participação especial de Manuelzão, amigo de Guimarães Rosa e personagem de algumas das estórias do autor, e dos jovens atores Evandro dos Passos Xavier e Cristina Ferrantini, que interpretam, respectivamente, os papéis de Riobaldo e do menino Diadorim, a partir do argumento principal da obra, o encontro: ―Por que foi que eu precisei de encontrar aquêle Menino?‖ (ROSA, 1656, p. 110). A escolha de dois jovens atores para interpretar as personagens centrais, antes de comprometer a densidade das cenas, confere expressividade ao episódio representado. A narração em off feita por José Meyer, um Riobaldo narrador que em seu ―contar‖ não somente interage com seu interlocutor, mas também dialoga consigo mesmo e assiste, por assim dizer, a experiência narrada, renovando-a na medida em que parece jogar com o tempo, leva-nos a inferir que em cada imagem, em cada ação representada, em cada som, há sempre a marca do homem experimentado e, ao mesmo tempo, cindido do presente que problematiza e conduz as situações narradas. O fluir das águas do de-Janeiro, a ser atravessado, como o curso da travessia existencial do sujeito que narra, aparece como porta de entrada para a narrativa fílmica que na cena inicial projeta tanto o rio quanto o ser de maneira simbólica, inserindo-nos na atmosfera do episódio que corresponde ao primeiro encontro de Riobaldo com Diadorim. Um encontro com o menino que não poderia ser deslembrado pela profunda impressão que exercera naquele que com frequência recorre às minúcias de uma lembrança guiada pela necessidade e pela esperança de que a reflexão o conduzirá à compreensão, à explicação lógica para cada etapa de sua travessia existencial:
101
A este se devem as condições particulares do exercício da Fortuna: o léu da sorte, a vereda do acaso, por onde se complica, a despeito da vontade e contra ela, o tecido da causalidade, da relação de causa e efeito. Assim é que desde o momento em que encontra o Reinaldo, às margens do Dejaneiro, está decidida a Fortuna andeja de Riobaldo. Sem que ele o saiba, é pelo Menino a cuja secreta atração ficou preso, que adere ao bando de Joca Ramiro, do qual assumirá chefia em lugar de Zé Bebelo [...].(NUNES 1985, p. 393).
Conforme citado, a busca de Riobaldo por respostas a uma das grandes questões do romance concernetes ao caráter dual que permeia a representação de Deus e do Diabo, norteia a incerteza quanto a se o encontro com o menino teria sido um fato do acaso ou obra do destino. As palavras iniciais do curtametragem prefiguram a carga reflexiva que perpassa o discurso de Riobaldo e aparecem no roteiro de Marily da Cunha Bezerra como representação, quase fiel, do texto rosiano como podemos observar: São memórias? Sonhos são? Assim é como conto. Vou lhe falar do sertão. Do que não sei. Um grande sertão. Não sei.143 O ser-tão de que se fala é o espaço para o encontro com o outro, mas também para o encontro com o eu que constrói sua identidade na medida em que não se desprende da noção de alteridade. O não saber é o que impele Riobaldo a prosseguir em sua travessia pelas veredas de um ser-tão de memórias e conflitos.
O sensível que inaugura o poético O embaraço e o deslumbramento expressos na cena em que Riobaldo se depara pela primeira vez com o menino, demarca uma ruptura com o que antecede sua velada iniciação amorosa. O jovem tímido e desajeitado, de aspecto doentio, se sente atraído pelo desconhecido menino: a ―novidade quieta‖ que tanto buscara. O lugar do feminino e do masculino não se define na narrativa segundo as expectativas em torno do homem e da mulher do ponto de vista do conjunto de regras sociais que impõe aos sujeitos comportamentos ou papéis prédefinidos. Assim, na medida em que Riobaldo, o masculino, passa a emitir um comportamento submisso frente a influência do ambíguo Diadorim, a ―mulher‖ de conduta transgressora que rompe com os usuais modelos femininos, cujas expectativas ajustadas às exigências do sistema giram em torno de um ideal de recato e sujeição. Redefinem-se os papéis e é a partir do jogo da reordenação dos lugares de cada sujeito, bem marcada no momento em que se intensifica a aproximação das personagens, que pode-se notar que Diadorim, em sua dupla função e significação aparece como aquela que subverte e simboliza o não atendimento das expectativas suscitadas em relação à mulher. É o menino de visão atenta e de aguçada sensibilidade que inaugura o mundo poético de Riobaldo, revelando o oculto da dimensão feminina que ao confundir-se com o lugar do masculino estimula uma nova percepção da existencia. Seguro de si, inspira confiança e respeito e é admirado por seus modos delicados e por sua beleza: Mas eu olhava êsse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que êle era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque êle falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esfôrço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que êle não fôsse mais embora, mas ficasse, sôbre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira — só meu companheiro amigo desconhecido. Escondido enrolei minha sacola, aí tanto, mesmo em fé de promessa, tive vergonha de estar esmolando. Mas êle apreciava o trabalho dos homens, chamando para êles meu olhar, com um jeito de siso. Senti, modo meu de menino, que êle também se simpatizava a já comigo. (ROSA, 1956, p. 103).
A necessidade de aceitação de Riobaldo e sua sujeição ao menino se evidencia pelo modo como o aquele se deixa conduzir pela iniciativa e segurança desse. Ainda que no curta-metragem, como no tempo da história narrada, Riobaldo não revele o nome do menino, pode-se localizar no vídeo um rastro de sua identidade pela repetição do nome Diadorim na musica executada no momento em que transcorre o encontro.
143
―Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe.‖ (ROSA, 1956, p. 101).
102
É Diadorim quem conduz Riobaldo, como se espera que um homem conduza a uma mulher, e lhe dá a mão descrita como ―bonita, macia e quente‖ a fim de ajudar o ―vergonhoso e perturbado‖ companheiro a entrar na canoa. Diadorim proporciona-lhe mais que uma experiência, oferece-lhe também sua amizade. Nesse ponto, a diretora e roteirista faz um recorte de outro episódio do romance que aponta para o reencontro do já adulto Riobaldo com o Reinaldo e com isso, une ao episódio do livro ao qual o vídeo se detém outra passagem que, no tempo da narrativa, se desdobrará no futuro: [...] Que é que é um nome? Nome não dá: nome recebe. Da razão dêsse encoberto, nem resumi curiosidades. Caso de algum crime arrependido, fôsse, fuga de alguma outra parte; ou devoção a um santo-forte. Mas havendo o êle querer que só eu soubesse, e que só eu êsse nome verdadeiro pronunciasse. Entendi aquêle valor. Amizade nossa êle não queria acontecida simples, no comum, sem encalço. A amizade dêle; êle me dava. E amizade dada é amor. Eu vinha pensando, feito tôda alegria em brados pede: pensando por prolongar. Como tôda alegria, no mesmo do momento, abre saudade. Até aquela — alegria sem licença, nascida esbarrada. Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão. (ROSA, 1956, p. 156-7).
Exprimir sentimentos como o medo e a emoção de se estar diante da serena companhia do menino é, sem dúvida, uma desafiadora tarefa para atores de tão pouca vivência. Nesse sentido podemos destacar a cena em que os meninos são surpreendidos por um mulato: Antôjo, então, por detrás de nós, sem avisos, apareceu a cara de um homem! As duas mãos dêle afastavam os ramos do mato, me deu um susto sòmente. Por certo algum trilho passava perto por ali, o homem escutara nossa conversa. À fé, era um rapaz, mulato, regular uns dezoito ou vinte anos; mas altado, forte, com as feições muito brutas. Debochado, êle disse isto: — ―Vocês dois, uê, hem?! Que é que estão fazendo?...‖ Aduzido fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente. Olhei para o menino. Êsse não semelhava ter tomado nenhum espanto, surdo sentado ficou, social com seu prático sorriso. — ―Hem, hem? E eu? Também quero!‖ — o mulato veio insistindo. E, por aí, eu consegui falar alto, contestando, que não estávamos fazendo sujice nenhuma, estávamos era espreitando as distâncias do rio e o parado das coisas. Mas, o que eu menos esperava, ouvi a bonita voz do menino dizer: — ―Você, meu nêgo? Está certo, chega aqui...‖ A fala, o jeito dêle, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato, satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dêle. (ROSA, 1956, p. 108-9.)
O filme desenvolve a cena, de um modo muito particular. Suprimem-se os diálogos e, momentaneamente, a voz do narrador desaparece para dar lugar à ação, ao movimento. Une-se música à atuação, na medida em que quase não há palavra, mas a imagem dela. Um corte de cena acentua o tom de sugestão. Da aparição do mulato à reação de Diadorim, a imitação da voz feminina — uma ―imitação da imitação‖, já que ao se portar como mulher, travestida de homem, a personagem não reproduz sua voz feminina, mas imita uma que não a sua — para em seguida cravar a sua pequena faca na coxa do mulato.
Mas, para que? por que? A cena final do curta-metragem funciona como retorno à ordem inicial do enredo, como se o episódio narrado cumprisse um ciclo. Retomam-se elementos como a canoa e o rio, símbolos da travessia existencial, e insere-se a lemniscata (∞), símbolo do infinito que aparece logo abaixo do parágrafo final de Grande sertão: veredas, encerrando-o de maneira análoga à proposta no curta-metragem. Tal movimento circular evidente nas cenas inicial e final, parece prefigurar a travessia de Riobaldo, que parte de um ponto em branco e se projeta para um horizonte de questionamentos e de reflexões metafísicas ―atravessando‖ sem jamais poder se desprender do que o converte no próprio ―ser-tão‖: o infinito de inquietações frente às incertezas da vida: Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Sonhação? Sonhos são? Sonhos só não.144 De posse das referidas informações que remetem à cadeia de relações estabelecidas entre os textos e a busca por pontos de contato entre eles, constatamos que — partindo das colocações de Jeanne-Marie Clerc (1994, p. 236), Sonhação — acho que eu tinha de aprender a estar alegre e triste juntamente, depois, nas vêzes em que no Menino pensava, eu acho que. Mas, para que? por que? (ROSA, 1956, p. 110-1).
144
103
que concebe a literatura comparada como a arte de aproximar os textos literários de outras formas de expressão e do conhecimento, a fim de que possam ser descritos, compreendidos e melhor desfrutados — é possível propor um diálogo entre o romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa e o curta-metragem: Rio de-Janeiro, Minas, de Marily da Cunha Bezerra, pautado nas diferenças no que compete ao aspecto estrutural, à técnica narrativa e, sobretudo, nas especificidades que regem o processo de escrita e de composição do texto literário, bem como a poética do cinema que nos possibilita ultrapassar a busca pelo grau de ―fidelidade‖ ou pelas ―traições‖ de uma arte em detrimento de outra, para assim alcançar o sentido para a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana, ou no ―estudo de relações entre a literatura, e, por outro, diferentes áreas do conhecimento e da crença‖, como pontua Remak (1994, p. 175).
REFERÊNCIAS: CLERC, Jeanne-Marie. La literatura comparada ante las imágenes modernas: cine, fotografia, televisión. In: Compendio de literatura comparada. Pierre Brunel; Yves Chevrel (org.) México: Siglo XXI, 1994. p. 236-273. JAUSS, Hans Robert. Por uma hermenêutica literária. Trad. Maurice Jacob. Paris: Gallimard, 1982. p. 11-29. NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: EDUSP, 1997, 300 p. NUNES, Benedito. Grande sertão: veredas: uma abordagem filosófica. In: Bulletin des études portugaises et brésiliennes. Paris, ADPF, n. 44-45, 1985. p. 389-404. NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Ed. 34, 2009. 284 p. REMAK, Henry H. Literatura comparada: definição e função. In. Literatura comparada: textos fundadores. Org. Tania Franco Carvalhal, Eduardo F. Coutinho. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 175-190, RIO DE JANEIRO, MINAS. Direção e roteiro de Marily da Cunha Bezerra. Brasil, São Paulo: 1991. Vídeo (8 min.) color. Port. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956. 594 p. SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das letras, 1989. 275 p. STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Trad. Fernando Mascarello. 2ª ed. São Paulo: Papirus, 2003. 398 p. TAVARES, Braulio. A ―câmera-olho‖ da literatura. In: Revista Língua Portuguesa – Especial: Cinema & Linguagem. São Paulo: Editora Segmento, outubro de 2011. p. 48-53. XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In: Literatura, cinema e televisão. Tânia Pellegrini [et. al.] São Paulo: Editora SENAC São Paulo; Instituto Itaú Cultural, 2003. p. 61-89.
104
O MODERNISMO EM RUY BARATA E SUA IMPORTÂNCIA NO CENÁRIO PARAENSE. Franciete Pereira DA SILVA (UEPA) Este trabalho apresenta as características da estética modernista na poesia de Ruy Barata, a contribuição deste autor para a consolidação do modernismo no Estado do Pará, além de seu interesse e inserção na atmosfera literária, suas produções musicais e suas obras poéticas, fazendo uma abordagem histórica de suas diversas contribuições para os periódicos locais e sua importância no cenário paraense. Palavras chave: Ruy Barata, Poesia, Modernismo, Paraense, Literatura. 1 O poeta da geração modernista paraense Ruy Guilherme Paranatinga Barata, grande intelectual, nasceu em Santarém, no Estado do Pará em 25 de junho de 1920 e morreu na cidade de São Paulo em 23 de abril de 1990, filho único de Maria José Paranantiga Barata, mais conhecida como Dona Noca, e do advogado Alarico de Barros Barata. O nome Ruy é uma homenagem de seu pai ao ilustre Rui Barbosa em função da grande admiração que tinha pelo mesmo, no que concerne ao nome Paranatinga este é de origem indígena e foi herdado de sua família materna e significa Paraná= rio e tinga= branco, portanto: rio branco, ou seja, de águas claras. Ruy Barata em vida exerceu várias funções tais quais: poeta, político, professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Artes da Universidade Federal do Pará e compositor de músicas de cunho amazônico, dentre outras. A partir de seus dez anos de idade deu continuidade aos estudos na capital belenense, e em meio ao curso de Direito cresce sua paixão pela poesia, dentre seus escritores preferidos, destacam-se: Carlos Drummond de Andrade, Maiakovski, Jorge de Lima e Mallarmé. Quanto à política este foi esquerdista e fomentou tais pensamentos através da influente leitura de Marx e Engels a exemplo o livro Manifesto Comunista, se forma em Direito no ano de 1943. Apesar de ter alcançado o bacharelado troca os trabalhos de advocacia pela função de redator no jornal Folha do norte. Elegeu-se e reelegeuse Deputado Estadual pelo PSP (Partido Social Progressista) aos vinte e seis anos de idade, em dois mandatos subsequentes, de 1947 a 1954, mais tarde se elege Deputado Federal. Com o Brasil em pleno regime político do Estado Novo, o mesmo defende a retomada do país ao estado de Direito. Mais tarde lidera grupos contra o regime Militar e por consequência disso acaba preso e perseguido. De acordo com Tony Costa (2010) autor do artigo intitulado ―Música, Literatura e identidade amazônica no século XXI: o caso do carimbó no Pará‖ com o golpe Militar as contestações políticas foram reprimidas, assim novas formas de protestos eram articuladas através da música, através de movimentos artísticos. A casa de Ruy Barata servira de pontos de encontros para os jovens artistas, poetas, letristas que surgiam para mostrar suas inquietações quanto ao sistema político vigente através da arte e, além disso, estes tinham interesse em pesquisar a música popular brasileira, conhecer os interiores do Estado do Pará, a música produzida pelo povo interiorano e suburbano para descobrirem se existia, de fato, música popular legitimamente paraense como é o caso do Nordeste: ―A chamada letra regional é sempre uma letra política. Tomemos, por exemplo, o baião de Luís Gonzaga, que, a meu ver, é profundamente político pois questiona uma realidade social e linguísta: a nordestina. (BARATA apud OLIVEIRA, 1984: 44) No que tange as suas produções artísticas compôs algumas músicas tendo como parceiro seu próprio filho Paulo André Barata, destacam-se: Noite de Paricá, Nativo, Indauê Tupã entre elas as mais conhecidas pelo público e interpretadas pela cantora nacionalmente famosa, a paraense Fafá de Belém: Pauapixuna e Foi Assim, dentre outras de cunho rural e urbano que lhes proporcionaram sucesso nacional e internacional:
105
- ―Foi Assim‖ [...] Acabou lotando teatro em Copacabana e São Paulo, virou trilha de novela e filme, foi gravada na França por Paul Mauriat, no Japão, e em outros países. Foi show do Nei mato Grosso e até executada como macha-rancho em disco de carnaval [...]. (BARATA apud OLIVEIRA, 1984: 47 - 48)
Quanto a sua produção poética este deixou-nos inúmeros poemas: Auto-retrato, Homenagem a Leon Boy, Primeiro de maio (produzido quando estava preso), Poema, Canção dos Quarenta Anos, dentre outros. Escrevera também alguns livros: Anjos dos Abismos (primeiro livro de poemas), A linha Imaginária, Violão de Rua, Paranatinga, em 2000 foi lançado o livro Antilogias uma compilação de 14 poemas e uma correspondência que lhe fora enviada por Mário Faustino, tudo isso foi organizado e revisado pelo próprio Ruy Barata entre os meses de janeiro e fevereiro de 1990, pouco antes de sua morte.
Esse interesse em valorizar através de suas obras a verve
amazônica é uma das características do modernismo presente em suas obras. A fim de coletar dados a respeito da passagem do escritor Mário de Andrade em sua passagem pela Amazônia, Ruy Barata viaja a São Paulo aonde por ocasião de uma cirurgia o mesmo chega a falecer. Em sua homenagem fora feita uma estátua que está localizada na antiga casa dos governadores, atual Parque da Residência em Belém do Pará. Atualmente seus feitos e obras são assuntos abordados em Universidades e inspiram muitas músicas, poemas, documentários, teses, danças, e outros.
2 Ruy Barata no cenário paraense Com o intuito de divulgar a literatura brasileira entre si e outros países surgem na imprensa os suplementos literários. Segundo Marinilce Coelho (2005) as novas tendências modernistas que estavam se apresentando no país foram divulgadas no Pará através da revista Belém Nova - lançada em 15 de setembro de 1923 e tem seu fim em 15 de abril 1929 - com o Modernismo a literatura modificou-se significativamente: o regionalismo foi supervalorizado, houve mudanças na cultura nacional, haja vista que tais poesias passaram a retratar a imagem do Brasil até então muito esquecida pelos poetas parnasianos e simbolistas, que mais exaltavam a cultura estrangeira. Quantos aos escritos estes se davam de maneira clara, curta e objetiva conquistando dessa forma um maior número de leitores. Fatos cotidianos de pessoas simples ganham espaço na poesia modernista, situações corriqueiras viram versos. Após quase dez anos do fim de Belém Nova, surgiu no Pará a revista Terra Imatura (O próprio nome da revista deve-se a homenagem feita ao romance do prosista Alfredo Ladislau, também intitulado Terra Imatura, o qual ressalta a diversidade cultural da Amazônia ) de cunho regionalista e de circulação mensal dos anos 1938 a 1942, produzida no Centro de Belém e dirigida por Cléo Bernardo e Sylvio Braga. Diferentemente da revista anterior a mesma expressou em seus escritos uma literatura mais envolvida com a situação sociopolítica vigente, além disso, estava atrelada à arte e à ciência, e principalmente divulgava os trabalhos dos poetas e escritores da região amazônica e das outras regiões brasileiras, informava os acontecimentos do Brasil e do mundo, além de mostrar as transformações urbanas pela qual Belém vinha passando. Existia na revista um espaço designado ―Da Planicie‖ cujo fim era discutir especificamente coisas do homem amazônico, Ruy Barata tomou a frente deste espaço. Dessa forma a referida revista teve papel fundamental no que diz respeito à união dos intelectuais paraenses: escritores e poetas que ainda estavam desligados entre si, passaram a colaborar com a mesma, através de seus escritos, entre eles: Bruno de Menezes, Daniel Coelho de Souza, Francisco Paulo Mendes, Juracy Reis da Costa e Ruy Guilherme Paranatinga Barata que também exercia a função de editor-chefe junto de José Mendes Pereira. Nota-se, neste período, que os poemas humorísticos evidenciados na primeira fase modernista evadem e dão espaço às temáticas de inquietações religiosas, filosóficas, políticas, e econômicas. Dessa forma Ruy Barata publica alguns poemas de sua autoria na revista Terra Imatura, um deles é Eterno Dilema, o qual trata sobre o mito da busca, o destino do homem, a seriedade da alma, as dores do mundo, haja vista que nesta fase a nova geração de
106
artistas estava mais preocupada com tais temáticas. Tal revista parou de circular por motivos financeiros e graças às iniciativas individuais de alguns poetas e prosadores a literatura paraense não declinou, nesse mesmo período o poeta Ruy Barata publica seu primeiro livro de poemas Anjo do Abismo com o apoio do romancista Dalcídio Jurandir. Consoante Coelho (2005) no ano 1942 Max Martins, Jurandyr Bezerra e Alonso Rocha tiveram a idéia de anunciar em jornal um convite aos jovens interessados em literatura para se encontrarem, no intuito de conhecerem o trabalho um do outro, a partir do primeiro encontro organizaram uma agremiação literária que se chamou ―Academia dos Novos‖. Fizeram parte dessa associação, alguns intelectuais, dentre eles: Benedito Nunes, Alonso Rocha, Ruy Barata, Mário Faustino, Haroldo Maranhão, Ruy Barata, Francisco Paulo Mendes. A princípio o grupo se reunia em locais públicos, depois os encontros passaram a acontecer na residência das tias de Benedito Nunes, a qual tinha arquitetura aos moldes do século XIX, cenário ideal para se formar uma Academia Literária. Assim, o grupo se dispersa no ano de 1945. Outra revista existente na Capital belenense e da qual o poeta Ruy Barata também participou como colaborador foi Encontro que teve uma única publicação no ano 1948 e tinha o intuito de expor em suas páginas ―textos críticos e literários inéditos de autores locais‖ (COELHO, 2005:110) além do mais os autores que participavam desta, tinham particularmente uma tendência, uma visão individual que era exibida de forma respeitosa sem nenhum embate entre estes. Tal revista divulgou uma literatura paraense que acompanhara de fato as mudanças que a sociedade vinha passando. Outrossim, no ano de 1952 surge no cenário literário paraense a revista Norte, a qual contou com a colaboração de vários intelectuais da época, entre eles estava outra vez o poeta Guilherme Paranatinga Barata. Embora a referida tenha durado apenas três edições, divulgou em suas páginas farto material literário: comentários, notícias, artigos, literatura, cinema, etc. É importante mencionar que Benedito Nunes um dos diretores e também crítico literário do periódico em questão, em um de seus artigos, desfere uma gama de elogios ao segundo livro de Ruy Barata – A Linha Imaginária – e ao próprio poeta, enfatiza que o mesmo está longe de apenas querer brilhar, ganhar fama, ao contrário, o crítico afirma ser Ruy Barata um brilhante poeta amadurecido enfatiza ainda em seu artigo a forma peculiar como o qual escreve, fala isso através da análise que faz das poesias de Paranatinga: Ruy Barata não é um virtuose do verso, por que, sobretudo é um criador. A poesia nele tem nascimento espontâneo, carregando em si, sem prodigalidade, essa riqueza de imagens que se plasma com a elaboração meditada das experiências do poeta [...]. (NUNES apud COELHO, 2005:130)
Conforme COELHO (2005) no período de circulação da revista Norte a poesia de Ruy Barata estava mais voltada ao intimismo, ao espiritualismo, à existência humana, à sondagem psíquica. São as características do modernismo e que se refletem na poesia de Ruy Barata: versos livres, poesia mais sintetizada, nova postura temática questionamento da realidade circundante e de si próprio enquanto individuo e uma maior interpretação do estar no mundo, reflexão de qual o seu papel de poeta, uma literatura mais envolvida com a política e mais construtiva, aprofundamentos das relações do eu com o mundo, consciência da fragilidade do eu, a união e a coletividade como única perspectiva para a superação dos tempos difíceis. Assim, surge em maio de 1946 a janeiro de 1951 o suplemento literário Arte e Literatura sob a direção de Haroldo Maranhão no jornal A Folha do Norte. No intuito de atualizar a literatura de nosso Estado fora divulgada a poesia do ―grupo dos novos‖, quanto a crítica literária esta foi desferida através de grandes nomes do meio intelactual: Benedito Nunes, Sérgio Buarque de Holanda, Roger Batista e outros. Este tablóide paraense contou com a participação de muitos colaboradores de nível nacional: Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Cecília Meireles, etc. no que tange a divulgação da literatura estrangeira representados por Kafka, Maiakovski,
107
T.S.Elliot etc. os tradutores desses textos foram Ruy Barata, Mário Faustino dentre outros, esta iniciativa estreitou relações entre as obras internacionais, nacionais e regionais. Conforme as tendências literárias iam mudando as poesias de Ruy Barata também apresentavam traços dessas mudanças e apesar do mesmo pertencer a uma geração anterior aos fundadores do ―grupo dos novos‖ o mesmo chegou a integrar este grupo. Quanto ao suplemento literário Arte e Literatura sua poesia foi divulgada e mostrava ―o uso de formas tradicionais que alternavam com outras modernas‖ (COELHO. 2005:190). Quanto à atitude de persistência nas colaborações das diversas revistas assumidas pelos poetas da região, este fator foi muito significativo, visto que rendeu à Belém um salto no que concerne à cultura literária paraense, deixando desta forma um legado artístico de grande importância para consolidar a corrente estética da época.
3 Algumas produções poéticas do autor Pretende-se neste trabalho analisar duas poesias de Ruy Barata, as quais pertencem ao livro A Linha Imaginária publicado em 1951, este trabalho pertence à fase modernista e, está mais ligado a preocupações sociais, políticas, econômicas dentre outras, os poemas estão mais voltados ao símbolo, ao intimismo, linguagem com cosntruções mais elaboradas e com metáforas.
Auto-Retrato Entre a espuma e a navalha sou legenda O espelho neutraliza o ângulo da morte, a barba estrangulou a metafísica e o problema do mal é bem remoto. Aqui sim. Aqui resistirei à mímica, ao dicionário e ao laboratório. (a herança do punhal brilha de novo fantasma de Abel não me intimida) Vejo a testa crescer entre espirais de fumo, o olhar que não vacila da ruga à pré-história e o peito rasgado pela fúria do poema. Aqui sim, aqui iniciarei a espécie nova, qui derrotarei o homem-harpa e pronto estou para a descoberta do sexo. O pincel dá-me o poder do patriarca, a navalha reduz a timidez e o medo, o palavrão rola na boca e salva o mundo. (BARATA apud OLIVEIRA. 1984: 68)
A poesia auto-retrato de Ruy Barata a princípio, como se observa no próprio título, uma das temáticas bastante utilizadas pelos poetas modernos do ―grupo dos novos‖ como, por exemplo, é o intimismo. Essa relação parece dar-se, não do homem para o homem, mais do poeta para seu próprio fazer poético, ou seja, usa-se a metalinguagem, é o que sugere o seguinte trecho: ―Aqui resistirei à mímica e ao laboratório‖. Este trecho do poema nos remete a reflexão aristotélica na qual a poesia se dava como somente imitação da realidade, o que na modernidade à luz da estética (ciência que estuda as manifestações da arte) ―caiu por terra‖ já que esta atribuiu à poesia um caráter vivaz e único, como recriação ou própria criação de uma realidade, de um novo mundo, dentro da obra, poética, na poesia. Podemos inferir também a questão: resistência ao dicionário, que pode ser metáfora de outro conceito grego, tradicional, a retórica, as belas letras. Em outro trecho, é como se o poeta estivesse anunciando um novo viés literário (modernista) e a nova concepção dos poetas, é como se o referido estivesse assistindo as transformações da literatura na sociedade e mostrando que esta não se configura mais como algo harmonioso bonito, formal como a poesia greco-romana:
108
Vejo a testa crescer entre espirais de fumo, o olhar que não vacila de ruga à pré-história e o peito rasgado pela fúria do poema.
Mais adiante este poeta se mostra inserido, integrado à nova geração poética, mostrando as novas perspectivas de suas obras onde o homem-harpa representa o homem grego, o ultrapassado, o tradicionalismo dentro da poesia, e o mesmo está disposto a eliminá-lo, e ainda se mostra interessado em quebrar os pudores harmônicos através da abordagem de assuntos que outrora não podiam ser mencionados. Evidencia também que a obra lhe concede uma posição de poder semelhante ao do patriarca, ou seja, ao do criador, linguagem informal adotada mais ligada ao cotidiano inova e muda a sociedade vigente. Aqui sim, aqui iniciarei a espécie nova, aqui derrotarei o homem-harpa e pronto estou para a descoberta do sexo. O pincel dá-me o poder do patriarca, a navalha reduz a timidez e o medo, o palavrão rola na boca e salva o mundo.
Vale ressaltar que Ruy Barata enfatizou seu fazer poético baseado na mesclagem estética da segunda fase modernista (a exemplo dos versos livres) com feições de criações artísticas de outras escolas literárias. Deste modo, o autor afirmou que: Em A linha Imaginária escolhi o verso branco, talvez porque tenha dado mais liberdade a minha criatividade poética. Nessa época, no Pará, houve um grupo que questionou a necessidade de superar a lírica parnasiana e simbolista. (BARATA apud OLIVEIRA. 1984: 61)
A obra de Ruy Barata é essencialmente modernista, e agrega características de outras estéticas literárias que enriquecem sua obra. Destarte, para evidenciar este traço, mediante as informações acerca da poesia abordada, observemos adiante, que o autor ressalta outras temáticas em sua obra. Diante disto, passemos a leitura de ―Poema‖, publicada em 1943 no livro ―A Linha Imaginária‖:
Poema Sobre o piano – rosas Entre as rosas o azul E o azul não era azul Era vermelho Tocavam Bach E eram como luz que transitasse No mistério. Todos estavam silenciosos E no fulgor das pupilas Envenenassem pelo medo Havia uma estranha dor de morte Prematura Minha mãe chegou a mim e disse: fica Meu avô me acenava do futuro Porém eu estava sitiado Entre a fuga e a tocaia. A nuvem carregou-se adormecido Varei a criação, Transpus o limbo Quando acordei Meu pai, Já era o céu. (BARATA apud OLIVEIRA. 1984: 83)
109
Um fator interessante a ser observado é a estreita relação com a poesia descritiva parnasiana, pois o autor evidencia em sua poética elementos semelhantes a essa estética, demonstrados na descrição do ambiente. Tocavam Bach e era como luz que transmitisse no mistério. todos estavam silenciosos.
O aspecto modernista se configura pela totalidade de elementos que constituem a obra intitulada ―Poema‖, tanto pelas influências já mencionadas, quanto pela questão temática abordada no mesmo. A realidade de si próprio enquanto indivíduo, mediante ao seu papel de estar no mundo estão relacionadas à fugacidade da vida humana, levando o eu-lírico a poetizar a respeito da morte, que é a principal temática. Desta forma, Ruy Barata sugere outra característica modernista a religiosidade: ―Já era o céu‖. Conforme OLIVEIRA (1984: 13) Ruy Barata conseguiu ser muitos em um só: ―foi poeta. soldado. advogado. deputado. cartorário. revolucionário. presidiario. futebolista. jornalista. sambista. letrista. professor. escritor. pesquisador. tradutor [...]. Além de tudo isso, vale ressaltar que tal artista foi de grande importância política em nosso Estado, visto que de fato se engajou em várias lutas: contra o autoritarismo de Magalhães Barata e à pobreza, esteve também sempre a favor de todos os assuntos relacionados aos direitos humanos, à defesa da soberania da Amazônia e da Paz mundial em decorrência da Guerra Fria, dentre outros. Faz-se indispensável expor o que retratou a Folha do Norte, periódico importante da metrópole belenense, sobre o ilustre Paranatinga: [...] o que nele mais se destaca é a coragem ilimitada quando defende teses avançadaos em meio de botocudos. Petroleo, Divórcio, Liberdade Sindical, Autonômia de Belém, e outros temas de sabor proibitivo ele os abraça com a mais ardente fé democratica, com um sentido novo e progressista, sem se enlamear no lodoçal da demagogia. Da mesma maneira como aborda questões internacionais e nacionais, luta também pelas reivindicações municipalistas, sempre pedindo mais escolas, mais postos médicos, mais trapiches, enfim, maior assistencia ao semi-abandonado homem do interior. (PERI AUGUSTO ―DA FOLHA DO NORTE‖ apud OLIVEIRA, 1984: 222- 223)
Conforme Coelho (2005) além da Semana de Arte Moderna em São Paulo houve muitas outras literaturas modernistas em outros Estados brasileiros, como é o caso da primeira metrópole da Amazônia – Belém, Pará – porém, o evento do sudeste fora marcado em nossos livros como um dos acontecimentos mais importante de nossa Literatura. Ainda conforme a autora supracitada, toda a história literária brasileira vem no decorrer de décadas sendo elaborada envolta da cultura, paulista, carioca ou mineira, fator que torna cada vez mais marginalizada, a literatura de expressão amazônica, a do ―peixe frito‖, como enfatizou a crítica de Dalcídio Jurandir no prefácio alcunhado de Tragédia e comédia de um escritor novo no Norte de seu romance Chove nos Campos de Cachoeira, nele o autor enfatiza sobre as dificuldades de publicar um livro no Pará na década de 30, já que o Poder governamental pouco investia em artistas locais. A Geração de escritores que faziam literatura na época de Dalcidio Jurandir eram, em sua maioria, composta por rapazes pobres, por isso conhecida como geração do peixe frito: Aparece uma turminha de malandros metidos a literatos [...] e caem em cima do governo [...]. Os da terra ficam com o peixe frito. Peixe frito [...] é o peixe vendido em postas nos tabuleiros do Ver-o-Peso [...]. É a comida para quem não deixa almoço comprado em casa. (JURANDIR apud COELHO, 2005: 48-49)
No que concerne ao preconceito contra o regional Paranatinga foi enfático: ―[...] não devemos alimentar qualquer preconceito contra a arte, venha ela de onde vier. [...] nada mais universal que o regional‖. (OLIVEIRA, 1984:45). Apesar de o Pará ter tido magníficos artistas que tentaram, por meio de suas artes, exaltar a Amazônia, e transmitir por meio da poesia a riqueza paraoara, poucos conhecem estes artistas, inclusive os próprios acadêmicos do curso de Letras. Não há justificativa alguma o fato de serem esquecidas as ilustres personagens responsáveis pela construção da história literária no Estado do Pará, tal qual é o caso de Ruy Guilherme Paranatinga Barata.
110
REFERÊNCIAS: COELHO, Marinilce Oliveira. Grupo dos novos. Memórias literárias de Belém do Pará: UNAMAZ: 2005. CROCE, Benedetto. Breviário de Estética / Aesthetica in nuce. Tradução de Rodolfo Ilari Jr. São Paulo: Ática, 2001. OLIVEIRA, Alfredo. Paranatinga. Secretaria de Estado de Cultura Desportos e Turismo. Belém: 1984. TRESIDDER, Jack. O Grande Livro dos Símbolos. Trad. de Ricardo Inojosa. 5 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. DA COSTA, Tony Leão. S/d. Música, literatura e identidade amazônica no século XX: o caso do carimbó no Pará. Disponivel em: www.sumarios.org/ sites/ default/ files/ pdfs/ t_ costa _ 20.pdf. Acessado em 31 ago. 2012.
111
TRADUÇÃO BASEADA NA TRANSCRIAÇÃO: a simplicidade de Drummond na tradução do Poema Ornithology for Beginners, de Dorothy Parker. Dayana Crystina Barbosa de ALMEIDA (FIBRA/UFPA)145 Evidenciando-se a possibilidade de se fazer uma tradução fidedigna utilizando-se da transcriação, objetivou-se com este artigo analisar a tradução que Drummond fez do poema Ornithology for Beginners, de Dorothy Parker, baseada na transcriação estabelecendo quais são as relações entre a tradução de Drummond com a transcriação; e evidenciar, por meio da transcriação, a possibilidade de se fazer um tradução que mantenha a forma poética. A metodologia, de acordo com Gil (1991), foi uma pesquisa exploratória de cunho bibliográfico. Assim, esta foi dividida em três etapas: na primeira etapa, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre as obras e a tradução de Drummond, sobre a poetisa Dorothy Parker e sobre a tradução transcriadora. Na segunda etapa, foi feita a análise dos dados coletados sobre a referente temática, a fim de responder aos objetivos da pesquisa que ora foram expostos, de acordo com Bardin (2002). Os dados analisados foram a tradução e o original do poema Ornithology for Beginners, à luz do referencial teórico adotado, privilegiando a análise de conteúdo. Na terceira etapa, foi realizada a sistematização dos dados obtidos e a elaboração do artigo. Na tradução de Drummond não ocorreu fidelidade semântica em relação ao original. Palavras-chave: Transcriação, Tradução, Drummond. 1 INTRODUÇÃO A tradução, entre várias acepções e teorias, pode ser dividida, de modo geral, em dois tipos: tradução literária e tradução não literária. A tradução literária, de acordo com Lefevere (1975), possui vários tipos, mas que podem ser sintetizados em seis modelos básicos: a tradução fonêmica; a tradução literal; a tradução de verso para prosa; a tradução que mantém o metro; a tradução rimada do texto-fonte; a tradução em verso, sendo que o metro não é idêntico ao do texto-fonte. Dryden (2003) acredita que a tradução pode ser dividida em três: metáfrase, paráfrase, e imitação, os quais seriam traduções respectivamente, na atualidade, palavra por palavra, sentido por sentido e tradução livre. E ainda, Dryden sugere que tanto a metáfrase quanto a imitação devem ser evitadas, e que um bom tradutor deve procurar um equilíbrio entre estas. Holmes (1972) acrescenta que é muito bem aceita a ideia de que nenhuma forma de verso, em qualquer idioma, pode ser inteiramente idêntico a uma forma de verso em qualquer outro. Para Ezra Pound, em ABC of Reading, quando se fala em tradução poética, um texto traduzido pode ser um ―acompanhamento‖, escrito ao lado do poema estrangeiro, e composto por peculiaridades linguísticas que orientam o leitor, por meio deste ―acompanhamento‖, a atentar para as características textuais estrangeiras. Ou uma tradução poderia ser uma ―escrita original‖, na qual os ―padrões‖ literários na cultura traduzida orientariam a reescrita do poema estrangeiro de forma tão decisiva quanto a parecer um ―novo poema‖ nesse idioma. Assim, Pound acreditava que a tradução era uma forma de crítica e fez uso consciente de estrangeirismos e arcaísmos estratégicos. E esta tradução crítica influenciou brasileiros como Oswald de Andrade, Mário Faustino e, ainda, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Especificamente Haroldo de Campos buscou em Pound, dentre outros aspectos, uma tradução crítica entre poetas e poemas. Deste modo, a teoria e prática da transcriação de Haroldo mostram-se não somente como uma leitura do passado, mas também do presente e do futuro. É por via de Pound que devemos trazer à luz a teoria e a obra transcriadora de Haroldo de Campos, uma vez que este é tributário, em certos aspectos, do autor de ABC of Reading. A tradução literária, especificamente a tradução poética, é, como podemos perceber, uma atividade singular, a qual exige muita dedicação daquele que se propõe a fazê-la. 145
Mestranda em Letras - Esudos Literários/UFPA. Especializando-se em Tradutor e Intérprete/FIBRA. LP em Letras - Habilitação Inglês/UFPA. E-mail: almeidadcb@yahoo.com.br.
112
Portanto, o objetivo deste artigo é a análise da tradução feita por Drummond, do poema Ornithology for Beginners, de Dorothy Parker. Para alcançar o objetivo deste trabalho, analisaram-se as possibilidades de se fazer uma tradução fidedigna em relação à forma 146, chamada transcriação. Mostraram-se as evidências da transcriação na tradução de Drummond. E ainda, identificaram-se as possibilidades de uma tradução que mantenha a forma poética.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 A palavra lírica em tradução De acordo com Lefevere (1975), a tradução poética, ou tradução de poesia, pode ser realizada sob vários pontos de vista, pois há vários tipos de tradução literária, contudo, ele procurou resumi-los em apenas seis modelos básicos, os quais são: a tradução fonêmica; a tradução literal; a tradução de verso para prosa; a tradução que mantém o metro ou que faz a tentativa de manter o metro; a tradução rimada do texto-fonte, mas que não é necessariamente rimado; a tradução em verso, porém neste tipo o metro não é semelhante ao do texto-fonte. Lefevere e Susan Bassnett (2003) acreditam que a tradução está associada à manipulação, pois afirmam que a tradução é uma reescrita de um texto original, e, ainda, que, como toda reescrita, involuntariamente à intenção com que foi produzida, reflete uma ideologia e uma poética, manipulando então a literatura para funcionar na sociedade de uma maneira determinada: (re)escrita é manipulação, realizada a serviço do poder, e em seu aspecto positivo pode ajudar no desenvolvimento de uma literatura e de uma sociedade. As reescritas podem introduzir novos conceitos, novos gêneros, novos recursos, e a história da tradução é também a história da inovação literária, do poder formador de uma cultura sobre outra. Mas a reescrita também pode reprimir a inovação, distorcer e controlar, e em uma época de crescente manipulação de todos os tipos, o estudo dos processos de manipulação da literatura, exemplificado pela tradução, pode nos ajudar a adquirir maior consciência a respeito do mundo em que vivemos. (LEFEVERE e BASSNETTT 2003, xi)
Lefevere (2003), ainda acrescenta que a tradução literária, não é, de certa forma, caracterizada por uma subordinação integral aos padrões estabelecidos por determinada poética. Deste modo, Lefevere acredita que a tradução pode de fato efetivar a adequação do texto original a uma poética vigente, quanto também pode se opor a esta, de modo que introduza elementos inovadores que são estranhos a essa poética. John Dryden (2003) assume uma postura ainda mais concisa em relação à tradução criando a seguinte tipologia: a metáfrase, a paráfrase e a imitação. A metáfrase teria seu equivalente na tradução palavra-por-palavra. A paráfrase, por sua vez, é a ―tradução com amplitude quando o autor continua aos olhos do tradutor para que este não se perca, mas não segue as palavras tão estritamente, senão o sentido chamado de sentido por sentido‖ (Sant‘Anna, 2003). E ainda a imitação, finalmente, era aquela em que o tradutor faz uma tradução livre. Já para Haroldo Campos a tradução poética é chamada de ―transposição poética‖, ―recriação‖ ou ―transcriação‖, na qual o tradutor, na realidade, o transcriador visa transformar o passado em algo novo, de acordo com o make it new, de Ezra Pound. Assim, utilizaremos como autor base para este estudo Haroldo de Campos (1981). Este autor dá à tradução um papel de criação, porque a tradução não é cópia, mas mimese, a qual visa a ―diferença‖: ―na tradução mais do que em nenhuma outra operação literária, se virtualiza a noção de mimese, não como teoria de cópia ou de reflexo salivar, mas como produção da diferença no mesmo‖ (HAROLDO DE CAMPOS, 1981, p. 183).
146
A poética.
113
2.2 A tarefa do “Transcriador” De acordo com Haroldo de Campos (1977), o essencial que se espera na tradução de um poema: ―não é o regaste da mensagem, mas a reconstituição do sistema de signos em que está incorporada esta mensagem, da informação estética, não da informação meramente semântica‖ (HAROLDO DE CAMPOS, 1977, p. 100). Haroldo de Campos (1992) expõe ainda a sua teoria de tradução, a qual se centraliza no processo criativo, uma transcriação, e não uma mera transposição do original. Haroldo de Campos (idem) define assim Transcriação: Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele ―que é de certa forma similar àquilo que ele denota‖). O significado, o parâmetro semântico, será apenas tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se pois no avesso da chamada tradução literal (HAROLDO DE CAMPOS, 1992, p. 35).
A tradução transcriadora só será possível onde há intraduzibilidade, pois é nela que o tradutor tem a liberdade de criar e recriar os signos. Assim, a teoria de Haroldo de Campos (1992) oferecerá uma compreensão sobre o que é uma boa tradução. Haroldo de Campos (1992) acrescenta ainda que a tradução percorre o mesmo caminho poético percorrido pelo original. Tal caminho será a transposição da poética do original para o texto traduzido, ou seja, a língua do tradutor. Há nesse processo a chamada isomorfia que dará à obra original uma nova informação estética que a ligará à tradução, fazendo com que original e tradução tenham a mesma forma, porém, com conteúdos diferentes. Benjamin (2008), no ensaio ―A tarefa do Tradutor‖, transforma a tradução em um lugar privilegiado de reflexão, crítica e produção literária. Para este autor, a ―tradução é uma forma‖, buscando reconceituar a tarefa do tradutor, a qual seria trans-pôr, trans-formar, ou seja, re-formar na língua da tradução a poética do original. Assim, o pensamento de Haroldo de Campos (1992) é similar ao de Walter Benjamin em ―A Tarefa do Tradutor‖ que toma a verdadeira e boa tradução como aquela que apreende o essencial do original. O essencial é então o poético. O tradutor em questão é Carlos Drummond de Andrade, que foi poeta, contista, cronista brasileiro. De acordo com Haroldo de Campos (1992) ―Drummond é antes de mais nada um ‗maker‘, um ‗inventor‘, (nele ‗tudo é palavra‘, já observou Décio Pignatari), e, por isso mesmo, há nele essa capacidade rara de transferir mesmo as efemérides mais íntimas para o horizonte do fazer, de celebrá-las então não em ‗festa‘, mas em criação, na ‗luta corpo-a-corpo com a palavra‘, que deve ser, aliás, em poetas como ele, o secreto exercício para a perene juventude do espírito‖. (Haroldo de Campos, 1992, p. 49). Drummond, mas conhecido como um poeta, fez ótimas traduções. Porém, de acordo com Giron (2012), ele acreditava não possuir traduções relevantes, pois se definia ―tradutor Deus sabe como‖. Outro motivo para essa desvalorização foi o fato de Drummond ter vertido muitos textos por necessidade econômica como os poemas curtos da americana Dorothy Parker, corpus deste trabalho, e Carmen Bernos de Gasztold, por encomenda da revista Seleções do Reader‘s Digest. O modo como os tradutores compreendem a si mesmos e as suas próprias culturas são alguns dos fatores que influenciam como serão feitas as suas traduções. Sobre os autores traduzidos de Drummond, o destaque dado é Dorothy Parker, escritora e poetisa norteamericana. De acordo com Breese (1999), as vozes nos poemas de Parker são principalmente urbanas, sofisticadas, e suas páginas estão repletas de imagens de isolamento, degradação, solidão e depressão. Tudo o que Parker tocou foi transformado em narrativa, por seu idioma. Não importa a situação que seja descrita, ela envolve os leitores, torna a ouvir as vozes destes, peculiarmente dos americanos e é totalmente contemporânea de suas vozes e
114
narradores. É seu estilo, sua arte, seu humor multifacetado, sua ironia, seu sarcasmo, sua ternura, seu pathos. Ao fazer os leitores prestarem atenção em quem está falando e quais são as implicações destas mensagens, Parker faz com que o leitor leia nas entrelinhas de suas situações e mensagens simples, a fim de apreciar plenamente a compreensão da arte dela. 2.3 Metodologia A metodologia, de acordo com Gil (1991), foi uma pesquisa exploratória de cunho bibliográfico. Assim, esta foi dividida em três etapas: na primeira etapa, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre as obras e traduções de Drummond, sobre a poetisa Dorothy Parker e sobre a tradução transcriadora. Na segunda etapa, foi feita a análise dos dados coletados sobre a referente temática, a fim de responder aos objetivos da pesquisa que ora foram expostos, de acordo com Bardin (2002). Os dados analisados foram a tradução e o original do poema Ornithology for Beginners, à luz do referencial teórico adotado, privilegiando a análise de conteúdo. Na terceira etapa, foi realizada a sistematização dos dados obtidos e a elaboração.
3 ANÁLISE Segundo Haroldo de Campos, a tradução vai além do que transportar o texto de um idioma para outro, pois elementos da estrutura do poema, como o ritmo e as combinações sonoras (rimas, assonâncias, etc.), são, na maioria das vezes, mais importantes do que a semântica das palavras. Partindo deste conceito, iremos analisar primeiro a estrutura estilística do poema Ornithology for Beginners e, posteriormente, iremos analisar se na tradução feita por Carlos Drummond de Andrade estes elementos estilísticos para então concluirmos se esta é uma transcriação ou não. E, ainda, de acordo com Pound, se Drummond perseguiu a recriação do poema, o chamado ―make it new‖, tornando-o um novo original, de modo a interagir com o texto de partida, e assim enriquecendo ambas as partes. 3.1 Análise do poema “Ornithology for Beginners” “ORNITHOLOGY FOR BEGINNERS The bird that feeds from off my palm Is sleek , affectionate, and calm, But double, to me, is worth the thrush A- flickering in the elder-bush.‖
Podemos perceber, no poema acima, em relação à estrofe, que se trata de uma quadrinha (também chamada de quadra ou quarteto). De acordo com Goldstein (1986), a quadrinha é um poema que possui quatro versos, os quais, de modo geral, desenvolvem um conceito relacionado à filosofia popular 147: 1 The bird that feeds from off my palm 2 Is sleek, affectionate, and calm, 3 But double, to me, is worth the thrush 4 A-flickering in the elder-bush.
Sobre as rimas deste poema, em se tratando da posição no verso, estas são externas, pois ocorrem quando há repetição de sons similares no final de diferentes versos: Como por exemplo, o poema ―Murilo Mendes‖, do Próprio Drummond: Altíssimo poeta puro, és tu, meu Murilo Mendes, que estrelas, no céu escuro, alçando os braços, acendes. 147
115
- Nos trechos ―off my palm‖ e ―and calm‖; e em ―the thrush‖ e ―elder-bush‖ Em relação à semelhança de letras, as rimas desse poema são classificadas como rimas consoantes, pois se trata de uma rima que apresenta semelhanças entre consoantes e vogais: - A partícula ―alm‖ em ―palm‖ e ―calm‖; e a partícula ―ush‖ em ―thrush‖ e ―elder-bush‖. Sobre a distribuição ao longo do poema, estas rimas são emparelhadas, as quais obedecem ao esquema AABB. Assim, o primeiro verso rima com o segundo, e o terceiro com o quarto:
The bird that feeds from off my palm rima A Is sleek, affectionate, and calm,
rima A
But double, to me, is worth the thrush
rima B
A-flickering in the elder-bush.
rima B
Neste poema, encontramos ainda uma figura de efeito sonoro: a aliteração, a qual consiste na repetição de determinados elementos fônicos, ao longo do poema, ou seja, sons consonantais idênticos ou semelhantes: ―(...) feeds from off (...) Is sleek, affectionate (...)‖. 3.2 Análise do poema traduzido “Pássaros”
“PÁSSAROS Comendo em minha mão, o passarinho A tranquila doçura tem do ninho. Mas eu prefiro o tordo aventureiro A saltitar no pé de sabugueiro.‖
Ao começar pelo título, já podemos identificar as escolhas do tradutor, pois no título é notável uma grande mudança: o título original ―Ornithology for Beginners‖, tornou-se ―Pássaros‖. Assim ao invés de ser traduzido como ―Ornitologia para iniciantes‖, Carlos Drummond traduziu simplesmente para ―Pássaros‖. Como veremos a seguir, a tradução do título foi feita para estar de acordo com o começo da tradução do poema, como segue abaixo: Original ―bird that feeds from off my palm‖ Tradução de Carlos Drummond de Andradade (CDA) ―Pássaros comendo em minha mão, o passarinho‖. Neste primeiro trecho, a tradução se assemelha ao original, pois ―bird that feeds from off my palm‖ foi traduzido como ―Pássaros comendo em minha mão‖, mas logo em seguida há um acréscimo do tradutor, a inclusão de ―o passarinho‖ ao final, visando uma rima com o próximo verso: Original ―Is sleek, affectionate, and calm,‖ Tradução de CDA ―A tranquila doçura tem do ninho‖ Em relação à estrofe da tradução, esta se assemelha ao original, pois também se trata de uma quadrinha: 1 Pássaros comendo em minha mão, o passarinho 2 A tranquila doçura tem do ninho 3 Mas eu prefiro o tordo aventureiro 4 A saltitar no pé do sabugueiro.
116
Em relação às rimas, no que se refere à posição do verso, desta tradução, estas são externas assim como no poema original: - Nos trechos ―o passarinho‖ e ―do ninho‖; e em ―aventureiro‖ e ―sabugueiro‖. Em se tratando da semelhança de letras, as rimas dessa tradução são classificadas como rimas consoantes, assim como no original: - A partícula ―inho‖ em ―passarinho‖ e ―ninho‖; e a partícula ―eiro‖ em ―aventureiro‖ e ―sabugueiro‖. A respeito da distribuição ao longo da tradução, estas rimas são emparelhadas, as quais obedecem ao esquema AABB, semelhante ao poema original: Pássaros comendo em minha mão, o passarinho
rima A
A tranquila doçura tem do ninho
rima A
Mas eu prefiro o tordo aventureiro
rima B
A saltitar no pé do sabugueiro
rima B
Nesta tradução, encontramos ainda uma figura de efeito sonoro: a aliteração, semelhante ao poema original: ―Pássaros comendo em minha mão (...)‖. Sobre as escolhas lexicais, podemos observar muitas diferenças entre o original e a tradução: Original ―Is sleek, affectionate, and calm,‖ Tradução CDA ―A tranquila doçura tem do ninho‖ Neste verso, Drummond apenas utilizou do original o adjetivo ―calm‖, traduzido para um termo similar como ―tranquila‖, e então, mantendo uma sonoridade de rima, optou por finalizar o verso em ―ninho‖ para combinar com o final do verso anterior ―o passarinho‖. Assim ―Is sleek, affectionate, and calm,‖ transformou-se em ―A tranquila doçura tem do ninho‖. A mudança também ocorrerá nos versos seguintes: Original ―But double, to me, is worth the thrush‖ Tradução de CDA ―Mas eu prefiro o tordo aventureiro‖ Neste verso Drummond conseguiu manter a ideia do original e, ainda produziu o final visando, novamente, uma sonoridade de rima com o próximo, e último verso. No original temos ―But double, to me, is worth the thrush‖ que seria algo como ―Mas, para mim, vale duas vezes mais o tordo‖, mas que foi traduzido como ―Mas eu prefiro o tordo aventureiro‖. Original ―A-flickering in the elder-bush.‖ Tradução de CDA ―A saltitar no pé do sabugueiro‖ No final do poema, manteve-se, uma sonoridade de rima, mas não uma fidelidade semântica. Contudo, a não fidelidade semântica não impediu que Drummond conseguisse manter uma coerência no poema do começo ao fim, e assim, transformando ―A-flickering in the elder-bush‖ em a ―saltitar no pé do sabugueiro‖. Além de criar rimas e manter a coerência
na tradução, Drummond conseguiu uma grande façanha em relação ao vocabulário, manteve as exatas 25 palavras do original:
117
Número de palavras 1
2
3
4
5
6
7
The
Bird
that
Feeds
from
off
My
Pássaros
comendo
em
Minha
mão
o
Passarinho
8
9
10
11
12
13
14
Palm
Is
sleek
affectionate
and
calm
But
A
tranquila
doçura
Tem
do
ninho
Mas
15
16
17
18
19
20
21
Double
to
me
Is
worth
the
Thrush
Eu
prefiro
o
Tordo
aventureiro
A
Saltitar
22
23
24
25
A-flickering
in
the
elder-bush
No
pé
do
Sabugueiro
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com Pound, nenhuma tradução tem de reproduzir todos os aspectos do original. O tradutor pode optar por concentrar-se em apenas alguns aspectos, pode até completar ou reorganizar o original, a fim de realizar o propósito do tradutor. Por essa razão, não basta traduzir o sentido das palavras: é preciso recriar o texto, restituir sua estrutura original em outro idioma, e, então, a tradução se torna uma ―transcriação‖, de acordo com a concepção de Haroldo de Campos. Como podemos observar nas explanações da análise, Drummond, ao traduzir, procurou recriar os elementos da estrutura ao poema original, o que torna essa tradução muito próxima do conceito de transcriação, pois, embora não tenha sido fiel à semântica do original, Drummond conseguiu uma grande qualidade poética na tradução, transmitindo claramente a simplicidade dos poemas de Dorothy Parker. Desse modo, Carlos Drummond, ao ―restaurar‖ a estrutura original, recriou ―Ornithology For Beginners‖ em português, e, então, ―Pássaros‖ se tornou uma transcriação. Assim, de acordo com Arrojo (2000), a tradução de qualquer texto, poético ou não, será fiel não ao texto ―original‖, mas àquilo que os tradutores consideram ser o texto original, àquilo que os tradutores consideram que deve constituir a tradução, ou seja, a interpretação deles do texto de partida, que será sempre produto daquilo que eles são, sentem e pensam.
118
5 REFERÊNCIAS ARROJO, R. Oficina de tradução. Série Princípios. São Paulo: Editora Ática, 2000. ANDRADE, C. D. de. Poesia Traduzida. São Paulo: Cosac Naify, 2011. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2002. BENJAMIN, W. A tarefa do tradutor. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. BREESE, C. Complete Poems by Dorothy Parker. New York: Penguin, 1999. Disponível em: <http://goo.gl/WNIuU>. Acesso em: 01 ago 2012. CAMPOS, H. de. A arte no horizonte do provável. 4ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1977. ______. Metalinguagem & Outras Metas. São Paulo: Perspectiva, 1992. ______. Post-Scriptum; Transluciferação Mefistofaústica. In: Deus e o Diabo no Fausto de Goethe. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 179-191. DRYDEN, J. John Dryden, 1631–1700. English poet, dramatist, critic, and translator. In: LEFEVERE, A. Translation History Culture. London: Routledge, 2003. p. 102-105. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. GIRON, L. A. Drummond, tradutor “Deus sabe como”: Publicação revela detalhes ocultos da produção de Drummond. In: Globo.com. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2011/09/drummondtradutor-deus-sabe-como.html>. Acesso em: 12 mar 2012. HOLMES, J. The Name and Nature of Translation Studies. In: Venuti, 1972. p. 172-185. LEFEVERE, A. ―Introduction‖ e ―Prescriptive‖. Translating poetry: seven strategies and a blueprint. Assen: Van Gorcum, 1975. LEFEVERE, A., BASSNETT, S. Translation History Culture. London: Routledge, 2003. p. xi. POUND, E. ABC of Reading. London: Faber & Faber, 1991. SANT‘ANNA, A. R. Paródia, paráfrase & cia. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 18.b.
119
TRUE STORY, CHALLENGE ACCEPTED, POKER FACE, TROLL E FOREVER ALONE: o uso dos Rage Comics em aulas de leitura e produção textual
Dayana Crystina Barbosa de ALMEIDA (UFPA/FIBRA) Graça Helena Barbosa de ALMEIDA (ESAMAZ/SEMEC)
Com a popularização da Internet surgiram novos tipos de gêneros textuais, assim, o presente trabalho trata-se de uma proposta sobre o uso do gênero textual Rage Comics, um tipo de quadrinhos muito populares em redes sociais. Assim, objetiva analisar este gênero como uma ferramenta que pode motivar alunos adolescentes, de uma escola pública, em aulas de leitura e produção textual de língua inglesa, por meio de uma abordagem instrumental. Como orientação teórica, são utilizadas as leituras de teorias sobre gênero de Swales (1990) e Marcuschi (2000). Na metodologia, será desenvolvida uma pesquisa de campo de cunho quanti-qualitativo, que será utilizada para a análise do corpus por meio de questionários e atividade de leitura e escrita. Espera-se que o uso das imagens dos Rage Comics na interpretação das cenas atue como facilitador na contextualização da história. Palavras-chave: Gênero Rage Comics, Quadrinhos, Língua Inglesa, Motivação.
1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 1.1 GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA 1.1.1 Gêneros textuais De acordo com Swales (1999), Gazotti (1999) e Barros e Cabral (2004), os gêneros são ações sociais, que trazem a sociedade para a sala de aula. Isto significa que os gêneros podem envolver um conjunto de regras definidas pelos membros de um dado contexto social a ser seguido quando o idioma é produzido nestes contextos. Da mesma forma, Swales (ibid) diz: ―Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o critério que é privilegiado e que faz com que o escopo do gênero se mantenha enfocado estreitamente em determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares dos gêneros demonstram padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público alvo.‖. (Swales, 1990, p. 58) Marcuschi (2000, p.19) também observa os gêneros como ―eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos‖. Este autor acrescenta os textuais ou discursivos se fazem presentes em uma variedade de textos baseados na experiência e observação. Em consonância com Marcuschi (2002) e Gazotti (1999), Dolz e Schneuwly (1996) acreditam que os gêneros são trazidos para a nossa vida e nossas experiências por alguns fatores, entre eles as práticas de linguagem que se destacam como um meio de gêneros de aprendizagem. Devido à grande variedade de gêneros e as dificuldades para classificá-los, Dolz e Schneuwly (ibid) sugeriram um grupo de cinco gêneros com a intenção de reconhecer o conteúdo, estrutura e sequências linguísticas presentes nos diferentes gêneros:
A classe do dizer. Exemplo: fábula e, de acordo com Barros-Mendes (2009), as histórias em quadrinhos;
A classe do relatar. Exemplo: biografias e diários;
A classe do discutir. Exemplo: debates e opiniões;
A classe do apresentar. Exemplo: conferências e relatórios científicos;
A classe de descrever ações. Exemplo: regras de jogos e receitas.
120
Dolz e Schneuwly (1996), Gazotti (1999) e Pinto (2002) acreditam que essa classificação torna fácil escolha do gênero a ser trabalhado em sala de aula. Pinto (ibidem, p.50) acrescenta que ―em situações escolares, os alunos desenvolvem a capacidade de usar adequadamente os gêneros de acordo com as situações de comunicação em que vivem‖. Isso resulta em desenvolvimento de aprendizagem, no qual os alunos adquirem conhecimento e desta forma a informação pode ser organizada de acordo com situações específicas de comunicação: o controle da língua, a finalidade da escrita, e do uso de conteúdo e contexto. 1.1.2 O que dizem os PCNs? Atualmente, o uso de gêneros por professores do ensino fundamental em escolas públicas é baseado em Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) Dos Terceiro Ciclos de e Quarto do Ensino Fundamental. Estes sugerem uma variedade de gêneros que podem ser usados de classe, como é mostrado no trecho abaixo: A determinação do conteúdo em relação a um tipo de textos (orais e escritos) é governado por tipos que os alunos dessa idade são mais familiarizados como usuários de língua materna: histórias pequenas, baladas, quadrinhos, instruções de jogos, brincadeiras, trava-línguas, propagandas, pequenos diálogos, rótulos de embalagens, canções, cartazes, notícias; (Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro Ciclos de e Quarto do ensino fundamental: Língua Estrangeira, 1998, p 74.). Marcuschi (2002) e Lopes-Rossi (2005) destacam a importância da ideia encontrado no PCN, que diz que devido ao fato de que todos os textos apresentarem-se em um ou outro gênero, o conhecimento do trabalho gêneros é a maneira mais importante de compreender os gêneros no ensino de línguas. No entanto, é tratado de forma restrita, de acordo com Lopes-Rossi (ibid), devido à falta de exemplos teóricos e aplicáveis, como utilizar quadrinhos e mangás e afins em aulas de língua estrangeira, na sala de aula por parte dos professores. Mas de acordo com o autor, o trabalho com gêneros resulta em alunos motivados: Um dos méritos dos gêneros pedagógicos é o fato de proporcionar e desenvolver a autonomia dos alunos no processo de leitura e produção textual como uma consequência do domínio da língua de trabalho em situações de comunicação, uma vez que é por meio de gêneros que as práticas de linguagem são incorporadas nas atividades dos alunos (Lopes-Rossi, 2005, p.80.). Gazotti (1999) também acrescenta que o trabalho com gêneros deve ser precedido de análise por parte dos professores sobre o que os estudantes sabem e o que eles realmente precisam aprender sobre gêneros. Neste artigo, o gênero em foco são os Rage Comics, pois é um dos gêneros que os alunos, participantes da pesquisa, gostam de ler. 2 USANDO QUADRINHOS NA SALA DE AULA 2.1 RAGE COMICS: ORIGENS E EVOLUÇÃO De acordo com Connor (2012) os Rage Comics surgiram em 2007, no site 4chan, mas só começou a ganhar fama no site Reddit. Inicialmente, esses quadrinhos sempre foram centralizados em um ―Rage Guy‖ e eram utilizados para ilustrar as frustações mais comuns de seus criadores. Mais especificamente, Rage Comics são uma curta história em quadrinhos, as quais utilizam um conjunto em constante crescimento de rostos feitos ou Rage Faces com traços extremamente simples, representando situações cotidianas. Contudo, nem todos esses rostos simbolizam raiva, na realidade representam sentimentos variados. A consolidação desses quadrinhos ocorreu por meio das redes sociais, as quais também têm criado novos Rage faces e distribuindo os mesmos em larga escala. E ainda, de acordo com Wolford (2011), a gama de
121
expressões e rostos facilmente identificáveis permitiram a utilização dos Rage Comics no ensino de Inglês como língua estrangeira. FIG 2. Exemplo de Rage Comics com tema escolar
Fonte: http://memebase.cheezburger.com/ragecomics
2.2 RAGE FACES Abaixo temos uma tabela com os principais Rage Faces que compõem os Rage Comics: Rage Faces
Descrição
O primeiro personagem a ser criado foi o ―Rage Guy‖, e este personagem foi o quem deu origem aos Rage Comics. O seu uso ocorre geralmente na demonstração de muita raiva ou frustração extrema.
Quando se deseja ―pregar uma peça‖ em alguém, o Troll Face é utilizado.
122
Originário do mangá Gantz, o Rage Face ―Y U NO Guy‖ passou a ser utilizado nos Rage Comics para demonstrar frustração e indignação.
O Rage Face ―Me Gusta‖ corriqueiramente é utilizado para demonstrar situações onde alguém gosta muito de algo.
O Rage Face ―Forever Alone‖ representa abandono, solidão e isolamento.
O Rage Face ―Cereal Guy‖ comumente é mostrado fazendo críticas e apontando os defeitos de situações ou de pessoas.
O Rage Face ―Yao Ming‖ foi baseado no jogador de basquete de mesmo nome. É utilizado em situações onde o personagem despreza ou desrespeita um feito alcançado por outra pessoa.
Fonte: http://memebase.cheezburger.com/ragecomics
123
2.3 OS QUADRINHOS COMO MATERIAL DE ENSINO De acordo com Hutchinson (1949), com base em suas próprias experiências, uma das características mais citadas das histórias em quadrinhos como ferramentas educacionais, é a capacidade de motivar os estudantes jovens. Davis (1997) e Welsh (2008) acrescentam que os quadrinhos são ainda mais atraentes, pois contêm uma variedade de elementos linguístico-visuais e códigos (por exemplo, símbolos e ícones), que se adequam aos alunos com diferentes estilos de aprendizagem. Davis (1997), McCarthy (2000) e Linsigen (2007) sugerem alguns usos educacionais para manga em uma classe de língua estrangeira leitura: O primeiro é desenvolver a capacidade de ler e a introdução das onomatopeias. De acordo com Luyten (2002, p.179) onomatopeias são ―palavras que vieram do onomatopoiía grego, que significa uma ação de imitar uma palavra reproduzindo o seu som‖. A segunda é introduzir os itens lexicais de paralinguagem, o que significa de acordo com Houaiss (2009) ―qualquer som ou a qualidade de voz da voz que vem com o discurso e mostra a situação em que o falante está‖, sem qualquer relação com a escrita como, por exemplo, ―Uh –oh‖ usado para indicar que alguém está em apuros e ―Uh‖, o termo usado para ―deixa-me ver‖. A terceira é que os quadrinhos podem ajudar os alunos a reconhecerem as divisões das palavras no texto, identificando a correspondente forma extensa, por exemplo, want to (querer) se tornar ―wanna‖ (quero). E a última é de desenvolver habilidades de análise e pesquisas com narrativas de quadrinhos. Para desenvolver essa habilidade, sugere-se aos alunos para identificar como as ações podem mudar o rumo das histórias, e as suas opiniões sobre determinados personagens. 2.4 LEITURA EM INGLÊS NA ABORDAGEM COMUNICATIVA Brown (2004) em consonância com Motta-Roth (1998) acredita que o ensino da linguagem orientada para a comunicação é muito importante, pois o objetivo principal da linguagem é a comunicação. Almeida Filho (1993, p. 36) confirma que ―ser comunicativo significa ser mais preocupado com o estudante enquanto sujeito e agente do processo de formação por meio da língua estrangeira.‖ Para atingir este objetivo, Motta-Roth (1998), Brown (2004), Rogers e Holden (2001), e Harmer (1998) acreditam que a aula de língua estrangeira, com base no ensino comunicativo, atende a essa necessidade, porque se concentra no papel que a língua atua em um determinado contexto. O ensino tradicional é, então, conquistado pela soma entre a contextualização e o vocabulário e regras gramaticais, morfológicas e sintáticas. Ruiter e Dang (2005) acrescentam que além da associação entre o contexto e o sistema léxico-gramatical da língua, materiais autênticos devem ser utilizados tendo em conta o nível e interesses dos alunos. Brown (2004), Dias (2002) e Motta-Roth (1998) acrescentam ainda que o uso de gêneros como materiais autênticos leva os alunos, em sala de aula, para fazer uma leitura crítica, porque, de acordo com os PCNs, estes materiais atendem os objetivos necessários para o desenvolvimento do conhecimento de mundo e o. léxico-sistêmico textual dos alunos. Os fatores expostos acima, pelos autores, são importantes no caso da escolha de utilização de quadrinhos para o ensino/aprendizagem da leitura de uma língua estrangeira, porque os alunos adolescentes provavelmente serão motivados, uma vez que já tem um conhecimento prévio sobre este tipo de gênero e que, provavelmente, fazem parte de suas vidas. 2.5 MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA NA SALA DE AULA Um dos maiores problemas no ensino de línguas é a motivação em sala de aula. Brown (2004, p. 72) define motivação como ―à medida que você faz escolhas sobre os objetivos que se busca e o esforço que você vai dedicar a essa busca‖. Brown (ibid) e Huitt (2001) acreditam que a motivação pode ser divididos em dois tipos:
124
intrínseca/extrínseca, que cobrem um continuum de forças possíveis, sentimentos ou orientação. Deci (1975) define o continuum intrínseco como a recuperação da atividade em si, sem a necessidade de recompensas; no extrínseco, acontece o contrário. Devido a isso, os educadores preferem utilizar o valor intrínseco na estimulação da aprendizagem. A motivação intrínseca na sala de aula de língua estrangeira também busca autonomia, e considerando um dos focos deste estudo que é a leitura em uma língua estrangeira em uma abordagem comunicativa. De acordo com Brown (2004, p.80), um exemplo de atividade que aproveitar a motivação intrínseca é ―mostrar aos alunos estratégias de leitura que lhes permitam levar a sua própria informação para a palavra escrita‖. Brown (ibid) destaca que o professor deve estimular o leitor a recrutar seus prévios conhecimentos e experiências de leitura para compartilhá-los com seus colegas ou para enriquecer a aula. 2.5 O ENSINO DE ADOLESCENTES De acordo com Brown (2004), um fator importante quando se trata de planejar aulas de língua estrangeira é a idade. No entanto, quando se trata de adolescentes, Basso (2008) diz que os professores, especialmente os que ensinam no ensino fundamental e médio, são unânimes em dizer que eles são muito mais difíceis de lidar do que os estudantes de outras idades. Para Macowski (1993) apud Basso (ibid), em relação à adolescência, a formação de professores deve ser priorizada, porque o treinamento não é suficiente, pela razão de que os professores não utilizam materiais e técnicas adequadas, nem mesmo para este tipo de demanda. Basso (ibid) afirma também com base em sua pesquisa focada na aprendizagem uma nova língua de adolescentes brasileiros, que a adolescência é um período de transição em que a maioria da personalidade de um indivíduo é formado nessas etapas é aquele que o professor deve considerar alguns fatores relacionados aos alunos, tais como: biológico, cognitivo, afetivo e sócio cultural. Entre esses fatores, que será destacado o cognitivo (que tem como característica, em consonância com Piaget (1967), ser um conjunto de unidade de conhecimento a partir da consciência que é baseado em experiências sensoriais, representações, pensamentos e lembranças, que ocorre a maior parte do tempo na puberdade por três estágios: sensório-motor, pré-operacional e operacional O operacional é a que trata sobre a passagem do concreto para o abstrato), pois de acordo com Basso (2008), as mudanças cognitivas ocorrem durante a puberdade, o que é uma característica marcante desta faixa etária. É através da cognição que os adolescentes criam referências que se identificam, tornando os temas relacionados com as suas referências mais fácil de serem assimilados. Além disso, depois de tudo o que foi citado neste parágrafo, usando uma referência icónica (personagens de quadrinhos, filmes, jogos de vídeo, etc), provavelmente haverá um aumento natural no interesse dos alunos para a atividade proposta. 3 MÉTODOS 3.1 OBJETIVOS Os objetivos do presente artigo são: a) identificar os tipos de Rage Comics que os alunos gostam, b) observar a participação dos alunos através do uso do gênero Rage Comics como um instrumento motivador em sala de aula; c) identificar como o gênero Rage Comics auxiliam nas atividades de leitura e produção textual em inglês. As questões de pesquisa que orientaram a pesquisa foram: a) Quais são os tipos de Rage Comics que os alunos gostam? b) Como o uso do gênero Rage Comics motiva os alunos a participarem de atividades em sala de aula? c) O uso do gênero Rage Comics auxilia os professores em atividades de leitura e escrita?
125
Embora os dados a serem coletados sejam quantitativos, a pesquisa será realizada na perspectiva do paradigma qualitativo (Seliger; Shohamy, 1989): os resultados serão analisados por meio de movimentos interpretativos e comparativos. 3.2 A PESQUISA-AÇÃO Esta pesquisa pode ser classificada como uma pesquisa-ação (Kemmis; McTaggart, 1988 apud Brown; Rodgers, 2002), uma vez que a) desenvolverá um plano de ação para melhorar as habilidades dos alunos em leitura; b) implementará o plano, por meio de questionários e um atividade de leitura de Rage Comics, c) observará e refletirá sobre os efeitos de tal ação. 3.3 O CONTEXTO 3.3.1 Lugar e período Uma escola pública localizada em Icoaraci (Belém – Pará) durante um mês, duas vezes por semana. A escola foi escolhida porque é o local de trabalho da coautora do artigo, o que possibilitou a oportunidade do ensino de gêneros. O período foi definido desta forma porque os alunos têm aulas de inglês duas vezes por semana. 3.3.2 Os participantes Os participantes serão 52 estudantes adolescentes da 6ª e 8ª séries. Essas classes e alunos foram escolhidos pela coautora do artigo em razão destes pertencerem às classes com menos ausência, e também porque será uma comparação interessante entre as classes dessa escola. 3.4 QUESTIONÁRIOS Os questionários (BROWN; RODGERS, 2002) previamente utilizados continham itens de resposta livres. Os primeiros foram utilizados para conhecerem as principais preferências dos alunos: cinema, futebol, música, anime, mangá e quadrinhos em geral, sendo que os quadrinhos que circulam em internet, o que nos levou a criar atividades relacionadas com mangás. Os outros questionários serão administrados durante dezesseis aulas (oito em cada turma) durante quatro semanas, com objetivo de ponderar o aprendizado tanto dos alunos quanto dos professores. 3.5 ATIVIDADE DE LEITURA E ESCRITA Esta atividade será dividida em quatro estágios, divididos ao longo das quatro semanas de aula. A primeira será a aquisição de conhecimento sobre Rage Comics e, ainda, a valorização do conhecimento prévio destes indivíduos. O segundo estágio será o momento da leitura de Rage Comics em sala de aula, mas previamente escolhidos para se evitar a presença de temas não adequados para a sala de aula. O terceiro estágio será a produção textual de um Rage Comics, também realizada em sala de aula por meio da mediação do professor. E o último estágio culminará na divulgação dos Rage Comics produzido pelos alunos por meio de uma exposição na escola. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Espera-se alcançar a motivação dos alunos adolescentes de 6ª e 8ª séries de uma escola pública em aulas de leitura em inglês por meio de uma abordagem comunicativa por meio do uso dos Rage Comics, pois é algo que os alunos já conhecem e gostam. Este fato provavelmente irá auxiliar os alunos com a compreensão da história, que foi escrita em Inglês. E ainda, espera-se que o uso das imagens dos Rage Comics, na interpretação das cenas, atue como facilitador na contextualização da história.
126
5 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J. C. P. Dimensões Comunicativas no ensino de línguas. São Paulo: Pontes, 1993. p. 36. BARROS, K. S. M. de.; CABRAL, M. Produção textual de um gênero comunicativo. In: Leitura: teoria e prática. Campinas, SP: ALB, 2004. BARROS-MENDES, A. Letramento para a construção da cidadania. In: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP Nº 2. Macapá: UNIFAP, 2009. BASSO, E. A. Adolescentes e a Aprendizagem de uma Língua Estrangeira: Características, Percepções e Estratégias. In: ROCHA, C. H.; BASSO, E. A. (Orgs.). Ensinar e aprender língua estrangeira nas diferentes idades: reflexões para professores e formadores. São Carlos: Claraluz, 2008. p. 115-142. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira, Brasília: 1998, p. 74. BROWN, H. D. Teaching by Principles: An Interactive Approach to Language Pedagogy. Cambridge: Pearson, 2004. BROWN, J. D.; RODGERS, T. S. Doing second language research. Oxford: Oxford University Press, 2002. CONNOR, Tom (11 March 2012). ―Fffuuuuuuuu: The Internet anthropologist's field guide to ‗rage faces‘‖. Ars Technica. Acesso em 12 Março 2012. DAVIS, R. S. Comics: a multi-dimensional teaching aid in integrated-skills classes. 1997. Available at: <http://www.esl-lab.com/research/comics.htm>. Accessed on: May 24th, 2009. DECI, E. L. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum Press, 1975. DIAS, R. Reading critically in English. 3ª. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: UFMG, 2002. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). 1996. In: SCHNEUWLY, B. et al. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro (Org.). Campinas: Mercado de letras, 2004. p. 41-70. GAZOTTI, M. A. Genres: an alternative to ELT. In: New Routes in ELT. São Paulo: DISAL,1999. HARMER, J. How to teach English: an introduction to the practice of English language teaching. London: Longman, 1998. HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. HUTCHINSON. Strengths of Comics in Education. 1949. <http://www.geneyang.com/comicsedu/strengths.html> Accessed on: March 2nd, 2010.
Available
at:
HUITT, W. Motivation to learn: An overview. 2001. Available <http://www.edpsycinteractive.org/col/motivation/motivate.html>Accessed on: Oct. 18th, 2009.
at:
KEMMIS, S.; McTAGGART, R. (Ed.). The action research planner. 3 ed. Geelong, Australia: Deakin University press, 1988. LINSIGEN, von L. Mangás e sua utilização pedagógica no ensino de ciências sob a perspectiva CTS. 2007. Disponível em: <http://www.ige.unicamp.br/ojs/index.php/cienciaeensino/article/viewFile/125/110> Acesso em: 12 Set. 2009. LOPES-ROSSI, M. A. G. Gêneros Discursivos no Ensino de Leitura e produção de textos. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da Vitória: Kaygangue, 2005. p.8084. LUYTEN, S. M. B. Onomatopeia e mimeses no mangá. In: REVISTA USP, n.52. São Paulo: USP, 2002. p. 176188.
127
MACOWSKI, E. A. B. A construção do ensino/aprendizagem de Língua Estrangeira com adolescentes. (Dissertação de Mestrado). Campinas: UNICAMP 1993. apud BASSO, E. A. Adolescentes e a Aprendizagem de uma Língua Estrangeira: Características, Percepções e Estratégias. In: ROCHA, C. H.; BASSO, E. A. (Orgs.). Ensinar e aprender língua estrangeira nas diferentes idades: reflexões para professores e formadores. São Carlos: Claraluz, 2008. p. 115-142. MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: Definição e Funcionalidade. In: Dionísio, A. P.; Machado, A. R.; Bezerra, M. A., (Orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2002. p. 35. ______. Gêneros textuais: o que são e como se constituem. Recife: U FPE, 2000. MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. (Orgs.). Fala e Escrita: Guia Didático. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MOTTA-ROTH, D. (Org.). Leitura em língua estrangeira na escola: teoria e prática. Santa Maria: UFSM, 1998. PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1967. PINTO, A. P. Gêneros Discursivos e Ensino de Língua Inglesa. In: DIONÍSIO, A.P.; MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. ROGERS, M.; HOLDEN, S. O ensino da língua inglesa. 1ª ed. São Paulo: SBS, 2001. RUITER, R.; DANG, P. Y. Teaching vocabulary and reading. In: RUITER, R.; DANG, P. Y. Highway to ESL: a user-friendly guide to teaching English as a second language. New York: iUniverse, 2005. SELIGER, H; SHOHAMY, E. Second language research methods. Oxford: Oxford University Press, 1989. SWALES, J. M. The Concept of Genre. In: Genre Analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. p. 58. WELSH, D. (2008). Manga in the Classroom. Available at <http://comicsworthreading.com/2008/01/29/manga-inthe-classroom/> Accessed on: Jan. 30th, 2010. WOLFORD, Josh (2 November 2011). "Teaching The English Language With Rage (Comics)". WebProNews. Acesso em 10 Novembro 2011.
128
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA O DESENVOLVIMENTO GERENCIAL – um estudo de caso Vera Lúcia Vasconcelos AFFONSO (FACI)148 Eugênia Suely Belém de SOUSA (FACI)149
Esta pesquisa foi realizada na cidade de Belém, Pará, e se propôs a investigar a importância da formação continuada para o desenvolvimento de gestores em uma empresa privada do segmento de distribuição e comercialização de Gás LP. Foi objetivo do estudo identificar qual a importância da formação continuada para o desenvolvimento dos gestores da organização e verificar nos gestores a prática da formação continuada, como também, analisar se a prática da formação continuada e permanente, estava promovendo a atualização e o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes dos gestores da organização. O estudo visou identificar, se os gestores, para o seu desenvolvimento profissional, tinham como prática a formação continuada, tanto pessoal quanto profissional. A metodologia utilizada teve um caráter quantitativo e qualitativo, obtido através da aplicação de formulário próprio da organização e entrevistas não estruturadas. Os dados foram coletados e posteriormente tabulados. Os resultados da pesquisa de campo foram confrontados e analisados, com base na pesquisa bibliográfica realizada. Palavras – chave: Formação Continuada, Desenvolvimento de Gestores, Educação.
INTRODUÇÃO Atualmente o mercado de trabalho está cada vez mais exigente com a contratação de talentos para compor seu quadro de profissionais. As organizações buscam estratégias para conseguirem a manutenção de seus empregados. Hoje, focadas em um planejamento estratégico e, com vistas a manterem-se competitivas dentro deste mercado, procuraram na formação continuada o meio para a conservação de seus empregados, atualizando-os às novas tendências e proporcionando a formação de seu quadro, com as disciplinas que não são oferecidas em instituições de ensino formal. A prática da formação continuada já se tornou rotina nas grandes empresas dos Estados Unidos da América desde o início do século XX, e no Brasil já encontramos algumas empresas focadas nesta prática. Assim, levando em consideração este fato, o tema desta pesquisa nasceu da necessidade de visualizar como os gestores estão investindo no seu crescimento profissional, no que concerne a atualização de conhecimento para o desenvolvimento de suas atividades. Diante deste cenário nos questionamos sobre em que medida a formação continuada possibilita a capacitação efetiva dos gestores no desenvolvimento gerencial. Para tal questionamento, tivemos por objetivo identificar qual a importância da formação continuada para o desenvolvimento dos gestores da organização e ainda, verificar se os gestores estão praticando a formação continuada, e analisar se a prática da formação continuada e permanente está promovendo a atualização e o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes dos gestores da organização.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Desde os primórdios da história o termo educação vem fazendo parte da vida cotidiana do homem, desde as mais elementares atividades, até as mais complexas. Sabemos que, para a evolução natural da espécie foi necessário que o homem aprendesse e experimentasse situações para a transmissão de conhecimentos, o que significa dizer que, a educação objetiva a formação das pessoas para o convívio em sociedade, e que as habilita para o desenvolvimento de suas atividades dentro das organizações.
148
Psicóloga; Especialista em Pedagogia Empresarial pela FACI e em Administração de Recursos Humanos pela UNESPA. E-mail: veravaffonso@gmail.com
149
Psicóloga da UEPA; Docente da Faculdade Ideal; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. E-mail: lybelem@gmail.com / lybelem@terra.com.br
129
Na perspectiva aqui abordada, sentimos a necessidade de fazer a diferença entre o termo educação e formação. Assim, segundo o dicionário Michaelis o termo educação remete ao ato ou efeito de educar, ao aperfeiçoamento das faculdades físicas intelectuais e morais do ser humano, disciplina, instrução, ensino. Já o termo formação significa, entre outras definições, construir, compor, instruir, educar, aperfeiçoar, promover ou facilitar a formatura, desenvolver-se, instruir-se, preparar-se etc. O termo educação continuada surge no ano de 1952 na conjuntura acadêmica, encontramos em MerriamWebster‘s (1994) apud Salm et al. (2006) a tradução ―cursos de estudantes adultos de tempo parcial‖. Até então, nos domínios acadêmicos, a educação continuada correspondia a extensão, no entanto, a principal procura vinha do mercado de trabalho, o qual ansiava por atualizações e buscava aprofundar conhecimentos dentro de suas áreas de atuação técnica. Ceccon et al (1986) in Ricardo (2006), indica que os conteúdos repassados para os alunos nas escolas e universidades quase nunca são aplicados no labor cotidiano e, faz a seguinte afirmativa: [...] Os alunos não conseguem perceber o sentido nem a utilidade do trabalho que lhes é imposto. Os diferentes exercícios escolares (muitas vezes repetitivos e impositivos) raramente trazem em si mesmos uma justificativa; portanto, só resta aos alunos, seja uma aceitação tácita das obrigações escolares, seja o medo do castigo para que não protestem [...] (CECCON et al., 1986, p. 60-61 in RICARDO, 2006, p. 5)
Os estudos indicam que esta realidade segue até hoje o aluno no processo da educação formal e, nos leva a refletir sobre o que induz as instituições de ensino superior a desvincular os conteúdos repassados da realidade prática das organizações. Até quando as instituições de ensino permanecerão com este pensamento? Cada indivíduo vem com um manancial de experiência que, compartilhada com os demais, levará ao crescimento do processo de ensino aprendizagem tanto para quem busca o conhecimento quanto para quem facilita este processo. Ricardo (2006) coloca que uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Administração (1998) sobre o desempenho do administrador no mercado de trabalho, identificou que os profissionais graduados necessitavam de formação prática, bem como, o conhecimento adquirido era genérico e superficial. No que diz respeito às Instituições de Ensino Superior, identificou que as mesmas são dissociadas das necessidades do mercado de trabalho, o ensino é desatualizado e sem criatividade e, não há a integração entre as Instituições de Ensino Superior com o conhecimento das atividades das organizações empresariais. Esses fatos favorecem o surgimento da educação corporativa, que objetiva fazer o link entre o acadêmico e o organizacional, tendo a instituição de ensino como prestadora do serviço educacional, no entanto, é na própria organização que vamos encontrar, no futuro, a verdadeira fornecedora deste conhecimento para o mercado. Ela aparece com a intenção de ampliar o desenvolvimento as atividades organizacionais, em função da rapidez com que acontecem as novidades que as atingem. De acordo com Ricardo (2006, p.6-7), a Educação Corporativa se propõe a ―desenvolver processos de aprendizagem continuada que permitam o envolvimento de toda cadeia de produção com o destino da organização e compromisso com as estratégias de negócios da empresa.‖ Assim sendo, ela quebra o paradigma de que a aquisição de conhecimento aconteça apenas nos limites das instituições de ensino. O conhecimento é adquirido de várias formas e nos mais diferentes ambientes da organização e, faz-se necessário que a organização oportunize, através de processos tecnológicos, a aproximação de seus empregados, para que desta forma possam compartilhar suas experiências em momentos formais e informais. Acreditamos que a educação corporativa promove a troca de experiências e a integração dos empregados da organização, propiciando não só o aprimoramento profissional do empregado, mas também o seu crescimento pessoal. Há 30 anos o profissional formado era considerado ―completo‖ pelo mercado e teria garantida sua vaga. Atualmente o cenário é outro. Se o profissional não possuir uma atualização constante em seu conhecimento, seja
130
por cursos universitários, seja por outras instituições de ensino técnico ou, até mesmo, por processos autodidatas, estará correndo o risco de ficar defasado, não sendo mais considerado apropriado para o mercado. Esta mudança já vem ocorrendo desde os anos 80 e culminou nos anos 90 com a tecnologia da internet que acelerou o processo de conhecimento, exigindo, desta forma, muito mais da capacidade profissional do indivíduo. Hoje, a sociedade vive na era da informação. Assistimos trabalhos que antes eram realizados pela força física, necessitando hoje de conhecimento técnico e contemplativo, exigindo um conhecimento cada vez maior do profissional que se lança no mercado. Atualmente podemos verificar que as instituições de ensino estão apresentando cursos de especialização, pós-graduação ou extensão para suprir esta demanda exigida pelo mercado de trabalho, tanto para quem busca o aprimoramento acadêmico ou para quem necessita aprimorar seu conhecimento por necessidade profissional. Para Hypólitto (2011) o profissional consciente sabe que sua formação não termina na universidade. Ela, a universidade, apenas lhe mostra o caminho a seguir, lhe fornece conceitos, ideias, a matéria-prima para sua especialidade, contudo, o futuro é por sua conta. Seabra (1994, p.78, in Hypolitto, 2011), afirma que o profissional do futuro, e este futuro já começou, tem como principal tarefa o aprendizado, pois para a execução de tarefas a tecnologia está criando máquinas e robôs, cabendo ao homem a criatividade e a inovação. A formação continuada vem corroborar a necessidade do indivíduo em reforçar ou, até mesmo, aprofundar os conhecimentos adquiridos com o objetivo de estar sempre atualizado em relação às inovações e exigências do mercado. Afirma Esteve in Hipolytto (2009) que a formação continuada rompe com os paradigmas do individualismo pedagógico, quando mostra que se faz necessária a reflexão e o trabalho em equipe para se chegar a uma análise científica prática. Isto permite uma formação de nível elevado, um profissionalismo aberto, o que significa dizer que, o ato de ensinar é precedido de uma pesquisa de informações e de um diálogo entre as partes interessadas (professor e aprendiz). Atualmente as organizações estão exigindo cada vez mais profissionais formados para as atividades desenvolvidas no dia-a-dia, e as universidades e faculdades tradicionais não têm seu foco para esta demanda, bem como, para o desenvolvimento de habilidades e competências focadas no negócio. Assim, a educação corporativa vem tomando força na capacitação de profissionais de acordo com as necessidades específicas de cada setor. Para Freire e Lima in Ricardo (2006), a educação corporativa faz com que as empresas implantem um novo perfil nos programas educacionais, visando não apenas a aquisição de conhecimentos técnicos e instrumentais, mas também, o desenvolvimento de posturas, atitudes e habilidades. A educação corporativa rompe o paradigma de que a aprendizagem e o processo educacional só acontecem em salas de aula, mas sim, acontecem de várias formas e em todos os ambientes da organização, bem como, nos momentos formais e informais. Vem com o objetivo de disseminar a cultura da organização, viabilizando o acesso às informações, bem como, motiva o indivíduo ao autodesenvolvimento. Como gestora do capital intelectual, a educação corporativa tem como responsabilidade a constante avaliação de suas ações, visando às melhores práticas, na busca de desenvolvimento sustentável. As organizações focadas no conhecimento fundamentam-se na sistematização do pensamento, o que significa que nenhuma ação será implementada se não for focada no todo, nas consequências que poderão afetar as demais áreas da organização, bem como da coletividade em que está inserida. Outra característica observada nas organizações que priorizam o conhecimento é o controle pessoal, que está intimamente vinculado ao conceito de disciplina, de escolha, de compartilhamento de informações visando o fundamento espiritual da organização. Os modelos mentais e a visão compartilhada, também são pressupostos caracterizadores das organizações que priorizam o conhecimento. O primeiro remete-se às imagens de mundo e o segundo é o interesse em compartilhar o conhecimento adquirido. Por fim a última fundamentação, a aprendizagem em grupo, cuja definição está no
131
alinhamento das ideias das pessoas, ou seja, os membros deixam a individualidade e partem realmente para o pensamento do grupo. (SOUZA, 2010.) Para Knowles et al. (2009) Educação tem como objetivo operar mudanças no conhecimento, habilidades e atitudes no indivíduo, em grupos de indivíduos e/ou em comunidades e, este é o objetivo deste trabalho, perceber a importância da formação continuada para o desenvolvimento dos gestores da organização, incentivando-os na busca de conhecimento, para atualizar e desenvolver suas competências e habilidades, para colocar em prática a missão, visão e valores organizacionais visando, alinhar-se á estratégia do negócio, atendendo desta forma aos objetivos e metas organizacionais. A educação corporativa vem conscientizar os indivíduos para a importância de sua participação como corresponsáveis no processo de mudança organizacional, assegurando a aprendizagem contínua e o seu direito de expressão. As situações de aprendizagem nos cercam a todo o momento e a organização é um imenso celeiro de conhecimento, uma vez que o indivíduo passa a maior parte do seu tempo dentro da empresa trabalhando, exposto a inúmeras situações que lhe exige escolhas, posicionamentos e tomadas de decisão. A formação profissional continuada pretende ser parte adjunta às necessidades de novas habilidades ou de atualização de conhecimento existente, oriundas da mudança do cenário econômico ou no planejamento estratégico da empresa. De acordo com Senge (2004, in RICARDO 2006, p.XXI) ‖[...] As organizações que aprendem estão transformando seus setores de treinamento e desenvolvimento em universidades corporativas [...]‖. Segundo Ricardo (2006) a educação do trabalhador do conhecimento acontecerá com uma responsabilidade compartilhada entre a escola, a universidade e a empresa e que, o processo de educação, de aprendizagem inicia-se na infância sem data para terminar, pois é um processo contínuo, sem fim. A autora afirma ainda que a educação corporativa é uma ferramenta imprescindível utilizada pelas organizações na busca do diferencial para sua sobrevivência no mercado cada dia mais competitivo. Algumas pessoas acreditam que a educação é terminal, mas a verdade é que a educação necessita ter validade, que não deve ser imposta por normas, mas sim pela necessidade de cada um estar afinado com o tom do mercado. Os profissionais comprometidos com esta exigência corporativa, devem ir em busca dessa nova exigência, para garantir sua empregabilidade, que no dicionário corporativo significa, qualificação, desenvolvimento de competências focadas no negócio. Esta necessidade leva as organizações a investirem nesta inovação chamada de UC, ou seja, universidades corporativas, cujo foco é o desenvolvimento destes profissionais numa tentativa de estar sempre a frente de seus competidores de mercado. Neste sentido é que a educação corporativa aparece para auxiliar na capacitação, especialização e até mesmo, na formação destes profissionais.
METODOLOGIA A pesquisa foi realizada em uma empresa privada, eminentemente nacional, do segmento de distribuição e comercialização de Gás LP (Gás Liquefeito de Petróleo), com sua Regional localizada na cidade de Belém, Capital do Estado do Pará. A empresa está presente, também, em mais 04 (quatro) cidades do interior, atendendo, assim, toda a demanda do Estado do Pará e em Macapá, capital do Estado do Amapá. O Estado do Pará está localizado na região Norte e ocupa uma área territorial de 1.247.689,515 km 2, tem clima tropical, quente e úmido150. A cidade de Belém ocupa uma área territorial de 1065 km2 e possui, aproximadamente, 1.144.312 habitantes.
150
Disponível em: ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/cartografia/areaterritorial/pdf/areas_2001_15.pdf
132
A empresa pesquisada possui 209 (duzentos e nove) empregados lotados na Região Norte, distribuídos em 03 categorias funcionais. Dentre esses empregados, 19 (dezenove) ocupam função gerencial, sendo estes os sujeitos da pesquisa. Neste estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. Iniciamos com a pesquisa bibliográfica que nos permitiu contextualizar o tema e definir com mais clareza os conceitos básicos e operacionais do problema em estudo. A pesquisa de campo foi realizada com a aplicação de um formulário próprio da organização, a uma população de 19 (dezenove) gestores. Posteriormente, foram realizadas entrevistas informais com intuito de dirimir inferências durante a análise dos dados levantados. Com base nas respostas dos sujeitos, foi realizado um confronto entre a pesquisa bibliográfica e os resultados obtidos na pesquisa de campo. Os dados obtidos nos questionários aplicados foram analisados estatisticamente e foram apresentados em gráficos, registrando-se as medidas estatísticas necessárias à demonstração analítica.
A PESQUISA REALIZADA Neste estudo foram pesquisados 19 (dezenove) gestores, destes, 10 são do sexo masculino e 09 do sexo feminino, o que corresponde a um percentual de 53% e 47% respectivamente. A faixa etária dos sujeitos variou entre 20 e 50 anos, sendo que o gestor mais novo encontra-se com 28 anos e o mais velho está com 50 anos. O maior percentual, em relação a faixa etária, está concentrado entre 41-50 anos, com 10 (dez) colaboradores, o que corresponde a 47% do total. Estes dados nos permitem afirmar que este é um quadro de gestores jovens que, pela necessidade de atualização permanente e, pelas premissas organizacionais deveria estar em busca de seu crescimento e desenvolvimento para os processos organizacionais, uma vez que o mercado se mostra propicio para a faixa etária em que eles se encontram.
Análise e Interpretação dos dados Analisando a formação acadêmica dos gerentes (Gráfico 1), observamos que 17 (dezessete) colaboradores possuem a formação superior completa, 02 (dois) estão com o curso em andamento e 02 (dois) não possuem graduação. Dentro deste contexto, estão os colaboradores que interromperam o curso de graduação de nível superior por não terem mais interesse em continuar os estudos e aqueles que trancaram a matricula por não terem se identificado com o curso que realizavam. Estas justificativas foram obtidas através de entrevistas informais junto aos próprios gestores.
Gráfico 1: Graduação - Gestores.
Graduação - Gestores 20
17
15 10
2
2
Em andamento
Não tem
5 0 Concluído
Fonte: Pesquisa de campo
133
Considerando a Formação acadêmica dos gestores da empresa (Gráfico 2), 06 (seis) gestores estão com seu curso de pós-graduação concluído, o que corresponde a 31% da população pesquisada, 05 (cinco), 26% estão em andamento e 09 (nove), 53% não deram continuidade a sua formação. A justificativa para a não continuidade da formação é a mudança de cidade e viagens constantes. Vale ressaltar que neste contexto existem colaboradores que já possuem pós-graduação concluída e estão em andamento de sua segunda pós-graduação.
Gráfico 2 – Pós-Graduação - Gestores
Pós-Graduação - Gestores 10 10 8
6
6
5
4 2 0 Concluído
Em andamento
Não tem
Fonte: Pesquisa de campo Podemos considerar que a formação continuada está sendo realizada pelos gestores da organização, ainda que timidamente. Percebemos que muitos deles ainda estão presos ao processo em si, ou seja, seu foco é apenas a concretização das atividades diárias, deixando de lado o progresso pessoal, acreditam que a qualidade de seu trabalho é focada apenas nos resultados dos processos, das atividades produtivas do negócio. Acreditam que apenas focando produtos, serviços e alcance de meta de vendas alcançam seu desenvolvimento profissional, entretanto, o principal, o que realmente leva ao crescimento das organizações é deixado para segundo plano que é a formação continuada. A organização tem como um de seus valores a preocupação com o aprendizado contínuo de seus empregados e o desenvolvimento. Dentro deste parâmetro, mantém parceria com instituições de ensino de nível nacional com sede na capital do Estado do Pará, que oferecem a possibilidade de realizar seu curso de graduação, pós-graduação presenciais e/ou em EAD – Ensino à distância, para os empregados e dependentes. Contudo, o que observamos é que ainda temos gestores que concluíram sua graduação há mais de 10 (dez) anos e ainda não iniciaram seu curso de pós-graduação. Bem como, ainda entendem que a organização tem que ser a única responsável financeira pelo seu desenvolvimento. Este estudo foi realizado, inicialmente, para atender a uma demanda da organização, cujo objetivo era levantar o perfil dos gestores das áreas administrativa e comercial. Surpreendeu-nos o resultado de algumas Filiais, onde encontramos empregados que, haviam parado seus estudos há um tempo considerável. Em entrevistas informais realizadas com alguns deles perguntamos o que os levaram há passar tanto tempo sem dar continuidade a sua formação e, as respostas obtidas perpassaram por: casamento e mudança de cidade, acomodação, problemas de ordem financeira, e os cursos quando eram oferecidos não estavam dentro da expectativa dos mesmos. É fato que
134
algumas Filiais, se localizam em cidades do interior e que, só há pouco tempo, foram disponibilizados polos de universidades públicas, bem como, havia dificuldade de conectividade com o acesso à rede de computadores. Após a conclusão da pesquisa de campo, foi realizada reunião com a presença de todos os gerentes e os resultados obtidos foram apresentados. Foi dada oportunidade para que os mesmos se manifestassem e apenas um indicou o interesse por continuar os estudos em momento futuro. Neste momento foram mostradas as parcerias que a empresa tem com instituições de ensino superior, em que busca meios para que os gestores iniciem e/ou deem continuidade ao seu processo de desenvolvimento. Esses fatos nos levam a refletir que o fator acomodação e a falta de um planejamento tornam-se relevantes para a não continuidade nos estudos e no investimento no desenvolvimento pessoal. Depois das entrevistas informais realizadas com alguns destes gestores, tivemos conhecimento que os mesmos já estão buscando dar continuidade a sua formação, engajando-se em cursos de formação acadêmica sejam eles presenciais, semipresenciais ou em Educação à Distância. Contudo, ainda fica a pergunta: o que de fato levou esses gestores a esta iniciativa? Foi a percepção da necessidade de darem o ―up grade‖ em seu desenvolvimento ou o receio da perda da empregabilidade? Porém, entendemos que neste momento, o importante para a empregabilidade é a conscientização da importância da atualização do conhecimento e o fato de esses gerentes estarem dando o primeiro passo. Diante de um cenário onde a percepção ainda está focada em processos, o que diverge do planejamento estratégico atual da organização, entendemos que os gestores, necessitariam estar permanentemente atualizados com o que a organização busca para o alcance de seus objetivos. Assim, com o objetivo de conscientizá-los para a necessidade de dar continuidade a sua formação, foi realizado o investimento de maneira específica, na construção de novos paradigmas. Inicialmente foram encaminhados quinzenalmente, para leitura, artigos focados em liderança e gestão de pessoas e solicitar os feedbacks das leituras. Foi observada, uma frequência baixíssima de retornos e, logo foi percebido que não seria alcançado o resultado esperado com esta estratégia de desenvolvimento. Este panorama nos levou a refletir para o fato de que os gestores não estavam focados nem para seu desenvolvimento pessoal, nem no investimento de novos conhecimentos. Estes dados nos apontam, ainda, que as formas de ensino aprendizagem devem ser díspares, devemos ter cuidado no processo educativo no que diz respeito aos empregados nas empresas. Esses resultados corroboram o pensamento de Miller (in Abrantes, 2009), quando diz que a retenção da aprendizagem é de 5% em sala de aula, 10% com a leitura, 20% com discussão, 30% com comprovação, 50% com discussões em grupos, 75% com a prática e 80% no processo de ensino aprendizagem, ou seja, quanto mais ensina mais aprende. Portanto, o que observamos é que, para os gestores da empresa, a formação continuada está em fase inicial, não podendo ser considerada ainda como uma prática entre os mesmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando propusemos o estudo da importância da formação continuada para o desenvolvimento gerencial, nosso foco era mostrar que a sua prática contribuiria para o alcance do planejamento estratégico da organização. Ainda temos esta premissa como verdadeira, embora percebamos, nos resultados apresentados na pesquisa, que sua prática ainda é inibida por fatores que independem da organização e do setor de desenvolvimento organizacional. A leitura que fazemos de todo este processo é que a formação continuada é de fundamental importância para o crescimento pessoal e profissional do ser humano em si, isto é fato, contudo, a prática organizacional, tem nos mostrado que, os gestores ainda não se conscientizaram para tal realidade. Teoricamente eles têm esta consciência,
135
no entanto, o fator querer, e até mesmo, poder no sentido financeiro, ainda são obstáculos a serem atravessados pelos mesmos. O fato é que as organizações hoje estão cada vez mais exigentes com seus perfis quando buscam novos profissionais no mercado, sejam eles de nível operacional, tático ou estratégico. Atualmente não podemos dizer que existe entre os gestores da organização uma prática da formação continuada, nem que esta esteja promovendo a atualização e o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes dos gestores da organização, mas sim que este é o objetivo do planejamento estratégico da empresa. Se após o conhecimento dos dados da pesquisa, alguns gestores ficaram preocupados com a sua empregabilidade, não podemos afirmar, mas buscaram a inserção em cursos acadêmicos focados em suas áreas de atuação. Contudo, acreditamos que não é a empresa que garante a empregabilidade do empregado, mas sim o próprio empregado, com a conscientização da importância da atualização do conhecimento através da prática da formação continuada. Desta forma ele, empregado, está pronto não só para a sua organização, mas também, torna-se um profissional competitivo no mercado de trabalho. Confiamos que este cenário tende a mudar a médio e longo prazo, pelo resultado da pesquisa que visualizamos, bem como pelas entrevistas informais que realizamos. Contudo, acreditamos que seja, também, a médio e longo prazo que esta consciência dos gestores seja construída. O que vemos atualmente é que a grande maioria dos gestores ainda não tomou consciência que a organização pesquisada vive hoje uma nova era, no que diz respeito à valorização do ser humano enquanto ser integrante e, principal modificador do sistema. Para a prática do planejamento estratégico, contido na missão, visão e valores organizacionais, os gestores têm que buscar no aprendizado contínuo a prática para seu crescimento profissional. Entendemos que a organização está proporcionando os meios pelos quais os empregados, sobretudo na figura de seus gestores, possam conseguir o desenvolvimento de seu conhecimento, cabendo a eles dar o primeiro passo para esta conquista.
REFERÊNCIAS DICIONÁRIO MICHAELIS disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=educação. Acesso em 22.01.11. HYPÓLITTO, Dinéia – Repensando a Formação Continuada – disponível em http://www.conteudoescola.com.br/component/content/article/30/100-repensando-a-formacao-continuada. Acesso em 30.08.11. KNOWLES, Malcom S., HOLTON II, Elwood F., SWANSON, Richard A. Aprendizagem de Resultados: uma abordagem prática para aumentar a efetividade da educação corporativa. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus Editora, 2009. MIRANDA, Cleber José de. Treinamento como uma das práticas para Gestão do Conhecimento e Aprendizado Contínuo. disponível em http://clebermiranda.files.wordpress.com/2007/07/artigo_treinamento_cleber_rev00.pdf Acesso em 05.03.11. OLIVEIRA, Maria Marly. Como fazer pesquisa qualitativa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. RICARDO, Eleonora Jorge. Educação Corporativa e Aprendizagem: as práticas pedagógicas na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2009. ______, Eleonora Jorge (Org.). Gestão da Educação Corporativa: cases, reflexos e ações em educação a distância. São Paulo: PEARSON Prentice Hall, 2006. SOUSA, Eugênia Suely Belém de. Apostila de Gestão do Conhecimento e Educação Corporativa. Belém: FACI/Faculdade Ideal, 2010.
136
A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO ORÇAMENTÁRIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA NA CIDADE DE BELÉM/PA: relato de experiência Rosane Marques Rosado GOMES (UFPA/ICSA) 151 Eugênia Suely Belém de SOUSA (UFPA/ICSA)152 O presente trabalho apresenta um relato de experiência sobre a Gestão Orçamentária em uma Instituição de Saúde Pública na Cidade de Belém/Pa. Teve por objetivo demonstrar a importância do orçamento publico em uma unidade de saúde, bem como relatar a melhoria de um processo de trabalho implementado no seu setor orçamentário. Para este trabalho foi utilizada como ferramenta de trabalho o Método de Analise e Solução de problemas – M.A.S.P., que segue a sistemática do ciclo P.D.C.A. A abordagem é qualitativa e o estudo é descritivo. Esta pesquisa mostra como aspecto relevante a possibilidade de contribuir para a melhoria da elaboração e execução orçamentária nas unidades de saúde, o que evidencia a necessidade de mostrar por meio do relato dessa experiência a importância do orçamento público como poderosa ferramenta de gestão. No final deste trabalho demonstra-se a melhoria nos processos de trabalhado implementados em uma unidade orçamentária funcionando dentro de uma unidade de saúde, expondo os benefícios que tal implementação pode alcançar para o processo de gestão, enfatizando a grande sinergia que este setor tem que ter com o Planejamento Estratégico Governamental, e o Planejamento Estratégico Institucional para uma execução orçamentária eficiente e eficaz comprometida com as políticas públicas. Palavras–chave: Orçamento, Gestão de Saúde, Finanças, Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO As sociedades há milhares de anos vem sentindo a necessidade de predizer suas ações futuras como forma de garantir o seu bem estar e sustento. Esta necessidade é tão antiga quanto à humanidade. O orçamento é praticamente o registro de tal necessidade. O dicionário define a palavra orçar como: ―calcular, estimar‖, e também ―chegar, atingir‖. Independente da conceituação, orçar, em nossas despesas pessoais ou familiares, significa confrontar os gastos que planejamos fazer com a receita que teremos. Tanto os orçamentos domésticos como o orçamento público envolvem a tarefa de adequar vontades expressas em desejos de consumo, ou planos de investimento aos recursos disponíveis. A expressão Orçamento Público cada vez mais vem ganhando espaço, notoriedade, e importância, sobretudo nas duas últimas décadas, período em que o Estado vem exercendo intensamente o papel de agente interventor, regulador, ativo e dinâmico no desenvolvimento da Economia Nacional. Entender o orçamento e a sua funcionalidade em muito pode contribuir para a melhoria da administração publica porque orçar é planejar e quem planeja tem um objetivo ou meta a ser atingida. O orçamento público é uma poderosa ferramenta para nortear e ajudar a execução das ações propostas. O tema torna-se de relevada importância para as organizações da saúde pública, no sentindo de reconhecer o orçamento como poderosa ferramenta de gestão. Não somente por sua obrigatoriedade legal, mas também por interagir com todos os demais instrumentos de planejamento, voltado para a gestão dos recursos com o objetivo de cumprir com as propostas sociais construídas através das Políticas Públicas. Este estudo teve como objetivo geral demonstrar a importância do orçamento publico em uma unidade de saúde e como objetivos específicos, relatar a melhoria de um processo de trabalho implementado no setor orçamentário de uma unidade de saúde, evidenciando como um processo bem montado pode ajudar na gestão publica e na execução das políticas publicas. A proposta foi dar publicidade para a forma como o orçamento é gerido dentro de uma unidade de saúde, suas dificuldades, fragilidades elaboração e execução dentro do contexto 151
Administradora Hospitalar, Especialista em Gestão de Saúde Pública/UFPa, Gerente de Execução Orçamentária e Financeira da FSCMPa; email: rosanerosado@hotmail.com 152 Psicóloga da UEPA; Docente da Faculdade Ideal; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. e-mail: lybelem@gmail.com / lybelem@terra.com.br
137
intra-institucional. Destacando a importância do orçamento como instrumento de gestão e como ele bem estruturado pode vir a contribuir para melhoria do processo de elaboração e execução orçamentária nas Instituições, principalmente as de saúde, dado a complexidade administrativa na gestão dos seus recursos. O Orçamento Público é uma atividade destinada a produzir serviços, portanto é um exemplo de processo de trabalho. Ele dá origem a um produto que vai atender a Instituição como a um todo. Para que essa produção aconteça, há a necessidade que o departamento receba todos os recursos necessários para o bom desenvolvimento das atividades. Um processo dentro de uma organização funciona como um conjunto de ações executadas para produzir algum produto ou serviço destinado a beneficiar algum tipo de cliente. O cliente espera que todas suas exigências e necessidades sejam atendidas. Para que esse atendimento se realize, e se construa um produto de qualidade, é primordial que as necessidades internas de quem processa o trabalho também sejam atendidas, para que se possa atender a do outro. Todo o conjunto de atividade que tem entrada, processamento e saída se caracteriza-se como um processo de trabalho.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A origem do orçamento público esta intrinsecamente ligada ao surgimento e organização do Estado, que surgiu da necessidade de convivência social. Os indivíduos passaram a agrupar-se em comunidades, formando as sociedades, que para sobreviver compreenderam que precisavam organizar-se. Esta organização em seu processo de evolução e estruturação formatou o Estado, que se organizou criando funções básicas para a realização do bem comum. Para executar estas funções o Estado tem um custo de manutenção. No momento em que ele sai em busca dos meios para manter a sua estrutura e atender as necessidades coletivas ele desempenha a atividade financeira. Na busca de receitas e exercendo despesas o Estado tenta manter o controle e planejar as suas ações de maneira a atender os anseios da maioria da sociedade. Dentro dessa atividade financeira está o sistema orçamentário que teve por muitos anos como objetivo principal o controle das finanças. No Brasil, o orçamento público caminhou de sua fase gestacional de formatação tradicional, em que o orçamento era apenas instrumento do Estado contábil de controle, para uma nova formatação: o orçamento programa, intimamente ligado à idéia de planejamento. Esta caminhada propiciou o estabelecimento uma sinergia com as funções do Estado no que concerne ao planejamento controle e fiscalização, e alavancando a concepção que associa o planejamento ao Orçamento Público, funcionando como um verdadeiro instrumento de controle e justiça social. O orçamento público passou a ser peça fundamental para que todos os dirigentes governamentais, e a sociedade civil, conheçam os recursos disponíveis, e de como eles podem ser aplicados. Revestido, protegido, e amparado por Lei, vem incorporando ao longo dos anos novas instrumentalidades e funcionalidades legais, tais como: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA), e a Lei de Responsabilidades Fiscal (LRF), estabelecendo regra voltada para a gestão fiscal responsável e planejada. Antes de iniciar a experiência é importante lembrar que tudo o que não for posto no orçamento não passará de promessas vazias e nunca chegará a acontecer. Ninguém melhor que o executor de um orçamento entende na integra essa frase, bem como é muito mais fácil colocar no papel uma idéia, do que na pratica executá-la, portanto, ao longo de duas décadas de seu nascimento, o orçamento vem sendo ainda operacionalizado na área da Saúde com inúmeras dificuldades, dentre elas, a de realizar a composição, conciliar e consolidar o Planejamento estratégico Institucional com o Planejamentos Estratégico do Governo. O Orçamento Público em sua elaboração inicial começa desde o topo do governo e vai descendo para todas as esferas governamentais sendo suas ações verticalizadas e sua execução horizontalizada à medida que vai
138
descendo as esferas. Quando saímos do topo do governo e as ações são ramificadas para as unidades de saúde acontece uma desarticulação pelo próprio comprometimento de tantas variáveis complexas e o envolvimento da Instituição como um todo. Na cabeça dos técnicos fica a responsabilidade de dar um cunho real a todo aquele planejamento, sem, contudo contar com o envolvimento interno Institucional, que não tem conhecimento e conscientização de como funciona todo o processo. Com isso a execução fica comprometida. Para participar e influenciar em alguma etapa do ciclo orçamentário é preciso ter conhecimentos básicos sobre o assunto. É uma peça técnica, complexa e de difícil manejo, mas que também pode ser um forte componente político capaz de defender as Instituições direcionando-as, norteando-as procurando manter a unicidade do topo até as unidades de saúde. Por toda evolução histórica apresentada procuramos mostrar no decorrer deste trabalho a importância de uma execução orçamentária transparente e eficiente para atingir os objetivos fins, no setor em que esta sendo executado na Instituição e no Estado como um todo.
METODOLOGIA Este Trabalho foi realizado no Brasil, no Estado do Pará, no Município de Belém, em uma Unidade de Saúde Publica, no setor de planejamento de um hospital, onde funciona o seu setor orçamentário. A cidade de Belém ocupa uma área territorial de 1065 km2 e possui, aproximadamente, 1.144.312 habitantes. A unidade hospitalar em estudo possui cerca de 2.600 servidores sendo que, na unidade orçamentária, trabalham 5 servidores. Neste estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. Optamos por desenvolver a pesquisa exploratória com abordagem qualitativa considerando que este seria o melhor caminho a ser percorrido. Iniciamos com a pesquisa bibliográfica que nos permitiu contextualizar e ampliar os conhecimentos sobre o tema, definindo com mais clareza os conceitos básicos e operacionais do problema em estudo. A pesquisa documental se realizou no setor de planejamento que é onde se encontra instalado o orçamento com todos os documentos necessários para este estudo. Para este trabalho foi utilizada a ferramenta de trabalho denominada Método de Analise e Solução de problemas – M.A.S.P., que segue a sistemática do ciclo P.D.C.A153. O instrumento é uma metodologia de simples execução, para ser aplicadas principalmente em ambientes pequenos como, por exemplo, um departamento, em nível bem tático, muito embora estrategicamente tenhamos que ter a visão holística da situação que o departamento está inserido, ou seja, seu posicionamento dentro do contexto, Nacional, Estadual, Municipal, Institucional, e gerencial. A pesquisa de campo foi realizada com observação in loco, e entrevista de grupo com cinco empregados da instituição, que trabalham com planejamento e orçamento. Foram realizadas entrevistas com oito clientes pertencentes a outros departamentos da Instituição, que tinha como foco mensurar o nível de satisfação das unidades que participavam do processo de trabalho interagindo para que os serviços fossem concluídos.
A INSTITUIÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA E A GESTÃO ORÇAMENTÁRIA: relato da Experiência Ao iniciar a pesquisa tinha-se a intenção de visualizar a forma de trabalhar daquela Instituição no que concerne a elaboração e execução orçamentária. Superadas as formalizações relacionadas às apresentações, expôsse a proposta de trabalho que consistia em mapear os processos realizados e conseqüentemente avaliar a qualidade dos serviços produzidos. Procurou-se envolver as pessoas para angariar confiança e obter o engajamento da equipe. Para se conhecer uma estrutura é fundamental ouvir a sua historia. O passado normalmente explica o motivo pelo qual as coisas funcionam no presente. Para fazer essa leitura foi solicitada permissão para a pesquisa em todo o
153
PDCA: Planejar, Desenvolver, Checar, Agir
139
material disponível com os quais fosse possível ampliar o âmbito de visão e reportar-se ao passado, para entender o presente e projetar o futuro. O objetivo era saber se existiam problemas, elaborar um diagrama para entender as seqüências lógicas, conhecer as rotinas atuais, os clientes e fornecedores que se interligam e beneficiam-se do orçamento. Fazia-se necessário saber o que chegava até o orçamento e o que saia, como orçamento e Planejamento interagiam. Era preciso desnudar as questões apresentadas, especificá-las, destrinchá-las de tal maneira que as causas (não conformidades) aos poucos dariam a compreensão da dimensão dos problemas enfrentados. Problemas estes, que não sendo devidamente tratados culminariam com prejuízos, onerando os custos da Instituição. Uma maneira de investigar a existência do problema é medindo a satisfação dos clientes internos e externos. Este é um excelente meio de descobrir se o processo de trabalho possui anomalias, por isto iniciou-se uma análise da satisfação do cliente interno, ou seja, o que pensam os profissionais que executam o orçamento/planejamento naquela unidade. Para isto foi utilizada uma técnica bastante empregada pelos administradores para relaxar e expor idéias: o Brainstorming154.. Participaram da mesa redonda cinco servidores. Dois servidores de nível superior responsáveis pelo Orçamento/Planejamento, o operacional do custo e dois agentes administrativos. Essa reunião teve por objetivo tirar um pensamento sistêmico, amadurecer quanto à dimensão do processo, rever o conjunto de atividades e processamento das tarefas, o serviço ideal e desejado pelos clientes, a lógica de atendimento, os valores agregados, o nível de conscientização da equipe quanto a sua importância, seu posicionamento
dentro do contexto
Institucional. Enfim apoderar-se não só dos sentimentos, mas das rotinas realizadas, entender o fluxograma e operacionalização. Em seguida foram realizadas entrevistas com os clientes externos, ou seja, quem demandava serviços a serem executados pelo orçamento. Todos os processos dentro dessa Instituição são gerados dentro da Gerencia de Logística. Para se realizar algum processo licitatório, ou qualquer outro processo de aquisição e compra de suprimentos há a necessidade de se garantir recursos, portanto a sinergia entre a Logística e o orçamento tem que estar bastante alinhados para atingir o objetivo fim que é o abastecimento da unidade hospitalar. Depois de observar incansavelmente, catalogar dados, avaliar relatórios, estudar planilhas, concluir a entrevistas, analisar o fluxograma da Instituição chegou-se à conclusão que havia um problema: A ausência de planejamento na execução orçamentária em uma unidade de saúde. Tinha-se um problema porque havia uma não conformidade, um desvio, uma discrepância na elaboração e execução orçamentária da Instituição. Concluiu-se que a execução orçamentária não atingia os resultados esperados, porque a situação orçamentária estaria longe tecnicamente daquilo que alguém pudesse considerar como a situação ideal almejada pela Instituição, havia falhas no processo de elaboração e execução que depois de mapeadas, teve-se a caracterização da problemática, com uma série de falhas, sendo consideradas as possíveis causas do problema. O material que se fez chegar a esta conclusão foi coletado dos resultados obtidos com o Brainstorming (a exposição de idéias do grupo que delineou o universo interno), que somados as entrevistas realizadas com o setor de Logística, infraestrutura, e engenharia clinica da unidade forneceu uma relação de não conformidades. O passo seguinte foi hierarquizar as causas, e para sintetizá-las utilizou-se uma ferramenta de trabalho
chamada de
diagrama de causa e efeito, também conhecida como diagrama de Ishikawua, ou Espinha de Peixe. As causas foram resumidas em 7 grandes grupos:
Problemas Administrativos, problemas
relacionados a gestão dos
processos, com pessoal, infra estrutura, tecnológicos, educação continuada e políticos. O Brainstorming - ―tempestade cerebral‖ - é um método de geração de novas ideias através da contribuição e participação de diversos indivíduos inseridos num grupo. A utilização deste método baseia-se no pressuposto de que um grupo gera mais idéias do que os indivíduos isoladamente.
154
140
Em seguida, elegeu-se dentro de cada bloco a causa mais aguda, ou seja, aquela que se resolvida desencadearia resultados imediatos. A ferramenta utilizada foi técnica de grupo nominal, em que a equipe escolhe dentre inúmeras variáveis a mais importante e impactante. Novamente reunimos a equipe que concluiu através do critério de compreensão quais as causas mais prováveis da origem do problema. Estas deveriam ser atacadas de imediato Foram escolhidas:
Causa administrativa de maior impacto: Ausência de metodologia na elaboração e execução orçamentária. Causas relacionadas à gestão: desinformação dos servidores do papel do orçamento dentro da Instituição. Causa relacionada à educação continuada: ausência de cursos em desenvolvimento intelectual e acompanhamento das mudanças. Causa relacionada à infra estrutura: Carência de Investimentos na área orçamentária. Causas relacionadas à pessoal: Insegurança dos Profissionais de Cargo Temporário. Causa relacionada à política: Gestão descontinuada. Causa relacionada à tecnologia: Ausência de sistema operacional (Software).
Com a análise deste cenário chegamos ao seguinte diagnostico da situação em que aquela Instituição se encontrava:
O diagnostico situacional O Orçamento nesta Instituição de saúde funciona dentro do planejamento e um dos primeiros problemas perceptíveis é que ele em muito confunde-se com o planejamento da Instituição, fazendo com que o planejamento perca o foco, transformando o orçamento em objeto de sustentação política. Outro motivo que leva a associação é que é muito comum na área de planejamento a rotatividade de técnicos, e como o orçamento tem obrigatoriedade definida em Lei, ele acaba imperando em detrimento de todo um planejamento Institucional. Há um Isolamento do orçamento na condução dos gastos públicos. Na maioria das vezes a distribuição dos recursos não é planejada e nem correspondem aos anseios e necessidades Institucionais. Para elaborá-lo simplesmente levam-se em consideração as series históricas do que aconteceu nos últimos anos. Por ter prazo de finalização definido em Lei, a equipe orçamentária muitas vezes não pode esperar que os problemas políticos na instituição sejam resolvidos, comumente ela se depara com o desafio de eleger racionalmente entre as múltiplas alternativas das ações públicas, aquelas as quais devam ser contempladas em meio as restrições orçamentárias, e o fato é que, estas escolhas, na maioria das vezes, não contemplam as aspirações Institucionais. O Orçamento no final faz a elaboração de todo o orçamento, mas executa ao sabor de quem estiver no poder. A Gestão que constantemente é descontinuada é quem vai direcionar o Orçamento. Nem sempre quem está no comando entende como funciona o sistema que dirá o Orçamento. Sem contar, que se o Gestor for bem intencionado com os princípios Institucionais a situação é uma, no entanto, se a utilização do cargo for unicamente voltada para o aspecto político, a situação do orçamento é totalmente desviada de seus objetivos Institucionais. A indicação de gestores despreparados para atuar no gerenciamento de unidades do SUS é uma realidade e problemática muito comum nas unidades de saúde. Muitas vezes são escolhidos profissionais da área da saúde que muito entendem da assistência, mas nada compreendem de processos administrativos. O resultado disso é uma dicotomia que todo tempo vem-se tentando resgatar. Diante disso, o processo administrativo torna-se uma imensa colcha de retalhos construída mediante a satisfação de apenas parcela de grupos interessados. O todo, e as prioridades, nunca são contemplados. O olhar é focado e nunca holístico. As feridas são tratadas e nunca curadas. É como um corpo inerte sem poder para tratar dos seus problemas internos de coração, cérebro e demais órgãos e
141
cujas seqüelas vão sendo somatizadas ao longo do tempo. O resultado é uma Instituição com um alto custo operacional, e uma péssima qualidade, tornando-se um grandioso elefante branco mantido pelo Estado. A falta de apoio da alta direção ao orçamento é outro agravante, pois, ela comumente autoriza despesas que entram em reta de colisão com os objetivos propostos no Plano Plurianual, Planejamento estratégico e contrato de gestão, ou seja, resume-se em uma execução orçamentária realizada sem compromisso com as políticas públicas. Nesse caso o desembolso dos recursos é feito mediante a urgência e discricionariedade do administrador. Salvo nos casos das despesas de ação continuada tais como água, energia elétrica, telefone, as demais são praticamente um esvaziamento da caixinha de recursos até o saldo zero. Há a ausência de um técnico com visão holística orçamentária, para executar de maneira permanente e continuada. Nesta Instituição até o técnico é rotativo, pois é exercido por profissional contratado. Um técnico orçamentário estável, bem formado, e compromissado, poderia nortear e redirecionar os Gestores temporários, minimizando os efeitos perniciosos da gestão descontinuada. O orçamento poderia também identificar e nortear as pessoas responsáveis pela execução dos programas de governo dentro das Instituições, que não consomem os recursos simplesmente porque nem sabem que eles existem. Um técnico de orçamento com habilidade e bom nível de maturidade não perde recursos, remaneja em tempo hábil, e sugere sua utilização em outras áreas que aparentemente tem necessidade maior de recursos. Há a ausência de uma infraestrutura que vai desde o espaço físico adequado até ao mais elementar que é a preparação de um técnico com estabilidade funcional. A formação técnica nessa área inclusive com uma educação continuada permanente, são prerrogativas que não deve ser negligenciada nesta área, pois a elaboração orçamentária é uma atividade pesada que exige acompanhamento das mudanças em nível estratégico, tático e operacional. O setor carece de equipamentos e principalmente de um sistema operacional, com elevado nível de segurança que possibilite: visualizar com transparência a execução, emitir relatórios gerenciais, monitorar, acompanhar e avaliar as ações orçadas. Há a ausência de um processo de trabalho definido que garanta um fluxo dinâmico e confiável dos processos administrativos. Para garantir a unicidade da execução orçamentária é necessário que o fluxo interno de demanda de processos de compra e aquisição de produtos e serviços seja previamente definido de maneira que a autorização do gasto seja respaldada pela garantia do recurso. Nesta unidade por ocasião da realização do trabalho não havia um sistema de protocolo Institucional, onde o orçamento pudesse localizar os processos que já haviam sido autorizados os orçamentos. Os processos simplesmente se perdiam dentro da Instituição. Há a problemática na captação dos recursos externos, tais como emendas parlamentares e convênios Um orçamento que não sabe distribuir corretamente os gastos pode vir a gastar de maneira arbitraria o recurso captado, e no momento da prestação de contas a Instituição pode vir a ter problemas tais como perder o convênio, ter que devolver o recurso e pior perder a credibilidade. Falta de suporte da Secretaria de planejamento do Estado, que deveria promover a formação de técnicos nesta área, considerando seu nível de importância e complexidade. A Secretaria deveria se possível trazer para sim a responsabilidade da formação destes técnicos que deveriam passar por um processo de qualificação de maneira a preparar os órgãos na gestão orçamentária. Identificado as causas, estratificando-a, priorizando-a e reconhecendo o problema partimos para a solução. Elaboramos um cronograma para identificar as soluções, onde em um primeiro momento iríamos mensurar as possíveis soluções aplicáveis às causas hierarquizando-as. Definimos as metas, a implantação, o método, a normatização, a elaboração e implantação do plano de ação.
142
Neste momento a proposta era definir as estratégias/cursos de ação a serem seguidos para solucionar os problemas, de forma a planejada. Procurou-se trabalhar de forma cuidadosa e objetiva, assegurando uma implementação de forma organizada. Utilizou-se, novamente, a ferramenta Brainstorming para visualizar todas as possíveis soluções capazes de dar solução ao problema. Terminada esta etapa, elaborou-se a partir da utilização de uma ferramenta chamada de Matriz Básico a priorização das soluções que ficaram reduzidas em: estudar e disseminar o PPA em vigor, disseminar o conhecimento e a importância do orçamento na instituição, preparar uma pessoa concursada para elaborar executar e monitorar o orçamento,
dissociar o orçamento do planejamento dando infra estrutura
independente ao orçamento, adquirir um sistema operacional e estruturar fisicamente e administrativamente o departamento. Em seguida partiu-se para a construção das metas e objetivos. Estas, para terem credibilidade, teriam que ser exeqüíveis, portanto realizáveis. O departamento estava habituado ao empirismo. Propôs-se uma nova forma de pensar. Como o trabalho técnico é mais trabalhoso e exige disciplina e raciocínio lógico, normalmente existem barreiras de adaptação a serem superadas. Neste momento conseguiu-se construir o seguinte:
Missão: Oferecer um serviço de qualidade totalmente comprometido com o Planejamento Estratégico Institucional, o Plano Plurianual, e as Políticas Públicas.
Visão: Ser referencia na eficiência da execução orçamentária.
Valores: fidelidade nos dados, compromisso com a alocação dos recursos, respeito. Clientes internos; Presidência, Diretores, Gerentes, Coordenadores, Logística, infra estrutura. Clientes externos: Secretaria de Planejamento Orçamento e Finanças (SEPOF), Fundo Estadual de Saúde (FES), Secretaria de Estado e Saúde Pública (SESPA).
Para se alcançar a meta, era preciso adotar uma metodologia que permitisse implantar as soluções priorizadas. A metodologia tomou como base a ferramenta 5W1H para elaboração do Plano de Ação e com ele foram definidas estratégias e cursos de ação para a operacionalização cujo objetivo era: colocar em ação a decisão tomada e manter informados os indivíduos e áreas envolvidas sobre mudanças no decorrer da execução do plano de ação. O envolvimento da alta direção e da equipe setorial no processo de mudanças é fundamental. São eles que detêm o poder de mando, ou seja, os recursos de poder. Se não apoiarem, podem caminhar em sentindo contrário a tudo que foi proposto, portanto, a qualquer momento, podem exigir mudanças de objetivos desnorteando todo o planejamento, por isto focamos:
1- Manter constantes reuniões com a equipe de trabalho para estabelecer quais as metas e estratégicas a serem adotadas, com o objetivo de disseminar o conhecimento do orçamento pela Instituição e; 2- reuniões com a alta direção para demonstrar clareza nas intenções e repassar um pouco do conhecimento técnico para os gestores que são os detentores do poder, portanto os demandantes da execução das ações.
Nesse momento algumas propostas foram alinhadas tais como: A transparência no trato das receitas e despesas da Instituição é o ponto de partida para a conscientização dos gastos. Portanto inicialmente a proposta era demonstrar o que foi planejado no Plano Plurianual (PPA) e compará-lo ao que esta sendo executado para deixar bem evidente as discrepâncias entre o planejado e o executado. Somente a partir desse ponto de partida, construir um planejamento em que todos estejam envolvidos e predispostos a redirecionar a Unidade ao planejado.
143
Todos concordaram que a disponibilidade orçamentária tem de ser distribuída aos responsáveis em demandar as ações, para que sejam responsabilizados e demandem despesas dentro da realidade orçamentária. Todo tem que olhar na mesma direção. Ter ciência do caminho a ser percorrido. Saber onde querem chegar, para que estejam lá onde planejaram. Essa fase foi superada com sucesso, pois como a Instituição passava por um momento de transição, o momento político favorecia as mudanças. O ano iniciava-se, com uma nova gestão que convencida da importância do orçamento dentro do contexto Institucional apresentado, investiu e apoiou todo o projeto. Partiu-se para uma avaliação intra institucional de quem teria um perfil para passar a incorporar o orçamento institucional que deveriam ter fundamentalmente: ser concursado, ter nível superior, ter habilidade com números, ter raciocínio lógico e pensamento sistêmico, ter conhecimento contábil elementar, ter habilidades com a informática com noções básicas de Excel e Word. Este profissional foi encontrado dentro mesmo do orçamento que estava sendo subutilizado. Na realidade o profissional era um recém-concursado, lotado no planejamento vagando sem funções definidas. Em seguida foi realizado junto com a equipe do planejamento/orçamento, visita de Beckmarkenting 155 em duas Instituições públicas na área da saúde para desenhar o perfil ideal da unidade orçamentária, para fazer a dissociação do orçamento com planejamento e estudar opções de sistema de informação e processos de trabalho. Nesta visita concluímos que em todas as unidades a execução orçamentária tem sistemas de informação em processo de formatação. Os processos de trabalho foram bem estudados como forma de montar um modelo próprio de tramitação compatível com a realidade Institucional da unidade que estávamos pretendendo implementar, bem como ficou evidenciado nessa visita que o maior problema das instituições hospitalares é uma alocação justa, coerente e compatível para algumas despesas dentro dos programas de trabalho. Conhecemos o Bussiness Object156 (BO), o sistema do PRODEPA que compatibiliza as informações alimentadas no SIAFEM, com 24 horas de deságio com relação ao tempo real. Fez-se a instalação na Instituição do e - protocolo (protocolo geral do Estado), que em muito ajudou o processo administrativo. Elaborou-se um fluxograma de tramitação aprovado pela Instituição. Foram trazidas também das Instituições a divisão de competências e atribuições do Planejamento/ Orçamento. O objetivo maior da visita foi ganhar tempo e pular etapas no processo de implementação de formação do setor orçamentário, pois aprender com os erros e acertos dos outras é uma ótima receita para evitar desperdício de tempo. Na maioria das vezes, não se precisa perder tempo em criar o que já existe e está dando certo, o importante é, a partir daí, inovar, recriar, adaptar e avançar. Foram avaliados vários sistemas operacionais e se optou por um sistema de informação bem simples comprado no mercado de opção universal. O mesmo foi adaptado para a elaboração orçamentária a custo zero. Isto foi muito importante, pois a Instituição no momento não poderia fazer nenhum tipo de investimento, e naquele momento de implementação não se poderia estagnar em ponto tão relevante. Foram elaborados parâmetros e alimentado o sistema permitindo que as informações, agora catalogadas, dessem a leitura do comportamento dos gastos públicos permitindo controlá-los, monitorá-los e direcioná-los. Foi feito o levantamento de todos os contratos de despesas e à medida que iam sendo executados abatia-se da disponibilidade orçamentária, dando visibilidade ao fluxo de caixa. Por fim adquiriu-se o Business Objects (BO).
155
É um processo de pesquisa que permite realizar comparações de processos e práticas para identificar o melhor do melhor e alcançar um nível de superioridade ou vantagem competitiva. 156 Business Objects: é um sofware de sistema de informação que traz informações diretas do SIAFEM permitindo produzir relatórios gerenciais precisos
144
Partiu-se para aplicação das mudanças. Cada um com a responsabilidade de executar a parte que lhe cabe. Nessa fase, o treinamento e a retroalimentação foram fundamentais para colocar as ideias em pratica e rodando o PDCA pode-se visualizar os ajustes necessários realinhando as mudanças todas as vezes que se fez necessário. O orçamento passou a ter um perfil técnico e profissional em seu processo de execução, e para finalizar este processo passamos a fase de elaboração de relatórios gerenciais e indicador de quantidade. O trabalho foi realizado mais na parte da execução do que da elaboração orçamentária, pois não se estava em época da formulação do Planejamento Estratégico e nem do Plano Plurianual. Estava-se trabalhando com o que já existia de programação, tentando apenas realinhar, ou seja, trazer a execução para dentro da Lei.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência trouxe grandes resultados positivos na
área orçamentária, no entanto, nas questões
relacionadas ao planejamento pouco se avançou principalmente porque ao
desassociar-se
do orçamento o
planejamento perdeu um pouco a identidade e fragilizado foi novamente afetado pela gestão descontinuada. O setor do orçamento com a aplicação das mudanças teve uma maior visualização e domínio de seu universo de trabalho, e a partir deste conhecimento pode fazer a retroalimentação das ações implementadas rodando o PDCA, ou seja, confrontado as ações com os resultados, redirecionando e consertando as não conformidades à medida que os defeitos eram detectados em tempo real. A equipe passou a produzir e se relacionar melhor tendo em vista que após ser delimitado a divisão de trabalho, competências e responsabilidades, cada um teve uma maior conscientização do seu âmbito de atuação, bem como, a ansiedade e medo relacionados a falta de estabilidade no cargo foram superadas gradativamente e substituídas por um relacionamento profissional bem mais saudável e amadurecido. Os gestores passaram a ter uma assessoria bem mais preparada para conduzi-los na Administração, pois uma equipe bem preparada possui habilidades e ferramentas para defender a carteira orçamentária e não permitir que a estrutura seja desmontada independente do gestor que venha a assumir. A Unidade de Saúde em questão foi a mais beneficiada, pois a busca constante para alinhar o orçamento aos objetivos Institucionais ajustou e um pouco mais alinhado com as políticas públicas, e Planejamento Estratégico Governamental, gradativamente a Instituição vem executando um orçamento com responsabilidade, conseguindo acompanhar e monitorar as ações. Observa-se que a unidade em questão vem sendo capaz de avaliar e redimensionar as não conformidades em tempo real e satisfazer as necessidades dos clientes internos e externos da Instituição como um todo. O Estado ganhou, pois esta unidade esta conseguindo praticar o que foi elaborado no topo do governo, e os resultados irão propiciar uma leitura transparente da real necessidade da Instituição, bem como, a avaliação retratará com fidelidade os investimentos e ações do Estado dentro desta Unidade de saúde. Por fim, ganha o cidadão brasileiro que recebe um serviço de qualidade, uma administração eficiente e eficaz dos recursos públicos, no efetivo alcance de sociedades mais equitativas, que superem o âmbito setorial e consiga, conjuntamente, diminuir as desigualdades atualmente existentes, sem perder de vista a eficiência e a eficácia. Portanto, acredita-se que esta experiência atingiu o objetivo proposto, pois as mudanças promovidas pelo Orçamento Publico nesta Unidade de Saúde, irão gradativamente redirecionar os processos e realocar de maneira cada vez mais justa os recursos, norteando a unidade para o alcance do objetivo fim, que é executar com eficiência e eficácia os princípios norteadores do SUS concernentes a universalidade, Integralidade e equidade em beneficio da população brasileira.
145
BIBLIOGRAFIA CHIAVENATO,I.;SAPIRO,A.Planejamento Estratégico Fundamentos e Aplicações.11ª Reimpressão.Rio de Janeiro:Elsevier,2003. KAPLAN, Robert e NORTON, David, A Estratégia em Ação, Editora Campus, Rio de Janeiro - 1997. KAPLAN, Robert e NORTON, David, Kaplan e Norton. Na Prática, Editora Campus, Rio de Janeiro: Elsevier – 2004. LEVIN, J. Estatística aplicada a ciências humanas. São Paulo: Harbra, 1985. p. 39 SANCHES, Osvaldo M. Dicionário de Orçamento, Planejamento e Áreas Afins. Brasília: Prisma, 1997. SANTOS, R. Orçamento Público: elaboração e execução. São Paulo: Escola Nacional de Planejamento, 2011.
146
PEDAGOGIA EMPRESARIAL: as possibilidades de contribuição para o Planejamento Estratégico em uma Instituição Pública Natany Soares Leite157 Priscila de Aragão Maia158 Eugênia Suely Belém de Sousa (Orientadora)159
Este estudo teve por objetivo analisar como se processa o Planejamento Estratégico em uma Instituição Pública. Analisou a participação dos profissionais no programa e investigou como o pedagogo pode contribuir na elaboração do planejamento estratégico. A realização da presente pesquisa permitiu conhecer os passos de tal planejamento, a partir de sua elaboração. Para o desenvolvimento deste estudo levou-se em consideração que o pedagogo vem ganhando espaço no ambiente organizacional e que, neste sentido, o trabalho deste profissional dentro da organização pode abranger também o desenvolvimento de atividades como a participação na elaboração do Planejamento Estratégico, objetivo específico deste trabalho. Partiu da observação da ação, descrição do passo a passo de implementação, bem como considerou a fala de alguns sujeitos participantes de sua elaboração em nosso campo de pesquisa, na qual se realizou em uma Instituição Pública sediada na cidade de Belém. Este estudo é considerado um estudo de caso e utilizou pesquisa bibliográfica; pesquisa de campo; levantamento de dados por meio de pesquisa documental e entrevistas. Palavras-chave: Pedagogo Empresarial, Planejamento Estratégico, Formação, Desenvolvimento.
INTRODUÇÃO Atualmente, o pedagogo vem ganhando espaço no ambiente empresarial, desenvolvendo atividades nos Departamentos de Recursos Humanos, trabalhando especificamente em Recrutamento e Seleção, Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas. Porém, as competências do pedagogo nas organizações não se direcionam somente a estas tarefas, pois, inclui-se na formação deste, conhecimentos em ―Didática‖, ―Metodologia‖, ―Aprendizagem‖, ―Planejamento Educacional‖, dentre outras que podem favorecer a ampliação da sua atuação nas empresas. Neste sentido, o trabalho do pedagogo dentro da empresa conta com uma diversidade de conhecimentos que favorecem o desenvolvimento de atividades diferentes inclusive na elaboração do Planejamento Estratégico de uma organização, objetivo específico desta pesquisa. Percebemos a relevância dessa temática ao nos depararmos com a realidade de pedagogos que somente fazem pequenos projetos avulsos em sua atuação empresarial. Nesta pesquisa, investigamos a importância da contribuição do pedagogo na elaboração do planejamento estratégico enfatizando uma Instituição Pública, tema este bastante relevante para o desenvolvimento positivo de uma organização, pois, sabemos que o Planejamento Estratégico (P.E) visa reforçar a posição da organização no mercado, os objetivos que a empresa possui, com foco em resultados de desenvolvimento e lucratividade. O motivo pelo qual o tema foi estudado é o fato de que o pedagogo tem qualidades suficientes, desde sua formação, para a elaboração do P.E., e que em muitas empresas não é aproveitado. Em alguns casos o pedagogo fica limitado a poucas tarefas, quando suas capacidades empresariais vão além do que lhe é proposto. O que nos incentivou a desenvolver a pesquisa neste campo de estudo foi à curiosidade que há em saber se o pedagogo tem participação como profissional competente nas áreas que ele poderia atuar. Assim, esta pesquisa teve por objetivo analisar como o Pedagogo empresarial pode contribuir para a elaboração e implantação do Planejamento Estratégico em uma Instituição Pública. Diante disto, chegamos ao problema principal que norteou esta pesquisa: Qual a contribuição que tal profissional poderá dar nestas situações?
157
Servidora da SEAD; Especialista em Pedagogia Empresarial: natanyleite@gmail.com/natany.leite@sead.pa.govbr Analista de RH da AMAZONCRED e Técnica em Educação da SEDUC. Especialista em Pedagogia Empresarial: priscilamaiarh@gmail.com 159 Psicóloga da UEPA; Docente da Faculdade Ideal; Coordenadora da Especialização em Pedagogia Empresarial da FACI; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. E-mail: lybelem@gmail.com / lybelem@terra.com.br 158
147
Tratando-se da contribuição na área da pedagogia empresarial, a proposta estudada só vem aumentar o nível de conhecimento para os profissionais que atuam nas empresas, como é o caso dos pedagogos, pois os valorizam e os tornam mais capacitados a executarem os trabalhos que lhes são direcionados. O planejamento estratégico dentro das empresas é uma exigência necessária, na qual se precisa planejar para alcançar os objetivos que a organização visa. Desta forma, esta pesquisa propõe mostrar que o pedagogo pode contribuir e influenciar diretamente neste processo, além de propor meios para que os profissionais da área possuam formação específica para esta tarefa. Propomos ainda, abrir portas para novas formas de pensamento a respeito do trabalho do pedagogo empresarial, afinal planejar é fundamental para o andamento de qualquer organização. Além de que sugerimos que tal assunto faça parte da proposta curricular das turmas de especialização em Pedagogia Empresarial na cidade de Belém.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Considerando que, atualmente, a formação do pedagogo no Brasil encontra-se a mercê das determinações do Conselho Nacional de Educação, no qual as instituições de graduação apresentam como matriz curricular, disciplinas básicas como: ―Metodologia da Pesquisa‖; ―Fundamentos da Didática‖ e ―Didática e Formação Docente‖; ―Planejamento Educacional‖; ―Sociedade, Trabalho e Educação‖ dentre outras. Destacamos essas com o intuito de relacionarmos com a elaboração do P.E, todavia, nos deteremos na Didática, Planejamento e Metodologia. Desta forma, procuramos resgatar, inicialmente, o caráter histórico da pedagogia e também discutir sobre a Pedagogia Empresarial, mais especificamente a formação deste profissional, abordando, assim, as ―disciplinas‖ citadas acima. É de ressaltar que buscamos, a partir da origem das palavras e de suas evoluções no decorrer do tempo, o melhor entendimento para a pesquisa. Posteriormente apresentamos a descrição do conceito e importância do Planejamento Estratégico, além da sua relação com a Pedagogia. No que se refere à Didática, consideramos a mesma como um ―conjunto de regras visando assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente‖ (VEIGA, 2001, p. 4). A mesma autora ainda comenta que a Didática: (...) propiciou a formação de um professor técnico que dispusesse de meios científicos para classificar, ensinar e avaliar os alunos, de forma que o sucesso e o fracasso dos mesmos pudessem ser explicados, ou por seu potencial ou pelo método de ensino utilizado (p.7).
Portanto, também a Didática muda quando se acentua o caráter prático-técnico do processo de ensinoaprendizagem, além de unir teoria e prática. Ela condiciona-se a um caráter neutro, sem a predominância do contexto político-social. Sendo assim, ela é fundamental para a preparação do pedagogo que estará constantemente em contato com desafios de elaborar projetos diferentes no seu cotidiano de trabalho. Ela, por sua vez, seria a maneira pedagógica de melhor desenvolver ideias e sistematizar propostas de forma clara, objetiva e prazerosa. No que se refere à Metodologia da Pesquisa, temos tal disciplina bastante presente em toda formação do Pedagogo, por se tratar da realização de pesquisas, sua formatização, etapas, defesa dentre outros. Nota-se aqui o cuidado, por exemplo, com as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas e Técnicas) o qual abarca todo e qualquer trabalho e documento científico e empresarial. Ao analisarmos Demo (1990), vemos que durante o processo de pesquisa, fazem-se descobertas, questionando o saber vigente e estabelecendo relações e conhecimento novo, cria-se, sugerindo novas alternativas para a realidade. É importante destacar que se define pesquisa, principalmente, pela capacidade de questionar, que não admite resultados definitivos, mas métodos provisórios como fonte de renovação científica. Ou seja, em toda explicação há pressupostos inexplicáveis e realidades simples, mas nunca final e única. Por isso, a postura dialética
148
não está somente no método, mas também na própria realidade, desafiando sempre o pesquisador da educação – pedagogo em seu processo de pesquisa contínua. Contudo, ―para descobrir e criar é preciso primeiro questionar‖ (DEMO, 1990, p. 35), residindo aí à ameaça para a ordem vigente. Para esta, o cientista é fundamental para o domínio da realidade em termos tecnológicos, mas em termos políticos, é essencial que não seja crítico. Daí a insistência sobre a neutralidade científica para que não deixe essa ideologia dominante avançar mais, dentro do recinto da ciência, formando: ―idiota especializado: competente formalmente, tapado politicamente‖ (p. 36). Assim, historicamente, a lógica que mais interessa é a da criação, pois contém alternativas de transformação e esperança infinita. Tais características são também atribuídas ao universitário, onde a sociedade vê, tanto na ciência como na universidade, a ―geração incansável e sempre renovada da criatividade histórica‖ (Ibid., p. 36). E deve ser mesmo. Demo diz que a pesquisa, sendo processo social, deve perpassar por toda vida acadêmica, a fim de compreender a ciência como descoberta e criação, além de buscar a sua principal razão de ser na pesquisa. Mais recentemente falam-se da Sociedade do Conhecimento (Era do Conhecimento) que acrescenta, também, além da pro atividade, o trabalho em grupo, o formar pessoas, aprendendo coletivamente. Dessa maneira, o enfoque dado, antes, somente em desenvolver competências nas áreas do conhecimento e habilidades, passa a existir a necessidade do desenvolvimento de atitudes, formando o que chamamos de CHA (Conhecimento, Habilidade e Atitude). Cadinha (2007) acrescenta que não só a empresa ganha com as competências exigidas do profissional moderno, mas ele mesmo, desenvolvendo o CHA, ―irá atender as três necessidades básicas para sua própria satisfação – SSS: Saber (a mente precisa de conhecimento), Satisfação do ser nas suas necessidades básicas (saúde, moradia, alimentação, lazer) e o Sagrado (realização pessoal)‖ (p. 30). Assim, com o CHA e o SSS, seja o profissional como a própria empresa, poderão fazer o diferencial que o mercado atual espera. Certamente, com as demasiadas exigências e mudanças que envolvem o homem, cabe à Educação favorecer o domínio da comunicação verbal (oral, escrita) e não verbal (corporal); do raciocínio lógico e rápido, da capacidade de interpretação e análise, estimulando a iniciativa e criatividade, espírito de equipe e autonomia emocional e cognitiva, visto que é o meio mais viável para dar suporte e formar ou readaptar as pessoas às mudanças do mundo moderno. Ou seja: ―proporcionar aos alunos condições de inserção nesse novo perfil de exigência, formando um novo contingente de pessoas capazes‖ (Ibid., p. 39-40). Nesse contexto, empresas de qualificação profissional vêm surgindo para tentar atender essa clientela desqualificada, mas acaba por não suprir e nem abranger todas as dificuldades encontradas. Outra solução, mais eficaz, é a educação empresarial continuada desenvolvida, principalmente, através do Pedagogo Empresarial. Voltemos à questão da qualificação. É imprescindível para uma organização o investimento em cursos de aperfeiçoamento. No entanto, não temos resultados tão satisfatórios, devido muitas vezes tais cursos realizarem-se ―em massa‖ e sem o acompanhamento específico e posterior necessários, visto que falamos de pessoas e de uma infinidade e personalidades e situações do dia-a-dia. É comum encontrarmos cada vez mais cobranças de ações e resultados após um ―simples‖ curso ou treinamento por parte de gestores. Todavia ―o desempenho de cada um dependerá de seus conhecimentos anteriores, de seu envolvimento com o trabalho, de sua bagagem emocional e de sua criatividade. Os cursos devem servir, apenas, de fio condutor‖ (CADINHA, 2007, p. 83). Finalmente, quanto ao Planejamento, ao longo de sua elaboração e execução, este deve ser avaliado e reavaliado, para que possa ser observado a evolução e seus elementos constitutivos e para garantir o êxito do plano e a prática de seus objetivos.
149
Nessa perspectiva, o Planejamento Estratégico necessita da colaboração do corpo de funcionários, a fim de contribuir para sua elaboração e execução; este deve ser um processo dinâmico e contínuo. Afirma Tachizawa e Rezende (2000): O Planejamento Estratégico em uma organização, qualquer que seja o setor econômico ao qual ele pertença, deve ser encarado como um processo, permanente e dinâmico, e não como uma fase estanque cujo produto final seja um relatório ou algo finito (p. 161).
Na empresa, os responsáveis pela prática do Planejamento Estratégico precisam conter o direcionamento planejado, sem perder o foco de seus objetivos principais. É importante dizer e repetir que, enquanto se elabora um planejamento estratégico de quaisquer organizações, os resultados efetivos, ou melhor, imediatos, só serão visíveis e mensuráveis ao final. Ao considerar a Pedagogia como ciência que estuda a educação sistemática (organizada) ou assistemática (informal), seja para crianças, jovens e adultos, entende-se a Pedagogia Empresarial como aquela que ―se preocupa com os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à melhoria da empresa e das pessoas‖, propondo refletir sobre as ações de maneira ordenada e sistematizada, na crítica do processo educativo, para outras ações. Vale ressaltar que este termo da pedagogia foi ―criado‖ pela professora Maria Luiza Marins Holtz.
TRAJETÓRIA DA PESQUISA Para responder nosso questionamento, optamos por fazer uma pesquisa com abordagem qualitativa. Dessa maneira, utilizamos da pesquisa bibliográfica, mediante o levantamento de referências que auxiliaram na discussão e argumentos sobre o tema, além de informações coletadas a partir de fontes primárias com profissionais da SEAD – (Secretaria de Estado de Administração), localizada na Travessa Presidente Pernambuco, nº 43, bairro Batista Campos, na cidade de Belém. Para tanto, utilizamos questionários com perguntas fechadas com seis servidores, de departamentos diferentes, sendo três Administradores e Técnicos em Gestão Pública, dois Economistas e Técnicos em Gestão Pública e um consultor externo (Arquiteto e Técnico em Gestão Pública) - coordenador do projeto desenvolvido na SEAD. Vale ressaltar que tal projeto era justamente a elaboração do Planejamento Estratégico da secretaria que ocorria no momento da pesquisa. A SEAD é uma secretaria multicampi e tem como missão Planejar, Orientar, Executar, Normatizar, Controlar e Avaliar assuntos relativos à Política Administrativa do Estado do Pará. Esta possui 450 servidores ativos entre comissionados, temporários e efetivos. Seu prédio central está localizado na Avenida Gentil Bittencourt n°43 e, atualmente está à frente da Secretaria a Sra. Alice Viana Soares Monteiro. É composta pelo Gabinete do Secretario, sete Diretorias e quatro Núcleos Jurídicos: NUJU/LP (DGP), NUJU/GP (Gestão de Pessoas), NUJU/DG (Desenvolvimento de Gestão) e NUJU/AF (DAF). Este local foi escolhido em virtude da possibilidade de presenciarmos a elaboração do projeto da instituição. Pois, diante dos fatos e com o objetivo de melhorar e organizar os trabalhos desenvolvidos na SEAD, o Núcleo de Planejamento Monitoramento e Avaliação – NPMA iniciou um projeto pioneiro de planejamento a fim de melhor organizar e cumprir com sua missão. Assim, apresentou uma proposta para reestruturar a Gestão Interna. Essa envolvia a Secretária de Administração, a Alta Administração 160 da SEAD, as equipes das áreas de trabalho para que o processo de planejamento pudesse ser realizado, bem como o seu monitoramento. Foi elaborada uma metodologia para que se pudesse começar a trabalhar na construção de um Planejamento junto com o NPMA e os Diretores das áreas da SEAD. Com a metodologia definida, foram feitas reuniões com as áreas de trabalho, objetivando socializar a nova metodologia a ser aplicada na construção do planejamento. Através
160
Alta administração se refere a Diretores e Chefes de Setores (informação verbal)
150
do Mapa de Negócio, foi realizada a coleta de dados de cada departamento, cuja proposta visava a cosmovisão161, ao atender o conjunto total da SEAD. Cada área de trabalho preencheu as informações solicitadas. Tal ―Mapa de Negócios‖ é composto pelos seguintes itens: a)
Fornecedores: representam o setor,
b) Insumos: o que precisa ser produzido pelo setor; c)
Nome do negócio: a missão que tem haver com o objetivo exposto no regimento interno de cada diretoria, coordenação e gerência; a visão é o que se espera do trabalho que é desenvolvido; pessoal - precisa especificar quantos funcionários, qual sua formação profissional e o cargo ocupado na Secretaria; equipamentos - que estão disponíveis em cada setor para que os trabalhos possam ser executados; e as necessidades - que o setor está passando para execução de tarefas;
d) produtos - são os resultados do insumo e) Fornecedores
clientes - quem são beneficiados com o produto. Insumos
Nome do Negocio
Produtos
Clientes
Missão: Visão: Pessoal: (formação Profissional) Equipamentos: (principais) Necessidades: (em relação ao pessoal e equipamentos.) Quadro 2 - Modelo para Construção do Mapa de Negócio Fonte: SEAD, 2011. As equipes de trabalho receberam capacitação para que pudessem elaborar seus Planos de Negócio e durante todo o processo de construção foram feitas reuniões com as equipes para esclarecer as dúvidas e ajudar na construção do mapa. Para isso, ficou disponível uma equipe capacitada durante todo o processo de desenvolvimento do planejamento. Na conclusão desta etapa, as informações foram coletadas para que se pudesse elaborar o Plano de Trabalho. Com o Mapa de Negócio elaborado, partiu-se então para a elaboração do Plano de Trabalho ou Diagrama de Árvore, que também foi construído por cada segmento das áreas de trabalho da SEAD. Nesta etapa, as informações contidas no mapa de negócio foram indispensáveis, para que a situação da secretaria fosse melhorada. Dessa forma teríamos: ―O que‖ é baseado no produto esperado, ―quem‖ são os fornecedores, ―onde‖ o setor onde o planejamento esta sendo elaborado, ―porque‖ será respondido de acordo com as necessidades, ―como‖ quais as ferramentas que serão utilizadas, treinamentos, palestras e etc., ―quando‖ referem-se aos prazos específicos para cada etapa exposta nas ações, ―quanto‖ o orçamento real. Depois desses dados coletados e analisados, houve a socialização através de reuniões e validado pelas demais áreas das Diretorias.
161
Cosmovisão: dentre outros conceitos, consideramos ser o todo formado de pequenas partes, interdependentes.
151
O Que
Quem
Onde
Porque
Como
Quando
Quanto
P D C A
Quadro 3: Modelo para construção do Plano de Trabalho ou Diagrama de Árvore. Fonte: SEAD 2011.
Após o Mapa de Negócio e o Plano de Trabalho concluído, houve o ajuste do planejamento construído com a Agenda Mínima que foi estabelecida pela Administração Superior da Secretaria. Nesta etapa também foi definido o modelo de Monitoramento das Ações previstas no Planejamento Estratégico, etapa esta que é bastante importante para a conclusão do processo do planejamento, visto que se caracteriza pelo acompanhamento do mesmo junto à administração. Esta foi feita através de uma proposta apresentada a Secretária onde foi discutida sua operacionalização. O monitoramento tem como principal objetivo verificar se o planejamento elaborado está sendo posto em prática, para que as metas sejam atingidas. Os dados coletados são utilizados para averiguação dos resultados obtidos. No monitoramento acontece o acompanhamento dos resultados, utilizando uma nova tabela abaixo (ver quadro 4), a qual necessita das seguintes informações: Planejado - as ações do planejamento, Executado - qual das ações já foram executadas na Secretaria dentro dos setores, Resultados - de acordo com os resultados das ações, Anomalias - o que não deu certo das ações planejadas e Providências - como fazer para que a ação planejada que não deu certo possa se tornar eficaz. Após esta análise, os dados são repassados a Alta Administração e discutidos em busca de melhorias ou aprimoramento.
Planejamento
Executado
Resultado
Anomalias
Providências
Quadro 4 - Modelo de Relatório das Três Gerações Fonte: SEAD 2011.
Os resultados obtidos com a coleta de dados durante o processo de planejamento, foram consolidados e transformados em porcentagem que representam as ações de cada área, em uma nova planilha chamada de Matriz BASICO (ver quadro 5), onde B- beneficio, A- abrangência, S- satisfação, I- investimento, C- Cliente e Ooperacionalidade. Este são os resultados do processo de planejamento até o momento. O planejamento da SEAD ainda encontra-se em fase de conclusão, mas de acordo com o quadro 5 já é possível visualizar os resultados por setores e seus percentuais, as ações planejadas no período de 2011 e 2012 e o quanto já foi o rendimento.
152
Matriz BASICO SETOR
Alternativa de Soluções
B
A
S
I
C
O
TOTAL
Prioridade
2011 % % % % % %
%
% % % % % %
%
Quadro 5 - Matriz BÁSICO Fonte: SEAD 2011. Depois de analisar o processo de planejamento da SEAD, pode-se observar que este não é um mero processo que acontece em uma Instituição, seja ela Governamental ou Não-Governamental. Planejar exige conhecer o ambiente onde o processo vai acontecer, saber sua missão, sua visão, e mesmo com toda didática utilizada e toda metodologia a ser aplicada, ainda continuará sendo um processo que exige muita dedicação e o máximo de atenção. Dessa maneira, o cronograma proposto para o desenvolvimento do trabalho foi: a)
Aprovar proposta - 08/02/2011;
b) Apresentação aos Diretores, definição de metodologias e as áreas de trabalho para construção do plano de trabalho – de 09/02/2011 a 03/03/2011. c)
Construção do Plano de Trabalho da SEAD/2011 – de 30 a 31/03/2011
d) Aprovar Plano de Trabalho – 01/04/2011 a 03/04/2011. e)
Aprovar proposta de Monitoramento – 12/04/2011 a 20/04/2011
f)
Monitorar a execução do plano de trabalho da SEAD – a partir de 02/05/2011 (processo contínuo).
No entanto, o prazo não foi cumprido, devido a grande demanda das áreas trabalhadas e até mesmo as dificuldades encontradas pelos colaboradores como demonstramos abaixo.
RESULTADOS ALCANÇADOS Durante a pesquisa de campo foi apresentado um questionário com seis perguntas relacionadas às etapas do planejamento, ficando clara a importância que os sujeitos da pesquisa veem em tal processo e que são indispensáveis para o cumprimento das metas estabelecidas para cada setor, dando ―norte as ações institucionais‖. Percebemos que, embora o planejamento tenha despertado sentimentos positivos na equipe de trabalho – sujeitos da pesquisa, ao questionarmos sobre as dificuldades encontradas na elaboração do planejamento de cada setor, todos demonstraram ter encontrado dúvidas variadas na execução, de acordo com os trabalhos técnicos de cada um. Conforme relatam algumas falas apontadas abaixo: ―Organizações das informações, ou seja, não possuía um planejamento [...]‖ (entrev 1) ―A primeira dificuldade foi à inexistência de um histórico, sobre as reais necessidades do setor, o que nos levou a uma perda razoável de tempo em ações que não eram tão prioritária, somado aos recursos reais com as verdadeiras necessidades.‖ (entrev 2) ―Todas. Não existia plano de trabalho anterior, ausência de levantamento de dados, insuficiência de técnicos‖. (entrev 3)
Ao analisar a fala dos entrevistados percebemos que alguns pontos do processo precisam ser revistos e ajustes precisam ser feitos. O planejamento é um conjunto de ações que envolvem levantamento de necessidades, socialização das informações coletadas, busca aprofundada de informações do setor que está realizando o planejamento entre ouros. Para que tudo ocorra com exatidão, é preciso que um prazo seja estipulado, porém é
153
necessário um tempo razoável para que suas etapas sejam concluídas, a exemplo da fala do entrevistado 2, no qual nos mostra a ausência de informações, dificultando o entendimento do processo. Entendemos por se tratar de um processo que exige cumprimento de prazos, a fim de se evitar os desperdícios, é necessário que todas as dúvidas sejam esclarecidas e que os participantes conheçam e estejam sensibilizados para o programa do qual irão participar. Vale ressaltar que as metas e objetivos do planejamento a serem realizados foram esclarecidos aos Diretores, Coordenadores e Gerentes que participaram da elaboração, todavia ainda tiveram dificuldades em concluir o trabalho. Esta dificuldade apareceu também pelo fato de alguns dos colaboradores nunca terem participado deste tipo de trabalho, como podemos ver na fala: ―Todas, nunca tinha participado da elaboração de planejamento.‖ (entrev 4)
Todavia, o tempo de realização foi variado, dependendo das dificuldades encontradas. O planejamento, como já foi citado, é um processo inédito nessa Secretaria, por isso surgiram complicações em sua elaboração, como a demora na execução das etapas, o fato da equipe de apoio não ser suficiente para atender todas as áreas de trabalho (exposto em entrevistas), bem como a falta de conhecimentos técnicos das áreas trabalhadas. Por fim, o questionário respondido solicitava que o entrevistado apresentasse sugestões para melhorias do processo de planejamento, ―Que o processo seja público e transparente, interno e externo, para que os resultados do planejamento sejam plenamente conhecidos‖. (entrevistado 6) ―Para a melhor construção de um processo de planejamento, o 1° ponto é o conhecimento da metodologia aplicada, de forma a garantir que todos os envolvidos possam contribuir de forma satisfatória, aquilo que se pretende realizar‖. (entrevistado 5)
Percebe-se com essas falas, que os servidores querem mais divulgação do que é feito na Secretaria. Podemos refletir que ao buscar a transparência, o servidor quer uma participação mais ativa no local de trabalho, ele quer que o programa seja posto em prática e que não seja mais um planejamento que termine no papel. O Planejamento Estratégico quando é bem orientado e entendido por todos os participantes tem condições de sucesso. É importante que a equipe responsável pelo processo esteja coesa, que o conhecimento seja de todos e que seja composta por um grupo multidisciplinar. Percebemos que essa foi uma carência sentida no processo analisado em nosso estudo de caso, como indica a fala do entrevistado do que falta: ―Técnicos mais capacitados para prestar informações, demanda maior de tempo para elaboração de critérios coerentes e consistentes‖ (entrevistado 6)
Concordamos com Holtz (2006) quando diz que a função da pedagogia é mostrar como agir de forma produtiva, justamente nos pontos onde encontramos negatividade, falta de técnicos mais capacitados e uma equipe mais participativa. Então, a função da Pedagogia é mostrar COMO AGIR de maneira mais construtiva e produtiva para si, para os outros e para a sociedade. A Pedagogia apresenta atividades práticas que levam a atingir o objetivo determinado (p.31).
E, analisando a fala do servidor a seguir, acreditamos que a presença de um Pedagogo na equipe poderia engrandecer o trabalho realizado.
154
―Tomando como base o processo de elaboração do documento atual, devemos aperfeiçoar nossos conhecimentos na área técnica de elaboração, pois alguns setores encontraram dificuldades no entendimento da proposta pela comissão de acompanhamento e ajustes pela equipe [...]‖. (entrevistado 5)
Percebemos então que a equipe não possuía um profissional de Pedagogia como parte integrante da equipe, que de maneira didática e objetiva, pudesse preparar todos os setores, em cada realidade de trabalho, para elaborarem seus planejamentos. Entretanto, entendemos que por se tratar de um processo novo e inédito na secretaria, este ainda encontra-se em fase de aprimoramento, tendo ainda que fazer ajustes na medida em que continuar sua finalização e acompanhamento. Enfim, a presença de um pedagogo na equipe seria de fundamental importância, devido suas atribuições que abarcam a metodologia, a didática e, sobretudo, o planejamento, conhecimentos esses vistos na formação básica deste, como anteriormente citado. O ato de planejar requer atenção, dedicação, envolvimento de todos, buscando definir resultados ou metas, determinando ações, verificando os recursos disponíveis, planejando sua utilização, visando sempre os alvos definidos. O pedagogo vem pra ajudar nessas ações, contribuindo para que o planejamento estratégico alcance sua metas e assim a empresa alcance um melhor desenvolvimento organizacional.
CONCLUSÃO Para demonstrarmos a contribuição que o pedagogo empresarial pode dar a uma organização, no caso dessa pesquisa a um órgão público, vimos que este profissional, ao se tratar de sua formação, está significativamente capacitado para atuar na elaboração e implantação de um Planejamento Estratégico. Não consideramos aqui a discussão crítica sobre a formação do Pedagogo em si, mas levando em consideração as disciplinas que fazem parte da matriz curricular de seu curso, como é o caso da Didática, da Metodologia e do próprio Planejamento, este profissional dispõe desses conhecimentos prévios em sua formação, que o auxilia em sua atuação empresarial diferente dos demais cursos. Vimos que o planejamento é um processo comum e constante em uma organização; e que por isso é difícil fugir de sua elaboração e/ou participação seja qual for o segmento da instituição/setor. Assim, diversos profissionais, entre chefias e colaboradores, com suas específicas e variada formação, são submetidos à responsabilidade de planejar. Como podemos perceber em nossa pesquisa, todos os sujeitos entrevistados sentiram alguma dificuldade, demonstrando ser esta uma tarefa complexa em alguma(s) de suas etapas; exigindo tempo, atenção, criatividade, certos conhecimentos prévios para sua melhor elaboração, além de um acompanhamento mais presente por parte dos técnicos destinados pela SEAD. Tais conhecimentos fazem parte da formação do Pedagogo e é tarefa deste, ainda que seja na escola ou na empresa, a educação e aprendizagem dos educandos - funcionários. A Pedagogia já está presente em todas as relações humanas, de ensino aprendizagem e ações diversificadas nas organizações, quanto mais ainda pode atuar no ato de planejar, ao buscar práticas concretas que devem atingir aos objetivos da empresa. É se de ressaltar ainda que, como o mercado de trabalho tem crescido e se transformado constantemente, começa a exigir, assim, profissionais cada vez mais capacitados que tenham múltiplos conhecimentos. Cabe ao Pedagogo ser este profissional múltiplo e contribuir na atualização e difusão do mesmo. Todavia, estamos cientes que o conhecimento ensinado na academia deve ser somado a experiência de vida e de trabalho de cada profissional, para que, de maneira contextualizada possa ter mais e melhor atuação no sentido do Planejamento Estratégico propriamente dito. Consideramos, assim, que a aquisição do conhecimento é um processo que acompanha o indivíduo na sua vida prática, ampliando e congregando a prática com a teoria, bem como o trabalho e a escolaridade.
155
Entretanto, vemos a necessidade de sugerirmos que se inclua na proposta curricular deste curso de Especialização em Pedagogia Empresarial, uma disciplina que contemple o Planejamento Estratégico; afinal, planejar é fundamental para o andamento de qualquer organização, bem como de todas as pessoas e este exige preparo e estudo para suas etapas de elaboração. Por esse motivo, esta pesquisa servirá como ponto de partida para reflexões mais amplas sobre o assunto estudado que se trata da contribuição do pedagogo na elaboração do planejamento estratégico dentro das organizações, assunto que já vem tomando grandes proporções ao longo do cotidiano organizacional.
BIBLIOGRAFIA CADINHA, Márcia Alvim; TRINDADE, Ana Beatriz. Izolda Lopes (org.) Pedagogia Empresarial: formas e contextos de atuação. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2007. DEMO, Pedro. A pesquisa como descoberta e criação. In: Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990. HOLTZ, Maria Luiza Marins. Lições de Pedagogia Empresarial. MH Assessoria Empresarial Ltda, 2006. REZENDE, Wilson; TACHIZAWA, Takeshy. Estratégia Empresarial: Tendências e Desafios – Um enfoque na realidade Brasileira. São Paulo: Makron Books, 2000. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor de Didática. Papirus: São Paulo, 2001.
156
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL Rosa Maria Lopes NORONHA (FIBRA)
Como parte da pesquisa bibliográfica que subsidiou minha Dissertação do Mestrado em Educação, na UEPA, em 2009, na linha de pesquisa Formação de Professores objetivei, neste resumo revelar a emergência da formação continuada no Brasil. Respaldei- me teoricamente em estudiosos como: Nóvoa, (1992), Candau (1996), Alarcão (1998), Canário (2004), Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004). Tomei como encaminhamento metodológico a abordagem qualitativa na ótica de Bogdan e Biklen (1994), na perspectiva de um estudo descritivo. Utilizei o método dialético, segundo Triviños (1987). Os resultados revelaram que as mudanças provocadas no mundo, pela recomposição do sistema capitalista trouxeram em seu bojo as reformas educativas dos anos de 1990 do Século XX, que deram centralidade à formação dos professores como um dos pilares das inovações educativas necessárias, para atender aos desafios da educação e às expectativas de desenvolvimento econômico pretensas. Portanto, a definição de uma política de formação continuada de professores está associada a outros elementos e processos sociais, políticos, econômicos e culturais deparando-se com uma variedade de proposições, nem sempre convergentes em termos conceituais, modelos e enfoques metodológicos. Palavras-chave: Formação, Continuada, Professores.
INTRODUÇÃO A educação é uma atividade intencional, uma prática social que intervém na existência humana, mediante relações que se estabelecem entre seres humanos, num determinado contexto histórico-social, almejando promover aprendizagens, pela atividade dos próprios sujeitos envolvidos, quer individualmente, ou em grupo. O conhecimento de forma geral e os saberes adquiridos na vivência escolar e na vida passam por um processo de construção e de (re) significação permanente, que torna a formação um processo inacabado, projeto permanente de vida e dialético. Entendo como formação continuada o processo contínuo de desenvolvimento profissional que ocorre após a formação inicial dos professores, no decorrer da carreira e da vida pessoal, articulada aos contextos de trabalho e marcada pelo conhecimento dos diversos fatores conjunturais, que interferem na docência, em sala de aula. As políticas educacionais, tanto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/1996), quanto no Plano Nacional de Educação (PNE, de 2001), apresentam como um de seus objetivos centrais a melhoria da qualidade de ensino, que deve estar alinhada à promoção da valorização do magistério que depende de que a política global contemple simultaneamente a formação profissional inicial, as condições de trabalho, salário, carreira e a formação continuada destes profissionais tendo em vista seu desenvolvimento profissional. Quero ratificar que me associo à ideia de que a formação continuada deve ser circunscrita ao contexto de um movimento educacional que emerge de uma visão de mundo que almeja justiça social, em que os professores como profissionais da educação, que no processo de ensino-aprendizagem educam estejam comprometidos com o projeto de homem e que querem ajudar a formar.
1 A EMERGÊNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES As mudanças provocadas no mundo, pela recomposição do sistema capitalista, mediante o re-ordenamento da economia regido pela doutrina neoliberal trouxeram em seu bojo as reformas educativas dos anos de 1990 do Século XX, que deram centralidade à formação dos professores como um dos pilares das inovações educativas necessárias, para atender aos desafios da educação consoante às expectativas de desenvolvimento econômico, pretendidas.
157
Estas reformas foram financiadas, propostas, induzidas e orientadas a partir do desenvolvimento de um programa do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), no âmbito mundial, e particularmente na América Latina (AL), e no Brasil. Estas medidas se revestiram dos esforços para estabelecer mudanças necessárias ao desenvolvimento dos países latino-americanos, por meio do aumento do nível educacional da população. Neste sentido, ―a educação é concebida como instrumento de recuperação econômica do capital‖ conforme Nunes (2000, p. 39), por afetar os modos de ser e agir das pessoas que se revelam na melhoria da qualidade de vida da sociedade em geral, em vários aspectos, dentre os quais o de preparo para participar do mundo do trabalho. Preparar para o mundo do trabalho na sociedade capitalista é investir em conhecimento dos professores, como estratégia de enfrentamento dos altos índices de insucesso escolar evidenciados nas pesquisas de avaliação dos alunos nas séries iniciais, como o Sistema de Avaliação Básica (SAEB). A formação do professor e seu contínuo aperfeiçoamento passam, assim, a ser considerado pelas Políticas Públicas Educacionais, como fator que pode transformar a realidade da educação nacional, em certo percurso de tempo. Para Nunes (2004, p. 69): tudo leva a crer que o investimento na continuidade do processo formativo do professor é condição fundamental para a melhoria da qualidade do ensino brasileiro, contudo, para o alcance desta finalidade, fazse necessário, profundas reformas (não só na formação do professor), na estrutura, na organização e financiamento da educação básica no Brasil.
Desta forma, é preciso situar o processo de formação continuada dos professores em um conjunto de medidas, que articuladas podem ensejar em percurso de tempo considerável a alteração da realidade educacional brasileira, principalmente, levando-se em conta as condições materiais e imateriais da escola, onde a educação formal ocorre. A definição de uma política de formação continuada de professores está, portanto, associada a outros elementos e processos sociais, políticos, econômicos e culturais deparando-se nas propostas sobre a temática, com uma variedade de proposições, nem sempre convergentes em termos conceituais, modelos e enfoques metodológicos. A formação continuada que emergiu no debate da formação de professores dos anos de 1980 e 1990, provocou expectativas quanto a sua validade para superar as dificuldades advindas de uma formação inicial inconsistente. No entendimento de Nunes (2000, p. 54), a formação continuada: [...] refere-se ao período pós-escolar, suas ações extrapolam os limites formais de ensino; objetiva preencher as lacunas formativas deixadas pelo sistema escolar e contribuir para a reconversão profissional; modalidade de educação considerada fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, do trabalho e da sociedade.
Esta tendência de formação contínua é refém de modalidades escolarizadas, predominantemente de aquisição de conteúdos, que privilegia a pessoa do formador e tem sido fortemente questionada, por não atender às reais necessidades dos professores como produtores de saberes. Assim, tem sido proposto, segundo Canário (2003, p. 10), ―dispositivos e práticas de formação que valorizam fortemente a aprendizagem por via experiencial e o papel central de cada sujeito num processo de autoconstrução como pessoa e como profissional‖. Desta feita, a formação continuada foca especial atenção ao potencial formador e transformador dos saberes adquiridos na experiência cotidiana da prática docente, nas situações de trabalho provocando uma concepção de formação na mudança, que dá à ação interativa dos sujeitos, em contexto, o protagonismo central.
158
Alarcão (1998, p.106), considera a formação continuada como um processo ao longo da carreira no qual um profissional vai adequando sua formação às exigências de sua atividade profissional, que ―ocorrendo na continuidade da formação inicial, deve desenrolar-se em estreita ligação com o desempenho da prática educativa‖. Esta conceituação carrega em si estreita relação entre formação e desenvolvimento profissional contínuo e agrega como componente formativo a possibilidade de articulação entre as dimensões pessoais e profissionais do ser professor. A formação implica comprometimento com o investimento permanente de construção da identidade pessoal e profissional. Canário (2004, p. 83-4), afirma que a formação continuada se constitui como: [...] um processo contínuo e multiforme de socialização, que coincide com a trajetória profissional de cada um [...]. A chave para a produção de mudanças (simultâneas) referentes aos professores e às escolas passa, então, a residir na reinvenção de modos de socialização profissional [...].
Neste sentido, a formação continuada docente ganha relevância no projeto de organização institucional que pretenda (re) significar o conhecimento abrindo espaços para gerar novas aprendizagens que fortaleçam a identidade profissional docente, por meio do desenvolvimento pessoal e profissional do professor sob a égide das constantes mudanças que ocorrem na sociedade. Candau (1996, p. 150), assim expressa sua compreensão acerca do conceito em tela: a formação continuada não pode ser concebida como um processo de acumulação (de cursos, palestras, seminários, etc., de conhecimentos ou de técnicas), mas sim como um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em interação mútua.
Esta concepção preceitua o processo de reflexão crítica sobre a prática pedagógica docente e desvela como objetivo da formação continuada o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.
2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA ESCOLA Para melhorar a qualidade do ensino a formação continuada tem que ser abordada considerando-se a pessoa do professor e sua experiência, a profissão docente e seus saberes e a escola e seus projetos. Com esta perspectiva, Nóvoa (1992), aponta para a escola como o lócus privilegiado de formação. A formação continuada dos professores ganha propósito quando é parte do projeto da escola que abre espaço e tempo, com objetivo de gerar novas aprendizagens balizadas por metas e objetivos claros e articulados aos objetivos pessoais e institucionais. Para Nóvoa (1992, p.24): a formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma ―nova‖ profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das escolas.
A formação no contexto da escola tem como objetivo articular os processos formativos às necessidades do contexto de trabalho (DUBAR, 2003), que podem contribuir para o deslocamento do foco de práticas de formação continuada prevalentes no desenvolvimento da carreira docente, ―que podem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e técnicas, mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber produzido no exterior da profissão‖ (NÓVOA, 1992, p. 26-7).
159
Desta mesma ideia compartilham Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004), ao afirmarem que a mudança de paradigma no que se refere à formação de professores implica em sair do ―paradigma dominante‖ baseado na racionalidade técnica, em que o professor é visto como um técnico executor de atividades planejadas por especialistas, para se procurar ―um paradigma emergente‖, ou da ―profissionalização‖, no qual o professor é o construtor da sua identidade profissional, segundo os contextos específicos de produção dessa identidade. Nóvoa (1992, p. 28), considera que ―os professores têm que se assumir como produtores de sua profissão. Não basta mudar o profissional, é preciso mudar também os contextos em que ele intervém‖. Desta feita, a formação continuada dos professores no contexto de trabalho se faz necessária para engendrar mudanças significativas no modo de conceber a escola como lugar do aprender, de disseminação, também do saber constituído em seu cotidiano vivenciado nas relações que se estabelecem entre todos os envolvidos nos processo educativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A centralidade na formação dos professores como um dos pilares das inovações educativas para atender aos desafios e expectativas de desenvolvimento econômico, no cenário dos anos de 1990, para atender a nova configuração do capitalismo. Portanto, a definição de uma política de formação continuada de professores está associada a outros elementos e processos sociais, políticos, econômicos e culturais deparando-se com uma variedade de proposições, nem sempre convergentes em termos conceituais, modelos e enfoques metodológicos. Para que o docente assegure a construção de sua carreira no magistério para atender as novas demandas torna-se imprescindível que invista em seu processo de formação continuada, para melhorar continuamente sua prática docente, que, em sendo uma atividade sócio-histórica-cultural e intencional precisa estar em permanente processo de ressignificação, para promover mudanças significativas no desenvolvimento e na aprendizagem das pessoas a quem se dirige. Sem desconsiderar outros espaços de formação continuada de professores, incluso os oficiais, complementares e necessários, a escola se constitui em espaço privilegiado de construção de saberes e práticas, mediante vivência de relações tendo em vista, a superação das dificuldades objetivas e subjetivas que envolvem a profissão e que podem dificultar a autonomia pedagógica e intelectual de professores.
REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. Formação Continuada como instrumento de profissionalização docente. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas, SP: Papirus, 1998, p. 99-112. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. L.A.Reto e A. Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1997. (Original publicado em 1977). BOGDAN, R. e BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, São Paulo: Cortez, 2000. ______ Plano Nacional de Educação. MEC, 2001. CANÁRIO, R. Formação e situações de trabalho. Portugal, Porto: Porto Editora, 2003. ______ A experiência portuguesa dos centros de formação das associações das escolas. In: MARIN, Alda Junqueira (Org). Educação continuada. Campinas, São Paulo: Papirus, 2004, p. 63-88.
160
CANDAU, V. M. F. Formação continuada de professores: Tendências atuais. In: REALI, A. M. de M. R. & MIZUKAMI, M. das G. N. (Orgs). Formação de Professores: Tendências Atuais. São Carlos: Ed. UFSCar, 1996. DUBAR, C. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora, 2003. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. 1ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992 (Coleção Temas de Educação, 39). NUNES, C. do S. da C. Os sentidos da formação contínua de professores: O mundo do trabalho e a formação de professores no Brasil. Campinas: UNICAMP, Tese de Doutorado, 2000. ______. Definindo os Sentidos da Formação Continuada de Professores. In: Referências para pensar aspectos da educação na Amazônia. APOLUCENO, I. & TEIXEIRA, E. (Org.). Belém, PA: EDUEPA, 2004, p. 53-94. TRIVIÑOS. A.N.S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
161
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: a hora pedagógica em questão Andréa Souza de ALBUQUERQUE (FIBRA) O estudo objetivou investigar como se organizam os momentos de formação continuada desenvolvidos nas Horas Pedagógicas dos professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA), analisar a avaliação que os professores fazem sobre este processo formativo e identificar de que forma esses momentos de formação contribuem para melhorar o desenvolvimento profissional de professores da EJA. Quanto às opções metodológicas busquei uma investigação do tipo descritivo - interpretativa orientada pelos pressupostos da pesquisa qualitativa, com a utilização da entrevista semi-estruturada. Para a pesquisa bibliográfica recorri aos autores: Candau, 2001; Nóvoa, 1992, Gadotti e Romão, 2002, Ramalho; Nuñez; Gauthier, 2004, Tardif, 2002. Os resultados revelam que a Hora Pedagógica é de fato um espaço/momento de formação continuada importante por contribuir para o desenvolvimento profissional dos docentes da EJA no próprio espaço escolar, possibilitando a construção de saberes, troca de experiências, leituras e desenvolvimento de projetos. Contudo, constatou-se que essa prática ainda precisa ser melhor organizada, além de necessitar do acompanhamento e do assessoramento da coordenação pedagógica da escola na condução do processo. Palavras-chave: Formação de Professores, Hora Pedagógica, Desenvolvimento Profissional.
INTRODUÇÃO A questão da formação continuada de professores envolve um número crescente de autores interessados na pesquisa desta temática, (Nóvoa, 1992, Candau, 1996), relacionando trabalho docente e desenvolvimento profissional, saberes docentes e que apontam para a ideia da escola assumir o papel de lócus de formação docente. A literatura educacional revela que a formação inicial, de forma geral, mesmo que oferecida em nível superior, não é suficiente para, de forma isolada promover o desenvolvimento profissional (Santos, 1998). Essa ideia coloca em destaque a necessidade de se pensar uma formação continuada que valorize a prática realizada pelos docentes no cotidiano da escola, que valorize a socialização de saberes entre os docentes e as trocas de experiências, além de propiciar estudos em grupos, debates, construção de novos conhecimentos, de modo a articular teoria e prática na formação e na construção do conhecimento profissional do professor. Nesta perspectiva uma das questões amplamente discutidas refere-se à preparação e atuação do professor com a responsabilidade de trabalhar com alunos jovens e adultos. Face à inexistência de um modelo de formação para o professor da EJA, sua atuação vem se constituindo, ao longo dos anos, por práticas educativas fragmentadas, fruto do descaso das políticas públicas em fomentar ações que visem atingir esta modalidade de educação. Assim, é necessário pensar numa formação do professor para atuar especificamente nas turmas de EJA. Não podemos desconsiderar a denúncia feita por Gadotti e Romão (2002): os professores que trabalham na EJA, em sua quase totalidade, não estão preparados para o campo específico de sua atuação. Em geral, são professores leigos ou pertencentes ao próprio corpo docente do ensino regular. Note-se que, na formação de professores, em nível médio e superior, não se tem observado preocupação com o campo específico da educação de jovens e adultos (p. 122).
O professor, para atuar na EJA, deve estar em constante diálogo com os outros professores, para refletir sobre como enfrentar as novas situações do processo de ensino e aprendizagem nessas classes. A responsabilidade do professor, é muito grande, e é imprescindível que ele esteja continuamente se preparando, lendo, entrando em contato com seus pares para trocar idéias, experiências, tirar dúvidas, enfim construir e reconstruir seu conhecimento, baseado nas experiências em sala de aula.
162
METODOLOGIA Na perspectiva da docência da EJA, a formação continuada é um processo de construção crítico-reflexiva de novos conhecimentos que visem melhorar o trabalho, voltada para os professores atuantes nas escolas e que, durante o seu percurso formativo inicial, não tiveram oportunidade de contato com abordagens teóricas ou metodológicas voltadas para o público da EJA, mas que precisam delas para o processo de ressignificação de saberes, em função de muitas incertezas geradas no processo de ensino de jovens e adultos. Diante das dificuldades vivenciadas dia-a-dia pelos professores em relação à formação continuada realizada, nas escolas, foi crescendo meu interesse por investigar este processo de formação, particularmente dos docentes das turmas de EJA. Neste sentido, a investigação realizada partiu de minhas indagações a respeito de como se organizam os momentos de formação continuada promovidas nas Horas Pedagógicas dos professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA) na I e II Totalidade que acontece em uma escola fundamental da rede pública de ensino? Tendo como objetivos específicos: Verificar como a escola organiza seu tempo/espaço para realizar a formação continuada das professoras da EJA. Analisar a avaliação que as docentes da EJA fazem do processo de formação continuada que acontece nas Horas Pedagógicas na escola. Identificar de que forma esses momentos de formação contribuem para melhorar o desenvolvimento profissional de professores da EJA. O estudo apontou para a necessidade de uma investigação do tipo descritivo - interpretativa orientada pelos pressupostos da pesquisa qualitativa, com base nos referenciais de Ludke e André (1986) e Bogdan e Bilklen (1994). A escola lócus da investigação, para o estudo foi uma Escola da Rede Municipal da cidade de Belém, localizada em um bairro periférico da cidade. Para a obtenção das informações utilizei a entrevista, realizada com um quatro de professoras da EJA: Lílian
162
e Gisele, que atuam nas turmas de I Totalidade; Cristiane e Maria as quais são professoras das turmas de II
Totalidade; além da coordenadora pedagógica do noturno, Paula.
A ORGANIZAÇÃO DA HORA PEDAGÓGICA Tendo em vista a formação continuada no espaço escolar nas Escolas da Rede Municipal de Educação da cidade de Belém - RMEB, foi criada a Hora Pedagógica (HP), em 1998, que passou a garantir aos professores dos ciclos das escolas, 20 (vinte) horas semanais, isto é, um turno em uma escola, destinadas à sua formação continuada. Momento em que o professor regente da sala seria substituídos por outros professores e espaços de atuação com as turmas, com: arte-educação, informática, sala de leitura, educação física, deixando a cargo da coordenação pedagógica de cada escola a tarefa de organizar este processo, o qual, segundo orientações expostas em documentos da Secretaria Municipal de Educação, deveria ser utilizada para o professor regente em conjunto com outros professores e coordenação da escola, planejar as aulas; discutir metodologias; avaliar o trabalho realizado; estudar; trocar experiências. Em relação à organização da Hora Pedagógica no espaço escolar, a professora Gisele assim se expressa: minha HP é em determinado dia e a da outra professora de I Totalidade é em outro dia, então não há este espaço de troca de experiência (Gisele). 162
Os nomes dos sujeitos são fictícios.
163
A professora se queixou da falta de espaço na escola para a troca de experiência entre as docentes. Esta situação se deu em decorrência da forma como a coordenadora pedagógica organizou o horário das docentes para o desenvolvimento das atividades de formação continuada na Hora Pedagógica das professoras da I Totalidade. As duas professoras passaram a realizar sua HP em dias da semana diferentes, sozinhas. A professora Gisele realiza a HP às quartas-feiras e a outra professora, Lílian, às sextas-feiras, o que inviabilizou qualquer trabalho coletivo ou troca de experiências. Segundo Lílian, em geral, a HP propriamente fica muito da iniciativa de cada professor, em decorrência da necessidade dele. Vamos dizer que eu esteja precisando preparar uma atividade, então é isso que eu estou precisando fazer de mais importante. Até porque o professor está sozinho, a HP é individual (Lílian).
Neste depoimento, fica claro que ela utiliza a HP, para elaborar atividade didática. Esta situação se configura porque não há um plano de trabalho da coordenação pedagógica com uma orientação mais próxima do professor, e nem espaço para o desenvolvimento da formação continuada, pois como a própria professora afirma: a coordenadora Pedagógica é só ela, a noite só tem ela enquanto coordenadora, então tudo fica para ela resolver sozinha, o administrativo e até algum assunto da secretaria, então ela tem que dar conta de tudo isso, só ela quem resolve; diferente dos outros turnos que tem mais coordenadores, mais pessoas que proporcionam um apoio melhor. Então, a HP, por isso fica por conta do professor (Lílian).
Assim, o objetivo principal da HP que seria o de propiciar o estudo, a investigação, a troca de experiências entre as docentes sob a orientação da coordenação pedagógica da escola não é alcançado. Nóvoa (1992) aponta, em seus estudos, que é necessário haver mudança no nível das organizações escolares e do seu funcionamento. Falar da formação de professores implica falar também em um investimento educativo nos projetos escolares. Neste sentido para a formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais (MCBRIDE, 1989, apud NÓVOA, 1992).
Nesta perspectiva, para que o profissional da EJA esteja preparado para refletir e enfrentar as situações específicas do processo de ensino-aprendizagem da EJA, o processo formativo deve ser inerente à prática deste, um processo constituinte de desenvolvimento e estruturação profissional, pois os professores da EJA constroem seus saberes na prática e na formação continuada.
A AVALIAÇÃO DOCENTE DA HORA PEAGÓGICA Com relação à Hora Pedagógica, todas as professoras destacam sua importância, como momento para planejar atividades, discutir projetos, trocar experiências. A professora Cristiane é taxativa: eu acho que é um momento importante. Eu acho que esses momentos de formação, esses encontros para planejamento, para discussão, para troca de experiências, são importantes sim (Cristiane).
Gisele também esclarece que é bom sim, nós já conhecemos os alunos então fica bem melhor para nós sentarmos e planejamos atividades em cima de alunos que já conhecemos. É melhor do que fazer antes, e conhecer depois isto está errado não tem lógica. Eu acho que nos professores já temos idéias de como podemos fazer (Gisele).
Apesar de ressaltar a importância, principalmente para o professor do noturno as professoras fazem críticas a esse processo.
164
A primeira é em relação à forma de organizar a HP, na escola, a qual deveria ser conduzida às necessidades formativas dos professores da EJA, como o acompanhamento e o assessoramento do trabalho pedagógico, em sala de aula. Neste sentido, a professora Cristiane se posiciona: acho que a metodologia da coordenação pedagógica é diferenciada, nos temos liberdade para conduzir o nosso trabalho. Só que eu penso que além desse tempo de HP que só agora nós conseguimos a escola também deveria conduzir esse momento de forma mais rica, sabendo das experiências dos professores a escola deveria propiciar um intercâmbio maior entre os professores em torno de projetos coletivos (Cristiane).
Cristiane deixa claro que a metodologia da coordenação pedagógica na condução da HP não permite o intercâmbio entre os professores, por isso os projetos dos docentes ficam isolados e a interdisciplinaridade, tão defendida, não acontece. Para ela o papel da coordenação pedagógica e da direção da escola deveria ser o de propiciar um maior intercâmbio entre os professores em torno de projetos coletivos, com vistas a incorporar a idéia da interdisciplinaridade, tema constantemente defendido pelos teóricos da área educacional e dos técnicos da SEMEC, para romper com concepções curriculares tradicionais, e abordar o conhecimento de forma integrada. As propostas curriculares para a EJA precisam ser discutidas entre os professores da escola, no intuito de selecionar os conteúdos mais significativos para esses alunos trabalhadores, de forma interdisciplinar, devidamente planejada e orientada por meio de projetos que despertem o interesse dos alunos em continuar frequentando a escola. A docente fala da dificuldade de reunir todos os professores, em um momento só, mas crê nas reuniões mais coletivas, pois haveria mais professores envolvidos. Por outro lado, Gisele destaca a importância da Hora Pedagógica coletiva, no início do ano letivo, mas se refere à formação como algo, estritamente, voltado para atividades de planejamento, e quando a escola oferece uma formação voltada para discussão de temas teóricos, para reflexão sobre as práticas, ela é contra, pois não consegue relacionar as teorias discutidas e seu trabalho pedagógico. eu acho que é bom sim, nós já conhecemos os alunos então fica bem melhor para nós sentarmos e planejarmos atividades para alunos que já conhecemos. Eu acho que deveria haver mais encontros de planejamento. Agora na nossa formação nós tivemos o planejamento pedagógico, oferecido pela escola, foram lidos muitos textos, foram tiradas algumas propostas, mas eu acho e eu não sei se estou sendo retrógrada, citar teóricos é uma coisa o que eu quero ver é a prática no dia a dia, lidar com gente (Gisele).
Mais uma vez, Gisele destaca que não acha significativo a leitura ou o estudo de textos teóricos, por achar mais importante tratar das práticas docentes, cortando o elo entre teoria e prática, temática freqüente em seu discurso. Veiga (1998, p. 82) pontua que ‖sem uma sólida base teórica, a formação reduz-se a um adestramento e desenvolvimento de habilidades técnicas e, muitas vezes, impossibilita o avanço da compreensão das relações sociais mais amplas―. Assim, esta docente se preocupa com o desenvolvimento de habilidades voltadas para sua prática, em detrimento do aprofundamento teórico, o que lhe impede de compreender melhor o contexto social e político dos alunos da EJA. O que interessa para ela é a aprendizagem do código escrito, mas não percebe a função do domínio desse código para a inserção de seus alunos na sociedade. Segundo Nóvoa (1999), o professor na sua atuação também deve dominar um conjunto de conhecimentos e técnicas imprescindíveis ao exercício qualificado da atividade docente, saberes técnicos e teóricos. A professora Maria também ressalta a importância desse processo para sua atuação profissional
165
é um espaço importante que nós temos que saber aproveitar, mas, em algumas escolas no noturno não há, não tem HP no noturno, nós já conseguimos isso, então já é um avanço para nós professoras desta escola termos esse momento. Então, nos temos que ter esse espaço, para corrigir as avaliações para colocar em dia o diário de classe. Só que a gente poderia aproveitar mais esse momento, com certeza ia melhorar no sentido da gente estudar, buscar uma literatura, buscar um livro, buscar um artigo que é o que a gente encontra mais, são artigos em periódicos, de organizar melhor esse momento (Maria).
A professora preocupa-se com o referencial teórico, cita inclusive os artigos onde encontram temáticas referentes à EJA. Isto demonstra o interesse dela com relação à melhoria do seu trabalho e o melhor aproveitamento da Hora Pedagógica para o seu desenvolvimento profissional.
AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PROFESSORES DA EJA
CONTINUADA
PARA
O
DESENVOLVIMENTO
Para Sacristán (1991) o profissionalismo se configura nas capacidades específicas da profissão, significa o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores específicos da atividade docente. Este conceito não pode estar desligado da idéia de prescrição técnica, com caráter de intervenção externa ao contexto de atuação docente, com orientações fixas, baseada na concepção técnico-instrumental. Mas, ao contrário, deve estar associado ao contexto social às condições, ao contexto do exercício da profissão, ao compromisso político e social e ao trabalho com autonomia e responsabilidade, com vistas à emancipação humana. O termo desenvolvimento, por sua vez, é compreendido como um processo dinâmico de melhoria, que implica mudança, evolução, crescimento e avanço. Segundo Imbernón (2005), no meio anglo-saxão, principalmente, norte-americano, os conceitos formação continuada e desenvolvimento profissional estão intrinsecamente interligados. Contudo esta aproximação se restringe à abrangência de desenvolvimento profissional, pois levaria a ideia de que a formação é o único meio que o professor dispõe para se desenvolver profissionalmente, o que não condiz com a realidade, uma vez que a profissão docente desenvolve-se por outros fatores, dentre os quais se destaca o salário, o clima de trabalho, as estruturas hierárquicas, as condições de trabalho, a legislação trabalhista. Nesta perspectiva, foi perguntado às docentes o que elas compreendem por desenvolvimento profissional. Cristiane declara que é crescer como pessoa também. Eu me preocupo muito com a questão do estudo, procuro estudar. Então eu procuro sempre colocar em prática o que eu estudei, se eu cursei uma universidade, fiz pós-graduação. Isso não tem porque ficar guardado só para mim, eu quero colocar em prática na sala de aula. Eu quero que na minha HP que também é um momento de aprofundar, de estudar eu possa colocar em prática o que eu aprendi e socializar com os colegas. Eu fico muito feliz quando isso acontece e fico triste quando não dá certo, porque tem vários fatores que atrapalham o nosso trabalho. Ensinar para jovens e adultos não se restringe ao trabalho do professor, tem outros fatores externos, como a organização da escola para a concretização da HP, os alunos que não vem para aula por vários fatores, como: família, trabalho... Mas, quando eu consigo colocar em prática o que eu sei, o que eu trabalhei, então, eu fico muito feliz e é um crescimento pessoal também (Cristiane).
O depoimento releva a estreita ligação entre o profissional e o pessoal. Para ela, o desenvolvimento profissional está intrinsecamente relacionado a esses dois aspectos, o que vem confirmar o que Nóvoa (1992) afirma sobre o desenvolvimento profissional dos professores, que não pode estar desassociado do seu desenvolvimento pessoal, pois estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade (pessoal), que é também uma identidade profissional (p.25).
166
É necessário haver, nas escolas, espaços/momentos de formação continuada, a interação entre as dimensões pessoais e profissionais, o que permitirá aos professores sentirem-se parte dos processos formativos e dar-lhes um sentido pessoal. Para a professora o desenvolvimento profissional implica estudar para melhorar, aprimorar o que está fazendo em termos profissionais e poder também socializar, a dimensão coletiva de discutir com os colegas o que foi aprendido e sentir-se realizada, feliz com o seu trabalho. Neste sentido, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) destacam que o desenvolvimento profissional é a capacidade da autonomia compartilhada entre os profissionais, no contexto de trabalho, a reflexão coletiva, crítica dentre os grupos de trabalho, possibilita articular teoria e prática, na qual os professores constroem saberes na busca do aperfeiçoamento da prática educativa. Maria, na mesma linha de pensamento, assinala é a melhoria, é o aperfeiçoamento do que você está fazendo. É uma melhoria decorrente da vivência. O professor se desenvolve, melhora o que está fazendo. Além das experiências do dia-a-dia, o meu desenvolvimento profissional se dá por meio da formação continuada. A formação continuada que acontece na HP da escola é muito importante, contribui de maneira significativa para o meu desenvolvimento profissional porque nós professoras reunimos e discutimos os problemas que estão acontecendo dentro da escola. O saber que eu adquiri na EJA foi sendo construído a partir das experiências que nos estávamos vivenciando diariamente e com as formações continuadas que paramos para estudar, ler, discutir e planejar (Maria).
Para Maria, o desenvolvimento profissional docente decorre das vivências que o professor vai adquirindo nos anos de trabalho, fruto da experiência. Este saber advindo da experiência não pode ser esquecido, pois contribui de forma significativa para o desenvolvimento profissional. Segundo Tardif (2000), a prática profissional do professor não é somente espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, é também um espaço de produção de saberes específicos proveniente dessa mesma prática. O trabalho dos professores deve ser considerado como um espaço prático específico de produção, da transformação de saberes, e de mobilização desses saberes, portanto de teorias, conhecimentos e o saber-fazer específico que exige dele um saber e um saber-fazer, uma práxis, pois o seu trabalho não é simples, nem previsível, é complexo e, grandemente, influenciado pelas próprias decisões e ações. Os professores da EJA, neste sentido, são produtores de saberes específicos sobre os procedimentos a serem tomados no ensino de jovens e adultos. Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) afirmam que o desenvolvimento profissional dos professores faz parte de um projeto de desenvolvimento profissional da instituição na qual ele desenvolve sua atividade profissional. Por isso, é importante que no próprio local de trabalho do professor, se crie espaços de formação coletivos, para a troca de experiências entre professores e partilha de conhecimentos sistematizados pela ciência seja constante, como formação contínua, permanente, em que todos os professores sejam tanto formadores quanto formados (NÓVOA, 1992). Para Maria, os conhecimentos adquiridos na EJA foram construídos a partir da troca de experiência entre as docentes, da socialização dos conhecimentos e dos momentos/espaços de formação continuada, em que se pode planejar e discutir as ações. Neste sentido, as práticas de formação devem ter como eixo principal a dimensão coletiva, pois contribui para a emancipação profissional e propicia a consolidação do pensamento autônomo dos docentes e estimula atitudes crítico-reflexivas (NÓVOA, 1992).
CONCLUSÕES A partir das análises empreendidas apresento as principais conclusões que me foi possível chegar, tendo em vista desvelar qual a concepção de formação continuada das docentes da EJA, a forma como a escola se organiza para desenvolver a formação continuada nas Horas Pedagógicas, a avaliação que as docentes fazem deste processo
167
de formação continuada e se, na opinião delas, este processo formativo tem contribuído para seu desenvolvimento profissional como professoras que atuam na EJA. De acordo com o referendado no discurso das docentes a organização da Hora Pedagógica desenvolvida na escola não acontece de forma sistemática, com pauta e horários determinados de forma coletiva, é realizada em dias diferenciados, de forma individualizada, sem a presença da coordenação pedagógica, o que impossibilita um trabalho mais articulado, com planejamentos coletivos ou trocas de experiências entre as professoras. Para todas as docentes entrevistadas a Hora Pedagógica se constitui em um importante momento de formação e que contribui de maneira significativa para seu desempenho como professor da EJA, possibilitando o encontro entre os docentes, a troca de experiências, a leitura e discussão de leituras. È importante frisar ainda que, de acordo com o que foi colocado pelos professores da EJA este processo formativo se constitui como um importante momento/espaço para o redimensionamento das ações, para a construção de projetos coletivos entre o grupo de docentes, o que foi apontado como um fator determinante para a construção de saberes e competências para sua atuação como professor da EJA, uma vez que conforme o que foi referendado estas docentes não tiveram em sua formação inicial discussões a respeito do trabalho com a EJA e a escola poderá contribuir com o processo formativo deste docente.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELÉM. Projeto político pedagógico da Escola Cabana: orientações para a organização do planejamento escolar 2003. Belém: SEMEC, 2003b. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria dos métodos. Portugal: Porto Editora 1994. CANDAU, Vera Maria Ferrão. Formação continuada de professores: tendências atuais. In: REALI, A. M. M. R.; MIZUKAMI, M.G. N. Formação de professores: tendências atuais. São Carlos: EdUFSCar, 1996. GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (Orgs.). Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 5. ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2002. (Guia da Escola Cidadã; v. 5). IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 5. ed. São Paulo, Cortez, 2005. (Coleção Questões da Nossa Época; v.77). LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986. NÓVOA, Antônio (coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. ______. O passado e o presente dos professores. In: ______. Profissão professor. 2. ed. Lisboa: Porto Editora. 1999 (Coleção Ciências da Educação). P. 13-34 RAMALHO, Betania Leite; NUÑEZ, Isauro Béltran; GAUTHIER, Clermont. Formar o professor, profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. 2. ed. Porto Alegre, 2004. SACRISTÁN, J. Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, Antonio (coord). Profissão professor. 2. ed. Lisboa: Porto Editora. 1999 (Coleção Ciências da Educação). P. 63 -92. SANTOS, Lucíola Licínio de Castro Paixão. Dimensões pedagógicas e políticas da formação contínua. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Caminhos da profissionalização do magistério. 3. ed. Campinas: Papirus, 1998. P. 123-136. SANTOS, Tânia Regina Lobato dos. Analisando a escola cabana em espaço e tempo reais. 2003. Tese (Doutorado em Educação) Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
168
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2000. ______; LESSARD, Claude; LAHAYE, Louise. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. In: Teoria & Educação, Porto Alegre, 1991. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Avanços e equívocos na profissionalização do magistério e a nova LDB. In: ______. Caminhos da Profissionalização do Magistério. 3. ed. Campinas: Papirus, 1998. p. 75-98. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
169
O DISCURSO DOS PROFESSORES SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: significados e sentidos na prática docente Marcos Antonio SILVA163 (UEPA) Nilda de Oliveira Bentes (UEPA) Esse estudo tem como temática a formação continuada ofertada pela Rede Pública de Ensino de Belém do Pará. Surgiu da necessidade de investigar o que está subjacente aos discursos de professores que participam desta formação. Buscaram-se respostas para as seguintes inquietações: Qual o discurso do professor sobre a formação continuada? Em que momento o discurso da formação continuada se aproxima ou se distancia da prática pedagógica do professor? Até que ponto o professor se apropria da formação continuada para o exercício da profissão docente? A perspectiva sócio-histórica permeou as análises e considerou os professores, como sujeitos que se constituem socioculturalmente pelas suas experiências, pelos lugares sociais que ocupam como professores e professoras, como educadores, como docentes. Fizeram parte deste estudo 15 professores lotados em uma escola municipal do município de Belém - Pará. A coleta de dados deu-se via grupo focal e dois professores foram entrevistados individualmente. A entrevista semiestruturada foi fundamental para entrecruzar os dados do grupo focal com os discursos dos professores sobre a formação continuada. Foi utilizada a teoria enunciativa de Bakhtin para entendimento da contrapalavra dos professores e tentar chegar ao processo de internalização pelo qual passam os profissionais em uma formação continuada. Nesse sentido, fazer recortes dos discursos dos professores é pontuar as construções e reconstruções elaboradas pelo Grupo de Formação Continuada, de maneira a apontar criticamente como se construiu o ser profissional em uma formação continuada que a partir de suas percepções, afirmaram a necessidade de continuar acreditando que é possível consolidar novas práticas. Palavras-chave: Formação Continuada, Discurso, Prática Docente.
INTRODUÇÃO O foco central deste estudo é a formação continuada de professores realiza pela Secretaria Municipal de Educação de Belém do Pará, cujo recorte do objeto são as ações pedagógicas realizadas em uma escola que atende Ensino Fundamental. A pesquisa caracteriza-se como estudo de campo discursivo que visa alcançar os seguintes objetivos:
Analisar por meio dos discursos dos professores o sentido e significado da prática pedagógica a partir da formação continuada;
Identificar nos discursos dos professores em que momento a formação continuada se aproxima ou se distancia da prática pedagógica;
Analisar nos discursos dos professores a relevância da formação continuada para o fazer pedagógico em sala de aula. A perspectiva sociohistórica permeou as análises e considerou os professores, como sujeitos que se
constituem socioculturalmente pelas suas experiências, pelos lugares sociais que ocupam como professores e professoras, como educadores (as), como docentes. A sócio-histórica é uma vertente teórica que surgiu na União Soviética, embalada pela Revolução de 1917 e pela teoria marxista. Ganhou importância na década de 70 e tornou-se referência para as Psicologias do Desenvolvimento, do Social e da Educação. É uma abordagem teórica formulada por Lev Vigotsky para construir uma psicologia que superasse as tradições positivistas e estudasse o homem e o seu mundo psíquico como construção histórica e social da humanidade. É um procedimento teórico que estuda os fenômenos humanos em seu processo de transformação e mudança, ou seja, em seu aspecto histórico. Concebe o sujeito em sua totalidade social, marcado por uma cultura (SOUZA, 2009, p. 19).
Doutorando em Educação – UFPA; Mestre em Educação, Formação de Professores – UEPA/PUC-Rio; Especialista em Educação, Cultura e Organização Social – UFPA, Pedagogo. Especialista em Educação III USE/SEDUC; Professor SEMEC-Belém/SEMEDAnanindeua/PARFOR-UFPA e Colaborador INEP/MEC. Pesquisador integrante do grupo GEPERUAZ – UFPA. Associado SBPC. E.mail: socrampedagogo@bol.com.br.
163
170
Para tal, esta pesquisa investigou os discursos dos professores sobre a formação continuada e a prática docente no cotidiano em sala de aula. A teoria bakhtiniana também é privilegiada para a análise dos dados coletados durante a pesquisa de campo, assim como para melhor depreender o sentido e significado dos discursos dos professores. No sentido de preservar as identidades dos sujeitos, foram utilizados nomes fictícios que estão relacionados a nomes de músicas, filmes, poemas e poesias que foram utilizados ao longo das formações continuadas. Foram duas professoras que participaram das entrevistas dialogadas: 1) Borboleta (Marisa Monte) e 2) Pauapixuna (André e Ruy Barata). A escolha das duas professoras se deu por se destacarem em suas falas no momento de aplicação do grupo focal. Ambas apresentaram condições necessárias e disponibilidade em contribuir. Aquele que ouve tem réplicas, tem suas concordâncias ou discordâncias; e muito embora não as verbalize, tem perguntas por que sabe que muito do que é informado não tem como ser feito. Então, o processo de internalização não se dá e a prática pedagógica não será transformada. Para Gatti (2005), a técnica do grupo focal é muito útil quando há interesse em compreender as diferenças existentes em perspectivas, sentimentos e comportamentos de grupos diferenciados de pessoas, bem como compreender os fatores que os influenciam, as motivações que subsidiam as opções de determinados posicionamentos. A entrevista semiestruturada foi fundamental para entrecruzar os dados do grupo focal com os discursos dos professores sobre a formação continuada. A entrevista semiestrurada é uma técnica colaboradora nesse processo, de acordo com Ludke e André (1986), esta proporciona um clima de interação entre os envolvidos criando-se assim uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Emergiram cinco eixos temáticos, objetivando que o sujeito em sua fala descrevesse como concebe cada referente que enseja vozes de diferentes lugares o sentido atribuído a formação continuada dos professores.
A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA Refletir acerca da formação de nossos professores requer que se vislumbre primeiramente o contexto histórico da formação destes no Brasil. Conhecemos, por intermédio da história, o processo de aculturação indígena sofrido no Brasil colônia, bem como a instalação da Companhia de Jesus, representada pelos jesuítas, e que se fez a responsável por catequizar os índios. A expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses, após séculos de predominância em nossa educação, fez com que se iniciasse nesta colônia um processo de laicização da instrução com o envio de professores régios. Com ma vinda da família real para o Brasil e com o país transformado em sede da Coroa Portuguesa, passase por uma série de modificações, especialmente no setor intelectual. Somente a partir de 1827, com a implantação da Lei Geral do Ensino, única lei geral relativa ao ensino elementar até 1946, houve uma organização docente no Brasil. Para Ribeiro (1998), ―Esta [lei] era [...] onde estavam presentes as ideias da educação como dever do Estado, da distribuição racional por todo o território nacional das escolas dos diferentes graus e da necessária graduação do processo seletivo [...]‖. Nesse contexto surge, em 1835, a primeira escola normal brasileira, em Niterói, Rio de Janeiro, com o objetivo de melhorar a formação docente, cuja modalidade de ensino tinha duração de dois anos em nível secundário. O exercício da atividade docente torna-se profissional, a partir do final do século XVII, quando o Estado exige que o professor só exerça a profissão se for portador de licença ou autorização concedida pelo próprio Estado. Este documento funcionava como um aval do Estado aos grupos docentes que adquirem uma legitimação oficial da sua atividade. Enquanto profissionais designados pelo Estado, os professores passam a ocupar um lugar político na
171
estrutura da escola e nas diversas camadas da população que são atingidas pelos ideários escolares, e neste tornamse agentes culturais e, por conseguinte, agentes políticos no percurso de desenvolvimento da sociedade. Como podemos ver há uma preocupação do Estado em consolidar uma identidade profissional para o professor. Sabemos que até hoje se busca uma identidade para esse profissional e na virada do século XIX para o século XX tínhamos um dilema maior que era relacionado ao gênero: tornava-se preconceituoso ter um professor do sexo masculino nas turmas da escola normal. Ao olhar a perspectiva histórica, que nos dá uma breve noção de como se iniciou o processo de formação dos professores brasileiros, torna-se fácil perceber por que estamos mergulhados atualmente em vários cursos de formação, os quais poucos formam e que a cada dia diminuem mais o papel do professor e despejam no mercado milhares de mentes não reflexivas, por terem lhes negado o direito de pensar. Seja porque os cursos de graduação possuem uma carga horária muito reduzida e distante da realidade vivenciada na contemporaneidade pelas escolas brasileiras, seja porque muitos recém formados concluem a graduação sem terem passado pela prática pedagógica, no sentido de entenderem como se dá a relação teoria e prática na vida do professor. Mais do que criar novos espaços de formação, faz-se necessário um repensar do papel político e pedagógico do professor, repensar este que, pelas colocações feitas, em momento algum foi feito em nossa história da educação brasileira. Formar professores precisa deixar de ser sinônimo de formar reprodutores. ―O modelo de formação proposto baseia-se numa reflexão do professorado sobre a sua prática docente, que lhe permite repensar a sua teoria implícita do ensino, os seus esquemas básicos de funcionamento e as próprias atitudes‖ (NÒVOA, 1995, p. 106). Quando falamos de formação contínua de professores pensamos num grupo de profissionais que já estão em serviço, participando de um momento de reflexão que pode ter diferentes objetivos, como a atualização de conhecimentos, repasse de novas técnicas, metodologias ou reorientações curriculares, discussão sobre a prática pedagógica, dentre outros. Ações como estas têm sido desenvolvidas com professores, mesmo que de forma desordenada, seja por uma busca voluntária, nos cursos oferecidos por instituições superiores.
OS DISCURSOS DOS PROFESSORES, O QUE DIZEM SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO Cada participante/informante tem suas réplicas na rede de relação com o outro, construindo uma compreensão entre seus interlocutores. A compreensão em uma linguagem bakhtiniana corresponde a duas consciências, dois sujeitos, o que implica uma forma de diálogo: consiste em opor ao interlocutor a sua contrapalavra (BAKHTIN, 1992). A compreensão implica identificar também os subtextos, as intenções que não estão explícitas – os não ditos. A construção do conhecimento a partir do ressignificar da formação continuada dos professores perpassa pela articulação teoria e prática para que o professor se torne investigador de seu próprio fazer pedagógico. Ao assumir uma atitude investigativa, o professor compreende que a ciência não é uma verdade definitiva e que o real também ensina. Trabalhar com o real é confrontar permanentemente teoria e prática. A ciência precisa ser incorporada ao dia a dia da sala de aula e para isto é necessário que o professor tenha acesso à produção teórica, confirmando-a ou não em sua prática cotidiana. A Formação Continuada deve constituir-se um espaço de produção de novos conhecimentos, de troca de diferentes saberes, de repensar e refazer a prática do professor, da construção de competências do educador. Considerando o conhecimento como uma construção social, a linguagem tem um importante papel no aspecto da interação e mediação na formação do professor (VYGOTSKY, 1998). O que geralmente acontece é que este espaço não é percebido ―[...] como espaço de produção coletiva: neles a linguagem é propriedade de uns e deve ser
172
comprada por outros [...] nos cursos de formação de professores, a linguagem é pedaço, .., eco...‖ (KRAMER, 2006, p. 85-6). Os professores percebem claramente a necessidade de uma base teórica para entender o que é discutido na Formação Continuada. O desejo de compreensão reflete na necessidade da reflexão crítica sobre o que e como o discurso teórico contribui para a prática pedagógica do professor, faz com que estes sintam a necessidade de buscar mais subsídios teóricos. Estes não se percebem sujeitos e demonstram na fala a angústia, quando não consegue estabelecer a relação entre a prática e a teoria. Sentem um descompasso entre o que falam os palestrantes (teoria) e a realidade da sala de aula (prática). A fragilidade teórica, que deveria na Formação Continuada ter uma atenção especial, faz com que alguns professores se sintam culpados por não estarem entendendo o que está sendo dito e outros percebem as dificuldades em compreenderem o que está sendo discutido. São diferentes dificuldades experimentadas na quebra do diálogo, que ocorre nos eventos da Formação Continuada. Isto é fruto de um referencial teórico extenso, frágil e da mistura de diferentes correntes teóricas, colocadas para os professores sem a preocupação de confrontá-las. É importante contextualizar algumas falas significativas para depois nos determos na teoria sobre elaboração de projetos e avaliação. Falar de projetos torna-se importante porque no final de cada curso o professor escreve no diário de bordo projeto a ser executado na escola e essa produção final também é avaliada quantitativamente. Lá falam bonito e na prática é totalmente diferente. Alunos do 3º ano ao nível de alfabetização. O discurso é que todos os alunos estão num mesmo nível (Professora Borboleta). A estrutura é boa; os textos são cansativos e fogem da realidade, segue o que acontece nas universidades onde temos uma teoria e quando vamos para o campo de trabalho a realidade é bem diferente (Professora Pauapixuna). Na prática do dia-a-dia não temos tempo para estudar. A formação continuada é um momento para estudo, porém os textos são muito técnicos, fogem da realidade dos conceitos que são trabalhados nos anos iniciais do ensino fundamental. O tempo é insuficiente para estudo, atividades e produção textual. As críticas quanto aos textos vem ocorrendo desde o início da formação e só agora vemos uma redução do número de textos utilizados (Professora Sete Minutos). A formação é significativa para elaboração dos projetos, capaz de subsidiar uma proposta de trabalho, porém esbarra nas dificuldades de execução. Consigo perceber uma coerência e uma sequência lógica organizada que consiste num corpo teórico consistente. O que preocupa é o mascaramento da realidade. Temos que achar mecanismos porque elaborar projetos de intervenção e não dar conta de executar é complicado. Hoje, talvez a teoria não esteja dando conta. A formação continuada é formação teórica. Percebo uma sequência teórica mais consistente (Professor O Lutador). A teoria, as leituras são importantes para a aquisição de novos conhecimentos e isso acontece na formação continuada, mas critico o excesso de atividades exigidas do professor; os filmes exibidos são muito bons, mas a pior parte é quando somos avaliados, nos atribuem uma nota que muitas vezes nos desestimula, nos deixa sem coragem para continuar, dar sono e não conseguimos escrever (Professora Princesinha).
A capacidade de questionamento é pressuposto para a reflexão, ou seja, é o resultado do processo que se dá na contraposição entre o que se pensa e o que se faz. É na formação de professores que se vê a possibilidade de instigar o professor a uma ação consciência e reflexiva de sua prática profissional. A Teoria Crítica abordada, a partir da concepção de Giroux (1997), vai contribuir para uma práxis pedagógica na formação de um professor e aluno questionador e, consequentemente, na busca de espaços para desenvolver sua autonomia. A contribuição da teoria crítica é um viés teórico importantíssimo para a construção de uma práxis pedagógica, na medida em que analisa e discuti questões que instigam a transformação do sujeito na realidade social em que este vive e não simplesmente como prática de uma técnica. Os diversos enunciados dos professores estão atravessados por um tempo histórico, de 1996 até os dias atuais, apesar da pesquisa ser referente ao que acontece hoje na formação continuada, fica impossível os professores não rememorarem o que vem ocorrendo ao longo dos anos em relação às suas formações e às práticas cotidianas. O primeiro aspecto da Formação Continuada, considerado importante na percepção dos professores é em relação a teoria que está sendo discutida nos cursos e a sua ação pedagógica. As professoras questionam a contribuição dessa teoria para a sua prática escolar e é expresso na fala da professora: ―É, em momento algum a
173
formação permitiu dar conta do dito aluno que não está lendo e não está escrevendo [...] não permitiu-se sequer estudar porque isso acontece‖ (Professora Narizinho). As ideias expressam o real, e a mediação é feita fundamentalmente pela linguagem. Os saberes adquiridos na vivência do cotidiano pessoal e profissional, outro fator importante da prática escolar, é um movimento que acontece dentro de um contexto historicamente construído, permeado pelas tensões sociais de cada época e pela significação de cada sujeito (KRAMER, 2006). A instrumentalização do professor como parte do processo da Formação Continuada é um dos fatores determinantes para uma atuação eficaz, conforme discutem diversos autores, entre eles: Freire (2003); Nóvoa (1995), Pimenta (1999), mas, sem estarem descontextualizados, à parte do processo escolar. Pensar e fazer a formação dos professores é pensar o ―fazer professores‖ uma ação delicada porque é permeada pela sensibilidade do ato de ensinar e aprender. Inclui reflexão x ação x reflexão, pesquisar e repensar a própria prática, rever saberes construídos ao longo de sua história de vida e da própria prática docente, é rever posturas, conhecimentos técnicos, científicos, pedagógicos. Enfim, rever a própria finalidade do profissional da educação. A formação continuada do professor torna-se requisito indispensável para evolução da educação do país, desde que as autoridades encarregadas do sistema educacional ofereçam condições materiais e todas as facilidades operacionais e funcionais para que o professor possa de maneira adequada, e assim realizar sua prática, sempre preparado para enfrentar os novos desafios que se impõem. Em parte, muitas coisas do dia a dia acabam nos ‗atropelando‘, com a nossa prática, nem sempre o que planejamos fazer concretizamos, pois tem situações na escola que não depende só do professor (Professora ABC do Sertão). Alunos desmotivados. O aluno diz: Professora não estou com vontade de fazer. Há a falta de estímulo. Fico angustiada ao levar as teorias apreendidas na formação continuada para sala de aula e não conseguir atingir objetivamente a maioria dos alunos (Professora Gaia).
Segundo esses enunciados, a formação continuada como um território com múltiplas dimensões e múltiplas racionalidades configura-se como uma teia de relações. Bakhtin (2003), ao reforçar o caráter ativo dos sujeitos na emissão e recepção dos diálogos, nos lembra que o ser humano é um sujeito que fala e que ao se exprimir mostra todo o seu potencial ativo. Os professores são participantes ativos da história, das relações sociais, da sua cultura, se constituem e se produzem num processo relacional, em que os valores, as ideologias, os padrões e crenças são veiculados nos diversos espaços sociais, dando forma e sentidos às suas experiências. Por isso a importância e o valor dos professores serem ouvidos, para conhecermos como concebem a formação continuada e sua contribuição ao trabalho docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos dados do discurso mostra, então, o que as pessoas pensam e, também, o que as pessoas não sabem que pensam. Entre essas diferentes vozes do discurso dos professores, as falas apontam modulações que se articulam dialeticamente entre os dois lugares sociais que ocupamos – o da própria pessoa e a do outro. Procurando entender o dizer da professora que não aceita essa teoria por não ser condizente com sua realidade precisamos discutir o que seja discurso, mais especificamente discurso ideológico. Para Bakhtin, os fenômenos ideológicos são determinados pelo conjunto das leis sociais e econômicas, e como a ideologia é materializada no discurso, estes, possuem sentido e conteúdo ideológico, pois estão relacionados a um contexto e a um grupo social determinado. Os professores percebem claramente a necessidade de uma base teórica para entender o que é discutido na Formação Continuada. O desejo de compreensão reflete na
174
necessidade da reflexão crítica sobre o que e como o discurso teórico contribui para a prática pedagógica do professor, o que os princípios da formação e do sucesso escolar podem significar para construir uma nova prática escolar. Apesar das réplicas negativas quanto à metodologia utilizada, há a certeza de que a formação continuada cumpre com o seu papel fundamental que é o de contribuir para que o professor tenha além do gosto pela leitura, o hábito da pesquisa e a disposição para construir textos relacionados ao fazer pedagógico. Uma discussão de maior polêmica em relação à formação continuada, de acordo com os dados coletados, não está na sua operacionalização, e sim no momento em que este educador se depara com a sala de aula e encontra dificuldades que a formação não deu conta de abarcar. A insistência em afirmar que as experiências práticas de sala de aula precisam ser ainda mais trabalhadas durante a formação continuada é um ―apelo‖ a tudo que foi importante e positivo, e que por isso precisa continuar a aparecer nas discussões coletivas em um fluxo maior de interlocuções. Os enunciados deste percurso conduziram não só às reflexões sobre a formação continuada e a prática pedagógica dos professores, mas ao peso ideológico das palavras; por trás das palavras de quem anuncia as atividades e coordena os trabalhos da formação continuada há um contexto de significados muitas vezes distante da realidade de muitas escolas de Belém. Essas reflexões são interessantes para que possamos avaliar a formação continuada quanto à sua metodologia, para assegurar-se de que os objetivos que ela propõe estejam sendo alcançados; esta foi uma das preocupações deste trabalho.
REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel. Ciclos de Desenvolvimento Humano e Formação de Educadores. Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68, p. 143-161, dez. 1999. ______. Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 4. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007. ______. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 10. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. ______. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LDB Nº 9394/96. Pará: Graphitte, 1997. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 2ª ed.; Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1993. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed.; São Paulo: Ática, 2002. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006. DEMO, Pedro. ABC: Iniciação à Competência Reconstrutiva do Professor Básico. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995. ______. Educação e Qualidade. 2. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995. ______. Educar pela Pesquisa. 4. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000.
175
______. Formação Permanente e Tecnologias Educacionais. Petrópolis, Rio de Jeneiro: Vozes, 2006. FIORIN, José Luiz e BARROS, Diana Luz Pessoa. Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2003. FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 1993. FLICK, Uwe. Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa. Trad. Sandra Netz; 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. FORMOSINHO, João. Formação Contínua de Professores: realidades e perspectivas. Aveiro, Portugal: Universidade de Aveiro, 1991. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. ______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. ______. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1995. GATTI, Bernadete Angelina. Grupo Focal na Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. GIROUX, Henry A. Os Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. KRAMER, Sônia. Por Entre as Pedras: arma e sonho na escola. 3. ed. São Paulo: Ática, 2006. LÜDKE, Menga & ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso; Campinas: Unicamp, 1993. NÓVOA, Antônio. Formação de Professores e Trabalho Pedagógico. Lisboa: Educa, 2002. ______ (Org.). Os Professores e a sua Formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995. ______. Profissão Professor. 2. ed. Portugal: Porto, 1999. ______. Vidas de Professores. Portugal: Porto, 1992. NUNES, Cely do S. C. Os Sentidos da Formação Contínua de Professores: o mundo do trabalho e a formação de professores no Brasil. Tese de Doutorado. Campinas: UNICAMP, 2000. PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. RIBEIRO. Maria Luísa Santos. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 15. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1998. SOUZA, Ana Paula Vieira e. As Culturas Infantis no Espaço e Tempo do Recreio: constituindo singularidade sobre a criança. Dissertação de Mestrado. Belém, Pará: UFPA, 2009. VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. ______. Pensamento e Linguagem. Trad. Jefferson Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
176
OS DESAFIOS DE SE ENSINAR E DE SE APRENDER HISTÓRIA E GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: um estudo de caso etnográfico sobre práticas pedagógicas de professores de uma escola pública em Belém do Pará, de 2011 a 2012 Lucidéa de Oliveira SANTOS (FIBRA) Deylane MENDES (FIBRA) Fabrício ARAÚJO (FIBRA) Manuela Beltrão Cavalleiro de MACEDO (FIBRA) Cristiane MOREIRA (FIBRA) Carmen Denise Cavalleiro de MACEDO (FIBRA) Michelle SENA (FIBRA)
Os indicadores brasileiros de desempenho escolar continuam apontando um quadro desalentador da educação, todavia a Prova Brasil, o SAEB e demais instrumentos de avaliação educacional não detalham ou esclarecem o que acontece na sala de aula para projeção de alternativas ao fracasso escolar. Assim, considerando-se Boas e André, investigar o que ocorre na escola e os decorrentes desafios de se ensinar e se aprender passam a ser o principal objetivo deste trabalho: observar, registrar e analisar as práticas pedagógicas do ensino da história e geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Quais são as praticadas docentes, ao se ensinar história e geografia, no que se refere à organização do trabalho e do tempo pedagógico, ou seja, do planejamento e execução da seleção de conteúdos, da escolha de material didático, da didática, dos métodos e estratégias e do uso de linguagens, bem como dos sistemas de avaliação das aprendizagens. A partir de Lima, Cainelle, Smidth, dentre outros, definiu-se no estudo considerar, também, quais as dificuldades apontadas pelos sujeitos desse processo, observar, registrar e analisar o saber e o fazer dos docentes, mais especificamente quanto ao ensino da história e geografia, pois professores, principalmente das séries iniciais, em geral, desconsideram os conteúdos e os estudos didático/pedagógicos que levam os alunos a aprenderem. Tomou-se como referência a abordagem Estudo de Caso Etnográfico por dispor de instrumentais teórico-metodológicos de análises mais acuradas sobre o cotidiano e a rotina da escola e da sala de aula. Optou-se por uma escola pública de ensino fundamental da cidade de Belém. Palavras-chave: Estudo de caso etnográfico, Prática Docente, Ensino fundamental, História, Geografia.
1 INTRODUÇÃO Estudos nos evidenciam que o Brasil apresenta um quadro preocupante quanto ao desempenho escolar, sendo a região Norte e Belém um exemplo nítido desse agravante estado. O que torna a situação ainda mais carente de atenção é o fato de que os indicadores de desempenho educacional não explicitam em suas verificações o que realmente ocorre na sala de aula para que se deliberem ações contra este péssimo desempenho. Portanto se faz necessário que haja uma investigação sobre o que ocorre na sala de aula, sobre os empasses, que se enfrentam ao se ensinar e aprender, uma análise sobre a prática pedagógica adotada, com foco nas séries iniciais, que é onde encontramos os menores índices, e nas disciplinas História e Geografia. Com isso, se observa, registra e analisam quais as práticas pedagógicas acatadas ao se ensinar, especificamente essas duas disciplinas, ou seja, como é feito o planejamento, a execução, qual o material didático selecionado, a didática adotada e o manejo que o educador tem com a turma, o uso de linguagens, os métodos avaliativos. A importância de se analisar a atuação dos profissionais de educação nessas duas disciplinas específicas se dá pelo fato de que a maioria dos professores dessas séries iniciais não apresenta uma formação específica para essas áreas, então perceber como esse conhecimento, que obviamente irá influenciar na visão do aluno sobre a disciplina, é transmitido, é essencial, para caso o venha a apresentar certas dificuldades de compreensão futuramente ou até mesmo manifestação de desprezo pela disciplina. Logo, todo o processo que ocorre na sala de aula, assim como os decorrentes desafios que nela se enfrentam, acaba sendo o nosso principal objeto de estudo. Para a aplicação desse estudo foi escolhida uma escola pública de ensino fundamental e médio da cidade de Belém, com pesquisa em campo de duração de um ano. Nosso principal objetivo se trata de investigar o saber e o fazer dos profissionais da educação de escola pública, quanto ao ensino das disciplinas História e Geografia, assim como detectar suas principais dificuldades, relacionando-os ao desempenho da turma.
177
Com essa gama de informações adquiridas poderemos oferecer aos cursos de História, Pedagogia e Geografia e as agências empregadoras uma visão o mais próximo da realidade, para que possam construir alternativas eficazes. Nossa problematização se dá em: como os profissionais se organizam, estudam, planejam e atuam, bem como recebem apoio técnico da escola para a melhoria de sua atuação. Assim como qual a percepção que esses profissionais possuem quanto a sua atuação em sala de aula e o desempenho de sua turma? Como exercem a função de ensinar conteúdos específicos de História e Geografia? Isso nos leva a hipótese de que esses profissionais em seus cursos possam ser preparados para todos os desafios que podem vir a encontrar, sabendo encontrar saídas eficazes para os problemas relacionados a aprendizagem. Buscando fornecer uma visão o mais próximo possível da realidade, adotou-se para a construção dessa análise o estudo de caso etnográfico. Temos como referência sobre essa metodologia os estudos realizados e contidos no livro Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional, de Marli André, 2005, onde nos é apresentado a relevância que esses estudos podem ter para as agências empregadoras, assim como se deve ser exercida tal metodologia. Um estudo como este se faz muito relevante, pois colabora diretamente para os cursos de licenciatura, que possuem o intento de preparar os acadêmicos para as mais diversas situações que podem encontrar no decorrer de sua carreira profissional, todavia estas disciplinas geralmente teorizam em cima de estudos e pesquisas pontuais de outras realidades ou já realizadas há certo tempo. A pesquisa investigará a construção da realidade por eleger o que ocorre na sala de aula quando se ensina História e geografia, logo o trazendo mais perto da realidade que o cerca; como os profissionais se preparam e atuam; como os alunos se envolvem nesse processo e se os conteúdos e linguagens atingem os objetivos dessas ciências ou se as práticas continuam tradicionais e ultrapassadas. Algo mudou? Os professores estão mais preparados e conseguem envolver os alunos no processo de aprendizagem? Motivos não faltam para sustentar e fundamentar esta investigação, visto que o Norte, em específico, Belém, se encontra entre os piores ensinos do país. Porém faz-se necessária uma pesquisa qualitativa, pois essa possui capacidade de nos fornecer saídas para esse problema ao invés de ficarmos apenas em uma pesquisa quantitativa sem um maior aprofundamento. Portanto, no final teremos um grande número de informações úteis e necessárias a respeito do ensino de História e Geografia, que poderão ser usadas para discussões em sala de aula, relacionando constantemente teoria e prática, em prol de aprimorarmos cada vez mais nossos comportamentos como educadores para que alcancemos um melhor desenvolvimento educacional. Nas salas de aulas os acadêmicos do curso estudam e discute teórico-metodologicamente, mas com pesquisa e em campo, produzirão conhecimento de como as práticas se dão e por que se dão de uma dada forma. Sendo neste artigo apresentado a fundamentação teórica adotada, o procedimento metodológico, os resultados alcançados e as conclusões a que se chegou até esse período da pesquisa.
2 REFERENCIAL TEÓRICO Compreendendo-se que o contexto da sala de aula corresponde a um encontro de culturas, possuindo então uma grande multiplicidade de significados, se faz necessário que haja uma pesquisa detalhada sobre o que ocorre nesse meio, para que assim sejam produzidos dados que possam ser analisados e levados em consideração na hora em que as universidades e faculdades formulam o seu conteúdo nas disciplinas de Metodologia, para que aproxime cada vez mais a realidade que cerca o acadêmico do mesmo, executando de forma eficácia a ligação teoria e prática. Assim como para que se possam deliberar medidas eficazes contra o baixo desempenho educacional que vem sendo apresentado no nosso país ―O significado da vida se expressa por meio de uma narrativa, ou que sem uma narrativa
178
a vida não tem significado: sem significado, a educação não tem propósito e a ausência de propósito é o fim da educação" (POSTMAN, 1995, apud PERRENOUD, 2002, p. 150). Entender o propósito desse processo de educação, assim como explicitar isso aos alunos, é oferecer uma praticidade a todos os conhecimentos a serem transmitidos e reconstruídos. Analisar como se dá esse processo é fundamental para que em casos como o que se apresenta de baixo desempenho educacional, possa-se remontar as práticas adotadas. A prática educativa é bastante complexa, pois o contexto de sala de aula traz questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de relação pessoal. A dinâmica dos acontecimentos em uma sala de aula é tal que mesmo uma aula planejada, detalhada e consistente dificilmente ocorre conforme o imaginado: olhares, tons de voz, manifestações de afeto ou desafeto e diversas outras variáveis interferem diretamente na dinâmica prevista. Considera-se necessário buscar entender essa complexidade do contexto da sala de aula, entender por quais meios se dá esse processo de aprendizagem e por que não está se mostrando eficaz. Essa necessidade também se faz presente devido à falta de detalhamento existente nos levantamentos de cunho quantitativo. Por meio de uma abordagem qualitativa, onde as informações coletadas poderão vir a possuir maior utilidade na deliberação de saídas alternativas para o processo de aprendizagem, utilizaremos o estudo de caso etnográfico como processo metodológico, pois este nos garante poder obter uma visão ampla e visceral sobre o complexo ambiente escolar. Sintetizando ideias de vários outros autores, podemos dizer que o estudo de caso etnográfico deve ser usado: (1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa determinada instituição, numa pessoa ou num específico programa ou currículo; (2) quando se deseja conhecer profundamente essa instância particular em sua complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados; (4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos conceitos sobre um determinado fenômeno; e (5) quando se quer retratar o dinamismo de uma situação numa forma muito próximo do seu acontecer natural. (ANDRÉ,1995,p.51)
3 METODOLOGIA 3.1 CONTEXTUALIZAÇÕES DA PESQUISA Sendo notável a precariedade de informações que se tem sobre o que ocorre nas salas de aulas que levam ao baixo desempenho estudantil e o conhecimento de que a região Norte comparada à outras regiões do nosso país apresenta baixa produção científica, uma análise do saber e fazer dos profissionais da educação assim como dos desafios que se enfrentam ao ensinar e aprender, com foco nas disciplinas História e Geografia, visto que a maioria dos docentes de séries iniciais não possuem uma formação específica para trabalhar com essas matérias, se fez necessária. Suprir com essa necessidade de informações para que possam ser tomadas medidas cabíveis contra esse problema na nossa educação nos levou a buscar um forte aparato teórico, onde se estudou sobre o método de pesquisa mais adequado para esse estudo, levando em consideração suas vantagens e limitações, tal como a possibilidade de implantação de método. Fazendo com o que pesquisador pudesse ter um direcionamento claro para quando for a campo, com o intuito de sempre manter essa ligação teoria e prática para que o estudo seja frutífero. Além do que as informações coletadas por uma pesquisa como essa colaboram diretamente para a formulação do ensino de Metodologia disponibilizado nos cursos de licenciatura e Pedagogia, pois dará informações detalhadas sobre a realidade que cerca este futuro profissional, sendo assim o curso poderá fornecer
179
um melhor treinamento para o universitário sobre o que poderá enfrentar no decorrer de sua carreira, fazendo a relação teoria e prática de modo eficaz. A pesquisa se deu em uma escola pública de ensino fundamental e médio da cidade de Belém, até o momento por um período de 3 meses, mas que terá duração total de um ano, com o intuito de buscar observar, registrar e analisar, o que realmente acontece nas salas de aulas, e os desafios que são enfrentados no seu cotidiano, assim como também investigar o saber e fazer dos profissionais da educação. Tal escola pública escolhida apresenta problemas quanto a sua infraestrutura por se tratar já de um prédio centenário, não dando o conforto necessário tanto ao educador como ao aluno, apesar disso é uma escola favorecida por seu corpo técnico e administrativo buscando sempre uma melhoria no ensino passado correspondente ao ideal. Com isso, nossa problematização se dá em: como os profissionais se organizam, estudam, planejam e atuam, bem como recebem apoio técnico da escola para a melhoria de sua atuação. Assim como qual a percepção que esses profissionais possuem quanto a sua atuação em sala de aula e o desempenho de sua turma? Como exercem a função de ensinar conteúdos específicos de História e Geografia? Isso nos leva a hipótese de que esses profissionais em seus cursos possam ser preparados para todos os desafios que podem vir a encontrar, sabendo encontrar saídas eficazes para os problemas relacionados à aprendizagem. Para chegarmos a essas respostas se observa, registra e analisam quais as práticas pedagógicas acatadas ao se ensinar, especificamente essas duas disciplinas, ou seja, como é feito o planejamento, a execução, qual o material didático selecionado, a didática adotada e o manejo que o educador tem com a turma, o uso de linguagens, os métodos avaliativos. A importância de se analisar a atuação dos profissionais de educação nessas duas disciplinas específicas se dá pelo fato de que a maioria dos professores dessas séries iniciais não apresenta uma formação específica para essas áreas, então perceber como esse conhecimento, que obviamente irá influenciar na visão do aluno sobre a disciplina, é transmitido, é essencial, para caso o venha a apresentar certas dificuldades de compreensão futuramente ou até mesmo manifestação de desprezo pela disciplina. Logo, todo o processo que ocorre na sala de aula, assim como os decorrentes desafios que nela se enfrentam, acaba sendo o nosso principal objeto de estudo.
3.2 CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA Trata-se de uma pesquisa explicativa e descritiva cuja abordagem se refere a um estudo de caso etnográfico, onde se busca uma compreensão dos diversos significados existentes no ambiente da sala de aula, com o intuito de através da observação, registro e analise reconstruir todo esse processo segundo a visão do pesquisador. Os requisitos para o método de aplicação do estudo de caso etnográfico se fazem muito viáveis ao tipo de pesquisa idealizado, pois prioriza a observação participante, o pesquisador como instrumento principal na análise e coleta de dados, a ênfase no processo que está ocorrendo, a preocupação com o significado, o envolvimento com o trabalho de campo, a descrição e a indução (ANDRÉ,1995). Além do que o estudo de caso é ideal para se aplicar quando o interesse gira em torno de um particular, algo bem específico, porém dando margem a uma análise do contexto geral de tudo, ou seja, colaborando para uma aproximação maior do real. Portanto, trata-se de uma abordagem qualitativa, visto ser uma saída mais eficaz para a produção de dados realmente significativos para a elaboração de melhorias no processo de educação.
3.3 TIPO E CARACTERÍSTICA DE DADOS
180
Fez-se uso nessa pesquisa até o momento de dados bibliográficos, onde buscamos base para a pesquisa, assim como melhor procedimento metodológico a ser adotado, experiências já tidas na área da educação com tal procedimento, suas vantagens e limitações, dentre outros fatores. Houve também uma busca na compreensão do ensinar e aprender História e Geografia em alguns livros, duas disciplinas que são foco desse estudo, tal como uma pesquisa nos PCNs para que uma análise sobre os dados coletados em sala de aula fosse feita de maneira coerente. Durante a pesquisa em campo os dados coletados foram extraídos do cotidiano da sala de aula, com o intuito de chegar cada vez mais próximo da realidade desse contexto, contribuindo para se ter uma noção muito clara de todo o processo de ensino-aprendizagem.
3.4 PROCEDIMENTOS PARA TRATAMENTO DE DADOS Por se tratar de uma pesquisa com metodologia baseada no estudo de caso etnográfico, até o momento o meio utilizado para coleta de dados foi baseado de forma quase unânime na observação, ou seja, no forte envolvimento do pesquisador no campo, onde por meio desta, ele poderá fornecer uma grande quantidade de dados descritivos para serem analisados. A aproximação com os atores desse processo, ou seja, professores e alunos também se faz necessária para que por meio de conversas informais ou formais algumas coisas se tornem mais claras. Isso vem sendo conquistado com o passar do tempo. Para poder ter uma visão ampla do contexto da sala de aula, o pesquisador obteve os dados a partir da observação das aulas ministradas nas séries iniciais, podendo já ter uma base das práticas pedagógicas adotadas pelos educadores, assim como a sua didática, os métodos de avaliação, o material didático escolhido, o uso de linguagens, apreender um pouco do planejamento e da execução de conteúdo. Os professores se mostraram muito dispostos a colaborar com a pesquisa, e os alunos também aceitaram de forma muito positiva a presença do pesquisador em sala de aula. O maior problema enfrentado no decorrer dessa pesquisa é o fato dos professores não possuírem ainda um horário totalmente definido e bem distribuído, visto que é dada uma importância maior para as matérias de Língua Portuguesa e Matemática, do que para as outras, isso dificultou o acompanhamento perante as aulas de Geografia e História. Outra dificuldade é que também ainda não foi conseguido acesso aos planejamentos desses professores, que tardiamente foi aprontado.
4 ANÁLISES DOS DADOS 4.1 CONTEXTO ESCOLAR E CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ESTUDADOS A pesquisa em campo está se passando em uma escola pública de ensino fundamental e médio da cidade de Belém, situada no centro da cidade. A escola ocupa um prédio centenário, que segundo um projeto do governo local em breve será reformado, porém enquanto isso não ocorre os alunos e professores se deparam com um ambiente totalmente desconfortável. Salas mal climatizadas, com ventiladores extremamente velhos, fazendo com que os alunos e professores deixem as janelas de suas salas totalmente abertas para que possa se tornar um ambiente um pouco mais ventilado, todavia conforme o tempo vai passando o sol vai ficando mais forte gerando forte incômodo, além do que, não se podem manter as janelas abertas em ocasiões de chuva. As carteiras tratam-se dos únicos utensílios novos na sala de aula, pode-se dizer. O piso das salas é de madeira e as paredes internas se encontram em péssimas condições nos acabamentos. Todos esses fatores sem via de dúvida acabam colaborando para a falta de concentração dos alunos, logo em um baixo desempenho escolar. Nesta pesquisa estão sendo analisadas duas turmas, ao qual irei me referir como ―Turma I‖ e ―Turma II‖. Na Turma I, os alunos estão na faixa etária de 9 a 11 anos, já na Turma II os alunos estão entre os 11 e 15 anos, em ambas são relativamente bem distribuídos quanto ao sexo. Na Turma II existe um aluno surdo mudo, porém ele não
181
dispõe de um tradutor/interprete em sala de aula para sua ajuda, não correspondendo ao que encontramos na lei nº 8.069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente quando entre outras determinações diz no artigo 2º ―A criança e o adolescente portadores de deficiências receberão atendimento especializado‖ ou ainda com o que encontramos na Constituição Federal de 1988, Título VIII, da Ordem Social, Artigo 208: III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. A Turma I está sob responsabilidade de uma professora, enquanto a Turma II além de uma professora existe um professor auxiliar. A frequência de alunos nas duas turmas varia entre 18 e 22. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais a organização do espaço é um dos pontos essenciais a serem considerados para a concretização de uma boa didática, com isso: Em um espaço que expresse o trabalho proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais é preciso que as carteiras sejam móveis, que as crianças tenham acesso aos materiais de uso frequente, as paredes sejam utilizadas para exposição de trabalhos individuais ou coletivos, desenhos, murais. Nessa organização é preciso considerar a possibilidade de os alunos assumirem a responsabilidade pela decoração, ordem e limpeza da classe. Quando o espaço é tratado dessa maneira, passa a ser objeto de aprendizagem e respeito, o que somente ocorrerá por meio de investimentos sistemáticos ao longo da escolaridade. (Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais/ Secretária de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF,1997.) Logo, percebo que a Turma I apresenta alguns dos aspectos citados, pois se trata de uma sala de aula com carteiras móveis, é feita exposição de trabalhos individuais e coletivos nas paredes, e existe essa responsabilidade dos alunos estimulada pela sua professora em manter a sala limpa e em ordem. Na Turma II também são encontrados alguns dos aspectos citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais quanto as carteiras serem móveis e existir essa conscientização dos alunos reforçada pelos professores de limpeza e ordem na classe. Todavia, o que se encontra das duas salas de aula e que segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais dificulta a construção de autonomia do aluno, é a presença de um armário que permanece fechado e só é aberto pelo professor, esse gesto não favorece o aprendizado do aluno quanto a preservação de bem coletivo. 4.2 CONDIÇÕES PRÉVIAS PARA EXECUÇÃO DAS AULAS: PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E RECURSOS PLANEJADOS E UTILIZADOS. É perceptível nas duas turmas certa dificuldade nos planejamentos das aulas e organização do trabalho, onde é priorizado o ensino de disciplinas como Língua Portuguesa e Matemática, em prol de outras como História e Geografia. Os professores das turmas alegam que isso se dá devido a grande dificuldade que os alunos ao se encontrarem no 5º ano ainda apresentam, por exemplo, uma aluna da Turma II praticamente ainda não sabe ler. Ou seja, se constata que é um problema que ao invés de procurar ser solucionado pelos professores vem sendo simplesmente alvo de mudança de responsabilidade, pois se passa de ano um aluno cujo ainda não possuí as competências necessárias para tal feito. Como já foi dito, cada turma possui um armário dentro de sala, onde nesse armário contém os recursos que são utilizados pelos professores em sala de aula. Na Turma I, presenciei a professora distribuir por duas vezes folhas de papel Chamex para os alunos com o intuito de eles desenharem e pintarem, sendo que dentro do armário continha algumas caixas de lápis de cor, tesouras e giz de cera. Na Turma II, dentro do armário existem alguns jogos de memória, quebra-cabeça, jogos de tabuleiro, dentre outros, presenciei também por duas vezes esses jogos serem disponibilizados aos alunos, assim como presenciei o uso de revistas e de outros livros além dos didáticos serem distribuídos aos alunos para cumprir algumas atividades. Esses jogos que se encontram na Turma II de alguma forma acabam influenciando na Interação e Cooperação dentro da turma, outro fator considerado de suma importância na didática, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais.
182
4.3 LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS PELA CLASSE 4.4 O MANEJO DE CLASSE E DIDÁTICA DOCENTE Pelo fato de as duas turmas se tratarem de alunos com faixa etárias diferentes, sendo em uma alunos mais novos e em outra alunos mais velhos, as ferramentas usadas pelos professores para manejar e assim manter o controle sobre a turma são diferentes, até porque o perfil dos professores dessas duas turmas diverge bastante. O grande problema enfrentado pela professora da Turma I corresponde à dispersão dos alunos, seja conversando com os colegas frequentemente ou simplesmente não prestando atenção a orientação da professora. Para combater isso, sempre que os alunos estão conversando alto demais, ou conversando na hora de fazerem as atividades, ou então quando a professora tem um comunicado a fazer, são chamados a atenção, quando essa chamada de atenção começa a repetir várias vezes para um mesmo sujeito, a professora costuma ir até o aluno e puxar uma simples conversa com o intuito de entender o porquê da dispersão e falta de atenção. Outro método utilizado pela professora da Turma I que eu pude presenciar diversas vezes é a troca de lugar. Em alguns casos, isso resolve o problema de conversas, porém com alguns alunos isso não basta principalmente nessa turma onde existe um aluno em específico cujo dá mais trabalho que os outros a professora. Em alguns momentos, a professora depois de chamar a atenção e até mesmo ter feito a troca de lugares, se viu obrigada a bater com seu livro ou sua mão forte na mesa ou quadro e elevar a voz com as crianças, para que eles pudessem se comportar. Isso adianta temporariamente, pois é conseguido o silêncio na sala, porém logo as conversas altas voltam a ocorrer. Apesar de tudo, em nenhum momento vi a professora da Turma I levar as crianças para a direção. Na Turma II, como já foi mencionado existe a professora titular responsável pela turma assim como um professor auxiliar, ambas de características muito diferentes, o que acaba gerando certo equilíbrio. Enquanto o professor auxiliar possui uma postura demasiada autoritária, que faz com que os alunos o temam e acabem se comportando mais em sua presença, a professora titular possui uma postura mais flexível. Ao contrário do professor auxiliar, a professora não costuma levantar o tom de voz com os alunos, todavia ela demora mais a conseguir a atenção de todos. O professor auxiliar por outro lado exagera no autoritarismo, gritando constantemente com os alunos, o que me leva a pensar simplesmente que os alunos o temam e não necessariamente tenham respeito por ele, pois se trata de questões diferentes. Nesta turma, a elevação da voz com os alunos é o único meio pelo qual o professor consegue o controle da turma. Como visto, nas duas turmas, os professores acabam elevando a voz, sendo na Turma II esse método mais utilizado que na Turma I, para conseguir a atenção do aluno, fazendo com que ele se comporte. Cabe então a esses professores promoverem atividades que demonstrem que o respeito deve ser algo cultivado, que façam com que eles saibam escutar e dar mais atenção ao que é dito pelos professores, pois pelo que pude perceber não parece que os alunos das turmas tenham consciência realmente de que todo aquele aprendizado em sala de aula é de suma importância para o seu futuro como cidadão, ainda está em sua mentalidade a ida a escola como algo chato e obrigatório. A conquista dos objetivos propostos para o ensino fundamental depende de uma prática educativa que tenha como eixo a formação de um cidadão autônomo e participativo, conforme indicam os Parâmetros curriculares nacionais de 1997.
4.5 O DESENVOLVIMENTO DO CONTEÚDO E UTILIZAÇÃO DO TEMPO PEDAGÓGICO
183
Como já havia sido mencionado, eu percebo nas duas turmas analisadas uma clara deficiência quanto a organização do tempo pedagógico, consequentemente não respeitando o tempo mínimo que cada disciplina deveria ter, visto que Língua Portuguesa e Matemática são colocadas com muito maior prioridade do que aulas de História e Geografia. Dentre esse período de 3 meses que pude passar na escola, a Turma I só teve uma aula de Geografia, e duas de História, assim como a Turma II. Essa é uma situação muito preocupante, pois são matérias de cunho muito importante para a formação do aluno como cidadão crítico. Os professores se justificam por deficiências que os alunos possuem seja em ler ou escrever oriundas de séries passadas e que até hoje ainda não foram sanadas. Por essa razão, são importantes as atividades em que o professor seja somente um orientador do trabalho, cabendo aos alunos o planejamento e a execução, o que os levará a decidir e a vivenciar o resultado de suas decisões sobre o uso do tempo. (...) A vivência do controle do tempo pelos alunos se insere dentro de limites criteriosamente estabelecidos pelo professor, que se tornarão menos restritivos à medida que o grupo desenvolva sua autonomia, conforme indicam os Parâmetros curriculares nacionais de 1997. Podemos apresentar também que as atividades que são propostas em sala de aula não obedecem aos critérios de tempos previstos pelos professores, grande parte dos alunos não consegue cumprir esses prazos. É perceptível uma falta de orientação aos alunos na hora da execução dessas atividades propostas, a citar como exemplo uma atividade em grupo que presenciei na sala da Turma II, onde existia grupo em que os alunos estavam jogando a responsabilidade do trabalho apenas para um integrante, os professores não notaram isso, pois estavam na mesa conversando ou ainda mexendo no celular. Portanto, conclui-se que o desenvolvimento de conteúdo das disciplinas História e Geografia devido a falta de organização do tempo pedagógico seja o mínimo possível. Isso priva os alunos de certos conceitos que por eles devem ser adotados não só para um bom desempenho escolar, mas um bom desempenho social, segundo Audigier, a História possuí finalidades culturais, cívicas, patrimoniais e intelectuais.
4.6 AS AULAS As aulas na Turma I como um todo se dão por meio de uma abordagem magistral onde o professor prioriza a transmissão de conhecimento. Mesmo que se apoie sobre uma problemática eficaz e respeite as exigências de clareza na exposição, a aula magistral sempre mantém o aluno numa posição de assistente. (SCHMIDT/CAINELLI,2004). Colocando o aluno em tal posição de assistente, ele acaba por não participar da construção do seu saber, dificultando inclusive o desenvolvimento do principal princípio didático, a autonomia do aluno. Este é o sentido da autonomia como princípio didático geral proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma opção metodológica que considera a atuação do aluno na construção de seus próprios conhecimentos valoriza suas experiências, seus conhecimentos prévios e a interação professor aluno e aluno-aluno, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o aluno é dirigido por outrem a situações dirigidas pelo próprio aluno, conforme indicam os Parâmetros curriculares nacionais de 1997. Na Turma I, uma única vez percebi a professora passando uma atividade sobre Coleta Seletiva, um tema cujos alunos poderiam encontrar prática fora da sala de aula, no seu convívio social, se faz necessário que o professor saiba fazer essa ligação e provoque atividades onde os alunos percebam sua real utilidade. Na Turma II não se encontra muita diferença, pois a aula é ministrada de modo magistral, onde os professores fazem a exposição e o aluno apenas escuta.
184
(...) O que se procura é uma prática docente distanciada o mais possível da imagem do ―professorenciclopédia‖, detentor do saber, buscando a construção de um ―professor consultor‖, que contribui para a construção do conhecimento de seus alunos em sala de aula. (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p.30.)
4.7 FALA DOS DOCENTES E DISCENTES A fala dos docentes em sala de aula é algo a que se deve ser dada muito importância, pois podem ter fortes implicâncias na formação do aluno. Notou-se na Turma I que a professora usa uma linguagem coloquial com os alunos, e que se dirigi a todos por meio dos seus nomes, sem tratamento com apelidos, aliás, repreendendo esse ato, ou outras qualificações. Possui uma linguagem coerente quanto às chamadas de atenção sempre procurando fazer com que os alunos tenham a compreensão do que para eles é prejudicial e benéfico. Os alunos da Turma I são mais novos que os da Turma II, portanto usam uma linguagem um pouco mais infantil, repreendem algum colega que chama ―palavrão‖ (como presenciei uma vez), mas como é comum costumam se colocar apelidos. A professora deve prestar muita atenção nesse aspecto, pois uma brincadeira feita de forma incisiva por uma grande parte dos alunos da turma pode gerar alguns transtornos psicológicos, sem dúvida, portanto deve-se repreender esse tipo de atividade quando percebido. Por se tratarem de alunos um pouco mais velhos, na Turma II os alunos já fazem um maior uso em suas falas de gírias, assim como também praticam comumente a brincadeira de se colocarem apelidos. Todavia nesta turma ao invés de repreender tal ato, o professor auxiliar acaba incentivando, pois chama alguns alunos também por apelidos e até chega a colocar em alguns. Isso não pode acontecer, pois pode influenciar a baixa estima do aluno, contribuindo para que o mesmo chegue até a criar dificuldades ao se expressar em sala. Além disso, a linguagem dos dois professores da Turma II se faz de maneira coloquial, sempre procurando fazer com que os alunos compreendam o que se pretende ser transmitido.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Diante dos dados analisados podemos observar que as duas turmas enfrentam grandes problemas que atrapalham de forma direta e vital o desempenho de seus alunos, problemas que precisam ser solucionados com caráter de urgência para que esses alunos possam usufruir de uma educação de qualidade. Nota-se um desconforto quanto à infraestrutura oferecida pela escola, que não propicia aos alunos um ambiente devidamente climatizado. Existe uma nítida dificuldade dos profissionais de educação em planejar e organizar o seu tempo pedagógico. É dada uma maior ênfase a matérias como Língua Portuguesa e Matemática enquanto que outras como História e Geografia são praticamente deixadas de lado, com isso não cumprindo com a carga horária mínima que deve ser disponibilizada a tais disciplinas. Tornou-se possível perceber que a prática docente adotada pelos professores das duas turmas, a partir de uma abordagem de aula magistral, não colabora para um dos principais fatores a serem lapidados nos alunos, a sua autonomia. Um dos objetivos gerais do ensino fundamental: Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania. As práticas adotadas pelos profissionais não colaboram para o mencionado acima, pois não transmitem esse pertencer ao aluno diante de seu processo de aprendizagem. As atividades exercidas em sala de aula não colaboram para que o aluno aprenda a ter uma visão crítica e exerça uma boa cidadania. Pequenas atitudes podem imprimir aos alunos sentimentos muito importantes, como por exemplo, o fato dos armários situados em sala de aula permanecer
185
fechados, com a permissão apenas dos professores de abrirem, isso não colabora para que o aluno permita construir um pensamento de preservação de um bem comum para todos, é necessário que se dê responsabilidades reflexivas a esses alunos. O modo como se dirigir aos alunos também precisa ser analisado, fomentar brincadeiras de apelido em sala de aula não colabora para uma concepção de respeito ao próximo. Perante esses aspectos já mencionados até então, podemos perceber que falta um melhor direcionamento didático a esses profissionais, para que saibam lhe dar com os desafios encontrados em sala de aula e assim projetar os seus alunos na direção educacional que deve ser tomada.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desses dois meses em que duas turmas do 5º ano do ensino fundamental foram analisadas, podemos apreender como realmente está se dando o processo educacional dentro da sala de aula, que práticas docentes estão sendo adotadas, como está sendo feito o planejamento, o manejo com a classe, o uso de linguagens, como está sendo organizado o tempo, dentre outros fatores. A grande dificuldade de planejamento e organização do trabalho, a execução de atividades que não colaborem para a autonomia do aluno dentre outras capacidades que precisam ser instigadas, aulas de abordagem magistral onde o aluno é apenas ouvinte, mostra o quanto é necessário repensar as ações nesse contexto. Notou-se que a prática docente precisa ser revista por esses profissionais de modo que venham a seguir os Parâmetros Curriculares Nacionais e possam desenvolver atividades em sala que estimulem as capacidades necessárias ao seu respectivo ano. Os Parâmetros Curriculares Nacionais abarcam todos os itens necessários para a execução de uma boa didática, sem dúvida procurando seguir suas orientações às turmas poderão apresentar um maior desempenho educacional. Portanto, o conhecimento detalhado que estamos buscando oferecer com essa pesquisa sobre o que ocorre em sala de aula, se faz de suma importância, pois essa aproximação com a realidade escolar poderá ajudar aos cursos de licenciaturas a preparem de maneira mais eficaz seus acadêmicos para o futuro que lhes aguarda.
REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli D.A. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília: Liber Livro, 2005 ________________ Etnografia da Prática Escola. Campinas. 13ª Ed. SP: Papirus, 1995 BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação. Brasília, 1997/1998.
_________________________________. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Caderno História e geografia. Caderno História e geografia. Brasília. __________________________________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e geografia, Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997. PONTUSCHKA, Nidia Nacib, PAGANELLI, Tomoko, CACETE, Núria. Para Ensinar e aprender Geografia. 1º ed. São Paulo: Cortez, 2007. BRZEZINSKI, I. História e geografia, pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus, 2000. CARLOS, Ana Fani Alessandri (org). A Geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1999. CASTROGIOVANNI, A. C. (Org.). Ensino da Geografia: práticas e textualizações no Cotidiano. 2. Ed. Porto Alegre: Mediação, 2000.
186
CAVALCANTI, L. de S. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002. COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. DIAS, Maria Aparecida Lima. Aprendendo a escrever nas aulas de História. In Nova Escola. Revista Eletrônica. 2004. ________________________. Relações entre língua escrita e consciência histórica em produções textuais de crianças e adolescentes. Tese de Doutorado, USP. São Paulo: 2006. FAZENDA, Ivani. Dificuldades comuns entre os que pesquisam em educação. In: Fazenda I. (org.) Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2000. GOLDENBERG, Mirian. A Arte de Pesquisa. Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 10ª Ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2007. HORN, Geraldo Bauduino. O ensino de História e seu Currículo. Teoria e Método. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2006. LUDKE, Menga, ANDRE, Marli. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986 NEMI, Ana Lúcia. Didática de História: o tempo vivido: outra história? São Paulo: FTD, 1996. INEP. http://idep.inep.gov.br/site. Consulta ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Acesso em 12/6/2007, às 18h30min. PICARD, Georges. Todo mundo deveria escrever. A escrita como disciplina de pensamento. São Paulo: Parábola Editora, 2008. SAMARA, Eni de Mesquita. História e Documento e Metodologia da Pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. SAVIANE, Nereide. Saber Escolar, Currículo e Didática. Problemas da unidadeconteúdo/método no processo pedagógico. 4ª Ed. Campinas: Autores Associado; 2003. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2004. SOUZA, J. G. de & KATUTA, A. M. Geografia e conhecimento cartográfico. São Paulo: UNESP, 2001. VIGOTSKI, Lev Seminovich. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 1993.
187
EDUCAÇÃO FÍSICA INCLUSIVA: o desenvolvimento psicomotor e a síndrome de down
Rafael Costa MARTINS (FIBRA) A Educação Física é uma disciplina que trata, pedagogicamente, do conhecimento da Cultura Corporal de Movimento, constituindo-se em atividades corporais como o jogo, os esportes, as lutas, as ginásticas e a capoeira. Diante dessas possibilidades, o objetivo precípuo deste trabalho é de mostrar dados teóricos acerca das principais características psicomotoras de pessoas com Síndrome de Down. O trabalho se respalda na necessidade de apresentar a aplicabilidade das atividades lúdico-esportivas, contidas nos conteúdos obrigatórios da disciplina Educação Física Escolar, para que, a partir deste conhecimento, discutam-se possibilidades de uma melhor atuação do professor, auxiliando-o em sua prática metodológica, proporcionando um melhor desenvolvimento psicomotor em crianças com Síndrome de Down. A metodologia utilizada foi a de uma pesquisa qualitativa, através de uma revisão bibliográfica acerca do tema abordado. Assim, concluiu-se que o professor de Educação Física deve despertar no aluno com Síndrome de Down a possibilidade de descoberta do próprio corpo, através de atividades que envolvam habilidades psicomotoras, para que as dimensões do comportamento e desenvolvimento motor sejam maximizadas e melhor aproveitadas pelo educando. Palavras-chave: Educação Física, Síndrome de Down, Desenvolvimento Psicomotor.
1 INTRODUÇÃO A educação brasileira é um tema bastante abordado em seminários, encontros escolares, palestras, conversas informais entre professores e escolares de um modo geral. E a escola tem um papel fundamental de formação social na vida de um indivíduo, é neste ambiente que ocorrem as primeiras experiências externas, as quais darão suporte para a construção de cidadãos responsáveis com seus direitos e deveres, para viver harmonicamente em sociedade, em um processo de inclusão, de integração social. De acordo com Forti e Cabral (2006, p. 175): A temática da inclusão escolar tem sido amplamente discutida por muitos autores que vêem os benefícios que este tipo de prática proporciona para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças ao serem inseridas em um ambiente que há pouco tempo atrás nem se imaginava possível, uma vez que a segregação de crianças com necessidades educativas especiais, do convívio social era uma prática corrente. A inclusão traz uma idéia de igualdade de direitos e, principalmente o respeito às diferenças, ao afirmar que independente das necessidades especiais todas as crianças têm o direito de frequentar uma escola regular e aprender os conceitos trabalhados.
A Educação Física Escolar é fundamental para estimular o desenvolvimento das crianças nos diversos aspectos, isto é, cognitivo, afetivo-social e motor, e as crianças com Síndrome de Down (SD) também devem ser beneficiadas com as atividades ministradas nas aulas de Educação Física (EF), com as demais crianças, numa perspectiva inclusiva, propiciando a oportunidade a todas de conviverem com as diferenças. Esta proposta de ―educação para todos‖ contribui com elementos ratificadores de inclusão para combater ações discriminatórias no ambiente escolar, seguindo uma orientação inclusiva e participativa dessa comunidade. Segundo Souza (2010), a Declaração de Salamanca 164 apresentou o papel da escola regular na educação de alunos de Necessidades Educacionais Especiais (NEE), propondo a inclusão escolar de crianças com deficiência no ensino regular. Entender o processo de desenvolvimento motor de uma criança que possui suas habilidades motoras e funcionais normais é importante, então o que dizer sobre a importância e eficácia para uma criança com deficiência. Compreender que para cada fase da criança há uma fase de seu desenvolvimento motor, conhecendo as possibilidades que cada criança terá ao longo de todo seu desenvolvimento. Levando em consideração o que diz Trindade et al (2004, p. 3): 164
Conferência Mundial em Educação Especial organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a Unesco, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994.
188
Os PNE‘s, geralmente têm grande dificuldade de desenvolver certas atividades, fazendo com que os mesmos não se interessem em praticá-las. A escola é um grande exemplo disso, os portadores de necessidades especiais nem sempre estão dispostos a praticar as atividades orientadas pelos educadores, ou mesmo se interessam em estudar, em conseqüência da sua ―distinção‖ dentro da sociedade. Eles se vêem diferente dos demais alunos, muitas vezes com receios de integração com eles.
Considerando esta perspectiva, para a Educação Física Escolar (EFE), torna-se necessário pensar possibilidades que proporcionem a compreensão sobre a importância de se assumir os conhecimentos do desenvolvimento motor e da psicomotricidade como essenciais nas aulas dessa disciplina, tendo em vista a construção de um processo de aprendizagem global para os indivíduos. Nesse sentido, o objetivo da EF é trabalhar de maneira harmônica o corpo e a mente, havendo um equilíbrio entre o que o corpo expressa e a mente pensa. Desta forma, a educação através do movimento se apresenta com o desenvolvimento das habilidades como correr, andar, saltar, empurrar, arremessar, subir, descer; das capacidades físicas como destreza, agilidade, velocidade; e ainda das qualidades físicas como, por exemplo, força, resistência muscular e localizada, resistência aeróbia e anaeróbia, podendo este conteúdo ser distribuído durante todo o período escolar. Sendo ainda possível de se desenvolver esses movimentos básicos e habilidades fundamentais através de atividades lúdicas, favorecendo a participação de maneira ativa das crianças com SD. Desta forma, Cotrim (s/d, p. 7) afirma que Esse processo da aquisição de aprendizagem na criança com Síndrome de Down depende muito da escola e dos profissionais que se propõem a motivar a criança com atos de ensino diferenciado, buscando utilizar desafios com estratégias e treinamentos adequados às condições de cada criança Down. (...) a criança com Síndrome de Down deve ser estimulada desde o nascimento, como todas as outras crianças, para desenvolver o interesse e habilidades necessárias de aquisição e evolução das funções cognitivas e motoras. O desenvolvimento psicomotor está relacionado à motricidade que se realiza através da evolução de influências ambientais e, especialmente relacionais.
Diante disso, o presente artigo apresentará possibilidades de atividades lúdico-esportivas contidas nos conteúdos obrigatórios da disciplina EFE, com o objetivo de demonstrar o desenvolvimento psicomotor de crianças com SD através da utilização dessas atividades, mostrando aos profissionais de EF e demais áreas que é possível realizar trabalhos sistemáticos de desenvolvimento motor com este segmento. A metodologia utilizada neste trabalho será de uma revisão bibliográfica acerca do tema proposto.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A SÍNDROME DE DOWN Em 1866 um médico inglês chamado John Langdon Down foi quem descreveu as primeiras características físicas faciais sobre a Síndrome de Down (SD), comparou pessoas da raça Mongol com crianças que nasciam com esta síndrome, devido a isso, estabeleceu associações étnicas erroneamente, chamando na época de ―idiotia mongolóide‖, mesmo assim foi homenageado recebendo a doença o seu nome, Down. Segundo Moreira et al (2000, p. 96) essa síndrome é uma condição genética identificada por John Langdon Down, médico inglês que fez uma minuciosa descrição a respeito desta doença em 1866, determinando algumas características étnicas de maneira equivocada, pois seguia tendências de sua época, fazendo associações entre a síndrome e indivíduos oriundos da Mongólia, denominando de idiotia mongolóide. A grande família Mongólica apresenta numerosos representantes e pretendo neste artigo chamar atenção para o grande número de idiotas congênitos que são Mongóis típicos. O seu aspecto é tão marcante que é difícil acreditar que são filhos do mesmo pai... O cabelo não é preto como, em um Mongol típico, mas de cor castanha, liso e escasso. A face é achatada e larga. Os olhos posicionados em linha oblíqua, com cantos internos afastados. A fenda pálpebra é muito curta. Os lábios são grossos, com fissuras transversais. A língua é grande e larga. O nariz, pequeno. A pele, ligeiramente amarelada e com elasticidade deficiente. É difícil
189
acreditar que se trate de um europeu, mas pela freqüência com que estas características são observadas, não há dúvida de que estes aspectos étnicos resultam de degeneração. O tipo de idiotia Mongólica ocorre em mais de 10% dos casos que tenho observado. São sempre idiotas congênitos e nunca resultam após a vida uterina. Eles são, na maioria, exemplos de degeneração originada de tuberculose nos pais.
Posteriormente, reconhecido o diagnóstico pelo médico surgiram diversas contribuições para desmistificar o preconceito que as pessoas tinham a respeito aos nascidos com esta síndrome, excluindo os termos inapropriados como ―mongolismo‖, ―mongolóide‖ e ―Mongol‖, que felizmente nos dias atuais estes termos não são mais usados por terem conotações negativas e preconceituosas. Segundo o que afirma Lefevre (1981 apud ORNELAS, 2001, p. 79), ela ocorre da seguinte forma: No momento da concepção, cada célula germinativa apresenta 23 cromossomos, somando, assim, 46; esses cromossomos são dispostos em 23 pares. Nos indivíduos com Síndrome de Down, ocorre um acidente biológico em que uma das células germinativas apresenta-se com 24 cromossomos, fazendo com o individuo fique com 47 cromossomos em cada célula, sendo 3 no par 21. Isto é, a criança Down apresenta um cromossomo extra nas células de seu organismo e é esse cromossomo que produz as alterações no seu desenvolvimento físico e mental.
Além de causar um comprometimento intelectual com graus variáveis de dificuldades físicas e cognitivas, esta síndrome causa atraso no seu desenvolvimento, outros problemas podem acompanhar o portador desta síndrome, como por exemplo, Cardiopatia Congênita (50%); Hipotonia (100%); problemas de Audição (50-70%); de Visão (15-50%); alterações na Coluna Cervical (1-10%); Distúrbios da Tireóide (15%); problemas Neurológicos (5-10%); Obesidade e Envelhecimento Precoce; dificuldades na Coordenação Motora Geral e Fina também são encontradas em crianças com SD (MATOS et al 2007, p. 78). No desenvolvimento motor de pessoas com SD, destacam-se as especificidades do aparelho locomotor como frouxidão ligamentar (principalmente na articulação coxo-femural), frouxidão dos ligamentos fundamentais para estabilização da articulação entre as vértebras atlas e axis (localizadas na coluna cervical), hipermobilidade patelar, ou seja, essas pessoas podem encontrar severas dificuldades em realizar tarefas que exigem mais controle da lateralidade, o uso de vários membros de maneira simultânea. Segundo Morais (2011, p. 4): Além de seu desenvolvimento cognitivo e motor, seu comportamento e a forma de se relacionar com os demais têm fundamental reflexo ao ambiente em que este convive, desde o ambiente familiar, o escolar é o mais ampliado; em que o profissional de Educação Física na fase infantil de qualquer criança possui ampla capacidade de intervir na formação de indivíduos mais saudáveis e socialmente preparados para pensar, agir e participar no meio em que vivem.
Mas isto não impede que estas pessoas realizem determinados tipos de atividades, na verdade, ocorre que a realização de atividades motoras executadas sistematicamente favorece o fortalecimento do tônus muscular desses indivíduos, além do que, tratando-se do ponto de vista sócio-educacional, dependendo do potencial genético e dos estímulos precoces oferecidos pelo meio, a criança com SD possui grandes chances de desenvolver suas habilidades e potencialidades motoras. Dessa forma, entende-se que há uma necessidade precoce de oferecer um trabalho de estimulação para desenvolver os movimentos e o raciocínio das pessoas que apresentam esta síndrome. Assim, a EF, favorece de maneira essencial a estimulação dos alunos, permitindo seu melhor desempenho em suas atividades diárias, enriquecendo sua relação interpessoal no seio familiar e no ambiente escolar. A psicomotricidade permite aos indivíduos relacionarem-se com o meio a partir de suas capacidades motoras, segundo suas condições neurológicas, periféricas, cognitivas e consciência da imagem de seu próprio corpo no espaço, levando em consideração que a criança é uma especialista em brinquedos e brincadeiras. Segundo Santos e Oliveira (2010 apud MORAIS 2011), ―o brincar é uma atividade inerente ao ser humano, fez parte de sua
190
natureza humana, e favorece tanto o desenvolvimento da criança dita ―normal‖ como da criança portadora de alguma deficiência‖.
2.2 O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR A Psicomotricidade165 integra várias ações trabalhando todas as partes do corpo, tendo ainda uma íntima relação com a afetividade, o raciocínio e a inteligência, proporcionando a educação dos movimentos corporais através da mente. As vivências nos primeiros anos de vida de um indivíduo vão sendo armazenadas e acumuladas na medida em que este vai interagindo com o meio, favorecendo no seu processo de desenvolvimento, e ao longo deste processo, seu amadurecimento orgânico e social vai acontecendo cada vez mais rápido. O desenvolvimento motor se manifesta por modificações no comportamento motor ao longo da vida, de modo que a pessoa aprende a se mover com eficiência e a controlar, a se adaptar às constantes alterações do meio (BONOMO, 2010, p. 724). Além disso, a psicomotricidade é formada por três elementos chaves que integram a base educação psicomotora, que são: a educação psicomotora, a reeducação psicomotora e a terapia psicomotora. A educação psicomotora atua diretamente na base da formação de um indivíduo, possibilitando através do seu próprio corpo o seu desenvolvimento integral; a reeducação psicomotora age através da reabilitação auxiliando nas funções prejudicadas; e a terapia psicomotora leva em consideração o ser biopsicossocial, constituindo o ser (individuo) por meio da emoção, afetividade e expressividade. De acordo com Santos (2003, p. 41): As três áreas da psicomotricidade têm em comum as estruturas psicomotoras como objetos gerais a serem desenvolvidos. Assim, Esquema corporal, Imagem corporal, estruturação Espaço-temporal, Lateralidade, Coordenação motora ampla, Coordenação motora fina, Equilíbrio e Ritmo, estruturas específicas da função psicomotora, se articulam com as funções, cognitivas, afetivas e sociais formando a saúde Bio-psico-social do sujeito.
O desenvolvimento motor além de ser um processo gradual e continuo, caracteriza-se por ser cronológico, sequencial, pois se relaciona com a idade do individuo, possibilitando a progressão de movimentos mais simples aos mais complexos, fazendo os ajustes necessários e adaptando-se até a velhice do mesmo. De acordo com Gonçalves et al (1995, p. 11):
Do inicio ao fim da vida, o comportamento motor muda. Algumas destas mudanças são drásticas e ocorrem na fase da infância e adolescência, outras são mais modestas e acontecem na fase adulta, posteriormente percebe-se uma regressão nos movimentos com os anos da vida avançada.
Assim, a interação da criança com o meio em que vive é de fundamental importância para aquisição e aperfeiçoamento de suas habilidades motoras e cognitivas, o movimento corporal é a base primordial para essa interação. Logo, as relações motoras, afetivas e cognitivas permitem às crianças explorar seu universo com mais propriedade, com mais organização. O processo de desenvolvimento motor166 de um indivíduo ocorre de maneira progressiva, e isso a partir das fases sequenciais que são: Motora Reflexa; Movimentos Rudimentares; Movimentos Fundamentais e Movimentos Especializados, onde são influenciados pelas características biológicas do individuo e pelas condições ambientais.
165
A psicomotricidade é a relação entre o pensamento e a ação envolvendo a emoção. Assim, a psicomotricidade como ciência da educação procura educar o movimento, ao mesmo tempo em que envolve as funções da Inteligência. Portanto, o intelecto se constrói a partir do exercício físico, que tem uma importância fundamental no desenvolvimento não só do corpo, mas também da mente e da emotividade. Sem o suporte psicomotor, o pensamento não poderá ter acesso aos símbolos e à abstração. (SANTOS, Rosângela Pires dos. Psicomotricidade. Ieditora. São Paulo – SP. (s/d), p. 4). 166 Mudança interna no domínio motor do individuo, deduzida de uma melhoria relativamente em seu desempenho, como resultado da prática. No contexto educativo se promove no conjunto de atividades globais da criança. No contexto esportivo-competitivo estuda e aprimora a
191
A fase dos Movimentos Reflexos surge a partir da 8ª semana de vida intra-uterina até o 4º mês de nascimento, os movimentos que compõem o repertório motor do ser humano são predominantemente de natureza reflexiva. Para Gallahue (2002, p. 109): Os movimentos reflexivos são controlados subcorticalmente e como resultado, involuntários. Embora todos nós possuímos uma variedade de reflexos primitivos, eles apresentam importância especial em sua forma de postura durante a infância precoce.
A fase dos Movimentos Rudimentares ocorre no período de 1 a 2 anos de idade, são as primeiras formas de movimentos voluntários que permitem o controle postural, movimentos de manipulação e locomoção. Envolvem habilidades básicas de estabilidade, tais como ganhar o controle dos músculos da cabeça e do tronco; as habilidades manipuladoras como alcançar, agarrar e soltar objetos; e as habilidades locomotoras, tais como rastejar, engatinhar e andar apoiando-se (GALLAHUE, 2002, p. 110). A fase dos Movimentos Fundamentais estende-se dos 2 aos 7 anos de idade, nesse momento a criança adquire uma série de movimentos que ampliam sua capacidade de atuação no ambiente. Nesta fase ela passa por mudanças gradativamente que podem levá-la a atingir formas de movimento formas de bem eficientes e comparáveis à execução de movimentos do adulto. Confirmando Gallahue (2002, p. 110) diz que Os movimentos fundamentais constituem habilidades de coordenação motora grossa comuns à vida diária e tipicamente dominadas durante a infância. Incluem os movimentos fundamentais de estabilidade, tais como sentar, ficar de pé, flexionar, alongar, torcer e girar. Também incluem ações motoras fundamentais como correr, saltar, dançar e arremessar, e tarefas fundamentais de manipulação de objetos, tais como arremessar, agarrar, chutar e o dar um toque.
A fase dos Movimentos Especializados depende de alguns fatores da tarefa, individuais e ambientais, podendo ser dividida em três estágios. O Estágio Transitório, em que as crianças entre sete e oito anos de idade geralmente entram em um estágio de habilidades motoras transitório, onde começam a combinar e a aplicar habilidades motoras fundamentais do desempenho de habilidades motoras especializadas em atividades esportivas e recreativas. Para confirmar, Gallahue (2002, p. 110) alega que Os movimentos especializados, ou os movimentos complexos como às vezes são denominados, constituem movimentos fundamentais que foram refinados ou combinados com outros movimentos de forma mais complexas. São tipicamente dominados no final da infância e pouco mais tarde podem se apresentar na forma de habilidades mais complexas na vida diária, nas atividades de recreação, e no esporte competitivo. Caminhar sobre uma superfície escorregadia, esquiar e realizar uma rotina competitiva de ginástica sobre uma barra de equilíbrio constituem exemplos de habilidades especializadas.
2.3 A EDUCAÇÃO FÍSICA E O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR A prática da EF no ambiente escolar para alguns profissionais de outras áreas até hoje não é considerada como um conteúdo que proporcione a formação educativa dos alunos no ambiente escolar desconsidera a importância dessa área para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor dos alunos, evidenciando-se muitas vezes, atitudes discriminatórias para com os profissionais que atuam nesta área. A EF tem o papel de oportunizar as crianças à liberdade de mover-se usando sua criatividade, sua bagagem cultural, significa estabelecer vivências que irão promover o desenvolver de habilidades motoras fundamentais por meio dos padrões básicos de movimento. E são essas oportunidades de aprendizado que o professor de EF aquisição de desempenho-performance técnico de habilidades motoras isoladas. (PALAFOX, Gabriel Humberto M. Aprendizagem e desenvolvimento motor: conceitos básicos. FAEFI. Nepecc/UFU). (s/d).
192
diferencia-se dos outros professores, pois o mesmo sabe da importância das vivências ocorridas através do corpo, do movimentar. Quando se defende a relação entre EF e Psicomotricidade e considera os elementos da motricidade humana de forma geral, pensa-se num processo de aprendizagem que possibilite concretamente a relação entre os vários aspectos do desenvolvimento humano, englobando o motor, intelectual, afetivo e o social da criança e os estudos atuais demonstram o quanto à relação entre esses elementos é inevitável quando o ser humano encontra-se em atividade, estabelecendo relações sociais. Nesse movimento o individuo estabelece consigo mesmo relações com a sua totalidade corporal e com o mundo material e simbólico à sua volta, e nesse processo desenvolve-se suas áreas psicomotoras. Vejamos agora alguns conceitos referendados por Gonçalves e Cavalari (2010): Coordenação Global, essa atividade diz respeito à atividade dos grandes músculos, onde levam a criança a adquirir dissociação dos movimentos ao mesmo tempo. Diversas atividades levam a conscientização global do corpo, como: andar, correr, saltar, rolar, pular, arrastar, nadar e sentar (p. 92). Esquema Corporal, o corpo é uma forma de expressão da individualidade, é através dele que se estabelece o contato com o mundo. Este deve ser entendido não somente como algo biológico e orgânico que possibilita a visão, a audição, o movimento, mas também um lugar que permite expressar emoções (p. 93). Lateralidade é o domínio que o ser humano possui de utilizar preferencialmente mais de um lado do corpo do que o outro. A lateralidade corresponde a dados neurológicos sendo também influenciados, por certos hábitos sociais. A lateralidade faz com que a criança faça um a relação entre as coisas existentes em seu meio, e só apresenta uma lateralidade definida quando há uma consciência dos lados direito e esquerdo de seu corpo e opta para identificar no outro esses conceitos e no espaço que o cerca (p. 94). Estruturação Espacial é através dos espaços e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, onde estabelecemos relações com as coisas, enxergando as semelhanças e diferenças entre elas. A estruturação espacial é a tomada de consciência da situação do corpo e o conhecimento preciso de sua posição em relação ao mundo exterior (p. 95). Estrutura Temporal, as ações do corpo, espaço, têm que estar ligadas se quisermos compreender o movimento humano, o corpo se coordena, se movimenta continuamente dentro de um espaço determinado, em função do tempo, em relação a um sistema de referência. Vivemos em um tempo dinâmico, também chamado de tempo experiência, onde o fluxo do tempo perpassa pelas noções de passado, presente e futuro (p. 95).
O professor de EF deve estar apto para entender o desenvolvimento motor de seus alunos, suas individualidades próprias do período de desenvolvimento que corresponde à sua faixa etária, deve ser capaz de perceber e observar o desempenho e atitudes propostas em suas aulas. Podemos observar a seguir, atividades psicomotoras sugeridas por Alves (2003 apud NUNES 2005, p. 24) que favorecem ao desenvolvimento psicomotor e que podem ser utilizadas nas aulas de EF dentro e fora das escolas: Mímica – esculturas (exploração do próprio corpo); adivinhação (o quê é, o quê é?); nomear partes do corpo (dos colegas, dos bonecos); juntar partes do corpo de um boneco num quebra-cabeça; desenhar uma figura humana, parte por parte. Colocar mãos sobre o contorno de mãos desenhadas pela parede; colocar pés sobre o contorno de pés desenhadas no chão; fazer gestos diante do espelho; colocar um fio esticado verticalmente entre o teto e o chão. Rolar no chão; engatinhar para frente e para trás; andar, correr, pular, dançar, subir; relaxar e tensionar partes do corpo; chutar bolas. Escolher arroz ou feijão; montar em quebra-cabeça; modular com massa ou argila; rasgar e amassar vários tipos de papel; tocar qualquer instrumento de teclado; recortar com o dedo; recortar com a tesoura; colar, pintar; perfurar, dobrar; modular, bordar, traçar; contornar. Reproduzir ritmos variados com o próprio corpo e com objetos; ouvir histórias, ou músicas que contém histórias; ordenar cartões com figuras. Pedir que todos andem pelo ambiente, explorando-o; jogar amarelinha; montar quebra-cabeça; obedecer ordens como: colocar o lápis em cima da mesa, a caneta me baixo da cadeira, etc.; arremessar bolas em espaços determinados; traçar uma linha entre contornos de linhas paralelas sem tocá-las.
Mesmo sabendo da importância dessas atividades psicomotoras sugeridas para as aulas de EFE; sabe-se da falta de professores qualificados para atuar com Pessoas com Necessidades Especiais (PNE), devido a sua própria formação acadêmica, e em especial o profissional de EF, o qual, em sua maioria, tem em sua formação pedagógica a ênfase no desenvolvimento das capacidades e habilidades físicas, priorizando o desempenho técnico, enquanto que o corpo é tratado como apenas um objeto de consumo, em detrimento das disciplinas pedagógicas. Corroborando o escrito acima sobre os profissionais de EF, e em especial às PNE referente a este estudo, Cidade e Freitas (2002, p. 27 apud AGUIAR 2005, p. 224):
193
No que concerne à área da Educação Física, a Educação Física Adaptada surgiu oficialmente nos cursos de graduação, por meio da resolução 03/87, do Conselho Federal de Educação, que prevê a atuação do professor de Educação Física com o portador de deficiência e outras necessidades especiais. A nosso ver, esta é uma das razões pelas quais muitos professores de Educação Física, hoje atuando nas escolas, não receberam em sua formação conteúdos e/ou assuntos pertinentes à Educação Física Adaptada ou à inclusão.
A participação dos alunos com necessidades especiais nas aulas de EF pode trazer muitos benefícios aos mesmos, como por exemplo, o desenvolvimento motor, intelectual, social em particular o desenvolvimento das capacidades afetivas, inserindo e integrando estes alunos na sociedade, pois este é um dos papeis da EF. Assim, aquelas habilidades psicomotoras coordenação geral, fina, esquema corporal lateralidade, orientação espacial e temporal, citadas acima, se relacionam diretamente com o meio, sendo a Cultura Corporal de Movimento a razão pedagógica do agir comunicativo para a construção de um comportamento psicomotor cada vez adaptado as necessidades que a mesma exige, coerente com todo o processo da realidade educacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A EFE possui uma estreita relação com a psicomotricidade, pois esta aplicada corretamente através das aulas de EF, proporciona um pleno desenvolvimento integral do individuo, seja nos aspectos afetivo, cognitivo e social, independente de sua classe social, cor, credo e deficiência. Mas para que isso ocorra, é preciso que o profissional da área tenha conhecimento, e qualificação para desenvolver tais atividades com seus alunos ditos ―normais‖ ou com deficiência, favorecendo o surgimento de novas habilidades nos mesmos, tendo a consciência de que seu trabalho vai além de aplicações desportivas. Tendo a clareza de que a psicomotricidade valoriza no ser a capacidade de experimentar sensações através da realização de movimentos pelo seu próprio corpo, as aulas de EF associadas às atividades psicomotoras proporcionam uma consciência corporal que desenvolve o pensar, o sentir e o agir nas crianças com SD, tornandoas mais ativas e autônomas em suas experiências pessoais e profissionais. Por isso, levando em consideração essas análises, para o professor de EF é de fundamental importância pensar em possibilidades que despertem a compreensão sobre os conhecimentos do desenvolvimento motor, através da psicomotricidade, como essenciais nas aulas de EFE para todos os alunos de um modo geral, ampliando as dimensões do comportamento da criança com ou sem deficiência, considerando seus interesses e necessidades para que haja então seu desenvolvimento psicomotor. REFERÊNCIAS AGUIAR, João Serapião de; DUARTE, Édison. Educação Inclusiva: um estudo na área da educação física. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, mai.-ago. 2005. v. 11, n.2, p. 223-240. BONOMO, LMM; ROSSETTI, CB. Aspectos percepto-motores e cognitivos do desenvolvimento de crianças com síndrome de down. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. 2010; 20(3) 723-734. COTRIM, Diana Barbado. A psicomotricidade como instrumento pedagógico para crianças com síndrome de down. UNIFAI, (s/d). FORTI, Ana Luisa da Silva; CABRAL, Erivaldo. A criança portadora de síndrome de down e a inclusão escolar. Movimento e Percepção, Espirito Santo de Pinhal, SP, v.6, n.8, jan./jun. 2006. GALLAHUE, David L. A classificação das habilidades de movimento: um caso para modelos multidimensionais. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 13, n. 2 p. 105-111, 2 sem. 2002. GONÇALVES, Giselda de Angela Costa et al. Desenvolvimento motor na teoria dos sistemas dinâmicos. MOTRIZ – v. 1, n. 1, 08-14. Junho, 1995.
194
GONÇALVES, Francisca Ivone de Jesus; CAVALARI, Nilton. Desenvolvimento da psicomotricidade. Caderno Multidisciplinar de Pós-Graduação da UCP. Pitanga. v. 1. n. 4. p. 89-101, abr. 2010. MATOS, Sócrates Bezerra de; et al. Síndrome de Down: avanços e perspectivas. Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ihéus – BA. Revista Saúde.Com 2007; 3(2):77-86. MORAIS, Suzianne; VILLELA, Pollyana. A atuação do profissional de educação física no desenvolvimento motor em portadores de síndrome de down. IVEDIPE – Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino. GO, 2011. MOREIRA. Lília MA et al. A síndrome de down e sua patogênese: considerações sobre o determinismo genético. Revista Bras. Psiquiatria. 2000; 22(2);96-9. NUNES, Cátia Aparecida. A psicomotricidade na educação infantil. UCM, Pós-Graduação Lato Sensu. Projeto Vez do Mestre. 2005. ORNELAS, Márcia Abrantes; SOUZA, Celso. A contribuição do profissional de educação física na estimulação essencial em crianças com síndrome de down. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 12, n. 1, p. 77-88, 1. sem. 2001. PALAFOX, Gabriel Humberto M. Aprendizagem e desenvolvimento motor: conceitos básicos. FAEFI. Nepecc/UFU. (s/d). SANTOS, Denise Guerra dos. Brinquedos cantados na psicomotricidade. UCM, Pós-Graduação Lato Sensu. Projeto Vez do Mestre. Rio de Janeiro, 2003. SANTOS, Rosângela Pires dos. Psicomotricidade. Ieditora. São Paulo – SP. (s/d). SOUZA, G. K. P. de. Inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas aulas de educação física do ensino regular: concepções, atitudes e capacitações dos professores. 2010. TRINDADE, Driele Cendon; TRINDADE, Sormânia Pereira; LIMA, Tales Câmara de. O lúdico na pedagogia com portadores de necessidades especiais – PNE‟s. Holos, ano 20, outubro, 2004. UNESCO/ MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA DA ESPANHA/ CORDE: Declaração de salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: 1994.
195
OS JOGOS MATEMÁTICOS E A APRENDIZAGEM DOS NÚMEROS INTEIROS ENTRE ESTUDANTES DO 7º ANO
Meriã Thyele Sozar de OLIVEIRA (FIBRA) José de Ribamar Miranda Marinho (FIBRA) O artigo apresenta uma reflexão de como trabalhar a matemática nas escolas, visando um melhor desempenho dos alunos e uma forma didática prazerosa de se trabalhar dentro de sala de aula, onde o aluno ao interagir com seus colegas cria o hábito de comunicar-se e trocar idéias, visando um processo de auto-independência e confiança no que está empenhado para realizar ou aprender. O trabalho realizado em campo é constituído de 7 etapas sendo distribuídas em duas turma da mesma serie, onde o professor utilizará em uma das turmas de recursos diferenciados para trabalhar em sala, e a cada passo a uma observação sobre o desempenho desses alunos, e assim visando mostrar a importância dos jogos lúdicos como recurso didático e metodológico na matemática. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem, Ludicidade, Metodologia, Auto-independência.
1.
INTRODUÇÃO Até não muito tempo atrás se acreditava que os alunos aprendam acumulando as informações dados pelo
professor, que escrevia, explicava e ensinava regras. As falhas no processo de aprendizagem eram justificadas pelas pouca atenção, capacidade ou interesse do aluno ou, raramente, pela falta de didática do professor. Sabemos, entretanto, que cada aluno tem um modo próprio de pensar e que este varia em cada fase da vida, estando seu pensamento em constante processo de mudança. A psicologia cognitiva tenta responder as questões surgidas, sem negar completamente a importância da transmissão de informações e regras, mas priorizando a busca da compreensão daquilo que se aprende. A aprendizagem através da compreensão e um processo pessoal e único. Ocorre apenas no interior do individuo, embora esteja relacionado a elementos externos, exigindo do raciocínio o que em geral é deixado apenas a serviço da memória. As ligações do individuo com o mundo possibilitando-lhe relacionar fatos, estruturar idéias e organizar informações, interiorizando-os. Através de experiências realizadas com materiais concretos, o aluno desenvolve o gosto pelo prazer da descoberta, para enfrentar desafios e de vencê-los, desenvolvendo hábitos e costumes que o conduzirão mais tarde a ser um individuo autônomo e capacitado a agir. De acordo com a teoria construtivista, a aprendizagem ocorre através da coordenação e re-coordenação de ações, inicialmente efetuadas sobre objetos concretos aumentando-se, gradativamente o nível de abstração e de formalização. Esta aprendizagem será mais presente através da interação social, onde os alunos possam manifestar seus próprios pontos de vistas e, quando houver discordância por falta de domínios conceituais ou de habilidades, chegar à superação desta fase, coletivamente. Onde o professor orientara e promovera atividades e será um condutor de conhecimentos.
1.
A IMPORTÂNCIA DO MATERIAL CONCRETO Dentro desta teoria, o material concreto tem fundamental importância. A partir de uma utilização adequada
do mesmo os alunos passam a ter uma nova visão do que seja matemática, vencendo os mitos e preconceitos negativos de que esta é uma disciplina cujo aprendizado é difícil e superam os bloqueios de aprendizagem surgidos destas crenças. O ensino é complementado através da formação de idéias, imagens e esquemas surgidos das ações executadas sobre o material e os professores de matemática passam a executar seu trabalho enfrentado uma menor reação do aluno, tornando a aprendizagem eficaz. A atividade com o material concreto esta voltada não apenas para o desenvolvimento de conteúdos específicos de matemática, mas também de habilidades que enriquecerão a formação geral do aluno, auxiliando-o a:
196
a)
Ampliar sua linguagem e promover a comunicação de idéias matemáticas;
b) Adquirir estratégias de resolução de problemas e de planejamento de ações; c)
Desenvolver sua capacidade de fazer estimativas e calculo mentais.
d) Inicia-se nos métodos de investigação cientifica e na notação matemática; e)
Estimular sua concentração, raciocínio, perseverança e criatividade;
f)
Promover a troca de idéias através de atividades em grupo;
g) Estimular sua compreensão de regras, sua percepção espacial, discriminação visual e a formação e fixação de conceitos.
2.
COMO SE TRABALHAR COM MATERIAL CONCRETO Como todo recurso pedagógico, a utilização do material concreto em sala de aula exige cuidados básicos por
parte do professor. É necessário: 1) Dar tempo para que os alunos conheçam o material o explorem livremente. Apresentadas as regras, o professor atua apenas como mediador, pois a aprendizagem e interpretação dos mesmos têm um grande valor didático, inclusive levando aos alunos aprenderem a questionar, negociar, colocar seu ponto de vista e discutir com os colegas ate chegarem a um consenso; 2) Criar no aluno o hábito de comunicar e trocar idéias. Os diferentes processos, resultados e as estratégias usadas para obtê-las devem também ser sempre discutidos com a turma. Durante o desenvolvimento das atividades o professor pode guiar os alunos à descoberta de fatos específicos, através de perguntas ou desafios. Cada sessão deve terminar com um registro individual ou do grupo, caso tenham discutido de maneira solidaria; 3) Propor atividades, mas estar abertos a sugestões e modificações realizadas das mesmas ao longo de sua realização. Vale lembrar que modificações realizadas nas regras de um jogo podem levar a criação de novos e interessantes jogos. O professor precisa está atento e aberto a novas abordagens ou descobertas, mesmo que em certo momento determinadas observações lhe pareçam sem sentido; 4) Realizar uma escolha responsável e criteriosa do material; 5) Planejar com antecedência as atividades, procurando conhecer bem o material utilizado, para que o mesmo possa ser explorado de forma eficiente, usando de bom senso para adequá-lo as necessidades da turma. Para que os alunos sejam preparados para exercerem a cidadania dentro de um contexto democrático, são imprescindível eles desenvolvam determinadas competências que certamente podem ser oferecidas pelos jogos.
2.
APRESENTAÇÃO DE ESTUDO DE CASO Existem vários jogos matemáticos para ser trabalhar com os conteúdos da grade curricular da disciplina,
porém, o trabalho apresentado será enfocado numa determinada serie e conteúdo do ensino fundamental maior. Procurando apontar as dificuldades dos alunos com relação ao conteúdo ministrado em sala e o êxito dos alunos ao utilizar os jogos na aprendizagem do assunto.
2.1 CONTEÚDO A SER EXPLORADO
197
No ensino fundamental maior trabalha-se com um conteúdo chamado Números Inteiros, onde o aluno terá que ter compreensão dos números positivos e negativos, sua simbologia e sua importância na matemática. A partir dessa compreensão os alunos terão que efetuar as operações básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão) com os números inteiros, aplicando regras essenciais para se obter êxito. As regras são claras, quando se faz adição ou subtração de números inteiros, devemos observar os sinais de cujos números. Sendo assim, somando números inteiros positivos efetua-se a operação e coloca-se ao lado do resultado o sinal de +; quando a soma dos números inteiros for sinal negativo em ambos os números, somam-se os números e ao lado do resultado coloca-se o sinal do maior numero da operação. Para multiplicação e divisão de números inteiros as regras são parecidas o que difere e somente a operação. Para multiplicação de números inteiros de sinais contrários, em qualquer ordem multiplicamos os valores absolutos e damos ao produto o sinal negativo; quando multiplicamos números inteiros com sinais negativos, multiplicamos os valores absolutos e damos ao produto o sinal positivo. Na divisão as regras para números com mesmo sinal e números com sinais diferentes é igual ao da multiplicação, o que diferencia e a divisão que será feita entre ambos os números. Esses conteúdos e base fundamental para todos os outros conteúdos a serem ministrados durante o ano letivo.
2.2 DIFICULDADE DOS ALUNOS Os alunos encontram dificuldades no aprendizado deste assunto por inúmeros motivos, no qual relatam atreves de conversas e observações com a turma do 7º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Cruzeiro do Sul, mas o que despertou atenção e foi motivo desse artigo é o primeiro contato frustrante que o aluno tem com o conteúdo números inteiros. Por ser um conteúdo exclusivo do 7º ano, o aluno em outras series anteriores não tem um breve contato com o assunto e por ser cheio de regras e muitas delas de difícil interpretação ou compreensão, os alunos vêem como algo muito difícil e que provavelmente não aprenderão. Outra explicação é os sinais que são mais de um nas operações que acabam complicando a cabeça dos alunos e as regras para cada operação não facilitam para uma compreensão e êxito dos exercícios. Sendo assim o aluno procura decorar essas regras, mas quando o nível dos exercícios aumenta os alunos ficam perdidos em meios as enormes listas de exercícios em suas mãos. E assim fica mais evidente que o aluno para aprender matemática precisa compreender as regras e a forma de resolver os cálculos e não procurar decorá-los para obter sucesso.
2.3 TRABALHANDO O CONTEÚDO COM JOGOS MATEMÁTICOS Os alunos têm bastante interesse em jogos, então, uma das formas de tornar o conteúdo e a aula interessante é apresentar o jogo matemático como forma de aprendizagem em sala. O professor ministra o conteúdo de forma tradicional utilizando o quadro magnético, piloto e o livro didático, resolve alguns exercícios em sala para averiguar o nível de aprendizagem dos alunos e, após essa sondagem, o professor em uma próxima aula apresenta o jogo matemático como atividades para os alunos e, assim, por meio desse jogo, o professor tira dúvidas dos participantes das atividades e faz com que eles venham a aprender e tenham um contato mais próximo com a disciplina. Esse método será proveitoso até mesmo para os próximos assuntos, pois o aluno aprendendo a base necessária para outros conteúdos adiante ele não terá dificuldade e possivelmente deixará de vê a disciplina como um inimigo para sua aprovação de ano.
198
3.
ANÁLISE DO CASO Para se tornar concreto essa teoria dos jogos serem um método eficaz na aprendizagem do aluno, foi feita
uma pesquisa com duas turmas do 7° ano da Escola de Ensino Fundamental Cruzeiro do Sul, onde uma turma será ministrada somente o conteúdo com auxilio de material didático em sala e a outra turma terá além do material didático o auxilio do jogo matemático. E através das observações feitas ao longo de um semestre foi possível coletar os dados desejados para conclusão do trabalho.
3.1. TRABALHANDO SOMENTE COM O MATERIAL DIDÁTICO: LIVRO E LISTA DE EXERCÍCIOS. A turma fonte dessa pesquisa foi há 7° ano B no horário da manhã, alunos com faixa etária entre 12 a 13 anos, ao todo são 40 alunos que comportam a sala. Foram ministradas em um mês somente o assunto números inteiros com lista de exercícios a cada aula e explicações do assunto em torno do material de apoio, os outros meses do primeiro semestre foram feitas revisões sobre o conteúdo números inteiros antes dos outros assuntos serem ministrados.
3.1.1.
COLETA DE DADOS DO 7° ANO B
Durante os meses de março até junho, que somam ao todo quatro meses foi obtido três gráficos com relação ao desempenho do aluno no conteúdo ministrado em sala. No mês de março que foi o primeiro mês em que os alunos tiveram contato com o assunto, ao final do mês com os dados coletados teve-se o seguinte resultado:
O gráfico acima mostra o desempenho dos alunos obtidos numa escala de notas 0 até 10, referentes aos exercícios feitos pelos mesmos ao longo do mês de março. Os dados mostram que o desempenho da maioria dos alunos não foi satisfatório, atribuindo a nota 5,0 para está na média. Sendo uma turma de 40 alunos apenas 10 alunos obtiveram nota 5,0 e os 30 alunos ficaram com notas entre 2,0 a 4,0. A nota referente nesse primeiro momento teve como relevância o fato dos alunos estarem tendo o contato pela primeira vez com o assunto e sendo um processo lento e de conhecimento os teriam bastante dificuldade em resolver os exercícios propostos, servindo assim, para teste de sondagem da turma e uma avaliação para o professor no qual ele terá somente os livros e os exercícios propostos para ministrar suas aulas. No segundo e terceiro mês os alunos já tiveram o contato como o assunto, então neste momento o processo será somente de revisão, no final do mês de abril com os dados coletados teve- se o seguinte resultado:
199
O gráfico acima mostra o desempenho dos alunos obtidos numa escala de 0 a 10, referente aos exercícios de revisão feitos pelos mesmos nos meses de abril e maio. Os dados mostram que houve um pequeno crescimento no desempenho dos alunos, mas ainda não satisfatório em relação aos meses que se decorreram. Nesses meses que se passaram depois do teste de sondagem as resultados mostram que entre os 40 alunos da turma somente 20 obtiveram tiveram um aumento de nota os 20 alunos restantes continuaram com suas notas anteriores. No ultimo mês do semestre, foi feito um teste avaliativo, onde o aluno no final do mês de junho mostrou em avaliação se realmente o assunto foi aprendido. Os dados obtidos foram:
O gráfico acima mostra que após a avaliação final da pesquisa, houve um decrescimento de nota significativa e preocupante em relação ao desempenho dos alunos, onde dos 40 alunos, apenas 10 mantiveram suas notas; 20 alunos tiveram um decrescimento de 2,0 pontos em relação à primeira observação e 10 alunos voltaram a nota da primeira pesquisa.
1.1.1. ANALISE DA TURMA 7º ANO B, BASEADA NA PESQUISA Observou-se que os alunos ao longo desse semestre de pesquisa, na tentativa de aprender o conteúdo acabaram decorando as regras para obter êxito, nos primeiros meses o método de decorar as regras foi de utilidade proveitosa, pois os alunos resolveriam os exercícios mesmo com dificuldade. Já os outros dois meses conseguintes os alunos iam tendo cada vez mais dificuldades em resolver os exercícios, pois o fato de somente terem decorado as regras das operações com números inteiros e não aprenderam de fato como fazer cada operação matemática, acabava esquecendo-se de colocar os sinais corretos nos resultados das operações e muitas das vezes acabavam fazendo operações incorretas. Com essa situação, o professor teve que voltar ao conteúdo inúmeras vezes para relembrar ou ensinar a turma e assim da continuidade ao processo da pesquisa. O último mês, que foi realizado o teste avaliativo, teve-se a confirmação de que os alunos ainda estavam decorando o assunto e novamente esse conteúdo caiu no esquecimento, tornando assim um decrescimento significativo de notas como mostra o gráfico 3. Portanto o método utilizado em sala não foi suficiente para ensinar os alunos, fazendo que os mesmo procurassem descobrir métodos eficazes para resolver os exercícios, onde esses métodos utilizados por eles não o fizeram aprender de fato o assunto e assim com o passar dos meses os alunos acabaram esquecendo o que tinham decorado.
1.2. UTILIZAÇÃO DO JOGO MATEMÁTICO COMO MATERIAL DIDÁTICO O professor além de usar o livro e exercício, passara a utilizar jogos matemáticos para facilitar a aprendizagem da criança. A turma fonte dessa pesquisa foi o 7º ano A da Escola Estadual Cruzeiro do Sul no horário da manhã, com alunos de faixa etária entre 10 a 11 anos.
200
Ao todo são 40 alunos que comportam na sala. No primeiro mês do semestre letivo somente o livro didático foi utilizado como material de apoio, os outros meses houve utilização de jogos matemáticos e teste avaliativo.
1.2.1. COLETA DE DADOS No mês de março a junho foram feitas observações durante 4 meses, onde foram obtidos três gráficos referentes ao comportamento da turma. O primeiro mês é a analise do comportamento dos alunos com o contato inicial do assunto ministrado em sala, os meses a seguir são referentes à utilização de jogos matemáticos como material didático nas revisões em sala. No mês de março o professor ministrou aulas com o livro, exercício com auxilio de quadro. Nesse período de observação colocaram-se graficamente os dados obtidos.
O gráfico acima mostra o desempenho dos alunos obtidos numa escola de 0 ate 10, referente aos exercícios feitos em sala de aula ao longo do mês de março, o nível de compreensão dos alunos da 7º ano A esta equiparada ao nível da 7º ano B, pois o processo inicial de pesquisa foi aplicado igualmente em ambas salas. Nota-se que o primeiro contato com a disciplina e dificultoso para os alunos em geral, pois as regras e forma de resolver e temática nova pra eles. No segundo e terceiro meses a didática de trabalho é feita através de jogo matemático, onde o aluno passara aprender brincando em sala de aula. Foram utilizados dois jogos matemáticos, sendo um em cada mês para facilitar a aprendizagem do alunado. No mês de abril foi utilizado o jogo matemático Caminhado na Reta, onde o aluno seja capaz de construir as regras de adição e subtração entre números inteiros, desenvolver a capacidade de fazer cálculos mentais, ficar conteúdos matematicos e criar estratégias de resolução. Seus pré-requisitos é a construção dos números inteiros, para utilizar o jogo posiciona-se o peão na origem e, numa tabela, registraram na coluna do seu nome, na primeira jogada o numero 0. O Primeiro jogador (escolhido previamente) lança o dado com os sinais, que indicara se ira para frente ou para trás, o dado comum que indicara quantas casas andara e, registra a operação e o resultado na sua tabela. O resultado será o primeiro numero da próxima jogada (Por exemplo: atirou o dado com sinais e deu – e o dado comum deu 3 ele caminhara na reta encontrando a posição final, posicionando seu peão e registrara no seu espaço da tabela, na primeira rodada, 0 – 3 = -3 e já indicará para a 2ª rodada o -3 aguardando os próximos resultados dados). Assim procedem todos os demais jogadores por um número de rodadas determinado pelo professor, cerca de 10 rodadas dependendo do número de jogadores. O jogador usara a reta se achar necessário, bem porque a reta pode não apresentar o resultado encontrado. Vencerá o jogador que terminar a ultima rodada com o maior resultado. No final do jogo, o professor pede para os alunos observarem as suas respostas e construírem regras para a soma de sinais iguais e de sinais diferentes.
201
Modelo do dado e dado da tabela
Com a utilização desse jogo obteve-se dados com relação ao desempenho dos alunos.
O gráfico acima mostra um aumento de desempenho significativo dos 40 alunos, 10 alunos obtiveram nota 6,0 e os 30 alunos restantes obtiveram nota 5,0. Observando as aulas ministradas percebe-se que o jogo além de tornar a aula e a matéria interessante, há uma interação entre os alunos fazendo com que acabem tirando as suas duvidas um com outro. Além disso, nota-se que o aluno nas outras disciplinas não teve dificuldade, pois os mesmoutilizavam as operações corretamente para obter a conclusão das questões. No mês de maio foi utilizado o jogo Construindo a Reta dos Inteiros, onde o aluno seja capaz de identificar a necessidade de outro conjunto numérico alem dos números positivos, interpretarem situações onde a solução não é sempre positiva, construir uma quantidade negativa para solucionar seus problemas, interpretar o numero negativo como representação de quantidades menores que zero, representar os números negativos na reta numérica. Seu pré-requisito operações entre números naturais, para jogar o professor prepara previamente 20 situaçõesproblemas, em fichas, com resultados variando de -10 a 10, com exceção do resultado zero. A turma é dividida em grupos preferencialmente em 10 grupos, e cada um recebe duas situações-problemas sendo uma com resultado positivo e outra com resultado negativo. O professor procurará criar situações relacionadas a um contexto dos alunos para que eles possam, partindo de suas experiências, resolverem cada situação. Ao termina de resolver as suas fichas, deverão procurar entre as fichas de -10 a 10, espalhadas sobre a mesa do professor, a sua resposta e representá-las na reta numérica, já construída anteriormente no quadro. Modelo das fichas com situações-problema
Os dados obtidos graficamente pela observação em sala de aula foram:
202
O gráfico acima mostra que os alunos vêem obtendo um grande êxito no aprendizado do conteúdo, pois suas notas aumentaram gradativamente e seu empenho pelo conteúdo e cada vez mais aproveitável, tanto para os mesmo quanto para o professor. Quando é utilizado o jogo em sala o aluno desperta maior interesse em aprender, o professor consegue absorver a atenção de toda classe e quando necessário esclarecer duvidas, pois o próprio jogo permite que os participantes tirem duvidas entre si fazendo com que o conteúdo seja compreendido entre todos. No mês de Junho foi realizado o teste final na turma, para averiguar o nível de compreensão dos alunos, com esse teste termina a pesquisa geral em relação à importância dos jogos no ensino da matemática e assim visa um novo método para ser utilizado em sala de aula. Com os dados coletados temos:
Os dados dos gráficos mostram que os alunos obtiveram uma boa nota em seu teste, ou seja, os mesmos realmente aprenderam o assunto números inteiros. O crescimento de notas reforça mais uma vez que se trabalharmos de forma lúdica com nossos alunos o rendimento escolar será mais proveitoso para a comunidade escolar. Dentre os 40 alunos que comportam a sala, 10 alunos obtiveram nota 9,0; 10 alunos obtiveram nota 8,0 e os 20 alunos que restantes obtiveram nota 7,0 em relação ao primeiro gráfico da turma a pontuação foi de 3,0 pontos para 10 alunos e 5,0 pontos para os demais alunos, ou seja, do inicio ao fim da pesquisa com a turma 7º ano A as notas só aumentaram.
1.2.2. ANÁLISE DA TURMA 7º ANO A, BASEADO NA PESQUISA Com a pesquisa, vimos que os alunos se interessam bem mais pela disciplina do que os dados coletados da pesquisa feita na turma 7º ano B, onde a turma 7° ano A teve as mesmas dificuldades ao conhecer o assunto e devido ser um calculo novo suas notas não deferiram das outra turma, mas a partir dos meses seguintes o material didático utilizado na sala foi o jogo matemático. A priori os alunos queriam está na sala somente para usufruir dos jogos, mas com as seguintes aulas e utilização dos jogos os mesmos percebiam que estavam aprendendo a matéria e isso fazia com que se empolgassem para as próximas aulas, já que interação entre eles ocasionava a cooperatividade no fato de que eles para jogarem os participantes teriam que saber as regras do jogo sem restrições. Esse processo de jogos em sala perdurou por dois meses, sendo cada mês utilizado um jogo onde o alunado teve o contato com dois jogos diferentes e desafios diferentes sem fugir do assunto a ser analisado como base de pesquisa e assim o desenvolvimento dos alunos foram crescendo gradativamente, no ultimo mês da pesquisa a realização do teste avaliativo nos mostra que os alunos tiveram êxito, pois suas notas não decrescerão e assim percebendo que aluno fixou o conteúdo que será essencial para as próximas disciplinas.
203
Observa-se também, que alem dos alunos o professor sentia-se entusiasmado nas aulas ministradas, com todo esse processo foi perceptível que o aluno não precisou decorar as regras para resolver os cálculos, mas sim entendeu de uma forma interessante e prazerosa o conteúdo de matemática.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta de trabalho teve como objetivo primordial valorizar a matemática e seu ensino, uma vez que se a
mesma for lecionada por professores que desfrutem além da experiência de sua profissão, certamente terá o apoio de muitas outras metodologias eficazes e novas para efetivação de um ensino mais prazeroso e de qualidade. O papel do professor deve ser o de participante da inovação de forma critica e, para tanto é de fundamental importância fortalecer os laços dessa educação mais democrática, assim a inovação proposta pelo mesmo não pode ser olhada isoladamente, uma vez que usa uma atuação mais produtiva do professor, de maneira que prova melhor aprendizagem por porte do aluno. O conceito a qual mostra o professor como um profissional responsável apenas pela transmissão do conhecimento, é ultrapassado uma vez que a profissão ―professor‖ assume uma multiplicidade de facetas, passando da idéia de um simples informante, para um formador, mas é claro que isso depende de sua postura e atitude com relação a seus alunos. Foi com intuito de levar uma maior compreensão para o profissional da área que este trabalho foi elaborado, e acredito que isto fará com que os professores sejam motivados a se aperfeiçoarem, uma vez que as escolas inovadoras exigirão de seu docente que o mesmo seja competente, aberto para mundo e para o saber, visando uma melhor qualificação e novas eficazes para o ensino e assim desmistificará o medo dos alunos em analisar a matemática como sendo a matéria incompreensível que causa um dos maiores índices de reprovação ou dependência nas escolas. Tem-se a esperança que a idéia posta neste artigo possa ser visualizada no hoje no sentido de que a sociedade escolar seja beneficiada, com responsabilidade educacional e principalmente qualidade de ensino. 5.
REFERÊNCIAS
FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino de matemática no Brasil. Zetetiké, São Paulo, v.3, n.4, 1995. p.1-37. GROENWALD, C. L. O.; TIMM, U. T. Utilizando curiosidades e jogos matemáticos em sala de aula. KAMII, C.; DECLARK, G. Reinventando a aritmética: implicações da teoria de Piaget. São Paulo, Campinas: Papirus, 1992. KAMII, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Piaget. São Paulo: Trajetória Cultural, 1991. LARA, I. C. M. Jogando com a Matemática de 5ª a 8ª série. 1. ed. – São Paulo: Rêspel, 2003. MARZOLA, N. R. A “reinventação da escola” segundo o construtivismo pedagógico: para uma problematização da mudança educacional. Porto Alegre: UFRGS, 1995. Tese (Doutorado) – Programação de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995. WALKERDINE, V. Uma análise foucaultiana da pedagogia construtivista. In: SILVA, T. T. da (Org.) Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. 2. ed. p.143-215.
204
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: Quais níveis de formação na pósgraduação dos professores de matemática no ensino. Meriã Thyele Sozar de OLIVEIRA (FIBRA)
Apresenta-se uma reflexão sobre a importância da formação continuada de professores de matemática, assim como foco de investigação a qualificação dos professores nas escolas e qual a importância que os mesmos dão a formação continuada e a construção da identidade do educador. A pesquisa de campo foi constituída de duas etapas sendo distribuídas em dois momentos, onde o professor respondia os questionários investigativos para a coleta de dados e a organização dos dados coletados para grafar estatisticamente e, assim visando mostrar a importância da qualificação do profissional. Palavras-chave: Formação continuada, qualificação, construção e identidade.
INTRODUÇÃO Este trabalho centra-se no estudo da formação contínua dos professores de matemática, e o quanto isso influencia no crescimento profissional e a construção da identidade do educador, procurando apreender de que modo a formação contínua repercute na carreira docente e como a participação em atividades de formação interfere na prática pedagógica, bem como sua influência na identidade docente. Sabe-se que a formação de profissionais, em nível de pós-graduação, tem como alvo profissional que possam atuar de forma adequada em: desenvolvimento e implementação curricular, coordenação e orientação e nos diversos processos de avaliação próprios do sistema escolar. Desta forma a pós- graduação se torna importante também para o crescimento profissional deste professor, e fazendo com que ele se torne ainda mais apto para enfrentar as concorrências do mercado na área em que trabalha, e com isso tendo a garantia da recuperação do sentido social da sua profissão. Desta maneira são de extremam importância pessoal e social que façam parte do currículo as práticas de formação inicial e continuada. Apesar de o acesso a universidade ter tido um grande aumento em nosso país, ainda é notório a preocupação quanto aos profissionais da área da educação em buscar complementações para a sua formação superior, e dentro dessa crescente perspectiva é que se evidencia a formação continuada, que tem como objetivo o aprimoramento das habilidades deste profissional. E frente às exigências do mercado tem se visto a necessidade profissional desses meios de especialização, uma vez que cada vez tem se tornado um meio de reconhecimento da qualificação e competência profissionais.
2- O papel do professor como profissional O papel do professor como profissional tem como atividade principal o ensino. Sua formação inicial que se trata da formação superior visa propiciar os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas para levar adiante o processo de ensino e aprendizagem nas escolas. Esse conjunto de requisitos profissionais que tornam alguém um professor, ou uma professora é denominado ―profissionalidade‖. A conquista da profissionalidade supõe a profissionalização e o profissionalismo. (LIBÂNEO, 2004) A ―profissionalização‖ refere-se às condições e ideais que venham a garantir o exercício profissional de qualidade. Essas condições são: formação inicial e formação continuada nas quais o professor aprende e desenvolve as competências, habilidades e atitudes profissionais; remuneração compatível com a natureza e as exigências da profissão; condições de trabalho (recursos físicos e materiais, ambiente e clima de trabalho, práticas de organização e gestão).
205
O ―profissionalismo‖ refere-se ao desempenho competente e compromissado dos deveres e responsabilidades que constituem a especificidade de ser professor e ao comportamento ético e político expresso nas atitudes relacionadas à prática profissional. Na prática, isso significa ter o domínio da matéria e dos métodos de ensino, a dedicação ao trabalho, a participação na construção coletiva do projeto pedagógico-curricular, o respeito à cultura de origem dos alunos, a assiduidade, o rigor no preparo e na condução das aulas, o compromisso com um projeto político democrático. As duas noções apresentadas se complementam. O profissionalismo requer profissionalização, a profissionalização requer profissionalismo. Um professor profissionalmente despreparado, recebendo salários baixos, trabalhando em precárias condições, terá dificuldades de atuar com profissionalismo. Por outro lado, um professor muito dedicado, que ama sua profissão, respeita os alunos, é assíduo ao trabalho e terá muito pouco êxito na sua atividade profissional se não apresentar as qualidades e competências consideradas ideais a um profissional, isto é, os requisitos da profissionalização. Não se trata, certamente, de lidar com essas duas noções de forma que a ausência de uma comprometa irremediavelmente a outra. Um professor pode compensar uma fraca profissionalização estudando mais, investindo na sua formação continuada, lutando por melhores salários. Pode, ao mesmo tempo, mudar suas atitudes, suas convicções, seus valores em relação à prática profissional, o que pode levá-lo, inclusive, a buscar melhor qualificação. O que justifica essa atuação comprometida é a natureza da profissão de professor, é a responsabilidade que a tarefa educativa traz consigo. Por isso, a construção e o fortalecimento da identidade profissional precisam fazer parte do currículo e das práticas de formação inicial e continuada. Nos últimos anos, os estudiosos da formação de professores vêm insistindo na importância do desenvolvimento pessoal e profissional no contexto de trabalho, mediante a educação ou formação continuada. Os cursos de formação inicial têm um papel muito importante na construção dos conhecimentos, atitudes e convicções dos futuros professores necessário à sua identificação com a profissão. Mas é na formação continuada que essa identidade se consolida, uma vez que ela pode desenvolver-se no próprio trabalho.
3- Os tipos de formação continuada existentes e sua importância. Foi por conta de uma notória mudança da economia e seus avanços mundiais, devido ao desenvolvimento tecnológico pela globalização, a década de 90 foi palco dessas mudanças na América Latina, tais mudanças então repercutiram nas políticas sociais nos países dessa região. Na educação, desenvolveram-se então devido a isso programas visando dar maior agilidade aos sistemas educacionais. Com propostas de descentralização administrativas, redistribuição de verbas e maior autonomia para as escolas. Um dos objetivos das mudanças propostas para o sistema educacional seria imprimir-lhe maior racionalidade e economia de recursos, evitando o grande número de perdas manuais, causadas pela repetência e pela evasão escolar no ensino fundamental. (Falsarela, p.01) É nesse contexto, o da confluência de questões econômicas, políticas e pedagógicas, que surgem no Brasil programas de aceleração de aprendizagem. Sendo iniciadas no Estado de São Paulo, a partir de 1996 a SEE em escolas de suas redes de ensino o projeto de reorganização da trajetória escolar, onde haviam classes de aceleração destinadas a corrigir a defasagem série/idade regular de matricula de alunos multi-repetentes, do ciclo básico até a quarta série do ensino fundamental. E aqui então, neste cenário histórico que se insere o início da discussão tema deste trabalho de pesquisa e conclusão de curso ―a formação continuada de professores‖, já que para a concretização deste projeto que foi citado (SEE) e outros posteriormente a este, foi que se notou a necessidade de
206
fornecer uma capacitação aos professores, aliado a elaboração de material destinada a apoiá-los com estas classes, proporcionando dessa forma, condições mais adequadas de aprendizagem. (Falsarela, p.04) A formação continuada é uma maneira diferente de ver a capacitação profissional de professores. Ela visa ao desenvolvimento pessoal e profissional mediante práticas de envolvimento dos professores na organização da escola, na organização e articulação do currículo, nas atividades de assistência pedagógico-didática junto com a coordenação pedagógica, nas reuniões pedagógicas, nos conselhos de classe etc. Mas ele deve em certo momento entender a importância da formação continuada, que se dá em vários tipos: A Especialização propriamente dita, também conhecida como especialização Lato sensu (do latim "em sentido amplo"), é um curso de pós-graduação que pode ter duração de um ou dois anos. Tem como pré-requisito básico a conclusão de um curso superior e, em termos de continuidade, não garante o acesso ao doutorado, exceptuando-se programas de doutorado que aceitam que se agregue a experiência profissional. A especialização dá oportunidade ao graduado de se especializar em uma área específica, podendo ser uma área diretamente ligada à primeira graduação ou não. Em alguns países os créditos dos certificados lato sensu podem contar como o primeiro ano de um mestrado na mesma área. No Brasil o Mestrado é o primeiro nível de um curso de pós-graduação stricto sensu, que tem como objetivo, além de possibilitar uma formação mais profunda, preparar professores para lecionar em nível superior, seja em faculdades ou nas universidades e promover atividades de pesquisa. Um curso de pós graduação se destina a formar pesquisadores em áreas específicas do conhecimento.O mestrado em ensino deve ter caráter de preparação profissional na área docente focalizando o ensino, a aprendizagem, o currículo, a avaliação e o sistema escolar. Deve estar sempre voltado explicitamente para a evolução do sistema de ensino, seja pela ação direta em sala de aula, seja pela contribuição na solução de problemas educativos, nos níveis fundamentais e médios, e no nível superior na formação de professores das Licenciaturas e de disciplinas básicas.
O doutorado (em português brasileiro) é um grau académico concedido por uma instituição de ensino
superior universitário, que pode ser uma universidade ou um centro universitário. Neste grau académico espera-se que o aluno adquira capacidade de trabalho independente e criativo. Esta capacidade deve ser demonstrada pela criação de novo conhecimento e será validada por publicações em bons veículos científicos ou pela obtenção de patentes. É essencial para a seleção ao doutorado a demonstração de qualidades e experiência em pesquisa. No Brasil, somente têm validade nacional os doutorados obtidos em cursos recomendados pela Capes. Títulos obtidos no exterior precisam ser reconhecidos por programas recomendados pela Capes, conforme o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Pós-Doutorado (português brasileiro) ou Pós-Doutoramento (português europeu) consiste em
especialização ou estágio em universidade, realizado após a conclusão do Doutorado. Quem termina um doutorado e quer continuar se aprimorando como pesquisador tem a opção de fazer um pós-doutorado, que lhe dará um nível de excelência em determinada área do conhecimento. Dentro dessas propostas está inserido o objetivo de uma nova concepção de formação do professor como intelectual crítico, como profissional reflexivo e pesquisador e elaborador de conhecimentos, como participante qualificado na organização e gestão da escola- o professor prepara-se teoricamente nos assuntos pedagógicos e nos conteúdos para poder realizar a reflexão sobre sua prática; atua como intelectual crítico na contextualização sociocultural de suas aulas e na transformação social mais ampla; torna-se investigador analisando suas práticas docentes, revendo as rotinas, inventando novas soluções; desenvolve habilidades de participação grupal e de tomada de decisões seja na elaboração do projeto pedagógico e da proposta curricular seja nas várias atividades da
207
escola como execução de ações, análise de problemas, discussão de pontos de vista, avaliação de situações etc. Esse é o sentido mais ampliado que assume a formação continuada. Isso não quer dizer que o professor não necessita da teoria, do conhecimento científico. Significa que o professor analisa sua prática à luz da teoria, revê sua prática, experimenta novas formas de trabalho, cria novas estratégias, inventa novos procedimentos. Tematizando sua prática, isto é, fazendo coro que sua prática se transforme em conteúdo de reflexão, ele vai ampliando a consciência sobre sua própria prática. É assim que o professor transforma-se num pesquisador, a caminho de construir sua autonomia profissional, enriquecendo-se de conhecimentos e práticas e aprendendo a resolver problemas, inclusive àqueles imprevistos. Sabemos que as situações de ensino, boa parte delas, são singulares, incertas e muitas vezes desconhecidas, por isso, não basta ao professor ter uma lista de métodos e técnicas a serem utilizados. O que ele precisa é desenvolver a capacidade de dar respostas criativas conforme cada situação. Não precisa tanto saber aplicar regras já estabelecidas, mas construir estratégias, descobrir saídas, inventar procedimentos. Ou seja, o professor precisa ser capaz de inventar suas próprias respostas. Há muitas formas de realizar a formação continuada: cursos, congressos, seminários de estudo, reunião pedagógica, encontros com a Coordenação Pedagógica, estudos individuais. O importante é acreditar que a formação continuada é condição indispensável para a profissionalização, que se põe como requisito para a luta por melhores salários e melhores condições de trabalho, assim como para o exercício responsável da profissão, o profissionalismo. Segundo GUIMARÃES, 1999, p. 5, Enquanto agirmos em nossas escolas contentando-nos com níveis mínimos de profissionalização (qualificação mínima, descompromisso com atualização pedagógica, auto-desqualificação...) e profissionalismo (insensibilidade ao insucesso escolar dos alunos, má qualidade das experiências de aprendizagem dos alunos, rotinização e desencanto com o trabalho...) a luta pela profissionalidade se esvazia porque os professores continuarão pensando que, como está, está bom.
A competência do profissional está ligada, portanto, a um modo adequado e correto de pôr em ação conhecimentos, instrumentos, materiais, supondo-se o domínio desses conhecimentos, capacidades, habilidades, instrumentos. A questão torna-se ainda mais complexa se entendermos que as realidades do mundo do trabalho hoje requerem, de fato, uma relação mais explícita entre conhecimentos e capacidades e sua aplicação. Com isso, os trabalhadores podem aplicar-se competentemente no trabalho e intervir no contexto organizacional, no qual se qualificam mediante formas participativas e comunicativas na própria situação de trabalho. Essa estratégia implica o método da análise reflexiva em que os sujeitos analisam sua própria atividade, desenvolvem competências na ação e incorporam novos saberes. Os ingredientes que compõem os processos formativos dos docentes como as relações, os gestos, os modos de agir a cada situação possuem grande importância enquanto elemento formador. Ao questionar os professores em relação às quais seriam os outros fatores colaborativos da formação/atuação docente não houve dúvidas ao que responder, mas sim em como responder, devido à quantidade e diversidade da origem dos fatores.
4. Resultados e análise de dados Com a intenção de refletir sobre os aspectos positivos da formação continuada de professores de matemática, a qual já citou durante a construção deste trabalho, e esclarecemos que este apresenta um estudo sobre as perspectivas dos educadores e da escola que busca alcançar uma vivência social mais equilibrada e transmiti-la a seus alunos. Uma vez que as mesmas propiciam além da transmissão do conhecimento, assim como a cooperação e aprendizagem entre os envolvidos. Desta maneira a pesquisa se dará de forma investigativa a respeito da formação
208
continuada de professores de matemática, sendo que as entrevistas serão feitas com profissionais que já atuam na área. Dessa forma diante dessas questões e desafios, essa pesquisa teve como foco de investigação a qualificação dos professores nas escolas e qual a importância que os mesmos dão a formação continuada. Esta pesquisa se caracteriza por ser do tipo: Bibliográfica, e esta envolve análises a fim de contribuírem com a visão holística para favorecer o desenvolvimento social e cultural. As escolas Estaduais deram ênfase à pesquisa, são escolas de Grande porte e tem a modalidade fundamental, fundamental e médio e Eja nos turnos de funcionamento manhã, tarde e noite.
4.2- Dados coletados
1º- Há quanto tempo (em anos) você está na docência
0 a 5 anos 6 a 10 anos
Segundo as respostas dos professores 65% (a maioria) já atuam na profissão entre 11 a 20 anos, 25% atuam entre 6 a 10 anos e 10 % atuam de 0 a 5 anos como professores. O que demonstra que as maiorias dos profissionais que atuam na área receberam uma formação um tanto quanto tradicional, e que certamente necessitam de uma reciclagem no que diz respeito às metodologias e a didática a ser utilizada, uma vez que a tradicional se encontra totalmente fragilizada e inutilizada no que se refere a realidade social atual, onde a escola é responsável pela formação critico social do seu aluno.
2º- Você tem curso de aperfeiçoamento, caso não tenha, você pretende fazer?
Sim
A grande maioria 85% dos entrevistados já possui algum tipo de aperfeiçoamento, o que demonstra que dentro desse tempo de atuação na área, muitos reconheceram a importância que é está sempre em busca de uma melhor capacitação no que diz respeito a sua profissão, uma vez que para atuar na atual sociedade moderna, que passa por transformações econômicas, sociais, políticas, culturais, têm sido cada vez maiores as exigências de qualificação. Desta forma a cobrança com os professores e quanto a sua atuação é mais uma das exigências que acontece como consequência desse avanço, onde o professor passou a ser visto como um ser capaz de exercer a
209
docência em correspondência com as novas realidades da sociedade, do conhecimento, dos meios de comunicação e informação, acarretando em constante mudanças no processo de formação do mesmo. 3º- Você tem curso de especialização? Se não, pretende fazer?
Sim
Não, mas pretendem fazer.
Nas respostas foram evidenciadas o qual é importante os cursos de especialização, uma vez que 85% já concluíram o seu 5% estão concluindo e apenas 10% ainda não fizeram e dentro destes estão os quais atuam a menos tempo na profissão. Evidenciando o que acima foi mostrado, inclusive chamando este profissional que vai atrás da formação continuada de ―profissional consciente‖, uma vez que o mesmo sabe que sua formação não termina na Universidade com o curso de graduação, mas que esse tempo lhe aponta novos caminhos, que devem ser seguidos para lhe fornecer conceitos e idéias novas. Sem contar que muitos professores, mesmo tendo sido frequentes, e possuidores de metodologias próprias, tiveram de aprender na prática, estudando, pesquisando, observando, errando muitas vezes, até chegarem ao profissional competente que hoje são. 4ª- Você tem curso de mestrado? Caso não tenha, você pretende fazer? Sim
Não, mas pretendem fazer.
Somente 30% dos professores têm mestrado, outros 60% não tem, mas reconhecem a importância e afirmam que pretendem fazer, e 10% por cento dos professores já estão cursando. O perfil do professor tem sido modificado uma vez que o mesmo sai da universidade com um diploma, mas também com a certeza de que é de extrema importância tanto para a sua profissão quanto pessoalmente a continuação de sua formação, uma vez que muitos professores formados não se sentem preparado para ensinar, não domina o conteúdo, não conhece metodologias eficazes, falta-lhe estímulo para enfrentar uma classe agitada, indisciplinada, apática e passiva. O curso de mestrado tem sido mais procurado dentro de uma perspectiva atual do profissional de matemática, mais do que há algum tempo atrás. Com cerca de dois anos de duração, o mestrado é o caminho natural a ser seguido por quem planeja ser professor ou pesquisador, dentro ou fora da universidade. Como não é necessário ter experiência profissional para fazer o curso, O graduado pode ingressar no mestrado logo após o fim da graduação.
210
5ª Você tem curso de Doutorado ou pretendem fazer? Sim
Não, mas pretendem fazer.
De acordo com as respostas apenas 10% tem doutorado, outros 75% não tem, mas pretendem fazer e 15% não tem e nem pretendem fazer, uma vez que o curso é voltado para a formação de pesquisadores, dedicado exclusivamente à vida acadêmica e que busca o aprofundamento intenso em determinado campo do saber. Os que dizem não estarem interessados em um doutorado mencionam o motivo de não precisarem mais fazê-lo devido a estar próximo de se aposentarem, e não mais se sentirem hábeis a esse tipo de formação continuada. 6ª- Você tem pós-doutorado ou pretendem fazer? Sim
Não, mas pretendem fazer.
O pós-doutorado, consiste em especialização ou estágio em universidade, realizado após a conclusão do Doutorado. Quem termina um doutorado e quer continuar se aprimorando como pesquisador tem a opção de fazer um pós-doutorado, que lhe dará um nível de excelência em determinada área do conhecimento. Em tempos de globalização, cada vez mais o mercado de trabalho tem exigido profissionais completos capazes conduzir as empresas a patamares mais elevados de qualidade. No caso das IES (Instituição de Educação Superior), a relação "Qualificação do Profissional versus Imagem da Empresa" é ainda mais clara, pois estas são constantemente avaliadas e a formação de seus professores é um dos quesitos principais nas classificações feitas pelo MEC (Ministério da Educação). Diante das pesquisas que expressaram a importância de acreditar que a formação continuada além de requerer uma dedicação do profissional, uma vez que necessita de um compromisso com a continuação de sua formação, é notoriamente indispensável para a profissionalização, que se põe como requisito básico para a luta por melhores salários e melhores condições de trabalho, assim como para o exercício consciente da profissão, o profissionalismo. 5. Considerações Finais O objetivo dessa pesquisa é fazer uma breve exposição das principais idéias sobre a formação continuada na área de matemática que surgiram ao longo de sua história, e procurar visualizar quais podem ser seu aproveitamentos na Educação, ressaltando seu caráter transdisciplinar, assim como na valorização e manutenção da graduação e sua continuidade, sendo que para isso foi necessário o levantamento de conteúdos tanto científicos como os que levantamos através da vivência dos professores que já trabalham na área da matemática.
211
A proposta de trabalho numa linha da formação continuada tem como objetivo primordial valorizar a matemática e seu ensino, uma vez que se a mesma for lecionada por professores que desfrutam além da experiência de sua profissão de um curso de aperfeiçoamento, certamente terá o apoio de muitas outras metodologias eficazes e novas para a efetivação de um ensino mais. Propõe-se também com isso uma maior valorização dos conceitos matemáticos informais construídos através de suas experiências, fora do contexto da escola. No processo de ensino propõe-se que a matemática, informalmente construída, seja utilizada como ponto de partida para o ensino formal. Procurando se eliminar a concepção tradicional de que todo conhecimento matemático, mas para que essa proposta de trabalho se faça real, requer uma preparação do professor no sentido de reconhecer e identificar as construções conceituais, e nisso está também o reconhecimento da importância de se alcançar uma excelência de sua profissão e atuação. O papel do professor deve ser o de participante da inovação de forma critica e, para tanto é de fundamental importância fortalecer os laços dessa educação mais democrática, assim a inovação proposta pelo mesmo não pode ser olhada isoladamente, uma vez que usa uma atuação mais produtiva do professor, de maneira que promova melhor aprendizagem por parte dos alunos. O conceito o qual mostra o professor como um profissional responsável apenas pela transmissão do conhecimento, é ultrapassado uma vez que a profissão ―professor‖ assume uma multiplicidade de facetas, passando da idéia de um simples informante, para um formador, mas é claro que isso depende de suas posturas e atitudes com relação a seus alunos. O campo da formação continuada de professores é visto como um processo de treinamento (visto como modelagem de comportamento), devido a estas afirmações, os autores se dividem em três grupos e suas concepções. - O primeiro grupo trata a formação continuada como aquisição de informações e/ou competências; nesse grupo os autores defendem o uso de recursos da tecnologia educacional para a capacitação de professores através de módulos de ensino ou modalidades semelhantes em cursos, seminários, etc. presencialmente ou a distância. - (Nos outros dois grupos, os autores tendem a desqualificar estratégias verticais de formação continuada (impostas aos professores) de cima para baixo), como por exemplo, aquelas em que se prevê o ―repasse‖ ―ou a multiplicação‖ aos professores através de especialistas. Os autores desqualificam ainda as estratégias que centradas em aspectos socioafetivos, revelam-se insuficientes para alterar a prática docente e se torna fundamental considerar o contexto institucional e social do professor. Dessa forma a formação continuada é vista como uma construção histórica situado à mobilização dos saberes da docência, tornando uma forma de incentivo a caminhar no sentido de sua autonomia profissional por meio da continua apropriação de saberes. (p.49). Portanto a formação continuada deve ser compreendida como proposta intencional planejada, que tem como foco a mudança do educador através de um processo reflexivo, crítico e criativo, conclui-se então que a formação continuada é um ativo agente na pesquisa de sua própria prática pedagógica, produzindo conhecimento e intervindo na realidade. (Falsarela, p.50) Foi com o intuito de levar uma maior compreensão para o profissional da área que este trabalho foi elaborado, e acreditamos que isso fará com que os professores que já possuem graduação serão motivados a continuar se aperfeiçoando, uma vez que uma grande escola exigirá de seu docente que o mesmo seja competente, aberto para os mundos e para o saber, sempre de novo redefinidos e isso certamente vai de contra a formação continuada deste professor visando uma melhor qualificação e novas e eficazes oportunidades para o ensino, ou seja, para isso é necessários docentes e estudantes conscientemente comprometidos com a educação.
212
6. REFERÊNCIAS BRZEZINSKI, Iria. Notas sobre o currículo na formação de professores: teoria e prática. UNB, 1994. CUNHA, M. Formação continuada. In Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Marília Costa Morosini [ET AL]. Porto Alegre: FAPERGS/RIES, 2003, p.368. FALSARELA, Ana Maria. Formação continuada e prática de sala de aula: Os efeitos da formação continuada na atuação do professor. Campinas: Autores Associados, (coleção formação de professores), 2004. HUBERMAN, M. (1992). “O Ciclo da Vida Profissional dos Professores”. IN: NÓVOA, As Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, pp. 31-61. NÓVOA, A. “Os Professores, Quem são? Donde vêm? Para onde vão?” IN: STOER, S. (org.), Educação Ciências Sociais e Realidade Portuguesa: uma abordagem Pluridisciplinar. Porto: Afrotamento, pp. 59-130, 1991. MOREIRA, Marco Antonio. O mestrado profissional em ensino. Revista Brasileira de Pós-Graduação. Brasília, v. 1, n. 1, p. 131-142, jul, 2004. PIMENTA, C. C. A reforma gerencial do Estado brasileiro no contexto das grandes tendências mundiais. In: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 32 (5), set./out. p. 153-199, 1998.
213
167
CRECHE CASULO: uma experiência da pedagogia waldorf no norte do país 168
Altair Dolores Dias Klautau VERGNE (FIBRA)
O presente artigo tem como objetivo analisar as atividades desenvolvidas na Creche Casulo inspirada nos princípios da Pedagogia Waldorf. A Fundação Arte de Educar Cogente por meio do programa ―Cultivando a Paz no Norte do País‖, desenvolve suas ações através da Creche Casulo no bairro do Icuí-Guajará Ananindeua /PA. A Creche Casulo é a primeira da região norte a adotar esta pedagogia, tendo como objetivo principal promover o desenvolvimento integral (pensar, sentir, agir) de crianças de 2 a 8 anos, preparando-as para atuar na sociedade conscientes de seus direitos e deveres e desenvolvendo valores essenciais necessários para a construção da Cultura de Paz e relações sustentáveis consigo, com a sociedade e o meio ambiente. A metodologia desenvolvida na creche proporciona o desenvolvimento integral da criança em atividades que garantem o cuidar e educar cotidianamente com consciência. As bases deste trabalho são o Programa de Formação Continuada de seus educadores e o trabalho com as famílias, visando inspirar outras instituições para a construção da Cultura de Paz. Palavras-chave: Educação, Criança, Pedagogia Waldorf, Violência, Brincar. Introdução Este artigo possui o intuito de analisar a metodologia utilizada na Fundação Arte de Educar Cogente que nasceu em junho de 2008, por meio da iniciativa do empresário Elpídio Alves Pinheiro que se motivou a contribuir socialmente para a educação no Norte do País. O programa adotado para nortear o projeto educacional da Fundação é "Cultivando a Cultura de Paz na Educação Infantil no Norte do Brasil", que tem como essência a construção da Cultura de Paz entendida como uma nova maneira de sentir, pensar e agir na sociedade, na perspectiva de garantia de defesa dos direitos humanos. O processo educativo tem como pilar o desenvolvimento, ampliação e manutenção de valores que possam subsidiar o direito a vida e a dignidade humana. Por este motivo foi escolhida a Pedagogia Waldorf como inspiradora dos princípios metodológicos adotados para a realização do trabalho. A Pedagogia Waldorf idealiza o homem como uma unidade harmônica e integral considerando o físicoanímico-espirital tendo como base esses princípios fundamentam todo o desenvolvimento de uma prática educativa, mais humanizada e voltada para uma compreensão antropológica, abrangendo todas as dimensões humanas na compreensão do ser de uma forma integral. Assim, a Creche Casulo desenvolve suas ações compreendendo as etapas do desenvolvimento humano através de setênios (princípios gerais evolutivos que compreendem etapas de sete anos), onde a criança passa a ter uma compreensão consigo e com o outro, fazendo uma relação íntima com o mundo.
Contextualização Histórica da Creche Casulo A principal ação da Fundação Arte de Educar Cogente é a Creche Casulo, localizada na Rua Santa Fé, 74 Bairro do Icuí-Guajará, município de Ananindeua - PA. O bairro do Icuí-Guajará está entre os mais violentos da região metropolitana da Grande Belém, segundo dados da Polícia Militar do Estado. Desde a década de 60, a ocupação desordenada da região trouxe diversos problemas sociais, devido à ausência de infraestrutura adequada, ausência de saneamento básico, precário atendimento a saúde, educação e segurança pública, aumentando progressivamente os índices de violência e criminalidade.
167
Artigo apresentado à Faculdade FIBRA para obtenção do título de Especialista em Projetos Sociais, sob a orientação da Professora Msc. Elisângela Araújo dos Passos. Assistente Social da Fundação Arte de Educar – COGENTE Creche Casulo. Especialista em Desenvolvimento Infantil (UEPA),Especialista em Saúde da Família (UEPA) e Especialista em Qualidade de Vida (UEPA).
168
214
Atualmente, o Município de Ananindeua passou de cidade dormitório a polo industrial, com serviços e comércio, o que aparentemente seria sinal de progresso, não fosse à desigualdade econômica entre grandes condomínios residenciais e ocupações irregulares do território. Neste contexto, segundo dados do Censo 2005 realizados pela Pastoral Social do bairro, o índice de crianças entre 0 a 6 anos é de aproximadamente 5.618, das quais 90% não são atendidas pelos serviços de educação infantil sendo que são oferecidas pelo poder público e associações comunitárias.
CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL 10%
90%
ATENDIDAS
Ñ ATENDIDAS
Fonte: Pastoral Social do Bairro Em decorrência desse fato estão em situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, sendo expostos principalmente à desnutrição, à violência doméstica, a prostituição e trabalho infantil, abandono, maus-tratos e negligência da família e situação de extrema miséria. Em decorrência desta problemática a Fundação Arte de Educar instalou sua primeira iniciativa no Estado do Pará na Região Norte do Brasil, a Creche Casulo, atendendo inicialmente 42 crianças de 2 a 5 anos e 11 meses em regime integral, em outubro de 2009. Dada à grande e frequente procura por vagas pela comunidade local, ampliou-se progressivamente o espaço físico, o quadro funcional e o atendimento das crianças, conforme podemos verificar no gráfico abaixo:
215
Ano 2009 (42) de 2 a 5,5 anos Ano 2010 (72) de 2 a 6 anos
Ano 2011 (126) de 2 a 6 anos Total de atendimento no Periodo (399)
Ano 2012 (160) de 2 a 8 anos
Fonte: Creche Casulo Em janeiro de 2010, ampliou para 72 crianças, incluindo as de 6 anos, que migraram para escola formal e frequentaram a instituição no contraturno escolar vinculadas ao Projeto de ―Borboleta‖, visando dar maior qualidade, acompanhamento, e garantia de direitos nesta transição creche/escola. Em 2011, o atendimento foi para 126 crianças, sendo 102 relativoà educação infantil e 24, ao Projeto ―Borboleta‖. Atualmente em 2012, são atendidas 160 crianças, sendo, 120 na modalidade de Educação Infantil e 40 no Projeto ―Borboleta‖ com atividades complementares a escola regular, incluindo crianças até 8 anos completos trabalhando-se ainda com atividades no primeiro setênio (seguindo o que rege a Pedagogia Waldorf). Para melhor desenvolvimento do trabalho técnico a instituição trabalha no sentido de oferecer cursos de formação continuada para preparação e consequente seleção do seu quadro de colaboradores, considerando que os envolvidos no processo são educadores e, portanto, é importante que a formação técnico-metodológica seja compartilhada com todos. Assim, foram realizados dois grandes processos de formação/seleção para profissionais da Creche Casulo, totalizando participação de noventa educadores, incluindo professores, serviços gerais, técnicos e cozinheiros, dos quais hoje vinte oito compõem o quadro funcional da Creche. O Projeto Creche Casulo atende crianças na faixa etária de 2 a 8 anos moradoras do bairro de do IcuíGuajará no Município Ananindeua /PA, onde está localizada sua sede. Todas as atividades são voltadas para atender a essas crianças e seus familiares, cuja renda é inferior ou igual a um salário mínimo e que vivem em situação de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social. A maioria dessas famílias é oriunda de outros municípios do Estado, que vem para o bairro do Icuí- Guajará em busca de melhores condições de vida, mas ao chegar se deparam com uma área sem a menor infraestrutura no que se refere à saúde, à educação, à segurança e ao saneamento básico. Conforme levantamento do perfil das famílias realizado pelo Serviço Social da Creche em 2009, as crianças possuem pais jovens com idade entre 20 e 25 anos, com pouca escolaridade ou nenhuma (em alguns casos) e que possuem de dois a três filhos no mínimo; pais e/ou responsáveis envolvidos com marginalidade, prostituição e violência doméstica; famílias monoparentais (mães solteiras e/ou avós únicas responsáveis pelas crianças) que
216
provém o sustento da família sozinhas e que ao ingressarem na Creche não demonstram perspectiva de melhores condições de vida; crianças que tem seus direitos violados, vítimas de maus tratos, negligência, que vivem expostas ao perigo das ruas e da feira do Icuí-Guajará e, em alguns casos, vítimas de abusos sexuais. Famílias que, pela necessidade de trabalhar, sujeitam seus filhos a ficarem sozinhos em casa, sem a companhia de um adulto responsável. A Creche oferece educação formal baseada nos princípios da Pedagogia Waldorf e atendimento, orientação, encaminhamento a rede socioassistencial e acompanhamento sócio-familiar que favoreça a promoção e garantia de direitos sociais, assim como, a inclusão social da população mais vulnerável e excluída, minimizando os altos índices de pobreza e miséria na região. As ações desenvolvidas na Creche Casulo visam à garantia do acesso a educação infantil, buscando o desenvolvimento de atividades com crianças e o estabelecimento de uma relação de co-responsabilidade entre Creche e famílias e a comunidade do entorno, fortalecendo vínculos, prevenindo situações de exclusão, violência, evasão escolar e trabalho infantil. Todo esse trabalho desenvolvido é também voltado para a preservação e valorização do meio ambiente, ensinando às crianças, famílias e colaboradores a desenvolverem ações mais humanizadas e de respeito consigo e com a natureza.
A Pedagogia Waldorf A Pedagogia Waldorf considera o homem como uma unidade harmônica em que o físico-anímico-espiritual está interligado fundamentando toda a prática educativa. Esta pedagogia nasceu em 1919, em Estuttgart na Alemanha, pelas mãos de Rudof Steiner que fundou nesta época a Escola Waldorf, cujo nome tem origem numa fábrica de cigarros alemã, onde este trabalhou. O objetivo do surgimento da escola deve-se a necessidade dos operários receberem uma educação escolar mais adequada às necessidades do desenvolvimento humano moderno. Todo ensino da escola Waldorf é baseado na Antroposofia que conforme Rudolf Lanz (1998) é a ciência espiritual criada no século XX por Steiner que entende o homem como um universo ordenado pelas leis que regem os reinos naturais, ampliando para o espiritual e à compreensão do sentido ético das escolas. Não há, basicamente, em nenhum nível, uma educação que não seja a auto-educação. [...] Toda educação é auto-educação e nós, como professores e educadores, somos, na realidade, apenas o ambiente da criança educando-se a si própria. Devemos criar o mais propício ambiente para que a criança eduque-se junto a nós, da maneira como ela precisa educar-se por meio de seu destino interior. (Steiner, 2000, p. 96).
O professor exerce um papel fundamental nesta pedagogia primeiramente porque ele precisará exercer sua capacidade de observação para verificar todo o processo evolutivo da criança, exercendo uma função que ajude a criança a se familiarizar e se adaptar às condições de vida na terra, explorando o ambiente em que vivem e em contato com a natureza para ajudá-las a conhecer e a ser um adulto melhor no futuro. Como o proposto na pedagogia Waldorf, os conteúdos na Creche Casulo são trabalhados considerando a faixa etária e o nível de desenvolvimento infantil. Tudo que o professor deseja trabalhar com as crianças deve ser vivenciado em seus gestos e atitudes. O educador fica atento às diversidades de aprendizagem das crianças. Assim, ele tem um papel fundamental no desenvolvimento das atividades na creche, pois, ele é a figura humana que proporciona os exemplos de ações, valores e práticas dignos de serem imitados pelas crianças, apontando os caminhos de desenvolvimento de seus próprios valores. A pedagogia propicia a criança experimentar possibilidades de amadurecimento de seu desenvolvimento. A criança precisa apropriar-se da imitação com alegria e sucessivas repetições que lhe proporcionará adaptação e conhecimento do mundo.
217
Na Pedagogia Waldorf dá-se uma importância fundamental à educação no primeiro setênio de 0 a 7 anos de idade, devido tratar-se de uma fase da vida na qual é desenvolvida a organização do corpo físico (motricidade). Em que, a educação visa proporcionar um corpo são para torná-lo um melhor instrumento de expressão e atuação durante todo o aprendizado futuro. Por isso, esses sete primeiros anos são fundamentais para o desenvolvimento da criança sendo este determinante para toda sua vida. Nesta fase a criança se desenvolve por meio da imitação e o professor tem que ser o exemplo para essa criança se autodesenvolver, com segurança e confiança consigo e com o meio em que está inserida. Assim, os princípios que regem a Pedagogia Waldorf são o pensar, sentir e agir que se propõe nesta Pedagogia ―educar para o futuro‖, por meio da própria organização escolar a criança se autodesenvolve, assim como, favorece o fortalecimento da autoestima e autoconfiança da criança. Segundo SANT‘ANA; LOOS E CEBULISK (2010): Dentre as iniciativas de se mudar o atual cenário catastrófico em que se encontra e educação no mundo ocidental, a Pedagogia Waldorf se apresenta como uma possibilidade expoente de "renovação". Ela busca a condução do indivíduo a partir de si mesmo, pelo o que o homem realmente é; é a "educação como arte" que faz o indivíduo experenciar o nexo da realidade. Também instiga a verificação da diversidade percebida da realidade e sua consistência como articulação de um sentido de unidade; é "arte na educação". Ainda, direciona o sujeito à criação dos movimentos existenciais que resolvam as dificuldades de ser do homem; é a "educação para a arte". Igualmente, coloca o aprendiz no conhecimento das diversas dimensões intelectuais da expressão do pensamento humano; é a "educação por meio da arte".
Assim sendo, a Pedagogia Waldorf, como uma metodologia a ser utilizada em uma Creche de bairro periférico se coloca como um desafio diante da realidade das crianças, que em sua maioria, são vítimas do descaso social. Busca a condução do indivíduo, a partir de si mesmo, possibilita um exercício diário da prática pedagógica e do conhecimento das várias vivências dessas crianças em idade escolar. É o educar com arte, o educar na relação homem versus natureza e homem versus sua própria natureza segundo uma definição de GOETH. Aspectos relevantes da Creche Casulo A Creche Casulo oferecer um ambiente de interações sociais com vivências de valorização da individualidade na coletividade, brincadeira e descanso, acolhimento afetivo, alimentação adequada e saudável para o pleno desenvolvimento físico, mental, emocional e anímico da criança. A criança por meio do brincar desenvolve a confiança (entregando-se ao mundo de forma ilimitada) e a imitação absorvendo estímulos do ambiente exterior. A Pedagogia Waldorf transcede a mera transmissão de conhecimento e se converte em sustentação do desenvolvimento integral do educando, cuidando que tudo o que se faça tenha como meta a transformação de sua vontade e o cultivo de sua sensibilidade e intelecto. Desse modo, procura-se estabelecer uma relação harmônica entre desenvolvimento e aprendizagem, fazendo confluir a dinâmica interna da pessoa com a ação pedagógica direta, ou seja, integrando os processos de desenvolvimento individual com a aprendizagem da experiência humana culturalmente organizada. (Site: http://www.jadrdimdasamoras.com.br/principios.htm, em 05/09/2012).
Assim, todas as atividades desenvolvidas pelas crianças na Creche Casulo ocorrem de fora para dentro, respeitando o tempo de desenvolvimento de cada criança, considerando o ambiente em que a criança está inserida, através do brincar e da exploração do ambiente por meio das brincadeiras para que elas possam adquirir estímulos que lhe ajudem a se tornar um ser melhor na fase adulta. A Creche Casulo tem como objetivos específicos para o desenvolvimento do seu trabalho: - Promover a formação continuada dos educadores da Creche Casulo considerando elementos técnicos e de desenvolvimento pessoal, para o bom desenvolvimento das atividades e qualificação das ações de todos os profissionais/ estagiários envolvidos, garantindo atuação eficiente para sustentação do trabalho;
218
- Favorecer o empoderamento das famílias das crianças atendidas pela Creche Casulo visando o desenvolvimento da autonomia, da auto sustentação e fortalecimento da autoestima dos pais e/ou responsáveis, contribuindo também para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; - Promover ações de sensibilização, de orientação e de práticas educativas diárias com a comunidade escolar na perspectiva de desenvolvimento da co-responsabilidade pela sustentabilidade ambiental; - Realizar todas as ações da Creche baseadas no desenvolvimento de sentimentos, pensamentos e ações cuja intencionalidade seja a construção da Cultura de Paz. Dentre as atividades desenvolvidas na Creche Casulo com as crianças temos: o acolhimento às crianças e famílias; café da manhã em sala com as crianças; o brincar dentro da sala; o desenho livre; a roda rítmica; lanche; brincar fora da sala(área externa, parque, quintal); banho; contação de história e almoço. Como detalharemos adiante.
Metodologia de Trabalho na Creche Todas as atividades desenvolvidas na Creche Casulo com as crianças seguem um ―ritmo‖ que deve ser seguido diariamente, sendo este: ACOLHIMENTO – Momento de entrada das crianças na Creche acompanhadas por seus pais e/ou responsáveis que farão a entrega das mesmas para suas professoras. As crianças chegam à sala de aula e são acolhidas pelas professoras que as recebem com muito carinho e aconchego (sem oralidade). Todas são levadas para o café da manhã.
CAFÉ DA MANHÃ - As crianças sentam-se à mesa para o café da manhã juntamente com a professora. Antes de tomar o café, todos falam um verso fazendo gestos com as mãos cantarolando assim... ―Cinco estrelinhas brilhando no céu, Cinco estrelinhas brilhando na terra, As estrelas vão se encontrar... Terra que estes frutos deu, Sol que os amadureceu, Nobre terra, nobre sol. Jamais vos esqueceremos...‖, por fim crianças e educadora se dão as mãos para desejar um bom apetite à todos.
BRINCAR DENTRO DA SALA - O brincar é uma importante atividade em que a criança coloca em ação sua vontade e fantasia. O brincar dentro da sala proporciona momentos em que a criança expressa livremente a sua imaginação, imitação e criatividade. Os brinquedos da sala são artesanais e de materiais naturais, como madeira, algodão e lã de carneiro. À medida que as crianças vão terminando o café, podem levantar para brincar. Neste momento estão explorando o espaço da sala, observando os brinquedos e percebendo todas as possibilidades do brincar. Por meio do brincar conforme a Pedagogia Waldorf, as crianças vivenciam momentos de contração (brincar dentro) e de expansão (brincar fora) que são importantes para o seu desenvolvimento e processo de organização interna e externa do ser.
DESENHO LIVRE - Essa atividade acontece durante o brincar dentro, especialmente para as crianças maiores de quatro anos que desenham. Já as crianças com 2 anos necessitam ter mais tempo para o brincar. Os lápis utilizados pelas crianças maiores são de cera de abelha, naturais e agradáveis ao toque, favorecendo que deslizam facilmente no papel. Os lápis de cera de abelha têm um formato quadrado (tipo tijolo) que contribui para o desenvolvimento da coordenação motora fina e grossa da criança.
219
RODA RITMICA - É o momento que a professora traz músicas, versos e gestos com conteúdos primordiais. Os temas variam conforme as estações e as festas do ano. Essa atividade exercita a imitação, que é algo primordial para o aprendizado, ajuda a desenvolver a noção espacial, a geografia corporal e exercita a linguagem.
LANCHE - Todas as crianças lavam as mãos para o lanche, logo em seguida todas vão sentar à mesa para o lanche.
BRINCAR FORA - O brincar fora, no pátio e quintal, onde as crianças têm a oportunidade de mexer nas plantas, na terra, brincar na areia, subir em árvores, pular corda, ir ao escorregador, ao balanço, ajuda a desenvolver o sentido do movimento e do equilíbrio, e a trabalhar a coordenação motora. Essas brincadeiras livres acontecem em brinquedos de madeira, com bonecos de pano e no parque em contato com a natureza, onde as crianças têm liberdade para se sujar de areia, cavar a terra com colheres de pau, panelinhas, tocos de madeira etc. BANHO – Momento de higienização do corpo. Após o brincar fora, todos retornam para a sala, tiram a roupa e vão entrando no banheiro para o banho com a professora e estagiarias. Primeiro as meninas e depois os meninos. HISTÓRIA – Após tomar o banho as crianças vão para o grande sol para contação de historia. No grande sol a professora acende a vela e chama as crianças cantando para a contação de história, sendo estas, contos infantis. O importante é que, a professora deve apreender a história para depois contar para as crianças durante quatro semanas consecutivas a mesma história, favorecendo com que a criança aprenda a internalizar a mesma e assim, desenvolver sua observação, escuta sensível, criatividade e imaginação. ALMOÇO – As crianças são direcionadas à mesa para o almoço.
É importante ressaltarmos ainda que toda a alimentação oferecida na Creche Casulo tanto para as crianças quanto para seus colaboradores segue um cardápio nutricional, proporcionando uma alimentação saudável e balanceada a todos. Em suma, a Creche Casulo é a primeira da região Norte que se propõe a desenvolver atividades baseada nos princípios da Pedagogia Waldorf com crianças que vivem abaixo da linha da pobreza, com uma educação gratuita, voltada para o desenvolvimento natural do ser por acreditar que se pode educar para a construção de uma Cultura de Paz, por meio da formação do ser integral. E toda essa proposta inovadora de educação e autoeducação se tornam um grande desafio diário para todos que fazem a Creche Casulo.
Referências FDL Fórum do Desenvolvimento Local do Icuí. Doc. Básico/ dez.2010. Pastoral Social da Criança. HEYDEBRAND, Caroline Von, 1886-1938. A Natureza Anímica da Criança: tradução de Rudof Lanz – 2 ed. Ver.- São Paulo: Antroposófica, 1991. IGNÁCIO, Renate Keller. Criança Querida: o dia-a-dia das creches e jardim de infância. São Paulo: Antroposófica: Associação Comunitária Monte Azul, 1995. LANZ, RUDOLF, 1915. Noções Básicas de antroposofia. 4. Ed. Ver. – São Paulo: ANTROPOSOFIA, 1997.
220
LANZ, RUDOLF, 1998. A Pedagogia Waldorf: caminhgo para um ensino mais humano. – 6.ed.rev.e ampl.São Paulo: Antroposófica, 1998. Reiner Patzlaff e Wolfgang Sassmannshausen. Pedagogia Waldorf. Periódico nº 44/45. Infância – Educação – Saúde. SANT‘ANA, René Simonato; LOOS, Helga; CEBULSKI, Márcia Cristina. Afetividade, cognição e educação: ensaio acerca da demarcação de fronteiras entre os conceitos e a dificuldade de ser do homem. Educar em Revista, nº 36, Curitiba 2010. STEINER, RUDOLF, 1861-1925. Andar, falar, pensar: a atividade lúdica: tradução Jacira Cardoso. – 4 ed.- São Paulo: Antroposófica, 1994. STEINER, RUDOLF. A Prática Pedagógica. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2000. Disponível em: http://www.jadrdimdasamoras.com.br/principios.htm, acesso em 05/09/2012.
221
UM ESTUDO DE CASO ACERCA DE UMA UNIDADE DE ENSINO PRIVADA NO BAIRRO CENTRO, DE ANANINDEUA, NO ANO DE 2012 Dalea Saraiva da Silva Filha (FACI) Edwana Coutinho dos Santos (FACI) Wellida das Graças Santos (FACI) Lucidéa Oliveira Santos (FACI) Lúcia da Costa Florenzano (FACI) Análise dos processos de organização e funcionamento do ensino fundamental no Brasil foi o ponto de partida para o Estudo de Caso realizado em um colégio particular situado no bairro Centro do município de Ananindeua do Estado do Pará. Considerou-se nos estudos preliminares e na pesquisa que as escolas públicas e privadas continuam tendo grandes dificuldades em acompanhar e atender as mudanças pedagógicas e legais para a melhoria da educação nacional. Tomaram-se como parâmetro normativo, para análise do andamento dos procedimentos pedagógicos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Implantação do Ensino Fundamental de 09 (nove) anos fixadas pela Resolução 07/2010, assim como a Lei 9.394/96. Utilizaram-se como fundamentação teórica autores como Libâneo, Shirley Maria Dias e Graziela Macuglia Oyarzabal. Produziu-se o presente artigo por meio de pesquisas bibliográficas e de campo resultando na seguinte conclusão: a instituição escolar admite, dentre grande desafios, não estar devidamente preparada para receber alunos com necessidades educativas especiais, em contrapartida, consegue atender as demais diretrizes e normas vigentes. Palavras-chave: Educação, Legislação, Normas, Escola, Organização.
1 INTRODUÇÃO Este artigo é fruto de uma pesquisa solicitada pela disciplina Estrutura e Funcionamento da Educação Brasileira do Curso de Pedagogia da Faculdade Ideal de Belém do Pará, tendo como título ―Um Estudo de Caso acerca de uma unidade de ensino privada no bairro Centro, de Ananindeua, no ano de 2012‖, cuja principal finalidade é propiciar aos acadêmicos a relação entre teoria abordada e discutida em sala de aula com a prática escolar da instituição pesquisada. Objetiva-se nessa pesquisa trazer para análise e discussão a organização e funcionamento da unidade de ensino, concernente às normas nacionalmente fixadas quanto ao Ensino Fundamental de 09 (nove) anos, visto que um número significativo de instituições escolares ainda não consegue adequar-se ás resoluções vigentes para a Educação Básica no Brasil. O objeto de estudo selecionado, neste trabalho, foi investigado em um colégio particular localizado no município de Ananindeua, bairro Centro, no ano de 2012. Utilizaram-se como base e parâmetros de análise as leis e normas vigentes contidas na legislação educacional, assim como o teórico José Carlos Libâneo, pois se observou na unidade de ensino a influência da tendência liberal tradicional, caracterizada por acentuar o ensino humanístico da cultura geral (LIBÂNEO, 1990). O texto ―A escola pública e sua gestão democrática‖, de Shirley Maria Dias, que fala sobre a importância de uma gestão escolar democrática que se efetiva por meio da participação dos sujeitos sociais envolvidos com a comunidade escolar, na elaboração e construção dos projetos escolares, como também nos processos de decisão, de escolhas coletivas e nas vivências e aprendizagens de cidadania; O texto de Graziela Macuglia Oyarzabal, ―O Ensino Fundamental na estrutural organizacional da educação brasileira‖, que aborda os documentos legais que ampliaram a duração do Ensino Fundamental para 09 (nove) anos e determinaram a antecipação da matrícula nessa etapa para os 06 (seis) anos de idade. E por fim, a Resolução 07/2010 referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a organização em 09 (nove) anos do Ensino Fundamental no país. A pesquisa consistiu, precipuamente, em uma investigação in locu, e foi realizada por meio de observações diretas, registros, entrevistas, aplicação de questionários e análise da instituição. Obtiveram-se os dados coletados por meio de entrevistas formais e informais, elaborados a partir de questões existentes na legislação educacional
222
vigente e, na observação direta com a captação de imagens do estabelecimento escolar. O estudo não foi fácil devido à resistência e a pouca disponibilidade da coordenação da unidade em ceder mais informações a permitir uma investigação mais apurada do Caso. O escopo desse trabalho divide-se em referenciais teóricos e legais, recurso metodológico, características da pesquisa, análise dos dados, resultados e discussões, considerações finais e referências.
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS E LEGAIS 2.1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS A partir de uma análise mais acurada sobre gestão educacional, gestão da escola pública e a formação de gestores escolares é possível apontar que a democracia na escola é o único meio de reconstrução da escola pública de qualidade. O Artigo 220 da Constituição Federal determina ―A organização do ensino é garantida através de eleições, para funções de direção nas instituições de ensino, nas formas que a lei determinar‖. Então, desde a década de 80 vem sendo indicada e estimulada a questão de descentralização do poder na escola, como caminho para democratização do ensino. Naquela década, essa democratização seria baseada na perspectiva de ampliação das oportunidades educacionais, do ponto de vista qualitativo e quantitativo. Com a gestão da educação entendida como síntese de produtividade procurou-se, então, diminuir a estrutura hierárquica dentro do sistema, possibilitando decisões mais próximas ao local de execução, reduzindo, portanto, a distância entre concepção e execução. A comunidade concebe a escola como fonte de formação de cidadãos responsáveis, por essa razão exige mais competência, mais flexibilidade e agilidade dos gestores escolas. Os próprios planejadores educacionais passam a entender que o exercício da autonomia será imprescindível na busca do melhoramento da educação. Em 20 de dezembro de 1996, foram definidas as diretrizes e bases da educação nacional que estabeleceram o princípio de gestão democrática no sistema educacional e a garantia de qualidade do ensino e todos os níveis. De acordo com Cerqueira (2002), gestão é uma expressão que ganhou corpo do contexto educacional acompanhando uma mudança de paradigma no encaminhamento das questões desta área. A partir daí, gestão é entendida como a administração de uma escola que possibilita crianças e jovens, de quaisquer camadas sociais, terem o acesso ao conhecimento e a construção de valores morais. Percebe-se, assim, que o investimento na formação de gestores educacionais é de fundamental importância, pois a busca pela maior competência da escola exige maior competência de sua gestão. A formação de gestores, então, passa a ser uma necessidade e um desafio para os sistemas de ensino. Além disso, os cursos de capacitação de gestores devem incluir também o vice-diretor, o secretário da escola, o supervisor educacional, o coordenador de área e professores líderes. Schneckenberg (1999, p.13) afirma que qualquer proposta inovadora referente a políticas educacionais somente terá êxito se o gestor e os membros internos da escola estiverem efetivamente envolvidos no processo. Logo a gestão democrática é vista como agente transformador de uma educação pública falida para uma educação pública de qualidade. E deve ser vista como um trabalho em equipe do corpo administrativo da escola, que envolve também a pais, mães, responsáveis, alunos, alunas, funcionários e, principalmente, a comunidade local. A adoção desse procedimento aumentará a produtividade, o comprometimento, a responsabilidade e a união social.
223
2.2 LEGISLAÇÃO A presente investigação tem, precipuamente, como bases a Lei 9394/96, ou seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação/LDB e a Resolução 07/2010 do CNE referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a organização do ensino fundamental em 9 anos a saber: Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios‖: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.
A gestão da instuição de ensino precisa ser democrática, ou seja, todos aqueles que fazem parte da comunidade escolar devem participar da elaboração de projetos e nas decisões e escolhas da unidade, com a finalidade de transformar a escola em um espaço mais democrático possível. Além do mais, a escola tem a autonomia para exercer a sua atividade pedagógia e administrativa bem como para administrar, como entender ser melhor, as verbas estatais que recebe. 3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 3.1 CARACTERISTICA DA PESQUISA A presente pesquisa é de caráter qualitativo e descritivo, cuja abordagem se refere a um Estudo de caso a investigar a organização e funcionamento de uma unidade de ensino privada no centro de Ananindeua. Elegeu-se para este fim realizar levantamentos de dados bibliográficos e da pesquisa de campo. O artigo, então, foi produzido a partir de dados bibliográficos e levantamentos feitos a partir de entrevistas, tomada de imagens, observações diretas e de aplicação de questionários tendo como referencias e parâmetros diretrizes e normas vigentes. 3.2. LOCAL DA PESQUISA A escola em questão está situada no Bairro Centro de Ananindeua que é um município da região metropolitana de Belém, e é o segundo mais populoso do Estado do Pará e o terceiro da Amazônia. O bairro Centro, que apesar de não ser o maior e nem o mais desenvolvido bairro possui este nome por seu valor histórico e por sediar o poder público municipal. Ele surgiu a partir de uma antiga estação da extinta ferrovia Belém-Bragança, a região era chamada Ananindeua, nome que foi emprestado ao município que surgiu posteriormente desmembrado de terras de Santa Izabel do Pará e da capital Belém. Sala de aula
Fonte: Edwana, Abril de 2012.
224
3.3 PERFIL DA ESCOLA Na Unidade de Ensino, observa-se a predominância de uma gestão de tendência liberal tradicional. Para LIBÂNEO (1990), a tendência liberal tradicional se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral. De acordo com essa escola tradicional, o aluno é educado para atingir sua plena realização através de seu próprio esforço. Sendo assim, as diferenças de classe social não são consideradas e toda a prática escolar não tem nenhuma relação com o cotidiano do aluno. Podemos citar o caso do Ensino médio voltado para o Enem e Vestibular como exemplo desta tendência. Em contrapartida a escola apresenta vestígios de outras tendências, como a tendência progressista libertadora tendo a defesa da autogestão pedagógica e o antiautoritaríssimo. A escola libertadora, também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, vincula a educação à luta e organização de classe do oprimido. O exemplo desta tendência é o projeto CONTRATURNO, que é uma espécie de reforço para aqueles alunos que apresentam dificuldades de acompanhar o desenvolvimento da turma, muitos destes são oriundos de escolas públicas.
3.4 ESCOLA A casa de Ananindeua foi aberta em 1946 em comemoração aos 50 anos da morte de um estimado religioso que visitou o Pará para a abertura de uma Casa Unidade da rede pesquisada. A obra foi iniciada por um Padre. Em 1959 começou a funcionar como Aspirantado. No início havia uma bela casa de madeira. A seguir construiu-se outra de alvenaria. Depois foi construída a Igreja e um ambulatório que se tornou o atual hospital Privado. Atualmente recebe outra nomenclatura, no qual funciona o Aspirantado, o oratório festivo e o Hospital Privado que é extensão da unidade de ensino pesquisada. Desde 2007 a instituição é dirigida por Padre.
Espaço para jogos
Fonte: Edwana, Abril de 2012.
4 ANÁLISE DOS DADOS Partimos do questionamento se a escola consegue atender as exigências pedagógicas legais quanto ao Ensino Fundamental, recebemos uma resposta positiva, porém no decorrer da pesquisa de campo concluímos que a
225
realidade não coincidiu com a afirmação dada pela coordenadora pedagógica do colégio pesquisado, que gentilmente nos atendeu. Em relação ao currículo diversificado, a escola oferece o ensino das disciplinas: História do Pará e Literatura Infantil. Valoriza-se a graduação de seus professores, inclusive a escola possui no seu corpo docente especialistas, mestres e doutores. Em contra partida não consegue atender totalmente a Resolução de nº 07/2010 de 14/12/2010 do CNE, pois o artigo que faz referência à inclusão de crianças especiais, o estabelecimento admite não está preparado a atendê-lo. A escola apresenta no geral um Projeto Político Pedagógico (PPP) adequado à realidade, inclusive a instituição vai além da carga horária mínima de 800 horas, possui um calendário de 229 dias letivos. E aos sábados ministra aula para o ensino médio ou projetos culturais. De acordo com o art. 6, Inciso III, a respeito do trabalho da cultura brasileira, a escola possui como disciplina em seu currículo a história do Pará, realiza também projetos, como: eventos culturais, sarau, simpósio, feiras, raly e festa junina. E através desses eventos promove uma consciência racial. A instituição também atende às diretrizes que exigem que a partir do 6º ano a escola ofereça pelo menos uma língua estrangeira, ofertando o ensino de inglês para o nível fundamental I e II. Já para o ensino médio há duas opções: inglês e espanhol. A escola possui um projeto voltado para a área da música com o Coral Vozes do Carmo, que é composto pelos alunos do fundamental II. Apresentam-se em eventos religiosos ou não. Apesar de no presente momento a escola possuir um aluno com deficiência auditiva, a mesma admiti possuir dificuldades em apresentar condições de acesso e de permanência para alunos especiais, ferindo o artigo que estabelece a inclusão na educação. Para promover a integração da comunidade o estabelecimento promove eventos como oratórios, apresentação de projetos, catequese, reuniões, saraus, simpósios e festas familiares. O corpo docente estabelece estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento através de recuperação paralela e grupos de estudo no contra turno, uma espécie de reforço. A instituição considera como diretrizes difíceis de serem exercidas as que abordam a questão da inclusão, pois a mesma admite não estar preparada para receber alunos com Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD) e Deficiências Físicas.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES A escola consegue atender as exigências pedagógicas legais e normativas quanto ao Ensino Fundamental. Quanto a se organizar e funcionar conforme as normas educacionais previstas nas Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) para o Ensino Fundamental a unidade já está organizada em anos, porém ainda não apresenta turma de 1º ano/9 do ensino fundamental. Em relação a Resolução de nº 07 de 14/12/2010 do CNE a unidade infringe os artigos 41 e 42 da resolução 07/2010 que são concernentes ao atendimento adequado para alunos com necessidades especiais, pois a mesma não apresenta estrutura adequada para estes alunos. Projeto Político Pedagógico da unidade de ensino ainda está aguardando a aprovação da secretaria municipal de educação. Em relação ao currículo diversificado, a unidade oferece o ensino das disciplinas: História do Pará e Literatura Infantil. Valoriza-se a graduação de seus professores, inclusive a escola possui especialistas, mestres e doutores em seu corpo docente. A unidade vai além da carga horária mínima de 800 horas, pois possui um calendário de 229 dias letivos. E aos sábados ministra aula para o ensino médio ou realiza projetos culturais. Seus projetos são eventos culturais, sarau, simpósio, feiras, raly e festa junina, buscando promover a consciência racial. Oferta-se o ensino de inglês para os fundamentais I e II, já para o ensino médio opta-se ou por inglês ou por
226
espanhol. A unidade também possui um Coral composto pelos alunos da unidade visando assim o trabalho com a música.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conseguiu-se alcançar os objetivos pré-estabelecidos, a saber: estabelecer relações entre as leis e normas educacionais vigentes e a situação de ensino para avaliar se as regulações conseguem ser implantadas; verificar se a unidade pesquisada apresenta um Projeto Político Pedagógico (PPP) atualizado conforme a legislação vigente; observar se o Ensino Fundamental já se encontra organizado em 9 anos; avaliar se a Escola organiza-se e funciona à luz das resoluções vigentes para a Educação Básica. O Projeto Político Pedagógico da unidade de ensino ainda está aguardando a aprovação da secretaria municipal de educação. A unidade já está organizada em anos, porém ainda não apresenta turma de 1º ano/9 do ensino fundamental. A unidade infringe os artigos 41 e 42 da resolução 07/2010 que são concernentes ao atendimento adequado para alunos com necessidades especiais, pois a mesma não apresenta estrutura adequada para estes alunos. A escolha para direção da unidade não é democrática, mas é feita por meio de indicação. A unidade atende as demais exigências das leis e normas em vigor da educação brasileira. Esse estudo permitiu a relação entre a teoria debatida em sala de aula e a prática dessa unidade de ensino. Promoveu o desafio para algumas indagações que poderão gerar novas descobertas, principalmente, no que se refere a uma reflexão mais apurada sobre as estratégias que vêm sendo desenvolvidas no cotidiano das escolas brasileiras bem como suas finalidades de efetiva democratização da gestão educacional ou simplesmente a forma de gestão apenas compartilhada.
REFERÊNCIAS LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez,1994. LIBÂNEO, J. C, OLIVEIRA J. F, TOSCHI, M.. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. CORDEIRO, Jaime. Didática. São Paulo: 2ª Edição, 2010. CANDAU, Vera. Rumo a Nova Didática. Petrópolis: Vozes, 15ª Edição, 2003. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS E TÉCNICAS, NBR 14724: Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos – Apresentação. Rio de Janeiro, 2011. DIAS, Shirley Maria. A escola pública e sua gestão democrática. In: SANTOS, Evanildo da Silva (Org.). Escola Pública: dificuldades de aprendizagem. Brasília: EVG, 2009. HARPER, Babette, et al. Cuidado, escola!: desigualdade, domesticação e algumas saídas. 35. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. OLIVEIRA, Carlos Roberto de, et al. Organização da educação brasileira: níveis e modalidades. Marília, SP: M3T. Tecnologia e Educação, 2009. (Coleção Estudos Pedagógicos. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Pareceres e Resoluções sobre a Educação Básica: Brasília: CNE/CEB (Resoluções e Pareceres de 2010 e 2011). OYARZABAL, Graziela Macuglia. Fundamentos Teóricos e Metodológicos dos anos iniciais. Curitiba: Ibpex, 2008.
227
O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: o espaço da geografia na educação centenária no IFPA - Campus Belém
Maria Fernanda Ribeiro SANTOS (IFPA/UNAMA) A presente obra busca compreender a proposta do ensino médio integrado, análise esta que será realizada em consideração com o processo histórico inerente a tal modalidade de ensino, no entanto tal análise estará relaciona ao ensino da ciência geográfica no ensino médio integrado. Para isso, a pesquisa metodológica adotada consistiu em levantamentos bibliográficos acerca do trabalho como meio de estabelecimento do processo de ensino e aprendizagem e pesquisas de campo, que foram realizadas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA, apresentando a obra, portanto, apenas resultados e conclusões preliminares por encontrar se ainda em execução. Nesse sentido a pesquisa, busca, portanto, analisar o currículo e as práticas docentes de Geografia no ensino médio integrado. Com isso, portanto, buscamos, por meio do debate, trazer contribuições para o processo de ensino e aprendizagem em nosso País. Palavras-chave: Educação, Trabalho, Ensino, Geografia.
Introdução O artigo O ensino médio integrado: O espaço da geografia na educação centenária do IFPA – Campus Belém, analisará o processo ensino-aprendizagem da geografia no IFPA Campus Belém na modalidade do ensino médio integrado, desde a sua implantação iniciada no ano de 2005, por meio do Decreto Nº 5145 de julho de 2004. Objetiva-se por meio desse artigo compreender a realidade dessa disciplina para o contexto do ensino médio integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. Percebendo desse modo a importância de tal modalidade de ensino, uma vez que vinculasse o ensino médio integrado, diretamente ao mundo do trabalho como meio para o processo ensino e aprendizagem, estando esta modalidade de ensino, portanto, de acordo com a lei de diretrizes e bases da educação, Lei Nº 9.394/1996, a educação deve estar vinculada ao mundo do trabalho, sendo este, de acordo com Ramos (2008), a primeira mediação entre o homem e sua realidade material e social, ou seja, é bem mais que um meio de subsistência. É antes um meio de inserção do homem como ator de uma sociedade, tendo importância para esta. Segundo Ramos (2008), compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não se confunde com o ―aprender fazendo‖, nem é sinônimo de formar para o exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, se apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que nós somos sujeitos de nossa história e de nossa realidade. (p.03). Breve histórico A formação do trabalhador no Brasil, de acordo com Oliveira (s/d), teve início com os aprendizes de ofícios, índios e escravos, esta modalidade educacional era caracterizada pelo direcionamento as classes sociais mais baixas. Com a ascensão da economia aurífera, na região das minas, houve necessidade de mão de obra qualificada, para trabalhar nas casas de fundição – esse trabalho era direcionado aos filhos de homens brancos, por isso, neste momento é estabelecido um exame, que avaliava as atividades adquiridas num período de 5 a 6 anos, os que fossem aprovados neste teste, receberiam a certificação, estando aptos, desse modo, a trabalhar na economia do ouro. No entanto tal modalidade de ensino era, de acordo com Ramos, com base na escola dualista, que visava à formação do trabalho manual e intelectual, tendo como público alvo a classe operária que, de acordo com o governo em suas políticas, prescindia de um ensino objetivo que ensine, desde logo, uma profissão. De modo diverso, o ensino era ofertado a população mais favorecida econômica e politicamente, que necessitavam de uma educação completa e bem fomentada, uma vez que, desse modo estariam aptos a deterem a direção da sociedade.
228
Nesse sentido Ramos (2008) percebe que a história da dualidade educacional coincide com a história da luta de classes no capitalismo. Por isto a educação permanece dividida entre aquela destinada aos que produzem a vida e a riqueza da sociedade usando sua força de trabalho e aquela destinada aos dirigentes, às elites, aos grupos e segmentos que dão orientação e direção à sociedade. Então, a marca da dualidade educacional do Brasil é, na verdade, a marca da educação moderna nas sociedades ocidentais sob o modo de produção capitalista. (p. 03). Nesse sentido, compreender assim o trabalho – isto é, como meio social de produção da existência – possibilita compreender que, para que a humanidade exista todos têm que trabalhar. E se alguns não o fazem, é porque vivem da exploração do trabalho dos outros. Ter o trabalho como princípio educativo na educação básica, portanto, impede que crianças, adolescentes e jovens naturalizem a condição de exploração em que vivemos e que não se formem, assim, ―mamíferos de luxo‖, isto é, homens e mulheres que, por viverem da exploração do trabalho dos outros deixam de exercer aquilo que lhes conferem ontologicamente a condição de seres humanos, a capacidade de produzir social e coletivamente sua existência. (RAMOS, s/d, p.7) O Instituto Federal do Pará – Campus Belém O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA, foi criado em 23 de setembro de 1909 como Escola de Aprendizes Artífices do Pará, pelo então Presidente da República, Nilo Peçanha, compreendia o ensino primário, cursos de desenho e oficinas de marcenaria, funilaria, alfaiataria, sapataria e ferraria. A escola de artífices do Pará, destinava-se, de acordo com Moraes (1988) a ―formação de operários e contramestres ensinando aos menores desprovidos de fortuna que desejassem aprender um ofício, os conhecimentos rudimentares e a prática‖,( p. 20).
O ensino médio integrado O ensino médio integrado consiste em uma modalidade de ensino que foi criado pelo Presidente Lula, por meio do Decreto Nº 5145 de julho de 2004, de acordo com Gotardo (s/d). Tal alteração adotada pelo Departamento de Educação Profissional – DEP se deu pela retomada de oferta da educação profissional por meio de uma ―[...] política curricular (...) imbricada aos princípios pedagógicos do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia‖ (FERREIRA & GARCIA, 2005, p. 163 apud Gotardo, s/d), de acordo com a autora ―anunciava-se a adoção de um currículo disciplinar, com base em conteúdos, no sentido de romper com a noção de competências‖ (GOTARDO, s/d, p. 01). No entanto, com isso, segundo Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005) esperava-se que a promulgação de um novo decreto iria se constituir num dispositivo transitório, que garantisse ao mesmo tempo a pluralidade de ações nos sistemas e instituições de ensino e a mobilização da sociedade civil em torno do assunto, entretanto, isso se deu de forma tímida. A proposta de integração entre a educação básica e a profissional fragmentou-se (apud BARROS, s/d, p. 07) Essa modalidade de ensino é compreendida de acordo com Lima (s/d) como reflexo da nas novas demandas da Divisão Internacional que se estabeleciam na economia que fora adotada no Brasil: O sistema capitalista começa a entrar em crise no momento em que o modelo taylorista/fordista de produção que vigorou durante quase todo o século XX na indústria esgota-se e não consegue mais garantir a reprodução do capital e enfrentar as resistências dos trabalhadores quanto ao trabalho repetitivo, rígido e fragmentado. Vários outros fatores contribuíram também para essa crise, como a diminuição das taxas de lucro decorrente do excesso de produção, a desvalorização do dólar, a crise do Estado de Bem-Estar social, a crise do petróleo e a intensificação das lutas sociais. (LIMA, s/d, p.03)
De acordo com o Decreto Nº5145/2004, deverá ser ofertado o ensino médio integrado aos concluintes do ensino fundamental sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, vinculando o aluno, portanto, ao mundo do trabalho, na mesma instituição de ensino, contando com
229
matrícula única para cada aluno; que consiste na formação profissional técnica de nível médio, sendo caracterizado, de acordo com o artigo 2º do supracitado Decreto: I - organização, por áreas profissionais, em função da estrutura sócio-ocupacional e tecnológica; II - articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e da ciência e tecnologia.
Desse modo ao final do curso, que é caracterizado no tripé da formação geral, caracterizada pelo ensino das disciplinas do ensino médio regular, habilitação específica, tendo como característica as especificidades técnicocientíficas de cada curso, e o estágio, onde acontece a vinculação ao mundo do trabalho ainda na fase de formação, tornando, desse modo, buscando a integração e a articulação curricular, possibilitando ao egresso de tal modalidade de ensino aptidão ao mercado de trabalho. Diante disso, com base na legislação federal a concepção proposta, o ensino médio terá uma única trajetória, articulando conhecimentos e competências para a cidadania e para o trabalho sem ser profissionalizante, ou seja, preparando ―para a vida‖. A Educação Profissional, de caráter complementar, conduzirá ao permanente desenvolvimento das aptidões para a vida produtiva e destinar-se-á a alunos e egressos do ensino fundamental, médio e superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem e adulto, independentemente da escolaridade alcançada. (MAFREDI, 2002, p. 128-129). O ensino da geografia do IFPA – Campus Belém De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 2000), a disciplina da geografia encontra-se inserida na área das Ciências Humanas e suas Tecnologias. O IFPA, como Instituto de Ciência, Educação e Tecnologia do Pará passou a ofertar em 2008, cursos na modalidade de ensino médio integrado, tal modalidade de ensino destina-se à necessidade de uma formação integrada, oriunda da necessidade em considerar a importância da vida do cidadão em todas as suas dimensões, e a necessidade de uma formação técnica preparatória para o mercado de trabalho, constitui-se hoje em uma exigência dentro dos Institutos Federais do país, o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem que encaminhe esta formação. A política de ensino médio integrado nessas perspectivas visaria fomentar, estimular e gerar condições para que os sistemas e as instituições de ensino, com seus sujeitos, formulassem seus projetos em coerência com as suas necessidades e visando à consecução de finalidades universais postas para esta etapa de educação, o que será percebido por meio das competências e habilidades a serem desenvolvidas na geografia, de acordo com o Ministério da Educação. No entanto a matriz curricular que percebemos como válida para que o trabalhador se perceba como sujeito essencial da sua própria realidade, deixando portanto, sua figura passiva em relação a aspectos inerentes a essa, seria trazido por meio de uma matriz crítico emancipadora, que ainda está em construção e aparece com o objetivo de dar um novo significado a noção de competências que atenda os reais interesses dos trabalhadores, tendo em vista que não se pauta pelas necessidades e demandas estreitas do mercado, mas visa uma formação integral e ampliada que contemple a dimensão social no desenvolvimento de competências. (LIMA, s/d, p. 11) Entendendo que o ensino técnico articulado com o ensino médio, preferencialmente integrado, representa para a juventude uma possibilidade que não só colabora na sua questão da sobrevivência econômica e inserção social, como também uma proposta educacional, que na integração de campos do saber, torna-se fundamental para os jovens na perspectiva de seu desenvolvimento pessoal e na transformação da realidade social que está inserido. No entanto, em pesquisas prévias percebemos que não há um critério bem definido o direcionamento da geografia no ensino médio integrado ou se existe um currículo mínimo de Geografia debatido no contexto das transformações mais recentes do mundo da educação no IFPA.
230
A superficial análise das atitudes docentes no ensino médio integrado nos anos de 2010 (setembro a dezembro) e 2011 nos leva-nos a entender que a conduta do docente na hora da escolha do que ensinar aos discentes, na hora dos planejamentos de ensino tem sido norteados por algumas situações, que por si só são complexas, como é o caso da existência e uso dos conteúdos dispostos nos livros didáticos adotados na instituição, ou pelos processos de seleção às instituições de ensino superior, e mais recentemente ao Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM. Sobram indagações para compreender afinal: Qual é o lugar da Geografia no ensino médio integrado do IFPA? É necessário pensar, construir e implantar efetivamente uma proposta de ensino integrado que esteja dentro da natureza do ensino oferecido pela IES. Neste sentido, julgamos urgente repensar as concepções curriculares vigentes e as que deveriam existir, pois se percebe uma verdadeira ausência de discussão sobre o que ensinar em Geografia no âmbito do instituto. Nesse sentido pretendemos, portanto, realizar a análise das práticas docentes no contexto do ensino médio integrado do IFPA – campus Belém, bem como as propostas de tal disciplina para esta modalidade de ensino do Instituto. O Instituto contém um programa curricular que não é seguido, nesse âmbito se propõe o projeto compreender o motivo dessa não utilização/aplicação para o processo ensino-aprendizagem. A discussão da natureza da relação ensino e aprendizagem dos cursos do IFPA, Campus Belém consiste em atividade de interesse ímpar para a comunidade escolar tendo em vista a importância e o reconhecimento desta instituição na sociedade Amazônica e no contexto dos cidadãos que forma. A geografia é uma disciplina de grande relevância uma vez que tal ramo do conhecimento científico tem por objeto de estudo o homem em seus diversos aspectos, ou seja, em suas diversas relações com outros sujeitos e com o meio, obedecendo as peculiaridades de todos estes, analisando, portanto que ―a sociedade produz uma forma de organização que é observável no espaço; assim, há uma forma concreta e visível da sociedade no espaço: essa é a organização espacial que a geografia deve analisar‖ (ALMEIDA, 1991 ,p. 85). Almeida (1991) entende a relevância que a geografia tem para a educação básica no desenvolvimento de competências e habilidades para os estudantes possibilitando a estes observações, análises e pensamento crítico, não sendo este centrado no currículo estabelecido na instituição de ensino, mas tem reflexos para muito além desta. Redefinida agora como ciência social, é importante pensar o estabelecimento de relações através da interdependência, da conexão de fenômenos, numa ligação entre o sujeito humano e os objetos de seus interesses, na qual a contextualização se faz necessária. Passando a compreender o ―homem como ser histórico-social que age sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação, produz conhecimentos como síntese da transformação da natureza e de si próprio‖ (RAMOS, 2005, p. 114 apud SEED, 2007, p. 19). O processo ensino aprendizagem da geografia deve ser pensado tendo em vista a globalização, uma nova ordem mundial com novos conflitos e tensões, a crise dos Estados-nação, a formação de blocos econômicos, a desterritorialização de muitos grupos humanos, as questões ambientais que conferem novos significados à sociedade como um todo e em suas partes, ou seja, que comporta uma série de particularidades e complexidades que deve trazer contribuições, tal conhecimento geográfico, a plena formação do educando. Num primeiro momento, há a necessidade de se desconstruir a ideia da ciência geográfica essencialmente apoiada na descrição e memorização da ―Terra e o Homem‖, com informações sobrepostas, ou seja, extremamente técnicas, sendo baseadas, por exemplo, no estudo do relevo, clima, população e agricultura, por exemplo. O ensino da geografia, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2000), deverá ser estabelecido com base em elementos norteadores para a definição de competência e habilidades a serem desenvolvidos no ensino médio, sendo, portanto, aplicável a modalidade de ensino médio integrado no Instituto. Tais conceitos centrais são o de ‗Paisagem‘, o de ‗Lugar‘, o de ‗Território e de Territorialidade‘, o de
231
‗Globalização‘, ‗Técnica‘ e ‗Redes‘, com base em tais conceitos chaves deveram ser estabelecidos uma série de discussões e debates com a finalidade de que se promova o processo ensino-aprendizagem, nessa direção os Parâmetros curriculares nacionais (2000) diz que este conjunto de conceitos-chave não deve ser entendido como uma listagem de conteúdos ou um receituário, mas como elemento norteador da organização curricular e da definição das competências e habilidades básicas a serem desenvolvidas no Ensino Médio, a partir dos referenciais postos pelo conhecimento científico da Geografia. (BRASIL, 2000,p.34) Devendo ter como objetivo: • orientar o seu olhar para os fenômenos ligados ao espaço, reconhecendo-os não apenas a partir da dicotomia sociedade-natureza, mas tomando-os como produto das relações que orientam seu cotidiano, definem seu ―locus espacial‖ e o interligam a outros conjuntos espaciais; • reconhecer as contradições e os conflitos econômicos, sociais e culturais, o que permite comparar e avaliar qualidade de vida, hábitos, formas de utilização e/ou exploração de recursos e pessoas, em busca do respeito às diferenças e de uma organização social mais equânime; • tornar-se sujeito do processo ensino-aprendizagem para se descobrir convivendo em escala local, regional, nacional e global. A autonomia que a identidade do cidadão confere é necessária para expressar sua responsabilidade com o seu ―lugar-mundo‖, através de sua identidade territorial. Fonte: Parâmetros curriculares nacionais, 2000, p. 31.
O Corpo docente de geografia no IFPA – Campus Belém é composto por 11 professores, dentre estes apenas 10 ministram ou já ministraram aula para o Ensino Médio. Com base na análise das respostas obtidas com a aplicação desse questionário percebemos que, dentre os professores entrevistados, percebemos que 57 % desconhecem a proposta curricular da geografia no Instituto. No entanto, dos restantes dos entrevistados, ou seja, 43% dos atores pesquisados, apenas um professor, ou seja, 14% do universo pesquisado compreende o currículo do ensino médio integrado do IFPA – Campus Belém. O corpo docente de geografia do Instituto Federal do Pará – Campus Belém, é composto por 11 (onze) professores, no entanto, apenas 9 (nove) responderam ao questionário, uma vez que as professoras Vera Lúcia Figueredo e Carla Brenna Albuquerque não responderam ao questionário, a primeira pelo fato de nunca ter ministrado aula na modalidade de ensino médio integrado e a segunda por estar de férias durante a aplicação do questionário.
232
Proposta curricular da geografia para o ensino médio integrado 5 4
Conhecem a proposta do médio integrado
3 2
Não conhecem a proposta do médio integrado
1 0 Professores
Mesmo dentre os que conhecem, percebemos uma baixa utilização desse programa do ensino médio, ou seja, apenas cerca de 28 % dos entrevistados obedecem a matriz curricular que o IFPA estabelece para a geografia no ensino médio integrado.
Utilização da matriz curricular IFPA Não utilizam Utilizam
Resultados preliminares Nossa pesquisa encontra-se em estágio inicial obtendo, portanto, informações que prescindem de um elevado grau de reflexão, para a posterior construção científica de relevância. No entanto em primeira análise percebemos que não há uma uniformização do IFPA – Campus Belém acerca do ensino médio integrado, ou seja, não encontramos uma proposta clara e concreta para o ensino médio integrado no Instituto. Nesse sentido, buscamos ainda com a pesquisa a problematização dessa questão no âmbito do ensino geográfico, que nada impede, portanto, que este seja refletido em outras áreas do conhecimento. O currículo do ensino médio integrado é incompreendido, portanto não havendo a integração que se almejava com o Decreto Nº 5.154 de 23 de julho de 2004, havendo nesse momento no Instituto um ensino médio integrado baseado, de acordo com Ramos (2008) em competências e habilidades levado em consideração realidade práticas e técnicas, ou seja, não estando este modelo educacional alinhado a formação integrada que é objetivo de tal modalidade do ensino – tal carência de integração percebida no processo ensino-aprendizagem da geografia no cursos do médio integrado. Trazendo assim, retornos do que seria efetivamente a proposta do ensino médio integrado estabelecido pelo Decreto Lei Nº 5.149, uma vez que remetemos o termo [integrar] ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto e, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como principio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de
233
incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. (CIAVATTA, 2005, p. 84 apud SEED, 2007, p. 19). Desse modo propomos A construção de um currículo e de ações que efetivamente possam superar o ―somatório, superposição ou subordinação de conhecimentos uns aos outros‖, na direção de uma ―integração na perspectiva da totalidade‖ (RAMOS, 2008, p. 20). Sendo que este desafio deve ser encarado e enfrentado e persistido em prol de uma educação que deve ser de acordo com Ramos (2008) crítica e inquieta preocupada com a percepção do outro, enquanto agente na sociedade, e a percepção de suas relações com outros atores, levando, portanto a ser pensada como ―[...] uma utopia a ser construída coletivamente‖ (2008, p. 6). E assim, entender que a educação tem como objeto real armar o cidadão para uma guerra, a da competição com os demais. Sua finalidade, cada vez menos buscada e menos atingida, é a de formar gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo. A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida (SANTOS, 1987, p. 126).
Referências ALMADA, José Alexandre Berto; GONÇALVES, Francisco Eduardo. Geografia e ensino médio integrado: Primeiras impressões. Porto Alegre: ENG, 2010. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino médio. Coordenação Eny Marisa Maia, Brasília, MEC, 2000. ______.Decreto Lei 2.208 de 17 de abril de 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br> Acesso em 24 de outubro de 2012. ______. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Decreto 5.840. Brasilia, MEC, 2006. ______. LDB. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394/96. Apresentação Esther Grossi. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. ______. Lei dos Institutos Federais Lei 11.892/2008. ______. Instituto Federal do Pará. Disponível em <www.ifpa.edu.br> Acesso em 19 de abril de 2012. ______. Instituto Federal do Pará – Campus Belém. Disponível em <www.belem.ifpa.edu.br> Acesso em 19 de abril de 2012. ______. Centenário da rede federal de educação profissional e tecnológica. Brasília, 2009. CAMPELLO, Ana Margarida de Melo Barreto; FILHO, Domingos Leite. Educação profissional. In: Dicionário da educação profissional em saúde. Disponível em < http://www.epsjv.fiocruz.br > Acesso em 24 de outubro de 2012. CASSAB, Clarice. Reflexões sobre o ensino da geografia. In: Geografia: Ensino & Pesquisa. V. 13. n. 1 p. 13-50. Santa Maria, 2009. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A política de educação profissional do governo Lula: um percurso histórico controvertido. In: Educação & Sociedade. V 26 nº 92. Campinas: UNICAMP/CEDES, 2005. GARCIA, Sandra Regina de Oliveira. O fio da história: Gênese da formação profissional no Brasil. Londrina, s/d. GOTARDO, Renata Cristina da Costa. Integração curricular: O ensino médio integrado e o PROEJA. Cascavel: UNIOESTE, s/d. LIMA, Aldenôra Martins de. A educação profissional de nível técnico em Belém/PA. Belém, DFE/UFPA, s/d.
234
MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. MOREIRA, Ruy. O que é geografia? 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Brasiliense, 1985. PEREIRA, Raquel Maria Fontes do Amaral. Da geografia que se ensina à gênese da geografia moderna. Florianópolis: UFSC, 1999. RAMOS, Marise N. Concepção do ensino médio integrado. Texto apresentado em seminário promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Pará nos dias 8 e 9 de maio de 2008. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 1995. RIBEIRO, Waner Costa (Org.). Prática de ensino em geografia. São Paulo: Revista Terra Livre, Nº 08, 1991. RUIZ, Erasmo M. Indivíduo, trabalho e educação. UFC. Fortaleza, 2002 (Tese de Doutorado). SILVA, Iraneide Soares da. Caminhando na história da educação tecnológica do Brasil em busca da participação feminina e negra. UFC: s/d. SANTOS, M. O Espaço do Cidadão. São Paulo, Nobel, 1987. SOJA, Edward. Geografias pós-modernas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. SUANNO, Marilza Vanessa Rosa. Educação, equidade e crescimento econômico. Disponível em: <www2.ucg.br> Acesso em: 29 de fevereiro de 2012. SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. O atual e as tendências do ensino e da pesquisa em geografia no Brasil. In: Revista do Departamento de Geografia. Nº 16 2005, p. 38-45, Porto Alegre, 2005. TEODORO, Elinilze Guedes. Docentes na escola de aprendizes artífices do Pará: Diacronia dessa atuação. In: Revista Histedbr On-line, Campinas, n. 24, p. 26-39, 2006.
235
ACESSIBILIDADE PARA CEGOS NA TRILHA DO PARQUE DE ANANINDEUA ANTÔNIO DANÚBIO
Mailson Caires OLIVEIRA169 (FIBRA) O presente trabalho se constitui em uma pesquisa de campo realizada no Parque Ambiental de Ananindeua-PA Antônio Danúbio, que teve como objetivo por meio de um experimento, mostrar a possibilidade da prática do uso da trilha do lago pelos deficientes, em especial, os cegos, possibilitando acessibilidade para pessoas com limitações visuais. Pretende-se com tal estudo abrir um espaço de reflexão e conscientização quanto à questão do turismo inclusivo, assim como comentar alguns dados da pesquisa que refletem a necessidade de uma maior atenção com as pessoas cegas dentro de nosso país. Sendo assim, através dessa pesquisa pode-se verificar que as pessoas cegas podem se incluídas em áreas naturais, em especial em trilhas, através de indicações auditivas. Por meio deste experimento pretende-se investigar os seguintes aspectos: apresentar indicadores de acessibilidade de cegos no parque de Ananindeua Antônio Danúbio, e dessa forma detectar os acessos de locomoção dentro do parque para pessoas com limitações visuais e pessoas cegas. Palavras-chave: Orientação, Cegos na trilha, Turismo.
1 INTRODUÇÃO Partindo da problemática de que o parque ambiental ―Antônio Danúbio‖, implantado em Ananindeua-Pará, aparenta ainda não estar operacionalmente adaptado e adequado às pessoas com limitações visuais, a presente investigação foca a acessibilidade de cegos às práticas de turismo, enquanto elemento de inclusão social, questão atualmente considerada desafiadora e instigante, da qual se busca investigar a experiência do uso de trilhas do parque ambiental Antonio Danúbio, revelando práticas operacionais no campo turístico, adaptadas às pessoas cegas, no âmbito do respeito aos direitos humanos. De acordo com o censo do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o programa Brasil Acessível (2006), apresentou como resultado que 14,5% da população brasileira apresentam algum tipo de deficiência, totalizando aproximadamente 24,6 milhões de pessoas. Perante esta realidade, no ano 2000 foram aprovadas no Brasil as Leis Federais (nº 10.048 e 10.098) que tratam da acessibilidade para pessoas com limitações em espaços públicos, comunicação, sistema de transporte e estabelecem prioridade de atendimento público. Com isso busca-se responder à seguinte questão: Como o Parque Ambiental Antônio Danúbio, da cidade de Ananindeua – Pará está adaptado para uso de portadores de necessidades visuais, os cegos, em especial na trilha do lago. 2 METODOLOGIA A pesquisa inicialmente se deu por uma revisão bibliográfica a partir de pesquisadores e autores que discutem o tema proposto, revisando o processo histórico da vida de pessoas com limitações e a inclusão das mesmas na sociedade. Foram realizadas consultas à internet e a associações de cegos. Na metodologia do trabalho foram utilizados os pressupostos teóricos da pesquisa qualitativa, que possibilita investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto real, de acordo com Teixeira (2006). Para não haver comprometimento da qualidade da pesquisa, optou-se por avaliar apenas um caso, que é mostrar a possibilidade da prática do uso da trilha do lago pelos deficientes, em especial, os cegos, através de um experimento. A investigação foi desenvolvida no Parque Ambiental de Ananindeua-PA, localizado na BR 316, Km 05. Foi realizado um contato inicial com a direção do parque, para a exposição do projeto, através de uma conversa formal, utilizando o Termo de Conscientização Livre e Esclarecido (TCLE). 169
Pós-graduando em Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial, bacharel em Turismo. E-mail: mkayres@yahoo.com.br
236
A pesquisa foi realizada em várias etapas, nas quais se destacam consultas às referências bibliográficas, no sentido de elaborar a revisão teórica. O experimento foi realizado com oito videntes vendados (quatro homens e quatro mulheres) e dois cegos (homens). Os dois cegos que participaram desse projeto são de associações de cegos (Unidade Especializada Álvares de Azevedo) e os videntes são alunos da Escola Rainha da Paz. Logo após o experimento, foi realizada uma entrevista com os dois cegos e aplicado um questionário aos videntes, onde foi possível analisar diferentes aspectos com relação às sensações dos participantes durante a trilha. Na etapa final da pesquisa realizou-se uma análise dos dados coletados e desenvolveu-se a parte escrita da pesquisa.
3 PARQUE AMBIENTAL DE ANANINDEUA O Parque Ambiental de Ananindeua foi fundado no dia 01de outubro de 2010, com intuito de contribuir para a restauração e conservação da biodiversidade, proporcionando atividades de trilhas interpretativas como a trilha do lago, bem como proporcionar uma educação ambiental e oferecer o contato com a natureza e o turismo ecológico. Seu funcionamento é de terça-feira a domingo, das 8h às 17h para visitação. Com uma Área total de 30 mil m² o parque possui dois complexos de Educação Ambiental, e está incluso na classificação de unidade de conservação. 3.1 SUA CLASSIFICAÇÃO COMO UNIDADE DE CONSERVAÇÃO Na década de 1970, o Brasil não possuía uma estratégia nacional global para selecionar e planejar as Unidades de Conservação - UCs. Até então, eram justificadas pelas belezas cênicas que possuíam. A proteção dos ecossistemas e de espécies ameaçadas, do ponto de vista conceitual e metodológica era precária. Em parte inspirado pelas diretrizes para o estabelecimento do Sistema de Unidade de Conservação desenvolvida pela União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), em 1978, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) propôs, em 1979, a I Etapa do Plano do Sistema de Unidade de Conservação para o Brasil, que estabelecia a região amazônica como prioritária para criação de novas Unidades. Este documento se constituiu no primeiro momento a contemplar critérios científicos, políticos e técnicos para indicação do sistema de unidade de conservação. A II Etapa do plano foi estabelecida em 1981, sob a Lei n° 6931, que criava a Política Nacional do Meio Ambiente, que veio definir a questão do meio ambiente no Brasil. O SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente - foi estabelecido pela Lei n° 6.938/81 como o conjunto de regras e práticas da União, Estados e Municípios responsáveis pela proteção da qualidade ambiental, isso sobre a direção superior do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente. A III etapa do plano do Sistema de Unidades de Conservação surgiu no Brasil em 1982. Buscando além dos critérios técnico-científicos para implantação de UCs. Em 1989 o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, por meio da Lei n° 7.735, buscou unificar a Política Ambiental Brasileira e corrigir as ambivalências e distorções presentes, principalmente na administração das UCs. Neste mesmo ano, o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente junto com a FUNATURA – Fundação para Conservação da Natureza, assinou um acordo para a elaboração de uma proposta do Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, com o objetivo de sistematizar conceitos e tipo de categorias destas Unidades. Baseado na proposta de 1989, o poder executivo federal encaminhou em 1992, ao Congresso Nacional, o anteprojeto de Lei n° 2.892, que dispunha sobre os objetivos nacionais de conservação da natureza, e cria o SNUC,
237
com isso estabelece medidas de preservação da atividade biológica e dá outras providências. Esta proposta definiu a existência de 10 (dez) categorias de manejo reunidas em três grupos que são Unidades de Proteção Integral, Unidades de Manejo Provisório e Unidades de Manejo Sustentável, segundo a Lei nº 9.985. Depois de muitas críticas e controvérsias entre especialistas e interessados, foi sancionada a Lei n° 9.985, em 18 de Junho de 2000, que instituiu o SNUC, e o definiu como o conjunto de unidades de conservação, devidamente selecionadas, que atendem de forma mais ampla possível aos objetivos Nacionais de Conservação da Natureza, destacando-se de maneira particular a proteção de parcela significativa de todos os ecossistemas que existem no Brasil [...] (BRASIL Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000). O SNUC estabeleceu as normas e critérios para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação. De acordo com o disposto na Lei, as UCs são constituídas por UCs federais, estaduais e municipais. Possuem vários objetivos e visam a favorecer condições de promoção da Educação Ambiental, assim como, a interpretação e recreação, tudo isso em um contato direto com a natureza. Sendo assim, entende-se por UC o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as áreas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob-regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção segundo o SNUC. (BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000). A criação das Unidades de Conservação é feita pelo Poder Público, devendo seguir estudos técnicos e a realização de consultas públicas que determinem a área de localização e os limites. A partir da criação de uma UC, em um prazo de cinco anos no máximo a partir da sua criação, têm de ser elaborado o Plano de Manejo do Local. Entende-se por plano de manejo todo e qualquer procedimento que fundamente os objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, e que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas de uma Unidade de Conservação. (BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000). O Plano de Manejo é um projeto que têm por objetivo determinar o zoneamento de um parque, caracterizando cada uma de suas zonas e propondo o desenvolvimento físico de acordo com as suas finalidades. E ainda de acordo com SILVA (1999, p.07) que inclui como objetivo do manejo também desenvolver a educação ambiental, oferecer oportunidades para a recreação pública. Após algumas observações e pesquisas verificou-se que não existe Plano de Manejo no Parque Ambiental de Ananindeua Antônio Danúbio durante a elaboração deste trabalho, mas houve asseguramento por parte da direção do parque, que o conselho empossado no mês de junho de 2011, vai dar andamento ao trabalho do Plano de Manejo. E o parque Ambiental de Ananindeua entra na classificação como Unidade de Proteção Integral, categoria de manejo do SNUC. 3.2 PESSOAS COM LIMITAÇÕES NA ATIVIDADE TURÍSTICA A ONU - Organização das Nações Unidas destaca, no âmbito internacional, alguns programas de ação mundial para pessoas com limitações, e mostra que para entender melhor sobre inclusão e acessibilidade é importante observar alguns conceitos, que para a ONU são importantes para se pensar em cidadania para todos, sendo estes: Impedimento: é quando um determinado indivíduo tem a situação desvantajosa, em consequência de alguma limitação ou de incapacidade, que limite ou impede o desempenho de um papel que é ―normal‖ em seu caso. O impedimento é algo relacionado com a função que o mesmo tem de desenvolver e é impedido por alguns fatores.
238
Equiparação de oportunidade de autonomia: isso é o processo no qual o sistema geral da sociedade como meio físico e cultural, moradia e transporte, serviços sociais, inclusive instalações desportivas e de lazer se tornam acessíveis a todos. Mostrando a caracterização da independência, a capacidade do individuo de desfrutar os espaços e elementos espontaneamente, segundo sua própria vontade. A cidadania tem como característica a conquista por independência, assim como autonomia. Em nossa sociedade, este processo é visto como uma relação direta com o bem estar do indivíduo no meio em que ele vive. E quando um ambiente tem barreiras para as pessoas com limitações, fica claro que este objetivo que é a cidadania destas pessoas não é alcançado, pois as barreiras visíveis e invisíveis são consequências que impedem a circulação, entendida como a falta de acessibilidade aos espaços. Diante de várias perspectivas no mundo atual, sabe-se que a luta pela igualdade de todos ainda é um caminho longo a ser percorrido por várias organizações que lutam por estes direitos. Na realidade brasileira existem vários organismos cuidando dessa questão, dentre esses pode ser exemplificada o papel da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Limitações, que foi reestruturada a partir da Lei de nº 7853/89 e se tornou o órgão responsável pela coordenação das ações governamentais, relacionado à questão das limitações das pessoas especiais, por elaboração de programas e projetos, assim como pela conscientização da sociedade como um todo, nesta integração social que é muito importante para as pessoas com limitações, assim como para toda uma sociedade e mercado. 4 PATRIMÔNIO NATURAL A real implementação de políticas públicas patrimoniais que promovam efetivamente o desenvolvimento sustentável representa um dos maiores desafios a serem enfrentados por toda a sociedade, principalmente na inclusão de cegos. Se considerarmos que a degradação patrimonial é resultante de um processo social, determinado pelo modo como a sociedade não vem valorizando o meio patrimonial/ natural. Observou-se que as mudanças necessárias à sustentabilidade só irão ocorrer frente a novos comportamentos e novos processos sociais. A inclusão deve acontecer dentro do patrimônio natural com pessoas cegas, como afirma Sassaki: A inclusão social é o processo pelo qual a sociedade e o portador de deficiência procuram adaptar-se mutuamente tendo em vista a equiparação de oportunidades e consequentemente, uma sociedade para todos. A inclusão (na escola, no trabalho, no lazer, nos serviços de saúde etc.) significa que a sociedade deve adaptar-se às necessidades da pessoa com deficiência para que esta possa desenvolver-se em todos os aspectos de sua vida. (SASSAKI, 1997, p. 167-168).
Se as necessidades de todos os indivíduos devem ser respeitadas, nos ambientes patrimoniais, que têm um potencial educativo-cultural tão importante, faz-se necessário garantir o respeito das necessidades especiais dos visitantes. Assim como as pessoas cegas tem de ser incluída no processo de Educação Patrimonial, para que nosso Patrimônio venha ser cada vez mais valorizado e respeitado por toda uma sociedade, desta forma se as pessoas cegas forem incluídas dentro de parques como o Danúbio a Educação Patrimonial será uma realidade na vida dos cegos de nosso país. Porém vale lembrar que a trajetória do patrimônio tem sido marcada pelo fortalecimento das identidades culturais, mas também por rupturas e interesses políticos. Desta forma, não é possível analisarmos a Educação Patrimonial sem antes lembrarmos que existiram diferentes definições do patrimônio, e a Educação Patrimonial surge como estratégia de unir o Patrimônio com a Educação se apropriando dos termos de preservação, conservação e pertencimento. Os espaços educativos do parque Danúbio é um excelente ambiente para Educação Patrimonial de pessoas cegas ou com baixa visão em nosso estado, pois conforme Freire ―Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
239
mesmo, os homens se educam entre si, midiatizados pelo mundo‖ (FREIRE, 1997, p: 39). Como o autor nos coloca, não somos capazes de nos educar diante de outra pessoa e sim no contato com diversas pessoas e o meio em que estamos inseridos, acreditamos que a presença de grupos indivíduos perante o patrimônio torne a Educação Patrimonial mais educativa, para que possam reconhecer questionar e buscar significados para sua preservação possa introduzir o sentimento de pertença dos indivíduos. Nessa perspectiva a educação patrimonial é vista como elemento que resolveria as tensões entre o patrimônio o indivíduo e a sociedade. Desta forma, não podemos deixar os cegos fora do processo de Educação Patrimonial, que é o reconhecimento e valorização do patrimônio/natural dentro de nossa sociedade, pois sabemos que as pessoas cegas precisam desta forma de educação para poder questionar e buscar significado para a preservação. 5 RESULTADOS DO EXPERIMENTO 5.1 OBSERVAÇÕES Os resultados a seguir mostram o experimento com os videntes, e os resultados coletados na realização do experimento com os cegos. Para viabilizar as considerações sobre a realização deste experimento para cegos no parque Ambiental de Ananindeua, mais precisamente na trilha do lago, onde foi realizada a pesquisa, como forma de inclusão para pessoas cegas. Por meio da realização deste experimento, o qual foi conduzido por 03 (três) monitoras do parque e contaram com a participação de 02 (dois) cegos, tornando possível identificar quais seriam as facilidades e barreiras encontradas na realização do experimento através da observação participante e de entrevistas para identificar quais as maiores dificuldades encontradas durante a trajetória da trilha do lago pelos cegos. Contou também com a participação de 07 (sete) alunos do ensino médio da Escola Rainha da Paz que possibilitaram ter uma visão mais ampla do experimento, pois foram vendados para descrever as sensações durante o desenvolvimento do trabalho, e no final foi aplicado um questionário para saber quais foram suas dificuldades no percurso do experimento. Os sujeitos da Escola Rainha da Paz eram 03 (três) do sexo masculino e 04 (quatro) do sexo feminino, com idade entre 16 a 20 anos. E os 02 (dois) cegos que participaram do experimento eram do sexo masculino e são da associação de cegos Álvares de Azevedo, com idade entre 25 a 30 anos. Nas observações feitas, percebeu-se a falta de sinalização para indicar o inicio da trilha ou o fim. Verifica-se que no Parque Danúbio, existe a consciência do problema e a administração do parque vem tentando solucionar as dificuldades de acessibilidade. Pois se entende que as pessoas que visitam o parque tem o mesmo direito de usufruir do espaço de lazer que o local oferece, não importando se são pessoas com limitações. Observou-se que o nível de detalhamento para trabalhar com este público, os cegos, é algo que deixa os empresários e órgãos públicos inibidos em relação principalmente do custo associado ao processo de implantação. Alguns dos problemas relatados pelos cegos e alunos foi o abandono durante uma das dinâmicas aplicadas em uma das clareiras da trilha, assim como a falta de sensibilização dos monitores em relação aos participantes, a falta de placa em Braille. As observações feitas são uma afirmação que o experimento mostra quando um dos maiores problemas enfrentado pelos cegos, dentro do Parque Danúbio é que os monitores não são preparados para atender essa demanda e não tem uma conscientização do grau dos erros cometidos por eles durante o percurso da trilha. É interessante salientar que alguns dos monitores não estavam apropriadamente vestidos para uma trilha. Pois se sabe que convém usar roupas claras, leves e confortáveis, assim como tênis ou botas para caminhadas.
240
Os monitores têm que estar prontos para passar as recomendações necessárias para garantir a qualidade do meio ambiente, coisa que não foi claramente explicado por eles. 5.2 DISCUSSÃO Com relação aos videntes podemos dizer de um modo geral que tiveram algumas dificuldades na distância percorrida e na localização dentro da trilha. As dinâmicas utilizadas neste processo do experimento foram criadas pelo autor do livro Vivências com a Natureza, chamado Joseph Cornell (2008, p.64). No experimento foi utilizada uma dinâmica chamada pequena lagarta, mas a dinâmica foi adaptada para o momento. Os alunos foram vendados e formaram uma fila, como se fosse uma lagarta, onde cada um teve de colocar o braço no ombro do que estava a frente dele. Conforme a condução, os alunos eram estimulados a ouvir, cheirar e sentir o que estava se passando ao seu redor, o mais plenamente que puderem. Ao longo da dinâmica, que aconteceu até a chegada da primeira clareira da trilha, os alunos começaram a perceber com mais sensibilização o meio em que estavam. Esta dinâmica foi desenvolvida para poder explorar e orientar a percepção sensorial dos alunos. A segunda parte do experimento foi realizada através de sensibilização auditiva, como forma de orientação espacial na trilha do lago utilizando o som de apitos. O turismo em áreas naturais para cegos é uma realidade no Brasil, com atividades desenvolvidas com o som de apitos para a localização das barreiras e como forma de orientação dos mesmos no percurso de trilha, desta forma, sensibilizado as pessoas cegas da importância do patrimônio natural. O uso de apitos mostrou mais praticidade para a execução da atividade, embora sua identificação tenha sido mais difícil para alguns participantes videntes. A maioria deles conseguiu percorrer a trilha sem sair de seu trajeto, e quando ocorria um desvio mais acentuado, os monitores intervinham, para que não acontecessem acidentes. Nota-se que a cegueira não é barreira para o contato com o patrimônio natural, pois as belezas naturais além de apreciadas com os olhos podem ser também um deleito para os outros sentidos. Conclui-se que os aspectos a serem destacado são que, o experimento mostrou que a trilha do lago apesar de seus obstáculos, às pessoas cegas, consegue com auxílio de monitores, um bom desenvolvimento das atividades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir da pesquisa realizada que a adaptação da trilha do lago, localizada no Parque Ambiental de Ananindeua, exige muito pouco quando se trata de pessoas com cegueira, necessitando de: implantação e desenvolvimento da responsabilidade social; consciência inclusiva; criatividade e inovação; excelência no atendimento por parte dos monitores. Enfim, como todo estudo exploratório, a pesquisa realizada no Parque Danúbio, deixa claro que não se tem pretensão de fazer conclusões definitivas a respeito do tema. Ressalta-se que, o uso dos apitos trouxe mais praticidade para a execução da atividade, pois a maioria dos participantes conseguiu percorrer a trilha sem sair muito de seu trajeto. Para finalizar, o objetivo geral deste trabalho foi alcançado, pois tinha como intuito um experimento, para saber as reais situações que o parque se encontrava perante a acessibilidade de pessoas cegas. Assim os objetivos específicos também foram alcançados com satisfação, pois o experimento mostrou que as perguntas acerca da acessibilidade foram respondidas com êxito.
241
REFERENCIAS CORNELL, Joseph. Vivências com a Natureza. 3ed. São Paulo: Aquariana, 2008. 64 p. FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, 17ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências In: CAMARA, I.G. (Coord.); STRANG, H. E. (Colab.). Legislação de conservação da natureza. 4. ed. São Paulo: Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza - FBCN, 1986f. 467-474p. SILVA, J. M. C. Orientação para a criação de novas unidades de conservação. Abril 1999, 7 p. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão./ Construindo uma sociedade para todos. 2ª ed., Rio de Janeiro : WVA, 1997. TEIXEIRA, E. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. 203 p. INTERNET BRASIL, Lei n° 9.985 de 18 de junho de 2000. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Conservação da Natureza. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm. Data de acesso em: 14/11/2012 BRASIL, Lei n° 7853/1989. Coordenadoria Nacional de integração da pessoa com deficiência, 2004. Disponível em: HTTP:// portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/direitosaeducacâo.pdf. Data de acesso em: 21/11/2011. BRASIL, Lei nº 10.048 e 10.098. Acessibilidade para pessoas com limitações em espaços públicos, comunicação, sistema de transporte e estabelece prioridade de atendimento público. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7823.htm. Data de acesso em: 21/11/2011. BRASIL, Lei nº 7.735. Dispõe sobre a extinção de órgão de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7735.htm. Data de acesso: 21/05/2011. BRASIL, Lei nº 6.932. Criava a política Nacional do Meio Ambiente, que veio definir a questão do meio ambiente no Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D6931.htm. Data de acesso: 24/06/2011. Decreto N° 5296, de 02 de Dezembro de 2004. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Data de acesso: 12/06/2011. IBGE, 2011, Dados sobre pessoas com limitações no Brasil. Disponível em: HTTP://www.ibge.gov.br. Data de acesso em: 10/10/2011. Norma brasileira, ABNT NBR 9050: Acessibilidade à edificação, mobiliário, espaços e equipamentos Urbanos. Disponível em: HTTP://www.mpdft.gov.br/sincord/nbr9050-310522001.pdf. Data de acesso em: 01/12/2011. ONU – Convenção dos direitos das pessoas com deficiência. Organização das Nações Unidas, Ministério da Justiça. Corde. Brasil, 2006. Disponível em: HTTP://www.mj.gov.br/mpsicorde/arquivos/publicacao/714/imagens/714_1.doc. Data de acesso em: 12/11/2011. Projeto de Lei no 2.892, de 1992. Dispõe sobre os Objetivos Nacionais de Conservação da Natureza cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, estabelece medidas de preservação da diversidade biológica e dá outras providências. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;rio.grande.sul;sant.ana.livramento:municipal:lei:1992-04-03;2892 . Data de acesso: 20/11/2011.
242
PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE ALUNOS E PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA-PA, NO ANO DE 2012 Cléa de Nazaré Soares da COSTA (IESAM) Dielle de Aguiar TINOCO (IESAM) Lucidéa de Oliveira Santos (IESAM)
A percepção ambiental é de suma relevância na atualidade, diante da crise ambiental que vem se instalando no contexto mundial. Os estudos de percepção buscam compreender a inter-relação existente entre o homem e a natureza. A percepção é uma das estratégias da educação ambiental, buscando conhecer a comunidade envolvida para em seguida adotar ações e projetos que promovam a melhoria da qualidade ambiental. Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de um estudo de caso em uma escola de ensino fundamental Príncipe da Paz, localizada na cidade de Ananindeua-PA, com o objetivo de analisar e observar o conhecimento sobre a percepção ambiental de alunos e professores quanto à educação ambiental no contexto escolar. Esta investigação classifica-se como qualitativa com caráter descritivo e analítico. As técnicas de coletas de dados foram: observações, aplicações de questionários e entrevistas. Os resultados indicam que os educadores detêm conhecimento sobre a temática ambiental. Porém, percebem-se ainda muitas atividades pontuais e meramente informativas, sendo necessário um maior aprofundamento dos temas ambientais trabalhados em sala de aula, unido a prática e a teoria de acordo com a realidade do dia a dia. O presente estudo obteve resultados satisfatórios, pois trouxe informações quanto à percepção da comunidade envolvida podendo servir como base para o desenvolvimento de projetos e ações de educação ambiental na escola de acordo com a realidade local. Palavras-chave: Educação Ambiental, Contexto escolar, Percepção Ambiental.
1 INTRODUÇÃO Na atual conjuntura, diante da crise ambiental que se vem instalando no contexto mundial, em decorrência do progresso da urbanização acelerada e as transformações tecnológicas, surgiram novas preocupações com o meio ambiente e a busca por alternativas que possam vir a promover a utilização sustentável dos recursos naturais. Diante desta perspectiva, o estudo da percepção ambiental vem ganhando importância, na busca de compreender a inter-relação existente entre o homem e a natureza. Já que cada indivíduo constrói e tem atitudes em relação ao meio ambiente em consonância com os conhecimentos adquiridos, experiências e culturas. De acordo com Oliveira e Vargas (2009), A percepção ambiental acaba então por estabelecer os vínculos afetivos do indivíduo com o ambiente vivido através das imagens percebidas e seus significados, as sensações, as impressões e os laços afetivos aí construídos. A percepção é uma das estratégias da educação ambiental, pois primeiramente é necessário conhecer a comunidade envolvida para em seguida adotar ações e projetos que promovam a melhoria da qualidade ambiental. A Percepção ambiental promove ainda uma tomada de consciência e condutas que venham a cuidar e proteger o ambiente. Oliveira e Corona (2008, p.2) enfatizam que ―através destes estudos é possível identificar as formas precisas em que a educação ambiental poderá sensibilizar, conscientizar e trabalhar conjuntamente as dificuldades ou dúvidas que os sujeitos-atores possam vir a ter [...]‖. A educação ambiental é uma ferramenta de intervenção social na busca pela transformação de valores e atitudes dos indivíduos visando à conservação do meio ambiente. Por meio da Educação Ambiental, o cidadão pode vir a entender melhor a relação do homem com o meio ambiente compreendendo as necessidades para a melhoria de qualidade de vida. A escola é um instrumento fundamental em disseminar ideias e valores que possibilitem a conscientização do aluno em relação à temática ambiental. E nessa visão contribui para a formação de cidadãos conscientes e cumpre seu papel de mediadora na transformação da realidade.
243
Segundo Marçal (2005) A escola, principalmente a de ensino fundamental, se apresenta como um espaço privilegiado para as discussões socioambientais, no sentido de provocar mudanças nos padrões sociais de forma a ajustá-los à realidade em que vivemos. Diante desse contexto, surge a necessidade de compreender melhor as percepções dos diferentes agentes sociais da comunidade escolar, buscando subsídios para estratégias de educação e conscientização ambiental de acordo com a realidade local. Com base nessas considerações, foi desenvolvida esta pesquisa, com o objetivo de analisar a percepção de alunos e professores do Ensino Fundamental quanto à educação ambiental no contexto escolar.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A percepção ambiental é a maneira como o homem percebe e compreende o meio ambiente em que está inserido. Sendo que esta ocorre de maneira diferenciada de indivíduo para indivíduo, pois cada um tem uma forma distinta de perceber e interagir com o meio ambiente que está em sua volta. A partir dessa interação podem ser gerados resultados tantos positivos quanto negativos em relação à conduta das pessoas sobre o meio ambiente. Os indivíduos percebem, reagem e respondem de maneira diferente frente às ações sobre o meio (OLIVEIRA; CORONA, 2008). Noronha (2007) explica que, as pessoas diferem em sua percepção, pois a compreensão da experiência perceptiva é diferente de indivíduo para indivíduo no tempo e no espaço. E Melazo (2005) contribui dizendo que: ―O ambiente natural assim como os ambientes construídos são percebidos de acordo com os valores e as experiências individuais dos homens onde são atribuídos valores e significados em um determinado grau de importância em suas vidas‖. Palma (2005, p.2) vem afirmar sobre a atualidade e contribuição do estudo de percepção ambiental: A pesquisa de percepção ambiental pode ser utilizada nas mais variadas áreas do conhecimento, sendo um tema muito atual e de grande importância, pois com a análise da percepção ambiental, pode-se determinar as necessidades de uma população. E propor melhorias com embasamento e entendimento dos problemas, com mais eficiência na solução dos mesmos.
Afinal, tentar conhecer a cada um, a partir de seus atos e percepções, pode subsidiar a realização de um trabalho focado em bases locais, propiciando de esta forma atingir resultados mais satisfatórios e adequados àquela realidade (CARVALHO; CARVALHO; SILVA, 2012). Carvalho, Carvalho e Silva (2012, p.2) vêm ainda ressaltar sobre a importância em conhecer a percepção da comunidade envolvida dizendo que: A percepção inadequada da realidade promove a utilização dos recursos ambientais de maneira insustentável, comprometendo a estabilidade ambiental e social. Para realização dos processos de educação, planejamento e gerenciamento voltados às questões ambientais são indispensáveis conhecer a percepção ambiental do grupo envolvido.
A avaliação da percepção ambiental contribui ainda para observar a deficiência existente no sistema educacional e a necessidade de um maior aprimoramento e o exercício de práticas eficientes para o início das mudanças de comportamentos ambientais da comunidade escolar como um todo. A educação ambiental é um instrumento essencial na formação da consciência crítica dos sujeitos sociais, tendo a capacidade de promover a formação de novos valores éticos e de buscar contemplar a realidade em que os educandos estão inseridos a cerca da temática ambiental, valorizando as ações e as práticas realizadas no dia-a-dia. A escola é um local propício para incentivar comportamentos ambientalmente corretos, participando do processo de formação de conhecimento, valores e atitudes dos alunos em relação aos cuidados com o meio ambiente.
244
Os Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação (PCN) orientam o trabalho pedagógico a ser realizado com a temática ambiental e ressaltam a necessidade de abordar a educação ambiental através da interdisciplinaridade devido a educação ambiental envolver múltiplas e complexas relações, como a mudança de comportamento. A percepção nos permite tomar uma consciência da realidade em que vivemos. Por, isto seu estudo é importante na Educação Ambiental, pois muitos dos aspectos da mesma estão relacionados ao ato de aprender e conscientização dos atores e atrizes envolvidos [...] (MENGHINI, 2005).
3 METODOLOGIA DA PESQUISA A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de caráter descritivo e analítico, abordada por meio de um estudo de caso, na Escola Particular de Ensino Médio e Fundamental Príncipe da Paz, localizada na Rua Estrada da Providência, n° 8/a, cidade nova 8, Bairro do Coqueiro, na cidade de Ananindeua -PA. A pesquisa qualitativa, segundo Neves (1996) compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. De acordo com Godoy (1995), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental. A pesquisa qualitativa descritiva busca compreender melhor o fenômeno estudado, visando buscar uma percepção particular do que está sendo pesquisado. O estudo de caso se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Visa ao exame detalhado de um ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação particular (GODOY, 1995). As técnicas de coletas de dados foram: observações, aplicações de questionários e entrevistas. O período da pesquisa ocorreu entre os meses de maio a junho de 2012. As observações do ambiente escolar foram feitas durante a visita de campo visando identificar a percepção e as práticas educativas com relação ao meio ambiente. O público alvo foram alunos e professores do 2° ao 5° ano do Ensino fundamental. O universo da amostra foi: 4 professoras e 79 alunos. Aos alunos, com faixa etária de 06 a 13 anos, aplicamos questionários semiestruturados (questões abertas e fechadas) que foram entregues de forma coletiva em sala de aula com auxílio dos professores. Além da confecção de desenhos sobre o meio ambiente produzidos por eles. Com os educadores foram realizados questionários semiestruturados e entrevistas, avaliando a concepção de educação ambiental utilizada em suas práticas pedagógicas, os temas ambientais mais trabalhados nas suas disciplinas e as metodologias utilizadas para a inclusão do tema meio ambiente. O levantamento dos dados secundários foi coletado por meio da consulta a materiais bibliográficos disponíveis buscando aprofundamento do estudo e da pesquisa.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Após a aplicação dos questionários, realização de entrevistas e observações seguiu-se a fase da análise de todos os dados obtidos durante a fase de pesquisa. Com relação ao entendimento sobre educação ambiental, a maioria dos educadores manifestou uma concepção com tendência globalizante, onde se verifica o entendimento de uma relação do homem com o meio ambiente, podendo o homem vir a adotar mudanças de valores e práticas voltadas ao cuidado com o meio em que vive. A professora 1 afirma dizendo que: ―A Educação ambiental é fazer com que a criança perceba a importância do ambiente em que ela vive, a questão do cuidado com o meio ambiente e com ela mesma, porque ela faz parte do meio ambiente também‖.
245
Porém, constata-se ainda a presença de uma educação direcionada apenas na transmissão de conhecimento, caráter informativo da escola, com a passagem de conhecimentos ecologicamente corretos. Como enfatiza a professora 2 ao dizer que: ― A escola tem a questão de informar quanto a importância de se manter um meio ambiente saudável‖. A educação ambiental deve ser desenvolvida integralmente dando continuidade de maneira permanente. No entanto, observamos que os professores ainda não desenvolvem a EA de forma gradativa e constante. O desenvolvimento de ações ambientais exige trabalho e criatividade visando produzir consequências benéficas na vida dos alunos através da adoção de posturas pessoais e comunitárias construtivas. Quando questionados como a educação ambiental é desenvolvida na escola, em sua maioria, os professores responderam que é trabalhada de forma interdisciplinar dentro das disciplinas abordadas em sala de aula. E mesmo o meio ambiente sendo um tema transversal, o que podemos observar é que o mesmo não é trabalhado em todas as disciplinas. O assunto é abordado com mais frequência em disciplinas como: ciências, geografia e artes. Como comenta a professora 3 dizendo que: ― Trabalho a educação ambiental mais na aula de artes fazendo desenhos.‖ Com relação ao questionamento sobre o desenvolvimento de atividades de educação ambiental dentro de sala de aula, os docentes enfatizam que trabalham a EA. A professora 3 fala que: ―Trabalho com texto, com trabalho de pesquisa, sobre a rua onde moram, como é na casa deles, trabalho extraclasse, para eles entenderem a importância de trabalhar o tema educação ambiental‖. A respeito das dificuldades encontradas em sala de aula para se trabalhar a educação ambiental, a professora 3 fala que: ― As dificuldades estão no apoio em casa, na escola. E até mesmo o tempo, pois o que observamos é que se dá uma importância em cumprir o conteúdo que foi determinado, esquecendo de verificar se realmente a criança está aprendendo‖. Todos os professores consideram seus alunos capazes de serem instrumentos de conscientização para outras pessoas. Porém, ressaltam que é necessário um trabalho contínuo e interligado com toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores, direção e vizinhança), para que assim seja realizado um trabalho eficiente que gere resultados nas atitudes e ações do aluno na sociedade. A professora 2 contribui dizendo que: ―Agente não pode ver a escola como um único meio de aprendizagem, a escola tem sim um papel importante, mas fica difícil quando agente trabalha sozinho com a questão do meio ambiente‖. Durante a investigação observamos que os alunos do 2° ano apresentaram uma tendência à concepção naturalista com destaque apenas aos aspectos naturais (árvores, as flores e os animais) não levando em conta a interação e ligação existente entre todos que fazem parte do meio ambiente. A percepção naturalista teve uma representação significativa de 85,7% dos alunos. Enquanto que a antropocêntrica apresentou 14,3% das respostas representando a visão da utilidade dos recursos naturais para a sobrevivência do homem, quanto à visão globalizante, que representa a reciprocidade da natureza e a sociedade, não foi constatado em nenhuma das respostas dos alunos do 2º ano. Ainda com alunos do 2° ano utilizamos desenhos na busca de dados precisos para representar como os mesmos veem o meio ambiente. Os educandos mostraram-se bastante receptivos a aplicação dos mapas mentais (utilização de desenhos). As figuras 1 e 2 representam a visão naturalista dos referidos alunos.
246
Figura 1- Percepção das crianças do 2° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 01, 07 anos, sala 02, junho 2012. Figura 2- Percepção das crianças do 2° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 02, 06 anos, sala 02, junho 2012.
Os alunos do 3° ano, a sua maioria, tem uma visão naturalista representada por 61,90%, como podemos verificar na figura 3, na qual se observa a ligação do meio ambiente com os fatores naturais como árvores, rios, plantas, céu e animais.
Figura 3- Percepção naturalista de crianças do 3° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 05, 08 anos, sala 03, junho 2012.
Outros alunos do 3º ano, 4,8% apresentaram a visão antropocêntrica considerando o homem como elemento central do meio ambiente e que usufrui das utilidades ofertadas pela natureza. Como evidenciado na figura 4.
247
Figura 4- Percepção antropocêntrica de crianças do 3° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 07, 09 anos, sala 03, junho 2012.
Os demais alunos do 3° ano, 33,10%, apresentaram percepção globalizante da relação do homem com o meio ambiente, na qual o homem interfere e deve cuidar do ambiente em que vive. Como mostrado nas figuras 5 e 6. Figura 5- Percepção globalizante por crianças do 3° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 09, 10 anos, sala 06, junho 2012.
Figura 6- Percepção globalizante por crianças do 3° ano do ensino fundamental.
Fonte: Aluno 12, 09 anos, sala 06, junho 2012.
Analisando os questionários aplicados aos alunos do 4º ano verificou-se que 72,22% possuem uma visão naturalista do meio ambiente, uma natureza intocada. Como constatado nas seguintes respostas: Aluno (01) ―O meio ambiente são todos os elementos da natureza‖. Aluno (14) ―O meio ambiente é a natureza‖. Aluno (02) ―São pessoas boas que não derrubam as árvores, pessoas que respeitam‖. Aluno (15) ―São as plantas, as flores, as árvores‖.
248
A visão antropocêntrica apresentou 11,11% das respostas coletadas. Na qual o meio ambiente é visto de forma apenas utilitária para a sobrevivência do homem. Exemplificado a seguir: ―O meio ambiente são casas, escolas, parques, museus, supermercados, prédios‖ (Aluno 06); ―É onde você mora, que faz parte da sua vida‖ (Aluno 08). Com relação à concepção globalizante verificou-se, 16,67% das respostas dos alunos do 4º ano, onde os estudantes inserem o homem como elemento constitutivo do ambiente. Conforme representado a seguir: ―É tudo que está em nossa volta, a natureza, o homem, a escola‖ (Aluno 09); ―São as pessoas, as casas, os mares, todas as coisas‖ (Aluno 10). Com a intenção de verificar se a educação ambiental é desenvolvida em sala de aula, 88,88% dos alunos confirmaram que a EA é praticada pelos professores, como podemos verificar pela fala do aluno 10 que diz o seguinte: ―Os professores nos ensinam a cuidar do meio ambiente‖. Outro aluno (08) confirma dizendo que: ―Os professores falam sobre o meio ambiente, explicando e praticando‖. Também o aluno 7 reafirma que: ― Agente estuda muito sobre o meio ambiente‖. Quanto à contribuição da preservação do meio ambiente a maioria dos alunos afirma que contribui. Como demonstrado pela fala do aluno 05 que diz: ―contribuo colocando o lixo na lixeira‖. O aluno 15 relata dizendo: ―Não jogo lixo na rua‖. Outro aluno contribui afirmando que ―eu jogo lixo no lixo‖. O aluno 07 diz que: ―eu cuido bem das plantas‖. O aluno 09 afirma: ―eu preservo a natureza‖. Também o aluno 13 diz que: ―planto sementes‖. Em relação aos alunos do 5º ano a maioria apresenta visão naturalista do meio ambiente, com 84,61%, como exemplificado pelas seguintes respostas: Aluno (01) ―Meio ambiente são as plantas, as árvores e água‖. Aluno (04) ―Para mim é ajudar e cuidar, preservar‖. Aluno (05) ―É cuidar da natureza‖. Aluno (06) ―É um ambiente limpo‖. Aluno (11) ―Cuidar, orientar, preservar a natureza‖. Aluno (14) ―É você cuidar, é você preservar, é você limpar‖. Enquanto que a visão antropocêntrica apresentou 15,39% das respostas quando o aluno 20 diz que: ―meio ambiente é tudo para mim, sem ele eu não teria vida‖. Outro aluno 21 fala que: ―o meio ambiente é o lugar que temos que cuidar para a nossa sobrevivência‖. O aluno 22 fala que: ―O ambiente é muito importante para o ser humano, faz parte da nossa vida‖. Quando comparado com o 4º ano observa-se a ausência da visão globalizante no 5º ano. Perguntados quanto à abordagem da EA na escola a maioria dos alunos, 96,15%, afirmaram que os professores desenvolvem a educação ambiental no cotidiano escolar. Como podemos observar pelas respostas apresentadas a seguir: ―Eles ensinam a não jogar lixo nos rios e na rua‖ (aluno 25); ― Os meus professores me ensinam a cuidar do meio ambiente fechando a torneira e não jogando o lixo na rua‖ (aluno 21); ―Nossa professora nos orienta a não poluir o meio ambiente‖ ( aluno 27); ―Ensinam pelos livros e pelas tarefas‖ ( aluno 24); ―Falam como preservar o meio ambiente‖ (aluno 07). No que diz respeito como os alunos entendem que eles contribuem na preservação do meio ambiente, tivemos as seguintes respostas: Aluno (20) ―Não desperdiçando a água, não jogando lixo nas ruas e cuidando da natureza‖. Aluno (27) ―Reciclando latinhas de refrigerante‖. Aluno (24) ―Fecho a torneira quando eu escovo os dentes‖. Aluno (09) ―Tirando o lixo das ruas, andando menos de carro‖.
249
Aluno (15) ―Fazendo plantações de mudas‖. Aluno (06) ―Coloco lixo no lixo, não jogo lixo nos rios‖. Aluno (14) ―Tirando sacolas do quintal, limpando o quintal‖. Aluno (26) ―Não jogo lixo nos bueiros para evitar enchentes‖.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do presente estudo, observamos que os educadores detêm conhecimento sobre a temática ambiental. Porém, percebem-se ainda muitas atividades pontuais e meramente informativas, sendo necessária uma reavaliação de como a educação ambiental vem sendo desenvolvida em sala de aula, pois o professor tem o papel não apenas de ensinar, mais de permitir a construção de conhecimento. Além disso, a falta de apoio e colaboração por toda a comunidade escolar dificulta o processo de mudança de comportamento, sendo necessário um maior apoio e participação por todos os atores sociais envolvidos. A análise das respostas indica que a abordagem dos temas ambientais não é realizada de forma eficaz, interdisciplinar, pois o que se observa é um trabalho em disciplinas específicas, como por exemplo, ciências e artes. Sendo que a educação ambiental deve estar envolvida em todas as disciplinas possibilitando um maior entendimento dos alunos no que se refere à questão ambiental. Em relação aos alunos verificamos diferenças acerca das concepções sobre o meio ambiente. A maioria dos estudantes apresenta uma visão naturalista relacionando o meio ambiente apenas a processos naturais. Os estudantes apresentam dificuldades em considerar-se parte integrante desse meio, sendo, portanto, necessário um maior aprofundamento dos temas ambientais trabalhados em sala de aula, unido a prática e a teoria de acordo com a realidade do dia a dia, favorecendo dessa maneira o processo de ensino e aprendizagem e buscando que o aluno se sinta capaz de contribuir na melhoria da qualidade de vida, exercendo a sua cidadania desde o início de sua vida estudantil. Portanto, o presente estudo obteve resultados satisfatórios, pois trouxe informações quanto à percepção da comunidade envolvida podendo servir como base para o desenvolvimento de projetos e ações de educação ambiental na escola de acordo com a realidade local. Alcançamos os nossos objetivos diagnosticando as variadas percepções dos professores e alunos quanto à educação ambiental no contexto escolar. Porém, ainda é necessário o desenvolvimento de outras pesquisas para melhor conhecimento da percepção da comunidade escolar estudada, buscando subsídios para melhoria do ensino aprendizagem e a mudança efetiva de valores e hábitos para a formação de uma sociedade mais consciente e sustentável.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação - Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais em ação: meio ambiente e saúde. Brasília, 2001. CARVALHO, E. K. M. A.; CARVALHO, J. R. M.; SILVA, M. M. P. Percepção ambiental dos diferentes atores sociais de Vieirópolis, PB. Qualit@s Revista Eletrônica, v.13, n. 1, 2012. GODOY, A.S. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de administração de empresas, São Paulo, v. 35, n. 3, p.20 - 29, maio- junho, 1995. HENN, R.; BASTOS, F. P. Desafios ambientais na educação infantil. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 20, janeiro – junho, 2008. MARÇAL, M. P. V. Educação ambiental e representações sociais de meio ambiente: uma análise da prática pedagógica no Ensino Fundamental em Patos de Minas – MG. 2005. 210 f. Dissertação (Mestrado em Geografia)Universidade Federal de Uberlândia.
250
MELAZO, G.C. A percepção ambiental e educação ambiental: uma reflexão sobre as relações interpessoais e ambientais no espaço urbano. Olhares & Trilhas. Uberlândia, Ano VI, n. 6, p. 45-51, 2005. MENGHINI, F. B. As trilhas interpretativas com o recurso pedagógico: caminhos traçados para a educação ambiental. 2005.103 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade do Vale do Itajaí (SC). NARCIZO, K. R. S. Uma análise sobre a importância de trabalhar educação ambiental nas escolas. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 22, janeiro - julho, 2009. NEVES, J. L. Pesquisa qualitativa - Características, usos e possibilidades. Cadernos de Pesquisa em Administração, São Paulo, v.1, n. 3, 1996. Sem. NORONHA, I. O. Percepção e comportamento sócio-ambiental: a problemática dos resíduos sólidos urbanos. Revista Acadêmica, n. 3, set./out./nov. 2007. OLIVEIRA, K. A.; CORONA, H. M. P. A percepção ambiental como ferramenta de propostas educativas e de políticas ambientais. Revista científica- ANAP Brasil, Ano 1, n. 1. Julho, 2008. OLIVEIRA, T. F.; VARGAS, I. A. Vivências integradas à natureza: por uma educação ambiental que estimule os sentidos. Revista Eletrônica Mestrado Educação Ambiental, v. 22, janeiro – julho, 2009. PALMA, I. R. Análise da percepção ambiental como instrumento ao planejamento da educação ambiental. 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7708>. Acesso em: 16 mar. 2012.
251
CIRCUITOS ECONÔMICOS NOS BAIRROS DE NAZARÉ E UMARIZAL EM BELÉM-PA Mauro Emilio Costa SILVA (UFPA) O presente artigo discute a interface entre o local e o global, compreendendo o caminho trilhado pela lógica global até o alcance do plano local, basicamente em bairros centrais (Nazaré e Umarizal) da metrópole Belém-PA, pela via dialética revestido por meio do circuito superior e inferior da economia, ambos, representados pelo segmento econômico de alimentação rápida os denominados exógenos fast foods como superior e os endógenos carros de cachorro-quente como inferior. O objetivo do trabalho é compreender a partir do ponto de vista do trabalhador do circuito inferior dos bairros de Nazaré e Umarizal, os rebatimentos causados face a presença do circuito superior das fast food. A metodologia baseou-se em pesquisas no IBGE, para a catalogação de dados oficiais acerca dos dois bairros, como a verificação da renda por responsável de cada domicílio e a população dos dois bairros, visitamos outro órgão público, a JUCEPA, leituras, entrevistas a moradores etc. As sínteses alcançadas concernem no fato de que o circuito superior das fast food, analisado é de origem nacional ou global, enquanto o circuito inferior dos carros de cachorro-quente é sempre local. Ambos os circuitos ampliaram seu mercado consumidor de modo diferenciado. Palavras-chave: Circuitos econômicos, Bairros centrais, Local, Global, Metrópole.
Introdução As cidades foram na sua incipiência apenas a arena de fluxos comerciais, e com o decorrer do tempo foram ganhando outras funções como a de residência e outros serviços sofisticados, como a arquitetura inovadora, projetos urbanísticos etc. Atualmente, as cidades abrigam grande parte da população mundial, e expressam a imaterialidade e materialidade da produção de ideias, a expressão das novas tecnologias em objetos técnicos e os fixos, se tornando os ―nós da economia mundial‖, para a fluidez dos fluxos do capital. A lógica atual do capitalismo global é de homogeneização/conformação dos espaços. Assim, as cidades no intento de se tornarem ―modernas‖, devem se inserir na lógica da sociedade global, com os seus diversos imperativos e desdobramentos de rearranjos espaciais de modo compulsório e/ou induzidamente. O local torna-se autômato ao conceder grande parte de sua vida econômica, pois cede um grande ―poder‖ para as corporações transnacionais, que transpõem a esfera econômica (que já é um grande indicativo), interferindo também no plano social, político, cultural, e até nos projetos urbanísticos da cidade. Percebe-se, que a cidade capitalista hodierna especialmente, as metrópoles como Belém, são compelidas a abrigar às empresas estrangeiras para se inserir na lógica do mercado mundial e conquistar tal título urbano. Pairando uma situação de coação institucional em que o Estado é submetido pelo capital a um direcionamento único. Belém enquanto metrópole sendo produto e condição para o aprofundamento da globalização vem tomando forma de cidade cosmopolita pontualmente em seu tecido urbano, ao sediar empresas de fast food, tanto nacionais quanto estrangeiras, que foram paulatinamente se adensando em bairros centrais, nos seus shoppings e supermercados, nos bairros de Nazaré e Umarizal, e, em outros espaços da cidade e região metropolitana. As empresas de fast food ao se instalarem numa propriedade fundiária, imediatamente lhe padronizam aos seus moldes arquitetônicos, sendo a arquitetura arrojada com suas peculiaridades de letras e cores, ou seja, seus símbolos conhecidamente em outros países, com sua conotação de marcas/símbolos primazes sobre as locais, é o que garante sua reprodução pautado em seus valores/signos e os demais atrativos visuais do centro do capitalismo mundial, e otimizadas pela ―indústria do marketing‖, não consoante com as paisagens históricas em dois bairros de forte cunho urbano da representatividade espacial pretérita da cidade de Belém.
252
Os dois circuitos da economia urbana Para iniciarmos essa discussão é necessário fazer uma diferença elementar entre os dois circuitos da economia urbana:
Quadro 1: Características entre os dois circuitos da economia urbana. CIRCUITO SUPERIOR
CIRCUITO INFERIOR
Alta tecnologia
Baixa tecnologia
Muitos empregados
Poucos empregados
Organização profissional
Organização amadora
Grande espaço físico
Pouco espaço físico
Relação impessoal
Relação pessoal
Fonte: SANTOS, 2008, p. 87 (ADAPTADO).
Apesar dos dois circuitos da economia urbana teoricamente serem antagônicos, na prática são complementares na medida em que existem atividades de uso misto entre si, e, em alguns casos são até interdependente. Vejamos alguns supermercados com o aporte tecnológico que lhe credenciam a denominação de circuito superior da economia, vendem produtos no atacado para o abastecimento por exemplo, de condimentos e molhos para os carros de lanche de rua vender em forma de varejo. Encontramos ainda a presença de um circuito marginal que compreende por sua vez certa porção do circuito superior, a saber: embora apresente características de ambos os circuitos, a exemplo de uma lanchonete numa propriedade fixa com linhas e sistemas de crédito, porém, com práticas e algumas forças produtivas ainda tradicionais. O termo circuito passa pela ideia de fluxo e a de superior pelo nível escalar máximo, dentro de uma análise geral. Ao se tratar de economia, consideramos que o circuito superior seria o mais provido de aparato tecnológico para melhor otimização econômica. O circuito superior exógeno As empresas que atuam com o maquinário sofisticado e mantêm relações longínquas é a expressão máxima do circuito superior da economia, como afirma Santos (2008, p. 107), o circuito superior utiliza uma tecnologia importada e de alto nível, uma tecnologia de capital intensivo. Dessa forma, permite-nos em classificar as empresas fast food de circuito superior da economia, já que esta tipologia comercial é tributária de todos os elementos de tal circuito. Em face da forte concorrência entre as empresas em todos os segmentos, a propaganda seguida de uma apresentação de tecnologia de ponta, são as ―armas‖ primordiais para melhor se destacarem em seu ramo comercial e conquistarem o seu escopo final, o consumidor e o lucro. No caso das empresas de fast food, as franquias devem necessariamente seguir um padrão único, tanto, no que tange à forma, quanto ao conteúdo alimentício, independentemente, do lugar do Brasil e do Mundo em que ela esteja inserida. Com a padronização de cores, utensílios, distribuição e formatos de mesas no interior das lojas, incluindo o uniforme dos funcionários, é uma sincronia funcional entre homem e a máquina, como duas forças produtivas indissociáveis e sem distorção. A conquista do consumidor em dados espaços é realizada inicialmente por uma ativação de marketing para posteriormente se transformar numa ideologia dominante, mesmo que as pessoas não se percebam atraídas para o
253
consumo. Segundo Silva (2011, p. 75), a simples presença das empresas de fast food de origem exógena é um fator inicial para o consumo, pois a novidade de seus produtos engendra a experimentação, acarretando esporádicas ou frequentes visitas dos consumidores a estas lojas de alimentação rápida. A emergência do meio técnico-científico-informacional, juntamente com o apoio dos governos locais é corolário imprescindível para o sucesso das empresas de fast food em países de relativa estabilidade econômica, como o Brasil, ou seja, toda a engrenagem capitalista prescinde da política. As transformações espaciais inerentes às metrópoles pobres são necessariamente voltadas para a instalação de equipamentos urbanos de serviços essenciais para a população, com funcionamento cada vez mais moderno, desde a estética das formas dos prédios para melhor se auto-divulgar por meio da informação informatizada. No entorno dos equipamentos urbanos de serviços supérfluos, como as empresas de fast food, outros equipamentos também devem fazer parte da produção do espaço urbano metropolitano para credenciá-las ao mundo globalizado, pois somente a reunião dos objetos espaciais lhe traz a plenitude da primazia urbana mundial. Pois, tanto o sujeito público, quanto o privado em seus respectivos papéis ativos são chamados para tornar a metrópole com fisionomia moderna e pertencente a um cosmopolitismo em rede global. Sendo assim, a metrópole subdesenvolvida como Belém, ainda em processo de urbanização, é intencionalmente condicionada a favorecer a expansão do circuito superior da economia. A literatura geográfica do espaço urbano nos diz que a cidade é condição, meio e produto para a efetivação das relações capitalistas de produção em todas suas facetas patentes e latentes. O circuito superior entraria neste caso como meio e produto da metropolização do espaço urbano da periferia do sistema capitalista, com a intenção de simulacro espacial às metrópoles dos países centrais. O circuito superior constituído por bancos, indústrias de exportação, fast food etc. Como meio e produto da metropolização ocorre pela pura presença de uma camada social abastada na cidade que necessita de serviços mais variados, desde os mais simples aos mais complexos incluindo do supérfluo conspícuo ao burocrático. O poder aquisitivo da camada mais elevada da cidade promove práticas sócio-espaciais que confirmam seu status, pois a visitação constante em determinados ambientes socialmente homogêneos, os garante a acepção de ―bem frequentado‖, revelando o caráter essencial de segregação sócio-espacial. Estes ambientes podem perfeitamente ser representados pelas empresas de fast food, como a McDonald‘s, Bob‘s, Habib‘s, Pizza Hut, China In Box e Subway, que são pouco ou nada frequentados pela camada mais pobre da sociedade. Para a elite, possibilita consumir também o lúdico, satisfazendo o imaginário, complementado assim, o consumo precípuo e conspícuo simultaneamente. O circuito inferior endógeno A etimologia dos termos circuito e inferior são interpretadas segundo Holanda (2004), o primeiro como uma linha que limita qualquer área fechada, e o segundo seria o que está abaixo do outro em qualidade de importância. São dois termos que conjugados serviram para teorizar o conjunto de atividades à margem, mas não completamente desvinculadas das outras atividades providas de tecnologias como forças produtiva. O circuito inferior é a priori pormenorizado em sua condição de atividade, subjacente a outro circuito hierarquicamente superior, o circuito inferior da economia urbana significa para Santos (2008) As condições de evolução da economia moderna e o enorme peso de uma população urbana com baixo nível de vida, que não para de aumentar com a chegada maciça de migrantes vindos do campo, acarretam a existência, ao lado do circuito moderno, de um circuito econômico não moderno, que compreende a pequena produção manufatureira, frequentemente artesanal, o pequeno comércio de uma multiplicidade de serviços de toda espécie (SANTOS, 2008, p. 197).
254
De acordo com a transcrição anteriormente citada, o autor nos autoriza a denominar de circuito inferior todas as atividades de baixo escalão no seio da economia urbana, com relativo emprego de capital, geração de emprego e lucratividade, a exemplo da informalidade dos carros de cachorro-quente. O uso da expressão trabalho informal tem suas origens nos estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no âmbito do Programa Mundial de Emprego de 1972. Ela aparece de forma particular nos relatórios a respeito das condições de trabalho em Gana e Quênia, na África. Nestes países, constatou-se um grande contingente de trabalhadores vivendo de atividades econômicas consideradas à margem da lei e desprovidas de qualquer proteção ou regulação pública. O trabalho informal também se inscreve para a organização no campo da ausência de relações contratuais regidas por legislação trabalhista e fiscal entre os agentes econômicos. A OIT não se limita à observação de atributos intrínsecos à empresa ou ao empreendimento. Desse modo, o trabalho informal é interpretado no âmbito de relações sociais onde vigoram os baixos salários, as longas jornadas de trabalho e, sobretudo, a completa falta de direitos sociais por parte dos trabalhadores (Fonte: www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/). O circuito inferior é constituído por atividades formais e não formais, mas com a utilização de mão-de-obra familiar ou com poucos empregados, em grande parte sem carteira assinada, trabalham normalmente no varejo e atendem às necessidades imediatas da população como alimentação rápida. Outra importante característica deste circuito é a sua intensa rotatividade e seu baixo uso de capital, como demonstra Santos (2008, p. 216) em termos simples, dir-se-ía que o comerciante só estoca o que pode vender ou estocar, em regra geral, a rapidez da renovação dos estoques é também maior quanto menor for o capital investido. É sabido que o circuito inferior da economia urbana é sine qua nom para amortecer o desemprego nos países pobres, e que nem sempre ganha este reconhecimento por parte do governo e de seus órgãos competentes. A expansão do circuito inferior é um indicativo da incapacidade do Estado no provimento de empregos para o conjunto população, acarretando para este próprio ente público a busca de soluções para os eventuais problemas sociais advindos desta expansão. Ao contrário do que afirma Santos (2008, p. 38), o circuito superior é o resultado direto da modernização tecnológica, e o circuito inferior é a sua consequência indireta. Consideramos que o circuito superior é a expressão máxima da modernização tecnológica, mas, o circuito inferior é anterior a este fenômeno, e pode em determinadas analogias ser seu maior contraponto e não necessariamente seu produto. O circuito inferior ou não moderno era nitidamente expandido, tanto nas zonas rurais, quanto nas zonas urbanas, através dos ―notáveis‖, que exerciam suas funções, obedecendo às demandas da sociedade pouco complexa. É importante frisar que a situação anterior foi sendo gradativamente alterada com a dinâmica da urbanização e o advento tecnológico, eliminando rugosidades e quebrando sociabilidades. Podemos nos arriscar em afirmar que o circuito inferior nasceu e evoluiu simultaneamente com o capitalismo, pois as relações de troca nem sempre tiveram o aparato tecnológico atual enquanto, que desde a gênese do capitalismo este circuito funcionava independente das técnicas modernas. O circuito inferior da economia foi se ampliando no espaço urbano, por conta da própria celeridade da urbanização e proliferação da pobreza em países subdesenvolvidos. O circuito inferior é uma atividade não moderna para uma sociedade pouco moderna, ou melhor, uma sociedade que tem pouco acesso aos equipamentos modernos, que se reconhecem e cooperam mutuamente através das relações pautadas no valor de troca e, como pano de fundo o valor de uso nas interatividades sócio-econômicas. Exatamente, o Brasil por ter uma grande população urbana pobre as suas interações sociais são norteadas e orquestradas economicamente de pouca monta com lucros também reduzidos, mas com grande solidariedade
255
orgânica vivida no dia-dia visando mútuas sobrevivências. A metrópole paraense é propícia para as atividades informais, pois não possui um grande setor industrial tendo como atividade de envergadura, o comércio que carrega atividades complementares instaladas nas ruas, além de ser uma cidade com forte potencial turístico e religioso em determinadas épocas do ano, atraindo muitos visitantes necessitados de serviços de pequena complexidade, e, por último a própria localização geográfica de Belém acessada pelos sistemas aéreo, hidroviário e rodoviário, ou seja, Metrópole na Amazônia em que vários meios de transporte lhe convergem, cidade que serve de destino para pessoas de dentro e fora do estado em busca de trabalho. O circuito inferior é uma atividade altamente local como os carros de cachorro-quente, pois grande parte de seu material de trabalho é produzido localmente, desde o pão do sanduíche até a sua fachada comercial e o balcão de alumínio para armazenar os ingredientes dos sanduíches, seja do hot dog ou do cachorro-quente paraense de carne moída, muito apreciado nas madrugadas. O maquinário é pouco moderno, dependendo muito do serviço manual e agilidade dos trabalhadores que no geral são familiares ou com certo grau de proximidade com o proprietário. Estes empreendimentos comerciais pagam baixas taxas de impostos à Prefeitura Municipal, em função da sua pouca rentabilidade, já que são atividades semi-ambulantes e pelo seu caráter de informalidade. Neste caso, existe uma crescente proletarização na cidade, o trabalhador desempregado é relegado literalmente a perambular na ―rua‖, ou melhor, com alternativas de trabalhar nos carros de cachorro-quente nas ―ruas‖, reforçando a existência do circuito inferior da economia urbana.
Considerações finais É importante perceber que em uma sociedade tão segmentada socialmente, especialmente em países pobres como o Brasil, ambos os circuitos, o inferior e o superior convivem como par dialético, dividindo mercados consumidores, apesar de manterem em muitos casos certa proximidade espacial, podendo atender a diferentes grupos sociais. Podemos considerar que os dois circuitos econômicos urbanos, mesmo sendo concorrentes indiretos não implicam numa necessidade absoluta de incorporação completa de um sobre o outro numa espécie de domínio setorial. Ambos, direcionam suas vendas para mercados consumidores socialmente distintos, portanto, são necessários para atender demandas de consumo diferenciadas. A informalidade e formalidade e seus elementos tributários intrínsecos são a maior diferença burocrática entre os dois circuitos tendo como escopo semelhante à conquista do lucro para a acumulação, especialmente para o circuito superior, com estratégias bem elaboradas de não apenas subsistir no espaço, mas também ampliar seu mercado, importando ressaltar as proporções e as diversas formas de concorrência no interior dos próprios circui. A expansão de lojas e quiosques da McDonald‘s, Bob‘s, Habib‘s, Pizza Hut, China In Box e Subway nos bairros de Nazaré e Umarizal, sem contar com o restante da cidade, é um sintoma da constituição da metrópole paraense e consequentemente da dinâmica frenética da cidade incorporada por seus habitantes, incluindo a alimentação rápida em decorrência do ―tempo célere‖ metropolitano. É também uma forma de inserção da metrópole paraense nas novas demandas de funções sociais das metrópoles no processo de globalização, tendências do novo urbanismo. A tendência atual dos espaços metropolitanos, como preconiza Ascher (2004, 2004, p. 76), ―Metápolis‖, o el urbanismo moderno daba preferência a lãs soluciones permanentes coletivas y homogêneas para responder a lãs necessidades y demandas de vivienda, urbanizacion, transporte, ócio y comercio. A localização dos bairros de Nazaré e Umarizal, por estarem no centro e na passagem para outros bairros centrais, há um intenso fluxo populacional de outros bairros centrais e periféricos que se utilizam dos dois bairros para fins de trabalho e/ou estudo, tornando-os estratégicos para os investimentos no tipo de alimentação rápida.
256
Assim, torna-se notório a densidade dos dois circuitos em tais bairros por fatores não menos importantes que a mera localização, reforçando a assimetria espacial centro-periferia. As pessoas oriundas de bairros mais pobres em passagem pelos espaços centrais necessitam de alimentos rápidos, contudo, por seu baixo poder aquisitivo são direcionados para o circuito inferior que praticam preços menores em relação ao circuito superior, este, para as elites além de ser uma alternativa de escapismo no cotidiano burocrático. Os citadinos, especialmente das metrópoles no início do século XXI, imersos no estágio de sociedade técnourbana-consumista, encontram-se num grande dilema imposto pelas novas condições técnicas, o de aceitar totalmente ou parcialmente os elementos materiais e imateriais exógenos, pois sua rejeição completa torna-se contingenciada pela própria dinâmica da metrópole premida pelas forças globais e nacionais, impondo novos símbolos e signos, atendendo à ótica do capital, abarcando e induzindo a sociedade para uma única marcha. A partir do prisma local, é que melhor podemos compreender que as ordens externas e as internas nem sempre se conflitam e, em alguns casos se complementam, visto que, é no âmbito mercantil que ganhos e perdas constantes se revezam localmente. Porém esta engrenagem capitalista é cognoscível mesmo em complexos ambientes urbanos capitalistas como aqueles das metrópoles subdesenvolvidas, em que se percebem benefícios para uma minoria como a verificação de maior poder econômico privado com maior autonomia e induzida segregação socioespacial, em detrimento às mazelas sociourbanas, como a luta para viver e trabalhar na cidade, alijado da maioria da população.
Referências
ASCHER, F. Los nuevos principios del urbanismo. Madrid: Alianza Editorial, 2004. HOLANDA, A. B. de. Dicionário da língua portuguesa. 6 ed. Rio de Janeiro: 2004. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. 2000. Belém, 2010. O TRABALHO INFORMAL: segundo a ONU. Disponível em: http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/. Acessado em: 02/02/2012. SANTOS, M. O espaço dividido. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2008. SILVA, M. E. Paisagem e lugar na Amazônia produzidos pela globalização: uma análise a partir das empresas de fast food nos bairros de Nazaré e Umarizal, Belém-PA. Belém, 2011. 137 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Pará.
257
O PLANEJAMENTO DO ASSENTAMENTO JOÃO BATISTA II, CASTANHAL – PA Edionisson da Conceição dos SANTOS170 (FIBRA) A história agrária do Brasil é marcada pela constituição de uma elite agrária com fortes influências nas distintas esferas do poder público, que ao longo do tempo foi expropriando famílias país a fora, estas partiram em busca de melhores condições nos centros urbanos enfrentando todos os tipos de mazelas sociais, no entanto, no século XX emergiram muitos movimentos em defesa de uma reforma agrária efetiva visando trazer as famílias de volta para o ambiente rural. Através de muitas lutas, vários assentamentos foram criados país a fora, desde já, cabe analisar o porquê de muitos assentamentos não alcançarem o desenvolvimento almejado e entender as peculiaridades de cada um destes territórios. Palavras chave: agrária, assentamento, territórios, desenvolvimento Introdução O trabalho visa analisar o que foi planejado para o Assentamento João Batista II, abordando o projeto implantado neste assentamento, a qual voltou-se para a cultura do açaí, lavoura branca, gado leiteiro e de corte, tudo sustentado com base no trabalho coletivo (núcleos de família). O planejado do Assentamento visou o desenvolvimento local das famílias que o compõem, e como o MST organiza as famílias produtivamente e politicamente no interior dos assentamentos visando à construção de um território planejado e voltado para o desenvolvimento produtivo das famílias que o compõe. Através deste poderemos analisar as alternativas produtivas que o PDA João Batista II propôs para as famílias após analise vocacional do território. Ao longo do trabalho, procuramos dar respostas a algumas perguntas levantadas por esta pesquisa, analisando assim a dinâmica assumida por este assentamento. Sustentamos que tal processo está relacionado, dentre outras coisas, a imposição de modelos produtivos aos assentados, pois muitos preferem optar por outra linha produtiva, no entanto, quando os projetos são implantados acabam englobando todas as famílias.
1 As políticas voltadas para o desenvolvimento agrário Desde a ocupação da fazenda Tanari, no dia 15 de novembro de 1998, as famílias passaram a se organizar produtivamente, politicamente e socialmente num espaço que foi refuncionalizado para atender suas necessidades, espaço este, que após ser empregado trabalho, será convertido em território, Raffestin (1993). No entanto, as famílias só conseguiram a posse legitima da área ocupada, no dia 18 de dezembro de 2000, quando saiu à portaria de publicação a qual visava à criação do P.A João Batista II. O governo Federal em parceria com outros municípios e instituições de conhecimento, buscam a implementação de políticas que visam o desenvolvimento rural, tanto de trabalhadores familiares (mais recentemente), como assinala Favareto (2006), quanto do patronato (visto como prioridade). Tais políticas são abordadas pelo paradigma do desenvolvimento rural, estas políticas são marcadas pela forte presença do Estado, através de políticas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Sobre o paradigma do desenvolvimento agrário, Garcia apud Favareto (2002), identifica na América Latina, quatro grandes momentos: o primeiro é marcado pelos projetos e iniciativas de desenvolvimento comunitário; o segundo, pelos grandes projetos de reforma agrária; o terceiro, por aquilo que se convencionou chamar de desenvolvimento rural integral; até, por fim, o momento dos projetos que falam em desenvolvimento territorial e combate à pobreza.
Bacharel e licenciado em Geografia – UFPA, Pós-Graduando ―Lato Sensu‖ – FIBRA. E-mail: edionisson@hotmail.com 170
258
No Brasil, identificamos duas instituições voltadas para o desenvolvimento agrário: em primeiro destacamos o Ministério da Agricultura, voltado para o desenvolvimento do patronato rural; a outra instituição é o Ministério do Desenvolvimento Agrário, voltado a temas do desenvolvimento rural sustentável e reforma agrária. Os outros programas sociais ficam a cargo de ministérios de outras áreas. Nas políticas voltadas para o desenvolvimento territorial rural brasileiro, Favareto (2006) identifica três programas voltados para o espaço agrário: primeiramente cabe destacar o PRONAF, tendo como objetivo o apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento rural com base no fortalecimento da agricultura familiar, tais políticas tem por objetivo atingir trabalhadores rurais já consolidados ou não. O segundo programa destacado pelo autor é o Programa Nacional de Reforma Agrária – tinha por objetivo fornecer acesso a terra e condições de produção a famílias de agricultores sem terra. As principais ações tomadas se dão através do confisco de terras improdutivas para a formação de assentamentos e fornecimento de crédito reembolsável como no caso do PRONAF. Muitos debates e críticas foram criados encima de tal programa, devido aos custos da desapropriação, má qualidade da terra, má localização dos assentamentos e a dependência ao INCRA e ao MDA. O último programa citado por Favareto é o Programa de Crédito Fundiário, que fornecia acesso a terra para agricultores do MST mediante compra, tal como assinala Vasconcelos (2007), Iha (2005), Muritiba (2008), dentre outros, o programa visava atingir filhos de agricultores sem terra ou com terra insuficiente, as ações do programa era fornecer crédito reembolsável para a aquisição de terras e recursos para investimentos e assistência técnica. Vilela apud Bambil (1997) afirmou que as diretrizes do PRONAF foram traçadas em consonância com o relatório do Banco Mundial, número 11738-BR, de 1993, intitulado: ―BRASIL. O GERENCIAMENTO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DOS RECURSOS NATURAIS‖, o documento foi elaborado de acordo com a doutrina neoliberal apoiada na redução do papel do Estado como suporte da agricultura, desregulamentação dos mercados e prevalência da iniciativa privada nos territórios rurais. O balanço geral até este período revela um quadro de difícil enfrentamento. As mudanças provocadas pela integração crescente de populações tradicionais aos circuitos de mercado trouxeram consigo uma crise das idéias mais tradicionais que orientavam as políticas voltadas para a economia camponesa. Além disso, as políticas já implementadas nas etapas anteriores não vinham apresentando impacto substantivo. A reforma agrária, a mais estrutural das tentativas ensejadas, chegou a alterar algumas estruturas, mas não alcançou a mudança preconizada. A desconexão entre políticas rurais e políticas macroeconômicas e a carência de recursos humanos revelaram-se fatores altamente limitantes para o êxito de qualquer política de desenvolvimento rural (FAVARETO, 2006; p. 135).
Observamos, portanto, que as políticas que visam o desenvolvimento rural são fortemente influenciadas pelos Estados e órgãos internacionais que visam à atuação e fortalecimento da iniciativa privada nos territórios rurais, a questão, no entanto, gira entorno da inserção de comunidades tradicionais nos circuitos do mercado e sujeito as leis deste, através de estratégias específicas como é o caso de tais programas voltados para o desenvolvimento rural.
2 O Plano de Desenvolvimento do Assentamento João Batista II Com base em tais políticas voltadas para o desenvolvimento rural, foi elaborado O PDA João Batista II, criado em duas fases: a primeira referente ao diagnóstico procurou-se apresentar as principais características do assentamento como: i) histórico de formação; ii) recursos naturais e perfil socioeconômico e cultural das famílias; iii) atividades agrícolas e não agrícolas; iv) aspectos populacionais e organizacionais; v) infra estrutura física e social (educação, saúde, lazer, cultura, comunicação, saneamento, habitação, eletrificação, transportes, estradas, crédito, assistência técnica, projetos e religião); vi) caracterização do sistema produtivo e aspectos relacionados com a comercialização dos produtos.
259
A outra fase consiste na apresentação de ações prioritárias que envolvem o conjunto de famílias, buscando o desenvolvimento social, econômico e ambiental do PA, Tal fase tem como principal objetivo a implantação e a garantia do desenvolvimento das 157 famílias do PA João Batista II, visando à conservação dos recursos naturais, respeitando as condições sociais, culturais, econômicas e ecológicas, mediante consolidação, comercialização e organização. O método adotado para a elaboração do PDA está fundamentado na metodologia de Análise-diagnóstico de Sistemas Agrários e Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), tendo como base o Roteiro Mínimo para elaboração do PDA, definido pelo INCRA. O modelo metodológico participativo busca envolver as famílias em todas as etapas de campo, desta forma, o sistema utilizado permite caracterizar e identificar as relações sociais, principais aspectos das unidades de produção, recursos naturais disponíveis, e entender a lógica das famílias nas unidades de produção e nas unidades de agricultores. MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO JOÃO BATISTA II
De acordo com os dados fornecidos pelo INCRA podemos constatar que cada família ao ser assentada custou R$ 10.678,41, considerando que foram assentados 157 famílias, o valor total ficou entorno de R$ 1.676.510,37. No entanto, devemos entender a criação dos Projetos de Assentamentos como uma conquista dos assentados. A estreita relação entre as desapropriações e as iniciativas dos trabalhadores e seus movimentos se evidencia no estudo de Heredia, ao analisar a iniciativa dos pedidos de desapropriação em várias regiões do Brasil incluindo o Pará, que apontam que em apenas 10% dos assentamentos a iniciativa de desapropriação partiu do INCRA e não de situações de conflito. No Pará, onde de dez assentamentos estudados, apenas um não resultou de situações de conflito, grande parte dos assentamentos surgiu de ocupações paulatinas, que são silenciosas e via de regra desenvolvidas por pequenos grupos que querem realizar benfeitorias, para depois ter direito de posse reconhecido, semelhante ao que ocorreu nos dois assentamentos aqui estudados (HEREDIA apud MENDONÇA, 2002, p.75).
Por meio da citação podemos constatar como o poder público atua em relação à questão agrária do país, no entanto, está iniciativa de manter a ordem social vigente, parte também de uma elite latifundiária que busca manter seus privilégios. É notória neste ponto, a participação dos movimentos sociais no que diz respeito a luta pela reforma agrária no país. Como durante muito tempo a fazenda foi usada como pasto, o capim que predomina em quase toda fazenda dificulta o trabalho das famílias, fato também constatado por Costa (2007) no seu estudo sobre o P.A João Batista
260
II, abordando acerca da dificuldade do cultivo de roças. Esse problema é confirmado com os assentados, pois para se cultivar em 01(um) hectare, deve se investir boa quantidade de capital. Como estratégia de desenvolvimento do P.A João Batista, implantou-se no espaço um padrão de habitação que visava aproximação das famílias, tanto com relação à reunião para traçar estratégias de produção e convívio entre as famílias, quando para realizar algum trabalho coletivo que procurasse solucionar algum problema do assentamento, trata-se, portanto, do sistema de agrovilas. Quando as famílias vivem próximas, em agrovilas ou núcleos de moradia, organizadas em núcleos de base, as famílias são estimuladas a solucionar problemas de forma conjunta. A construção de uma escola ou a reforma de uma ponte pode ser feita em mutirão [...] Essas são formas primárias de cooperação, que derivam para outras, culminando naquela voltada à produção do assentamento como um todo (MORISSAWA apud MENDONÇA 2001, p. 78,79).
Percebemos por meio da citação, que a implantação do sistema de agrovilas no assentamento, também esta relacionado com estratégia de organização do espaço dos assentados. No que compete a paisagem da vegetação do PA, esta já foi um pouco modificada, nos lotes, assim como nos quintais na agrovila encontramos várias árvores frutíferas, como mangueira, cajueiro, laranjeira, goiabeira, mamoeiro, etc., pois era uma necessidade das famílias de produzir locais com sombras para umedecer o local e proporcionar frutos. Para administrar toda produção do assentamento, foi feita a legalização da primeira associação do assentamento, a APROCJOB (Associação dos Produtores Rurais do Assentamento João Batista II – representando o MST), que funciona organicamente desde o dia 17 de abril de 2000, tinha por objetivo desenvolver a cooperação agrícola, produzindo resultados financeiros que fornecesse melhores condições de vida para as famílias. No que compete ao sistema produtivo, de acordo com o PDA, os assentados ficaram organizados em 19 (dezenove) núcleos de produção, cada núcleo possuía de 05 (cinco) a 10 (dez) componentes cada, nos quais eram discutidos e resolvidos todos os problemas que envolvem o assentamento. Segundo o (PDA João Batista, 2001): A associação tem por objetivo organizar a produção das famílias visando a sua padronização para posterior comercialização, por meio de um controle interno de cada núcleo, que é efetuado através de: a) registro dos núcleos de produção e das famílias junto á associação; b) registro das atividades desenvolvidas no núcleo, por cada sócio; c) registro do controle financeiro diário por núcleo e d) resumo quinzenal das atividades desenvolvidas por núcleo.
Mediante tal organização dos agricultores por meio da APROCJOB foi possível a liberação dos primeiros créditos pelo INCRA, como fomento (alimentação e habitação) e o Credito PRONAF. No que compete ao sistema educacional do assentamento, no inicio, a Escola de Ensino Fundamental Roberto Remigi (hoje ensino médio – foto 02), funcionava em instalações improvisadas de um galpão usado para montagem e conserto de carros da antiga fazenda Tanari (foto 01).
Foto 01: Antiga Escola
Fonte: Mendonça 2001
Foto 02: Atual Escola
Fonte: Silva 2010
261
A Escola Roberto Remige é uma conquista das famílias do PA João Batista II, e possibilita a oportunidade de estudo não apenas para as crianças e jovens do assentamento, mas também para os pais destes (muitos já estão concluindo o ensino médio). É claro que outras pessoas de comunidades vizinhas 171 também se utilizam deste espaço, pois quando o MST se instala em dada localidade, muitos outros serviços são implantados através das conquistas por parte dos assentados. A implantação da escola, ainda possibilita o acesso a empregos para alguns assentados, como por exemplo, o vigia que trabalha na escola, assim como as serventes responsáveis pela merenda escolar e a limpeza do estabelecimento de ensino. Com relação a maquinários e equipamentos, os mais usados pelos assentados trata-se da enxada, foice, facão e machado. De acordo com o PDA o grupo de famílias optou pela aquisição de um trator que tem como implemento uma carroça e um arado. A compra foi efetuada a partir da liberação do crédito fomento no valor de R$ 1.400,00/família, sendo que cada família contribuiu com R$ 400,00 para aquisição do primeiro trator do assentamento, ficando sob responsabilidade da associação, e assim, amenizar o trabalho feito manualmente. Desde já, percebemos que a elaboração do PDA vem servir de base para que as famílias assentadas possam alcançar melhores padrões de vida, os órgãos responsáveis que buscam o desenvolvimento social, econômico e político destas, visam, portanto, a permanência dessas famílias no campo, no entanto, percebemos que tais praticas estão fundamentadas em políticas externas partindo de órgãos como o Banco Mundial visando inserir trabalhadores familiares nos circuitos do mercado e sujeito as leis destes, percebemos também que os assentados são responsáveis pelo futuro do assentamento, sendo eles os principais organizadores de seu espaço e das políticas que norteiam o assentamento.
3 O projeto implantado: as experiências com açaí, gado e lavoura branca As estratégias de produção voltadas para o João Batista II basearam-se devido ao município ter sua produção agrícola baseada na pecuária. De acordo com o Senhor Lisboa, um dos fundadores e presidente da ACAJOB 172 (Associação Comunitária do assentamento João Batista II), firmou que:
A ideia que nós tínhamos era trabalhar com pimenta-do-reino, gado e lavoura branca, só que o banco nos informou que poderíamos trabalhar com os dois últimos, menos a pimenta-do-reino que deveria ser trocada pelo açaí, pois o açaí produz um ano a menos que a pimenta-do-reino. Enquanto a pimenta do reino é produzida e 05 (cinco) anos, o açaí começa a dar sua primeira safra em 04 (quatro) anos, pois o banco deu um prazo de 04 (quatro) anos pra receber o pagamento do empréstimo que foi feito pra nós (Sr. Lisboa – presidente da ACAJOB).
As famílias não pensavam trabalhar com a cultura do açaí, mas sim a pimenta-do-reino, mas mediante restrições impostas pelo banco fornecedor do crédito, tiveram que readequar o seu projeto, que foi voltado para a cultura do açaí, gado e lavoura branca. Desde já, os assentados tiveram que se submeter às exigências dos bancos, pois nem todos os assentados concordavam com essa linha de produção, muitos tinham suas próprias estratégias e opções de produção. Notamos, portanto, que os assentados não possuíam autonomia produtiva, tendo que se adequarem a tais propostas. Brenneisen apud Nogueira (2007) ajuda a entender, que até mesmo o MST impõe aos assentados determinados ―modelos ideais de produção‖, os autores qualificam o posicionamento do MST, até mesmo como violência simbólica. No caso do assentamento João Batista II, tal fato, se dá através da imposição do trabalho coletivo, pois muitos discordaram de tal modelo produtivo a qual foram submetidos, afirmando que não possuíam autonomia com o que é seu. 171
Como por exemplo, a comunidade de Bacuri, que se destaca pela produção de farinha de mandioca. Segunda entidade filiada a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF) que surgiu no interior do assentamento devido uma divisão política entre os associados que exerciam a liderança na APROCJOB.
172
262
Cada família recebeu do PRONAF, um crédito equivalente a quantia de R$ 12.000,00 (doze mil) reais, que foi repassado para a coordenação de cada núcleo de produção, e os coordenadores dos núcleos tinham que prestar contas com a APROCJOB. O crédito foi investido em gado leiteiro e de corte, açaí e lavoura branca (mandioca e feijão). AQUINO apud NOGUEIRA (2007, p. 24) afirma que A distribuição do crédito rural do PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar) de 1996 a 2001, afirma que o crédito foi criado com o objetivo de facilitar o acesso da agricultura ao crédito rural, mas o que se tem observado nos últimos anos do programa é que uma parcela significativa de famílias pobres da agricultura familiar, não esta sendo beneficiada. Nesse estudo o autor afirma que o problema é que o PRONAF esta inserido em uma perspectiva produtivista e setorial que idealiza um ―tipo ideal‖ de agricultor a ser estimulado no país, excluindo todos os demais produtores incapazes de enquadrarem-se em seus preceitos. Sendo assim o PRONAF se transforma em uma política discriminatória.
O governo federal através o PRONAF, fortemente influenciado por políticas externas de produção, visa à idealização de um ―tipo ideal‖ de produtor, a intenção, no entanto, é inserir esse produtor rural as leis e as necessidades do mercado, afastando a concepção de atraso muitas vezes associados erroneamente ao espaço rural, e conseqüentemente, inserindo estes territórios aos circuitos da economia. A estrutura montada no assentamento João Batista, segue o que foi proposto pelo Plano de Desenvolvimento do Assentamento, visando o bem estar financeiro das famílias, que desta forma, passavam a atender o que o mercado local necessitava. 4 O fracasso das experiências produtivas testadas com o crédito PRONAF Os motivos que ocasionaram o fracasso do projeto do Assentamento João Batista II estão relacionados com fatores de ordem política, técnica e gestão. No que se refere à política no assentamento, esta terá um rebatimento negativo em função dos conflitos entre as famílias implicando no fim definitivo do trabalho coletivo, e conseqüentemente a individualização dos lotes, os fatores de ordem técnica também colaboram para tal fracasso devido a falta de preparo de muitas famílias que não tinham experiência com determinada cultura como a criação de gado, ou mesmo na falta de um sistema de irrigação das mudas de açaí, por ultimo, podemos citar os fatores relacionados à gestão, tal qual, a venda ou abate de algumas cabeças de gado para suprir algumas necessidades das famílias. De acordo com relato dos assentados, durante a fase de implantação do projeto de açaí, toda estrutura foi providenciada. Primeiramente foram adquiridas as mudas de açaí, em seguida foi preparado o terreno para recebêlas, também foi implantado um sistema de irrigação através de poços artesianos. As mudas foram plantadas durante o inverno, pois a cultura da palmeira depende de bastante água para se desenvolver. A cultura do açaí começou a apresentar suas primeiras falhas quando chegou o período de estiagem na região, embora agrovila já fosse dotada de energia elétrica, os lotes ainda não a possuíam, fato que só veio ocorrer tempo depois com o programa ―Luz no Campo‖, tal fato, implicou na queima de vários pés de açaí, principalmente em função de queimadas acidentais, prejudicando assim uma produção futura. Como o trabalho se dava coletivamente, não houve necessidade de realização do ―corte da terra‖ realizado pelo INCRA. Os coordenadores de cada núcleo de família (orientados pelos técnicos) escolhiam o local que oferecesse melhores condições para o desenvolvimento das mudas de açaí, como o projeto acabou fracassando devido as inúmeras queimadas, foram poucos os pontos de mudas do projeto que resistiram. O projeto foi abandonado tempo depois, com a extinção dos núcleos de famílias. O projeto de gado implantado também fracassou (para a maioria das famílias). Durante algum tempo o gado foi administrado via núcleo de família, que possuíam cerca de 60 (sessenta) a 112 (cento e quarenta e quatro)
263
cabeças de gado. Os assentados afirmam que na época que receberam os gados era ―uma fartura só‖. Notamos nos relatos dos assentados, que o outro fator que contribuiu para o fracasso do projeto, deu-se devido a um problema de gestão, pois os componentes de cada núcleo deveriam ter ciência de não mexer no gado do projeto, assim como parte dos créditos utilizados para investir no projeto. Contrariaram, portanto, um dos princípios da administração, que é a separação entre empresa e proprietário. Com relação à parte do crédito que foi investido em lavoura branca (mandioca e feijão), as famílias assentadas afirmam que a cultura do feijão foi a que mais prosperou. Na primeira safra, foi possível colher boa quantidade de feijão, no entanto, as famílias não souberam informar a quantidade exata da colheita, o que é afirmado pelos assentados, é que a quantidade colhida proporcionou um bom excedente, possibilitando que os núcleos pudessem juntar uma boa quantidade de dinheiro, que foi repassado para as famílias. De acordo com relato dos assentados, o problema da cultura do feijão se deu ao fato das famílias não terem reinvestido para desenvolver nova safra do produto. A plantação de mandioca no assentamento foi uma surpresa para todos os assentados, as dificuldade enfrentada por estes, se deu com os primeiros resultados da colheita, em que grande parte da mandioca apodrecia em baixo da terra, desta forma, mais um projeto havia fracassado no assentamento. Segundo os assentados, faltou fazer analise vocacional do solo, pois grande parte do solo do assentamento era impróprio para o cultivo da mandioca. Podemos entender, que para administrar uma associação, a pessoa devera possuir habilidades para lhe dar com as mais adversas situações (desde épocas de prosperidade até épocas de crises), essa pessoa deverá tanto possuir experiência no cargo como também motivação para este, de maneira que possa realizar uma administração transparente e que gere possibilidades de ganhos para os associados. Os projetos implantados no assentamento acabaram fracassando, e isso repercutiu na situação financeira das famílias, que tiveram que procurar alternativas para sobreviverem, até mesmo praticas que os assentados faziam durante a fase de acampados passaram a ganhar destaque, pois esta, foi uma alternativa encontrada para se manterem.
Conclusão Podemos concluir que a elaboração do PDA, trata-se de um programa do governo federal, que visa o desenvolvimento econômico das famílias fornecendo um possível trajeto em que as famílias poderiam seguir rumo ao desenvolvimento econômico, tal qual, o modelo de agrovilas idealizado pelo INCRA, que visa à aproximação das famílias com objetivo voltado para a solução de problemas inerentes ao assentamento, assim como a forma produtiva fundamentada no trabalho coletivo, visto que o fracasso possui menor chance de ocorrer quando a produção se dá coletivamente. No entanto, é possível perceber o outro lado da moeda, os quais determinados modelos produtivos são impostos aos assentados, não os deixando completamente autônomos para traçar suas alternativas de produção. O fracasso do projeto implantado no assentamento entra para estatística de assentamentos que não obtiveram sucesso. No caso de nosso objeto de estudo, se dão em função de uma gestão ―fraca‖, conflitos internos entre associados que lutam para manter sua hegemonia, tal qual, a divergência política entre as famílias, assim como o fracasso de ordem técnica, que colaboraram para o fim dos projetos. Podemos concluir que as famílias deveriam ser dotadas de autonomia, e o MST deveria deixar que o próprio assentado sentisse a necessidade de se implantar um trabalho coletivo paulatinamente, assim como a implantação de um projeto voltado para a agricultura familiar atendendo as necessidades básicas das famílias.
264
Referências BAMBIL, Arcelei Lopes. Influencias da Tecnologia Moderna num Assentamento do Cerrado, Município de Anastácio, MS. 83f. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Local) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2007. COSTA, J. C. Movimentos Sociais e Território: Um Estudo do Projeto de Assentamento João Batista II do MST em Castanhal. 49f. Monografia (Curso Internacional em Formação de Especialistas em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2005. FAVARETO, Arilson da Silva. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão: do Agrário ao territorial. 220f. Tese (Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. IHA, Monica. Hashimoto. A Territorialidade da “Posse” na Luta pela Reforma Agrária, Os Acampamentos do MST em Iaras. SP. 168f. Dissertação (Pós Graduação em Geociências Área de Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. INCRA; FUNDAÇÃO DE AMPARO E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA (Belém, PA); UFPA. Plano de Desenvolvimento do Projeto de Assentamento João Batista II. Belém, jul. 2001. Mimeografado. MENDONÇA, Yuri Vidal Santiago. Assentamento Rural: Da propriedade privada à produção coletiva – O caso dos Pa‘s Cupiúba e João Batista II. 96f. Dissertação (Curso de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Belém, 2004. MURITIBA, M. J. S. Luta pela terra, reforma agrária e territorialização: produção de espaços para trabalho e vida. 246f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social) – Superintendência de Pós Graduação, Universidade Católica do Salvador, Salvador, 2008. NOGUEIRA, A. T. B. Uma leitura dos conflitos na produção do Assentamento rural da Fazenda Jupira no município de Porto Feliz. 202f. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Geografia Humana) – Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. RAFFESTIN, C. Por Uma Geografia do Poder: São Paulo, Ática, 1993. VASCONCELOS, Francisca Maria Teixeira. “Reforma Agrária de Mercado” e Territorialização: um estudo a partir do Programa Cédula da Terra em Canidé – Ce. 179f. Dissertação (Programa de Pós Graduação e Pesquisa em Geografia) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, 2007.
265
IMPACTO URBANO EM ÁREAS DE RISCO E ALAGAMENTOS EM BELÉM E REGIÃO METROPOLITANA Rudilardson Silva PINTO (FACI) Lítala do Nascimento ANDRADE (FACI) Amanda Moreno Coelho ABREU (FACI) Lucidéa de Oliveira SANTOS (FACI) O Núcleo de Meio Ambiente da Faculdade Ideal (NUMAFI), por meio de sua linha de pesquisa, ―Saúde e Saneamento Ambiental‖, propôs analisar as áreas mais favoráveis às ocorrências de alagamentos no município de Belém e sua Região Metropolitana. A partir daí, observou-se que os eventos naturais extremos que mais repercutem nas atividades humanas no nosso país são de natureza climática. Embora seja fenômenos naturais, a atuação do homem interferindo nas áreas urbanas ou rurais, ao longo do tempo, tem contribuído para sua maior frequência, intensidade e expansão areolar. Historicamente as cidades na Amazônia localizam-se às margens dos rios e neste contexto a cidade de Belém não é diferente. A capital do Estado do Pará é margeada pelo Rio Guamá e pela Baía do Guajará a uma altitude média de aproximadamente 10 metros acima do nível do mar. Para tal, a pesquisa partiu de uma amostra representativa, fazendo uso da coleta de dados, através de entrevistas individuais semiestruturadas, segundo roteiro previamente preparado com moradores dos bairros do Jurunas, Telégrafo e Terra Firme, quanto à questão dos constantes alagamentos nessas áreas, conhecidas como várzeas. Considerando a carência de pesquisas dessa natureza, este estudo teve como finalidade gerar informações que subsidiassem a tomada de decisões, tanto do poder público local como da população afetada, que sofrem atualmente com essa problemática. Palavras-chave: Áreas favoráveis, Alagamentos, Zonas de Riscos.
1.
INTRODUÇÃO Os eventos naturais extremos que mais repercutem nas atividades humanas no nosso país são de natureza
climática. Embora seja fenômenos naturais, a atuação do homem interferindo nas áreas urbanas ou rurais, ao longo do tempo, tem contribuído para sua maior frequência, intensidade e expansão areolar. Historicamente as cidades na Amazônia localizam-se às margens dos rios e neste contexto a cidade de Belém não é diferente. A capital do Estado do Pará é margeada pelo Rio Guamá e pela Baía do Guajará a uma altitude média de aproximadamente 10 metros acima do nível do mar. Entretanto, segundo dados do Plano Diretor Urbano (PDU) de Belém, a concentração de grande parte da população ocorre onde à altitude da porção continental acha-se em áreas de cotas inferiores ou iguais a 4 metros, espaços tradicionalmente conhecidos por ―baixadas‖. Nesse sentido, a linha de pesquisa ―Saúde e Saneamento Ambiental‖ do Núcleo de Meio Ambiente da Faculdade Ideal (NUMAFI), buscou identificar características físicas e naturais que favorecem as enchentes em bairros como Jurunas, Telégrafo, Terra Firme e outros da Região Metropolitana de Belém (RMB), ressaltando que no início de cada ano, principalmente nos períodos mais chuvosos ou naqueles em que as marés são mais altas, ou quando os dois períodos coincidem, a população belenense sofre com os recorrentes alagamentos nas áreas mais baixas, conhecidas como ―várzeas‖. Assim sendo, em 2010, segundo dados do último censo demográfico realizado pelo IBGE, a população de Belém já era de aproximadamente 1.393.399 habitantes, sinalizando para uma explosão demográfica que trás como consequência o efeito de um crescimento desordenado, através da ocupação de locais impróprios para moradia, como aqueles ambientes às margens dos igarapés que por influência de maré constantemente são alagados. Grande parte dos habitantes que ocupam estas áreas são pessoas de baixo poder aquisitivo. O surgimento dessas áreas periféricas acentua a tendência à concentração da pobreza, criando dificuldade de ampliação das redes de infraestrutura; dificuldade de acesso aos equipamentos e serviços urbanos concentrados nas áreas mais nobres; alto custo no atendimento às necessidades destas áreas. Segundo Coelho (2001), a incidência das inundações influencia a classe média e alta a se afastarem das áreas urbanas definidas como área de risco fazendo com que a especulação imobiliária sobre as áreas mais nobres da cidade pressione a população menos favorecida a ocuparem os ambientes naturais impróprios para moradia.
266
O processo de ocupação urbana, aliado a falta de planejamento de urbanização das cidades, tem como consequências: alterações no balanço de energia e alteração dos níveis de conforto urbano (elevação da temperatura e redução da umidade relativa). Além desses aspectos, o processo de urbanização impermeabiliza o solo proporcionando o aumento dos problemas relacionados às inundações que frequentemente afetam a população dessas áreas, tornando inevitável seu sofrimento por conta da perda de seus bens materiais e o aumento do risco de contaminação por doenças veiculadas por meios hídricos. Segundo Tucci (2003), a maioria dos problemas relativos às inundações, é consequência de uma visão distorcida do controle por parte dos profissionais que ainda priorizam projetos localizados sem uma visão da bacia e dos aspectos sociais e institucionais das cidades. Observa-se que países em desenvolvimento e mais pobres, priorizam ações insustentáveis economicamente como as medidas estruturais, enquanto os países desenvolvidos buscam prevenir os problemas com medidas não estruturais (educação, participação pública, legislação etc.) mais econômicas e com sustentabilidade ambiental. Como a maioria das soluções sustentáveis passa por medidas não estruturais que envolvem restrições à população, dificilmente o Poder Público responsável pela gestão municipal busca soluções deste tipo, pois na maioria das vezes, ela implica na implementação de ações que interferem nos interesses dos proprietários dessas áreas de risco, que politicamente é complexo e não é bem visto pelos mesmos.
2.
EFEITO DA OCUPAÇÃO URBANA SOBRE O CLIMA Os espaços urbanizados cada vez mais sofrem com as alterações causadas a partir de intervenções
provocadas pelo homem, principalmente pela falta de planejamento da ocupação urbana adequada e ausência de áreas verdes. Grande parte desse problema ocorre pela substituição das áreas verdes por casas e prédios, ruas e avenidas e uma série de outras construções, que é tanto maior quanto mais se aproxima do centro das grandes cidades, fazendo aumentar significativamente a irradiação de calor para a atmosfera em comparação com as zonas periféricas ou rurais, onde, em geral, é maior a cobertura vegetal. Além desse problema, nas áreas mais centrais da cidade, se registra também, uma maior concentração de gases e materiais particulados suspensos no ar, lançados principalmente pelos automóveis e pelas fábricas, proporcionando o aparecimento do ―efeito estufa‖ localizado, colaborando para a formação de ilhas de calor urbanas. Esse fenômeno é considerado o exemplo mais evidente de mudança climática provocada pelo homem, e que tem sido um dos temas mais abordados nos últimos anos, devido sua ocorrência em praticamente todas as cidades do mundo. Segundo Lombardo (1985), essas mudanças climáticas elevam a temperatura, provocando uma baixa na pressão atmosférica, gerando uma circulação local, contribuindo para a concentração da massa úmida existente no entorno e provocando anomalias na precipitação sobre estas áreas. Desta forma, a expansão das áreas urbanas proporciona a formação de diferentes microclimas no interior e ao redor dos espaços urbanos, conforme observado em diversos estudos realizados (LOMBARDO, 1985; MENDONÇA, 2003). A cidade de Belém pela sua localização geográfica, circundada pela baia do Guajará e pelo Rio Guamá, tem reflexos por conta do problema da ocupação urbana desordenada, influenciada principalmente pela perda dos seus últimos remanescentes de vegetação e pela impermeabilização do solo.
267
2.1 BACIA HIDROGRÁFICA Conceitualmente uma bacia hidrográfica ou bacia de drenagem é uma área de captação natural da água da chuva que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída. A formação das bacias hidrográficas ocorre devido aos desníveis do terreno que orientam a drenagem das águas numa determinada direção. Todas as bacias hidrográficas de uma determinada região estão separadas topograficamente entre si pelos chamados divisores de águas, sendo possível dividir, por meio desses divisores, todo o território em bacias hidrográficas. Segundo Tucci (2001), a bacia hidrográfica pode ser considerada um sistema físico onde a entrada é o volume de água precipitado e a saída é o volume que escoa pelo exutório, considerando-se como perdas intermediárias dos volumes evaporados e transpirados e também os infiltrados profundamente. O papel hidrológico da bacia hidrográfica consiste em transformar uma entrada de volume concentrada no tempo (precipitação) em uma saída de água (escoamento), de forma mais distribuída no tempo.
2.2 ENCHENTE, ALAGAMENTO E INUNDAÇÃO Os problemas de enchentes, inundações e alagamentos que muito atingem as populações que estão localizadas em áreas urbanas e rurais são decorrentes de fenômenos naturais de caráter hidrometeorológico ou hidrológico. Esses desastres são quase sempre deflagrados por chuvas rápidas e fortes ou intensas de longa duração. Geralmente esses tipos de fenômenos são intensificados pelas alterações provocadas pelo homem ao meio ambiente, como por exemplo, a impermeabilização do solo e as retificações dos cursos d‘águas decorrente das intervenções urbanas. Os problemas de enchentes, inundações e alagamentos são frequentes nas maiorias das cidades brasileiras, entretanto, se tornam mais intensos e graves nas regiões metropolitanas devido às ocupações irregulares dos terrenos marginais de cursos d‘água feitas pelas populações de baixo poder aquisitivo. Por muitas vezes os termos ―enchente‖, ―inundação‖ e ―alagamento‖ são tratadas como sinônimos tanto em trabalhos científicos quanto em dicionários da língua portuguesa, entretanto, aqui iremos considerar que as mesmas têm significados diferentes (Figura 1). A palavra ―enchente‖ procede do latim ―plenus‖ que significa ―cheio‖, e segundo Aurélio (2008), sua definição é ―ocupar o vão, a capacidade ou a superfície de; tornar cheio ou repleto‖. Este fenômeno é conhecido pela elevação temporária do nível d‘água ao longo de um canal de drenagem decorrente ao aumento da vazão ou descarga. Já ―inundação‖ deriva do verbo inundar, que tem como significado ―ação ou efeito de inundar; transbordamento das águas, cobrindo certa extensão do terreno‖ (AURÉLIO, 2008).
Perfil esquemático do processo de enchente e inundação
Fonte: Ministério das Cidades, Instituto de Pesquisa Tecnológica, 2007.
268
Já a terminologia ―Alagamento‖ é utilizada para definir os processos decorrentes ou não dos problemas de natureza fluvial, causando o acúmulo momentâneo de águas em um dado local por problemas de deficiência no sistema de drenagem devido a seu baixo coeficiente de escoamento superficial. Desta maneira, as terminologias inundação e alagamento, consistem nas palavras mais adequadas para se descrever o fenômeno abordado nesse estudo, pois, trata-se das águas que transpõe os limites dos canais, invadindo ruas, terrenos, áreas públicas e edificações. Coelho (2001, p.28) menciona que ―...A incidência das inundações motivou as classes média e alta a se afastarem das áreas urbanas delimitadas como área risco. As inundações continuam a vitimar as classes baixa‖. Isto evidencia que as inundações não estão associadas somente com os aspectos do meio físico, mas também, com a questão socioeconômica da população (MONTEIRO, 1991). As inundações e os impactos em áreas urbanas, segundo TUCCI (2000) podem ser produzidos por dois processos que ocorrem de forma isolada ou combinada que são: inundações de áreas ribeirinhas e inundações devido à urbanização. Os rios geralmente possuem dois leitos, o leito menor onde a água escoa na maioria do tempo e o leito maior que é inundado com uma periodicidade que varia entre 1,5 a 2 anos (figura 4). Os impactos das inundações estão justamente associados quando a população passa a ocupar o leito maior do rio. Estas inundações ocorrem, principalmente, pelo processo natural do ciclo hidrológico, ou seja, quando o rio escoa pelo seu leito maior. Isto significa dizer que o leito maior dos rios é considerado áreas de risco, onde justamente os impactos são mais frequentes.
Características dos leitos do rio.
Fonte: SCHUELLER, 1987.
A inundação urbana é uma ocorrência tão antiga quanto às cidades ou qualquer aglomerado urbano (TUCCI, 2000). Este problema ocorre quando as águas dos rios, riachos, galerias pluviais saem do leito de transporte de um destes sistemas e ocupam áreas onde a população utiliza para moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios), recreação, comércio, indústria, entre outros. Estes eventos podem ocorrer devido ao comportamento natural dos rios ou ampliados pelo efeito de alteração produzida pelo homem na urbanização pela impermeabilização das superfícies e a canalização dos rios. A inundação urbana é uma ocorrência tão antiga quanto às cidades ou qualquer aglomerado urbano (TUCCI, 2000). Este problema ocorre quando as águas dos rios, riachos, galerias pluviais saem do leito de escoamento devido à falta de capacidade de transporte de um destes sistemas e ocupam áreas onde a população utiliza para moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios), recreação, comércio, indústria, entre outros. Estes eventos podem ocorrer devido ao comportamento natural dos rios ou ampliados pelo efeito de alteração produzida pelo homem na urbanização pela impermeabilização das superfícies e a canalização dos rios.
269
Devido à impermeabilização do solo decorrente da ocupação urbana, o escoamento passa a ser feito por condutos e canais, aumentando a quantidade de água que chega ao mesmo tempo ao sistema de drenagem provocando uma com maior frequência de inundações.
2.3 NÍVEL DA MARÉ
Maré refere-se ao fenômeno da alteração da altura das marés e oceanos, causado pela interferência da Lua e do Sol sobre o campo gravitacional da Terra (GARRISON, 1998). Quando a maré atinge sua cota máxima a mesma é denominada de maré alta, maré cheia ou preamar. Quando atinge o seu menor nível chama-se maré baixa ou baixa-mar. Em média, as marés oscilam em um período de 12 horas e 24 minutos. Doze horas devido à rotação da terra e 24 minutos devido à órbita lunar. A altura da maré alta e baixa, também sofre variações influenciadas pelas fases da Lua. Na Lua nova e cheia, a força gravitacional do Sol está na mesma direção que as da Lua (figura 3), produzindo marés mais altas, chamadas marés de sizígia. Na Lua minguante e crescente a forças gravitacional do Sol está em direção diferente da Lua, anulando parte dela, produzindo marés mais baixas chamadas marés de quadratura.
Ilustração das fases das Lua em relação à posição da Terra e do Sol
Fonte: Mar da Bahia, 2009.
Com outras palavras, diz-se que as marés são mudanças periódicas na altura da superfície oceânica em um determinado lugar, causado pela combinação da força gravitacional da Lua, do Sol e do movimento da Terra (GARRISON, 1998). O nível de maré tem como referência para sua determinação o zero hidrográfico, que comumente é utilizado em hidrografia costeira e na medição de profundidade dos portos. O zero hidrográfico varia de local para local, e é normalmente definido pelo nível da mais baixa das baixa-mares registradas durante um dado período de observação, sendo que, na maior parte dos casos o zero hidrográfico é feito coincidir com o nível médio do mar ou tem com ele uma relação simples e constante. 2.4 NÍVEL MÉDIO DO MAR O Nível Médio do Mar é por sua vez a altitude média da superfície do mar medida em relação a uma superfície terrestre de referência, sendo utilizado como ponto de referência a partir do qual são medidas as altitudes dos acidentes topográficos e marcadas as curvas de nível e as altitudes nos mapas e plantas. Tradicionalmente a
270
medição do nível médio do mar é feita com base nas leituras dos marégrafos, instrumentos que permitem medir a variação do nível das águas num determinado local (MESQUITA, 1986).
3.
METODOLOGIA Para o alcance dos objetivos propostos, a pesquisa foi desenvolvida em três etapas, ou seja, pré-campo,
campo e pós-campo, levando em consideração os aspectos topográficos de grande parte dos bairros de Belém que se encontra em áreas rebaixadas, apresentando, portanto, baixas altitudes em relação ao nível do mar. A primeira etapa conteve a revisão bibliográfica especializada, buscando identificar acontecimentos ligados ao processo de formação sócio-espacial da cidade de Belém, marcado pela segregação e exclusão de populações que não tiveram acesso às áreas centrais, sendo ―empurradas‖ para as áreas mais baixas (várzeas). A etapa seguinte constou de visitas in loco com os moradores e transeuntes dos bairros do Jurunas, Telégrafo e Terra Firme, da aplicação de questionários, entrevistas e de registros fotográficos desenvolvidos a partir de critérios preestabelecidos. Na etapa final, foi desenvolvido a analise do cruzamento das informações coletadas em campo com pesquisas bibliográficas, resultando na proposição de medidas e conclusões a respeito da temática abordada. 4.
RESULTADOS E DISCUSSÃO O resultado da pesquisa é mostrado nas figuras abaixo, em que é possível visualizar o limite territorial da
cidade de Belém. As manchas vermelhas representam as áreas propensas naturalmente a alagamentos e as manchas vermelhas cortadas por linhas pretas, indicam as áreas sujeita a alagamentos por bairro da cidade.
Por meio da espacialização das áreas vulneráreis a alagamentos, pode-se perceber que elas estão localizadas majoritariamente nas áreas correspondentes a primeira légua patrimonial da cidade, como também, nas áreas próximas a terrenos de marinha. Com o passar do tempo, o processo de urbanização das regiões metropolitanas deixaram de crescer no seu centro, e passam a se expandir na periferia, justamente onde se concentram os mananciais, agravando este problema. Isso evidencia que a vulnerabilidade aos desastres naturais está associada não só aos aspectos relacionados ao meio físico como, por exemplo: clima, relevo, drenagem, solos e outros, mas, sobretudo, à situação socioeconômica da população localizada nos ambientes próximos aos leitos fluviais (MONTEIRO, 1991). Em meados do século XX, morar próximo à orla do Rio Guamá e da baía do Guajará em Belém era quase impossível, não só em virtude das chuvas que inundavam grande parte dessa área, como também, pelas frequentes enchentes influenciadas pelo regime de maré desses rios, que adentravam pelos inúmeros igarapés tornando a parte mais baixa da cidade uma extensão dos rios. Segundo Boletim SESP (apud, BRASIL, 1943), em decorrência dessas
271
incessantes enchentes essa área na época tornou-se um local propício às endemias, como aconteceu na primeira metade do século XX, quando foi registrado um grande surto de malária na região. Este Boletim SESP (apud, BRASIL, 1943) informa-se ainda que, objetivando controlar o problema das enchentes nas áreas mais baixas da Cidade, foram realizadas várias obras, entre elas um dique, cuja parte principal, com cerca de 6 km coincide com o trecho hoje denominado Avenida Bernardo Sayão. Outros 10 km foram construídos, quando possível, considerando todas as estradas ou trabalhos feitos anteriormente, além de um sistema de drenagem para a cidade. O dique construído expande-se do igarapé Tucunduba até o igarapé de Val-de-Cans, com uma distância aproximada de 16 km. Esta obra impediu a Inundação de uma área de 38.540 m², e a área beneficiada pelo sistema de drenagem foi de 98.270.000 m2. ―A cidade é construída em um terreno baixo, alagado pelas chuvas torrenciais e invadido pelas marés‖. A parte alta da Cidade é uma espécie de faixa que corre do sul para leste, à esquerda ficam as terras banhadas pelo Rio Guamá, à direita o litoral da baía de Guajará. ―Vários igarapés cortam o Município‖ (Boletim SESP apud, BRASIL, 1994). A tabela abaixo mostra os 10 bairros mais sujeitos a alagamentos na cidade.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Núcleo de Meio Ambiente da Faculdade Ideal (NUMAFI) por meio de sua linha de pesquisa ―Saúde e
Saneamento Ambiental‖ difundi princípios de sustentabilidade ambiental em suas atividades acadêmicas, com extensão a comunidade externa através da inter, multi e transdisciplinariedade da educação ambiental em busca de um meio ambiente saudável. Portanto, nessa pesquisa, conclui-se que, para que as políticas públicas sejam eficazes, é fundamental que as autoridades públicas considerem as peculiaridades e particularidades naturais da cidade, remanejando as pessoas das áreas propensas aos alagamentos, além de investir em educação, visando diminuir a quantidade de despejo de lixo nos rios e igarapés de Belém e trabalhando uma engenharia mais inteligente, que não só mude o local de alagamento. Belém já devia ter em uma de suas secretarias um sistema gerenciador de recursos hídricos, que tivesse a função de prognosticar escassez de água, degradação de corpos hídricos, áreas de alagamentos e outros problemas pertinentes, para uma tomada de decisão mais eficaz. 6.
REFERENCIAS
BERTONI, J.C.; TUCCI, C.E.M. Precipitação In: TUCCI, C.E.M, Hidrologia. Ed. da UFRGS, EDUSP, 1993. Cap. 5. Pág. 177- 242. BERTONI, J.C.; TUCCI, C.E.M. Precipitação. In. TUCCI, C.E.M. (Org.) Hidrologia: ciência e aplicação. 2ª ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001, p. 177-242.
272
BRASIL, Delegacia do Patrimônio da União. Relatório de demarcação. Belém: Ministério da Fazenda, 1994. BRASIL, Ministério das Cidades. Cadernos cidades/Desenvolvimento Urbano – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano 1. Brasília: Ministério das Cidades, 2004. COELHO, M.C.N. Impactos ambientais em áreas urbanas – teorias, conceitos e método de pesquisa. In: BRANDÃO, A. M. Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 19-45. GARRISON, T. Oceanography. A invitation to marine science. 2ª ed. Wadsworth: Belmont, 1998. LOMBARDO, M. A. Ilha de calor nas metrópoles – o exemplo de São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1985. 244p. MESQUITA, A.; LEITE, J.B.A. Sobre a variabilidade do nível médio do mar nacosta Sudeste do Brasil. Revista Brasileira de Geofísica, 4ª ed, Pág. 229-236. 1986. MONTEIRO, C.A.F. Clima e excepcionalismo – conjecturas sobre o desempenho da atmosfera como fenômeno geográfico. Florianópolis: UFSC, 1991, 241p.
273
REFLEXÕES SOBRE A CRIAÇÃO E A EXPANSÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM: Uma análise sobre o parque ecológico do município de Belém Naiara de Almeida RIOS173 IFPA Aline Reis de Oliveira ARAÙJO174 IFPA O presente trabalho intitulado ―Reflexões sobre a criação e a expansão das Unidades de Conservação na Região Metropolitana de Belém-PA‖ nasce a partir da necessidade de se refletir sobre a crescente expansão e criação de unidades de conservação na região metropolitana de Belém (nas três últimas décadas), relacionada diretamente às políticas ambientais e de gestão do território desenvolvidas em escalas nacionais e internacionais. Objetivou-se então compreender como algumas dessas unidades localizadas na região metropolitana de Belém-PA são geridas e como utilizam a educação ambiental no papel de conscientização da população local. Para a realização desse trabalho, foram utilizados como meio metodológico, primeiramente o embasamento teórico, com a finalidade de se entender melhor como se deu o processo de criação e formação das Unidades de Conservação na RMB. Em seguida as observações foram feitas em campo (visitas nas áreas estudadas). O Parque ecológico do Município de Belém (PEMB) foi criado em 1991 pela Lei Municipal 7.539/91 e abrange uma enorme área localizada entre os conjuntos habitacionais Presidente Médici e Bela Vista. Entretanto, mesmo com seu enorme espaço e sua vasta flora e fauna, o PEMB é pouco conhecido na cidade de Belém. Durante algum tempo o parque foi aberto ao público, mas hoje apenas pessoas autorizadas podem acessar as estruturas desse local. Existem alguns projetos para que o Parque ecológico do município de Belém se torne mais uma área de lazer para a cidade, mas isso até agora não aconteceu. Palavras-chave: Educação ambiental, gestão ambiental, unidades de conservação.
1.
Introdução A criação de Unidades de Conservação no território brasileiro surge a partir da década de 1930, influenciada
pela política de proteção ambiental dos países desenvolvidos. A princípio a criação de tais espaços protegidos em território brasileiro, gerou diversos conflitos sociais, devido a presença de populações tradicionais que viviam em áreas que foram transformadas em UCs. Esses conflitos originam-se da política aplicada à essas áreas, onde não poderiam existir populações humanas morando em áreas de preservação ambiental. É a partir desse período que diversas Unidades de Conservação são criadas no Brasil, objetivando proteger os recursos naturais existentes nesse território, além de assumiram o importante papel enquanto instrumento de gestão do território. É nessa perspectiva que se cria o presente artigo, que surge a partir da necessidade em se compreender como surgiram as unidades de conservação e sua importância no Brasil. Esse trabalho foi criado com a proposta de analisar a essência de tais espaços protegidos. Porém, por limitações temporais, físicas e financeiras, foi estudada a Região Metropolitana de Belém, e mais especificamente a cidade de Belém. Essa pesquisa se justifica pela importância de compreender as unidades de conservação como elementos de gestão do território, altamente modificadores da vida das pessoas que estão em sua jurisdição, bem como das comunidades que estão em seu entorno. A metodologia utilizada baseou-se na leitura e debate de relatórios de pesquisa e bibliografias específicas, pesquisas institucionais e trabalhos de campo. Obras de Coelho (2009) foram essências para que se pudesse compreender a criação de UCs no Brasil e no Mundo.
173
Discente do quarto semestre do curso de Licenciatura Plena em Geografia do IFPA- Campus Belém, e aluna bolsista de iniciação científica- PIBICT. e-mail: naiara-ar@hotmail.com
174
Orientadora. Professora Mestre em Geografia. e-mail: geografaalinereis@yahoo.com.br
274
Os objetivos desse trabalho consistem em mostrar como as unidades de conservação ambiental são organizadas na região metropolitana de Belém-PA, para que elas foram criadas, e de que forma as mesmas afetam socialmente e ambientalmente a região. Objetiva-se também identificar o propósito de criação das unidades de conservação, e analisar se os objetivos propostos têm sido desenvolvidos e ou alcançados. O atual trabalho mostrará os resultados de uma pesquisa feita sobre o Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB). Esse parque está entre as 83 Unidades de Conservação presentes no estado do Pará, e uma das sete presentes na Região Metropolitana de Belém. O Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) foi criado em 1991, através da Lei Ordinária nº 7.539. Esse Parque é a maior Unidade de Conservação do município de Belém, possuindo uma área de aproximadamente 44,06 há. O PEMB fica situado entre o bairro da Marambaia e Val-de-Cans na cidade de Belém-PA. Atualmente esse parque possui uma série de problemas, tanto ambientais, sociais e estruturais, que o fazem desviar de seus objetivos enquanto UC. Vale ressaltar nessa introdução, que durante um certo tempo o PEMB era aberto ao público, porém, devido aos problemas existentes dentro do parque, hoje só pessoas autorizadas podem acessar as dependências desse local.
2.
Unidades de Conservação (UCs): Criação e expansão As UCs no Brasil são regidas pela Lei Nº 9.985, de Julho de 2000. De acordo com essa , as Unidade de
Conservação consistem em ser espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção; (Lei Nº 9.985/00)
A discussão no Brasil sobre áreas protegidas veio influenciar fortemente o país a partir de 1930. Nesse momento o Brasil estava deixando de ser um país agrário e se tronando uma nação urbano-industrial. Em meio a essas transformações ocorridas no país, houve a necessidade do controle e gestão dos recursos naturais pelo Estado, é ai que a política de implementação de áreas protegidas apresenta-se como questão nacional (JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009). Essa política de criação e gestão de áreas protegidas se efetiva, quando Vargas cria em 1937, o Parque Nacional do Itatiaia. No decorrer desse governo outras áreas protegidas foram criadas. No princípio, as áreas de preservação ambiental no Brasil seguiam o modelo preservacionista 175. A discussão no Brasil sobre áreas protegidas veio influenciar fortemente o país a partir de 1930. Nesse momento o Brasil estava deixando de ser um país agrário e se tronando uma nação urbano-industrial. Em meio a essas transformações ocorridas no país, houve a necessidade do controle e gestão dos recursos naturais pelo Estado, é ai que a política de implementação de áreas protegidas apresenta-se como questão nacional (JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009). No princípio, as áreas de preservação ambiental no Brasil seguiam o modelo preservacionista, que não permitia a presença de populações humanas vivendo em áreas protegidas. Todavia, o Governo Brasileiro encontrou grandes dificuldades na gestão de áreas protegidas, pois nesses espaços já existiam populações tradicionais habitando aquele local, onde já possuíam conflitos antigos e um modo de vida característico naqueles locais. Em 1934 o Governo toma importantes medidas jurídico para o gerenciamento das áreas de preservação ambiental. Nesse mesmo ano ocorre a Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, e a criação do Código de Caça e Pesca, do Código Florestal176 e do Código das Águas. 175
Acredita que a interferência humana é essencialmente nociva ao meio ambiente. Protegendo a natureza contra o desenvolvimento moderno, in dustrial e urbano.
275
Quando os militares dão golpe de Estado, iniciando a Ditadura Militar brasileira (1964), a estrutura da criação de áreas protegidas pouco mudou. O que aconteceu de fato foi apenas foi o surgimento de novas unidades de conservação. De modo geral, a política de meio ambiente continuou em expansão (JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009). Apesar dos militares terem aplicado uma política ambiental para a construção de reservas naturais no país, desde o golpe militar, é só a partir da década de 1980 que esse pensamento ganha força no Brasil. Isso se intensifica nesse período, em função do impulso gerado no mundo todo sobre as questões ambientais. Além disso, é também nesse momento que se consolida os grupos ligados a questão ambiental no país. Segundo JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS (2009): ―Todo o processo para a consolidação de um aparato jurídico, institucional e político para a conservação da natureza foi exercido sob a liderança do Estado brasileiro, mas com participação efetiva da sociedade civil. A entrada em cena das ONGs ampliou o papel da sociedade, mas o Estado continuou sendo o indutor da implementação dos diversos instrumentos e da efetivação da política ambiental.‖ (p.46).
Um problema que também se agravou no Brasil na década de 1980, foram os conflitos gerados em meio à criação de unidades de conservação no território brasileiro. Nesse cenário, os setores ligados ao capital produtivo agiram contra a implantação de áreas protegidas. E da mesma forma, as populações tradicionais geraram tensões sobre a criação dessas áreas. Com relação a Amazônia brasileira, não é recente a discussão feita no mundo sobre a vasta riqueza natural presente no Brasil, principalmente nessa região. Perante a isso, com a intensificação da criação de áreas protegidas em território brasileiro, gera em torno da Amazônia o compromisso internacional para a sua conservação. É em meio a essa política de preservação ambiental que diversas UCs são criadas na região Amazônica. Não diferente do restante do território brasileiro, com a criação de áreas protegida na Amazônia, houve a intensificação dos conflitos territoriais e sociais na região. Isso se deu porque, o Brasil seguia ainda o modelo preservacionista, que não permitia a presença de moradores em reservas ambientais, como já foi dito anteriormente. Porém, na realidade brasileira, suas florestas eram habitadas por populações tradicionais, que já utilizavam daqueles locais para sobreviver. É ai, que os conflitos aparecem. É nesse contexto que a necessidade de ser criar áreas que permitissem a presença de pessoas acontece. Segundo Coelho, Cunha e Monteiro (2009): a mobilização popular (principalmente das chamadas populações tradicionais) provoca mudança desse quadro, levando, aliás, os movimentos sociais a adotar, particularmente na Amazônia, a bandeira de criação de unidades de conservação como forma de regularização fundiária, primeiro como reservas extrativistas e, posteriormente, pela criação de reservas de desenvolvimento sustentável.
Com isso foram criadas no Brasil duas categorias de UCs, são elas: Proteção Integral e de Uso sustentável. Essas unidades são constituídas pelo poder público, que pode ser municipal, estadual ou federal. Em nível federal, o governo estabelece um Programa de Áreas Protegidas, que pretende criar na Amazônia uma verdadeira rede de conservação da natureza, conforme foi estabelecido durante a Conferência Rio +10, realizada na África do Sul, onde, de acordo com Becker (2004, p.109), foi lançado o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia/ ARPA...o programa vai proteger 500.000 km² da Amazônia até 2012.significando transformar 12% das florestas amazônicas em parques ou reservas extrativistas.
4 O primeiro Código Florestal brasileiro foi editado em 1934 pelo Decreto Federal 23793/34.
276
O Pará é o segundo Estado do Brasil em extensão territorial e possui mais de 74 milhões de hectares, cerca de 60% do total de 1.247.689,515 km² , de áreas protegidas entre Unidades de Conservação (UCs) de proteção integral e de uso sustentável. Ao realizarmos uma análise sobre os períodos e tipos de unidades de conservação criadas no Pará, chegamos a algumas conclusões. Ao todo, temos hoje 87 unidades de conservação em nosso Estado. Sendo que 26 são de proteção integral, e 61 são de uso sustentável. Em outras palavras, 70% das UCs do Pará são de uso sustentável. Ou seja, estão em territórios anteriormente ocupados pelo homem, e que por isso, devem ser geridas com a participação deste.
Quadro 01: Distribuição quantitativa de Unidade de Conservação no Pará por ente federativo de gestão.
UC
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
PARTICULAR
TOTAL
Quantidade
46
21
14
06
87
FONTE: SEMA, 2010.
3.
Analisando o Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) A discussão apresentada nos próximos tópicos serão os resultados das análises feitas no Parque Ecológico do
Município de Belém. Os resultados dessa pesquisa foram obtidos por meio de visitas ao local estudado. A primeira etapa dessa pesquisa consistiu na ida ao Conjunto Médici, para coletar dados sobre o Parque entrevistando os moradores. Foram realizadas entrevistas com dez moradores do conjunto Médici. A segunda etapa da pesquisa de campo foi à entrevista com a gestora do PEMB. Algumas das falas dos entrevistados, tanto do Médici, quanto do parque, serão expostos nesse relatório. Todavia, serão respeitados os direitos de privacidade de cada entrevistado, sendo assim, não serão ditos nomes das pessoas, só as letras iniciais e idade. A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de março a outubro de 2012.
3.1 Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) Por meio da Lei Ordinária nº 7.539 foi regulamentado pelo poder municipal de Belém a criação do Parque Ecológico do Município de Belém - localizado entre os conjuntos Presidente Médici e Bela Vista-, em 19 de novembro de 1991. O Parque Ecológico do Município de Belém tem como órgão gestor a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA). O objetivo desta unidade de conservação é a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade local, conforme disposto na Lei nº 7.539/91, Art 1º, ―§ 1º. O Parque conservará todos os seus recursos naturais hoje, existentes, ficando o Poder Público Municipal responsável pela proteção, manutenção e restauração do mesmo.‖ Segundo a SEMMA, O Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB) foi criado pela Lei Municipal 7.539/91 e fica localizado entre os conjuntos habitacionais Presidente Médici e Bela Vista. Com uma área de aproximadamente 44,06 ha, - o equivalente a 115 campos de futebol – o Parque Ecológico se divide entre os bairros de Val-de-Cans e Marambaia. O parque é cortado em toda sua extensão pelo canal São Joaquim e abriga o igarapé do Burrinho. (FONTE: http://www.belem.pa.gov.br , acessado em 4 de maio de 2012.)
277
Figura 1- Localização geográfica do Parque Ecológico do Município de Belém via satélite. (Fonte: GoogleMaps, acessado em 23 de maio de 2012)
Figura 2- Vista frontal parcial do Parque Ecológico do Município de Belém, entrada pelo conjunto Médici. (Foto: Arquivo pessoal (Naiara Rios) 09/08/2012.) Em entrevista com a gestora do parque, esta reforçou o objetivo em lei do parque, e disse que o PEMB objetiva preservar os recursos naturais presentes no local, além de contribuir com a sociedade, não só por ser uma área verde, mas também no aspecto cientifico cultural e ambiental. Apesar de o PEMB ter sido criado em 1991, há dois anos o parque foi reinaugurado, em 30 de setembro de 2010 pelo projeto ―Ação Metrópole177‖. O Parque Ecológico do Município de Belém possui duas portarias de acesso, uma portaria fica localizada no Conjunto Médici e a outra na Avenida Independência, e essa última foi criada há dois anos juntamente com a criação dessa avenida pelo projeto ―Ação Metrópole‖. Devido ao ―Ação Metrópole‖ o PEMB passou por uma reforma estrutural. Esta se deu devido à compensação ambiental178 (nota de rodapé) que o governo do Estado deu ao parque, pois um trecho que a Avenida Independência passa, correspondia a uma área do Parque, que precisou ser desmatada para a criação dessa avenida.
177
Programa Via Metrópole, que prevê mudanças nos eixos de tráfego e equipamentos urbanos em toda a Região Metropolitana de Belém. Atualmente, a Compensação Ambiental, strictu sensu, é entendida como um mecanismo financeiro que visa a contrabalançar os impactos ambientais ocorridos ou previstos no processo de licenciamento ambiental. Trata-se, portanto de um instrumento relacionado com a impossibilidade de mitigação, imposto pelo ordenamento jurídico aos empreendedores, sob a forma preventiva implícita nos fundamentos do
178
278
Nessa compensação foi criada no Parque uma lanchonete, uma trilha ecológica por cima do igarapé do Burrinho, uma ponte por cima do canal São Joaquim e um Chalé – Local para serem realizadas atividades educativas, científicas, culturais e também é uma espécie de escritório onde a administração do PEMB fica.
4.1.1
Aspectos socioambientais do PEMB
A criação do Parque Ecológico do Município de Belém foi uma iniciativa da associação dos moradores do Conjunto Médici e Bela Vista. Os moradores desses conjuntos não queriam que a área verde onde hoje se localiza o parque fosse perdida, então esse moradores entraram em contato com o a prefeitura, que se responsabilizou em tornar aquela área uma Unidade de Conservação. ―O parque foi criado pela iniciativa dos moradores. Quando algumas pessoas souberam que iam fazer essa macrodrenagem, que previa criar uma rua ou estrada aqui na marginal, eles acharam que seria muito prejudicial, e trataram de preservar esse lado ai (o lado que é do parque). Mas foi incentivo dos moradores mesmo‖ (Morador, 52 anos) 179. Durante a legalização da criação do PEMB, foram eleitos, por meio da associação dos moradores, alguns representantes do Conjunto Médici e Bela Vista, que participavam constantemente de reuniões sobre a criação do Parque Ecológico do Município de Belém. Segundo F. A., uma moradora do conjunto Médici, ―na época da criação do Parque existiam vários representantes de moradores. Tinha o daqui do Médici, o do Bela Vista, até a invasão tinha um representante. Eram feitas reuniões aqui, no Bela Vista, tiveram várias reuniões. O povo todo aqui sabia da criação do Parque. Aquele que dizer que não sabe é aquele que mora pouco tempo aqui‖ (Moradora, 51 anos) 180. A participação popular é fundamental no processo de legitimação de um espaço desta natureza, e a própria lei que regulamenta o Parque já dispõe sobre esta participação.
Art. 2º. A Associação dos Moradores do Conjunto Médici terá participação na Comissão de Defesa do Meio Ambiente do Município de Belém, de acordo com o que estabelece o artigo 158 da Lei Orgânica do Município de Belém. (Lei nº 7.539/91)
Logo que o Parque foi criado era um local aberto a visitação. Todavia, atualmente o PEMB carece de investimentos para sua estrutura física, e esse é um dos principais fatores que levam o parque não ser aberto ao público, podendo apenas acessar suas dependências as pessoas autorizadas com visitas devidamente programadas, tanto para estudos quanto para pesquisas. Como o PEMB ainda não tem característica de área de lazer, o horário de seu funcionamento é de 8h às 17h de segunda à sexta feira. De acordo com a gestora do PEMB: ―Teve um corte de recursos humanos, no pessoal da manutenção do Parque. Ai não há como fazer a manutenção, fica muito carregado para os meninos. Uma vez eu fui ajudá-los, porque fiquei com pena, é muita coisa pra eles fazerem. E também há falta de segurança, só tem um guarda pra todo o parque. Antes tinham quatro, mas como houve esse corte nos recursos humanos eles saíram. Tinha uma empresa que trabalha pro Parque, e ela que mandava os funcionários, mas com a mudança de gestão, acabaram com o vinculo da empresa. Tinha até uma senhora, isso que os meninos me contam, que trabalho muito tempo aqui, mas quando houve esse corte ela também saiu, porque ela trabalhava pra essa empresa.‖ (Isabel, 38 anos)181 Dentre os outros problemas que são encontrados no PEMB estão à falta de segurança, de infra-estrutura, segundo comentários da gestora ambiental atual. Com a revitalização feita em 2010 no Parque Ecológico do Município de Belém, a imprensa divulgou que Princípio do Poluidor- Pagador. Nesse contexto, a licença ambiental elimina o caráter de ilicitude do dano causado ao ambiente do ato, porém não isenta o causador do dever de indenizar; (Consultoria Legislativa do Senado Federal, por Ivan Dutra Faria. Disponível em: http://www.senado.gov.br, acessa em 20 de setembro de 2012) 179 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 09/08/2012. 180 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 09/08/2012. 181 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 28/08/2012.
279
Cerca de 120 mil pessoas devem visitar o parque a cada mês. Esse público é estimado pelo diretor de controle ambiental da Semma, Cláudio Cunha. Ele se baseou no número de visitantes do Parque Zoobotânico Bosque Rodrigues Alves, que possui tamanho cinco vezes menor que o parque. A cada mês, o bosque recebe 30 mil pessoas. (Fonte: portalamazonia.globo.com, acessado em 12 de agosto de 2012)
Porém, nada do que foi dito pelo diretor de controle ambiental da SEMMA ocorreu depois da reinauguração do Parque. Pois, em entrevista feita com a gestora do parque, esta informou que há nove meses o PEMB não recebia nenhuma visita.
4.1.2 O PEMB na perspectiva da população local Nas entrevistas feitas com os moradores do Conjunto Médici, observa-se a não satisfação dos mesmos com o PEMB, baseados na situação de fechamento atual do mesmo. Os moradores sentem-se injustiçados por não poderem usufruir das dependências do PEMB. Essa afirmativa se explica claramente na fala do seu J. A., que disse o seguinte, em tom de raiva: ―Esse Parque? Eu não quero saber disso ai. Esse Parque é um absurdo. O que adianta ele tá ai se a gente não pode nem entrar nele? Nem as nossas crianças podem entrar ai em passeio da escola. Eu tenho é raiva desse Parque‖ (Entrevistado, 75 anos)182. Outra problemática que envolve o Parque Ecológico do Município de Belém, é que apesar de ter sido criado há 21 anos (1991), até hoje o seu plano de manejo não foi realizado. A lei nº 9.985/2000, que fala sobre as unidades de conservação no Brasil, no seu Art. 27 (sobre o Plano de Manejo) diz que Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo. § 1o O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. § 2o Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente. § 3o O Plano de Manejo de uma unidade de conservação deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação.
Além de não possuir Plano de Manejo o Parque Ecológico não realiza nenhuma atividade de educação ambiental. A gestora do PEMB disse em entrevista sobre o assunto que ―O Parque não tem nenhum programa de educação ambiental. Mas tenho projeto também de criar palestras sobre educação ambiental. Queria fazer parcerias, e esses palestrantes realizariam palestras para os alunos do ensino médio, superior, alunos de uma forma geral.‖ (Entrevistada, 38 anos)183
5
Considerações Ferreira, Venticinque e Almeida (2005) em seu artigo sobre desmatamento e áreas protegidas defendem a
criação de unidades de conservação na Amazônia em uma abordagem que comprova por meio de dados que nos Estados em que há a implantação de áreas protegidas, os números do desmatamento são reduzidos dentro das unidades de conservação. São variadas concepções sobre os benefícios das unidades de conservação seja em aspectos ecológicos, econômicos ou político-institucionais. A proposta da conservação de áreas verdes é pautada pela necessidade em se ter no meio urbano, espaços que fugissem do cotidiano estressante das cidades, e proporcionassem a essa população paz e tranquilidade, com o contato com a natureza. 182
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 09/08/2012. Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 28/08/2012.
183
280
O Parque Ecológico do Município de Belém por sua vez, é a maior unidade de conservação encontrada dentro da capital paraense. Esse local possui muita riqueza de flora e fauna Amazônica, mas que infelizmente não tem sido valorizado. Poucas pessoas sabem da existência do Parque. Existe pouca divulgação do mesmo, e um escasso incentivo público para a visitação do PEMB. Além das propostas de criação do PEMB de ser uma área proteção ambiental, objetivava também em ser uma área de lazer para a cidade, porém, infelizmente o Município não deu condições estruturais para que isso ocorra. A diretora do PEMB afirmou que tem muitos projetos para o Parque, e que pretende coloca-los em prática, mas não sabe se os mesmos vão continuar, já que como é ano de eleição, e provavelmente mudará de partido ano que vem a sua permanência no PEMB é incerta. Mas ela afirma que dará inicio aos seus projetos, como a catalogação de espécies e também melhorias na estrutura física do PEMB. Para a gestora do PEMB, para que o Parque atinja seus objetivos são necessários infraestrutura e recursos humanos. Infraestrutura e recursos humanos porque o parque precisa está limpo e seguro para a visita das pessoas, mas para isso precisamos de mais pessoas trabalhando na sua manutenção. E nas estruturas físicas do parque precisamos de instalações melhores como lixeiras, bancos, etc. Não se tem pessoal nem infraestrutura‖. (Entrevistada, 38 anos)184. O que se pôde observar, é que não há interesse algum em investir numa infraestrutura para o Parque, para que mais tarde ele possa se tornar aberto ao público, e não só atender o lazer da cidade, mas também atar como um local que promova a educação ambiental e invista em pesquisas, estudos escolares e acadêmicos.
Referências bibliográficas Google Maps. Parque Ecológico do Município de Belém. Disponível em: <maps.google.com>. Acessado em: 23 de maio de 2012. FERREIRA, Leandro Valle; VENTICINQUE, Eduardo; ALMEIDA, Samuel. O desmatamento na Amazônia e a Importância das Áreas Protegidas. NAEA, 19(53), 2005. Lei Nº 9.985, de Julho de 2000. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm>. Acessado em: 12 de junho de 2012. SEMAJ. Lei Ordinária N.º7539, 19 DE NOVEMBRO <http://www.belem.pa.gov.br>.Acessado em: 05 de maio de 2012.
DE
1991.
Disponível
em:
SEMMA. Parque Ecológico do Município de Belém (PEMB). Disponível em: <http://www.belem.pa.gov.br>. Acessado em: 4 de maio de 2012. Unidades de Conservação: Abordagens e Características Geográficas GUERRA, A.J.T.; COELHO, M.C.N. (organizadores). Unidades de Conservação: Abordagens e Características Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
184
Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada no Conjunto Médici em 09/08/2012.
281
ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DO TRATO DOS RESÍDUOS URBANOS: DE LIXÃO À IMPLANTAÇÃO DE UMA CPTR CLASSE II, EM MARITUBA, COMO NOVOS MECANISMOS DE COLETA E DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS DOMÉSTICOS Rudilardson Silva PINTO (FACI) Lítala do Nascimento ANDRADE (FACI) Amanda Moreno Coelho ABREU (FACI) Lucidéa de Oliveira SANTOS (FACI) O aterro sanitário é uma das técnicas mais seguras e de menor custo para disposição final de resíduos sólidos urbanos. Fundamentado em critérios de engenharia e normas técnicas especificas, permite confinar tais resíduos de forma mais segura, controlar a poluição ambiental e proteger a saúde pública. Nesse sentido, a pesquisa sobre práticas de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) descreve casos de impactos sobre a coleta e a disposição final inadequada de resíduos sólidos urbanos na Região Metropolitana de Belém (RMB), realizado pelo Grupo de Pesquisas Permanentes do CST em Gestão Ambiental da Faculdade Ideal, nos anos de 2011 e 2012. O principal objetivo desse trabalho foi identificar e registrar os impactos socioambientais do atual modelo de gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos da Região Metropolitana de Belém atentando a situação do município de Marituba e analisar, mediante a implantação do 1º Aterro Sanitário para a RMB, o direito a informação e a participação da sociedade diante do licenciamento ambiental da Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos (CPTR/MARITUBA). Apesar de a pesquisa centrar em Marituba, percorreu-se quase todos os maiores municípios da RMB para estudar a questão e entender a situação desse município. Em campo a equipe entrevistou, aplicou questionário e captou imagens para análise, além da legislação, que obriga e prevê o fechamento de lixões e a implantação de Aterros Sanitários. Palavras-chave: Saneamento Básico, Resíduos Urbanos, Sistemas de tratamento, Aterro Sanitário, Município de Marituba.
1.
INTRODUÇÃO O presente artigo foi elaborado a partir da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
aprovada por meio da Lei 12.305/10, após vinte anos de tramitação no Congresso Nacional, se tornando uma prioridade. Algumas medidas estabelecidas nessa lei, como acabar com os lixões até 2014, implantar a coleta seletiva, a logística reversa e a compostagem de resíduos, são desafios para o poder público e para o setor privado no país e, em especial, para os municípios, titulares dos serviços de limpeza pública. A mesma lei estabelece que, após agosto de 2012, a União apenas poderá firmar convênios e contratos para o repasse de recursos federais para estados e municípios, em ações relacionadas com esse tema, se eles tiverem formulado seus planos de gestão de resíduos sólidos. O esforço que vem sendo realizado busca tirar a Lei 12.305/10 do papel e garantir que ela se torne, efetivamente, uma referência para o enfrentamento de um dos mais importantes problemas ambientais e sociais do país. O enorme envolvimento dos diferentes segmentos da sociedade no debate do tema e, sobretudo, nas audiências regionais e nas consultas públicas realizadas no segundo semestre de 2011 para debater o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, mostra que a lei ―pegou‖ e que ―mobilizou‖ tanto o setor público quanto o privado, além das cooperativas de catadores, movimentos sociais e ambientalistas. Por essa razão, o Ministério Público do Estado do Pará (MPE) solicitou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) a realização de audiências públicas nos seis municípios constituintes da Região Metropolitana de Belém (RMB), visando garantir o direito à informação e participação da sociedade com relação ao licenciamento ambiental do empreendimento Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos (CPTRS) em Marituba de interesse da Empresa Revita Engenharia Ltda. Das seis audiências previstas até o momento, três já ocorreram, entre elas no município de Ananindeua, Belém e Marituba. As próximas acontecerão nos municípios de Santa Bárbara, Santa Izabel e Benevides, na Região Metropolitana de Belém (RMB).
282
Projeto de Implantação do Aterro Sanitário de Marituba – Pará
Fonte: RIMA CPTR/Marituba Área do Empreendimento O projeto será composto de diversas estruturas e atividades, sendo o Sistema de Tratamento de Percolado, a Unidade de Tratamento de Biogás e o Aterro Sanitário que deverá suportar a operação eficaz da CPTRS, por isso devem ser esclarecidas em todos os seus detalhes à sociedade.
Esquema de galpão em terreno inclinado
Fonte: Ministério das Cidades – PAC Resíduos Sólidos (2008)
283
Organização do galpão de estocagem
Fonte: Ministério das Cidades – PAC Resíduos Sólidos (2008)
Organização dos triadores na mesa
Fonte: Ministério das Cidades – PAC Resíduos Sólidos (2008)
Os Promotores de Justiça, Raimundo de Jesus Coelho Moraes, de Belém, e Herena Maués de Melo, de Marituba, juntamente com os titulares de cada um dos municípios, têm participado das audiências, cujos debates tornaram evidentes diversas questões oriundas da análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos (CPTRS). Essa análise, efetuada pelo Grupo Técnico Interdisciplinar do Ministério Público, destaca algumas questões relevantes para o debate público. No entanto, foram identificadas deficiências na análise de alternativas locacionais, pois, apesar de sete áreas selecionadas, com potencial para receber a CPTRS, cinco dessas estão localizadas no município de Marituba. Além disso, normas ambientais, como a Resolução CONAMA 01/86 estabelece que o EIA deva contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, considerando inclusive a hipótese de não realização do projeto.
284
A área escolhida pela Revista Engenharia está situada em Marituba, atualmente é utilizada para extração de materiais para construção, possui acentuado estado de degradação ambiental e está próxima a uma unidade de conservação de proteção integral ―Refúgio de Vida Silvestre‖, que representa um retalho da floresta nativa destinada a funções ecológicas, sendo, portanto, área de fundamental importância para a qualidade de vida no município Belém.
Localização da Usina de Compostagem e Triagem de Resíduos na área da CPTR
Fonte: RIMA / CPTR-MARITUBA
Sendo assim, esse artigo descreve casos de impactos sobre a coleta e a disposição final inadequada de resíduos sólidos urbanos na Região Metropolitana de Belém (RMB), que tem como objetivo identificar e registrar os impactos socioambientais do atual modelo de gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) da Região Metropolitana de Belém (RMB) atentando a situação do município de Marituba e analisar, mediante a implantação do primeiro aterro sanitário para a RMB, o direito a informação e a participação da sociedade diante do licenciamento ambiental da Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos (CPTRS). Apesar de a pesquisa centrar em Marituba, lócus da investigação, percorreram-se quase todos os maiores municípios da RMB para estudar a questão e entender a situação desse município. Em campo a equipe entrevistou, aplicou questionário e captou imagens para análise, além da legislação, que obriga e prevê o fechamento de lixões e a implantação de Aterros Sanitários. Espera-se, portanto contribuir para a promoção do desenvolvimento institucional dos entes federativos no setor de resíduos sólidos, no sentido de criar as condições para que eles possam cumprir seus papéis no desafio de alcançar as ousadas metas estabelecidas na Lei 12.305/10 e no Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Sabe-se que essas metas apenas serão alcançadas com o envolvimento do poder público em todos os seus níveis, setor privado e sociedade organizada. 2.
IMPLANTAÇÃO DA CENTRAL DE PROCESSAMENTO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS (CPTRS) EM MARITUBA Composta por um aterro sanitário e instalações de apoio para o recebimento do lixo domiciliar urbano, a
CPTRS em Marituba foi planejada para receber os resíduos "Classe II", ou seja, que não geram risco de
285
contaminação para pessoas, animais ou para o meio ambiente. O projeto foi elaborado com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), assinada em agosto do ano passado pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Pela Lei 12.305/10, a destinação dos resíduos sólidos para aterros sanitários é considerada uma disposição final ambientalmente adequada.
Modelo de Aterro Sanitário
Fonte: RIMA / CPTR-MARITUBA
De acordo com a professora Valdívia Norat, da Faculdade de Engenharia Sanitária da Universidade Federal do Pará (UFPA) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária - Seção Pará, desde que construídos com tecnologias específicas de tratamento dos resíduos, de forma a evitar a contaminação do solo, principalmente no que dizem respeito ao tratamento do ―chorume‖, os aterros sanitários se mostram como uma solução eficiente para minimizar os impactos ambientais provocados pelo lixo. "Nos aterros não há contaminação do solo ou a proliferação de vetores de doenças, o que minimiza impactos ambientais", explica a especialista. A área destinada à implantação da CPTR Marituba está localizada na parte sul da área industrial do município, na Região Metropolitana de Belém (RMB). O acesso, partindo de Belém, é feito pela Rodovia BR-316, seguindo pela Alça Viária, no quilômetro 4. O aterro sanitário será construído próximo ao limite com a Fazenda Pirelli, de propriedade do Governo Estadual. A área do aterro será de 329 Km². Além do aterro sanitário, o empreendimento será composto por uma usina de triagem e compostagem e diversas unidades de apoio, como guarita, portaria, balança, oficina, laboratório e centro de educação ambiental, entres outras dependências.
2.1 O QUE É O PROJETO? A Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos ―Classe II‖ (CPTRS/Marituba) é um projeto constituído por um Aterro Sanitário e instalações de apoio, para recebimento e destinação final de Resíduos Sólidos Urbanos. Aterro é o local adequado para deposição de resíduos (lixo) gerados pela atividade humana. A Usina de compostagem e triagem, outra importante unidade da Central, são os locais onde se farão a separação de resíduos que podem ser reciclados ou reutilizados como plásticos, vidros, metais e papéis. A Compostagem é o processamento de resíduos orgânicos (restos de frutas, legumes, alimentos em geral), para geração de adubo.
286
3.
A IMPORTÂNCIA DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS) A existência de uma política pública destinada à regulação do gerenciamento de resíduos sólidos é essencial
para qualquer sociedade que se pretenda sustentável. A lacuna legislativa até então existente em nosso País dava margem a grandes distorções na solução deste grave problema. Com efeito, a ausência de uma lei, regulando uma política nacional de resíduos sólidos, deixava os entes federados com razoável liberdade para definir prioridades, estabelecer restrições e incentivos a atividades empreendedoras. Tal liberdade acabou por provocar certo desequilíbrio entre os procedimentos adotados em distintos municípios e estados da federação. Oportunamente, portanto, foi publicada a Lei n. 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos. Foram definidas as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos; às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Regulamentada pelo Decreto Nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010, a nova lei dispôs de forma ampla quanto aos que estariam a ela sujeitos: as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos. Veja-se a lição de Édis Milaré: A Política Nacional de Resíduos Sólidos preencheu uma importante lacuna no arcabouço regulatório nacional. Essa iniciativa é o reconhecimento, ainda que tardio, de uma abrangente problemática ambiental que assola o País, problemática esta de proporções desconhecidas, mas já com diversos episódios registrados em vários pontos do território nacional, e que tem origem exatamente na destinação e disposição inadequadas de resíduos e consequente contaminação no solo, além da dificuldade de identificação dos agentes responsáveis. Esses registros indicam a gravidade de situações de contaminação do solo e das águas subterrâneas, com risco efetivo à saúde pública e à biota, além do comprometimento do uso de recursos naturais em benefício da sociedade. Com efeito, os episódios de poluição do solo têm, como característica preponderante, o grande período de latência entre o fato causador e manifestação - e consequente percepção de efeitos mais graves no meio ambiente e, em algumas vezes, na saúde da população do entorno, direta ou indiretamente exposta à contaminação. De acordo com levantamentos divulgados na imprensa à época da edição da Lei 12.305/2010, das 170 mil toneladas de resíduos produzidas diariamente no País, 40% vão para lixões ou aterros irregulares, 12% não são coletados e 48% são destinados a aterros sanitários.
A lei, de forma expressa, excluiu de seu raio de atuação os rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica e ressalvou a aplicação concomitante das Leis 11.445, de 05 de janeiro de 2007, 9.974, de 06 de junho de 2000, e 9.966, de 28 de abril de 2000, as normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) e do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO). Uma nova política pública, contudo, não se constrói apenas com a edição de uma lei. É preciso que haja uma modificação de paradigmas e a quebra de alguns padrões comportamentais, até então arraigados em nossa cultura omissiva e permissiva, quanto ao manejo e gerenciamento de resíduos sólidos em todo o país.
4.
A LEI E A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS)
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece princípios, objetivos, instrumentos - inclusive instrumentos econômicos aplicáveis - e diretrizes para a gestão integrada e gerenciamento dos resíduos sólidos, indicando as responsabilidades dos geradores, do poder público, e dos consumidores. Definem ainda, princípios importantes como o da prevenção e precaução, do poluidor-pagador, da ecoeficiência, da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, do reconhecimento do resíduo como bem econômico e de valor social, do direito à informação e ao controle social, entre outros (BRASIL, 2010b).
287
Um dos objetivos fundamentais estabelecidos pela Lei 12.305 é a ordem de prioridade para a gestão dos resíduos, que deixa de ser voluntária e passa a ser obrigatória: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. A lei estabelece a diferença entre resíduo e rejeito: resíduos devem ser reaproveitados e reciclados e apenas os rejeitos devem ter disposição final. Entre os instrumentos definidos estão: a coleta seletiva; os sistemas de logística reversa; o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas e outras formas de associação dos catadores de materiais recicláveis, e o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR).
Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos
Fonte: Plano de Gestão de Resíduos Sólidos
A coleta seletiva deverá ser implementada mediante a separação prévia dos resíduos sólidos (nos locais onde são gerados), conforme sua constituição ou composição (úmidos, secos, industriais, da saúde, da construção civil, etc.). A implantação do sistema de coleta seletiva é instrumento essencial para se atingir a meta de disposição final ambientalmente adequada dos diversos tipos de rejeitos. A PNRS definiu por meio do Decreto 7.404, que os sistemas de coleta seletiva e de logística reversa, deverão priorizar a participação dos catadores de materiais recicláveis, e que os planos municipais deverão definir programas e ações para sua inclusão nos processos. Deverá ser observada a dispensa de licitação para a contratação de cooperativas ou associações de catadores; o estímulo ao fortalecimento institucional de cooperativas e à pesquisa voltada para sua integração nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, e a melhoria das suas condições de trabalho (BRASIL, 2010 d). A PNRS incentiva a formação de associações intermunicipais que possibilitem o compartilhamento das tarefas de planejamento, regulação, fiscalização e prestação de serviços de acordo com tecnologias adequadas à realidade regional. A prioridade no acesso a recursos da União e aos incentivos ou financiamentos destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos ou à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos será dada (BRASIL, 2010b): Aos estados que instituírem microrregiões, para integrar a organização, o planejamento e a execução das ações a cargo de municípios limítrofes na gestão dos resíduos sólidos; Ao Distrito Federal e aos municípios que optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos, ou que se inserirem de forma voluntária nos planos microrregionais de resíduos sólidos estaduais; Aos Consórcios Públicos, constituídos na forma da Lei 11.107/2005, para realização de objetivos de interesse comum e,
288
Aos municípios que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou associações de catadores formadas por pessoas físicas de baixa renda. A recorrente discussão sobre a implantação ou não de mecanismos de cobrança nos municípios foi encerrada pela decisão do Congresso Nacional aprovando a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que revigora neste aspecto, a diretriz da Lei Federal de Saneamento Básico. Pela Lei 11.445/2007, não têm validade os contratos que não prevejam as condições de sustentabilidade e equilíbrio econômico- financeiro da prestação de serviços públicos, incluindo o sistema de cobrança, a sistemática de reajustes e revisões, a política de subsídios entre outros itens. Harmonizada com este preceito, a Lei 12.305/2010 exige que os planos explicitem o sistema de cálculo dos custos da prestação dos serviços públicos, e a forma de cobrança dos usuários. E, veda ao poder público, a realização de qualquer uma das etapas de gestão de resíduos de responsabilidade dos geradores obrigados a implementar o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2010b). 5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, a Região Metropolitana de Belém vive o drama relacionado ao gerenciamento inadequado de resíduos, visto que alguns municípios se servem de lixões e de outros, considerados clandestinos. Outro questionamento acerca desse problema é o fato de 80% das doenças apresentadas, estarem relacionadas a países pobres, devido à ausência de saneamento básico e na forma inadequada como esses resíduos são depositados. Contudo, é através da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada por meio da Lei 12.305/10, após vinte anos de tramitação no Congresso Nacional, é que essa realidade tornou-se prioridade. A mesma lei estabelece que, após agosto de 2012, a União apenas poderá firmar convênios e contratos para o repasse de recursos federais para estados e municípios, em ações relacionadas com esse tema, se eles tiverem formulados seus planos de gestão de resíduos sólidos. Essa legislação obriga ainda o cumprimento de prazos e o gerenciamento adequado desses resíduos através da implantação da CPTR II em Marituba, cuja empresa de MG se licencia junto a SEMMA/PA, com a finalidade de identificar, registrar e analisar os impactos socioambientais do atual modelo de gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos/RSU da Região Metropolitana de Belém/RMB atentando a situação do município de Marituba. Desse modo, a implantação do primeiro Aterro Sanitário para RMB, visa garantir o direito a informação e a participação da sociedade diante do licenciamento ambiental do Empreendimento Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos (CPTR - MARITUBA). Essa legislação, entre outras coisas, é baseada nas ciências das engenharias e nas ambientais, nas novas tecnologias e em diversas experiências, estabelecendo novas diretrizes até o ano de 2014. Essas diretrizes estabelecem que lixões ou vazadouros e aterros controlados devam ser substituídos, até 2014, por aterros sanitários seguindo normas de padrões NBRs/ABNT.
6.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, E. M. de. Racionalização da operação de sistemas de coleta de transporte de resíduos sólidos domiciliares para cidades de pequeno porte. 1993. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. ALMEIDA, H. O. Resíduos Sólidos Urbanos em Belém e sua cadeia. Seminário de Gestão Ambiental desafios e práticas nos setores públicos e sociais. Universidade Rural da Amazônia. Belém, 2011. ARAÚJO, Marlisson; LOBATO, Vivian; SOUSA, Silas. Análise da disposição do lixo da cidade de Belém-Pa: O caso do lixão do Aurá. Belém, 2005. BIGARELLI, W. O bom lixeiro. Brasil Transportes, Vol. 34, N 358, P. 2025, Jun/Jul. 1997.
289
Central de Processamento de Resíduos. CPTR Marituba, 2012. CONSONI, A. J.; SILVA, I. C.; GIMENEZ FILHO, A. Disposição Final do Lixo, São Paulo, 2000. CUNHA & CAIXETA FILHO. Gerenciamento da Coleta de Resíduos Sólidos Urbanos: Estruturação e Aplicação de Modelo Não Linear de Programação por Metas. Agosto, 2002. D‘ ALMEIDA, M.L.O.; VILHENA, A. (COORD). Lixo Municipal: Manual de Gerenciamento Integrado. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT/Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE, 1995. Cap. 1. Novo Ciclo Ambiental. Caso de Estudo de um Sistema de Entrega de Resíduos Recicláveis com Programa de Fidelidade no Sul do Brasil. Florença, 2012. Resíduos Sólidos Urbanos em Belém e sua cadeia: Problema de Gestão ou de Informação Ambiental. Belém, 2011.
290
TURISMO E MEIO AMBIENTE: uma abordagem dos impactos socioambientais configurados pelo uso e ocupação do solo na ilha de Cotijuba, na região metropolitana de Belém Rudilardson Silva PINTO Lítala do Nascimento ANDRADE Amanda Moreno Coelho ABREU Lucidéa de Oliveira SANTOS Realiza-se estudo sobre os efeitos do processo de alteração da cobertura vegetal na ilha de Cotijuba, que integra o arquipélago formado por trinta e nove ilhas e é uma das mais citadas e estimuladas como área alternativa ao lazer da população municipal e externa. Obras de infraestrutura, regularização do transporte humano e de carga, somados a medidas administrativas municipais têm favorecido à intensificação da ocupação por novos moradores, veranistas e comerciantes, provocando significativas mudanças na paisagem e atividades socioeconômicas da ilha. O registro, quantificação, monitoramento e análise deste fenômeno não têm conseguido evitar a sua transformação desordenada e brusca. Realizou-se pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Com base na coleta de dados primários e secundários, a cerca dos impactos advindos dessa atividade turística, o estudo analisa as alterações ocorridas em Cotijuba, levando em consideração os efeitos sobre a cobertura vegetal com implicações na base produtiva. Estudos demonstraram que Belém, a partir da década de 1980, vem sofrendo intenso processo de ocupação humana nas ultimas décadas, principalmente nas ilhas de Cotijuba, Caratateua e Mosqueiro. Palavras-chave: Turismo, Uso e Ocupação do Solo, Reconfiguração Territorial.
1.
INTRODUÇÃO
A Faculdade Ideal, por meio do Grupo de Pesquisa do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental, desde 2010, desenvolve pesquisas sob seu fomento. A área de Biologia da Conservação propiciou a problematização e a realizar estudo sobre os efeitos do processo de alteração da cobertura vegetal na ilha de Cotijuba, ricas em espécies úteis, implicando em perdas ainda não dimensionadas. Nesse contexto, a ilha de Cotijuba, objeto da pesquisa, integra ao arquipélago formado por quarenta e três ilhas, sendo uma das mais citadas e estimuladas como área alternativa ao lazer da população municipal e externa. Obras de infraestrutura, regularização do transporte humano e de carga, somados a medidas administrativas por parte do município têm favorecido à intensificação da ocupação por novos moradores, veranistas e comerciantes, provocando significativas mudanças na paisagem e atividades socioeconômicas de toda a ilha. Localização da Ilha de Cotijuba no estado do Pará
Fonte: www.belem.pa.gov.br/portal/new/mapas/mapacotijuba
291
O registro, quantificação, monitoramento e análise deste fenômeno têm sido feitos, mas não têm conseguido evitar a transformação desordenada e brusca deste espaço municipal em pleno processo de integração as intervenções.
2.
A ILHA E OS ILHÉUS NA ATUALIDADE
A ilha de Cotijuba representa a terceira maior porção territorial dentre as quarenta e três ilhas que compõem o arquipélago ao município de Belém. O acesso à ilha se dá através de navio e de pequenas embarcações comumente chamadas de pô-pô-pô.
Embarcação do tipo pô-pô-pô
Fonte: SILVA, 2001.
O navio com capacidade para 594 tripulantes é alugado pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB), realizando o trajeto duas vezes ao dia, a um valor equivalente ao da tarifa dos ônibus que transitam na área urbana de Belém (atualmente R$ 2,10). Aos domingos e feriados, esse valor é duplicado, sendo que as regulamentações que regem esse tipo de embarcação permitem o uso de meia-passagem para estudantes, passe livre para idosos a partir de 60 anos, deficientes físicos e menores de seis anos. Nos dias de intenso fluxo, como festivais e férias, dois navios se intercalam no itinerário. Os barcos motorizados apresentam-se como a segunda alternativa de transporte para a ilha, com capacidade variando entre 25 e 80 pessoas. No total são 25 barcos funcionando em regime de escala de seis ao dia, fazendo viagens de uma e uma hora, associados à Cooperativa de Barqueiros da Ilha de Cotijuba (COOPERBIC). É importante ressaltar que nos dias de intenso fluxo as viagens ocorrem de acordo com a demanda de passageiros, isto é, no momento em que completam a lotação mínima, designada pelos barqueiros, os barcos saem. O transporte fluvial na Região Amazônica é tratado na própria região, como forma alternativa de transporte e não como forma natural de integração de espaços (OSÓRIO, 1999:10). Silva (2001:41) chama a atenção para a funcionalidade do transporte fluvial na rota Icoaraci-Cotijuba, sendo responsável pela integração e comunicação entre as ilhas de Paquetá, Jutuba, Urubuoca, Ilha Nova e Outeiro. Na chegada à ilha aporta-se no Terminal Hidroviário Poeta Antonio Tavernard, inaugurado em junho de 2000, na gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues, em torno do qual há a maior concentração populacional da ilha. Sua localização em frente às ruínas da CRC tenciona resgatar a historicidade do local.
292
Colônia Reformatória de Cotijuba – CRC
Fonte: Prefeitura Municipal de Belém, 2002. Na costa oeste da ilha ficam nove praias, perfazendo uma extensão de 20 Km (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997), referidas como fator propulsor à massificação do lazer na ilha e, tendo seu acesso facilitado por meio de transporte interno do tipo: bondinhos tracionados por trator ou camionete, seis charretes e, principalmente, bicicletas, além de contarem com uma estrutura voltada para o turismo com comércios, bares, restaurantes e pousadas. A exceção da Praia das Tintas, todas as outras nomeiam uma das 14 comunidades que formam a ilha: Praia do Farol, do Amor, da Saudade, do Sossego, Praia Funda, da Flecheira, do Vai Quem Quer, da Pedra Branca e Praia das Tintas.
Praia do Vai Quem Quer
Fonte: SILVA, 2001. As cinco comunidades restantes são: Seringal, Poção, Fazendinha, Pedreira e Piri, assim conhecidas por apresentarem especificidades inerentes a sua história e recursos naturais. A dificuldade de acesso a essas áreas, localizadas na costa leste da ilha, tem permitindo a preservação de sua vegetação, assim como os hábitos e costumes da população local apresentam-se diferenciados dos demais. Nestas, os lotes são mais extensos, com densa vegetação e a base alimentar da população é fornecido pelas atividades primarias do tipo agricultura, pesca e coleta de frutos. As escassas informações e documentos produzidos sobre a ilha, principalmente, no que tange ao período anterior a 1930 não apresentam coesão. As informações apresentam-se contraditórias quanto às datas, momentos históricos e demografia da ilha. Em 1991, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava 637
293
habitantes ilhéus. No mesmo ano, a Fundação Nacional de Saúde (FNS) registra de 1.658 habitantes na ilha (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM, 1997). Segundo Amaral (1992:12), a população ilhéu vivia:
[...] principalmente do extrativismo vegetal e animal, predominando na ilha árvores frutíferas e hortaliças; entre a alimentação predominante na ilha encontra-se a pesca, a caça, o feijão, o arroz e a farinha de mandioca [...]. Nessa ocasião, o cenário na ilha era composto de: [...] uma unidade municipal de saúde; uma igreja (São Francisco de Assis) conhecida como capela de Cotijuba; uma escola de primeiro grau; uma Associação dos Produtores da Ilha de Cotijuba (APIC); uma Associação dos Moradores da Ilha de Cotijuba e Ilhas Adjacentes (AMICIA); um trapiche [...] (Amaral, 1992:12). Após uma década o Cadastro Anual realizado pelo Programa Família Saudável (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2001), se remete a 2.133 moradores ilhéus. O crescimento da população local em mais de 200% em menos de uma década é bastante expressivo para ser ignorado.
3.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Estudos teóricos associados à observação e análise de um caso permitiram a pesquisadores e acadêmicos
estabelecerem concernente relação entre teoria e prática de questões referente ao Turismo e Meio Ambiente na Ilha de Cotijuba. A pesquisa partiu de uma análise dos impactos socioambientais configurados pelo uso e ocupação do solo na ilha, um tema que vem sendo intensamente discutido na sociedade e no curso. Para efeito deste estudo realizou-se pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Com base na coleta de dados primários e secundários, a cerca dos impactos advindos dessa atividade turística, esse estudo de caso tem como proposta analisar as alterações ocorridas em Cotijuba, levando em consideração os efeitos sobre a cobertura vegetal com implicações na base produtiva. Estudos preliminares demonstraram que o município de Belém, preservado em sua porção insular ate meados da década de 1980, vem sofrendo intenso processo de ocupação humana nas ultimas décadas, principalmente nas ilhas de Cotijuba, Caratateua e Mosqueiro.
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS A pesquisa considera que o município de Belém apresenta em sua especificidade geográfica uma área
continental e outra insular, com 65,64% composta de área insular, constituindo um conjunto de 43 ilhas, onde as mais conhecidas são a Ilha de Mosqueiro, seguida pela Ilha de Caratateua (também conhecida como Outeiro) e Cotijuba.
Área Terrestre do Município de Belém
Fonte: SEGEP, 1998.
294
Tal pesquisa considera que os impactos do processo de ocupação humana que vem acontecendo na Ilha de Cotijuba nos últimos anos, identificaram consequentes alterações ocorridas na paisagem natural e extrativa da Ilha. Vale ressaltar que nesse período ocorreu uma maior intervenção do poder público municipal através de medidas como a regularização do transporte hidroviário e a construção do Terminal Hidroviário Poeta Antônio Tavernard, intensificando a ocupação humana nessa localidade. Este fato influenciou significativamente o processo de ocupação e povoamento da ilha, processo que está intimamente relacionado com a história de Cotijuba, e acima de tudo, com a reconfiguração territorial do lugar, ou seja, com mudanças socioambientais ocorridas atualmente no local por meio do crescente número de pessoas que procuram a ilha (Figuras 6 e 7).
Área do Canivete - Ilha de Cotijuba. Belém-Pará. 1977
Fonte: CODEM, 2000.
Área do Canivete - Ilha de Cotijuba. Belém-Pará. 1998
Fonte: CODEM, 2000.
295
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A disciplina Biologia da Conservação integra o conjunto de atividades didático-pedagógicas do semestre e
do Curso. O seu maior desafio se refere à estratégia de aproximar e entrosar o aluno do curso à realidade para vincular o ensino e a pesquisa à prática social. Como pesquisar é uma competência específica, ainda mais em Educação, a disciplina visa cumprir a função de relacionar as teorias às práticas profissionais obtidas através da pesquisa sobre o reordenamento de Cotijuba. Essa ilha é representativa das crescentes mudanças advindas da ausência de diálogo entre o poder público e a sociedade civil. Com a implantação da linha fluvial no ano de 1994, percebeu-se uma corrida populacional em direção a Cotijuba, em busca de lazer. Esse cenário oculto no imaginário popular é considerado um local paradisíaco onde se podem desfrutar momentos de prazer. Ao facilitar o acesso à ilha sem um planejamento eficaz, no sentido de suportar as novas atividades e preservar suas peculiaridades, antigos problemas afloraram como o desmatamento oriundo da agricultura e da construção civil, e novos problemas surgiram, como a depauperação dos recursos naturais existentes na ilha. O aumento da população fixa na ilha em mais de três vezes somente na ultima década expressa à preocupação que acomete seus moradores e, em particular, a categoria em estudo. As mudanças nos padrões de moradia dos agricultores exercidas pelos mesmos e na forma de apropriação dos recursos naturais constituem reflexo do planejamento inadequado gerador de desequilíbrios sociais e ambientais, dada à hierarquização que suscita entre os que se encontram mais próximos ou mais distantes da atividade de turismo e lazer na ilha. Não se ignora a relevância do turismo e lazer na geração de renda para os ilhéus, mas a construção de casas de veraneio, ou mesmo moradia, produzem padrões urbanos em comunidades rurais onde determinadas características são necessárias para a permanência dessa categoria, como o acesso a terra, aos instrumentos de trabalho e a valorização do grupo doméstico. De outro lado, as inovações tecnológicas não promoveram transformações profundas nas relações de produção, pois a atividade extrativa (pesca e caça) e a pequena agricultura continuaram a ser à base da economia, apesar do crescente turismo.
6.
REFERENCIAS
MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. Belém: Imprensa Universitária, 1966. MACIVER, R. M; PAGE C. H. Comunidade e sociedade como níveis de organização de vida social. In: FERNANDES, F. (Org). Comunidade e sociedade. São Paulo: Nacional, 1973. AMARAL, Assunção José Pereira. Registro Histórico da ilha de Cotijuba: uma análise da Colônia Reformatória de Cotijuba. Belém, UFPa/CFCH, 1992 (Trabalho de Conclusão de Curso de Ciências Sociais). OSÓRIO, Marcelo Amaral. Transporte Fluvial na Região Amazônica. Belém: UNAMA, 1999 (Trabalho de Conclusão de Curso). PEREIRA, É. B; FARIAS, R. S. S ; SANTOS, S. M dos. Estudo da estruturação urbana de Cotijuba e contribuições para o desenvolvimento do Ecoturismo na ilha. 2000. Trabalho de conclusão de Curso (Curso de Arquitetura e Urbanismo) Centro Tecnológico da Universidade Federal do Pará, Belém, 2000. SILVA, Ivaldo das Dores. Massificação do Lazer em Áreas Naturais Amazônicas e suas Repercussões Ambientais: o caso da ilha de Cotijuba, em Belém-Pará. Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, 2001. (Dissertação de Mestrado). PERUZZO C. M. K. Comunicación y movimientos populares. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2002. MARTINS, A. K. A. A ruralidade da ilha de Cotijuba: um olhar etnográfico. Revista Lato & Sensu, Belém, v. 4, n, 1, p. 35 a 39, outubro de 2003.
296
LIMA, A. V. A sustentabilidade rural na ilha de Cotijuba, Belém, Pará. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará. Belém, 2004. QUARESMA, H. D. de A.B ; PINTO, P. M. O turismo insular em Caratateua/Outeiro. In: CASTRO, Edna. (Org). Belém de águas e ilhas. Belém: Cejup, 2006. PEREIRA, L. C. B. O conceito histórico de desenvolvimento econômico. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2006. PATRÍCIO, J. C. dos S. O transporte fluvial misto na Amazônia: aspectos socioeconômicos do trecho BelémAcará. 2007. Dissertação (Mestrado em Economia) Universidade da Amazônia, Belém, 2007. MOTA, G. Entre a comunidade e o lugar: aportes teóricos para um debate. In: ROCHA, G. M et al. (Org). Coletividades locais e desenvolvimento territorial na Amazônia. Belém: NUMA/UFPA, 2008. PEIXOTO, R. Caminhos e descaminhos do desenvolvimento territorial no Pará. In: TEISSEERENC, P; ROCHA, G. M; MAGALHÃES, S. B. (Orgs.) Territórios de desenvolvimento e ações públicas. Belém: NUMA/UFPA, 2009.
297
EXPRESSÕES SONORAS NA CAPOEIRA ANGOLA E REGIONAL Marcelo Pamplona BACCINO185(UFPA) O artigo trata sobre as cinco principais cantigas utilizadas nos estilos de capoeira Angola e Regional, descrevendo o contexto de criação desses dois estilos, um por mestre Pastinha e o outro por mestre Bimba. Os cinco tipos de cantigas são comentados, exemplificados e relacionados aos seus respectivos toques de berimbau. Palavras-chave: Capoeira, Etnomusicologia, Cantigas, Berimbau. 1 VAMO JOGÁ CAMARÁ! A constante da vida do escravo foi o protesto, a rebeldia e a luta. Organizados nos quilombos, davam trabalho às forças do governo. Para esmagá-los os governantes tinham que mobilizar toda a tropa disponível. Nessa época longínqua, já os negros, como continuaram a fazer até a libertação, atacavam, em grupos, engenhos e fazendas, ―matando senhores, assassinando feitores e capitães de mato‖ (LUNA, 1976, p.70). Nesse contexto nasceu e se desenvolveu a capoeira como meio de assegurar a sobrevivência daqueles que a praticavam. A necessidade de sobreviver nas duras condições da escravidão é apontada como a principal causa da origem da capoeira. Os escravos, perseguidos pelos capitães-do-mato em suas tentativas de fuga, utilizavam essa técnica para defender-se (LIMA e LIMA, 1991). A capoeira nasceu no Brasil e uma das provas disso é o seu nome que tem origem na língua tupi. Capoeira vem de caa-puera significando mato cortado, referindo-se à área de campo aberto, local onde comumente era praticada a luta. O jogo de capoeira nasceu, cresceu e chegou à maior idade durante a escravidão, espalhando-se por várias províncias brasileiras (SALLES, 2002). Nos dicionários da língua portuguesa é comum ver como um dos significados da palavra capoeira o conceito jogo atlético de destreza. Para entender o que significa e pode significar a capoeira no Brasil, é necessário exercitar a compreensão sociológica dessa instituição. Deste ponto de vista, a capoeira é uma técnica corporal, que se inscreve nos corpos de seus praticantes depois de um aprendizado dirigido por iniciantes e mestres detentores de saber consagrado por seus grupos de referência (LIMA e LIMA, 1991). A capoeira é uma arte que mistura música, dança, poesia, canto, luta, jogo, brincadeira e filosofia de vida. A capoeiragem está em constante transformação, e oferece autonomia para o praticante, principalmente os experientes mestres, moldá-la e adaptá-la de acordo com o seu contexto social, sua cultura local e suas experiências pessoais. A prática da capoeira se transformou em uma febre que gera uma importante porta de acesso da cultura brasileira no estrangeiro. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a capoeira é divulgada e praticada em mais de 150 países, fato que gera acesso à língua portuguesa já que as músicas de capoeira são cantadas em português. Dados da pesquisa organizada por Lamartine Pereira da Costa (2005) indicam que em 2003 o Brasil tinha seis milhões de praticantes de capoeira. Toda essa movimentação da capoeira dentro do cenário político e social brasileiro culminou em dois sistemas cognitivos que possuem na sistematização e metodização do ensino desta prática as suas características principais. Tais modelos de capoeira, chamados de Angola e Regional se estabeleceram em todo o Brasil e de certa maneira suprimiram a diversidade de estilos que existiam outrora186 (FERNANDES, 2009).
185
Especialista em Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial, Turismólogo e Capoeirista-Educador. Bolsista FAPESPA do Programa de Pósgraduação em Artes (Mestrado). 186 Neste artigo trataremos do Angola e do Regional, os outros estilos existentes, ou que existiram, não serão citados por uma questão de maior objetividade e síntese do assunto aqui expresso.
298
2 ANGOLA DO MESTRE PASTINHA E REGIONAL DO MESTRE BIMBA Existem dois estilos predominantes de capoeira, o Angola e o Regional, ambos repletos de manhas, malícias e dissimulações. A capoeira Angola é a Capoeira Mãe, que tem como seu maior representante o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981) é o estilo mais antigo de capoeira e o que mais se aproxima do modo como os escravos a praticavam. O jogo de Angola mantém, como na capoeira antiga, três berimbaus, geralmente pintados: o gunga ou berra-boi, com a cabaça grande, de som grave, responsável pela marcação; o médio ou berimbau, com a cabaça média, que dá o contratoque ritmado; o viola ou violinha, com a menor das cabaças, som agudo e instrumento para improvisações187 (MUNIZ, 2002). A orquestra também inclui o pandeiro, agogô, reco-reco e atabaque. A capoeira Regional é mais recente e foi criada e fortemente representada por Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado, 1900-1974), em 1928. Mestre Bimba afirmava que criara a regional, completa, que é o Batuque (violenta luta africana que tinha como objetivo jogar o adversário no chão usando apenas as pernas) misturada com a Angola, com mais golpes, uma verdadeira luta 188, boa para o físico e para a mente. Mestre Bimba afirmava que dos artifícios da velha capoeira, havia retirado os conteúdos ―menos objetivos‖ da capoeira antiga, para deixar o que havia de mais pesado (ofensivo). Na capoeira Regional, a orquestra é composta por dois pandeiros e no meio um berimbau médio. O berimbau médio tem o som intermediário entre o grave do berimbau gunga e o agudo do berimbau violinha e por isso pode transitar entre a marcação do toque da música e fazer os enfeites e variações dentro do toque.
3 CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E CRIATIVO Muitíssimas foram e são as letras de músicas compostas para serem cantadas na roda de capoeira acompanhando os toques de berimbau. Além dos toques de capoeira no berimbau, a música na capoeira muda principalmente pela expansão do repertório de suas cantigas. Na capoeiragem, a música é feita para se expressar culturalmente e de modo funcional. Importante citar que os capoeiristas sabem exatamente como sua música deve soar e como deve ser feita e ensinada. Desde o seu surgimento, a música na capoeira vem transformando-se, porém o presente artigo irá tratar sobre os principais tipos de cantigas e toques de berimbau presentes na capoeira a partir dos dois estilos predominantes de capoeira, o Angola e o Regional. Para um melhor entendimento, existe a necessidade de explicar o contexto histórico e social de criação desses estilos no texto em seguida.
3.1 O ESTADO NOVO Em 1937, o presidente Getúlio Dornelles Vargas descriminalizou a capoeira como parte de seu projeto político nacionalista e a reconheceu como luta nacional brasileira. Toda a ênfase nacionalista presente no governo de Getúlio rememorou a participação histórica da capoeira desde a sua utilização marcial na defesa dos quilombos, os temíveis pelotões compostos por capoeiras na Guerra do Paraguay e a participação de capoeiras em importantes movimentos populares como a Cabanagem na região amazônica. Os valores presentes no Estado Novo identificaram-se com idéias defendidas e difundidas pelos capoeiras até os dias de hoje. Idéias como a de que a capoeira seria capaz de fazer o nosso povo coeso e forte, resistente às filosofias alienígenas, que dominariam e sorrateiramente solapariam alicerces da nossa nacionalidade. Por que
187
A improvisação na roda de capoeira é tão importante quanto a composição, seja durante a execução do toque de berimbau ou durante o cantar das músicas pelo cantador. 188 Expressamente luta. Com menos disfarces de dança, jogo e brincadeira que eram necessários durante os períodos de proibição e perseguição a capoeira.
299
importaríamos a filosofia da vida de outros povos, quando poderíamos exportar a nossa? Por que transformaríamos o ―tae-kwon-do‖ em luta nacional, quando poderíamos ensinar a capoeira aos coreanos? (MARINHO, 1982). Defendeu-se que a capoeira tem a capacidade de desenvolver em cada praticante uma mística de brasilidade, que se transformaria em um ideal pelo qual lutaria e viveria, tendo sempre em mente que de seu trabalho, de sua parcela de esforço, resultariao benefício comum e só assim poderíamos ter um Brasil melhor para um povo realmente feliz (MARINHO, 1982).
3.2 DOIS MESTRES PREDOMINANTES Toda atividade humana está inserida em uma realidade social que é constituinte do contexto de vida de um indivíduo ou de um grupo. A partir das condições sociais, econômicas e culturais de seu tempo, os mestres Bimba e Pastinha tiveram visões do amanhã e moldaram a capoeira visando os anseios presentes e futuros de uma sociedade em transformação. A mudança cultural envolve inevitavelmente a mudança musical. Nesse contexto, os dois grandes mestres protagonizaram mudanças na capoeira que acompanharam as transformações que a sociedade brasileira estava passando. Mestre Bimba criou um estilo mais rápido, objetivo, acrobático e atlético. Com seqüências de ensino, cerimônia de formatura e cursos de especialização, um método que reflete a penetração dos princípios do Estado Novo na sociedade civil brasileira (VIEIRA, 1998). Na Regional, os golpes e movimentações são mais rápidos, todos os praticantes vestem-se de modo uniforme, criam-se seqüências pedagógicas para o ensino dos golpes e movimentos e luta-se com o corpo menos inclinado e próximo do chão. Passa-se a utilizar cantigas que tem versos e refrão curtos para o cantador e para o coro, o que acompanha a maior velocidade do jogo de capoeira na roda que, comandada pelo berimbau, apresenta toques criados por mestre Bimba que eram mais dinâmicos. A capoeira é vista e praticada como ginástica, educação física, melhoria da saúde pública e arte marcial brasileira. Sua prática ocorre dentro de academias registradas e legalizadas, universidades e instituições que possuem reconhecimento das classes dominantes. As mudanças que a capoeira sofreu correspondem às mudanças de valores culturais que afetaram a concepção de vida dos brasileiros, reformularam sua mentalidade e seus costumes. As mudanças que ocorreram na capoeiragem ajustam-se aos costumes, idéias, necessidades materiais e espirituais que a sociedade exigia no momento. Tais mudanças indicam alterações nos esquemas de valores. Ainda que nem sempre sejam abruptas, seria difícil acontecer o fato de valores pertencentes a uma geração passarem intactos para gerações posteriores. Os valores, com o tempo, mudam de sentido. O que em um dado contexto social tinha sido considerado fundamental, em outro poderá ser rejeitado, e em outra época poderá ser redescoberto e retomado como aspiração ou reivindicação, e mais uma vez ser modificado. Na capoeira antiga, não havia estilos predominantes (Angola e Regional) como existe atualmente, cada capoeirista tinha particularidades muito maiores do que as existentes entre os praticantes de hoje. A capoeiragem tinha como finalidade a resistência do povo que marginalizado recorria à violência para poder se alimentar e defender-se dos opressores. Durante a roda, muitos capoeiras sofriam traumas e até morriam, pois além dos golpes mortais, comumente utilizavam-se armas brancas (faca, navalha, punhal ou canivete). Importante citar que a capoeira era proibida por lei, tal condição influenciava no comportamento do capoeirista, ou seja, na capoeira antiga era muito mais abundante a presença das posturas éticas relacionadas à malícia e a malandragem (MARQUES, 2007). Todas essas características foram atenuadas ou desapareceram com o passar do tempo, com a des-proibição da prática e com o reconhecimento da sociedade como importante manifestação nacional da cultura imaterial.
300
Mestre Pastinha também percorreu todas as adaptações às quais a sociedade pedia na época, como uma academia bem estruturada, legalização da sua academia e uniforme para os praticantes. Porém, no que diz respeito à prática e ensino da capoeira, o mesmo manteve os métodos de aprendizado, golpes, movimentações e toques de berimbau de acordo com a tradição da capoeiragem antiga e que existia na época, ou seja, mestre Pastinha mantevese mais ligado à capoeira de outrora, quando criou e desenvolveu um novo estilo de capoeira, adaptando e organizando a capoeira às exigências da sociedade e sendo um grande defensor e divulgador da capoeira. Toda a transformação que chegou até a capoeira, principalmente após as notáveis interferências de mestre Bimba e mestre Pastinha, transparece nas composições das letras de músicas que narram a vida desses mestres e todo o período histórico que eles viveram, nas escolhas quanto ao tipo de toques de berimbau e de cantigas que são usadas em seus respectivos estilos de capoeira e, principalmente, nos modos como os capoeiras afrontam e aliam-se ao restante da sociedade, assim como fizeram desde o período colonial.
4 CANTIGAS DA CAPOEIRA É importante informar que o autor do presente artigo é capoeirista-pesquisador e ao fazer o presente capítulo utilizou os conhecimentos sobre a capoeira que lhe foram repassados por seu estimado mestre Silvério 189. Portanto, o atual capítulo é fruto de uma experiência específica de aprendizado que ocorreu na Associação de Resgate a União da Arte Capoeira em Belém do Pará, nas aulas do mestre Silvério. No estilo Angola as cantigas são acompanhadas por toda a orquestra e o coro, já no Regional é acompanhado pela orquestra, o coro e na maioria das vezes as palmas. Vários são os tipos de composições utilizadas na roda de capoeira. O presente trabalho irá tratar sobre os cinco principais: Quadra, Corrido, Ladainha, Chula e Samba de Roda. A Quadra, o Corrido, a Ladainha e o Samba de Roda são cantigas utilizadas no estilo Angola e Regional; já a Chula é utilizada apenas no Regional. A cantiga e o toque de berimbau são extremamente relacionados, já que para certo tipo de toque há um ou mais tipos de cantigas específicos. É o berimbau que comanda todo o ritual da roda de capoeira, portanto são as cantigas que acompanham os toques de berimbau e não o contrário. O tocador de berimbau tem total liberdade de repetir versos e estrofes e improvisar ao cantar. Tal liberdade é vigiada pelo senso de estética e até mesmo de tempo disponível para a execução do ritual. No quadro abaixo são apresentados os três toques mais usados no estilo Angola, os dois toques mais utilizados no estilo Regional e o toque Samba de Roda que é usado em ambos os estilos. A partir destas informações será possível fazer a relação dos principais tipos de músicas e os principais tipos de toque de berimbau. Quadro 1: Toques de berimbau e suas descrições. NOME DO TOQUE São Bento Grande da Angola Angola São Bento Pequeno da Angola
DESCRIÇÃO DO TOQUE Toque para jogo predominantemente em cima, com golpes e movimentações mais velozes. O toque específico do jogo de Angola. É um toque lento e cadenciado. É feito para o jogo de dentro, jogo baixo, rente ao chão e devagar. É o toque invertido da Angola, com mesma variação rítmica. Também pede jogo baixo, rente ao chão, jogo de dentro e lento.
189
Silvério Amaral dos Santos nasceu em 20 de junho de 1963 em Cachoeira do Ararí na Ilha do Marajó. Estudou naquela cidade até os 13 anos de idade e depois se mudou para Belém. Conheceu Francinaldo Ferreira (hoje Mestre Naldo) e começou a praticar capoeira com ele no ano de 1977. No ano seguinte, 1978, junto com outros capoeiristas, ajudou a fundar a Associação Senzala. É presidente da ARUÃ Capoeira. Foi formado mestre de capoeira em 1997. Elaborou e implantou em várias escolas municipais e estaduais de Belém o Projeto de Capoeira ―A escola pede Paz‖. Fundou a Associação ARUÃ Capoeira em 1997. Hoje, continua desenvolvendo seu trabalho na Escola Estadual Augusto Meira, no bairro de São Braz, em Belém. É árbitro de Capoeira formado pela Confederação Brasileira de Capoeira. Já foi diretor técnico da Federação Paraense de Capoeira durante dois mandatos e presidente da Associação de Mestres de Capoeira do Pará.
301
São Bento Grande de Bimba, Regional ou São Bento Grande da Regional
É o toque específico da capoeira Regional. Joga-se no alto, rápido e com golpes amplos. É o toque que aceita o uso do lado bélico da capoeira.
É o mais lento toque da capoeira regional, usado para acalmar os ânimos dos jogadores quando o jogo fica violento. É um jogo cadenciado com movimentos em cima e embaixo. É o toque original da roda de samba, geralmente feita depois da roda de capoeira, para descansar e descontrair o ambiente. No período em que a capoeira era proibida, o samba também era utilizado para esconder a Samba de Roda prática da capoeira, pois quando se aproximava alguma autoridade policial ou delator, a roda de capoeira se transformava em roda de samba. Fonte: Pesquisa de campo, 2011. Benguela, Banguela ou Bengüela
Na capoeira os toques de berimbau para serem confirmados pela coletividade capoeirística precisam ser criados e aceitos pelos mestres. Já as cantigas não necessitam de tal confirmação, por esse motivo os exemplos apresentados em seguida são de autoria do capoeirista-autor.
4.1 LADAINHA A roda de capoeira é um ritual riquíssimo em detalhes, um deles é a Ladainha, o canto de abertura da roda de capoeira Angola, seu início ocorre com o toque de berimbau denominado Angola, acompanhado do canto de uma Ladainha. Divide-se em três partes: Ladainha190, que não possui coro, tem apenas uma estrofe geralmente longa, seguida de uma louvação e, logo após canta-se o convite para que dois capoeiristas comecem o jogo dentro da roda. Após o convite, passa-se a cantar músicas que possuem refrão cantado pelo coro composto pelos integrantes da roda. Na louvação, o cantador escolhe o que será homenageado, comumente faz-se referência a Deus, à pátria, à capoeira, ao mestre, aos pais etc. O convite é a informação-senha que o cantador fornece para todos os capoeiristas revelando que já se pode jogar na roda, pois a louvação já terminou. A ladainha cantada na capoeira tem sua origem em antigas formas de orações cristãs com súplicas para Deus e santos. Cantiga da capoeira que não possui coro tem apenas uma longa estrofe e vem acompanhada de louvação e do convite ao jogo. A Ladainha deve ser cantada pelo mestre mais velho ou, com a autorização do mestre da roda, por outro capoeirista. Geralmente, as Ladainhas contam uma história que traz algum tipo de orientação. No momento em que ela é cantada, todos prestam atenção e meditam sobre a importante mensagem que está sendo transmitida. Logo em seguida é apresentado um exemplo de Ladainha com suas três partes: Tenho Três Amigos (título) Iêêêê... Olha eu tenho três amigos Todos três são capoeiras Um que joga lá no alto E é difícil dá rasteira Ele se chama Carcará O gavião-coré da capoeira Olha o outro camarada Esse aí joga no chão Ele é o jacaré 190
A primeira parte da Ladainha e denominada ladainha também, depois vem a louvação e o convite/corrido ao jogo de capoeira na roda.
302
E dos três é o mais valentão Olha o terceiro camará Ele é o Jaguar Que na roda de capoeeeeira É difícil de enfrentááá Arráááá (Louvação) Êêê viva meu Deus! Ê viva meu Deus camará! (refrão) Ê viva o Brasil! Ê viva o Brasil camará! (refrão) Ê viva meu mestre! Ê viva meu mestre camará! (refrão) Ê que me ensinou! Ê que me ensinou camará! (refrão) Ê a capoeira! Ê a capoeira camará! (refrão) (Convite ao jogo) Olha vamo simbora camarada Camarada é hora é hora Olha vamo simbora camarada (refrão) Jogar capoeira é hora é hora Olha vamo simbora camarada (refrão) Camarada é hora é hora 4.2 CHULA A chula é encontrada no Brasil desde o estado do Pará (Chula Marajoara) ao do Rio Grande do Sul (Chula Gaúcha), é uma manifestação cultural de origem européia trazida para cá pelos portugueses e transformada, manipulada e adaptada por nossa brasilidade ao ser utilizada em muitas manifestações culturais de Norte a Sul da nossa pátria. A chula é cantada apenas na Regional, com a finalidade de iniciar o ritual da roda de capoeira. O toque de berimbau que recebe a companhia da Chula é o Benguela (toque lento). Assim como na Ladainha, a Chula deve ser cantada pelo mestre de capoeira mais velho ou, com a licença do mestre da roda, por um outro capoeira. Divide-se em uma estrofe grande, o refrão e o convite. A estrofe grande e única geralmente possui uma história ou mensagem transmitida de forma bastante linear. O refrão é cantado primeiro pelo cantador e depois repetido pelo coro. O convite, assim como na Ladainha, é a senha para que o jogo comece. A chula é uma forma de poesia que é declamada/cantada pelo solista enquanto o restante dos integrantes da roda de capoeira escuta com atenção. Ao final da declamação/canto o grupo inteiro responde o refrão para em seguida iniciar o bater das palmas para acompanhar a Quadra ou o Corrido que será cantado para dar continuidade ao jogo que irá começar após o final do convite. Veja exemplo: Luta nossa Criada na senzala Para o negro foi a salvação Luta-dança-jogo-brincadeira Combate a escravidão É o corpo virando arma Pro quilombo ia o negro fujão Capitão que perseguia Quando da senzala o negro fugia E na mata sumia Êêêêêê! E emboscada fazia
303
(refrão) Capoeira é arte Música, dança e jogo Brincadeira do povo (Convite) Vá jogá muleque, vá jogá! Vá jogá muleque, vá jogá! (refrão) Vá jogá muleque, vá jogá! Vá jogá muleque, vá jogá! 4.3 QUADRA Música composta por quatro estrofes curtas (acompanhadas do coro), sendo que cada estrofe é formada por quatro versos, a quadra é utilizada na roda de capoeira de Angola e Regional. Os temas das letras são muito variados, falam de lugares que o compositor gosta, da cidade em que nasceu, dos heróis da capoeira, sobre advertências para os capoeiristas, histórias, a mulher amada, uma reflexão sobre algo relacionado a capoeira, etc. Pode ser cantada acompanhando os toques São Bento Grande de Angola, São Bento Pequeno de Angola, Angola, Regional e Benguela. A quadra geralmente é utilizada em qualquer momento da roda de capoeira, contanto que seja após a abertura da roda. No caso de Angola depois que foi cantada a Ladainha e na Regional após a Chula. Abaixo segue modelo: Aqui tem Capoeira Maculelê Encantaria (refrão) Ave Maria Ave Maria Capoeira em Belém de Santa Maria Olha o Tacacá Açaí Romaria (refrão) Ave Maria Ave Maria Capoeira em Belém de Santa Maria 4.4 CORRIDO É uma cantiga que acelera o ritmo da música e do jogo na roda de capoeira. A letra é formada por um verso do cantador e um verso como refrão para o coro. São as canções mais comuns e numerosas da capoeira e suas letras são geralmente inspiradas no cotidiano do compositor. Ao cantar um Corrido, é comum o cantador fazer improvisações relacionadas ao que está acontecendo durante a roda de capoeira, porém o refrão da letra da cantiga se mantém o mesmo. O corrido pode acompanhar os toques São Bento Grande de Angola, São Bento Pequeno de Angola, Angola, Regional e Benguela. Porém, devido seu ritmo mais acelerado é preferencialmente utilizado para acompanhar os
304
toques de ritmo mais rápido como o São Bento Grande de Angola, na roda de Angola. E na roda do estilo Regional a preferência é o toque Regional. Exemplo: Ô Ô Ô! Chegou, Chegou Morena venha ver (refrão) Olha morena Morena venha ver (refrão) Chegue na janela Morena venha ver (refrão) Venho com saudade Morena venha ver (refrão) Querendo teu cheiro Morena venha ver (refrão) Chegou o teu capoeira Morena venha ver (refrão) Ô Ô Ô! Chegou, Chegou 4.5 SAMBA DE RODA É uma variação mais tradicional do samba que se relaciona com a roda de capoeira. É tocado por toda a orquestra, palmas e canto. Não há uma métrica específica para as letras do Samba de Roda. A cantiga sempre acompanha o toque de berimbau que possui o mesmo nome da cantiga (Samba de Roda). Nas rodas de rua do passado, quando a capoeira era proibida, qualquer aproximação da polícia fazia a roda de capoeira se transformar em roda de samba, já que o samba era mais tolerado pelo Estado. Atualmente, é muito utilizado no final da roda e, também, quando dois jogadores começam a fazer um jogo muito agressivo, toca-se e canta-se o Samba de Roda para que deste modo os dois capoeiristas passem a sambar e então o que poderia ser uma contenda passa a ser alegria e descontração. Segue um exemplo de Samba de Roda: Amor da Morena (título) (refrão) O amor da moreninha É doce, mas não enjoa Tem cocada e brigadeiro de matá uma pessoa O carinho da moreninha Tem abraço e tem cafuné Nos braços da moreninha Eu fico até quando quizé (refrão) O amor da moreninha É doce, mas não enjoa Tem cocada e brigadeiro de matá uma pessoa As cadeiras da moreninha Remexem que nem maré Num movimento que descaminha A doçura na ponta do pé (refrão) O amor da moreninha É doce, mas não enjoa Tem cocada e brigadeiro de matá uma pessoa
305
IÊÊÊÊ! DÁ LICENÇA QUE JÁ VOU! Dois mestres negros, originários das camadas pobres, ganham notabilidade social através da capoeira, a qual, a partir das décadas de 30 e 40, abarca cada vez mais pessoas brancas provenientes das classes médias da cidade (BRUHNS, 2000). Esse cenário capoeirístico ocorre principalmente durante o Estado Novo, período brasileiro que tem como principais figuras o povo e o presidente Getúlio Dornelles Vargas. Com a predominância de dois estilos de capoeira em todo o mundo, tornaram-se predominantes cinco tipos de cantigas, as quais foram adotadas pelos dois famosos mestres e estas lhes foram apresentadas. Portanto 191, tais tipos de cantigas que até hoje são utilizados nas rodas de capoeira por todo o mundo já eram normalmente empregadas nas rodas de capoeira de outrora; o que traz adaptação e reforma na música da capoeiragem dos estilos Angola e Regional são, principalmente, as letras de músicas que passam a refletir os acontecimentos do presente com suas modificações que tem como marco os atos do governo de Getúlio Dornelles Vargas.
REFERÊNCIAS BLACKING, Jonh. How Musical is man?. Seatlle: University of Washington Press, 2000. BRUHNS, Heloísa Turíni. Futebol, Carnaval e Capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro. Campinas: Papirus, 2000. COSTA, Lamartine P. da et al. Cenário de Tendências Gerais dos Esportes e Atividades Físicas no Brasil. In: COSTA, Lamartine P. da (Org). Atlas do Esporte no Brasil: atlas do esporte, educação física e atividades físicas de saúde e lazer no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. FERNANDES, Fabio Araújo. A Capoeira Amazônica: políticas públicas e sustentabilidade cultural em Belém. Belém: UFPA, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Planejamento do Desenvolvimento, 2009, 115f. LIMA, Roberto Kant de e LIMA, Magali Alonso de. Capoeira e Cidadania: negritude e identidade no Brasil republicano. São Paulo: Rev. de Antropologia da USP, n.34, 1991, p.143-182. LUNA, Luiz. O Negro na Luta Contra a Escravidão. Brasília: MEC, 1976. MARINHO, Inezil Penna. A Ginástica Brasileira. Brasília: Brasil, 1982. MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2007. Mestre Silvério. Aulas de Capoeira Angola e Regional, em Belém - PA, de dezembro de 2009 até junho de 2012. MUNIZ, Sodré. Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Manati, 2002. SALLES, Vicente. Música e músicos do Pará. 2 ed., Brasília: Microedição do Autor, 2002. VIEIRA, Luiz Renato. O Jogo da Capoeira. 2ed., Rio de Janeiro: SPRINT, 1998. : SPRINT, 1998.
191
O presente estudo orienta-se no livro ―How Musical is man?‖ do etnomusicológo Jonh Blacking.
306
NOS TRILHOS DO RIO TOCANTINS: a memória da extinta ferrovia Tocantins Carlos Eduardo COSTA (FIBRA) Gilma Isabel Rego D‘AQINO (FIBRA)
O presente trabalho se propõe a discutir a necessidade de se preservar o Patrimônio Ferroviário Paraense como marco fundamental para a construção de uma memória social e identidade local, tomando como caso de estudo a extinta Ferrovia Tocantins. Esta que foi considerada um caso clássico de ferrovia cujo objetivo primeiro seria complementar a navegação fluvial. Atualmente sua história é ignorada e vem se perdendo com a morte dos exfuncionários. Grande parte do material rodante foi submersa pelo lago artificial formado ou foi saqueada pela população para se utilizarem na construção das suas casas. O conjunto ferroviário que restou foi ocupado pela prefeitura e outros órgãos públicos, situação recorrente em localidades onde houve a desativação definitiva das ferrovias. Entretanto, essa solução embora garanta a manutenção dos imóveis, também não se mostra totalmente adequada, seja pela nova destinação dos bens, nem sempre apropriada, seja por privá-los da linha férrea razão de ser de sua construção. Os estudos históricos sobre empresas ferroviárias foram feitos por consulta direta de pouco material administrativo (essencialmente os relatórios das empresas), mas também por impressos diversos e de caráter indireto (estatísticas ou relatórios da administração pública). Em vista disso, pensar estratégias de preservação para o patrimônio ferroviário é um tema importante neste momento em que medidas mais amplas estão sendo tomadas no âmbito estadual e federal, para inventário e destinação dos bens das antigas empresas férreas. Palavras-chave: Ferrovia, Memória, Patrimônio. A Estrada de Ferro Tocantins foi um caso clássico de ferrovia construída para complementar a navegação fluvial. Tratava-se — como na maioria dos casos semelhantes — de alternativa "temporária", dado o enorme custo de canais e eclusas, até que o desenvolvimento da região e do país viesse a justificá-los. Nos primeiros anos da República os projetos ferroviários foram acolhidos com bastante entusiasmo, apreendidos como metáfora do progresso e do avanço civilizatório. Entusiasmo que extrapolou o arrojo, beirando o desatino, como alguns autores afirmam destacando o caso da ferrovia Madeira-Mamoré. Mas esses casos foram experiências isoladas e de certa forma esperadas, pois é impossível existir uma saga sem uma pequena dose de desatino e tragicidade, e a construção de ferrovias, por consistir em um dos maiores desafios, foi bastante arriscada e sacrificante em todo o Brasil. O espírito empreendedor que assolou a República, enquanto a Constituinte debatia a transferência da capital do país para o planalto central192, fez com que o ministro Francisco Glicério antecipasse o "Plano da Comissão", através do Decreto nº 862 concedendo a diversos engenheiros a responsabilidade de estabelecer várias linhas férreas, dentre as quais estaria a ferrovia de Alcobaça à Praia da Rainha, visando a ligação fluvial da futura capital a Belém, Amazônia e Nordeste ocidental. Todas as linhas planejadas no referido decreto surgiram em associação às vias fluviais, pois não se desconsiderava a importância das hidrovias, mas via-se a necessidade de as complementar com ferrovias numa clara tentativa de integração do Norte ao Sul por meio de um projeto flúvioferroviário de linha estreita. Decreto nº 862, de 16 de Outubro de 1890: ―6º Ao engenheiro Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim, ou á empreza que organizar: a de uma estrada de ferro, que, partindo de Patos ou de Alcobaça a margem do rio Tocantins, termine no ponto denominado Praia da Rainha ou em suas proximidades á margem do mesmo rio; b de uma linha de navegação a vapor no rio Tocantins, de Belém, capital do Estado do Pará, ao ponto inicial da estrada de ferro precedente, e de outra no mesmo rio comprehendida entre o ponto terminal da alludida estrada e a cidade do Porto Nacional ou a de Palmas[atual cidade de Paranã], de modo a poder ligar-se a estrada de ferro mencionada no numero 5º deste artigo; c de linhas de navegação a vapor nos rios Araguaya e das Mortes, em todas as secções navegáveis, podendo estender-se aos affluentes destes rios, bem como aos do Tocantins.‖
192
Em 1892, Floriano Peixoto constitui a Comissão Exploradora do Planalto Central, sob a chefia de Luiz Cruls, diretor do Observatório Nacional, para encontrar e demarcar a área do Distrito Federal, uma área de 14.400 quilômetros no planalto central, a ser demarcada para transferência da futura capital federal.Essa comissão foi constituída por 22 cientistas acadêmicos.
307
Entre o decreto e o inicio das obras seguiu-se um período de estudos onde se definiriam as características gerais da ferrovia, número de construções, pontes e demais obras de arte, na tentativa de prever as possíveis dificuldades a serem contornadas. A construção da malha ferroviária encontrou inúmeras dificuldades; condições climáticas adversas, topografia excessivamente acidentada, doenças, ataques de animais e de indígenas. Os construtores foram obrigados a desenvolver soluções para cada um desses problemas. Além disso, as informações disponíveis sobre o relevo, o solo e os rios do interior mais distante dependiam dos relatos de poucos exploradores — às vezes, décadas antes —, cujas expedições em geral não dispuseram de instrumentos de medição, nem permaneceram tempo suficiente para avaliar o volume das águas ao longo dos meses. Assim, a navegabilidade dos rios incluídos nos diversos projetos era, no mínimo, bastante relativa. A empresa de Joaquim Rodrigues de Moraes Jardim constatou que a navegação do Tocantins/Araguaia por embarcações a vapor não era tão viável quanto podiam ter sugerido as explorações realizadas por sucessivos engenheiros militares e governadores de Mato Grosso e Goiás, ao tempo do Império (incluindo tentativas concretas de implantação da navegação a vapor). Na proposta de alteração do projeto férreo, Jerônimo R. de Moraes Jardim derrubou a ideia de desenvolver a navegação e defendendo a melhor praticidade da expandir os trilhos ao norte de Alcobaça e ao sul para além de Marabá pois: ―Foi verificado que nem a projetada estrada de ferro preencheria completamente os fins a que se destinava, porque tanto acima como abaixo dos seus pontos extremos o rio não oferece franca navegação em todo o ano, nem seria possível, sem enorme dispêndio de tempo e de dinheiro, remover os obstáculos que se deparam nos leitos dos dois rios acima de sua confluência‖.
As obras iniciaram de fato em 1895 com a instalação da companhia e da rápida construção dos prédios do escritório, engenho de serra, almoxarifado [atual prédio do mercado municipal desativado], armazém, ferraria, olaria e um barracão para os operários, bem como das pontes sobre os igarapés. ―[...] Ali se achava erguido, sem estilo algum, o casarão coberto de folhas de zinco, todo de madeira, destinado a servir de escritório e de residência da administração e do pessoal técnico da Estrada de Ferro de Alcobaça à Praia da Rainha, ultimamente transformada em Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brasil. Oito a nove casas cobertas de telhas de zinco ou de madeira, destinadas a oferecer acomodações ao resto do pessoal de construção, armazéns, escritório, completam toda a casaria, que formava naquele ano a povoação[...]‖ ( MOURA, 1989, p.160)
Devido às condições adversas, estação chuvosa, grande enchente e principalmente por causa de uma forte epidemia de malária que se alastrou entre os trabalhadores, a Companhia interrompeu as obras, mantendo apenas uma pequena equipe para fins de limpeza e conservação da linha. A constatação das dificuldades e a demora no estabelecimento das alternativas provavelmente não foram a causa única para a letargia na retomada do empreendimento. Durante o governo de Prudente de Morais abriu-se caminho para a hegemonia incontestável da oligarquia cafeeira. Seguiu-se o cancelamento da maior parte das ferrovias concedidas dentro do Plano da Comissão, com a suspensão generalizada das obras; fechamento de centenas de agências telegráficas de norte a sul; e um aperto monetário que levou à falência a maior parte dos empreendimentos lançados após a proclamação da República, encerrando a industrialização ensaiada por Rui Barbosa. Durante o período em que as obras estiveram interrompidas a Companhia de Viação Férrea e Fluvial do Tocantins e Araguaia travou negociação com um sindicato belga em busca de maiores investimentos. O mesmo sindicato enviou uma equipe de engenheiros para efetuarem um estudo e sondagem dos rios Tocantins e Araguaia. Sob a direção do Leon Tiery a comissão fez o reconhecimento da parte encachoeirada dos rios alcançando até o rio das Mortes em Goiás. As negociações demorariam ser concluídas. Mesmo sem prosseguir com os trabalhos na
308
estrada de ferro a companhia continuou a atuar na região mantendo com regularidade o serviço de navegação a vapor entre Belém e Alcobaça e apenas nos meses de inverno os vapores subiam além de Alcobaça. O país só voltaria a ver obras e investimentos por volta de 1905; e, embora seja hábito atribuir esta nova virada a tal ou qual personalidade dentro do Brasil, o fato é que ela correspondeu a um novo movimento de "exportação de capitais", dos países industrializados para as economias semicoloniais de todos os continentes, em especial infraestrutura urbana e de transportes, marcando a chamada "belle époque". Com o fechamento do acordo com o sindicato belga novas obras foram realizadas, a ferrovia ganhou o apoio de um guindaste a vapor para sete toneladas, duas locomotivas, grande quantidade de dormentes e trilhos, bem como material para a instalação de 100 km de telégrafo. No entanto mesmo com esse investimento ainda havia dificuldades a serem superadas, as epidemias de febre amarela e malária dizimavam muitos operários. Na tentativa de reduzir a mortalidade a Companhia implementou medidas de saneamento nos acampamentos e em Alcobaça. O serviço médico mesmo com os avanços que conseguiu funcionava com precariedade, faltavam medicamentos e enfermeiros. Contudo as medidas sanitárias minimizaram as mortes apenas oito por malária foram registradas em 1907. ―....Retomou um projeto que se arrastava sem solução e, imediatamente, começou a transformação do pardieiro do almoxarifado em ambulatório, dotado de enfermaria. Seria seu hospital de emergência,[...] Adaptado o projeto às novas circunstâncias... inspecionou tudo: os igarapés, a represa, as fossas e valados. Procurou focos de mosquitos nos alagadiços, no matagal próximo, dentro das casas. E com essas observações e as de viagem, elaborou seu relatório, no qual recomendava o derribamento das capoeiras, drenagem das poças, o emprego da atebrina associada à plasmoquina...‖ (SANTA ROSA, 1963, p.57)
Os trabalhos na Estrada se intensificaram durante 1907, foram construídos o deposito de locomotivas, outro para mercadorias, o trapiche e um deposito para vagões. Naquele ano o material rodante era composto por uma locomotiva belga, a outra estava ainda desmontada; sete vagões plataformas, duas maquinas de terraplenagem. Tudo indicava que a Estrada avançaria sem muitos problemas, a Companhia contratou inclusive 1850 chineses para as obras, construiu uma ponte e um depósito em Cametá para receber os materiais que vinham da Europa para as obras. Em 24 de Dezembro de 1908 foi inaugurado o primeiro trecho de 43 km, de Alcobaça a Breu Branco, compreendendo a parada de Arumateua no km 25. Ficou estabelecido que o trem ordinário circularia às quintasfeiras, tendo o primeiro desses trens corrido no dia 31 de Dezembro. Havia 5 locomotivas, 2 vagões de passageiros de 1ª classe, 1 vagão de passageiros de 2ª classe, 1 vagão dormitório de inspeção, 1 vagão de bagagem e correio, 12 vagões plataforma, 4 vagões fechados para mercadorias, 1 vagão guindaste, 5 gôndolas, 11 troles, além de vagões e trilhos "decauville" e 1 guindaste de 12 toneladas. Todo o material das oficinas já se encontrava em Alcobaça, e em parte montado. Em Alcobaça naquele ano realizou-se obras para a captação de água com o intuito de prover aos vários serviços da Estrada como também à população, melhorando as condições sanitárias da localidade. Além do tanque de captação, concluíram-se as obras do cais de Alcobaça, do abrigo para as máquinas e vagões, um triângulo de reversão, quatro casas para a residência de empregados e um hospital, antes disso o serviço médico funcionava precariamente no prédio do almoxarifado. Nesse período havia aproximadamente 1500 trabalhadores, os quais já conviviam com as doenças. Os trabalhos da Companhia para melhorar as condições sanitárias foram acompanhados com novas remessas de medicamento. A fama de insalubridade que a região possuía assustou os trabalhadores, os quais se evadiam das obras com o medo não apenas das doenças, mas dos ataques dos indígenas. Outra situação que colaborava para esse quadro de falta de mão de obra foi a exploração de que muitos foram vitimas ao chegarem em Belém, os trabalhadores que foram contratados para as obras da ferrovia eram aliciados pelos agentes de pessoal para os seringais. Em 1909 o
309
número máximo de trabalhadores alcançou 829 no mês de janeiro e findou o aquele ano com 150, tendo uma média mensal de 535 trabalhadores. Sobre as instalações da Ferrovia podemos destacar alguns desacordos entre o estabelecido no contrato de concessão e a realidade. Segundo a cláusula IX do contrato de concessão: ― A companhia construirá todos os edifícios e dependências necessários para que o trafego se effetue regularmente e sem perigo para a segurança pública. As estações conterão sala de espera, bilheteria e accommodações para o agente, armazéns para mercadorias, caixas d‘água, latrinas, mictórios.‖
Todavia o que o engenheiro fiscal do governo atestou foi que a estação de Alcobaça era de singela arquitetura ―sem a segurança precisa, sala de espera e nem acomodações para o agente.‖ No mesmo relatório prossegue o engenheiro fiscal: ―... é uma casa desmontável e coberta de ferro zincado, dividida em três compartimentos: um central, corredor estreito, onde se opera todo o movimento da estação, e dous lateraes, um ocupado com o depósito de mercadorias pertencentes ao armazém de comestíveis. Parece mais uma estação de parada do que propriamente uma estação inicial...‖
O Decreto nº 8.123 de 1910, substituiu as estradas ao longo dos trechos encachoeirados pelo prolongamento da Estrada de Ferro de Alcobaça à Praia da Rainha, deste último ponto até outro, bem a montante, já no rio Araguaia, onde fosse possível estabelecer franca navegação até Leopoldina, no estado de Goiás; e um ramal para o rio Tocantins, acima da confluência com o Araguaia. Prorrogou os prazos para apresentação dos estudos e para a construção. Em 1911 discutiu-se no Congresso um grande projeto ferroviário, pois nessa época era o Poder Legislativo quem elaborava os programas de expansão dos transportes no País, através de autorização ao Executivo e alocação de recursos financeiros que eram introduzidos nos Orçamentos Gerais da União, ou apresentados sob forma de Lei específica. Esse projeto de Lei tinha sido sugerido pelo Engº Paulo de Frontin 193, que exercia na ocasião as funções de Diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas já havia mandado estudar o assunto desde 1907, quando ocupava o cargo de Inspetor Federal de Estradas de Ferro. No mesmo ano de 1911 estava em tráfego 50,940 km da ferrovia Tocantins. Pelo decreto nº 9.171 foi autorizado a revisão do traçado passando o ponto inicial da ferrovia para a cidade de Cametá e alterando sua denominação para "Estrada de Ferro do Tocantins". A fiscalização recomendava adotarem-se outras locomotivas, do tipo Mogul, "mais apropriadas ao serviço e às condições atuais da linha". Esse decreto também obrigou a companhia a dotar a ferrovia de vagões frigoríficos, vagões dormitório e vagões restaurantes "dos tipos mais modernos"; a construir vários depósitos frigoríficos; a promover o povoamento das terras marginais; e a fazer o repovoamento florestal. As cotações da borracha já despencavam, colocando em sérias dificuldades a recéminaugurada Estrada de Ferro Madeira - Mamoré. Discutia-se uma rede de ferrovias de bitola estreita para a Amazônia, no âmbito do "Plano da Borracha"194.
193
Tratava-se do prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, que já se encontravam em Pirapora, até a capital do Estado do Pará. O projeto foi convertido em Lei e sancionado a 7 de setembro de 1911. O empreendimento em foco, que atraiu as atenções jornalísticas e empresariais da época, era para ser executado em 4 etapas. A primeira seria de Pirapora a Formosa, esta situada na área onde deveria ser construída a Nova Capital do Brasil, nos termos da Constituição de 1891. A segunda, de Formosa a Palma [Paranã]. A terceira, de Palma a Carolina, e a última desta cidade a Belém. A 1ª Guerra Balcânica eclodiu quando ainda se processavam os estudos básicos dessa ferrovia. As atenções governamentais foram desviadas para os problemas gerados por esse conflito e as atividades ligadas à construção da Pirapora-Belém voltaram à estaca zero. Depois o projeto caiu no esquecimento. Na verdade, não havia recursos internos suficientes para enfrentar esse empreendimento de certo modo considerável. Por outro lado, o apelo a empréstimos externos, no pós-guerra, era inviável. Nessas condições, do projeto acima referido só se concretizou a construção da ponte sobre o rio São Francisco, a jusante da cachoeira, obra de arte que, por muito tempo, constituiu a maior ponte metálica do País.
194
O Plano da Borracha, que previa: a) Uma grande ligação interna, pela Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), da antiga capital (Rio de Janeiro) até Belém do Pará, passando pelo local do planalto central onde seria construída a futura capital; b)Uma ligação da EFMM à fronteira peruana — a Ferrovia Transacreana; e c) Uma rede de ferrovias de bitola estreita para desenvolvimento da coleta de borracha de forma mais racional.
310
A Companhia cogitava a possibilidade de transferir o ponto inicial para Cametá por ser acessível a embarcações de qualquer tonelagem, como ficou provado com a entrada do vapor Ural, transportando 25 mil toneladas e calando 20 pés. No entanto a estrada vivenciava um período de dificuldades que nas palavras dos engenheiros fiscais se reduz a ―completamente anarchizada e carecendo de urgentes e energicas medidas que venham, ao menos salvar o material fixo rodante na imminência de completa destruição, pelo abandono em que se encontra‖. Nos relatórios dos engenheiros fiscais Eugenio Brandão, Palhano de Jesus e Abílio Amaral, em 1914 eles atestam o mau estado em que se encontrava a Estrada de Ferro Tocantins. ―... desses 58 kilometros, conforme consta do relatório do engenheiro Abílio, apenas 44 estão em trafego, sendo que do ultimo parte um ramal para o porto do Arapary (3km), margem do Tocantins. As officinas não se prestam a reparações de certa montas, não há uma fundição que tal nome mereça e são por demais antiquados os machinismos que as constituem. Impõem-se os estudos de variantes, afim de serem suppressas as exaggeradas rampas e contra rampas de três e mais por cento, que gravam o perfil longitudinal. É absoluta a falta de conservação do material fixo e rodante. Em área junto ao porto de Alcobaça existem amontoados trilhos, chassis, trucks, jogos de trolys, talas de junção e outros materiaes. Nos dois únicos abrigos existentes estão três locomotivas. Os carros de passageiros, vagões abertos e fechados, para lastro, mercadorias e animaes, o de inspeção e o de correio e bagagens acham-se expostos ao tempo,sem pintura, muitos com as carrosserias bastante damnificadas. No kilometro 26 encontram-se pranchas com logarinas partidas e quase todos os chassis dos vagões desarmados enferrujados. Os edifícios do porto de Alcobaça, isto é, o escriptório, a residência dos engenheiros e a estação carecem de urgentes e inadiáveis reparos...‖
Somado a situação crítica apontada pelos engenheiros fiscais, no relatório de 1914 ainda é ressaltado a falta de pagamento dos funcionários por dois anos. A eclosão da 2ª guerra Balcânica em 1913 impediu o depósito de 25 milhões de francos e acabou por reduzir as reservas da companhia, criando assim toda a situação descrita pelos engenheiros. Considerando os fatos que impossibilitaram a continuidade das obras o governo brasileiro estabeleceu um novo contrato com a Companhia e aprovou o decreto nº 12.248, de 1º de Novembro de 1916, onde foram aprovadas cláusulas de revisão e consolidação dos contratos referentes às linhas de viação férrea e fluvial de da Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brasil. Segundo Flavio Vieira (1954), portanto, a companhia construiu 84 quilômetros da ferrovia e "propunha-se a ultimar os 16 quilômetros que faltavam para chegar às margens altas e salubres do Tocantins" quando, por dificuldades financeiras insuperáveis, entregou todo seu patrimônio em "depósito judicial", interrompendo-se o tráfego em toda extensão. O governo federal comprou a companhia, os 84 km de linha, oficinas, vagões, locomotivas, composições, vapores e demais benfeitorias por 1281 contos de réis. Todavia durante o tempo em que esteve sob a administração judicial houve extravios ou mesmo estragou-se por falta de conservação. Foi designado um engenheiro da Inspetoria Federal das Estradas para receber e inventariar os bens da Ferrovia Tocantins. Durante este trabalho optou-se por enviar parte do material para a Ferrovia Belém- Bragança e outra para a Ferrovia São Luis a Teresina. A interrupção nas obras representou um considerável prejuízo ao publico e ao desenvolvimento econômico da região pelo que se passou ao Pará a responsabilidade de dar prosseguimento nas obras e explorar os serviços relacionados. Infelizmente o Estado à época passava por uma escassez de recursos para o custeio do tráfego, renovação do material rodante e o indispensável prolongamento para vencer o trecho encachoeirado até Jatobá, no período em torno de 16 km que restavam. Segundo Flavio Vieira, o governo do Pará não teve condições de recuperar o patrimônio danificado durante o "depósito judicial", repor o que foi "extraviado", renovar o material rodante ou investir no prolongamento "para vencer o trecho encachoeirado, até Jatobá". Conclusão: ―Novamente o governo federal teve de intervir e tomou conta da estrada, que foi entregue à Fundação Brasil Central para que a administrasse". Não há datas, nessas informações; além disso, a entrega à FBC não foi imediata.
311
A tentativa mais séria de sua remodelação foi feita em 1927, no governo de Dionísio Bentes, quando o arrendatário mandou abrir uma rodovia que partiu do km 82 ao porto de Jatobá, visando com isso o estabelecimento do trafego rodoferroviário. Todavia esse serviço não foi precedido dos indispensáveis trabalhos de reconstrução da via férrea, de modo que o desmoronamento da ponte de madeira no km 67 sobre o rio Pucuruí seccionou a linha, interrompendo o trafego entre Alcobaça e a ponta dos trilhos. Esse fracasso provocou desânimo geral para quaisquer outras iniciativas e fez com que, em 1932, o interventor Magalhães Barata solicitasse ao governo federal a rescisão do contrato de arrendamento da ferrovia Tocantins pelo Pará. No período entre 1932-38, o Governo Federal manteve a ferrovia com a verba de 200 mil contos de réis anuais, entretanto esta quantia era insuficiente para as necessidades mais rudimentares. Com recursos tão limitados, nenhum empreendimento pode ser objetivado e a administração da Estrada de Ferro ficou reduzida à contingência de atender somente a imperiosa exigência de conservação dos serviços da oficina de locomoção em Alcobaça. Em Setembro de 1933 foram reiniciados os serviços e restauração da ferrovia e suas dependências, "grandemente danificadas por falta de conservação", ficando a administração da ferrovia subordinada à Inspetoria Federal de Estradas (IFE). Em 31 de Dezembro de 1937 tinha em tráfego 67 km restaurados, dos 82,4 km implantados. Segundo Flavio Vieira: "... em 1939, voltava a ser feito o tráfego em toda a sua extensão"; [e começaram] "as obras de prolongamento do Quilômetro 82 a Jatobá, cujo porto foi alcançado pelos trilhos em 1944, estando então a estrada subordinada ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro. Finalmente, pelo decreto-lei no. 7.173, de 19 de dezembro de 1944, passou a administração da Tocantins à Fundação Brasil Central, que pretende fazer o seu prolongamento até Marabá".
A fundação pretendeu estender a ferrovia até Marabá, tendo nesse prolongamento uma necessidade indeclinável de forma a alcançar o objetivo que lhe deu vida. ―Se não se fizer, será melhor arrancar seus trilhos e deixar o rio continuar a tragar as preciosas vidas dos que tentam vencer as cachoeiras e corredeiras de seu médio curso...‖. Era a defesa dos que viam na ferrovia a esperança de progresso para a região e para diminuir as mortes por naufrágios, eventos constantes na região, em cerca de 10% de todos os barcos em trafego comercial. Enquanto alguns viam a ferrovia Tocantins como elemento de progresso, muitos a viam como gasto público desnecessário e inútil, em função de possuir um pequeno trecho e atender tão só às populações regionais. Talvez tenha sido nesse contexto que o relatório de Heitor Pombo de Chermont Rayol, engenheiro do DNEF a respeito da ferrovia Tocantins e seu projeto que margeava o rio, e, portanto suscetível ao regime de cheias do Tocantins. ―... A linha acompanha o rio até o km 14, distancia-se a partir desse ponto correndo a cerca de 10 km até perto de Jatobá, altura em que se aproxima de novo, a fim de alcançar o porto da baldeação das mercadorias das embarcações para os vagões ferroviários e vice-versa. Apesar de marginar em grande extensão o rio Tocantins, sujeito a grandes enchentes e de atravessar certas partes bastante baixas e cortadas por numerosos rios e riachos, também sujeitos a enchentes, não fica a linha coberta pelas águas dos rios, a não ser no km 14, onde nas enchentes máximas, fica submersa por pequenos espaços de tempo e numa extensão de cerca de 400 metros...‖.
Realizada a restauração, a ferrovia Tocantins recebeu pequeno ânimo. Os recursos do crédito aberto pelo decreto nº 234 de fevereiro de 1938, mal bastavam para atender as necessidades primarias de reconstrução da ferrovia, como etapa fundamental para qualquer trabalho de prolongamento, mas assim mesmo foram atacados esses trabalhos e assentados os trilhos em cerca de dois quilômetros. Entretanto, as condições de tráfego da estrada melhoraram sensivelmente e estando ela sob a mesma direção da ferrovia bragantina, foram deslocadas desta ultima duas locomotivas de peso três vezes maior que o das locomotivas ―liliputianas‖ que trafegavam nas suas despregadas e vacilantes linhas. Segundo o relatório da ferrovia de 1956, a locomotiva ―Belém‖ era procedente da
312
Estrada de Ferro de Bragança, transferida para a EFT no ano de 1939, quando as duas ferrovias estiveram sob a mesma administração. Em 1940 a ferrovia reconheceu a importância de colonizar as terras cortadas pela linha. Com este intuito a administração solicitou o estabelecimento de lavradores em suas terras patrimoniais, auxiliando-os na medida do possível. Foi organizada uma colonização rudimentar e incipiente que melhorou as condições de vida local e serviu como documentação da excelência das terras e do êxito de qualquer empreendimento agrícola na região. Em três anos dessa política foram produzidos bons resultados como se podem observar pela colheita da safra do milho que somou 20 mil contos naquele ano. No ano seguinte, a ferrovia Tocantins foi incluída no plano especial de obras públicas e dos recursos concedidos pelo decreto nº 3103 de março de 1941, recebendo mais dois mil contos para o prolongamento da linha até o porto de Jatobal. Os trabalhos então foram executados de acordo com o programa aprovado. Alcançando o porto de Jatobal a ferrovia se tornou mais útil a região, possibilitando o desenvolvimento das colônias agrícolas. Sua extensão seria os 117 km e o povoamento das terras produziu uma promissora corrente de tráfego. Além disso, a estiagem tornaria forçosa a subida e descida de mercadorias pelos trens, crescendo assim o afluxo de cargas. Em 1954, o livro do IBGE / CNG comemorativo do I Centenário das ferrovias brasileiras indicava a extensão de 117 km, ainda sob administração da Fundação Brasil Central — que descartou sua incorporação à recém-criada RFFSA, o que possivelmente garantiu sua sobrevida enquanto várias outras ferrovias eram erradicadas. "Tem atualmente, 117 quilômetros, partindo de Tucuruí e alcançando Jatobá, desenvolvendo-se toda pela margem esquerda do Tocantins. Essa ferrovia está a cargo da Fundação Brasil Central". O mapa que aparece na obra do IBGE, bastante esquemático, estava desatualizado, correspondendo à situação de nove anos antes. Em 1945, o levantamento publicado pela Revista Ferroviária indicava uma extensão de 83 quilômetros. Com a transferência da Estrada de Ferro Tocantins à Fundação Brasil Central, já estava pronto o terrapleno de mais um trecho de 36 km, do Quilômetro 82 até "Jatobal", faltando assentar apenas 7 km de trilhos. Embora o mapa mostre apenas um trecho de Alcobaça [Tucuruí] ao "Quilômetro 82", a informação é de que em 1954 a Estrada de Ferro Tocantins tinha 117 quilômetros de trilhos em tráfego, de Tucuruí até Jatobá. Segundo Flavio Vieira, as estações eram: "Tucuruí (antiga Alcobaça), que é a inicial; Arumateua (Km. 25); Breu Branco (Km. 43); Independência (Km. 53); Pucuruí (Km. 68); Remansão (Km. 97); e Jatobá, a final, no quilômetro 117,200". De acordo com o relatório de 1957, havia apenas duas estações, nos pontos extremos da Estrada de Ferro Tocantins; e quatro paradas ao longo do traçado. A posição quilométrica, a altitude e o ano de inauguração encontram-se no quadro abaixo:
Estação Parada
Posição (km)
Altitude (m)
Estado Município
Ano inauguração
Tucuruí
-
0
65
Pará
Tucuruí
1908
-
Mestre Leopoldino
25
91
Pará
Tucuruí
1916
-
Breu Branco
43
99
Pará
Tucuruí
1916
-
Pucuruí
67
85
Pará
Tucuruí
1916
-
Remansão
97
101
Pará
Tucuruí
1943
Jatobal
-
118
101
Pará
Itupiranga
1944
de
Tabela 1: Lista das estações da Estrada Tocantins
313
Em 1957, a diretoria da Fundação Brasil Central declinou, gentilmente, da oportunidade de integrar a Estrada de Ferro Tocantins na recém-criada RFFSA. ―A atual administração desta estrada pela Fundação Brasil Central afastou por agora a sua inclusão na rede recém-formada‖. A sobrevida da EFT até 1973 — quando as pequenas ferrovias incorporadas à RFFSA já eram só lembrança — parece cobrir de sabedoria essa decisão. Na FBC, a EFT permanecia sob o guarda chuva de um foro onde a região tinha audiência privilegiada. Mesmo não fazendo parte da Rede Ferroviária Federal, a Estrada Tocantins ainda era uma ferrovia federal, e continuava no programa do DNEF de remanejamento de locomotivas entre as estradas de ferro. Talvez fosse o caso da locomotiva Mikado recebida da RVPSC. Essa redistribuição de locomotivas vinha se intensificando na medida em que novas ferrovias eram encampadas pelo governo federal, por motivos estratégicos, por encerramento das antigas concessões, por falência de empresas privadas ou por necessidade de alavancar redes ferroviárias estaduais e regionais. O relatório da EFT de 1957 mostra que essas transferências nem sempre davam os resultados esperados, ao fazer um balanço de quatro locomotivas cedidas pela Rede Mineira de Viação 15 anos antes, em 1942. Essas quatro locomotivas tinham sido despachadas desmontadas, embaladas em sete volumes e transportadas do depósito de Cruzeiro ao cais do porto do Rio de Janeiro pela Estrada de Ferro Central do Brasil. Eram as locomotivas 120, 121, 123 e 125, que haviam sido avaliadas em oitocentos contos de réis (800:000$000), e cujo transporte custou cem contos e oitocentos mil réis (100:800$000):
Lloyd Atlântico S/A de Seguros
10:450$000
Lloyd Brasileiro (frete)
75:787$000
Rede Mineira de Viação (embalagem)
762$000
Estrada de Ferro Central do Brasil (transporte) 11:021$000 Estrada de Ferro Central do Brasil (transporte) 2:085$000 Administração do Porto do Rio de Janeiro
693$000
Total
100:800$000 Tabela 2: Custo do Transporte das Locomotivas
Quinze anos mais tarde, apenas a locomotiva nº 121 estava ativa na EFT, com o nome ―Caripé‖, após "grandes reparos e modificações". As locomotivas nº 123 e 125 trabalharam pouco tempo na EFT, e nem chegaram a ser batizadas. "A nº 123 foi encostada em 1946 e a nº 125 em 1945, ambas como sucata". Após 15 anos, a locomotiva nº120 ainda não tinha entrado em serviço, "por haver trazido grande fenda na caldeira". Encontrava-se em demorados reparos, iniciados ou retomados em 1957, e esperava-se que pudesse ser entregue ao tráfego no primeiro semestre de 1958. Em 17 de novembro de 1973 correu o último trem, com uma cerimônia de despedida da ferrovia. Iria começar a construção da represa da usina hidrelétrica (UHE) de Tucuruí, que alagaria as cachoeiras e a própria ferrovia projetada para contorná-las. Previa-se a construção de eclusas para transposição da represa por embarcações fluviais, ligando assim de forma direta a navegação dos trechos acima e abaixo do lago artificial. No ultimo dia da Ferrovia Tocantins, Orlando de Deus e Silva, que foi chefe de trem, chefe de tráfego, vicediretor e diretor da extinta Estrada de Ferro Tocantins discursou emocionado para a população de Tucuruí:
314
―Dia 17 de Novembro de 1973, 16:03 horas. Dia sombrio e triste, com nuvens de um cinza escuro pairando ao alto. Há pouco, como se a própria Natureza desejasse participar de nossa tristeza, derramou um pouco de suas lágrimas sobre a cidade, em forma de uma chuvinha bem fina, como que para amenizar o calor escaldante que antecedia os últimos momentos da Estrada de Ferro Tocantins, já derreada em seu leito de morte. Vejam vocês que estão perto e ouçam, depois, os ausentes. Um inocente e lindo curiatã, como se fora um emissário de sua classe, trazendo-nos sua mensagem de fé no destino deste rico país, delicia nossos ouvidos com o seu maravilhoso canto. Até a acácia, onde ele pousou, como se para melhor ouvi-lo, baixou seus galhos, movidos que foram por leve brisa. Agora ouçam outros cantos bem conhecidos nossos. Estes, colegas e companheiros de Tucuruí, são os apitos das locomotivas Sorocabana e Leopoldina em suas derradeiras viagens ao longo da Estrada de Ferro Tocantins. O povo de Tucuruí, atraído pelos apitos sentidos, tomou já a Estação Central. As locomotivas, enfeitadas de ramos verdes e roxos, simbolizando esperança e luto ao mesmo tempo, são tomadas pela multidão no afã de arrancar um dos ramos para guardá-lo como última lembrança daquelas que os serviram bem ou mal durante três quartos de século. Agora, o povo se dirige ao pátio central do escritório. Mais de mil pessoas. Notem que é tão grande a emoção, que não ouvimos uma só palavra partindo dessa massa humana. Colegas ferroviários, vivo neste instante o momento mais dramático, mais emocionante, mais intenso e mais vibrante de meus 33 anos de ferroviário. As fortes emoções que muitas vezes senti, quando tive de enfrentar os desmandos de vários diretores, até mesmo no dia em que fui cassado por um desses diretores armado de parabélum (arma da época), não representam mais que a brisa que há pouco sacudiu os galhos da acácia. Um furacão domina todo o meu ser. Tudo chora dentro de mim; mas, tenho que ir até o fim. Tenho que congelar meu coração. Tenho que conter o dique de lágrimas que aos meus olhos sobem. Preciso deste documentário, assim como o noivo abandonado ao pé do altar precisa da flor que caiu do enxoval da noiva querida e desertora. Ouçamos com atenção, agora, os apitos de despedida e de saudades das locomotivas e, em seguida, os discursos dos oradores. Tudo está consumado. Ouvimos o que foi a despedida dos ferroviários à sua velha estrada. Lágrimas incontidas e rebeldes rolaram de muitos pares de olhos. De nada serviram os óculos escuros de que me armei. Várias vezes usei o lenço. Não pude colocar a pedra recomendada pelo diretor Raimundo Ribeiro de Souza no lugar do meu coração. Diquinho, mesmo com uma pedra no lugar do coração, fumou vários cigarros antes do discurso que proferiu. Trocou o coração, mas quase corta os lábios de tanto mordê-los. Agora resta dizer mais num ―adeus‖ à Estrada de Ferro Tocantins. Fostes riscada do plano ferroviários, mas ninguém poderá riscar-te do meu coração. Estás pagando o preço do progresso do Brasil.‖
Nesse meio tempo, estava finalmente consolidada a rodovia Belém-Brasília (norte-sul) e abria-se a rodovia Transamazônica, transversal a ela. Com traçado geral leste-oeste, a Transamazônica deveria cortar todos os afluentes da margem sul do rio Amazonas, ligando o último ponto navegável de cada rio, logo abaixo das respectivas cachoeiras, na descida do planalto para a planície amazônica. A Eletronorte já estudava novas represas e usinas hidrelétricas nesses pontos, a começar por um complexo de duas UHE sucessivas no rio Xingu, pouco acima de Altamira (PA). Pode-se presumir que todas essas outras UHE também previssem eclusas de navegação (pelo menos em tese), criando sucessivos eixos de navegação norte-sul, paralelos, a oeste dos rios Tocantins e Araguaia. O eixo de navegação norte-sul pelo rio Tocantins, especificamente, tinha adquirido especial interesse com a descoberta das jazidas de ferro de Carajás (1967), uma vez que a hidrovia é o meio de transporte mais econômico para cargas de grande peso e volume — fosse minério para Belém; ou produtos siderúrgicos, industrializados na região de Marabá, que poderiam ser transportados por hidrovia, tanto rio abaixo, para Belém e outros polos da Amazônia, quanto rio acima, numa eventual integração com outros polos industriais do Centro-Oeste e até do Sudeste. Contra a priorização da hidrovia — e a favor de uma ferrovia, que veio a ser a Estrada de Ferro Carajás — pesava o argumento de que o porto de Itaqui, em São Luís (MA), oferecia maior calado, viabilizando a exportação de minério bruto por navios graneleiros de grande tonelagem, para o Japão, Europa ou Estados Unidos. Na sequência das crises do petróleo e do endividamento, a rodovia Transamazônica acabou abandonada em sua maior parte, juntamente com os colonos nordestinos instalados nos projetos de assentamento na primeira parte de seu trajeto. A represa de Tucuruí foi a única iniciada em seu trajeto e, embora as turbinas da usina hidrelétrica entrassem em operação para fornecer energia, principalmente, aos projetos de alumina / alumínio no Pará (Barcarena) e no Maranhão (São Luís), seu canteiro de obras foi desmontado, na década de 1980, sem que se construíssem as eclusas de navegação. Com isso, o minério de ferro das jazidas da serra de Carajás só podia ser direcionado para São Luís (MA), destino da Estrada de Ferro Carajás, inaugurada em 1985.
315
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Antonio Teixeira de. Eco-História e Sociedade: Natureza e ruína na Amazônia Brasileira. Brasília: Cadernos de Ciência &Tecnologia, Set/Dez 2000. BERMAN, Marshall. Tudo que Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade; tradução IORIATTI, Ana Maria & MOISÉS, Carlos Felipe, São Paulo: Companhia das Letras, 2007. BORZACOV, Yêdda Pinheiro. Porto Velho: Patrimônio Histórico Material. Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia. Porto Velho, 2007. BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. Cartas Patrimoniais. Brasília. 1995. BRAUDEL, Fernand. Escritos Sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2005. CAMPELO.Marilu M. Memória Social. CURSO DE POS GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PRESERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO:TEORIA E PROJETO. Belém .2001. CERTEAU, Michel de; GIRARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. FONTES, Edilza. A Batalha da Borracha, A imigração Nordestina e o Seringueiro:a relação história e natureza.In NEVES & LIMA. Faces da história da Amazônia. Belém: Paka-Tatu,2006. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. GHIRARDELLO, Nilson. Cidade na Ponta dos Trilhos, Caminhos do Trem. São Paulo, vol.4, Duetto Editorial. 2008. HARDMAN, F. F. & KURY, L.Nos confins da civilização: Algumas histórias brasileiras de Hercule Florence. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. XI, maio-ago, 2004. HARDMAN, F. F. Trem- Fantasma: A Ferrovia Madeira-Mamoré e a Modernidade na selva,2ª Edição, São Paulo, Companhia das Letras, 2005. JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do Social. Rio de Janeiro: Forense. 1990. MENEZES, Suelen. Rede Ferroviária Federal, Um Patrimônio Cultural. REVISTA DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO. Brasília, set 2009. Seção Retratos. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2284:catid=28&Itemid=23> consultado em 17. Jun. 2012. MORAES, Allana Pessanha de. Educação Patrimonial: Uma Proposta Curricular. Campos dos Goytacazes, RJ, 2005. PATERNOSTRO, Julio. Viagem ao Tocantins. São Paulo: Companhia das Letras, 1945. PAULA, Dilma Andrade de, As ferrovias no Brasil: analise do processo de erradicação de ramais. Rio de Janeiro: EDUFU, 2005. PEREGRINO, Umberto. Imagens do Tocantins e da Amazônia. São Paulo: Companhia das Letras, 1942. PINTO, Lúcio Flavio. Hidrelétricas na Amazônia: Predestinação, Fatalidade ou Engodo. Belém: Edição Jornal Pessoal, 2002. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 2004. _____________.História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004. RAMOS. Francisco Régis Lopes. Museu, ensino de história e sociedade de consumo. Cadernos Paulo Freire, vol II, Museu do Ceará, Fortaleza, 2004.
316
______________. Cidade e Patrimônio Histórico. Cadernos Paulo Freire, vol II, Museu do Ceará, Fortaleza, 2004 REVISTA DE ESTUDOS AMAZÔNICOS. PPHD. Programa de Pós-Graduação em História social da Amazônia.vol. II Jul/Dez. Belém, Gráfica e Editora Alves, 2007. RODRIGUES, Lysias Augusto O Rio dos Tocantins. I. B. G. E. 1945. ____________.Roteiro do Tocantins. I. B. G. E, 1945. SANTA ROSA, Virgínio. O Aproveitamento Econômico da Bacia Tocantins-Araguaia e o Eixo de Transporte Fluvial-Ferroviário do Brasil Central. Ministério de Viação e Obras Públicas, 1941. ________. A Estrada e o Rio. Rio de Janeiro; Edições O Cruzeiro, 1964. SOUKEF JÚNIOR, Antonio. O legado das Ferrovias, Caminhos do Trem. São Paulo, vol.4, Duetto Editorial. 2008
317
QUANDO OS CORPOS “FALAM”: processos de comunicação nas danças folclóricas da Amazônia 195 Gleison Gonçalves FERREIRA (FIBRA) Isabel Rêgo D‘AQUINO (FIBRA) O presente trabalho objetiva discutir a inserção da dança nos estudos históricos, tendo como objeto de reflexão as danças folclóricas dos grupos de Icoaraci. Quando o corpo fala, na verdade evidência um processo, hoje estudado pela Antropologia da Dança, que é a da ação da dança, em quanto construção e representação social, de agir no meio social, mais especificamente na memória e na identidade, partindo dos métodos da História antropológica, este trabalho empreende a ação de novos sujeitos no campo cientifico, a saber os grupos folclóricos, bem como subsidiou questões e métodos para uma análise de dança pela história. Palavras-chave: História antropológica, Dança, Grupos folclóricos, Expressão cultural.
1 INTRODUÇÃO Após a revisão da História Historicizante, a qual erroneamente chamam de positivista, a História das Mentalidades (França), assim como do Marxismo (Inglaterra), o pensamento historiográfico passou por grandes mudanças, a apreensão de novos os estilos de pesquisa e análise, bem como objetos e fontes, o que possibilitou a produção de um arcabouço teórico-metodológico para explicar os fenômenos sociais que outrora não faziam parte de nossa escrita. Assim, ao longo dos anos, a pesquisa histórica e a História têm contribuído com estudos em diferentes aspectos sociais, especialmente a partir do advento dos Annales e, mais recentemente, da História Oral. Porém, percebeu-se que as pesquisas em história têm dado pouca atenção às formas de dança 196, e, quando se elaboram estudos históricos acerca do tema, muitas vezes acaba-se por ignorar seus aspectos sociais. Com isso, deixou-se de perceber que os sujeitos estudados falam através da dança, e que, na verdade, ela pode representar anseios, discursos sociais, ideias, aspectos íntimos e representativos, que ganham forma através da execução das danças. Tais estudos transformaram a dança em um processo artístico, sem nenhuma consideração ao entendimento micro ou macro das sociedades estudadas. A dança se desenvolve a partir de uma ética de estética produzida pela humanidade ao longo do tempo, resultado de uma profunda transformação e confluência de representações do cotidiano e da unidade humana. Na Amazônia, essa representatividade se deu, graças a um intenso fluxo de relações étnicas, explicitando um universo caboclo (JASTES, 2009). Desta forma e como evidenciado por Gonçalves-Ferreira e D‘Aquino (2012)197 as danças da Amazônia, por estarem ligadas a um universo de representações, desenvolvem uma relação entre sua prática e a memória, que se confluem dentro da identidade construída, pelos que dançam e por quem os assistem. Memória e identidade, regidas pelas possibilidades da folkcomunicação 198, que se desdobra para além de uma comunicação midiática, esta ligada a expressão do ethos para seus pares, visando uma comunicação de códigos comuns, que concedem as práticas, o mudus operandi, de cada sociedade aos seus membros, possibilitando sua
195
Este artigo reflete parte da discussão realiza na monografia de conclusão de curso do autor Gleison G. Ferreira, também sob a orientação da Mestra Gilma Isabel Rêgo D‘Aquino. 196 Definida como é uma forma êmica de manifestação estruturada, auxiliada ou não pela música, que visa refletir ―as tradições culturais no interior das[sociedades] quais foram desenvolvidas‖ (CAMARGO, 2008:15) 197 GONÇALVES-FERREIRA, Gleison; D‘AQUINO, Gilma I. R. A memória „fala‟ no corpo que dança: os grupos Folclóricos em Icoaraci – Pa (1990-2012). 2012, 65f. Monografia (Licenciatura em História), Faculdade Integrada Brasil Amazônia, 2012. 198 É um termo cunhado por Luiz Beltrão nos anos de 1960 para as pesquisas em comunicação e jornalismo, revelando o valor intrínseco da cultura popular, assim, ―Folkcomunicação, fala-se em processo, em intercâmbio de informações, de interação entre a cultura folk e a cultura de massa. É a transmissão da cultura através de meios de comunicação informais‖, como os grupos folclóricos. Cf. AMPHILO, Maria Isabel. A Gênese da Folkcomunicação. 2012. (Apresentação de Trabalho/Congresso).
318
ação em determinados meios a partir de determinados estímulos, o que garante sua operabilidade dentro em um mundo material199. Assim, busca-se compreender porque os processos de recriação da dança, evidenciados hoje nos grupos folclóricos em Icoaraci, geram influências e resignificam a memória social desse Distrito. Posto que, a dança passa a ser um dos pilares na construção da identidade social dos sujeitos que a executam e dos grupos sociais que os vêem.
2 FACES DA HISTÓRIA, NOTAS PARA UM MÉTODO DE ANÁLISE
2.1 Quando o campo é a Dança A cultura imaterial ou a imaterialidade vêem propiciando uma gama de análises dos mais diferenciados meios e culturas, para a História a imaterialidade se fez corpus quando os Annales despontaram como método principal do pensamento historiográfico, haja vista, que muitos dos historiadores que constituem a Revista, estudam a loucura, o medo, suas mentalidades, capacidades de representação, dentre os quais se destacam: Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel Le Roy Ladurie, Marc Bloch, dentre outros. Para a construção de seus trabalhos, bem como para a produção da Revista Annales, a História uniu-se a outras disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, a Sociologia, a Economia, a Antropologia, que desenvolveram e permitiram à construção historiográfica de novos olhares, novas técnicas, novos objetos; este trabalho não foge a essa máxima e empreende na Antropologia da Dança um arcabouço metodológico e conceitual uma vez que, devemos desconfiar de trabalhos que se utilizam de um único método, uma única forma de olhar para o objeto de pesquisa200, pois, os domínios científicos restritos a cada campo, conseguem lançar sobre os fatos, os fenômenos, questões especificas que acabam por ampliar o valor, as concepções, o empreendimento do mesmo. A Antropologia da dança foi fundada por uma série de antropólogos que viam na dança um objeto promissor de trabalho, esta disciplina vem ganhando adeptos em todo o mundo, suas bases, bem como a da antropologia, tende a observar a dança e compreender sua relação com o universo produtor, dessa forma ela esta ligada em uma relação íntima com as sociedades que as produziram201, refletindo as práxis e o ethos destas mesmas sociedades. Dentre as abordagens desta disciplina, estar o Estruturalismo de Adrienne Kaeppler, como nos informa Camargo; Kaeppler, Willians, Kealiinohomoku, Kurath são consideradas fundadoras da Antropologia da Dança, mesmo que antes delas, Franz Boaz já observava as possibilidades de um estudo mais denso da dança. Para Kaeppler a dança deve ser entendida como uma forma cultural, que tende a revelar possibilidades ―êmicas‖ e ―étnica‖ de uma dada sociedade. Contudo, ao longo da história fomos conceituando diferentes ―estilos‖ de dança que acabaram por subdividir-se em clássicas, populares, do culto, do ritual, da performance, do casamento, do divertimento, enfim, universos sincréticos que diferenciaram as dançaa e as classificaram 202. Continuando suas reflexões a autora acredita que a dança, no que tange à sua estrutura, represente um conhecimento de como ―os kinemas se combinam em morfokinemas, que se combinam em motivos, que se combinam em coremas, que se combinam em danças – de acordo com os conceitos de um grupo específico de
199
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2003. SCHWARCZ, Lilia. História e a antropologia: embate em região de fronteira. In: SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz; GOMES, Nilma Lino, (Org.). Antropologia e história: relações de fronteira. Antropologia e história: relações de fronteira. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. P. p 1131. 201 CAMARGO, Giselle Guilhon Antunes. Antropologia da Dança: ensaio bibliográfico. In: XAVIER, Jussara; MEYER, Sandra; TORRES, Vera. (Orgs.) Coleção Dança Cênica. Joinville: Letradágua, 2008, p. 13-23. 202 KAEPPLER, Adrienne. Dança e o conceito de estilo. Tradução livre CAMARGO Giselle G. A.; do original Dance and the concept of style. In: Yearbook for Traditional Music, Vol. 33, 2001, p. 49-63. 200
319
pessoas, num determinado tempo‖203. Nesta analogia com a linguística, Kaeppler pretende demonstrar o quão complexo é a dança, e, como pode-se observar, a dança depende e empreende de uma série de movimentos significativos ou não, que se aliam a cultura para construir um movimento. Tal concepção permite delimitar os ―gêneros‖ ao quais as danças pertencem, uma vez que as ―estruturas‖ são conhecidas, os ―estilos‖ são percebidos e diferenciados possibilitando uma interação e uma diferenciação no tempo e no espaço que em ocorrem a dança204. Em outro artigo, escrito em 1978205, Kaeppler afirma que a dança oferece um campo fértil de análise, mesmo que, a maioria dos antropólogos não queira admitir, da década de 70 até os tempo de hoje, ainda e válida a concepção da autora, contudo transplantada ao campo histórico, visto que muitos historiadores ainda percebem a dança como um simples fenômeno da arte, e não percebem o universo intrínseco que ela representa de uma dada sociedade. Neste mesmo artigo Adrienne Kaeppler consolida a visão da dança a classificando como ―uma forma cultural engendrada pelos processos criativos de manipulação dos corpos humanos no tempo e no espaço. A forma cultural produzida, apesar do seu caráter efêmero, possui um conteúdo organizado. Manifestação visual das ralações sociais‖206. Assim, os corpos que dançam, refletem, mesmo que rapidamente, um meio social, onde os movimentos pertencentes ao um ―estilo‖ e ―estruturados‖ de uma dada forma, evidenciam a presença da cultura humana. 2.2 A vez da “História antropológica” Talvez, o encontro mais fortuito entre as disciplinas sociais e humanas, tenha sido a da História com a Antropologia, fenômenos antes não estudados, sujeitos ainda não compreendidos, práticas ainda não historicizadas. A permuta entre as disciplinas elevou a compreensão que o historiador possuía das ações humanas, os antropólogos desenvolveram uma nova forma de estudo; nesta terra de fronteira, onde quem ganha são as próprias sociedades estudadas, as possibilidades erigidas pela comunhão do descritivo e do analítico se desdobram em trabalhos que priorizam a construção de um conhecimento cada vez mais perto da ―verdade‖, seja o que isso represente. Nesta relação entre as duas disciplinas, pode-se salientar a apropriação do conceito de Cultura (s), pois como analisou Burke, foi este o maior ganho da História nos últimos tempos, evidencia-se um crescimento sem precedentes de analises culturais, os antropólogos que há muito compreendiam este fenômeno como a matriz de sua análise, só ―entrou‖ para História por volta de 1960, onde se percebe uma fomentação de estudos de ―história cultural‖.207 Contudo, antes de adentramos mais na análise de Peter Burke, gostaríamos de atentar para outro dois textos escritos sobre a Antropologia Histórica, o primeiro trata-se de um ensaio de Jean-Claude Schmitt intitulado Anthropologie Historique, nele o autor se propõe a analisar como os estudos medievais ―ganharam‖ com a aquisição de uma nova disciplina que permite um estudo profundo das ―représentations et contradictions : ambivalence du jugement face, aux images, au théâtre, aux fictions, aux reliques et à la sexualité‖208.
203
KAEPPLER, Adrienne. Ibidem, 2001: 56. Os kinemas, são unidades mínimas de movimento sem significado; os morfokinemas são composições de vários kinemas, sendo unidades mínimas de movimento com significado; os motivos são sequência de movimento formada pelos kinemas e morfokinemas; os motivos superiores e inferiores do corpo formam o Corema. 204 KAEPPLER, Adrienne. Ibidem, 2001: 63. 205 KAEPPLER, Adrienne. Dance in Anthropological Perspective. In: Annual Review of Anthropology Vol. 7. 1978:31-49 206 Esta é uma tradução livre realizada por Giselle Camargo, antropóloga dança vinculada ao ICA e ao PPGARTES-UFPA. 207 BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução de Sérgio Goes dePaula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. 208 ―representação e contradições: um julgamento ambivalente em face às imagens, ao teatro, as ficções, as relíquias e a sexualidade‖; traduçãolivre. Cf. SCHMITT, Jean-Claude. Anthropologie historique. In : Bulletin du centre d‘études médiévales d‘Auxerre ; BUCEMA [En ligne], Hors série n° 2 | 2008: 03. Disponível em < http://cem.revues.org/index8862.html >. Acessado em 13 Ago. de 2012.
320
Assim, para Schmitt, os profundos conhecimentos trazidos pelo intercâmbio dessas disciplinas permitiram maximizar os processos de análise e perceber aquilo que não muda com certa freqüência, ou sua mudança é quase imperceptível, pois, se estabelece em cada grupo ritmos diferenciados de desenvolvimento e (re) apropriação 209. Clarificando mais este processo esta André Burguierè, que definiu três modelos principais oferecidos por esta complexa teia construída entre História e Antropologia, o primeiro modelo está ligado às premissas de LeviStrauss e seu estruturalismo, que permitiu uma clara análise de sistemas de dominação em linhagens familiares e rupturas de consciência capital. O segundo modelo se associa aos estudos de Le Roy Ladurie que desenvolveu um intercâmbio entre a literatura clássica e as etnografias correntes, corroborando processos etnohistóricos, por fim, o último modelo e o da chamada micro-história, que segundo o autor estaria, dentre os três, mais ligada ao saber etnográfico, por conduzir seus estudos em representações mínimas 210. Assim, muitos são os antropólogos utilizados pela pesquisa historiográfica, dentre os mais empreendidos estão os estudos de Marcel Mauss, Edward Evans-Pritchard, Mary Douglas e Clifford Geertz, cada qual oferecendo um novo olhar sobre alguns fenômenos, estudados, ou não, pela história, dentre todos, o mais referenciado foi Geertz e seu denso estudo sobre as brigas de Galo, no Bali211. Observa-se que a produção antropológica permitiu a história solucionar alguns problemas, principalmente conceituais e de descrição, o caminho se faz e refaz conforme as novas práticas vão emergindo no momento em que as sociedades nos impõem suas dúvidas, suas angústias, deve-se, ao buscar a multidisciplinaridade nas Ciências Socais e Humanas, construir estudos que compreendam cada vez mais, o universo das relações construídas dentro de uma sociedade.
3 DANÇAS NA AMAZÔNIA, NOTAS ESOTÉRICAS Os escritos que narram a dança na Amazônia não fogem a máxima observada acima. As narrativas dos naturalistas e viajantes que por aqui passaram registram, de forma bem sucinta e quase despercebida, a dança dos grupos indígenas que existiam. Ainda, os olhos tomados pelos eurocentrismo transformaram os processos culturais aqui existentes em representações da sua própria cultura, o mais comentado é sem dúvida as Amazonas de Carvajal, e seu pintura simbólica com a cultura Greco-Romana. Um misto de espírito aventureiro e curiosidade científica motivaram expedições como a de La Condamine (1701-1774), Spix (1781-1826), Martius (1794-1868), Spruce (1817-1893) e Wallace (1823-1913) dentre outros, em seus textos esses atores desenvolveram uma análise-descritiva dos povos aqui viventes, bem como sua cultura e natureza. A dança por sua vez ocupa um lugar aqui e ali, muitas vezes, na verdade, eram realizadas a noite mais para entretenimento do que para uma descrição, ou analise em si, o que percebe-se é que os processos criativos, dentro de uma história mesmo pretérita, não foram ―reveladas‖ como os animais, ou a natureza, mas que ficaram vivas na oralidades desses povos, que após a chegada da família Real Portuguesa, iniciaram-se observações diversas, que abriram novos perspectivas e novas fronteiras de análise. Como observou Éder Jastes, esses estudiosos em 1819, têm contato com uma manifestação nativa, imitativa de bichos que denominam Dança do Peixe, no Rio Negro, observada por Spix e Martius (1823-1832). As pesquisas começam a ganhar força, assim como o híbrido filho da terra, como José Veríssimo registra na Dança do Gambá realizada pelos Maué, acompanhada por tambores, os quais têm o mesmo nome da dança, assim como o Carimbó de nossos dias212.
SCHMITT, Jean-Claude. Anthropologie historique. In : Bulletin du centre d‘études médiévales d‘Auxerre ; BUCEMA [En ligne], Hors série n° 2 | 2008 BURGUIERE, André. L'anthropologie historique et l'école des annales. In : Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques [En ligne], 22 | 1999, Disponível em < http://ccrh.revues.org/2362 >. Acessado em 13 Ago. De 2012. 211 BURKE, Peter. Ibidem. 2006. 212 JASTES, É. R. M. . Dinâmica Cultural nas Danças Tradicionais Amazônicas. Ensaio Geral, v. 1, p. 58-63, 2009: 59. 209
210
321
Não obstante, as informações trazidas por estes autores tende a observar um processo de criação onde à dança já está relacionada com o cotidiano, mas não é por eles investigadas, mais sim descrita, como esoterismo e mistificação. Não caberia fazer aqui um recorte desses trabalhos, ainda que eles falem da dança, a leitura e o recorte desses excertos levariam anos, pois como bem frisou Bourcier no inicio de seu trabalho, essas informações encontram-se espalhadas pelo mundo, somente uma rede forte de pesquisa em História da Dança conseguiria fazer a reunião desses textos. Contudo, gostaria-se de chamar a atenção para que as pesquisas em dança sejam realmente para as dança da Amazônia, pois, ao que parece, a maioria dos trabalhos estão ligados à análise do Carimbó, como se este fosse a única manifestação típica da região amazônica,o que necessariamente é um erro. Ademais, os processos de construção das danças da Amazônia vêm passando ao longo do tempo por mudanças estruturais, coreográficas, sociais, principalmente em Belém. Jastes em seu trabalho afirma que em meados de 1880 com a proibição, através do código de postura municipal, as populações periféricas mantinham suas práticas festivas em segredo, e que após a libertação dos negros escravizados, há um amento da população em Belém, o que acaba por tornar suas manifestações culturais, entre elas a dança, em cotidiano, assim sendo, em meados do século XX ―seus principais divertimentos eram os Bumbás, os Cordões de Marujos e o Batuque‖ 213. No Brasil Edson Carneiro, Câmara Cascudo entre outros autores denominados folcloristas, criaram um rede de estudos etnológicos para fomentar a discussão dos processos culturais da população brasileira, na Amazônia, Paes Loureiro, Vicente Salles, Julieta Andrades desenvolveram trabalhos riquíssimos no tocante a produção cultural aqui evidenciada. Dentre essas produções encontram-se as danças que acabam por representar um vivencia amazônica, uma ligação entre povos e florestas, entre o fazer e o saber fazer, essas representatividades foram assimiladas por indivíduos que, desenvolveram sobre elas, corpos simbólicos codificados, as danças, surgindo assim grupos folclóricos e parafolclóricos que desenvolve sua prática a partir de dinâmicas culturais, surgindo dessas as mais diversas danças entre elas, o Çairé; Pretinhas D‘angola; Desfeiteira; Carimbó; Lundu Marajoara; Chula Marajoara; Vaqueiro do Marajó; Gestual da Procissão de Mastro; Marujada; Xote Bragantino; Bangüê; Cordão de Bichos; Boi Bumbá; Samba de Cacete; Siriá; Dança do Maçariquinho; Retumbão; Ciranda do Norte; Bicharada; Batuque Amazônice e Dança da Onça; Boi de Máscaras; Farinhada; Dança dos orixás (Abaluaiê); Quadrilhas; Dança do Coco214. Essas danças são processos híbridos, que acabaram por confluir em uma interação entre diversas culturas, muito delas, são recriadas dentro de um processo dentro de um processo ―novo‖, que elabora e constitui uma nova realidade, uma ―nova‖ dança, resignificando os signos desses processos culturais.
3.1 Os Grupos Folclóricos em Icoaraci Em Icoaraci existem uma série de grupos que se propõem a promover a cultura local, entre eles estão os Grupos Folclóricos, dentre os que possuem somente percussão e percussão-dança somam-se, mais ou menos, dez, grupos como os Irmãos Coragem, Os Baioaras, Vainga, BFAM. Cada qual sua peculiaridade, seu jeito, ritmo, e misturas. Para este trabalho foram escolhidos três grupos folclóricos, o Grupo de Expressão de Cultura Popular Manhã-Nungara, o Grupo Parafolclórico Asa Branca e o Balé Folclórico Paramazon, não escolhidos por acaso, 213 214
JASTER. É. Ibidem, 2009: 59. JASTER. É. Ibidem, 2009: 60.
322
cada qual tende a representar um processo diferenciado de concepção da dança e, por consequência, de ação na memória social. Cada grupo aqui estudado dentro de em suas apresentações invocam sobre si a identidade cultural que concretizam em suas manifestações, identidade essa, que está relacionada ao pertencimento de ―culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e[...] nacionais‖ 215. Esse pertencimento ocasiona um lugar sobre o qual a prática cultural é exercida, como afirma Scruton, A condição de homem exige que o indivíduo, embora exista e aja como um ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo mais amplo – como membro de uma sociedade, grupo, classe, Estado ou nação, de algum arranjo, ao que ele pode até não dar nome, mas que reconhece instintivamente como seu lar216.
Assim sendo, a prática desses grupos está diretamente relacionada à seu lócus vivendi, no caso Icoaraci, que se transporta para a representações desses grupos. Posto isso, segue-se a uma análise dos grupos folclóricos estudados, o primeiro deles o Grupo de Expressão de Cultura Popular Manhã-Nungara217 localizado na Rua Joaquim Rezende s/n. Fundado em 2003 por Ghislaine Araújo e Gleidson Carréra ambos formados pela Escola de Teatro e Dança da UFPA, no prelúdio de apresentação informam eles; A identidade cultural e a história são elementos que estão intimamente ligados, pois um povo sem história não tem cultura. É exatamente essa preocupação em mostrar aos que necessitam compreender e conhecer o imaginário popular, enquanto preservação, respeito e resgate de nossa identidade cultural, explorando o simples, o belo e o magnífico acervo cultural de nossa história amazônica, que o Grupo de Expressões de Cultura Popular Manhanungara foi criado.
Dessa forma, o grupo representaria aqueles que defendem o ―resgate‖ e a ―preservação‖ da cultura amazônica, sendo assim, suas coreografias tendem a representar um aspecto mais ―tradicional‖ entre os grupos, acreditam que a cultura está em constante transformação, e que por esta razão devem agir na produção de coreografias mais ―verossímeis‖ com as de Origem. Segundo eles a maioria dos grupos folclóricos não deveria possuir este nome, pois não ―agem‖ em favor da manutenção da cultura, pois dentro de seus processos acabam por transformá-las perdendo a ―essência‖ primeira, o tradicional. Dentro da mesma premissa encontra-se o Grupo Parafolclórico Asa Branca, fundado em 1976, pela professora Etelvina Cordeiro, primeiramente o que chama atenção no grupo é o nome, o termo parafolclórico designa os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricas, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores de tradições representadas, se organizam formalmente, e aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos exclusivamente bibliográficos e de modo não espontâneo218.
Assim o grupo Asa Branca não produziria danças voltadas para a Amazônia, pois, seu foco maior, seriam as danças não pertencentes a sua cultura. Contudo em seu histórico informam que O Grupo Parafolclórico Asa Branca é um grupo composto de dançarinos e músicos voltados para os ritmos tradicionais paraense e amazônico, valorizando e divulgando a cultura indígena/cabocla e a variedade de ritmos como: carimbó, siriá, lundum, xote, retumbão. O grupo tem como objetivo principal a pesquisa e a propagação da cultura paraense. Retrata através dos folguedos, lendas e mitos transformados em músicas e danças dos povos da floresta, que mescladas a influência européia do português, e do negro, geraram uma cultura cabocla ímpar própria da região amazônica, e dentro da mistura que é a marca da brasilidade219.
215
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001: 08. apud Hall, 1999:48 217 Em língua Tupi-Guarani quer dizer Mãe de Criação, quem cria, nome surgido da música de Waldemar Henrique. 218 Carta do Folclore Brasileiro apud DELLA MONICA, 2001, p. 51, 52 219 Disponível em < pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_Folclórico_Asa_Branca>. Acessado em 27 Set. de 2012. 216
323
O que caba por revelar-se disforme, contudo a apresentação desse grupo é marcada por um forte hibridismo entre o ―tradicional‖ e o ―contemporâneo‖, principalmente em seu novo espetáculo denominado ―Ecos da Amazônia‖, há uma presença marcante do Balé, o que fez com que a escolha desse grupo se desse por este entremeio, esta dualidade na concepção das danças. Por fim, encontra-se o Balé Folclórico Paramazon fundado em 1992 pela Agremiação Carnavalesca ―Raízes da Terra‖, que ficou sem ação até 2007, quando antigos componentes o reorganizaram, cujo presidente hoje é o senhor Jorge Bruno Oliveira. No prelúdio de apresentação, o grupo foi criado para que ―viesse a resgatar a cultura de nosso Estado‖ e ainda o balé tem como objetivo levar a todas as camadas sociais independente de cor, raça, ideologias e religião a cultura em geral, mostrando através da dança e musica a realidade cultural do Estado do Pará e incluindo a cultura Amazonense. Com isso fazemos um trabalho direcionado a incentivar jovens e adultos, à pratica da dança e musica, e levar às comunidades mais carentes, oficinas de danças e musicas, buscando apoio, nos órgão Federais, Estadual, Municipal e o setores privado, para assim formar profissionais qualificados, e formadores de opiniões voltados a cultura e tradições de nosso povo220. Por mais que exista nesse discurso formal (escrito) essa tendência ao ―resgate‖, nas suas apresentações, o grupo informa que é ―estilizado‖, o que consiste, segundo eles, em realizar uma produção cultural hibrida, tanto musical como coreograficamente. Dessa forma juntaram aos instrumentos ―tradicionais‖ ritmos amazônicos, como o curimbó e o reco-reco, dentre outros; o baixo, a guitarra e o teclado. À dança fundiram o Balé, a dança contemporânea, foram recriadas a partir de concepções próprias de uma identidade construída, pois, como afirma Luciane Bessa e Rui Pena, as identidades são construídas em cima de dois elementos: a unidade e a unicidade. O primeiro diz respeito ao fator que iguala um grupo, ou seja, ―somos assim‖. O segundo se refere ao fator que diferencia o grupo, ou ―vocês não são‖. A diferenciação é um elemento importantíssimo para construção da identidade. A identidade existe para igualar, mas muito também para diferenciar221.
Assim sendo, as identidades criadas por estes grupos estão associadas ao seu processo de criação, que por sua vez, está delimitado a sociedade em qual eles estão inseridos, e, suas diferenças produzem mudanças que podem ser evidenciadas pelos moradores de Icoaraci.
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE UM CAMINHO PERCORRIDO A relação existente entre Dança e Memória, está apenas no começo, objetivou-se com este artigo evidenciar o papel da dança na construção de uma identidade e de uma memória do Distrito de Icoaraci. As questões aqui expostas são o início de uma reflexão histórica necessária, pois, mesmo com a revolução documental de 1950, poucos são os trabalhos que se propõem a uma análise mais detalhada da dança e sua relação com a sociedade que a produz, buscando expressar essas construções humanas que estão impregnadas de uma identidade, bem como uma realidade social. O que se pretendeu com este trabalho foi observar alguns processos que envolvem a dança e a memória, inter-relacionados pelos grupos folclóricos, não obstante este se demonstrou fecundo dentro das premissas de uma ―Nova História‖, desenvolvido nos moldes de uma História Cultural da sociedade, bem como, nas possibilidades de uma História Antropológica, onde se desvendou um campo onde a História, tem ganhado força. A dança não pode mais estar fora dos processos de análise em História. Além disso, a disposição de um tempo presente para análise em História vem se demonstrando cada vez mais solícitos, a História enquanto
220
Disponível em < http://no.comunidades.net/sites/bfp/bfparamazon/ >. Acessado em 18 Set. de 2012. BESSA, Luciane; PENA, Rui Costa. Resistência cultural e identidade na globalização Estudo de caso: roda de carimbó do Espaço Cultural Coisas de Negro. 2007. 145 f. Monografia (Comunicação Social), Universidade Federal do Pará, Belém, 2007: 105.
221
324
disciplina prática, não deve buscar somente entender o homem em sua dimensão de espaço-tempo e, dentro dos moldes das longas durações, como demonstrado por Braudel, mas sim, buscar o homem nos diversos tempos que dele se faz e refaz. Nessa pesquisa demonstrou-se que a vivencia dos moradores de Icoaraci e sua relação com as danças dos grupos folclóricos, dizem respeito, em alguns casos, a processos que vão além das vicissitudes cotidianas, referemse aos lugares de memória, aos lugares de representações e transformações, de manutenção da tradição ou de tradução desses processos. Descrever esta realidade seria quase impossível, se não fosse a busca de uma história cada vez mais contemporânea, que criou instrumentos metodológicos capazes de compreender esses processos sociais. O caminho aqui percorrido ainda é pequeno, os trabalhos em história que se enveredam por está seara descobriram que as fronteiras existentes entre dança e sociedade são muito tênues, e que em alguns casos são inexistentes, dança não é sinônimo de arte, estática por excelência, mais de um processo de criação de uma identidade social mutável as pressões sociais, dessa forma, uma prática que conjuga sobre si uma análise mais detalhada. As evidências aqui estabelecidas consubstanciam que a dança possui afinidades com os seus contemporâneos, ou seja, com seu tempo, com a sua produção; dessa forma o lugar de onde fala, produz uma complexa teia de relação entre homem-dança-sociedade, esta aproximação é ritualizada na dança, este processo, por sua vez, descreve uma realidade sócio-cultural. Eis que surge o campo para análise em História, eis que surge uma problemática, deve-se, a partir disso, discutir outras possibilidades de interpretação dos espaços sociais através da dança, afinal, os corpos falam.
REFERÊNCIAS AMPHILO, Maria Isabel. A Gênese da Folkcomunicação. 2012. (Apresentação de Trabalho/Congresso). BESSA, Luciane; PENA, Rui Costa. Resistência cultural e identidade na globalização Estudo de caso: roda de carimbó do Espaço Cultural Coisas de Negro. 2007. 145 f. Monografia (Comunicação Social), Universidade Federal do Pará, Belém, 2007. BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução de Sérgio Goes dePaula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. BURGUIERE, André. L'anthropologie historique et l'école des annales. In : Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques [En ligne], 22 | 1999, Disponível em < http://ccrh.revues.org/2362 >. Acessado em 13 Ago. De 2012. CAMARGO, Giselle Guilhon Antunes. Antropologia da Dança: ensaio bibliográfico. In: XAVIER, Jussara; MEYER, Sandra; TORRES, Vera. (Orgs.) Coleção Dança Cênica. Joinville: Letradágua, 2008, p. 13-23. DELLA MONICA, Laura. Turismo e folclore: um binômio a ser cultuado. 2. ed. SP: Global, 2001. (Coleção Global Universitária). GONÇALVES-FERREIRA, Gleison; D‘AQUINO, Gilma I. R. A memória „fala‟ no corpo que dança: os grupos Folclóricos em Icoaraci – Pa (1990-2012). 2012, 65f. Monografia (Licenciatura em História), Faculdade Integrada Brasil Amazônia, 2012. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. JASTES, É. R. M. Dinâmica Cultural nas Danças Tradicionais Amazônicas. Ensaio Geral, v. 1, p. 58-63, 2009: 59.
325
KAEPPLER, Adrienne. Dança e o conceito de estilo. Tradução livre CAMARGO Giselle G. A.; do original Dance and the concept of style. In: Yearbook for Traditional Music, Vol. 33, 2001, p. 49-63. SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2003. SCHMITT, Jean-Claude. Anthropologie historique. In : Bulletin du centre d‘études médiévales d‘Auxerre ; BUCEMA [En ligne], Hors série n° 2 | 2008. SCHWARCZ, Lilia. História e a antropologia: embate em região de fronteira. In: SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz; GOMES, Nilma Lino, (Org.). Antropologia e história: relações de fronteira. Antropologia e história: relações de fronteira. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. P. p 11-31.
326
ANILZINHO: símbolo de resistência e luta (1979-1991)! Adriane dos Prazeres SILVA (FIBRA) A luta pela terra travada no norte do país é marcada por inúmeros episódios de violência em que muitos dos casos sequer chegam ao conhecimento da população e muito menos entram nas páginas da história oficial. Em Anilzinho, a luta pela posse da terra poderia ser uma dessas histórias, mas não o foi, no entanto existiram inúmeros episódios na região prelatícia de Cametá, onde houve conflitos pela posse de terra que pouco ou não foram estudados. O material compilado em Jornais, informativos, atas, relatórios, documentos, oficiais e fontes orais entre outras nos levou a descobrir inúmeras sujeitos sociais que atuaram como agentes participativos de seu tempo e que muito lutaram para defender um dos poucos bens materiais que lhe restavam, a terra. Escrever a respeito da lei Anilzinho (Comunidade localizada em Baião, uma das 12 paróquias que compõem a prelazia de Cametá) é refletir um pouco sobre a força organizativa que os pequenos agricultores da região da Cúria de Cametá, nordeste do Estado do Pará tiveram. Foi possível perceber o meio pelo qual esta lei não oficial influenciou em vários movimentos sociais de cidades, como Moju, que não pertencia a Prelazia de Cametá. Palavras chave: Resistencia, Anilzinho, Prelazia de Cametá, Luta pela terra. A luta pela terra travada no norte do país é marcada por inúmeros episódios de violência em que muitos dos casos sequer chegam ao conhecimento da população e muito menos entram nas páginas da história oficial 222. Em Anilzinho, localidade do município de Baião, a luta pela posse da terra poderia ser uma dessas histórias que não entram nas páginas oficiais, mas não o foi, no entanto existiram inúmeros episódios na região prelatícia de Cametá (Baião, Cametá, Oeiras do Pará, Limoeiro do Ajurú, Igarapé-Miri, Tucuruí, Mocajuba, Novo repartimento, Pacajá) no nordeste do Estado do Pará, onde houve conflitos pela posse de terra que pouco ou não foram estudados, todavia, alguns serão tratados nesse artigo. O material compilado em Jornais, informativos, atas, relatórios, documentos, oficiais e fontes orais entre outras, nos levou a descobrir inúmeras sujeitos sociais que atuaram como agentes participativos de seu tempo no qual muitos lutaram, para defender um dos poucos bens materiais que lhe restavam, a terra. Escrever a respeito da lei Anilzinho é refletir um pouco sobre a força organizativa que os pequenos agricultores da região da Cúria de Cametá, nordeste do estado do Pará tiveram, também foi possível perceber o meio pelo qual esta lei não oficial, influenciou em várias cidades que não pertenciam às cidades que compunham a Prelazia de Cametá223. Diante da documentação, como o relatório do encontro Anilzinho de 1987, onde o Pe. Jacobus Cornelis (Pe. Tiago), relatava que no ano de 1979, na região do Anilzinho, município de Baião, a terra que era rica em castanhais, devolutas ,era alvo de disputas, havia muita gente com interesse de ficar com elas, existia uma família de Baião que queria arrendar aquele chão para explorar a castanha, então os moradores do Anilzinho viajaram para Belém, com a finalidade de pedir ao governador que os castanhais ficassem para o povo de Baião. Assim sendo o governo baixou um decreto que saiu no diário oficial, reservando esta região para o povo do Município224. A abertura da estrada Trans-Cametá trouxe grileiros do sul do país, com interesse de se apropriar desta região, lá existiam algumas pequenas propriedades à beira do rio Anilzinho e Ipaú, existiam também alguns estabelecimentos de comércio para a compra de castanha, as terras, eram devolutas e as maiores partes estavam dentro do decreto emitido pelo governo. Apareceu um homem chamado Tião, querendo ocupar toda área, e não conseguiu porque o povo começou a resistir, então vendeu a área para um fazendeiro do sul, que deixou como capataz o Gustavo, que foi pedir a juíza de Baião, ordem de despejo contra os posseiros que estavam na área, não conseguindo, pediu apoio à juíza de Tucuruí, que mandou dois caminhões e dois Jeeps com soldados, armados de fuzis metralhadores que começaram a caçar os homens que estavam trabalhando e através de ameaças colocaram 222 223 224
SACRAMENTO, Elias Diniz op cit. Relatório do VI Encontro Anilzinho ocorrido de 15-19/10/1987 Comunidade Cristão Mupi-Cametá-Pará. Relatório do VI Encontro Anilzinho ocorrido de 15-19/10/1987 Comunidade Cristão Mupi-Cametá-Pará.
327
todos nos caminhões e levaram para Tucuruí. Soltaram todos na rua, alguns comeram até casca de bananas. Derrubaram as casas, destruíram as plantações, as mulheres fugiram das suas casas, atravessaram igarapés á noite, uma estava de parto e adoeceu225. Um cametaense, Sr. Dalico que tinha uma venda na beira da estrada, teve sua casa derrubada por duas vezes, e as plantações dos agricultores foram destruídas. Os posseiros procuraram Pe. Tiago para resolver o problema. Foram orientados para que organizassem o local para uma reunião; construíssem um barracão que comportasse umas duzentas pessoas para poder se discutir os problemas 226. Ao se encontrar com Alacid Nunes, Governador do Estado do Pará naquela época, em um almoço na casa das irmãs em Belém, Pe. Tiago recusou à ajuda do mesmo, uma vez que enquanto o governo de Alacid concordasse com as opressões feitas aos posseiros não se aceitaria nenhuma ajuda dele 227. Numa entrevista com em julho de 2009, Pe. Zenildo Gonçalves Rodrigues, que nos apresentou na integra uma carta aberta dos primeiros posicionamentos da Igreja da Prelazia de Cametá naquele momento histórico, no qual foi possível perceber o apoio prestado aos moradores de Anilzinho, a carta escrita pelo administrador apostólico Pe. Henricus Johannes Riemslag (Pe. Henrique) tinha a mensagem destinada aos amigos lavradores das comunidades cristãs da Prelazia de Cametá, era seguindo de tristeza e ansiedade a história de violência e maus tratos contra os lavradores da Prelazia, se protestava contra todas as injustiças, especialmente porque quando o posseiro expulso de sua terra não recebia indenização ou outra terra onde poderia recomeçar sua vida se destinava a marginalização228. A Igreja estava dando total apoio aos trabalhadores e permanecia levando a voz contra essas injustiças sendo que não poderia ficar calada quando o próximo sofria e não assistia quem o defende-se, foi contra essa falta de direito do homem de respeito à dignidade humana, que a Igreja apoiava a união dos fracos, sendo que nas horas de lutas era demonstrando a força dos pequenos. O administrador apostólico da Prelazia de Cametá
Pe. Henrique apoiava totalmente a criação da lei
Anilzinho. Na ocasião do encontro o administrador relatou que acompanhava todos os colonos a reivindicarem os seus direitos de indenização, a luta por suas propriedades, o movimento pela oposição sindical. O sindicato dos trabalhadores rurais de Baião e os lavradores, e aos movimentos em primeiro de maio e dia 25 de julho, todos esses posicionamentos foram afirmados em carta aberta as autoridades e ao povo 229. A lei Anilzinho foi criada com a intensa participação da Igreja Progressista, como podem ser analisados nos documentos, os motivos da criação da lei foram variados, porém podemos citar talvez o que poderia ser o fator decisivo, era dura e crítica a situação criada pela hidrelétrica de Tucuruí, mas no encontro de lavradores, nas romarias pela terra a posição da Prelazia junto com os trabalhadores rurais foi criar uma lei que viesse atender os mesmos, por tudo o que havia acontecido na comunidade de Anilzinho, os posseiros deveriam se organizar, portanto naquele município de Baião, ajudados pelas graças de Deus, pelo desenvolvimento dos mais fracos e por trabalhar pela união e pelo amor superando o egoísmo e começando a viver a exigência de uma vida cristã, os trabalhadores junto com todas as prerrogativas Cristãs declararam a lei Anilzinho, na Prelazia de Cametá, a lei que defendia a terra, terra de Deus, terra de irmãos230.
225
Ibidem. RODRIGUES, Zenildo Gonçalves. Pe. Da Prelazia de Cametá, Membro das comunidades exerceu da época meados de 1980. Entrevista realizada 18/03/2010. 227 Carta aberta a população da Prelazia de Cametá redigida pelo Pe. Henricus Riemslag, em 1980. 228 Carta aberta a população da Prelazia de Cametá redigida pelo Pe. Henricus Riemslag,, em 1980. 229 Ibidem. 230 Ibidem. 226
328
Assim se realizou o primeiro encontro Anilzinho, os participantes enfrentaram dificuldades financeiras, mas saiu o encontro, o povo ajudou se pescou- uns 30 Kg de peixes, todos de boa qualidade e como conclusão do encontro foi formulada a lei Anilzinho, alei dos posseiros 231. A partir deste primeiro encontro houve 10 encontros, cuja principal finalidade era aglutinar os trabalhadores rurais em prol de uma organização, ao fazer esta opção pelos pobres à Igreja continuaria com seus fiéis. O primeiro encontro foi em 1980 e o segundo em 1981 ambos foi em Baião com o tema ―terra para quem nela trabalha‖, o terceiro Foi na C.C Nova América 1982, o quarto em 1983 também na CC Nova América, o quinto ocorreu na CC de Livramento 1985, o sexto foi na CC de Aranquembaua 1986, o sétimo foi na CC de Mupi 1987, o oitavo em Pacajá transamazônica 1988, o nono foi em Limoeiro do Ajuru 1990, e o décimo e último em Tuerê- Pacajá 1991232. A seguir temos a lei Anilzinho I e II e suas respectivas análises. A lei Anilzinho e a lei dos Posseiros foram criadas em 10 e 11 de julho de 1980, por um grupo de camponeses do baixo Tocantins (Baião, Tucuruí, Marabá, Mocajuba, Cametá e Oeiras do Pará) que se reuniram na comunidade de Baião, em Anilzinho num encontro que teve como tema: ―Terra para quem trabalha nela‖. Após estes trabalhadores terem a realidade em que se encontravam grilagem mansa e violenta formas de opressão que eram cometidas, pelas autoridades que os deixava em completo abandono. Para dar um basta nessa situação de descaso, os lavradores elaboraram a lei dos posseiros composta de 12 itens que iria do fato de resistir, lutar pela reforma agrária radical e imediata233. A primeira Lei Anilzinho é composta das seguintes premissas: 1 – Resistir na Terra; 2- A terra é da comunidade; 3- A terra é para trabalhar nela: quem vende sai da área; 4- Fazer demarcação nas áreas: não esperar pelo topógrafo: nem esperar pelo governo; 5- Defender a terra com armas se for preciso, machado, terçado, espingarda, etc.; 6- Comunicar e denunciar as arbitrariedades às comunidades vizinhas, sindicatos, entidades de apoio a imprensa, que haja solidariedade mútua; 7- Fazer oposição sindical e política. Que o sindicato seja dos trabalhadores. Trocar de delegado sindical pelego. Criar delegacia sindical mesmo com dez trabalhadores. Exigir do sindicato a ação em defesa da classe; 8- Onde tiver delegacia e comunidade, criar comissão da terra; 9- Construir casa comunitária ou capela e exigir postos médicos, escola, para dar mais segurança na terra; 10 – Organizar comunidades com homens, mulheres e jovens, através de mutirão e trabalho coletivo; 11- Criar um fundo de manutenção dos encontros; 12 Lutar pela reforma agrária radical e imediata 234. A lei Anilzinho foi reformulada, sendo chamada de lei Anilzinho II, os camponeses do baixo Tocantins reuniram-se novamente em Baião nos dias 6,7 e 8 de Novembro de 1981 na comunidade de Anilzinho em encontro sobre ―a questão da posse da terra‖, após terem feito um levantamento da situação em que as comunidades se encontravam, foi feita uma reavaliação e estudo sobre a organização fundiária, sindical e política. Para poder dar conta desta análise, resolveram reformular a lei que passou a ter sete resoluções e não mais 12, contudo os subitens de cada parágrafo a tornava mais extensa 235. No período da reformulação da lei Anilzinho, foi apresentado problemas a respeito da Terra, da política de créditos agrícolas dos bancos e das condições de vida do homem do campo. Os problemas da Terra se desenrolavam de duas formas, de forma mansa e depois tornavam-se violenta, existia a ameaça de implantação dos projetos como Pro-álcool, Pró- Varzéa, plantações de Seringa, Madeiras e a invasão de empresas agropecuárias, o
231
Relatórios dos encontros Anilzinho ocorrido em 1980, 1981, 1982, 1983, 1984, 1986, 1987, 1988, 1990, 1991 na Prelazia de Cametá. Relatório do I Encontro Anilzinho, Lei, ocorrido em Baião na Comunidade de Anilzinho, em 10 e 11 de julho. 233 Documento da lei Anilzinho I de 1980. 234 Ibidem. 235 Documento da lei Anilzinho II de 1981. 232
329
que gerava insegurança e risco de desapropriação dos posseiros tanto para os moradores da terra firme, quanto das ilhas236. A política de créditos agrícolas dos bancos destinados a lavoura não beneficiava aos pequenos agricultores condições, na verdade gerava um crescente endividamento do pequeno agricultor que por último perdia suas terras, revelando mais um lado pernicioso do governo federal da época e o lucro que os bancos possuíam com isso, sendo na realidade uma forma disfarçada de grilagem237. As péssimas condições de vida do campo motivada pela falta de assistência técnica, médica, odontológica e educacional somada à desvalorização dos produtos agrícolas, que foi agravado pelo comércio intermediário, levando muita gente a deixar a terra para se empregar, ou vende-la por um preço baixo. Os trabalhadores acreditavam que era uma forma de afastar o homem da terra, para servir de mão de obra barata. Diante dessa situação, os trabalhadores reunidos na comunidade de Baião acrescentaram que os problemas seriam resolvidos, pelas suas próprias forças, através da união, em prol de melhores condições de vida. A intenção dos participantes era lutar por uma sociedade mais justa, onde todos fossem iguais, por uma reforma agrária radical e imediata e que estivesse sobre o controle dos trabalhadores, pela criação da central única dos trabalhadores formado, a partir da base e por um governo constituído pelos trabalhadores238. Torna-se evidente a influência da Teologia da Libertação na lei Anilzinho, ao pedir a união dos pequenos trabalhadores do campo que eram pertencentes a comunidades cristãs, para se organizarem em torno da defesa do seu bem material mais precioso, a terra, está organização passava por alguns pontos como, a defesa de uma reforma agrária radical, a união e tomada dos sindicatos para diretorias que representassem de fato os trabalhadores. Ao lutar em favor dos pequenos agricultores, a Igreja progressista foi de encontro aos grandes projetos, como a construção sem planejamento que beneficiasse as pessoas que iriam ser atingida pela barragem de Tucuruí, ou quando, fez campanhas contra os empréstimos bancários que endividavam o agricultor, resultando na perda de sua propriedade239. Os encontros Anilzinho que se seguiram após a ―promulgação‖ da lei tiveram um papel importantíssimo na denúncia dos conflitos de terra, na organização de cantinas, na tomada dos sindicatos, nos projetos agrícolas e na campanha contra as conseqüências negativa que a barragem de Tucuruí poderia gerar, se torna difícil não reconhecer a importância dos encontros Anilzinho na resistência de uma parcela da população tocantina que participava da Igreja Progressista, lembrando que esta promoveu todos os encontros desde a infra-estrutura aos mínimos detalhes, como a escolha de conteúdos com elementos Marxistas para a formação dos agricultores, fornecendo subsídios para um melhor entendimento da conjuntura da década de 1980, com a finalidade de esse povo entender mais perfeitamente seu papel histórico, os palestrantes também possuíam um acabaçou de formação voltado para as temáticas, distribuição de renda, reforma agrária, Conjuntura entre outro e na maioria das vezes eram sindicalistas ou ligados a algum movimento social 240. No jornal de fevereiro de 1983 é evidenciado o fato que muitas vezes foram debatidos assuntos diretamente ligados ao problema de Tucuruí e também sobre o problema de terra como foi detectado no Anilzinho, Belos Prazeres, Nova América, Carapina e no rio Jacundá, onde foram resolvidos com a união das comunidades 241. As campanhas contra a Hidrelétrica alertavam as cidades de Cametá, Igarapé- Miri, Mocajuba, Abaetetuba e outras cidades do baixo Tocantins de que as construções estavam a todo vapor, porém ninguém sabia das
236
Documento da lei Anilzinho II de 1981. Ibidem. Ibidem. 239 Relatório da Reformulação da Lei Anilzinho, ocorrido em Baião na Comunidade de Anilzinho, em 6 a 8 de novembro de 1981. 240 Relatório do Problema de Terra em Carapina, primeira reunião março de 1982. 241 Relatório do IV Encontro Anilzinho IV Comunidade Cristã Nova América de 20-24 de outubro de 1983. 237 238
330
conseqüências que iriam causar para os que estavam abaixo da barragem. Existiam algumas previsões elaboradas por alguns membros da Prelazia do que poderia ocorrer, mas como a afirmação diz eram apenas previsões 242: Desmatamento rigoroso da área a ser inunda com perigosíssimo veneno agente Laranja (dioxina) que poderia provocar a morte das plantas, peixes, camarão e além do mais quem tomava à água do rio não tinha a certeza se o veneno havia sido utilizado ou não, mas a grande ameaça estava justamente para as pessoas que viviam nas ilhas, os informes buscavam sempre colocar exemplos próximos da realidade da população para maximizar as preocupações com o projeto da barragem243. No verão entre setembro e outubro de 1984 iriam fechar a barragem, o que poderia levar o rio Tocantins ficar dois meses sem a água que vinha de cima, o medo era até onde água poderia invadir a probabilidade que água salgada chegasse até Baião, à pergunta era se os peixes, açaizeiros iriam resistir, contudo essa previsão não ocorreu por completo, segundo a entrevista com o senhor Bernardo Krommendijk á água secou em algumas partes do Tocantins como em Ituquara região localizada nas mediações entre Tucuruí e Baião, mas não houve a invasão da água salgada. No entanto os escândalos não se limitaram as questões menos imediatistas como as conseqüências ambientais, a problemática da barragem afetou questões bem relevantes naquele período (não que a questão ambiental não seja relevante, mas naquele momento ela não era tão bem assistida como nesse princípio de século XXI) a situação econômica, ou melhor, dizendo o golpe promovido pela empresa CAPEMI 244. Este caso chamou a atenção por demonstrar mais um exemplo da má administração e incompetência dos governos militares. Na via contrária ao processo, por demonstrar também a capacidade mesmo que aparentemente simples e incipiente dos trabalhadores se mobilizarem, houve a reação contra as arbitrariedades e adversidades impostas pelo modelo neoliberal diretamente aplicado nas políticas destinadas ―ao progresso da Amazônia‖, isso pode ser notado com os diversos encontros Anilzinho entre eles está o V que ocorreu na CC de livramento município de Cametá em 1985. Outra temática amplamente debatida nos encontros Anilzinho foi política agrária do uso da terra firme e ilha, quais técnicas destinadas para cada terreno às vantagens desvantagens 245. Nos últimos encontros Anilzinho, iniciou se mais uma discussão interessante, na plenária foi sugerido um processo educativo quanto à preservação da natureza, pois segundo os participantes era necessário não só preservar como também reflorestar, pois muitas espécies animais que haviam sido abundantes no passado estavam sendo extintas, foi condenado à prática de extração de palmito, uma vez que este diminuiu a colheita do açaí (Euterpe oleracea), retirando o da mesa do caboclo246. A preocupação se reflete nas letras das músicas que embalavam os encontros Anilzinho como poderá ser notado nas letras do síria do açaí: O açaí está sendo arrasado, a ganância do grande destrói e o pobre serve de isca entregando o palmito isso dói. Vamos juntos a luta enfrentar o açaí que do pobre é sustento não podemos jamais entregar. Onde esta a raiz do mal que destrói a força e a vida que o pobre constrói no capitalismo, no grande dragão do sistema injusto que gera opressão247.
Apesar do sociólogo Valdomiro Sacramento, afirmar que os encontros finais de Anilzinho estavam esgotando suas temáticas, o último encontro em Tuerê demonstrou que não, pois foi um dos encontros que mais necessitou de mão de obra e preparação antecipada.
Revista das Comunidades Cristãs Número 106, Dezembro de 1982 – Prelazia de Cametá.. Ibidem. Revista das Comunidades Cristãs Número 108, Outubro de 1983. 245 Relatório do VI Encontro Anilzinho. Comunidade Cristã Araquembaua, 15 a 18 de outubro 1986. 246 Relatório do IX Encontro Anilzinho, 1990. Paróquia Limoeiro do Ajuru, 11 a 15 de outubro de 1990. 247 Cânticos, Livro Siriá do Açaí. IX Anilzinho, 1990. 242 243 244
331
Defender o meio ambiente e lutar para conseguir melhores meios de trabalhar na terra sem prejudicar a natureza foi uma temática amplamente debatida, tanto que se refletia nos versos das canções como na música ―As águas do Tocantins param‖ e ―para onde vão os nossos peixes?‖ respectivamente: As águas do Tocantins que nunca viveu parada, agora vejo dizer que elas vão ser represadas Para onde vão nossos peixes que moravam no mar. A onde está o açaí, pretinho bom do Pará? Já não tem mais pra tirar248.( Francisco Assis Contente ―Chicão‖)
Os versos das músicas refletem as angustias do povo tocantino com as devastações e desequilíbrios provenientes da hidrelétrica de Tucuruí, porém demonstra também uma produção cultural diversifica como o teatro, a música e a dança como pode ser notado nos cadernos de preparação para os encontros. No X encontro Anilzinho, ficou decidido que os encontros Anilzinho ocorreriam de dois em dois anos o próximo seria na cidade de Igarapé_Miri o que não viria acontecer 249.
CONSIDERAÇÔES FINAIS Portanto, os encontros Anilzinho, além de aglutinarem os trabalhadores fazerem a capacitação através das palestras de muitos comunitários, dava voz para as reivindicações que atendessem seus interesses, fazendo-os ecoar para fora da área de influencia da Prelazia, como podemos notar no trabalho de Santos 250, foi em parte com base na lei Anilzinho que os moradores da Vila de Arraias e do Moju se inspiraram para legitimar a luta pela terra. Assim sendo comentar os encontros finais de Anilzinho, não era cair na redundância ou no esgotamento de assunto como foi comentado pelo sociólogo Raimundo Valdomiro, mas sim ser apresentado para questões contundentes do período final da década de 1980 e começo de 1990 como a preocupação com a natureza e o meio ambiente, e também ser apresentado ao lado místico, religioso e cultural dos encontros, que não poderá ser deixado de lado. Talvez os encontros viessem a ter mais desdobramentos se não fosse pela perda de saúde de uma das principais mentes que arquitetara os encontros, Dom José Elias Chaves e, mas de fato a Igreja progressista da Prelazia de Cametá estava ―sintonizada‖ com o movimento da Teologia da Libertação e suas novas temáticas.
FONTES CONSULTADAS ENTREVISTAS UTILIZADAS KROMMENDIJK, Bernardo. Ex-engenheiro agrônomo da Prelazia de Cametá. Entrevista realizada em 19/03/2010. PINHEIRO, Edir Gonaçlves. Membro da Prelazia de Cametá, Ex-Animador de Comunidade exerceu vários cargos no período meados de 1990 a meados de 1990. Entrevista realizada em 14/03/2010. PINHEIRO, João Evangelista Gonzaga. Ex-secretário e ex-animador de comunidade da Prelazia de Cametá. Entrevista realizada em 16/03/2010. REIS, José Maria Chaves. Padre da Prelazia de Cametá e ex-animador de Comunidade. Entrevista realizada em 18/03/2010. RODRIGUES, Zenaldo Gonçalves. Pe. Da Prelazia de Cametá e membro das comunidades cristãs na época (meados de 1980). Entrevista realizada em 18/03/2010. SCHAFASCHEK, Carlos Neto. Ex-pe. Da Prelazia de Cametá, atualmente é funcionário da Prelazia. Entrevista realizada em 19/03/2010.
248
Cânticos Livro do X Encontro Anilzinho. Ibidem. 250 SANTOS, Edileuza dos. Vila Arraias: espaço de sobrevivência, morte e núcleo na luta pela terra na PA-150 (1970-1985). Belém, 2007, Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) IFCH/UFPA, 2007. 249
332
FONTES DOCUMENTAIS
A referência se faz a correspondência política oficial entre o então Deputado Gerson Peres e Dom José Elias Chaves, Dezembro de 1984. A referência se faz às várias correspondências políticas e atos de reuniões analisados nos arquivos da Prelazia Análises de Jornais (informativos) da Prelazia de Cametá do Ano de 1979 número, 04, 05 e 06. Ano de 1980 Número 01, 03, 04, 07 e 08, ano de 1981 número 01 (março) 02 (abril), 03 (maio), 04 (agosto), 05 (outubro) e 06 (novembro de dezembro). Análises de Jornais (informativos) da Prelazia de Cametá do Ano de 1979 número, 04, 05 e 06. Ano de 1980 Número 01, 03, 04, 07 e 08, ano de 1981 número 01 (março) 02 (abril), 03 (maio), 04 (agosto), 05 (outubro) e 06 (novembro de dezembro). Boletins da CC‘S 1981 número 01 de Março e número 02 de abril. Boletins de Novembro, 06 de dezembro 1989. Cânticos Livro do X Encontro Anilzinho. Cânticos, Livro Siriá do Açaí. IX Anilzinho, 1990. Carta aberta a população da Prelazia de Cametá redigida pelo Pe. Henricus Rugians, em 1980. Carta enviada ao presidente do Iterpa pelos trabalhadores em 1982. Cf. Correspondência política entre Dom José Elias Chaves e o então senador Jarbas Passarinho, o documento trata-se de uma Carta reivindicatória resultado de uma Assembléia destinada ao senador, assinado pelo reverendíssimo, o senador responde num manuscrito no canto direito (Carta enviada 09-01-88 e respondida em 08-02-88). Correspondências políticas entre o então Deputado Gerson Peres e Dom José Elias Chaves, Dezembro de 1988. Documentação da Lei Anilzinho I de 10 e 11 julho de 1980 e a Lei Anilzinho II 6 a 8 de novembro de 1981. Documentos de Puebla. São Paulo: Paulus, 2004. Documentos Medellin, 1968. São Paulo: Paulus, 2004; Puebla, 1979. Aldeia de 24 a 27 de setembro 1981. Relatório do Encontro dos animadores 2 a 25 de maio de 1980. Relatório do Encontro dos animadores 2 a 25 de maio de 1980. Relatório do Encontro entre padres e animadores das comunidades em aldeia de 05 a 09 de novembro de 1978, principal tema do encontro foi a formação para a tomada dos sindicatos, este foi o início dessa formação sindical. Relatório do Encontro ocorrido entre 11 a 14 de setembro de 1979, entre os bispos do Amapá e Pará, pesquisado nos arquivos da Cúria de Cametá. Relatório do I Encontro Anilzinho, Lei, ocorrido em Baião na Comunidade de Anilzinho, em 10 e 11 de julho. Relatório do II Encontro Anilzinho ocorrido em Baião, nos dias 6 a 8 de novembro de 1981, reunindo os trabalhadores rurais do Baixo Tocantins, representado 63 comunidades, de 7 municípios (Cametá, Baião, Oeiras do Pará, Igarapé-Miri, Tucuruí e Limoeiro do Ajurú). Relatório do III Encontro Anilzinho Comunidade Cristão de Nova América, 28 a 31 de outubro de 1982. Informativo número 4 de 1979, julho, Prelazia de Cametá.
REFERÊNCIAS BETTO, Frei. Batismo de sangue: A luta clandestina contra a ditadura militar- Dossiês Carlos Mariguela e Frei Tito- 12° Ed. Ver. E ampl. São Paulo: Casa amarela, 2001. BOFF, Leonardo. A trindade, Sociedade e Libertação. Petrópolis: Ed. Vozes, 1986. CHARBONNEAU, Paul-Eugéne. Da Teologia ao Homem: Ensaio sobre a Teologia da Libertação- São Paulo: Ed. Loiola, 1985. CIAMBRANELLA, Alessandra. ―Do cristianismo ao maoísmo: a história da ação popular‖. In: FERREIRA, Jorge. REIS FILHO, Daniel Arão (orgs). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2000. COIMBRA,Oswaldo; A Denúncia de Freio Betto Contra o Arcebispo do Pará,em 1964: Dom Alberto Ramos Mandou prender seus padres: Belém: Paka-Tatu, 2003. CONSELHO Episcopal Latino-americano documentos da Igreja, documentos do Celam CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Rio – Medellín – Puebla – Santo Domingos. São Paulo: Paulus, 2004.
333
EMMI, Marília Ferreira: A oligarquia do Tocantins e o domínio dos Castanhais. Belém: Centro de Filosofia e Ciências Humanas, NAEA / UFPA, 1987. FAVACHO, José Coutinho. O Catolicismo Amazônico e as CEB‟s diante das transformações sociais em ocorrência na região: Estudo sobre a pastoral daprelazia de Cametá, à luz da teologia da Libertação São Paulo, 1984, Dissertação (Mestrado) PUC/Rio de Janeiro, 1984. FRENCKEN, Geraldo. Em Missão: Padres da Congregação da Missão (Lazaristas), no Nordeste e Norte do Brasil. Fortaleza: Edições UFC,2010. GRYNSPAN, Mário. DEZEMONE, Marcus. ―As esquerdas e a descoberta do campo brasileiro: ligas camponesas, comunistas e Católicas‖. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Arão (Orgs.). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2007. GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber no próprio poço, itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1984. HOBSBAWM, Eric: Era dos Extremos; O breve século XXI. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HOLZMANN, & SERRA: 1968: Contestação e Utopia, Lorena Holzmann e Henrique Serra, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2003. LOWY, Michael. ―Cristianismo da libertação e marxismo: de 1960 a nossos dias‖. In: RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). História do Marxismo no Brasil: partidos e movimentos após os anos de 1960. Campinas: Ed. UNICAMP, 2007. LUIS, Juan. Libertação da teologia segundo. Trad. Breno Brod. São Paulo: Ed. Loyola, 1978. MARTINEZ, Paulo Henrique. ―O partido dos trabalhadores e a conquista do Estado: 1980-2005‖. In: RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). História do Marxismo no Brasil: partidos e movimentos após os anos de 1960. Campinas: Ed. UNICAMP, VOL. 6, 2007. MARTINS FILHO, João Roberto. ―O movimento estudantil dos anos 1960‖. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Arão (Orgs). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2007. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. ―O MDB e as esquerdas‖. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Arão (Orgs). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2007. PETIT, Pere. A esperança equilibrista; a trajetória do PT no Pará. São Paulo: Boi Tempo NAEA – UFPA, 1996. PETIT, Pere. Chão de promessas elites políticas e transformações econômicas no Estado do Pará pós 1964. Belém: Paka-Tatu, 2003. REIS FILHO, Daniel Aarão. Classe operária partidos de quadros e revolução socialista: O itinerário a política operária- Polop (1961-1966). In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Arão (Orgs). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2007. ROLLEMBERG, Denise. ―Memórias no exílio, memórias do exílio‖. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Arão (Orgs.). Nacionalismo e reformismo radical, 1945-1964. RJ: Civilização Brasileira, 2007. SACRAMENTO, Elias Diniz. A luta pela terra numa parte da Amazônia o trágico 07 de Setembro de 1984 em Moju e seus desdobramentos. Belém: Açaí, 2009. SACRAMENTO, Elias Diniz. As almas da terra: a violência no campo paraense. Belém, 2007, Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia), IFCH/UFPA, 2007. SANTOS, Edileuza dos. Vila Arraias: espaço de sobrevivência, morte e núcleo na luta pela terra na PA-150 (1970-1985). Belém, 2007, Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) IFCH/UFPA, 2007. SOUSA, Raimundo Valdomiro. Campesinato na Amazônia: Subordinação à luta pelo poder, Raimundo Valdomiro de Sousa. Belém: NAEA, 2002.
334
RELAÇÕES ENTRE AMAS DE LEITE E AS FAMÍLIAS ESCRAVISTAS: NEGRAS “MÃES PRETAS” APÓS A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM BELÉM (1888-1912)
Meg Fernandes de CARVALHO (FIBRA) O foco desta pesquisa é sobre a escravidão no Grão-Pará nos anos de 1888 a 1912 devido à quantidade de informações que existem acerca da escravidão neste período no país. O estudo sobre o tema ―RELAÇÕES ENTRE AMAS DE LEITE E AS FAMÍLIAS ESCRAVISTAS: NEGAS „MÃES PRETAS‟ NO PÓS-ABOLIÇÃO EM BELÉM DE 1888-1912‖. O tema aborda Pretende-se os últimos anos da abolição e o que ocorreu no período de pós-abolição, qual foi o espaço social destinado a essas mulheres negras no pós-abolição, o que mudou, como elas eram vistas, julgadas, tratadas pela elite do Grão-Pará. Dando ênfase na mulher negra, na literatura, no cotidiano, poema, música e nas histórias de monteiro lobato. Com isso busco o intuito de desconstrução da visão equivocada que se tinha dessas mulheres negras. Mostrando o espaço e contextualização no campo de atuação tanto social como de trabalho que era reservado a essas mulheres negras que não deixaram de lutar, conquistando o seu lugar, reproduzindo sua cultura, seus hábitos, se readaptando e deixando suas marcas não só no campo como na cidade no final do século XIX, se mesclando com os hábitos da sociedade e contribuíram pra formação de uma cultura de fundamental importância até hoje em nossas vidas. Palavras-chave: Pós-Abolição, Resistência, Cotidiano, Trabalho, Mulher. Pretende-se entender como se deu os últimos anos da abolição, o que ocorreu no período de pós-abolição no Grão-Pará, ressaltando a mulher negra na literatura e em seu cotidiano assim como nas histórias de Monteiro Lobato. O referido trabalho encontra-se dividido em três sessões: a primeira vem tratar do processo abolicionista no Brasil; a segunda, as mulheres negras no pós-abolição e nos jornais em Belém; a terceira, dando continuidade ―mãe preta‖ e ―Anastácia‖ mulher negra na história e literatura. A temática abordada revela a importância das mulheres negras e pobres no final do século XIX para a sociedade do Grão-Pará, desconstruindo a visão que se tinha da negra enquanto objeto, procura-se mostrar, também, situação de pobreza, exclusão e resistência nas quais as negras mesmo com todas essas dificuldades elas não deixaram de lutar, conquistando o seu lugar, reproduzindo sua cultura, seus hábitos, se readaptando e deixando suas marcas não só no campo como na cidade. É justamente isso que vai ser refletido no final do século XIX, se mesclando com os hábitos da sociedade e contribuindo para formação de uma cultura que permanece. Objetivo desse trabalho é dar à contribuição referente ao estudo dessas mulheres que foram arrancadas de sua terra para serem escravizadas aqui no Brasil, mostrando seu espaço de luta e o que mudou no pós-abolição, procurando destacar o processo que gerou liberdade dessas mulheres negras e como elas vão passar a ser vistas na sociedade quando se tornam livres, procurando enaltecer essas questões que muitas vezes ficam pendentes ou vagas quando se fala do período abolicionista desses africanos escravizados e a sua inserção na sociedade no período pósabolição. Por meio dessa análise buscamos destacar uma visão além do trabalho dessas amas de leite e suas relações com seus senhores, filhos de seus senhores e até mesmo com a própria sociedade na pós-abolição, mostrando a contribuição das mulheres negras para a sociedade do Grão-Pará. Câmara (2009) vem ressaltar que havia laços positivos nas relações entre mulheres negras e homens brancos, que eram exatamente a de mães pretas para os filhos de seus senhores, os quais criaram e amamentaram os filhos de seus senhores, tornando essa espécie de trabalho passado de forma hierárquica. Só que com o pós-abolição surge relatos que acabavam denegrindo o trabalho dessas amas de leite, que foram de suma importância para essa sociedade tanto no período escravista como no período de pós-abolição. Desta forma a mulher negra neste artigo vai ser representada através da própria literatura em seu cotidiano. Revelando as várias maneiras ais quais vão retratar a mulher em seu cotidiano em Belém: seja por sua sensualidade, seus desejos, por pecado que embelezavam as ruas das cidades com suas cores, cheiros, gostos que alimentavam a
335
imaginação de muitos senhores e outras vezes despeito, raiva, ódio de suas senhoras estas que muitas vezes cometiam agressões a estas negras para se vingarem dos desejos reprimidos aos quais elas representavam dentro de seus lares, como veremos as seguir. A literatura de Téofilo (1975) mostra que Jorge Amado apresenta a mulher negra desejada, apalpada, cobiçada e olhada. Como também a literatura de Monteiro Lobato, onde a mulher negra vai ser representada pela figura da tia Anastácia, esta, por sua vez, representava a figura de mulher negra, velha, beiços grandes, solteirona, pouca instrução, cozinheira de mão cheia que perfumava o sitio da vovó Benta com seus quitutes e encantava os netos da vovó branca com suas historias maravilhosas. Tratada com preconceito pela imprensa brasileira que não poupava meios para fazer descriminação com as mulheres negras, vítimas do sistema escravocrata. Este trabalho procurou situar a realidade da mulher negra relações entre amas de leite e as famílias escravistas: negas, mães pretas no pós abolição em Belém de 1888-1912‖. Focando na melhoria de vida e de trabalho, onde é notório que as mudanças em relação à população negra feminina não foram tão grandes durante esse período, tiveram que se readaptar em muitos setores da vida social, reconstruindo sua cultura, buscando o seu espaço na sociedade paraense. Contudo fica claro que os ―inúmeros sofrimentos, angústia de uma vida inteira de lembranças que nunca vão ser apagadas, por completo e talvez passem de geração em geração para os que foram vítimas do tráfico transatlântico‖, também irei ressaltar o debate sobre A ama de leite e as relações de gênero no que diz respeito ao mercado de trabalho no pós-abolição em Belém. Procurando assim desconstruindo essa visão que se tem que o escravo era apenas um instrumento de trabalho, uma maquina passível de qualquer educação moral, intelectual e muito menos religiosa, devido essa visão se negava a eles esses direitos, pois eram vistos como coisas, objetos, eram comparado com coisas irracionais onde se tinha a sua denominação como pessoas moldadas a ferro ou castigos, esses cativos tinham perdido para a sociedade toda a consciência de humanidade, vem daí a luta eterna entre senhores, escravos e sociedade. (Câmara 2009) Os escravos continuavam a se manifestar e a se rebelar contra o processo que aos poucos foi trazendo para o Brasil um significado de libertação da mão de obra escravocrata, passando a esclarecer a situação desses homens, mulheres e crianças africanas escravizadas. A partir de então, os senhores de escravos passam a iniciar a convivência com a luta a favor da abolição desses cativos. O abolicionismo vai se espalhando, fundindo perante a elite e progressivamente vamos ter um aumento do número das alforrias, graças ao resultado indiscutível do abolicionismo. Em pouco tempo se espalha e reúne opiniões públicas, mostrando grandes interesses na libertação dos cativos, com isso percebemos aos poucos que a alforria na forma de doação se torna uma esperança, aparentemente todos os negros escravizados poderiam tê-la, no entanto ela ainda era a sorte de poucos, já que a realidade era muitos morrerem no cativeiro em senzalas apodrecendo (NABUCO, 2010). Os fazendeiros resistiam fortemente à abolição, para eles significava perda de capital, no entanto era notório que o clima estava insustentável, alguns fazendeiros até achavam que só com a abolição da escravatura poderiam acabar com esse clima de revoltas, fugas, pondo fim de uma vez na desorganização. Diante dessa realidade muitos fazendeiros concediam a seus escravos uma espécie de liberdade condicional, assim conseguiam que suas colheitas não ficassem perdidas, desta forma era feito os acordos entre escravos e seus donos (FONSECA, 2006). Apesar de toda a influência que tentava retardar o processo de libertação dos cativos, a escravidão já se encontrava como um processo falido, que devia ser superado pelos senhores de escravos. Estes pro sua vez não
336
tinham mais saída teriam que abrir mão de seus interesses materiais para que não fossem impactados pelas conquistas dos abolicionistas. Segundo Azevedo (1987), os abolicionistas e os emancipacionistas se distinguiram em sua essência. Os emancipacionistas quererem o fim do cativeiro e a liberdade para o ventre escravo; os abolicionistas não se contentam apenas com isso, procurando dar o fim a escravidão, tentando convencer os senhores, mesmo que tivessem que adotar medidas emancipatórias, como a liberdade gradual com prestações de serviços por parte dos escravos a seus ex-donos. Preocupavam-se com o futuro desses escravizados e acreditavam que a abolição já estava próxima. Outra preocupação era o medo da elite em relação aos cativos, já que uma das heranças da escravidão foi o ódio entre brancos e negros. Os abolicionistas pregavam que a melhor forma para remover essa questão era a abolição, tornando o escravo trabalhador livre. Sem a emancipação dos atuais cativos nunca o Brasil firmara sua independência nacional e segurará defenderá a sua liberal constituição. Sem liberdade individual não se pode haver civilização, nem solida riqueza; não pode haver moralidade e justiça, e sem estas filhas do céu não há e nem pode haver brio, força e poder entre as Nações (NABUCO, 2010, p. 71).
Na citação acima, pode ser analisado, segundo a fala de Nabuco (2010), que a independência não é uma promessa formal e obrigatória feita aos escravos e sim uma promessa de afinidade nacional, cumplicidade revolucionária de todos que lutavam por uma mesma causa, almejavam o Brasil como uma pátria revolucionária e independente. Queremos tão somente saber se a causa do escravo está ganha, ou pelo menos tão segura quanto a decisão final, que possa correr á revelia; se podemos cruzar os braços, com a certeza de ver esse milhão e meio de entes humanos emergir pouco a pouco do cativeiro e tomar lugar do nosso lado (NABUCO, 2010, p. 58).
Todos sabemos que mesmo com o fim da abolição em 1888 o quadro não mudou, anos e anos se passaram e os espaços urbanos ainda estão destinados a essas mulheres, vendedoras ambulantes, domésticas, enfeitam e perfumam as ruas da nossa cidade com seus cheiros e cores, como sempre fizeram. Pois esse era o espaço de trabalho que era destinada a essas mulheres negras na pós-Abolição, buscando fatores decisivos que mostre o que mudou na rotina cotidiana desta mulher, que por séculos serviu seus senhores e filhos de seus senhores. Como mostraram anteriormente na monografia: precisa-se de uma escrava que sirva para ama de leite: a importância das mulheres ‗negras‘ e pobres para sociedade paraense no período de 1880 á 1888. Pretendo neste novo trabalho dar continuidade a essa linha de pesquisa, fazendo sempre um contraponto, para mostrar que a realidade destes africanos em seu cotidiano, como ela era vista nos primeiros anos do período abolicionista. Sendo assim, percebemos que pleno século XIX no Brasil, mesmo depois da instituição de leis que favoreciam os escravos, as regras da sociedade escravocrata não havia grandes mudanças, já que ainda obedeciam as normas de uma elite, que era representada pelos próprios senhores de escravos. ―O processo pelo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade nosso povo durou todo um período de crescimento, e enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar á liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos‖ (Nabuco, 2010, p.38)
O processo de abolição desses homens e mulheres negras que mesmo com o fim da escravidão em 13 de maio de 1888 com a efetivação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel no final do século XIX, notasse que essa visão e conciencia de de abolicionismo não vai se estender a todos, mas que no entanto irar mudar algumas
337
relaçoes entre os diretos dos homens e mulheres. Pois do que adianta ser livres sem poder exercer e ser reconhecido o direito da liberdade ficando renegado a um espaço de exclusão social. O livro escravidão nunca mais Câmara (2009) vem relatar a luta do período escravista para que fosse aderida a abolição, mostrando as desigualdades de oportunidades que os africanos escravizados vão enfrentar no período pós-abolição, as conquistas da liberdade e o papel no qual esses africanos vão representar para essa sociedade, principalmente retratando o papel das mulheres, que eram vistas como mãe preta de seus senhores, que foram tão importantes no período escravocrata e agora no pós-abolição estavam destinadas ao esquecimento Por esse motivo é de estrema importancia destacar a mulher negra e sua contribuição imensurável para a sociedade do Grão-Pará, no papel de ―mãe preta‖ para os filhos de seus senhores e para os seus senhores mostrando esse papel dúbio ao quais as mulheres negras eram submetidas, fornecendo subsídios teóricos para compreender o espaço social e de trabalho que era destinada a essas mulheres negras e pobres na metade do século XIX, nos Primeiros anos da Abolição, buscando fatores decisivos que mostre o que mudou na rotina cotidiana desta mulher, relacionando a imagem desta negra e seu campo de trabalho, que por séculos sérvios seus senhores e filhos de seus senhores. Nabuco (2010) em seu livro o abolicionismo com apresentação de Gilberto Freyre nos revela que a historia da escravidão na América nos remete a um abismo, onde somos descendentes de pessoas que escreveram uma triste historia de miséria, humilhação, degradação, historia que muitas vezes ou pelo menos na maioria dela foi escrita com sangue e que por isso devemos nos envergonhar. Principalmente por saber que esse olhar de descriminação, exclusão que se tinha acerca dessas mulheres permanece em muitos até hoje. Destacando mais uma vez a contribuição e a importância da mulher negra para a sociedade brasileira, principalmente aqui no Grão-Pará. Por isso é relevante lançar um olhar profundo nesses africanos, escravos ou libertos, que se apresentando diante da lei, com ousadia, tentam fazer valer os seus direitos, sobre o processo que envolveu a escravidão, onde para esses africanos escravizados significar anos de exclusão, mesmo após a abolição no país. Já que não vão viver em situações favoráveis, isso evidencia o profundo período escravista que se instalou na realidade do Brasil e ainda não se encerrou, já que essa descriminação e preconceito vão se estender por séculos. Se para os negros já estavam difíceis a interação na sociedade como estamos vendo, imagina para as mulheres negras, que terão de viver em uma sociedade a qual existem dois tipos de mulheres, onde só uma delas era bem vista e aceita pela sociedade brasileira, que era a mulher branca a nascida em berços de ouro, destinada a moral e os bons costumes, mulheres dos senhores de engenho e mães de seus filhos herdeiros de fortunas, estas mulher tinham todo o respeito da sociedade elitista da época, diferente das nascidas na escuridão e umidade das senzalas. Nessa busca de melhoria de vida, as mulheres negras e pobres trabalhadoras eram descriminadas não só pela sociedade, mas também dentro do seu lar e, quando eram separadas de seus maridos, tinham que procurar um novo local para morar se não podiam contar com a casa dos pais por esses serem humildes ou por não se darem bem com suas filhas. (FONSECA 2006) Desta forma a definição da falta de moral da mulher negra chega a ser tão diversificada que se torna uma conduta imposta a qualquer mulher adulta, a qual a mulher que não obedecesse às normas impostas pela sociedade da época era vista como uma rameira. Com isto percebe-se que a fama da mulher era muito fácil de ser contaminada, denegrindo sua moral. Essa é a visão da sociedade brasileira com a relação às mulheres negras e pobres, que vivem e representam a sociedade do Grão-Pará no século XIX, que como podemos observar é uma visão preconceituosa a respeito dessas mulheres que buscam a cada dia uma melhora de vida e aceitação em uma sociedade que tanto a descrimina.
338
Para essas mulheres negras restava o trabalho domestico como cozinheiras lavadeiras, convivendo com as ordens mandos e desmandos das senhoras brancas, como se não bastassem ainda tinham que lidar com o assédio dos maridos e desta forma a mulata continuava ocupando um lugar inferior na sociedade brasileira antes do pósabolição e depois como veremos as seguir. (Queiroz 1975) Desta forma fica notório que o espaço público, urbano destinado á essas mulheres negras e pobres no cotidiano da cidade de Belém, era um cotidiano de luta, de uma vida pautada pela dureza, de descriminação onde mães solteiras tenham que sustentar toda uma família, na luta de seu cotidiano, onde havia competição no mercado de trabalho e muitas das vezes a própria exclusão de mulheres negras e pobres em certos trabalhos. O mercado de trabalho não vai ser abrangente para essas mulheres negras pobres, era raras lojas ou fabricas que vão oferecer trabalho para elas, os trabalhos assalariados eram poucos, o mercado de trabalho para as mulheres negras, brancas e pobres era os domésticos era a única chance de se ter um trabalho assalariado, já que os jornais da época não divulgavam ofertas de emprego com tantas facilidades para mulheres essas mulheres vão acabar trabalhando nas tabernas, lojas, mercearias, padarias. Assim sobrava para elas os serviços domésticos, ambulantes e da prostituição, por serem excluídas do mercado de trabalho, eram marginalizadas, e apesar de sofrerem pressões governamentais, elas se unem formando lasso de solidariedade que marcam suas presenças no espaço publico social. (FONTES, 1997) Não é comum encontrarmos anúncios que visem outro tipo de trabalho assim com tanta facilidade, principalmente em outros setores da sociedade, não que não exista, mas não são tão comuns quanto os anúncios para trabalhos domésticos. As maiorias dos anúncios incidem para o trabalho domestico, que variava desde ama de leite, á tomar conta de crianças, acompanhante é o que se pode confirma de acordo com os anúncios que saem no jornal a Província do Grão-Pará: ―O Jornal a Província do Pará, terça 09 de março 1880 vai destacar a realidade no anuncio abaixo, onde vai ser bem clara as exigências para contratação para ama de leite. Precisa-se de uma ama de leite de aluguel ou comprar, preferência sem cria, tratar na Rua Espírito Santo loja yabotya.‖ (Jornal a Província do Pará, nº 1173, ano V, 09 mar., 1880, p.2-6.)
Os anúncios de jornais vão começar a exigir mulheres que não tenham filhos para exercer o trabalho doméstico, isto pode ser observado no Jornal a Constituição do Grão-Pará 1883. Durante mais 300 anos de escravidão as mulheres negras serviram seus senhores e filho de seus senhores, nos mais variados tipos de trabalho que vão desde amas de lei, onde amamentava os filhos de seus senhores, como também cuidar das crianças, as fazendo dormir com suas cantigas de ninar e suas historias africanas, mas também por diversas vezes realizava um papel dúbio de satisfazeres seus senhores tanto na mesa como na cama. Câmara (2009) vem ressaltar havia laços positivos nas relações entre mulheres negras e homens brancos, que eram exatamente a de mães pretas para os filhos de seus senhores, os quais criaram e amamentaram os filhos de seus senhores, tornando essa espécie de trabalho passado de forma hierárquica. Via-se maldade em tudo, como se sabe, desde que o mundo é mundo e, devido a isso, existiam relatos que acabavam denegrindo o trabalho dessas amas de leite, que foram de suma importância para essa sociedade tanto no período escravista como no período de pós-abolição. Isso mostra que durante a amamentação surgiam laços, uma espécie de vinculo sentimental criado entre as amas de leite e os filhos de seus senhores, já que por questões de saúde muitas vezes as próprias mães brancas não podiam amamentar seus filhos. Sobre isso Câmara (2009) em um documento vai mostrar toda essa relação afetiva entre a mãe preta e filho do seu senhor.
339
―ao torna-se maior de idade em 1869, no município de Campinas, São Paulo, um jovem compõe um documento extraordinário, formulando na linguagem da propriedade, mas carregados de emoções: ‗Digo eu, Isidoro Gurgel Mascarenhas que entre ou mais bens que possuo [...] sou senhor e possuidor, de uma escrava de nome a [...] recebida na herança de meu pai, Lúcio Gurgel Mascarenhas [...] e com referida escrava é minha mãe, verificando-se a minha maioridade hoje, pelo casamento de ontem, por isso achando-me com direito, concedo á referindo minha Mãe plena liberdade, a qual concedendo de todo o meu coração.‖ (Câmara 2009, p.75)
Esta análise mostra que as relações sociais eram confusas as relações entre as classes sociais, já que a mesma que usavam a força para fazer com que o cativo continuasse escravizado criava relações de sentimento e afeição em laços que ficam divididos entre a ameaça e o coração, desta formas as mulheres negras ficavam destinadas a própria sorte dos trabalhos domésticos que eram fundamentais para a construção dessa relação. Câmara relata também a crueldade da escravidão, a opressão e o livre arbítrio destruída por ela e as grandes mazelas e desigualdades sociais acarretadas pelo processo escravista. (Câmara 2009) Muitos ex-cativos africanos e seus descendentes ao adquirirem a liberdade com a abolição da escravatura em 1888 e perceberem que a situação não muda muito já que continuam a margem da sociedade e não inseridos nela como pensavam que iam ser, continuam ocupando os piores trabalhos ou efetuando os mesmo de quando eram escravos, sem falar na discriminação, na humilhação e preconceito aos quais ainda enfrentavam. Devido a essa situação muitos ex-cativos vão procurar retorna as suas terras, para esquecerem ou se livrarem de um sistema escravista imposto a eles por 300 anos, por uma sociedade totalmente elitista e preconceituosa. Desta forma percebe-se o quanto é delicado a situação desses ex-cativos africanos já que se ficam tem de enfrentar toda uma luta contra o preconceito e a exclusão imposta por uma mesma elite brasileira ao qual os fez tanto mal, mas se retornam para áfrica também encontram lá a descriminação, o preconceito e a exclusão, isso faz com que muitos africanos decidam ficar e se reafirma no Brasil e vai ser sobre esses homens e mulheres negros africanos que não desistirão de lutar e resolveram permanecer aqui para uma luta e integração em uma sociedade ao qual os explorou num período de 300 anos, são exatamente a esses homens e mulheres que por nem um momento deixam de mostrar a sua importância que dedico este trabalho e como veremos as seguir finalmente o surgimento das primeiras mudanças significativas na vida desses afro-brasileiros tão sofridos. De acordo com que foi visto até agora no decorrer deste trabalho percebe-se que durante séculos vários escravos africanos, homens e mulheres, negros e negras, tiveram uma vida de luta para se livrar da escravidão e depois para sobreviver sem ela em uma sociedade que emite costumes, regras, posturas que devem ser seguidas, mais uma pergunta fica pendente, será que a vida desses homens e mulheres negras sempre foi essa luta diária, será que por nem um momento essa situação de pobreza, descriminação vai mudar, quando de fato vai surgi as primeiras mudanças significativas na vida desses africanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho procurou situar a realidade dos africanos escravizados durante todo período escravocrata brasileiro. Focaliza a luta das mulheres negras e seus descendentes para conseguirem a abolição da escravatura, em uma trajetória de conquistas, lutas, sofrimentos, sem deixar de mencionar as consequências que esse processo escravista teve sobre os negros e negras, em que esses, mesmo vivenciando um processo de humilhação e inúmeros castigos, passaram a desempenhar um papel de luta, buscando um lugar na sociedade, onde deixaram suas contribuições imensuráveis no processo de formação econômica, social e cultural do Brasil. Contudo, objetivou essa pesquisa mostrar a importância desses africanos e das relações, dos laços construídos entre as mulheres negras com seus senhores e filhos de seus senhores foram de fundamental importância para construção da sociedade brasileira, que talvez nunca tenha como pagar a esses africanos os anos
340
de exclusão e ao mesmo tempo de formadores de uma cultura que sem dúvida podemos abraçar e chamar de nossa cultura. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Elizabeth Rosa Marin. Trabalho Escravo e Trabalho Feminino no Pará. Ed. UFPA, coleção cadernos nº 12, 1987. CÂMARA, Nelson. Escravidão Nunca Mais um Tributo Luiz Gama. Ed.Lettera.doc, São Paulo, 2009. FONSECA, Cláudia. “Ser mulher, mãe e pobre”. In: DEL PRIORE, Mary. (org.); BASSANEZI, Carla. História das mulheres no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006, p.510-553. FONTES, Edilza. Galegas, negras e caboclos: trabalho e relações étnicas em Belém (1880-1890). In: ÁLVARES, Maria. et al. Mulher e Modernidade na Amazônia. Belém: Ed. Cejup, CEPEM/CFCH/UFPA, 1997. NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo com apresentação de Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Ed. Nova Ortografia Best Bolso, 2010. QUEIROS, Júnior Téofilo. Preconceito da cor a mulata na literatura Brasileira. Ed. Ática, São Paulo, 1975. FONTES DOCULMENTAIS A Província do Pará – 09/01/1889.
341
ABOLIÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS: A MULHER NEGRA EM BELÉM NA REPRESENTAÇÃO HISTÓRICA-LITERÁRIA E NOS JORNAIS DE (1888-1912)
Meg Fernandes de CARVALHO (FIBRA) Esta pesquisa discorre sobre a abolição no Grão-Pará nos anos de 1888 a 1912 e seus respectivos desdobramentos, abordando o cotidiano da mulher negra nas ruas de Belém, nos jornais e nas histórias de Monteiro Lobato. O estudo sobre o tema ―Abolição e seus Desdobramentos: A mulher negra em Belém na representação histórico-literária e nos jornais de (1888-1912)‖. Tem o intuito de desconstrução da visão equivocada que se tinha dessas mulheres negras. Mostrando o espaço e contextualização no campo de atuação tanto social como de trabalho que era reservado a essas mulheres negras que não deixaram de lutar, conquistando o seu lugar, reproduzindo sua cultura, seus hábitos, se readaptando e deixando suas marcas não só no campo como na cidade no final do século XIX. Palavras-chave: Abolição, Pós-Abolição, Resistência, Cotidiano, Trabalho. Pretende-se entender como se deu os últimos anos da abolição, o que ocorreu no período de pós-abolição no Grão-Pará, ressaltando a mulher negra na literatura e em seu cotidiano assim como nas histórias de Monteiro Lobato. O referido trabalho encontra-se dividido em três sessões: a primeira vem tratar do processo abolicionista no Brasil; a segunda, as mulheres negras no pós-abolição e nos jornais em Belém; a terceira, dando continuidade ―mãe preta‖ e ―Anastácia‖ mulher negra na história e literatura. O método de pesquisa utilizado se deu através da investigação bibliográfica e documental, trabalhando os seguintes jornais: Jornal A Província do Pará de março e dezembro 1888 sessão 29 de março, Jornal A Província do Pará de março e dezembro 1890 sessão 05 de março, Jornal A Província do Pará de janeiro 1889 sessão 09 de janeiro, Jornal O Democrata – 1892, sessão 10, de janeiro, Jornal O Democrata ano 1890 sessão 03 janeiro, Jornal Diário de Noticias do Pará, ano 1886 sessão 03 janeiro, Jornal O Liberal do Pará ano 1887 sessão 28 janeiro, Jornal A Constituição do Pará ano 1883 sessão 25 janeiro. A pesquisa foi realizada no CENTUR, durante o período de três meses. Para estudos destas fontes foram de fundamental importância alguns autores que vão discutir a importância de trabalhar com os anúncios de jornais, como comprovação de uma história social. Sendo utilizados os seguintes autores: Gilberto Freyre (2010) que vai tratar em seu livro ―os escravos nos anúncios de jornais do século XIX‖, mostrando toda a importância de se trabalhar com fontes documentais para exemplificar o que ocorria na vida desses negros e negras neste período como ele mesmo coloca: ―os anúncios possibilitavam o estudo não só da escravidão, mas de toda a sociedade brasileira‖. Freyre (2010, p. 21). Possibilitando dessa forma entender como era a sociedade escravocrata e como foi traçado o processo de abolição e seus desdobramentos. A importância dos jornais como fonte histórica é recomendada por Câmara (2009), relatando em seu livro Escravidão Nunca Mais que as elites letradas usavam os jornais para julgar o comportamento desses homens e mulheres negras, como também o local onde eles moravam, onde a elite letrada procurava constantemente em seus jornais descrever os cortiços e seus moradores, mostrando que essas construções eram focos de imoralidades. Com isto o intuito era de uma política de reurbanização de Belém, na qual iria alcançar as principais áreas do centro da cidade, onde se tinha uma preocupação com a moralização das vias. Dando continuidade ao estudo relações entre amas de leite e as famílias escravistas: negras ―mães pretas‖ após a abolição da escravidão em Belém 1888-1912. Ao fornecer subsídios teóricos para compreender como se deu o processo de abolição no Brasil. Mostrando a contribuição e a importância do estudo não somente as mulheres negras, mais sim a colaboração dos negros e negras, permitindo a compreensão das fontes documentais como bibliográficas que vão relatar todo esse cotidiano das mulheres negras e suas relações de trabalho.
342
O PROCESSO ABOLICIONISTA NO BRASIL Segundo Viotti (2008) a escravidão foi aceita e praticada mais de três séculos, durante esse tempo não há questionamento sob a legalidade da escravidão, para alguns membros da sociedade como a igreja e o estado utilizavam a religião para justificar os seus atos, convertendo os negros ao cristianismo alegavam retirá-los da ignorância. Vários argumentos foram utilizados pelo Estado, elite local e até pela própria igreja para justificarem a escravidão desses homens, mulheres e crianças negra vítimas de um processo de crueldade que foi a escravidão nas Américas. Os negros escravizados foram trazidos para o Brasil e mesmo com a abolição a luta pela liberdade não estaria acabada. Após séculos de escravidão alguns ânimos já se encontravam elevados ao extremo, isso justificava as diversas formas ilícitas que muitos escravos encontravam para garantirem sua liberdade, uma vez que essa oportunidade não fosse dada a chance de interagir com seu senhor ou com a sociedade para garantir a possibilidade de se ter sua alforria, eles apelavam à força para terem direito àquilo que lhes foi negado, mas infelizmente mesmo com o fim do sistema escravocrata a realidade dessas mulheres negras não seria fácil, já que uma vez alforriada teria de lutar para se integrar a um modelo de sociedade totalmente excludente. Para ter dinheiro suficiente para compra de sua carta de alforria, os cativos recorriam a empréstimos e doações de amigos, vizinhos, familiares e todo tipo de ajuda era fundamental para pagar o preço da sua liberdade. Muitos senhores concediam liberdade para seus escravos devido a sua dedicação, ao bom comportamento e aos trabalhos bem feitos. Na segunda metade do século XIX, a quantidade de alforrias cresce, pois os escravos passavam a ter apoio de advogados nos processos judiciais por meio da alegação de estarem sendo vítimas de maus tratos ou da exigência da liberdade desses cativos, de irmandades com atuação no campo religioso e no social, ou participando do movimento abolicionista. (MATTOS, 2009). Podemos notar toda a relação que esses homens e mulheres negras tinham para conseguir a sua liberdade em um jogo de estratégias, intimamente traçados e planejados, dependentes de redes de solidariedade que iam desde laços familiares, companheirismos à ajuda de irmandades e de alguns casos de seus próprios donos que facilitavam as relações de liberdade como vimos acima. Estava mais que evidente que a escravidão não passava mais do que um processo falido, que impedia o país de progredir, já que a escravidão ao longo dos anos foi sustentada por estereótipos, por mentiras, por preconceitos entre outros; que serviram de justificativa para que ela fosse implantada sem ser questionada. Isso vai gerar uma série de problemas: como abastecer toda uma mão de obra geradora de trabalho, fonte de riqueza de uma sociedade, como fazer essa sociedade elitista e acostumada com o trabalho escravo para gerar sua riqueza enxergá-los como cidadãos livres do trabalho escravo (NABUCO, 2010). Os escravos continuavam a se manifestar e a se rebelar contra o processo que aos poucos foi trazendo para o Brasil um significado de libertação da mão de obra escravocrata, passando a esclarecer a situação desses homens, mulheres e crianças africanas escravizadas. A partir de então, os senhores de escravos passam a iniciar a convivência com a luta a favor da abolição desses cativos. O abolicionismo vai se espalhando, fundindo perante a elite e progressivamente vamos ter um aumento do número das alforrias, graças ao resultado indiscutível do abolicionismo. Em pouco tempo se espalha e reúne opiniões públicas, mostrando grandes interesses na libertação dos cativos, com isso percebemos aos poucos que a alforria na forma de doação se torna uma esperança, aparentemente todos os negros escravizados poderiam tê-la, no entanto ela ainda era a sorte de poucos, já que a realidade era muitos morrerem no cativeiro em senzalas apodrecendo (NABUCO, 2010).
343
Os fazendeiros resistiam fortemente à abolição, para eles significava perda de capital, no entanto era notório que o clima estava insustentável, alguns fazendeiros até achavam que só com a abolição da escravatura poderiam acabar com esse clima de revoltas, fugas, pondo fim de uma vez na desorganização. Diante dessa realidade muitos fazendeiros concediam a seus escravos uma espécie de liberdade condicional, assim conseguiam que suas colheitas não ficassem perdidas, desta forma era feito os acordos entre escravos e seus donos (FONSECA, 2006). Apesar de toda a influência que tentava retardar o processo de libertação dos cativos, a escravidão já se encontrava como um processo falido, que devia ser superado pelos senhores de escravos. Estes pro sua vez não tinham mais saída teriam que abrir mão de seus interesses materiais para que não fossem impactados pelas conquistas dos abolicionistas. Sem a emancipação dos atuais cativos nunca o Brasil firmara sua independência nacional e segurará defenderá a sua liberal constituição. Sem liberdade individual não se pode haver civilização, nem solida riqueza; não pode haver moralidade e justiça, e sem estas filhas do céu não há e nem pode haver brio, força e poder entre as Nações (NABUCO, 2010, p. 71).
Na citação acima, pode ser analisado, segundo a fala de Nabuco (2010), que a independência não é uma promessa formal e obrigatória feita aos escravos e sim uma promessa de afinidade nacional, cumplicidade revolucionária de todos que lutavam por uma mesma causa, almejavam o Brasil como uma pátria revolucionária e independente. Queremos tão somente saber se a causa do escravo está ganha, ou pelo menos tão segura quanto a decisão final, que possa correr á revelia; se podemos cruzar os braços, com a certeza de ver esse milhão e meio de entes humanos emergir pouco a pouco do cativeiro e tomar lugar do nosso lado (NABUCO, 2010, p. 58).
Toda essa luta para se conseguir a tão sonhada liberdade, destacando o processo de abolição desses homens e mulheres negras que, mesmo com o fim da escravidão, em 13 de maio de 1888, com a efetivação da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel no final do século XIX, notasse que essa visão e consciência do abolicionismo não vai se estender a todos. Pois do que adianta ser livres sem poder exercer e ser reconhecido o direito da liberdade ficando renegado a um espaço de exclusão social. Aí vem uma princesa e num gesto brando rompe as cadeias que prendiam o negrinho. E o negrinho cai no jongo da vida… E aquele brando gesto da princesa será relembrado depois de amanhã, por um grande país todo em festas (NABUCO, 2010, p. 257)
No século XIX período pós-abolição, as alforrias integram os negros ao mundo dos livres, mostrando que a abolição foi um fato histórico marcante e decisivo na vida desses ex-cativos. Dando a noção para esses libertos, que existia na vida das camadas dominantes onde era fundamental a noção dos valores de subsistência, dos valores sociais dos padrões e da organização de uma sociedade. Muito desses valores e padrões vão ser manifestados de forma discriminatória a essas ex-escravas, principalmente nos primórdios da abolição. Assim que sai o decreto de libertação desses africanos, ocorre o abandono das fazendas, a imigração em direção às cidades onde pegavam suas economias para comprar pares de botas nas lojas de sapatos. Dessa forma, eles se igualavam aos seus ex-senhores que durante o período escravocrata não os deixavam usar sapatos. Esse foi o primeiro fato inesperado da abolição, ver homens negros e mulheres negras invadirem as ruas das cidades de um lado com porta-joias na mão, carregarem bolsas e do outro seus sapatos que não se adaptaram aos pés (VIOTTI, 2008). Desta forma fica claro que as mulheres negras faziam de tudo para se igualar à sociedade branca, que os escravizou e os humilhou durante séculos de escravidão, mas para essas mulheres negras e pobres agora tudo haveria de mudar, ali estavam elas alforriadas, livres, bem vestidas com sapatos, porta-joias, em pleno centro
344
urbano de Belém, encontravam-se milhares de homens e mulheres negras, que agora finalmente fariam parte dessa sociedade que construíam a sua riqueza em cima do sofrimento e mão de obra escrava. MULHERES NEGRAS NO PÓS-ABOLIÇÃO EM BELÉM E NA REPRESENTAÇÃO NOS JORNAIS. O fim da abolição gerou uma grande transformação no setor socioeconômico da sociedade brasileira em pleno século XIX, a qual teve que enfrentar mudanças não só no setor econômico mais também no social, novas preocupações viriam a surgir com esses inúmeros libertos que agora estavam soltos na sociedade, com isso surge preocupações em relação à ociosidade. Câmara (2009) nos informa que os libertos se aglomeravam na cidade Belém, mas alguns ficavam nas fazendas onde foi escravizada a vida toda, passavam a ter direito a pequenas propriedades de terras, que eram doadas ou vendidas. Outras formas de moradia foram os cortiços que eram locais vistos com preconceito e discriminação pela sociedade elitista de Belém. Além de serem relegadas às margens da sociedade, perseguidos, ainda eram julgados pela elite. Seja pelos seus atos, por não terem condições e muito menos oportunidades para terem um emprego e não morarem em boas casas. Por isso eram tachados de: imorais, indignas, sujas, portadoras de doenças, incultas, em fim só serviam agora para enfear os centros urbanos de Belém. ―A junta de higiene pública mandou fechar um cortiço existente na Rua Arcipreste Manoel Theodoro, próximo à praça D. Pedro II; O cortiço este de propriedade de Felipe da Costa Teixeira. Praza a Deus que essa medida se estenda por todos os cortiços imundos que existiam nessa capital, junto as praças do governo e ate muito próximo a casa do inspetor da junta, a rua longa. D‘ahi, até o despejo é feito na rua esperamos que não apareça o protecionismo, em que sendo alei igual pra todos, a junta mande demolir quantos cortiços ali existem, os quais são verdadeiros focos de imoralidades‖ (JORNAL O DEMOCRATA, 10/01/1892).
Com isso fica bem claro a discriminação que se tem com os moradores dos cortiços, a imagem que se tinha da negra era uma mulher sem compostura, moral, possuidores de vícios, doenças e maus costumes. Devido a esse forte preconceito da sociedade de Belém os cortiços passam a ser proibidos nos centros das cidades, passando a dificultar a sobrevivência de mulheres negras e pobres. Assim era visto o cortiço: como um ambiente contagioso, reforçado pela imprensa de Belém na década de oitenta do século passado. Encontramos relatos definindo o distrito do Reduto, de concentração de moradias da população pobre de Belém, os cortiços, os quartos alugados à moradia de mulheres negras da cidade que moravam a sós ou dividiam quartos com companheiros, amantes e colegas (FONTES, 1880-1890). Os jornais eram utilizados pela elite letrada, para julgar o comportamento dessas mulheres negras, ou fazer denúncia sobre as mesmas, construindo uma imagem de imoralidade a respeito dessas mulheres negras e pobres em Belém. Nessa busca de melhoria de vida as mulheres negras trabalhadoras, eram discriminadas, não só pela sociedade, mas também dentro do seu lar. Quando eram separadas de seus maridos, tinham que procurar um novo local para morar, não pudiam contar com a casa dos pais, devido serem humildes ou por não se darem bem com eles. A mulher negra diante da moralidade oficial completamente deslocada de sua realidade vivia num dilema imposto pela necessidade, escapar da miséria com o seu trabalho e o risco de ser chamada de mulher pública (FONSECA, 2006). A definição da falta de moral da mulher negra chega a ser tão diversificada, que se iguala a conduta imposta a qualquer mulher adultera, ou seja, a qual a mulher que não obedecesse às normas impostas pela sociedade elitista da época, era vista como uma rameira. Com isto percebe-se que a fama da mulher era muito fácil de ser contaminada, denegrindo sua moral.
345
No século XIX até meados da década de 40 vai haver a formação de um mercado de trabalho na exclusão de negros e seus descendentes mostrando toda a desigualdade. Essa postura tomada pelas camadas dominantes vai resultar na miséria, violência, perseguição policial e no surgimento de favelas (CÂMARA, 2004, apud Santos, 2009). A busca pelos valores morais que era exigida para o mercado de trabalho colocava para as mulheres pobres um mercado de trabalho clivado, já que para serem empregadas as famílias exigiam os bons costumes e isso não vai incluir, as mães solteiras, mulheres que tinham caso fora do casamento, mulheres que andavam desacompanhadas nas ruas, moravam só ou em cortiços. Como se pode observa mais uma vez a mulher negras ex-escrava fica as margens do mercado de trabalho. Como vai mostrar o jornal Constituição 25/01/ 1883 ―Quem precisa de uma ama de leite sadia, dirija-se à casa n° 94, na rua do Rosario que encontrará‖. Desta forma as mulheres negras para conseguirem trabalho passavam por descrições que revelavam não só seus dotes, mas também seu estado de saúde, como se pode observar no anúncio acima que, além de descrever o emprego, ainda vai exigir a boa saúde dessas mulheres. O governo brasileiro adota medidas para habilitação das mulheres para o trabalho livre, que, no entanto não cabia só a ele, mas também as mães que deveriam cuidar melhor de suas filhas, orientá-las e mostrar a importância do trabalho, não as deixar nas mãos de escravas cheias de vícios. Com isso mais uma vez notamos a presença do preconceito em relação à mulher negra, que era desmoralizada por uma sociedade à qual julgava suja e imprópria para cuidar de suas filhas devido a toda experiência adquiridas em seu cativeiro, mas eram os primeiros a escravizálas (AZEVEDO, 1987). A vida toda sendo escravas, servindo seus senhores, os filhos de seus senhores e suas senhoras, agora com a abolição da escravatura, não eram mais dignas e confiáveis para exercerem um trabalho que desempenharam ao longo de suas vidas. Quem diria que o pós abolição traria tanta dificuldade e preconceitos para vida dessas mulheres negras. A economia gomífera gera em Belém um desenvolvimento econômico, ampliando e diversificando a população. Determinadas áreas da cidade ganham um ar europeu, onde a chegada de imigrantes era notória, devido à visão que se tinha dos trabalhadores locais em 1880. Preferiam para o campo de trabalho os estrangeiros, que eram vistos como portadores dos bons costumes, diferentes dos nacionais que eram vadios e preguiçosos (TRINDADE, 1997). O Brasil começa a ser alvo desses imigrantes, após a abolição da escravatura, o governo brasileiro incentiva a entrada desses imigrantes europeus em nosso território, para suprir a necessidade de mão-de-obra escravas, eles chegaram aqui em busca de melhores condições de vida, de oportunidades na nova terra, atraídos também pelas promessas dos governadores brasileiros. Vieram para o Brasil imigrantes portugueses, italianos e japoneses para constituir o nosso mercado de trabalho. Essa imigração desde 1889-1912, exclusivamente na segunda metade do século XIX e inicio do século XX, vinham para o Brasil buscando uma melhor qualidade de vida e destinavam abastecer o mercado urbano em atividades de manufaturas, artesanais e industriais. Assim o Brasil vira Portugal devido à quantidade de imigrantes portugueses aqui chegaram em 1912-1913 (FONTES, 1880-1990). A sociedade começa a usufruir dos benefícios que a bela época vai gerar para Belém trazendo o progresso na economia local. Vai haver preferência pelos estrangeiros, pois vão ser vistos sem preconceito em relação aos negros e às negras. Buscando a classe dos imigrantes em grandes quantidades, com intuito de promover uma imigração da classe moralizadora para o Pará. Assim nossos governadores locais, civilizavam e branqueavam a população da província, substituído a mão de obra negra por trabalhadores estrangeiros, que trariam o progresso á região. ―A
346
Província do Pará‖, de 09/01/1889: ―Precisa-se de uma criada de cor branca estrangeira para serviço interno de casa rua santo Antônio‖. Os senhores da época, vão começar a fazer exigências para o mercado de trabalho das criadas mestiças, formando uma diferenciação entre brancas e negras. Já que os anúncios preferiam as portuguesas brancas, que tinham bons costumes e uma vida exemplar, diferente das negras, que não se enquadravam aos moldes da sociedade. Dessa forma não poderiam trabalhar nas casas dos seus senhores, pois o trabalho de criada exigia que dormisse dentro da casa. Deixava claro uma relação de controle, que o patrão passa a ter controle sobre a vida da criada, onde essa relação trás muitos conceitos da época da escravidão, para uma sociedade pós-abolição. Jornal o Liberal 28/01/ 1887 ―Precisa-se de uma criada de Nazareth n 60 serviço doméstico prefere-se portuguesa‖. Em Belém as mulheres pobres passam a buscar outras atividades para garantir a sua sobrevivência, na qual o trabalho informal é a porta para o sustento de sua família, para garantirem o sustento à maioria das vezes elas sofriam repressões. O trabalho informal muita das vezes se constituía em mulheres que andavam pelas ruas como vendedoras de açaí, com tabuleiros na cabeça elas vendiam todos os tipos de produtos, outras eram floristas, videntes, ou seja, elas praticavam todos os tipos de atividades que se encontravam fora de um mercado formal tudo para garantir a sobrevivência. Segundo Maneschy (1987), com o pós- abolição o trabalho feminino vai se concentrar no emprego mal remunerado, essas mulheres sofriam discriminação social mesmo exercendo uma das funções primordiais para a sociedade. Geralmente as mulheres que vão procurar se inserir nesses tipos de trabalho são as mulheres negras e pobres, imigrantes e filhas de imigrantes, devido a sua origem social e a busca pela sobrevivência, vamos ter lavadoras, domésticas, porteiras e pescadoras. Como vai mostrar o jornal A Província do Pará, de 05/03/1890: ―precisa-se de uma ama seca branca ou de cor, preferindo-se sem cria, que seja carinhosa com crianças, tratar na rua espirito santo loja yabotya‖. Em Belém as relações sociais da elite do Grão-Pará com as mulheres negras e pobres, no século XIX, como podemos observar é uma visão preconceituosa a respeito dessas mulheres que buscam a cada dia uma melhora de vida e aceitação em uma sociedade que tanto a discrimina. Maués (1987) vem falar também da questão do trabalho feminino colocando em anúncios de jornais que vão falar da procura de lavadeiras, engomadeiras, cozinheiras, doceiras, amas de leite, fiandeira, rendeiras, tecedeiras, quitandeiras, vendedoras de açaí que dominavam a praça de Belém. Esses trabalhos eram realizados por mulheres negras, que movimentavam o pequeno comércio ambulante da cidade de Belém. Desta forma o comércio informal movimentava o país com as vendedoras de fumos e sucos, que moravam em vilas e casas pobres. Como vai mostrar o jornal A Província do Pará, de 29/03/1888: ―precisa-se de uma rapariga de cor ou branca, própria para serviços domésticos de uma família que saiba lavar, gomar, cozinhar‖. Fica evidente a dureza do cotidiano dessas mulheres negras de cores fortes e vibrantes, que mesmo quando tinha um companheiro, ou sendo sozinhas, ou acompanhadas de filhos arcavam com o sustento familiar, exercendo como estamos vendo vários tipos de trabalhos. ―Muitas mulheres pobres se empregavam na prostituição, nas ruas: da Primeiro de Março, Arcipreste Manoel Theodoro com a estrada da São José, elas se reuniam todas as noites nas mesmas esquinas. Era constante as reclamações sobre essas mulheres, os jornais publicavam pedidos que os moradores faziam para os chefes de segurança publica indicando que as mulheres publicas, a partir desses relatos os jornais pedem providencia ao chefe de segurança anúncios colocando o fim aqueles centros de imoralidades que moram em cortiços que existem n‘aquelas imediações‖ (JORNAL O DEMOCRATA, 03/01/1890).
O espaço público, urbano destinado á essas mulheres negras e pobres no cotidiano da cidade de Belém, era um cotidiano de luta, uma vida pautada pela dureza, descriminação onde mães solteiras tinham que sustentar toda uma família, na luta de seu cotidiano, onde havia competição no mercado de trabalho e muitas das vezes a própria exclusão de mulheres negras e pobres em certos trabalhos. Jornal Diário de Noticias 03/03/1886 ―Precisa-se de uma
347
escrava estrangeira para o serviço interno da casa, rua Santo Antônio, ciato da Misericórdia, sobrado‖. A luta de resistência não acabou com a abolição do ex-escravos, já que o preconceito foi imposto para esta sociedade na mente e no coração, desta forma nota-se que o preconceito e a discriminação sempre estiveram presentes para justificar escravidão e como se não bastasse, este preconceito vai se extinguir na pós-abolição, já que essas ideias vão acabar se perpetuando no imaginário dessas gerações elitizadas. ―MÃE PRETA‖ E ―ANASTACIA‖ NA HISTÓRIA E LITERATURA
Vem revelar a mulher negra em um viés literário com fortes indícios de preconceito, como a literatura de Monteiro Lobato vai retratar: sua personagem, o momento histórico no qual o Brasil esteve vivendo, a convivência racial tinha que ser em muitas das vezes tolerada, em alguns casos a doméstica acaba tornando-se da família, ou pelo menos se tenta ter uma convivência pacífica e harmônica entre as raças no Brasil. Também vão ser utilizados outros autores que vão falar dos aspectos positivos da mulher negra por meio da literatura vão mostrar a sua importância na formação da sociedade brasileira.
As imagens e informações que dominam os meios de comunicação, as revistas e livros didáticos se incorporam a tradição multissecular que inferioriza o continente, alguns estudos preconceituosos e racistas acerca da História da África e a discriminação pela qual são submetidos os afro-descendentes aqui dentro, e os africanos pelo mundo (RIBEIRO, 2005, p. 93).
Infelizmente o preconceito e a forma estereotipada de se enxergar a mulher negra, já estão incutidos na sociedade, que o deixava em evidência no dia a dia: em livros, musicas, poemas, em fim, o preconceito estava presente tanto na vida real como na ficção. Com o estudo da obra literária infantil de um dos maiores escritores infanto-juvenil Monteiro Lobato, em sua obra Sitio do Pica-Pau Amarelo, vai deixar claro tudo isso que estamos retratando em sua personagem Tia Anastácia, esta por sua vez, representava a figura de mulher negra velha, de beiços grandes, solteirona, de pouca instrução, cozinheira de mão cheia, que perfumava o sitio da vovó Benta com seus quitutes e encantava os netos da vovó branca, com suas historias maravilhosas. O autor Oliveira (2009), citando Brookshaw (1999), afirmam que Monteiro Lobato era uma personalidade dividida, ou seja, ao mesmo tempo em que ele representava a mulher negra com um certo preconceito como é o caso da tia Anastácia, onde o espaço destinado a ela era a cozinha, também mostrando um certo tratamento afetivo. Durante a trama de Lobato, vai haver vários momentos em que o preconceito racial e a discriminação estarão presentes, seja de forma mais sutil, como as que estamos presenciando, seja de forma mais visível, como vai atestar Lajolo (1998) em que figuras como Tia Anastácia vão desempenhar um papel de ser portadora da cultura popular, em que seu conhecimento vai consistir na sabedoria das lendas, das crenças e dos saberes específicos da herança africana. Por meio deles é transmitida uma cultura oral que vai ser sempre desprezada pela cultura dominante. Continuam os autores a dizer que essa forma de saber, carregada com as experiências dos ancestrais da humanidade, e as crenças estarão em contato com a herança africana de nossa formação, herança esta, mesclada de sua cultura, representada pela cultura branca e europeia do país mestiço, que foi fortemente marcado pela negra. Mas as histórias contadas pela velha negra não vão ser prestigiadas pelos personagens do sítio, já que esses, após ouvirem as histórias, vão traçar comentários falando da pobreza e da ingenuidade da imaginação popular, criticando as suas histórias. Fica notória a existência de um conflito, provocada pelo preconceito entre estes dois mundos, o do branco e o do negro, que por sua vez estão divididos entre o mundo da cultura negra analfabeta e o da cultura branca, que
348
escuta suas histórias e as desqualificam pela condição da narradora ser preta e doméstica por meio de certas situações que não vão ser suavizadas e dissolvidas em afeto. Dentro desse contexto de sua formação, Lobato coloca e integra em seus livros infantis um grupo diferente social, cultural e racialmente. A pesquisa nos permitiu perceber que o preconceito também está arraigado em nosso inconsciente, e que é necessário desenvolver outros olhares sobre o tema. Não podemos ficar restritos apenas na denúncia de que a imagem do negro é estereotipada, a exemplo de Tia Anastácia, mas mostrar, também, o quanto, inconscientemente, os professores e os leitores dessas obras, poderão acentuar esse preconceito dentro deles (OLIVEIRA, 2009, p.8).
Infelizmente essa narrativa de Lobato não vai se diferenciar das demais literaturas da época, muito menos da opinião pública, já que, a mulher negra sempre vai ser tratada com preconceito pela imprensa brasileira, que não poupava meios para fazer descriminação com as mulheres negras, vitimas do sistema escravocrata. Muito pelo contrário, a única coisa que vamos ver é que a realidade dessas mulheres negras não teve muitas alterações, já que o preconceito á discriminação nunca acabaram. Afinal de contas, qual o preço que tem de se pagar para ser livre. Tia Nastácia, do sítio do pica-pau amarelo, da obra de Monteiro Lobato, assume o papel inferioridade sociocultural, devido à posição de negra doméstica a qual desempenhava. Assim como as outras Anastácias, que vimos ao longo do trabalho e como mostras os anúncios de jornais: Jornal a Constituição do Pará 1884 ―Precisa-se alugar uma cozinheira em casa do Dr.Fiock Romano a travessa Gloria‖. Nem sempre a mulher negra vai se retratada na literatura paraense, com essa carga negativada, a qual era imposta pela sociedade elitista. Vamos ter autores como veremos as seguir que falavam dessa mulher negra com elogios, a sua luta diária para se integrar a uma sociedade que só lhe fez mal. Queiroz (1975) vem falar da diversidade do texto literário que vai relatar a mulher negra, sua sensualidade, seu corpo perfeito, dentes brancos, bocas vivas, riso mordido, seios pontudos, ou seja, mostrando todo um estereótipo sensual, que vai passar a ser empregado não só no físico mais também no trabalho, como os das cozinheiras mesclando o cheiro da comida com o sabor da mulher negra. Vamos ter também a literatura de Jorge Amado, que mostra a mulher negra desejada, apalpada, cobiçada e olhada. Muitas vezes esbanjava sensualidade, desejos, pecado que embelezavam as ruas das cidades com suas cores, cheiros, gostos que alimentavam a imaginação de muitos senhores e outras vezes despeito, raiva, ódio de suas senhoras, estas que muitas vezes cometiam agressões a estas mulheres, para se vingarem dos desejos reprimidos, aos quais elas representavam dentro de seus lares. Algumas obras literárias também iram retratar o colorido de negras nas cidades do Grão-Pará e Maranhão, Salles (2005) relata o interesse que as mulatas vão provocar em alguns membros da elite, vai ser relatado o caso de João Affonso do Nascimento, que vai se interessar pela mulata paraense, procurando descrevê-la. Esse foi o colorido que representou às ruas de Belém, as famosas quituteiras, vendedoras de tacacá, as negras, mulatas, caboclas, estas vendedoras usavam ramos de jasmim, presos aos cabelos por pentes de cascos e favas de baunilhas, seus pés ficavam metidos em chinelas. Com isto podemos afirma que as negras e mulatas vão marcar a paisagem e a literatura da cidade de Belém, seja pelo seu trabalho, ou por sua beleza, sua cultura. Enfrentando os preconceitos impostos e aos poucos vai deixando suas características, desta raça no Grão-Pará, mostrando o seu valor e dignidade. Diante dessa abordagem histórica e literária realizada no decorrer desta pesquisa com o intuito de mostrar a abolição e seus desdobramentos, com ênfase na documentação de jornais que procuravam revelar o cotidiano de luta, trabalho e aceitação da mulher negra em uma sociedade escravocrata extremamente excludente. Onde essas negas não vão perder a esperança de seguir em frente e verem suas vidas mudarem, deixando sua marca, não só no campo como na cidade no final do século XIX.
349
CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurando destacar o processo que gerou ―liberdade‖ a essas mulheres, como elas vão passar a ser vistas na sociedade quando se tornam livres, procurando enaltecer essas questões que muitas vezes ficam pendentes ou vagas quando se fala do período abolicionista dessas escravizadas e a sua inserção na sociedade no período pós-abolição. Ressaltando a mulher negra na literatura e nas histórias de Monteiro Lobato, que fala de como elas eram vistas e dos espaços destinados a essas mulheres, como por exemplo, vendedoras ambulantes, domésticas, que enfeitam e perfumam as ruas da nossa cidade, com seus cheiros e cores como sempre fizeram. E suas contribuições imensuráveis no processo de formação econômica, social e cultural do Brasil. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites-século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. AZEVEDO, Elizabeth Rosa Marin. Trabalho Escravo e Trabalho Feminino no Pará. Ed. UFPA, coleção cadernos nº 12, 1987. CÂMARA, Nelson. Escravidão Nunca Mais um Tributo Luiz Gama. Ed.Lettera.doc, São Paulo, 2009. CARVALHO, Meg Fernandes. Precisa-se de uma escrava que sirva para ama de leite: A Importância Das Mulheres ‗Negras‘ E Pobres Para Sociedade Paraense No Período De 1880 Á 1888. Belém, 2009. FONSECA, Cláudia. “Ser mulher, mãe e pobre”. In: DEL PRIORE, Mary. (org.); BASSANEZI, Carla. História das mulheres no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006, p.510-553. FONTES, Edilza. Galegas, negras e caboclos: trabalho e relações étnicas em Belém (1880-1890). In: ÁLVARES, Maria. et al. Mulher e Modernidade na Amazônia. Belém: Ed. Cejup, CEPEM/CFCH/UFPA, 1997. FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. 4ª ed. São Paulo: Global Editora, 2010. LAJOLO, Mariza. A figura do negro em Monteiro Lobato. Revista Presença Pedagógica, São Paulo, set.out, 1998. MANESCHY, Maria Cristina Alves. Empregadas Domesticas em Belém. Ed. UFPA, coleção cadernos nº 12, 1987. MATTOS, Regiane Augusto. Historia e Cultura Afro-Brasileira. São Paulo: Ed. Contexto, 2009. MAUÉS, Maria Angélica Motta. “Mãe-Preta” e “mulata”: Reconstituindo a Imagem da Mulher Negra. Ed. UFPA, coleção cadernos nº 12, 1987. NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo com apresentação de Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Ed. Nova Ortografia Best Bolso, 2010. OLIVA, Anderson Ribeiro. Os africanos entre representações: viagens reveladoras, olhares imprecisos e a invenção da áfrica no imaginário ocidental. Em tempos de historia – Publicação do programa de Pós-Graduação em Historias, PPG-HIST/UnB, n.9. Brasília, 2005. OLIVEIRA, Cleonice et al. O Papel da Tia Anastácia na obra de Monteiro Lobato: a cor do pecado. Unipac, 2009. QUEIROS, Júnior Téofilo. Preconceito da cor a mulata na literatura Brasileira. Ed. Ática, São Paulo, 1975. SALLES, Vicente. O Negro no Pará sob Regime de Escravidão. Ed. Instituto de Arte do Pará, 2005.
350
TRINDADE, Jose Ronaldo. “Ruas de desordem”, mulheres fora da ordem: um olhar sobre as relações de gênero e práticas culturais em Belém no final do século XIX e início do XX. In: ÁLVARES, Maria; SANTOS, Eunice. Desafios de Identidade Espaço - Tempo de Mulher. Belém: Ed. Cejup, CEJUP: GEPEM: REDOR, 1997. VIOTTI, Emília da Costa, A abolição, 8ª edição, Ed. UNESP (FEU). São Paulo: 2008. _____________. “Preferem-se Portugueses(as)”: Trabalho, Cultura e Movimento Social em Belém do Pará (1885-1914). Ed. Departamento de Historias Humanas IFCH UNICAMP/SP. DOCUMENTO JORNAIS A Constituição –25 /01/1883 A Província do Pará – 29/03/1888. A Província do Pará – 09/01/1889. A Província do Pará –05 /03/1890. Diário de noticias do Pará– 03/03/1886 O Democrata – 03/01/1890 O Democrata – 10/01/1892 O Liberal do Pará– 28/01/1887
351
ATRAVÉS DA IMAGEM: a visualidade afrobrasileira no acervo do MUSEU de ARTE de BELÉM - MABE Rosângela do Socorro Ferreira MODESTO (UFPA) 251 O presente ensaio propõe uma abordagem da representação visual afrobrasileira através das pinturas que integram o acervo do Museu de Arte de Belém. Tem como finalidade relacionar a Lei 10.639/2003 no que tange a abordagem da Cultura e História afrobrasileira no Ensino de Arte. Parte do pressuposto de que uma das formas para se compreender a presença do segmento afrodescendente na sociedade paraense é através das representações sobre esse segmento no circuito de arte local. A metodologia adotada na pesquisa envolveu entre outras etapas a investigação da produção pictórica voltada à representação negra inserida no cenário da arte nacional a partir da Semana de Arte Moderna de 1922 até o recorte local que envolveu a pesquisa no acervo do Museu de Arte de Belém. O Museu organizou sob o título ―Salão Verde‖ uma coleção de pinturas de artistas regionais que remetem a formação da identidade paraense. A exposição conta com inúmeras pinturas a óleo sobre tela de tipos regionais retratados a partir de um olhar sobre os hábitos e costumes da população paraense. A constatação da representação imagética negra na exposição torna possível a inserção afrobrasileira no sistema representativo das artes visuais local na primeira metade do século XX. Nesta perspectiva, averiguar a participação negra e sua devida contextualização permitirá construir novos discursos sobre a visibilidade afrodescendente na História da Arte Nacional e também local. Possibilitando desdobramentos para que instituições museológicas promovam Ações Educativas visando o (re) conhecimento do segmento afrodescendente e do artista que produziu a representação. Palavras-chave: Pintura, Acervo, Identidade.
Apresentação
Este artigo ressalta a elaboração da Lei 10.639/2003 enquanto subsídio para correlacionar Ensino de Arte e Cultura Afrobrasileira na cidade de Belém. Parte do pressuposto que inclui o segmento afrodescendente como influente na formação cultural nacional e, portanto busca indicativos que permitem compreender de que maneira tais verificações são apropriadas para estabelecer visibilidade à identidade afrodescendente. O recorte escolhido investiga a presença negra na pintura de artistas locais no período na primeira metade do século XX com destaque à produção da artista plástica Antonieta Santos Feio que integra o acervo do Museu de Arte de Belém (MABE). No campo das produções visuais a comprovação da representação negra na pintura de alguns artistas paraenses é um fato importante e que corrobora para um olhar mais acurado sobre estas produções e a existência de acervos que trazem este tipo de representação. O mote desta reflexão está em apontar como as representações afrobrasileiras paraenses presentes nesta instituição, de modo a contribuir para a percepção critica e sensível no Ensino de Arte na perspectiva de abordagem da Lei 10.639/2003 na perspectiva representação pictórica afrodescendentes. Neste sentido, o conteúdo deste artigo pode ser considerado um estímulo à abordagem da História da África e participação das populações africanas e afrodescendentes na formação sociocultural do Brasil ao enfatizar o aspecto de suas contribuições. À medida que se desloca a perspectiva eurocêntrica da formação cultural de nosso país, novas possibilidades se configuram a partir da inclusão de outros atores sociais neste processo de formação cultural plural. Assim, o Ensino de Arte pode pontuar a participação do negro no processo de formação cultural do Brasil abrindo precedente para pensar na relevância de seus conhecimentos, saberes e tradições ancestrais. Com relação ao campo das artes visuais, o conhecimento deste acervo faz emergir a descoberta de artistas paraenses que possuem uma produção artística voltada à representação afrodescendente, algo que dá sustentação a elaboração de metodologias de como utilizar essas pinturas para abordar a temática afrobrasileira no ensino de arte. A metodologia adotada nesta pesquisa se concentrou no acervo do Museu de Arte de Belém, instituição administrada pela da Prefeitura de Belém, onde está reunida, sob o título ―Salão Verde‖, uma importante coleção de 251
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Pará, vinculada ao Instituto Ciência da Arte (ICA).
352
pinturas, inclusive de artistas regionais, que remetem à formação da identidade paraense. Este acervo no qual destaco as representações imagéticas negras torna possível a inserção afrobrasileira no sistema representativo das artes visuais local, algumas inclusive datadas da primeira metade do século XX. A representação afrobrasileira nas artes visuais do Século XX: cenário nacional As composições visuais de representação afrobrasileira pertencentes ao século XX surgem a partir do resgate da valorização do negro como elemento atuante no processo de formação da sociedade e da cultura brasileira. Neste percurso sobressai entre outros acontecimentos a realização do V Congresso Brasileiro de Geografia ocorrido na Bahia em 1916 e presidido por Manuel Querino 252 ressalta através do viés cultural a participação do negro na Sociedade e as novas perspectivas dos estudos africanistas desenvolvidas com base na cultura popular, o folclore e a religião afro-brasileira. Na década de 1930 os estudos de Gilberto Freyre 253 sobre a democracia racial no Brasil abrem caminho para uma interpretação positiva do processo de mestiçagem 254 que ao identificar o nosso país como miscigenado em sua formação cultural, delega participação valorativa das populações negra e indígena na formação multicultural do Brasil. No entanto, foi a década de 1920 o marco da revisitação da temática afrobrasileira na pintura, numa tentativa de afirmação da identidade negra, contudo, não se pode perder de vista que isso não ocorreu de forma neutra. Na realidade fez parte da articulação política e ideológica de construção da própria da identidade brasileira difundidas largamente com o Movimento Modernista, também através da representação visual. Nos anos subsequentes ao acontecimento da Semana de Arte Moderna de 1922 ainda persiste a difusão de alguns princípios expostos durante este evento como a quebra com os cânones do academicismo ocidental e tentativa de desenvolver aquilo que pudesse ser entendido como arte nativa, impulsionada pelos rituais antropofágicos de tribos indígenas. Para Costa (2011, p. 1): O Modernismo é um movimento artístico que surge na década de 1920 e começa a positivar valores ao povo brasileiro que, antes tinham sido detratados. Negros e índios, antes vistos como grupos subalternos da sociedade, tanto na Literatura quanto nas Artes Plásticas, ágoras são trazidos para o centro da tela.
Com o propósito de confirmar a visualidade do segmento afrodescendente no na arte brasileira a partir de 1920, encontra-se uma diversidade de artistas que em épocas distintas divulgam em suas representações aspectos vivenciados pelos afrobrasileiros. Estas produções visuais abarcam desde as manifestações religiosas até o cotidiano social. Visando fundamentar essa abordagem, vejamos alguns quadros de artista inseridos nesse campo de representação. A escritora Cecília Meireles com Batuque, samba e macumba (1933) divulga de forma positiva as práticas culturais afrodescendentes
255
. A artista plástica Djanira da Mota e Silva participa deste panorama com a
obra Três orixás (1966) ao reproduzir a hieraticidade inerente aos ritos do Candomblé 256.
252
CUNHA op. cit. p.1022. Os estudos realizados por Gilberto Freyre se concentram em entender as relações sociais nas regiões agrárias do Brasil. A mestiçagem caracteriza-se como um processo biológico pautado nas trocas genéticas, capaz de acontecer em varias áreas geográficas do mundo e em diferentes épocas. 255 CONDURU op. cit. p. 53 256 Id., p. 56 253 254
353
Imagem (1) Djanira da Mota e Silva. Três Orixás (1966). Óleo s/tela. Dimensão 129x193cm.Acervo da Pinacoteca de São Paulo. Disponível em <http://www.raulmendessilva.pro.br>. Acesso em 20/11/2009
Heitor dos Prazeres no quadro Ritual de Umbanda (1965) e Rosina Becker do Valle na pintura Amalá na Floresta (1973) ainda se apropriando das religiões de matriz africana, simbolizam o modo circunscrito e cerceado 257
que envolvem os rituais sagrados.
Imagem (2) Rosina Becker. Amalá na Floresta (1973) Óleo s/ tela. Dimensão 120 x 190 cm. Acervo da Pinacoteca de São Paulo. Disponível em:<http://www.raulmendessilva.pro.br>. Acesso em 20/11/2009
257
Id., p. 56
354
O contexto social dos afrodescendentes aparece em representações do cotidiano como as tematizadas por Lasar Segall nas pinturas Morro Vermelho (1926) e de Bananal (1927). Estas imagens além de serem tomadas como reproduções das condições de moradia e trabalho progressivamente associadas ao negro, sobretudo, após fim do sistema econômico baseado na escravidão, fornecem argumentos para problematizar a condição social ocupada por este segmento na sociedade. Refletir sobre isso é importante para interpretar
criticamente
que
situações
de
desigualdades econômicas e sociais entre classes estão arraigadas no cerne das relações de poder. Entender que as razões motivadoras de exclusão social,
discriminação
racial
e
preconceitos,
infelizmente ainda presente na Sociedade brasileira e
vivenciada
por
inúmeros
brasileiros,
são
profundas e estão ideologicamente articuladas na História Social brasileira. Em Morro Vermelho, uma mulher negra aparece representada numa favela, considerado um meio físico desfavorável e socialmente marginalizado. Imagem (4) Lasar Segall. Morro Vermelho (1926) Óleo s/ tela. Dimensão 90 x 125 cm. Acervo da Pinacoteca de São Paulo. Disponível em <http://www.passeioweb.com>. Acesso em 20/11/2009
Imagem (3) Lasar Segall. Bananal (1927). Óleo s/ tela. Dimensão 88 x 127 cm. Acervo da Pinacoteca de São Paulo. Disponível em <http://www.passeioweb.com>. Acesso em 20/11/2009
355
Outra
importante
artista
na
representação afrobrasileira é Tarsila do Amaral. Na tela A Negra (1923), a pintora retrata uma figura de imponente dimensão e robustez corporal, em virtude da ocupação central da tela, mas de visível contraste com a demonstração de um ar melancólico. Os seios grandes e apoiados sobre o braço faz lembrar as
amas
de
leite
do
Brasil
colônia.
Personagem eternizado em romances, contos, etc.
Imagem (4) Tarsila do Amaral. A Negra (1923). Óleo s/ tela. Dimensão 100 x 80 cm. Acervo do MAC/USP. Disponível em <http://www.acvieira.art.blog.com.br>. Acesso em 20/11/2009
Na pintura de Antonio Parreiras quem mereceu destaque foi o personagem Zumbi, importante ícone na luta da libertação dos escravos, retratado na tela Zumbi dos Palmares (1917). Nesta obra Zumbi surge num ambiente de floresta, sua postura empunhando uma arma lembra alguém sempre vigilante. De modo geral, todas essas pinturas ratificam a representação pictórica negra na historiografia da Arte Brasileira mais recente, comprovando a apropriação da temática afrobrasileira em diferentes épocas e estilos artísticos. No entanto, ir mais além deste aspecto de visualidade é necessário para questionar até que ponto estas produções de fato colaboram para a permanência de uma visão estereotipada do afrobrasileiro. À medida que construímos ou usamos imagens de indivíduos seja na Arte ou em outra área, de certa forma, contribuímos para que estas imagens sejam revestidas de um valor social. Assim, a interpretação de uma imagem seja ela uma pintura ou uma fotografia emerge como resultado do atravessamento intrínseco de aspectos envolvendo o autor (produtor), o texto visual (produto cultural) e o leitor.
Imagem (5) Antonio Parreiras. Zumbi dos Palmares (1917). Óleo s/tela. Disponível em <http://www.acvieira.art.blog.com.br>. Acesso em 20/11/2009
356
A visualidade afrobrasileira no acervo do Museu de Arte de Belém Pertencendo aos princípios difundidos na Semana de Arte Moderna o Museu de Arte de Belém (MABE) reuniu ao longo dos anos de 1930 a 1950 uma produção visual dos elementos identitários locais em consonância aos princípios da representação de identidade nacional bem aos moldes do modernismo brasileiro. Segundo Silva (2009, p. 81): O debate em torno da arte moderna no Brasil, desde o inicio do século XX, esteve envolvido pela busca de uma definição de como seria o homem brasileiro, o que marcou intensamente a produção de vários artistas nacionais.
O acervo do MABE expõe uma importante coleção de obras de arte alusivas aos tipos regionais como o indígena, o ribeirinho, entre outros. A exposição é composta por inúmeras pinturas na técnica de óleo sobre tela, cujos personagens retratados reverberam um olhar sobre os hábitos e costumes da população paraense. Merece destaque nesta conjuntura, indivíduos como o cabloco do interior, o vendedor de caranguejo, a tacacazeira, a amassadora de açaí, a vendedora de cheiro, figuras populares tão conhecidas na cultura amazônica. O deslocamento para o estudo da representação social de figuras populares e folclóricas é uma vertente dos estudos antropológicos e historiográficos verificada na década de 1970 com a chamada ―micro história‖, associado a um grupo de historiadores italianos. Esta vertente segundo o que nos mostra Burke (2008, p.61): (...) a micro-historia foi uma reação contra um certo estilo de historia social que seguia o modelo de história econômica, empregando métodos quantitativos e descrevendo tendências gerais, sem atribuir muita importância à variedade ou à especificidade das culturas locais.
Incluídas instituição
estão
no
acervo
pinturas,
desta
esculturas,
peças de mobiliários de estilos Art Nouveau,
objetos
utilitários
(vasos,
castiçais etc.) e réplicas de cerâmicas marajoaras entre outros artefatos, no entanto, a intenção é perceber aquelas representações
predominantes
da
visualidade afrobrasileira.
Imagem (6) Carlos Azevedo. A entrada do Círio no Arraial de Nazaré (1905). Óleo s/tela. Dimensão: 30x55cm. Acervo do MABE.
Nesta totalidade destacam-se pinturas de manifestações religiosas como a tela A entrada do Círio no Arraial de Nazaré (1905) de Carlos de Azevedo e de variados retratos de pessoas simples do povo, como a Vendedora de Cheiro (1947) e a personagem Mendiga (1951), ambas de autoria da artista Antonieta Santos Feio e paisagens bucólicas da Cidade de Belém. Sobre a pintura de Carlos Azevedo percebe uma grande concentração de mestiços e afrobrasileiros durante a procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas esta representação apresenta a ausência de um ícone do cortejo atual, a berlinda com a Santa.
357
Os retratos de autoria de Antonieta Santos Feio (1897-1980) impressionam pelo realismo das personagens registradas através das pinceladas da renomada artista, muito conhecida pelo virtuosismo na produção de retratos. A apreensão das fisionomias dos seus modelos divide espaço com traços mais livres e leves, bem a maneira dos impressionistas, que se preocuparam em sugerir as formas. Antonieta surge como uma artista que soube se apropriar das inovações propostas pelos movimentos artísticos a favor da sua especialidade, a arte do retrato. O olhar da vendedora é longínquo, sua posição centralizada na tela contrasta com o rosto de perfil e no fundo tábuas verticais completam a composição. Um olhar atento sobre a pintura nos mostra elementos do sincretismo religioso através do crucifixo e da figa de pau d‘Angola carregada como pingentes no cordão. As flores brancas (jasmins) e vermelhas (rosas de todo ano) colocadas no cabelo remetem ao penteado usado pelas antigas mamelucas paraenses 258. A tela Mendiga traz uma personagem negra usando roupas gastas e segurando um chapéu de palha para as doações. No quadro o que chama atenção é olhar resignado da modelo, diante da condição social desfavorável.
Imagem (7) Antonieta Santos Feio. A Vendedora de cheiro. (1947). Óleo s/tela.Dimensão:105 x37cm. Acervo do MABE.
Imagem (8) Antonieta Santos Feio. Mendiga. (1951). Óleo s/tela. Dimensão: 82 x61cm. Acervo do MABE.
Imagem (9) Waldemar da Costa. Vendedor de caranguejo (1940). Óleo s/tela. Dimensão: 150 x23cm. Acervo do MABE.
258
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de.(Curadoria). Janelas do passado, espelhos do presente: Belém do Pará, arte, imagem e história. p.69.
358
O pintor Waldemar da Costa (1904-1982) estudou pintura em Portugal e França. No período entre 1928 ainda na Europa, conviveu com artistas como Eduardo Viana, Giorgio de Chirico, Saviano Pasin, Gastão Worms e Candido Portinari.259 Retornou ao Brasil em 1930 e em 1940 produziu a tela Vendedor de caranguejo, uma tela síntese do que seria o tipo paraense e do ethos regional, 260 isto é, um personagem bastante comum no cotidiano das feiras da cidade. A pintora Dahlia Déa, ex-aluna de Antonieta Santos Feio e Carlos Azevedo também se destaca no gênero da pintura acadêmica261, integraliza o acervo com a pintura Retrato de Preto Velho (1936). Esta obra se reporta a imagem de Pai João, antigo tema de cancioneiro da escravidão no Brasil. Segundo Figueiredo provavelmente Imagem (10) Dahlia Déa. Retrato de Preto Velho. (1936). Óleo s/tela. Dimensão: 71 x56cm. Acervo do MABE.
esta pintura fora elaborada para homenagear os 50 anos da Abolição da Escravidão, em 1938 262.
A tela Mercador Oriental (1934) de Oswaldo Teixeira traz uma composição que destoa um pouco das mostradas até aqui, pois revela um personagem com roupas e adereços referenciais de outra cultura, já a representação da Feira do Ver-o-Peso (1956) de Armando Balloni é percebida como um cenário tomado por sua por indivíduos afrodescendentes. Todas essas pinturas demonstram o quanto a produção artística local, pode subsidiar a temática de representação afrobrasileira no ensino da arte. Essas representações imagéticas revelam, entre outros aspectos, que o segmento negro foi elemento inspirador de inúmeros pintores e, portanto, consegue se fazer presente no cenário artístico nacional e local. Imagem (11). Oswaldo Teixeira. Mercador Oriental (1934). Óleo s/tela. Dimensão: 120x100cm. Acervo do MABE.
259
Id. p. 71 Id. 261 O termo pintura acadêmica liga-se diretamente às academias e à arte aí produzida. Presentes na Europa desde 1562, com a criação da Academia de Desenho de Florença, disseminadas por diversos países durante o séc. XVIII, as academias de arte são responsáveis pelo estabelecimento de uma formação artística padronizada e ancorada em ensino prático de geometria, anatomia e perspectiva. 260
262
Id. p. 67
359
Imagem (12).Armando Balloni. Feira do Ver-o-Peso. (1956). Óleo s/tela. Dimensão: 95x73 cm. Acervo do MABE. A tentativa de buscar um espaço dentro de instituições como museus e galerias à representação artística negra na cidade de Belém é um desafio interligado
a
construção
de
uma
educação voltada para as relações etnicorraciais de modo democrático. Este acervo na cidade de Belém torna possível refletir que uma das formas da diáspora afrobrasileira ter preservado o exercício
de
sua
identidade
na
ambiência da formação social e cultural do Brasil é por meio das representações visuais. Principalmente quando se apaga que um dos aspectos marcantes da sociedade brasileira é a constituição populacional por meio do encontro de três grupos étnicos, os ameríndios nativos da América, os colonizadores europeus e os africanos. Ao considerar esse fato, parece contraditória a permanência de ideologias sedimentadas na transmissão de valores culturais homogêneos, eurocêntricos e desarticulados com a valorização dos saberes e legados de todos os grupos étnicos na formação da pluralidade cultural do Brasil. Neste sentido é fundamental priorizar a construção de uma educação valorativa desse aspecto a fim de alcançar a promoção do respeito às diferenças. Tomando como foco o segmento afrobrasileiro, é inconteste que muitas ações podem ser tomadas no sentido de dar visibilidade a cultura negra e suas diversas formas de expressões, que neste caso, optou por enfatizar a visualidade afrobrasileira, por compreender que a construção da identidade étnica e sua afirmação se dão no embate com outros grupos sociais.
À guisa de Conclusão A Lei 10.639/2003 é um passo importante para criar ações voltadas à correção das injustiças sociais que durante décadas proporcionou uma supressão da história e cultura negra. A razão mais coerente para se estudar hoje a História da África está no fato de promover o entendimento da própria constituição cultural brasileira. A efetivação da Lei vem mostrar que abordar a Cultura Africana no âmbito da Educação é algo mais abrangente do que apenas comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e no caso específico do Ensino de Arte inúmeros caminhos podem ser trilhados a partir linguagens artísticas (artes visuais, música, teatro e dança), caminhos que vão desde a análise estética das esculturas e máscaras, da valorização da cosmovisão africana, do imaginário presente nas narrativas de tradições orais, ao universo das danças, músicas, ritmos, ritos etc., portanto, abordar as influências africanas presentes na arte brasileira é demonstrar a grande inserção do negro na produção cultural material/ imaterial do Brasil.
360
Bibliografia Arte acadêmica. Disponível em <http://www.itaucultural.or.br.Acesso> em 15/01/2012. BRASIL. MEC. SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações etnicorraciais e para o ensino da História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Brasília: SEPPIR, 2005. BURKE, Peter. O que é História Cultural.(trad. Sergio Goes de Paula). 2ª Ed. Revista e ampliada-Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira (Projeto pedagógico). Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2007. COSTA, Anne Beatriz. Pintura, raça e identidade. 2011. CUNHA, Mariano Carneiro da. Arte Afro-brasileira In: ZANINI, Walter (Org.). História Geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Sales, 1983. FIGUEIREDO, Aldrin Moura de.(Curadoria). Janelas do passado, espelhos do presente: Belém do Pará, arte, imagem e história. Belém: Prefeitura Municipal de Belém- Fundação Cultural do Municipal de Belém- FUMBEL, 2011. GONÇALVES, Maria Alice Rezende (Org.). Educação, cultura e literatura afro-brasileira: contribuições para a discussão da questão racial na escola. Rio de Janeiro: Quartet:NEAB: UERJ, 2007. Coleção Sempre Negro vol. 2. SILVA, Caroline Fernandes. O moderno em aberto: o mundo das artes em Belém do Pará e a pintura de Antonieta Santos Feio. 2009. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro.
361
O USO DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM NAS SÉRIES INICIAS: Quais as interfaces? Thiago André Nunes da CRUZ (FIBRA) 263 O objetivo deste artigo foi investigar como a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries iniciais. Os objetivos específicos deste foram: Investigar qual o entendimento dos profissionais do locus da pesquisa a respeito da arte contemporânea; Averiguar que atividades artísticas são realizadas no locus da pesquisa; Identificar como a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries inicias; e Detectar quais as dificuldades enfrentadas pelos educadores ao utilizarem a arte contemporânea no processo de aprendizagem nas séries iniciais. Como metodologia, utilizou-se, a partir do tipo de pesquisa exploratória, o método de análise do conteúdo, com a abordagem qualitativa, com uma escola de Ensino Fundamental localizada no Município de Marituba como locus da pesquisa, com a amostra de sete participantes e a entrevista como coleta de dados. Verificou-se que três dos sete participantes investigados utilizam a arte contemporânea em suas práticas pedagógicas, três participantes não a utilizam, porém, acreditam em sua contribuição no processo de aprendizagem nas séries iniciais e apenas um participante alegou não saber quais são esses benefícios. Dessa forma concluiu-se que são diversas as contribuições da arte contemporânea para o processo de aprendizagem nas séries iniciais, a partir de diversas interfaces principalmente nas áreas relacionadas ao Psicomotor, com a Performance e a Body Art; à Memória e à Lectoescrita, com as Histórias em Quadrinhos (HQs) e a Pop Art; à Atenção, com a Land Art e a Art Povera; à Percepção, com o estudo dos elementos básicos da comunicação visual: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a escala, a textura, a dimensão e o movimento e à Matemática, com a Op Art e o Minimalismo. Palavras-chave: Arte Contemporânea, Processo de Aprendizagem, Séries Iniciais.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A demanda de estudantes com dificuldade de aprendizagem, pela ótica de Silva (1998), começou a intensificar as constantes alterações na sociedade para a reivindicação de políticas educacionais e de metodologia que atendessem a essa demanda. Com isso a arte contemporânea pode ser utilizada como uma das respostas a essa demanda cada vez maior. Em relação a essa questão, percebe-se que, de acordo com Silva (1998), muitas são as dificuldades que envolvem o uso da arte contemporânea no processo de aprendizagem nas séries iniciais, uma delas, é a formação de educadores, fator de fundamental importância no referente à atuação pedagógica, principalmente em relação ao aporte teórico e metodológico. A arte contemporânea surge como possibilidade no contexto metodológico, principalmente referente às múltiplas ações que podem ser desenvolvidas no campo artístico. Por isso o presente artigo apresenta a seguinte problemática: Como a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries iniciais? Nesse contexto, traçou-se como objetivo geral investigar como a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries iniciais, e como objetivos específicos: investigar qual o entendimento dos profissionais do locus da pesquisa a respeito da arte contemporânea; averiguar que atividades artísticas são realizadas no locus da pesquisa; identificar como a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries iniciais; e detectar quais as dificuldades enfrentadas pelos educadores ao utilizarem a arte contemporânea no processo de aprendizagem nas séries iniciais. Por isso, se for feita uma análise das produções artísticas contemporâneas, conforme Freitas e Pereira (2007), esssas serão percebidas diversas formas, práticas, linguagens, materiais, tecnologias e expressões. A arte produzida com essas características, atualmente, denominada de arte contemporânea, utiliza experiências artísticas Bacharel e Licenciado Pleno em Artes Visuais pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. Pós Graduado Lato Sensu em Educação Inclusiva e Pós Graduado Lato Sensu em Psicopedagogia pelas Faculdades Integradas Ipiranga – FAIP. Pós Graduando Lato Sensu em Arte Educação pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA e Pós Graduando Lato Sensu em Artes Visuais: Cultura e Criação pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC/MA.
263
362
com os indivíduos fruidores, pois a obra não é somente mostrada, não é percebida de forma meramente contemplativa, para ser vista, mas experienciada, interativa, manipulada. A arte contemporânea, então, transforma o sujeito em espectador ativo e não somente em um observador passivo. A arte contemporânea proporciona uma visão e um pensamento mais abrangentes, conforme Freitas e Pereira (2007), pois a informação é a matéria prima da arte contemporânea e é o processo de transformação dessa matéria prima que irá ser materializado na construção de um ser humano mais crítico e reflexivo. É nesse processo cultural que a arte contemporânea é apresentada como potencial em relação à Psicopedagogia, pois para Lippmann (2002), ela é o exercício do sensível e, consequentemente, das relações socioculturais presentes nos movimentos artísticos contemporâneos. As diferentes linguagens presentes na arte contemporânea são elaboradas em um conjunto de ideias que se estruturam com o sensível em relação a um determinado sujeito em um determinado contexto cultural. Essas linguagens contribuem em diferentes aspectos do processo de aprendizagem, entre eles: o psicomotor, a memória, a atenção, a linguagem expressiva e compreensiva, a percepção, a matemática e a lectoescrita.
AS INTERFACES De acordo com Gómez e Terán (2009), o comportamento motor abrange três dimensões: a cognitiva, a motora e a afetiva. Para elas, atividades como ficar em pé, agachado, deitado ou arrastar, caminhar, suspender e saltar contribuem para o desenvolvimento psicomotor da criança e o conhecimento do corpo deve começar pelas partes fundamentais dele: cabeça, tronco e membros. A Performance, a Body Art e a Instalação são apresentadas como aliadas para o conhecimento corporal, pois estimulam o uso total do corpo. O corpo, para Sproccati (1999), é o suporte para a Body Art e a ferramenta da Performance, nesse sentido, o uso dessas linguagens podem contribuir para um melhor desenvolvimento motor, bem como desenvolver o equilíbrio estático e o equilíbrio dinâmico. Nesse sentido, trabalhar com cubos e figuras geométricas, segundo Gómez e Terán (2009), também contribuem para o desenvolvimento motor. Com isso, as ilusões de ótica presentes na Op Art de acordo com Reichardt (2000), oferecem uma grande proposta de atuação, uma vez que em uma superfície bidimensional, abriga imagens tridimensionais, o que incita a investigação por parte do aprendiz. Outro recurso seriam as figuras com palitos, para Gómez e Terán (2009), e não só com palitos, mas com fios ou barbantes, podem se mostrar de grande valia se forem originadas da ideia Minimalista de obra de arte, que é composta por uma quantidade mínima de elementos visuais. Os recortes, dobraduras e exercícios gráficos, também são maneiras de estimular a coordenação motora fina e, na perspectiva da arte contemporânea, a Action Painting, que para Sproccati (1999), solicita do autor grande destreza física, na composição da obra que se caracteriza por finos fios e manchas de tinta, estimula a coordenação e, assim, as técnicas pictográficas, de acordo com Gómez e Terán (2009), divididas em desenho livre, arabescos e preenchimento de superfícies, servem como estímulo para os indivíduos. Na concepção de Gómez e Terán (2009), existem dois tipos de memória, a memória de curto prazo ou memória de trabalho e a de longo prazo. Para elas, o que permite a utilização da memória de trabalho é a transferência da memória de longo prazo. Acrescentam que existem algumas possibilidades para a ativação da memória de curto prazo, uma delas é a criação de imagens visuais e como exemplo, no ponto de vista delas, estudar a partir de cores, contribui, para estratégias múltiplas de aprendizagem ao utilizar diferentes canais perceptivos. As HQs apresentam uma ideia sequencial da imagem para ilustrar uma passagem de tempo. Essa arte sequencial é promissora em uma atividade para o estímulo da memória, pois é intermidiática e utiliza de uma vez só
363
texto e imagem, que podem servir para criar imagens visuais ou visualizar o que será relembrado, e sequência, que perpassa pelas questões referentes à temporalidade. A Pop Art pode ser utilizada com esse mesmo objetivo, uma vez que de acordo com Lucie-Smith (2000), também utiliza as HQs em suas produções e, assim, ao utilizar as cores, textos e imagens presentes nela, pode contribuir também no processo mnemônico. Segundo Gómez e Terán (2009), é salutar reconhecer que as crianças desenvolvem sua atenção de maneira melhor pelas vias visuais e auditivas, e apresentam um grande interesse pela natureza e pelo meio ambiente. De acordo com as afirmações dessas autoras, a Land Art, a Art Povera e a Intervenção Urbana podem ser fundamentais para a aquisição da atenção pelas crianças. Para Sproccati (1999), a Land Art está diretamente associada aos elementos que se encontram na natureza, com uma característica de intervenção no local. Desenvolver atividades como: acrescentar caminhos onde não existiam antes ou traçar formas geométricas, ou inserir linhas ou parábolas no ambiente estimula principalmente a relação do indivíduo com o espaço natural e não só o indivíduo enquanto ser, mas o indivíduo enquanto corpo físico. Em relação à Art Povera, podem ser utilizados materiais orgânicos e naturais, ou seja, encontrados ou retirados, em sua maioria, da natureza, como a água e o gelo, que além de serem elementos eminentemente naturais, estimulam outros órgãos dos sentidos e possibilitam, dessa forma, maior atenção em relação ao fenômeno. A Intervenção Urbana, de acordo com Tedesco (2011), requer a atenção do estudante, pois o obriga a perceber o espaço físico geográfico de uma maneira sem a intervenção e, de outra, com a intervenção realizada. Esse autor afirma ainda que a atenção é solicitada do espectador no sentido que deverá perceber as dinâmicas espacial e social a partir da intervenção, ou seja, qual foi o impacto daquele objeto artístico instalado na urbe. Uma descrição detalhada dos espaços em que ocorrem essas três manifestações artísticas contribui também para o desenvolvimento da memória, uma vez que solicitará do observador tal capacidade no momento da descrição tanto da obra quanto do espaço. Gómez e Terán (2009) esclarecem ainda que são excelentes para crianças impulsivas, que receberão um horário ―livre‖ para desenvolver uma atividade e para crianças com grande atividade motora, que receberão oportunidade de movimentar-se em um espaço mais amplo. Em relação à atenção visual, conforme Gómez e Terán (2009), o observar de imagens e objetos colabora para o desenvolvimento dessa atenção. A Pop Art, de acordo com Lucie-Smith (2000), com suas imagens em HQs, repetições de imagens e rótulos de produtos, solicita do estudante a atenção visual no referente: a repetição de imagem e diferença entre elas e a composição visual. A maneira com que o indivíduo precisa distribuir a imagem no espaço físico, como em uma folha de papel, são possibilidades de utilização da Pop Art. Para Gómez e Terán (2009), as linguagens expressiva e compreensiva envolvem o plano de estimulação da linguagem e o desenvolvimento do sistema fonológico que abrange a consciência fonológica e exercícios articulatórios. Soprar um canudinho, por exemplo, é realizar uma Action Painting, já que essa ação pode ser também realizada com a boca. Contar uma história e solicitar que os estudantes a desenhem desenvolvem habilidades auditivas. A Action Painting, para Sproccati (1999), serviria não só para o entendimento da linguagem, mas para o entendimento da linguagem corporal e subjetiva do indivíduo, porque, de acordo com esse autor, pode também trazer à tona, emoções vividas, além de desenvolver os nervos e os músculos. Ao ocorrer toda a estimulação psicomotora, conforme Gómez e Terán (2009), os órgãos dos sentidos apresentam-se mais sensíveis em relação aos estímulos do meio.
364
As linguagens expressiva e compreensiva não precisam reduzir-se à linguagem oral, pois a Body Art e a Performance, de acordo com Sproccati (1999), respectivamente, são linguagens corporais que podem se valer da expressão oral e estimulam várias linguagens expressivas o que pode originar uma maior compreensão da linguagem oral, ao utilizarem a onomatopéia ou a repetição de letras ou fonemas. Gómez e Terán (2009) exemplificam diversas atividades voltadas para o desenvolvimento da Percepção. Estudar os elementos básicos da comunicação visual: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a escala, a textura, a dimensão e o movimento, como afirma Dondis (2007), facilita o entendimento da relação figura fundo, da discriminação visual, da organização visual e da sequência. A Op Art pode ser utilizada por ser uma linguagem na arte, de acordo com Reichardt (2000), que trabalha com a falibilidade do olho o que solicita uma atenção maior em relação à obra, ou seja, há a necessidade de uma percepção maior em relação ao que se observa. Seguir as linhas com o olhar, sem mover a cabeça, ou acompanhar círculos e espirais ao olhar desenvolve a mobilidade ocular. A leitura de imagem novamente apresenta-se fundamental no processo perceptivo e para isso Gómez e Terán (2009), afirmam que ao realizar a leitura de imagens, mesmo que não sejam reproduzidas graficamente, deve ser realizada da esquerda para a direita em um exercício semelhante à leitura ocidental tradicional. O Minimalismo apresenta-se potencial no processo perceptivo, pois visualmente se apresenta muito simples e prático, o objeto existe em si mesmo, e assim, exercícios com a arte minimalista, podem criar formas geométricas muito simples, além de trabalhar basicamente com o ponto e a linha, pois de acordo com Dondis (2007), a linha é o ponto que se ―movimenta‖ no suporte. As obras, nessa linguagem, de acordo com essa autora, apresentavam-se de forma gestáltica como se fossem repetições de atividades bem parecidas. Criar atividades de cruzar linhas ou ligar um ponto ao outro com uma linha reta, são ações recorrentes no Minimalismo. Para Gómez e Terán (2009), a percepção visual de formas geométricas também não se apresenta como tarefa fácil. Elas iniciam por formas imprecisas, as formas orgânicas, até chegarem às formas geométricas planas ou bidimensionais, pois se referem à altura e à largura: o círculo, o triângulo e o quadrado, até os sólidos geométricos ou tridimensionais, pois, além da altura e da largura, a profundidade atribuída à forma geométrica, ou seja, à perspectiva, aparece e assim originam-se a esfera, a pirâmide e o paralelepípedo. A Instalação e o Redy Made, também contribuem para o exercício da percepção, pois a primeira, para Tedesco (2011), solicita do fruidor, sua presença tanto externa, quanto internamente e, nesse sentido, a ideia do expectador de estar na obra de arte auxilia-o para o entendimento da mesma, uma vez que sua percepção viso espacial será estimulada. As Instalações também estão relacionadas aos objetos que possam por ventura estarem presentes no espaço em que a obra esteja instalada. Essa afirmação de Tedesco (2011) possibilita a utilização dos Ready Mades na composição da obra de Instalação. Reconhecer as formas geométricas dos objetos e diferenciar suas funções originais, antes de serem utilizados na obra e sua nova função, após serem utilizados na obra, requer certo grau de percepção devido à maneira como o objeto Ready Made foi apresentado no espaço, pois o sentido do objeto muda, conforme o seu método de exibição. Gómez e Terán (2009), afirmam que o aprendizado da matemática deve ocorrer de experiências concretas, a manipulação de objetos e a vivência com eles a partir de sequências progressivas. No entanto, essas autoras afirmam que conhecer é diferente de compreender. No primeiro caso, é alcançar um êxito e, no segundo, é entender algo.
365
Aprender matemática não é só saber estruturar um problema ou reconhecer as operações básicas, conforme as autoras, mas também é entender uma gama de estruturas para esse fim, então, o estudante primeiro deverá ter noção de correspondência, classificação, seriação, conceito de numeração, agrupamento de unidades e dezenas, o valor de acordo com a posição do dígito e assim por diante. A Op Art e o Minimalismo contribuiriam diretamente para o entendimento da linguagem matemática, porque o aprendizado da matemática envolve relações referentes também à: interatividade, interconexão imersão e simulacro, e não só a essas relações, mas a muitos outros conceitos, tais como: multiplicidade, segmentaridade, paradoxo, coexistência das diferenças e dos modelos elípticos, parabólico e hiperbólico. Visualmente a Op Art contribuiria para o melhor entendimento de alguns desses conceitos, pois como afirma Reichardt (2000), parte da ilusão de ótica, ou seja, os processos considerados normais da visão são postos à prova, além de lidar com os significados da subjetividade de quem frui a obra, e, dependendo dela, muitos conceitos matemáticos estão presentes. No estudo do Minimalismo, pode ser estimulado o estudo da projeção, da linha e de ângulos, temas referentes à matemática e, poderiam ser estudadas as noções de infinidade e de continuidade, uma vez que permite o estudo da representação espacial e carrega em si as formas e a visualidade dessas duas noções. Para Gómez e Terán (2009), a lectoescrita é um fenômeno que envolve dois processos que se complementam: o ler e o escrever. Para elas, a memória visual de longo prazo é necessária para a aprendizagem referente à ortografia, pois associa a palavra com o desenho, ou seja, a forma espacial com a qual a palavra se apresenta graficamente. Segundo Gómez e Terán (2009), quem aprende a ler deve compreender que essa aprendizagem tem um sentido que é um processo natural. O educador frente, a essa afirmação, deve realizar tal atividade com facilidade. Alguns métodos surgiram nesse sentido, por exemplo: o procedimento fundamentado na cor, ou seja, o sistema psicolinguístico de fônicos em cor: divide-se as letras em grupos ou subgrupos da seguinte maneira, as vogais são de tal cor, as consoantes de tal cor, e assim por diante. Outro método para se estimular a lectoescrita, são as estratégias fundamentadas na integração interhemisférica, que, para essas autoras, fundamenta-se em estimular o uso dos dois hemisférios do cérebro, ao construírem imagens mentais a partir de objetos concretos, visualizar e descrever objetos do cotidiano e utilizar histórias para que as crianças possam construir suas próprias imagens visuais. No reconhecimento de letras, as HQs e a Pop Art oferecem essa possibilidade, pois a primeira utiliza três elementos básicos que servem para o estímulo da leitura: a imagem, o texto e a sequência dos fatos. Essa forma intermidiática estimula vários órgãos dos sentidos, assim, a leitura de HQs a partir da complexidade presente na produção da arte sequencial, resulta em grande estímulo para a lectoescrita. A Pop Art pode contribuir nesse processo, tanto pelas HQs, quanto pelo trabalho desenvolvido com os rótulos de produtos de massa. A identificação das letras alfabéticas e da tipografia dessas letras, ou seja, da maneira viso espacial de sua configuração e organização espacial no rótulo. Lucie-Smith (2000), afirma ainda que, na Pop Art, esses rótulos eram retirados da vida cotidiana das pessoas, justamente com o objetivo de questionar a cultura de massa da época, então eram utilizados rótulos de lata de sopa, caixa de sabão, revista de ciência, ou seja, produtos presentes na casa de, se não todas, quase todas as pessoas. Nessa perspectiva, usar rótulos de sabão ou doces contribuiu principalmente em utilizar elementos do cotidiano das pessoas e assim, não causar tanto estranhamento em relação à arte contemporânea. Outra possibilidade de desenvolver atividades atinentes à lectoescrita seria o uso da Arte Grafite que também perpassa pelo cotidiano escolar e mais uma vez não causaria grande estranhamento. A Arte Grafite é
366
composta principalmente por imagens, no entanto, de uma maneira ou de outra há a presença da escrita, geralmente associada com a imagem, por isso, as palavras pequenas e simples ou poemas que acompanham essa linguagem artística são de grande valia para o processo alfabético, uma vez que envolve uma mensagem poética e/ou política combinada à expressões figurativas. A Arte Política apresenta-se potencial nesse processo, as relações entre arte e política são complexas e assim precisam de uma interpretação a respeito do fato. Ao ler a imagem da Arte Grafite e interpretá-la, não pode ser negado que a criança ―leu‖ algo e, portanto, de acordo com Gómez e Terán (2009), pode ser capaz de realizar uma crítica em relação à imagem lida. A explicação oral a respeito do que viu, sua transcrição para o papel ou para qualquer outro tipo de suporte, constitui-se em um texto, e por isso, está no exercício da lectoescrita. Quando o indivíduo chegar a esse patamar de leitura e interpretação, a Arte Conceitual pode ser evocada, pois é radical, de acordo com Smith (2000), no sentido da combinação entre posturas e posicionamentos em relação ao meio social em que vivem, além de como um método para formatar suas ideias, sem perder a sequência do pensamento, pois é esse pensamento, para Gómez e Terán (2009), que irá direcionar esse aprendiz para a decodificação e posterior registro de suas ideias. Todos os aspectos anteriores, de uma maneira ou de outra, perpassam por uma ação muito recorrente: a leitura da imagem. Quando se aborda questões referentes à leitura de imagem, de acordo com Dondis (2007), não ocorrem questionamentos referentes somente à composição visual tais como: cor, direção, movimento, simetria, assimetria, textura, escala, ponto, linha, entre outros, mas de seus significados artístico, histórico e social presentes no contexto de sua produção. Barbosa (2009) apresenta diferentes metodologias para o uso da imagem. Aqui serão enfocados apenas três por serem os mais recorrentes no Brasil: 1) A proposta Triangular: leitura da obra de arte, fazer artístico e contextualização; 2) O método comparativo de análise de obras de arte e 3) O Método de multipropósito. De acordo com essa autora, no Brasil, a ênfase maior no ensino das artes visuais e, por consequência, da arte contemporânea fundamenta-se principalmente no fazer artístico. O potencial desse fazer capta e processa a informação a partir da imagem, o fazer então contribui para o processo inteligível da criança, mas não se apresenta suficiente. Para Barbosa (2009), as pessoas também devem ser alfabetizadas para a leitura da imagem e assim permitir a alfabetização para uma leitura fixa e também em movimento, bem como para a decodificação da gramática visual, e assim, a proposta triangular: leitura da obra de arte, fazer artístico e contextualização, surgem. Primeiramente ocorre a leitura da obra, sua decodificação visual e mensagem presente na obra, posteriormente a criança em um processo de releitura gráfica reproduz a obra e finalmente faz a relação com suas necessidades, interesses, seus valores e sua contribuição específica para a cultura. No referente ao método comparativo de análise de obras de arte, Barbosa (2009), afirma que para aprender a linguagem da arte implica necessariamente desenvolver técnica, crítica e criação e, por isso, leva em consideração questões referentes ao homem, tais como: as psicológicas, as sociais e as culturais. Esse método então aparece na comparação entre obras de arte, mas não é uma simples comparação, do tipo o que tem na imagem A que não está presente na imagem B, mas traz à superfície questões referentes à sociedade, religião e psicologia presentes na cultura da época em que as obras foram produzidas. E não só diferenças ideológicas, mas diferenças também entre as diversas técnicas e expressões. Essa estudiosa afirma que esse processo só poderá ocorrer do desenvolvimento crítico do indivíduo subdividido em quatro fases: a descrição da obra ou o que se vê; a análise, a partir da observação do que se vê; a interpretação, atribuir significado à obra de arte e o julgamento, decidir a respeito do valor de um objeto de arte.
367
De acordo com Barbosa (2009), o método multipropósito é desenhado para orientar o uso da reprodução da imagem como instrumento de ensino em uma abordagem que possibilite ao estudante maior acuidade em relação à educação estética, à simbologia visual e verbal, às mudanças históricas e de autoidentificação, entre outros. O método multipropósito poderia ser estabelecido em quatro etapas: 1) o exercício do ver ao descrever claramente os elementos presente na imagem; 2) o exercício de aprendizagem, ao compreender as obras e desenvolver atividades referentes ao julgamento de valor e desenvolver conceitos espaciais; 3) a extensão da aula, relacionar a arte com o meio ambiente e realizar também relações históricas e 4) produzir artisticamente, do encorajamento da atividade criadora grupal, incentivar a produção artística e investigar formas, texturas, cores entre outros. Mediante o exposto, entende-se que há uma gama de possibilidades presente na utilização da arte contemporânea no processo de aprendizagem nas séries iniciais e por mais distante que o prédio da escola fique de um centro urbano, ou mais difícil que seja chegar à uma escola qualquer com uma obra de arte, sempre poderá recorrer-se à imagem, presente ou em um livro, em um rótulo de produto de uso doméstico, nos muros das cidades e até dentro das próprias escolas com a presença das ―tribos‖ contemporâneas que possuem toda uma peculiaridade estética em seu comportamento.
METODOLOGIA Este artigo apresentou um caráter do tipo exploratório, que visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vista a torná-lo explícito. A abordagem utilizada foi qualitativa, uma vez que foi trabalhado com o universo de significados, a partir do entendimento dos sujeitos no referente à arte contemporânea. O locus para a realização deste artigo foi uma escola municipal de Ensino Fundamental localizada na área metropolitana do Município de Belém, em dois turnos: o da manhã e o da tarde. A amostra envolveu sete sujeitos que atuam no locus da pesquisa, como professores das séries iniciais em oito turmas, assim divididos: 1 na primeira série, 1 na segunda série, 2 na terceira série, 2 na quarta série e 1 sujeito que atua em um turno na segunda série e em outro turno na quarta série. Utilizou-se a entrevista como instrumento de coleta de dados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificou-se que três dos sete participantes investigados utilizam a arte contemporânea em suas práticas metodológicas, três participantes, não a utilizam, porém, acreditam em sua contribuição no processo de aprendizagem nas séries iniciais. Apenas um participante alegou não saber quais são esses benefícios. De maneira geral, a arte contemporânea contribui para o processo de aprendizagem nas séries iniciais na criação de um canal comunicacional; na possibilidade de ser mais uma ferramenta metodológica para o professor; na possibilidade de o estudante frequentar espaços expositivos; em um campo rico em experimentações que propiciam ao indivíduo o desenvolvimento progressivo do percurso de criação pessoal; além de ser mais viável financeiramente e poder ser desenvolvida em quase todos os espaços. De maneira específica, as contribuições da arte contemporânea no processo de aprendizagem nas séries inicias são: a Performance, a Body Art e a Instalação, que são apresentadas como aliadas para que ocorra o conhecimento corporal, pois estimulam o uso total do corpo; a Action Painting, que solicita do autor grande destreza física; as HQs que apresentam uma ideia sequencial da imagem para ilustrar uma passagem de tempo. A contribuição dessa linguagem artística é promissora em uma atividade para o estímulo da memória bem como a Pop Art, pois também utiliza as HQs.
368
A Land Art, a Art Povera e a Intervenção Urbana, contribuem para a aquisição da atenção pelas crianças, haja vista que elas, deverão perceber as dinâmicas espacial e social e na linguagem expressiva e compreensiva que não precisa se reduzir à linguagem oral. A Body Art e a Performance são linguagens corporais que podem também se valer da expressão oral; a Op Art, pode ser utilizada para a realização de atividades referente à atenção, pois trabalha com a falibilidade do olho; o Minimalismo, que permite o estudo da projeção, da linha, dos ângulos, das noções de infinidade e de continuidade e da representação espacial, todos temas referentes à matemática. Na perspectiva da lectoescrita, as HQs, a Pop Art, a Arte Grafite e a Arte Política podem ser utilizadas, pois a forma intermidiática das HQs, com a produção da arte sequencial e do uso de rótulos de produtos de consumo doméstico, contribuem para o exercício da leitura e da escrita, bem como a Arte Grafite que é composta principalmente por imagens, no entanto, há a presença da escrita e a Arte Política se apresenta potencial nesse processo, porque, as relações entre arte e política são complexas e, assim, precisam de uma interpretação a respeito do fato. É dessa multiplicidade de possibilidades, saberes, pessoas, culturas e manifestações artísticas que devem ser utilizadas novas propostas no ensino ou até mesmo propostas já existentes, porém, com um novo significado. A arte contemporânea apresenta-se no contexto educacional de maneira a contribuir no processo de aprendizagem, e, por isso, deve-se levar em consideração as potencialidades dos indivíduos e suas contribuições enquanto sujeitos construtores de conhecimentos e ideias em uma sociedade cada vez mais pluri e, por conseguinte, aberta às diversas possibilidades de ser.
REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 27-91; 105-127. CHIPP, Herschel Browning. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 463-637. DONDIS, Donis A.. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 51-83. FREITAS, Neli Klix; PEREIRA, Janaina de Abreu. Necessidades Educativas Especiais, Arte, Educação e Inclusão. Revista E-Curriculum, São Paulo, v. 2, n. 2, junho. 2007. GÓMEZ, Ana Maria Salgado; TERÁN, Nora Espinosa. Dificuldades de aprendizagem: detecção e estratégias de ajuda, manual de orientação para pais e professores. São Paulo: Cultural, S.A., 2009. p. 203-437. LIPPMANN, Eglecy. Da Inclusão da Arte à Arte da Inclusão. RevistaAnalecta, Guarapuava, v. 3, n. 2, p. 9-17, julho/dezembro. 2002. LUCIE-SMITH, Edward. Arte Pop. In: STANGOS, Nikos. (Org.). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. p. 160-169. REICHARDT, Jasia. Arte Op. In: STANGOS, Nikos. (Org). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. p. 170-173. SILVA, Maria Cecilia Almeida e. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. SPROCATI, Sandro. Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Presença, 1999. p. 222-232; 252-261. TEDESCO, Elaine. Instalação: campo de relações. Centro Universitário Feevale, 2004.
369
CONTROLE SOCIAL NA POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO ESTADO DO PARÁ: os desafios da Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador – CIST/PA Roseana Gomes Leal dos SANTOS (UFPA)264 Eugênia Suely Belém de SOUSA (UFPA)265 O presente estudo surgiu em razão de pesquisas realizadas anteriormente sobre o Controle Social na Política de Saúde do Trabalhador, decorrentes de participação nas atividades das ações preconizadas pela Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador – CIST-PA. Teve por objetivo analisar a contribuição da CIST-PA, no acompanhamento da execução e avaliação da Política de Saúde do Trabalhador no Estado do Pará. A pesquisa foi realizada através de levantamento bibliográfico e documental dos anos de 2009 e 2010. Com os resultados obtidos e analisados se constatou que apesar dos desafios enfrentados, na medida do possível, a Comissão vem contribuindo para o fortalecimento da execução da política pública de saúde. Palavras-chave: Controle Social, Saúde do Trabalhador, Comissão Intersetorial, Política Pública de Saúde. INTRODUÇÃO O termo ―controle social‖ surgiu com a sociologia, tendo a sua empregabilidade no sentido de estabelecer um compromisso entre o poder público e a participação social nas políticas públicas.
A expressão tem se
constituído como elemento de grande relevância das discussões e práticas atuais de distintas frações da sociedade como sinônimo de participação social nas políticas públicas. No Brasil a temática tomou corpo a partir do processo de democratização na década de 80, principalmente, com a promulgação da Constituição de 1988 e as leis orgânicas que instituíram mecanismos de participação nas políticas públicas por meio dos Conselhos e as Conferencias. Para um aprofundamento da temática, se faz necessário compreender qual é a importância e o papel do controle social, na área da Saúde do Trabalhador, sobretudo nas ações desenvolvidas pela Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador (CIST/PA), pois é uma comissão que pertence ao Conselho de Saúde com caráter consultivo e de assessoramento, propondo medidas que permitem programar políticas específicas no âmbito da saúde, fiscalizando, acompanhando e respondendo às consultas do Conselho de Saúde e do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Além de se tratar de um formato de controle social pouco divulgado, mas com uma relevância significativa entre o movimento social e sindical, que potencialmente pode se constituir em ferramenta útil e democrática na gestão pública. Cabe ressaltar que este objeto de estudo tornou-se mais instigante ao se considerar que o entendimento sobre o Controle Social na Saúde do Trabalhador preconiza uma ação do Sistema Único de Saúde (SUS) articulada a outras políticas sociais, como por exemplo: a moradia, a educação, o lazer, o esporte, e outras. Esta pesquisa teve como objetivos identificar qual o papel da Comissão no assessoramento do controle social para a Política de Saúde do Trabalhador no Estado do Pará, identificar as ações desenvolvidas para o benefício da saúde do trabalhador, verificar de que maneira as ações são desenvolvidas, tendo em vista identificar quais os obstáculos encontrados no desenvolvimento de suas ações. O intuito da pesquisa foi dar relevância a temática e, realizar um estudo a cerca da contribuição da CIST/PA, no acompanhamento da execução e avaliação de políticas públicas na área da Saúde do Trabalhador, tendo como eixo norteador os seguintes questionamentos:
264 265
Pós-graduada em Gestão em Saúde. Universidade Federal do Pará – UFPA. e-mail: roseleal13@hotmail.com Psicóloga da UEPA. Docente da Faculdade Ideal; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. e-mail: lybelem@gmail.com
370
Quais são as ações desenvolvidas pela CIST/PA? Para que serve? De que forma essas ações estão sendo desenvolvidas pela CIST/PA? Quais as dificuldades encontradas no desenvolvimento de suas ações?
1 JUSTIFICATIVA A participação social na gestão pública surge na década de 70, em pleno período crítico da ditadura militar, a partir das primeiras manifestações dos movimentos populares com o Estado através da experiência dos conselhos populares na Zona Leste de São Paulo. No decorrer desse período vários movimentos populares surgiram como, por exemplo: Reforma Sanitária, Psiquiátrica no Brasil, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Movimento pela Reforma Urbana, dentre outros, fizeram com que aumentassem a pressão para a criação de uma nova Constituição Federal, a de 1988 que fez com que configurasse em seu artigo 196, ―a saúde como direito de todos e dever do Estado‖. O conceito de saúde passa a considerar aspectos sociais importantes, em sua definição, como: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, e outros, tendo assim uma visão mais abrangente de saúde. O Movimento de Reforma Sanitária organizado na década de 70 por intelectuais, partidos políticos de esquerda, contrariamente a ditadura militar, conclamou a participação popular, aonde se reconheceu neste mecanismo, uma correlação de forças para que a democratização da saúde fosse possível como exercício da legalidade. Com a promulgação da nova constituição de 1988, sendo esta um marco na história da saúde pública brasileira, que passou a definir a saúde como "direito de todos e dever do Estado", a comunidade passa a ter participação sendo integralizada no item III do artigo 198 da seção II da Constituição Federal, como diretriz do novo Sistema Nacional de Saúde. Uma grande conquista legal ocorreu com a garantia da participação da comunidade no controle social do SUS nos três níveis de governo, permitindo a criação das Conferências e Conselhos de Saúde. O controle social é entendido como a capacidade que a sociedade tem de influir sobre a gestão pública com o objetivo de banir as práticas fisiológicas e clientelísticas que conduzem a privatização da ação estatal no Brasil (Barros, 1992, apud Correia, 2000, p. 54). Em 1990, o SUS é regulamentado, tendo seus princípios estabelecidos pela publicação da Lei nº 8.080/90, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, definindo atribuições e competências à união, estados e municípios, com criterios de financiamento para o setor de saúde. O controle social através da Lei 8.142/90 dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências (...). Essa Lei federal, em seu artigo 1° regulamenta a participação da população por meio de duas instâncias colegiadas:
I - A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. II - O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.
Segundo a Lei 8.142/90, em seu § 2º, compete ao Conselho de Saúde:
371
Atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instancia correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.
Para Correia (2000, p.55), essa participação institucionalizada da sociedade civil na política de saúde foi concebida como controle social, ou seja, como intervenção da sociedade organizada nas ações do Estado na gestão do gasto público. O controle social no SUS se dá através dos Conselhos de Saúde e das Conferências de Saúde (Nacionais, Estaduais e Municipais) que partem do princípio de que é importante que a sociedade participe das decisões e proponha ações e programa para resolução de seus problemas de saúde e, principalmente, controle a qualidade dos serviços públicos, o modo como eles são implementados, e fiscalize a aplicação dos recursos destinados à saúde. Os Conselhos de Saúde, seja no nível nacional, estadual ou municipal, têm garantido por lei a paridade entre os usuários do SUS (50%) e os prestadores de serviços, profissionais de saúde e gestor - governo - (50%) independentemente do número de conselheiros. Por sua vez, as Resoluções 33/92 e 333/03 do Conselho Nacional de Saúde determinam que a representação dos Usuários seja igual a 50% dos Conselheiros, dos Profissionais de Saúde de 25% e dos Gestores e Prestadores de Serviços os outros 25%. Entretanto, as Conferências de Saúde têm caráter consultivo e objetivam avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes da política em cada nível de governo. Já os conselhos têm caráter permanente e deliberativo, devendo atuar na aprovação das diretrizes e no controle da execução da política de saúde, incluindo seus aspectos econômicos e financeiros. As decisões destas instâncias ocorrem sobre políticas que têm caráter de universalidade, daí a importância que a composição destes fóruns espelhe os mais distintos setores da sociedade assegurando à consolidação de um modelo de atenção a saúde baseado nos direitos de cidadania (3ª CNST, 2005). Bravo (2002, p. 45), cita que o sentido do controle social inscrito na Constituição de 1988 é o da participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. Nesta concepção conclui-se que as relações estabelecidas, entre Sociedade Civil e Estado, poderão ocorrer por meio das políticas públicas, dentro de uma perspectiva que visa à atuação de setores organizados representativos das classes subalternas, tendo um maior controle, interferindo em sua gestão, com a finalidade de orientar as ações e os gastos do Estado, que atendam as demandas e aos interesses das classes.
2 METODOLOGIA Essa pesquisa teve uma abordagem qualitativa, buscando compreender a realidade a partir da descrição de significados, utilizando-se de fontes primárias e secundárias. A metodologia utilizada foi da pesquisa bibliográfica e documental com o intuito de obter um melhor aprofundamento e contextualização da temática. Para tanto, utilizou-se da pesquisa documental que envolve a investigação em documentos internos da instituição por meio das atas de reuniões, regimento interno, leis, portarias, resoluções, decretos e relatórios. O procedimento de coleta de dados se deu a partir da analise das informações constantes no banco de dados dos acolhimentos de 2009/2010 do CEREST/PA, que foram referenciados pela CIST/PA, totalizando 46 (quarenta e seis) trabalhadores atendidos pelo quadro de técnicos do CEREST/PA. Os acolhimentos referenciados mais expressivos em 2009 foram do Sindicato dos Metalúrgicos do Pará (SIMETAL), em número de 06 (seis), que representou 25% do total. Com relação ao ano de 2010, os mais expressivos foram os da Associação em Defesa dos Reclamantes e Vitimados por Doença do Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio (ADVRDT-CPA), em número de 08 (oito), representando 36,36% do total.
372
Utilizou-se da analise de conteúdo das atas de reuniões do período estudado, onde se buscou identificar por meio dos relatos dos participantes das reuniões quais os obstáculos encontrados pela CIST/PA para o desenvolvimento de suas ações. Do universo de 30 (trinta) assuntos discutidos nas 07 (sete) reuniões realizadas em 2009, e dos 32 (trinta e dois) discutidos nas 09 reuniões realizadas em 2010, dentre estes, 19 assuntos relatam os obstáculos, dos quais foram selecionados por amostragem os mais contundentes.
3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 4.1 AÇÕES DESENVOLVIDAS PELA CIST/PA PARA A POLÍTICA DE SAÚDE DO ESTADO/PA A CIST/PA vem desenvolvendo as suas ações por meio de um plano de trabalho bienal, onde a cada 02 (dois) anos ocorre um processo eleitoral para eleger uma nova coordenação, que após eleita, elabora um novo planejamento de ações, com os seguintes objetivos/ações: Acompanhamento & Monitoramento do Planejamento e da Política de Saúde do Trabalhador: Participar/apoiar ações de vigilância em Saúde do Trabalhador (participar de forma autorizada das ações de vigilância junto às instituições); Acompanhar a Política Estadual de Saúde; Participar e apoiar estudo e pesquisa em ST; Apoiar as CIST‘s existentes e criar novas CIST‘s; Participar dos eventos referentes à avaliação e relato da gestão da saúde e cobrar efetivação das resoluções encaminhadas. Capacitação & Eventos: Jornada Estadual em ST; I Seminário Estadual do Controle Social em Saúde do Trabalhador; Seminário sobre introdução a Saúde do Trabalhador; Curso intensivo de capacitação sobre o Nexo Técnico Previdenciário – NETP. Comunicação: Encaminhamentos; Garantir espaço físico e estrutura operacional adequada ao funcionamento eficaz das CIST‘s; Comunicação interna; Identificação dos componentes da CIST; Dar visibilidade às ações do controle social em Saúde do Trabalhador no Estado do Pará; Divulgação na mídia. Articulação Política Intersetorial: Solicitar espaço nos veículos de comunicação das entidades sindicais; Divulgar a CIST nos órgãos públicos.
As demais atividades da Comissão Intersetorial, seguem o acompanhamento das ações do CEREST/PA: plano anual, apreciação dos relatórios de gestão, vigilância em Saúde do Trabalhador, atividades sócio-educativas, dentre outras; eventos na área do Controle Social; articula com as demais CIST‘s existentes no Estado.
4.2 CONTRIBUIÇÃO DA CIST/PA PARA A POLÍTICA DE SAÚDE DO ESTADO/PA A CIST/PA vem contribuindo com a Política de Saúde do Trabalhador por meio dos acolhimentos que são referenciados ao quadro de técnicos dos CEREST/PA, conforme as informações constatadas no banco de dados dos acolhimentos de 2009/2010 do CEREST/PA, totalizando 46 (quarenta e seis) trabalhadores atendidos. Durante o ano de 2009, dentre os 24 (vinte e quatro) acolhimentos realizados, constata-se que os mais expressivos foram referenciados pelo SIMETAL, em número de 06 (seis), que representa 25% do total.
373
Já no ano de 2010, dentre os 22 acolhimentos realizados, os mais expressivos foram os da ADVRDT266
CPA , ficando em 08 (oito), representando 36,36% do total. Diante da analise realizada, ressalta-se que os acolhimentos referenciados pela comissão são originados de demandas relacionadas à segurança e saúde do trabalhador, ocasionadas por acidentes de trabalho, psoríase, esforço repetitivo e outros, de trabalhadores que buscam informações para resolução de seus problemas existenciais. No que se refere às contribuições referentes às capacitações promovidas pela CIST/PA, sobre temas que dão ênfase a Saúde do Trabalhador, a mesma realizou os seguintes eventos, conforme segue abaixo:
Oficinas do Planejamento da CIST;
Jornada Estadual em Saúde do Trabalhador.
Porém, a comissão ainda realizou eventos em parceria com o CEREST/PA, tais como:
Oficinas de capacitação da Rede Sentinela267;
Cursos de Aperfeiçoamento de Vigilância em Saúde do Trabalhador – VISAT.
Seminário Estadual do Controle Social;
Assim, as contribuições dadas pela CIST/PA à Saúde do Trabalhador estão de acordo com as atribuições determinadas no seu Regimento Interno, em seu Art.2º, item XI, conforme segue: Avaliar e propor, sempre que necessário, em conjunto com a SESPA e o CEREST/PA e o CES, programas de formação e treinamento de recursos humanos à área da saúde do trabalhador, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
Com efeito, os investimentos em programas de treinamento para formação de mão de obra especializada completa essa parceria que tem por finalidade conter e controlar de maneira eficaz as dificuldades encontradas pela CIST/PA no desenvolvimento de suas ações.
4.3 OBSTÁCULOS ENCONTRADOS PELA CIST/PA NO DESENVOLVIMENTO DE SUAS AÇÕES Dentre os resultados alcançados após analise de conteúdo das atas de reuniões realizadas no período de 2009/2010, identifica-se uma gama de dificuldades que limitam a atuação dos membros da CIST/PA no desenvolvimento de suas ações, que geram obstáculos na implementação da Política de Saúde do Trabalhador ao controle social. Do universo de 30 (trinta) assuntos discutidos nas 07 (sete) reuniões realizadas em 2009, e dos 32 (trinta e dois) discutidos nas 09 (nove) reuniões realizadas em 2010, constata-se que 19 (dezenove) assuntos relatam os obstáculos enfrentados pela CIST/PA para o desenvolvimento de suas ações, dos quais se pega por amostragem os 06 (seis) assuntos mais contundentes, conforme se demonstra nos gráficos 1 e 2.
Constam como missões: a) investigar omissões no encaminhamento de casos à Previdência Social; b) Trata de ―acordos‖ firmados com trabalhadores afastados da empresa por longo período, e após passarem por reabilitação e posterior demissão; c) Buscar reparação dos danos físicos, mentais e sociais decorrentes dos diversos males ocasionados pela exposição continuada a agentes físicos e químicos no ambiente de trabalho. 267 Art. 1º Regulamentar a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador - acidentes e doenças relacionados ao trabalho - em rede de serviços sentinela específica, no Estado do Pará. Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de 2004. 266
374
Para uma melhor ilustração, apresenta-se o demonstrativo dos obstáculos enfrentados pela CIST/PA no desenvolvimento de suas ações, conforme quadro abaixo: Demonstrativo dos obstáculos enfrentados nos anos 2009/2010 – CIST/PA OBSTÁCULOS
PERCENTUAL/2009
PERCENTUAL/2010
1
Falta de comunicação
68,42%
31,57%
2
Falta de participação dos membros
36,84%
10,52%
3
Não realização de projetos/ações
36,84%
10,52%
4
Falta
36,84%
21,05%
de
conhecimento
dos
participantes
(metas/diretrizes/legislações) 5
União das CIST‘s
26,37%
5,26%
6
Falta de espaço físico
26,37%
15,78%
7
Falta de controle das ações
15,78%
5,26%
8
Falta de material humano
15,78%
5,26%
9
Falta de calendário/2009
15,78%
10,52%
10
Falta de fiscalização do CES nas atividades
10,52%
10,52%
11
Falta de recursos financeiros na realização das ações
10,52%
5,26%
12
Falta de consenso – CIST/CEREST
10,52%
5,26%
13
Falta de cobrança/CES para implantação de projetos
10,52%
10,52%
14
Falta de divulgação
10,52%
15,78%
15
Falta de coordenação em Santarém/PA
10,52%
5,26%
16
Coincidência de calendário entre CIST/CEREST
0%
5,26%
17
Falta de encontro gestores
5,26%
0%
18
Falta de criação de novas comissões
5,26%
0%
19
Falta de Planejamento anual
5,26%
0%
Fonte: Atas de reuniões – 2009/2010
No que se refere ao quadro acima, percebe-se que alguns itens dos obstáculos são significativos, pois carecem de uma maior atenção por parte da coordenação da Comissão, como é o caso dos obstáculos: falta de comunicação, falta de participação dos membros, não realização de projetos/ações; falta de conhecimento dos participantes (metas/diretrizes/legislações), falta de espaço físico e falta de material humano. O gráfico 1 abaixo, evidencia por amostragem a realidade das dificuldades do ano de 2009 citadas acima, sendo as mais significativas no que diz respeito à resolução dos problemas.
375
Gráfico 1: Demonstrativo dos obstáculos enfrentados no ano de 2009 – CIST/PA Falta de comunicação 15,78% 26,37% 68,42% 36,84%
Falta de participação dos membros Não realização de projetos/ações
36,84%
36,84% Falta de conhecimento dos participantes (metas/diretrizes/legislações) Falta de espaço físico Falta de material humano
Fonte: Elaboração da autora – 2012
Abaixo se demonstra, no gráfico 2, por amostragem a realidade das dificuldades enfrentadas pela CIST/PA no ano de 2010, citadas anteriormente acima, com o mesmo propósito. Gráfico 2: Demonstrativo dos obstáculos enfrentados no ano de 2010 – CIST/PA Falta de comunicação 5,26% 15,78%
Falta de participação dos membros 31,57% Não realização de projetos/ações
21,05% 10,52%
10,52% Falta de conhecimento dos participantes (metas/diretrizes/legislações) Falta de espaço físico Falta de material humano
Fonte: Elaboração da autora – 2012 Porém, constata-se nas atas das reuniões, que a ―falta de comunicação‖ ocorre em virtude das demandas apresentadas não serem encaminhadas a quem de direito, para tomada de decisão e resolutividade dos problemas apresentados. Isto causa insatisfação e desmotivação dos membros da Comissão em ver o seu trabalho não concluído, e não respeitado. Essa questão tem de ser levada em consideração, pois se trata de um trabalho sem remuneração, com caráter voluntário. Além do que reflete diretamente na saúde do trabalhador. Em se tratando do item da ―falta de participação‖, o comprometimento, o conhecimento da causa, e a obediência das normas poderão ser utilizadas como estratégias para que a comissão cumpra o seu papel de fazer com que a Política de Saúde do Trabalhador funcione no SUS de forma eficaz. Com relação ao item da ―falta de espaço físico‖, a CIST/PA deveria constituir um espaço físico dentro do Conselho Estadual de Saúde (CES), aonde pudesse receber apoio logístico, humano e financeiro, no entanto se apóia no CEREST/PA para esta finalidade. O CES ainda necessita rever esta questão, uma vez que, as outras CIST‘s existentes em alguns municípios deste Estado, têm o apoio direto deste.
376
Tomando-se como base os relatos dos participantes das reuniões da CIST/PA, onde se reclama da falta de comprometimento na execução dos trabalhos burocráticos administrativos, se faz necessário, observar este aspecto, pois se trata de mais uma dificuldade na hegemonia da execução do papel da Comissão como consta no Regimento Interno, em seu Art. 2º Das Atribuições, item VII. Elaborar pareceres sobre as propostas de políticas estaduais inclusive nos aspectos econômico-financeiros e de metas, bem como sobre a operacionalização de ações e programas de assistência, vigilância e promoção da saúde do trabalhador, com posterior encaminhamento ao Pleno do CES.
Em se fazendo a relação dos problemas e dificuldades acima citados, levantados pela CIST/PA e relatados em atas, os órgãos que detém o poder de decisão para a solução dessas questões, precisam tomar conhecimento que devem agir com urgência, pois os trabalhadores em suas reclamações anseiam por dias melhores. Assim, parte-se do princípio de que, qualquer trabalhador pode se envolver na política de Saúde do Trabalhador, a CIST/PA, não pode fugir das diretrizes/legislações, sejam elas nos âmbitos Federal, Estadual, ou Municipal, mesmo porque, a sua formação se constitui de entidades representativas de categorias de trabalhadores diversas. Quando se trata de saúde do trabalhador, fala-se da massa produtiva de uma nação e seus reflexos entre aqueles que ainda não o são, no caso, as famílias dos mesmos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo possibilitou revelar, de forma geral, que a Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador – CIST/PA vem contribuindo para a Política de Saúde do Trabalhador através das várias ações desenvolvidas no âmbito do Estado do Pará, pautadas por meio das legislações nacionais e estaduais vigentes (Lei nº 8.080/90, 8.142/90 e Resolução 333/03), que se referem à participação do controle social na Política de Saúde do Trabalhador. Pode-se destacar que a CIST/PA, desenvolve articulações políticas intersetoriais com os seguintes setores: Trabalho, Previdência Social, Saúde, Assistência Social e Meio Ambiente, com a finalidade de fazer um trabalho de divulgação da Política de Saúde do Trabalhador em todo o Estado do Pará. No âmbito estadual ressalta-se que a CIST/PA desenvolve por meio da capacitação e qualificação estratégias para eliminar as ocorrências de acidentes de trabalho, pela precariedade dos locais em que se encontram inseridos os trabalhadores, sejam eles, formais, informais, etc. A capacitação e qualificação se dá por meio de cursos, oficinas, encontros nacionais, estaduais e municipais. As visitas realizadas pela Comissão no acompanhamento das ações de vigilância, em locais em que o trabalhador executa as suas atividades laborais, têm como objetivo, através de abordagens junto aos mesmos, traçar um perfil das condições de sofrimento em que estão vivendo, com a finalidade de planejar, executar, e avaliar intervenções sobre esses aspectos como forma de eliminação e controle dos acidentes de trabalho. A CIST/PA vem dando uma contribuição significativa nos encaminhamentos de trabalhadores ao CEREST/PA, que precisam de um atendimento qualificado, através da prática do acolhimento, aonde é atendida as necessidades de riscos eminentes, e ou as seguintes vulnerabilidades: biológicas, subjetivos e sociais, agravos à saúde, problemas jurídicos e previdenciários e outros. Os obstáculos mais evidentes enfrentados pela CIST/PA são: falta de comunicação, falta de participação e falta de espaço físico, que podem servir como táticas na busca de soluções, com as quais, a Comissão possa, de fato, cumprir o seu papel de controle social na Política de Saúde do Trabalhador, perante o SUS. É necessário compreender que problemas estruturais, refletem em não realizações de ações, o que fere o propósito da existência do órgão, como demonstra no Regimento Interno da Comissão.
377
Por falta de recursos financeiros, a comissão tem trabalhado com escalas de prioridades para conseguir realizar suas tarefas, ficando estas na dependência do CEREST/PA. Isto significa que apesar das dificuldades a CIST/PA vem se esforçando para cumprir o seu papel. A efetivação e a ampliação do controle social com a exigência do Estado de uma política de ação integral em Saúde do Trabalhador tendo por base que “SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO” sendo que saúde no trabalho é de suma importância, o que a considera uma questão de saúde pública e de interesse de toda a sociedade. O controle social se constitui uma ferramenta para a garantia da eficiência das políticas públicas, e uma estrutura privilegiada para o exercício da cidadania. A Constituição Federal garante a participação popular no direcionamento e gerenciamento das políticas do SUS. Seguindo esse pressuposto, as políticas de saúde são resultados das ações das influencias dos conteúdos discutidos nas plenárias das Conferências de Saúde e dos Conselhos de Saúde. Para que isso seja viável a participação dos representantes se constitui em um fator preponderante para o desenvolvimento do principio que rege a sua constituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Rogerio (Org.) Aluminio na Amazônia: saúde do trabalhador, meio ambiente e movimento social – São Luís: Fórum Carajás, 2009. BRASIL, Constituição (1988). Constituição de República Federativa do Brasil. 13ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 1999. BRASIL, Ministério da Saúde. 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador: 3.ª CNST: “trabalhar, sim! Adoecer, não!”: coletânea de textos/ Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Previdência e Assistência Social. – Brasília: Ministério da Saúde, 2005. BRAVO, Maria Inêz Souza; MATOS, Maurílio Castro de. A Saúde no Brasil: Reforma Sanitária e Ofensiva Neoliberal. In: BRAVO, Maria Inês Souza; Potyara Amazoneida Pereira (Org.). Política social e democracia. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2002. CORREIA, Maria Valéria Costa, Que Controle Social? Os conselhos de saúde como instrumento. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. MELO, Nelceli Silva. A participação da comissão estadual intersetorial em saúde do trabalhador na política de saúde do Estado do Pará: reflexos da conjuntura política. Belém, 2009, [Mimeo]. Regimento Interno da Comissão Intersetorial em Saúde Trabalhador – CEREST/PA – 2004. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.ht. Acesso em: 15 jul. 2012. BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm. Acesso em: 15 jul. 2012. BRASÍLIA. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 33 de 23 de dezembro de 1992. Brasília – DF, 1992, Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_03.htm. Acesso em: 20 jul. de 2012. BRASÍLIA. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 333 de 4 de novembro de 2003. Brasília – DF, 2003, Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_03.htm. Acesso em: 20 jul. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 777 GM/MS, de 28 de abril de 2004 – Dispõe sobre os procedimentos técnicos para a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador em rede de serviços sentinela específica, no Sistema Único de Saúde SUS. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2004/GM/GM-777.htm. Acesso em: 13 jul. 2012.
378
ENVELHECIMENTO E SAÚDE PÚBLICA: Velhice com qualidade de vida Alba Lúcia Tocantins ÁLVARES (UFPA)268 Eugênia Suely Belém de Sousa (UFPA)269
A presente pesquisa teve por objetivo, identificar as Políticas Públicas que possibilitam a atenção à saúde do idoso e levantar as Políticas que garantem o direito à saúde do idoso. Para tanto foram pesquisados legislação, portarias, programas e feita à análise dos dados bibliográficos e documentais coletados na pesquisa sobre a política de saúde para o idoso. A temática em questão suscitou alguns pontos fundamentais, como o envelhecimento e a qualidade de vida, envelhecimento e saúde pública e a saúde pública e o idoso. Para a abordagem do tema foi fundamental considerar a evolução humana, o processo do envelhecimento, qualidade de vida no envelhecimento, a visão da saúde em seu contexto histórico e a gestão de saúde para o idoso. Considerou-se, ainda, a atuação e o papel do gestor neste contexto, que esta relacionada com a perspectiva de visualizar o crescimento populacional das pessoas idosas enquanto desafio à sociedade atual e a adequação do sistema de saúde a esta nova realidade contribuindo com a qualidade de vida no envelhecimento. Em síntese o tema finaliza com a discussão e análise de resultados. Palavras- chave: Saúde Pública, Políticas Públicas, Envelhecimento, Qualidade de vida.
1 INTRODUÇÃO A humanidade cresceu em termos da expectativa de vida e este fato determina um crescimento populacional em termos de expansão. Verifica-se que isso aconteceu de forma inesperada e não foi proporcional às condições situacionais do país. Chegar à velhice era antes um privilégio de poucos, hoje passa a ser regra para um grande número de pessoas que estão tendo acesso a esta possibilidade. O envelhecimento da população é uma aspiração natural de qualquer sociedade, mas não basta por si só acontecer, torna-se necessário uma reestruturação que possa dar subsídios à questão que é fundamental neste contexto, que é a saúde. As cidades, de um modo geral, vivenciaram este processo acontecendo de forma desordenada e sentiram os reflexos deste fato influenciando as políticas públicas, que precisaram ter um olhar direcionado para o Envelhecimento, que se evidencia por meio das perspectivas do setor saúde. O envelhecimento da população hoje é um desafio à saúde pública no Mundo. Este fenômeno iniciou em países desenvolvidos e recentemente nos países em desenvolvimento, dentro desta prerrogativa observa-se que houve um aumento da expectativa de vida das pessoas idosas. No Brasil, o ritmo de crescimento da população idosa tem sido sistemático e consistente. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2009, o País contava com uma população de cerca de 21 milhões de pessoas de 60 anos ou mais de idade. Com uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição populacional, combinada ainda com outros fatores, tais como os avanços da tecnologia, especialmente na área da saúde, atualmente o grupo de idosos ocupa um espaço significativo na sociedade brasileira. No período de 1999 a 2009, o peso relativo dos idosos (60 anos ou mais de idade) no conjunto da população passou de 9,1% para 11,3% (IBGE–SIS270 2010, p. 191). Estas modificações ocorridas na pirâmide populacional contribuem para a expansão das doenças do envelhecimento, que com isso exigem uma demanda crescente por serviços de saúde que atendam as necessidades destas pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs a natureza multifatorial da qualidade de vida, sendo este um conceito de dimensões amplas como saúde física, saúde psicológica, nível de independência (em aspectos de
268
Psicóloga clínica; Membro do Grupo SENECTUS/UFPA; Especialista em Gestão em Saúde/UFPA- ICSA e-mail: alvares_253@hotmail.com 269 Psicóloga da UEPA; Docente da Faculdade Ideal; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. e-mail: lybelem@gmail.com / lybelem@terra.com.br 270 IBGE-SIS: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Síntese de Indicadores Sociais
379
mobilidade, atividades diárias, dependência de medicamentos e cuidados médicos e capacidade laboral), relações sociais e o meio ambiente. O ser humano em busca da qualidade de vida tenta buscar a sensação de bem estar que é pertinente aos indivíduos e que tem fatores objetivos e subjetivos enquanto experiência humana. Rueda (1997) considera a qualidade de vida como uma condição complexa e multifatorial sobre a qual é possível desenvolver algumas formas de medidas objetivas, através de uma série de indicadores, porém a vivência que o sujeito – ou grupo social – pode ter de si mesmo, tem um importante peso específico. A presente pesquisa teve como objetivos identificar as Políticas Públicas que possibilitam a atenção à saúde do idoso; levantar as Políticas que garantem o direito à saúde do idoso, e analisar os dados bibliográficos coletados sobre a política de saúde para o idoso. Buscou-se evidenciar temas como políticas de saúde para o idoso e o uso de medicamentos, dependência e cuidados familiares, violência contra o idoso e que interfere na saúde, abordagem antropológica do envelhecimento, desigualdades sociais e saúde do idoso com foco na qualidade de vida. Este é um desafio da atualidade - serviços e atendimentos de saúde à pessoa idosa, tendo como base as demandas sociais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema de saúde que tem parâmetros bem estruturados e sua aplicabilidade esta atrelada a recursos que estão vinculados a interesses e subsídios políticos. Considerando esse fato, levantaram-se os questionamentos: quando se poderá melhorar ou minimizar a lacuna que cada vez mais se abre que é o processo do envelhecer? Como viver tendo qualidade de vida utilizando os Serviços Públicos de Saúde? O Brasil diante do crescimento da população idosa tem como atender as demandas através do Sistema Único de Saúde (SUS)? O presente estudo foi realizado através de pesquisa documental, no sentido de definir os parâmetros e as definições sobre o envelhecimento e a saúde pública. Teve como enfoque a perspectiva de que a qualidade de vida é uma consequência, pois se houver uma estrutura dentro do sistema de saúde, que dê o acesso e o tratamento adequado aos usuários idosos, com certeza o bem-estar e a possibilidade de se viver muito será bem melhor. Então um passa a ser o condicionante básico para estabilizar o andamento do outro enquanto melhoria da saúde pública. Acredita-se que é definindo Políticas de atendimento a estas pessoas, que se poderá vislumbrar a possibilidade da conquista de uma nova realidade tanto para gestores como para profissionais de saúde que precisam de recursos e condições para que o modo de atender seja sinônimo de qualidade de vida para os idosos. O papel e o objetivo de uma gestão comprometida com a população é o de melhorar a qualidade de vida e a possibilidade de serviços de saúde que atendam as demandas e as necessidades do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS). Este estudo pretendeu desmistificar e criar um amplo debate e ações efetivas frente à perspectiva de como às políticas públicas de saúde estão atendendo os idosos e as literaturas decorrentes deste tema, tentando dar subsídios ao conhecimento científico e social e contribuindo para as possíveis mudanças e melhorias dos serviços ofertados aos idosos. Assim, tivemos como foco central da pesquisa às seguintes questões: idoso consome mais serviços de saúde, as internações hospitalares são mais frequentes e o tempo de ocupação do leito é maior do que das outras faixas etárias, doenças crônicas e múltiplas perduram por vários anos e exigem acompanhamento constante, cuidados permanentes, medicação contínua e exames periódicos e quais as garantias que as políticas estabelecem frente à saúde do idoso.
380
2 JUSTIFICATIVA Desde o começo da humanidade podemos encontrar a velhice em pauta com os mais variados enfoques e nomenclaturas que definem este processo pelo qual o ser humano passa de forma integral (psicológico, biológico e sociológico) ao longo de sua história. Chegar à velhice há alguns anos, era um privilégio de poucos. Nos dias atuais, o envelhecimento humano associado à concepção de longevidade vem criando corpo e fundamento, proveniente do crescimento e expansão do número de idosos, sendo este um fenômeno que ocorre no Brasil e no Mundo. Os avanços da ciência na atualidade em muito tem contribuído para as formas do viver das pessoas idosas primando pela vida saudável na beleza, alimentação, medicamentos, tratamentos e outros. Com base neste contexto surgem os seguintes desafios para a Saúde Pública e também reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde: como manter a independência e a vida ativa com o envelhecimento? Como fortalecer políticas de prevenção e promoção da saúde, especialmente aquelas voltadas para os idosos? Como manter e/ou melhorar a qualidade de vida com o envelhecimento? Esta perspectiva tende subsidiar ainda mais às Políticas Públicas e Programas que contribuam para a expansão e consolidação do desafio que a Saúde hoje esta enfrentando, que é um país antes chamado de jovem tornando-se hoje país de ―velhos‖ – envelhecendo. A sociedade precisa criar e inovar os atendimentos com a utilização da tecnologia, tendo em mente que a democracia e a equidade nos serviços ofertados em muito irão possibilitar a melhoria da qualidade da Saúde Pública em todas as esferas de poder em termos de acessibilidade e facilidade que poderá ajudar à população idosa a ter a garantia de seus direitos efetivados em seu atendimento. O ser humano em busca da qualidade de vida tenta buscar a sensação de bem estar que é pertinente aos indivíduos e que tem fatores objetivos e subjetivos enquanto experiência humana. A velhice não deve ser associada à concepção capitalista de que não sendo produtivo o indivíduo é inativo e este termo possibilita a ideia de não ter valor e que esta premissa se confirma para o sistema previdenciário que vê o aposentado como um encargo financeiro e social. A saúde por sua vez tende a ver o idoso como um peso, pois quando internado demora mais tempo, acarreta gastos, profissionais especializados e das diversas áreas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) que define que a Saúde Pública esta precisando rever a sua ideação sobre como atender as pessoas idosas, levando em consideração que se faz necessário garantir alguns aspectos fundamentais como: a manutenção da independência e vida ativa do idoso; o fortalecimento da política de prevenção e promoção da saúde do idoso; dar qualidade de vida com um envelhecimento saudável como uma saúde de qualidade. Torna-se necessária a compreensão dos processos de transição demográfica e epidemiológica para o entendimento do processo de envelhecimento populacional e suas implicações no contexto legal da atenção à saúde do idoso repercutem nas ações e estabelecimento de políticas públicas. Proporcionar saúde significa, além de evitar doenças e prolongar a vida, assegurar meios e situações que ampliem a qualidade de vida "vivida", ou seja, ampliem a capacidade de autonomia e o padrão de bem-estar que, por sua vez, são valores socialmente definidos, importando em valores e escolhas. Nessa perspectiva, a intervenção sanitária refere-se não apenas à dimensão objetiva dos agravos e dos fatores de risco, mas aos aspectos subjetivos, relativos, portanto, às representações sociais de saúde e doença (Buss, 2000). As políticas públicas que possibilitam a assistência integral à saúde do idoso e as políticas de promoção de saúde e que buscam incentivar os idosos a viverem de forma ativa e independente na comunidade, são uma
381
preocupação entre os países que vivenciaram ou estão vivenciando esse processo de alteração da estrutura etária da população (Alexandre e Cordeiro, 2009; Veras, 2009). A Saúde Pública no Brasil hoje esta a mercê de atender às questões imediatistas ou àquelas que estão previstas dentro do padrão de ―normalidade‖ e ao habitual, com isso deve se adequar às novas demandas, que são frutos do desenvolvimento populacional no que se refere à pessoa idosa. A questão da política pública de saúde com foco no envelhecimento e na saúde da pessoa idosa estabelece uma dimensão relativa às transformações da sociedade e a construção do Sistema Único de Saúde - SUS. A Constituição Brasileira (art. 196) determina que A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.
Com isso as leis subsequentes, somente vêm a contribuir e definir parâmetros e diretrizes das ações públicas sobre a saúde do idoso. Finalizando esta visão de que as políticas públicas estão atendendo ou não às necessidades da população idosa temos o pensamento de Debert (1999, s.p.): A gestão da velhice foi, por muito tempo, considerada, em sociedades ocidentais modernas, como uma problemática específica da vida privada e familiar, ou em termos institucionais, uma questão cingida ao âmbito da previdência individual ou das instituições filantrópicas. Ao adquirir visibilidade social, conseguiu publicidade, expressão e legitimidade no palco das preocupações sociais e transformou-se em uma questão da esfera pública dessas sociedades.
A problemática - Envelhecimento é um desafio para as próximas décadas e verifica-se que o envelhecer é algo natural e que implica em mudanças físicas, psicológicas e sociais que se tornam particularizadas pelo indivíduo ser único. Esta monografia buscou desmistificar e criar um amplo debate e ações efetivas frente às políticas de saúde para os idosos e as repercussões que poderão gerir os mais diversos temas nesta área de conhecimento científico e social, criando perspectivas de mudanças e melhorias dos serviços de saúde ofertados à população idosa.
3 METODOLOGIA O presente estudo foi realizado por meio de pesquisa documental, no sentido de colocar parâmetros e definições sobre o envelhecimento e a saúde pública através de referências bibliográficas específicas e tendo em vista a utilização de livros, revistas e outros. Constatando nas leituras e consultas a abrangência do enfoque de que a qualidade de vida é uma consequência da estruturação do sistema de saúde que é referendado através das Políticas de Saúde, Políticas para os idosos implementadas por meio das portarias, estatutos, leis que estarão possibilitando o bem-estar e o viver mais e bem. A pesquisa bibliográfica e documental direcionou as leis que permearam a ideia de que a saúde tem princípios norteadores de ações que preveem a saúde do idoso, mas que precisam que os gestores melhorem a aplicabilidade com possibilidade de efetivação na perspectiva de uma prática mais humanizada. No Brasil temos várias leis que determinam ações do poder público na comunidade, mas sabe-se que sua viabilidade é repercussão dos incentivos e iniciativas dos gestores de realizar uma prática efetiva e concreta no campo social.
4 CONCLUSÕES Encarar que o Brasil é um país de pessoas idosas em potencial é determinar que esse avanço, é assustador pela falta de preparo, mas que é algo que é tangível de ser percebido e realizado nas Políticas Públicas de Saúde. O que mais precisamos hoje é definir ações que contribuam no cerne da sociedade para que o idoso seja na família ou na sociedade respeitado em termos de seus direitos e possa ser amparado com dignidade por meio de suas
382
necessidades básicas de atenção à saúde, saneamento, aposentadoria digna, moradia, alimentação adequada, cuidado que são fatores que determinam também a sua saúde, física e emocional contribuindo na qualidade de vida e no envelhecer de forma saudável. Por entender que velhice não é sinônimo de doença e sim o surgimento delas num determinado tempo ou época e que resulta das mudanças que estigmatizam o que é ser velho e envelhecer. Como consequência deste fato verifica-se o quanto precisamos avançar e diminuir estes efeitos – doenças que surgem neste período e que são decorrentes de um percurso ao longo dos anos que estão definidos como envelhecimento. A preparação e os cuidados devem vir desde a infância para nos tornarmos idosos mais saudáveis e sadios. Envelhecer passou a ser uma conquista que fez com que a sociedade se voltasse para a busca do direito e a cidadania, que envolve papéis importantes como é o caso da dignidade colocada em pauta no que se refere à qualidade de vida. O idoso pode e deve ser agente da sua história e ainda mais administrar essas mudanças. Isso se faz necessário na sua inserção nos Conselhos de Saúde, Fóruns de discussão, criando a possibilidade de ser ouvido e respeitado para a melhoria da sua qualidade de vida e preservando a sua integridade moral. As políticas públicas existentes hoje apontam para uma prática e um trabalho profundo, mas é necessário que os gestores possam criar condições de atender às necessidades da população idosa que esta querendo não tão somente ser lindo ou bonito através dos tratamentos estéticos que escondem a velhice e o processo do envelhecer, mas precisa ser acompanhado por profissionais especializados e que estejam dentro da perspectiva de dinamizar os atendimentos dos serviços de saúde de forma humanizada contribuindo então para um envelhecer saudável. O gestor tem o compromisso no âmbito da saúde de gerir ou destinar recursos para os custos com hospitalização, cuidados prolongados com os idosos e dispensação de medicamentos, ainda com a Atenção que gere as ações e atendimentos para a população e que é responsabilidade do Estado, Distrito Federal e Municípios que criam e delimitam suas atuações tendo como base a Constituição Federal e a Legislação específica. Hoje precisamos de gestores que tenham o compromisso de visualizar um sistema de saúde melhor, buscando e definindo estratégias para melhorar o SUS que busque o objetivo de dar subsídios reais na construção de uma práxis e que beneficie o idoso com serviços de qualidade, tanto para o idoso senil quanto o demente que necessita ainda mais da saúde pelos cuidados e tratamento das doenças crônico-degenerativas. Um portador de Alzheimer para o SUS é um paciente que requer um custo alto, devido à complexidade do tratamento que envolve vários fatores que facilitam, contribuem e dificultam o cuidado e a saúde do idoso. A re-significação não é só do envelhecer, mas o como cuidar e atender às pessoas idosas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), que não é excludente, mas que nas suas ações e práticas deixa de dar condições à saúde (real e percebida) no contexto social. Por serem atores sociais e políticos, faz-se necessário o envolvimento em Fóruns, Conselhos e Congressos que propiciem a participação ativa e contundente de mudanças para a melhoria da qualidade de vida do idoso na Saúde Pública. Sabe-se que ser velho traz um estigma arraigado de preconceitos e visões deturpadas tanto nas relações como no ser pessoa idosa. As obras pesquisadas mostram um arcabouço ideológico que muitas vezes pode ser real e irreal, mas o qual mostra que tem uma grande diferença entre a sociedade que queremos e a que temos hoje com relação a envelhecer. Somos atores sociais e políticos que temos o compromisso da busca da garantia dos direitos através das políticas públicas vigentes em nosso país, tendo em vista que elas propiciem a humanização dos serviços de saúde. Pois o termo humanizar colocado na questão saúde é ajudar aquele ser que busca um cuidado ou tratamento para a doença através do sistema de saúde e que precisa de acolhimento ao ser atendido nos estabelecimento de saúde
383
pública. A atividade meio e final é o cuidado e a cura do paciente que procura hoje o SUS. Ter saúde pública de qualidade que preserve a sua vida. É necessário colocar em prática as Políticas Públicas e Programas de Saúde que possam dar condições aos idosos de serem assistidos nos serviços de saúde de forma digna. A qualidade de vida prevê tratamento e cuidado para as pessoas idosas para todos indistintamente. O envelhecimento deve ser um processo que garanta a cidadania com qualidade de vida, tendo que ser aprimorada pelas diversas ações, seja elas externas e/ou internas. Estas ações podem contribuir na facilitação da senescência que é uma fase da vida do ser humano. Para a eficácia desse processo é necessário que os Programas e Ações realizadas pelas diversas esferas de poder tenham como base as Políticas Públicas voltadas à saúde do Idoso e na aplicação da Legislação vigente. A Saúde do Idoso hoje necessita de atenção, pois essa demanda aparentemente nova requer ajustes e mudanças que realmente atendam às necessidades emergentes. Pois pela diversidade de problemas, observa-se que ficam sempre lacunas a serem preenchidas ao se pensar no idoso com ou sem limitações. O processo de envelhecimento deve ser analisado com relação à saúde e sendo repercussão de um conjunto de fatores como sociais, econômicos, políticos, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos. Sabe-se que a política torna-se discriminatória e produz o ―temido‖ desemprego na idade madura e a aposentadoria precoce. Este processo discriminatório pode agravar-se através da exclusão social. Contribuindo este agravamento nota-se que as ―perdas‖, por causa do distanciamento dos filhos, viuvez, diminuição das oportunidades de convívio, resultam, durante os anos num isolamento social e perda progressiva da autonomia, levando à depressão que é fruto de todas estas questões emocionais que acometem o idoso. Esta situação deve sempre ser analisada e posta em pauta na avaliação da saúde do idoso e verifica-se que a busca do idoso por atividades em Centros de Convivência existentes hoje e até pela Casa do Idoso de Belém que enquanto instituição sejam elas públicas e/ou privadas buscam beneficiar a saúde dentro de um espaço de conviver com dignidade que tem um papel social preponderante na relação do idoso com a família, do idoso com o idoso e do idoso com a sociedade. Os profissionais de saúde e os idosos desconsideram em grande parte essa realidade, por serem a repercussão de conceitos equivocados e estereótipos relacionados à velhice. Definindo o envelhecimento como a produção e desenvolvimento das perdas progressivas e irreversíveis da autopercepção, do autoconhecimento e da autoconsciência. A sociedade, a família e os próprios profissionais podem relegar o idoso a uma condição apenas passível de proteção e cuidado, mas o idoso enquanto ser social deve ser visto no sentido integral. Na saúde o idoso passa a ter uma imagem de um ser de ―múltiplas queixas‖, onde procura respostas as suas necessidades de ser atendido nas suas dores que estão arraigadas ao relato de casos passados e às vezes identificadas apenas através do diagnóstico e tratamento, mas que não retrata a sua labuta e luta em ter qualidade de vida no envelhecer. Dentro deste quadro registra-se que a população hoje idosa é filha dos anos 30 e 40, sendo o idoso do ano 2020 um cidadão completamente diferente, ainda não totalmente comprometido com o produto da revolução da comunicação e da informática e com estilo de vida determinados pelos padrões de uma sociedade em plena transformação e mudanças contundentes. A atenção ao idoso de hoje deve levar em conta que se trata de uma população em fase de transição e tradições reforçadas pelo ato de acomodação, renúncia e medo. Aprendemos que o respeito à individualidade tornase ainda fundamental, indispensável e primordial, uma vez que, levando em considerado as experiências pessoais e familiares, precisamos identificar em que estágio dessa transição a pessoa está para a vida acontecer. E as Políticas
384
Públicas de Saúde passe a ser uma ação concreta de implementação e implantação de qualidade de vida a todos que precisem dos serviços de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília, 2006. Caderno de Atenção Básica n. 19. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes e recomendações para o cuidado integral de doenças crônicas não-transmissíveis: promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 72 p. – (Série B. Textos Básicos de Atenção à Saúde) (Série Pactos pela Saúde 2006; v. 8). ______. Ministério da Saúde. Portaria GM n° 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa – PNSI. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 OUT. 2006. GONONG, F. W. Fisiologia médica. 19. ed. Rio de Janeiro: Mc Gran-Hill, 2000. GUCCIONE, A. A. Fisioterapia geriátrica. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara. Koogon, 1993 HARRISON, G. A.; WEINER, J. S.; TANNER, J. M.; BARNICOT, N. A. Biologia Humana: à evolução, variação e crescimento humano. São Paulo, SP. Editora Nacional e Editora da USP, 1971. LOUREIRO, A. M. L. A velhice, o tempo e a morte: Subsídios para possíveis avanços de estudos. 1ª reimpressão, Brasília, DF. Universidade de Brasília. 2000. OMS – Organização Mundial da Saúde. Guia Global: Cidade Amiga do Idoso. 2008. Versão traduzida para o português. Disponível em http://www.saude.sp.gov.br/resources/profissional/acesso_rapido/gtae/saude_pessoa_idosa/guia_cidade_amiga_do_ idoso.pdf, acesso em: set. 2008. VERAS, R. P.; CALDAS, C. P. Promovendo a saúde e a cidadania do idoso: o movimento das universidades da terceira idade. Ciência e Saúde Coletiva, v. 9, n. 2, p. 423-432, 2004. ______. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Revista de Saúde Pública, v. 43, n. 3, p. 548-554, 2009. ZIMERMANN, G. I. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
385
O PAPEL DO PEDAGOGO NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS INCLUSIVAS COM AUTISTAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PEDAGOGO NA CASA DA ESPERANÇA – ANANINDEUA/PARÁ
Núbia Christian FARIAS (FIBRA) O trabalho visa ressaltar a importância do papel do pedagogo, desenvolvido com pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), na Fundação Especial Permanente Casa da Esperança – Ananindeua/PA, instituição especializada no atendimento de pessoas com TEA. A referida instituição fechou suas portas em Março de 2012 por falta de recursos financeiros para sua manutenção. As atividades que a mesma desenvolvia tinham como objetivo principal a inclusão real de autistas, não apenas no âmbito familiar, mas em todo o contexto que pudesse fazer parte de seu cotidiano, mostrando assim caminhos possíveis para a inclusão do autista na sociedade a partir de um trabalho pedagógico, direcionado por uma equipe multiprofissional e coordenada preferencialmente por pedagogos em diferentes setores. Foram comprovados importantes resultados positivos no tratamento dos pacientes que puderam ser atendidos na ―Casa da Esperança‖, o que possibilitou uma melhor qualidade de vida para os autistas que ali realizaram seu tratamento. Dessa forma, chamo a atenção da academia para a importância desse profissional no tratamento de pessoas com TEA. Para a realização desse trabalho foi adotada a metodologia qualitativa de caráter descritivo, sendo realizada a pesquisa de campo na referida instituição a partir da minha experiência, compondo o quadro de pedagogos da mesma, na função de coordenadora da sala de estimulação cognitiva II. Palavras-chave: Papel do pedagogo, Autismo, Inclusão. Introdução: No Brasil, a educação inclusiva vem lutando por sua aplicação efetiva, passando por muitas guerras em meio ao caos do descaso na educação que esse país sustenta sucateada. O que nos leva a refletir sobre o porquê dos direitos legais para as Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (PNEE), em muitos casos, não são efetivos, configurando-se em um imenso leque de deficiências sobre esse dito sucateamento na educação. Diante dos entraves para a aquisição do direito de atendimento especializado para o tratamento de pessoas com TEA, um grupo de pais de autistas criou uma associação, visando o
direito
de
fundar
uma
instituição especializada no atendimento de pessoas com esse transtorno, onde seus filhos pudessem ter acesso a um atendimento qualitativo e sendo respeitados como cidadãos de direitos, o qual culminou na Fundação Especial Permanente Casa da Esperança, Ananindeua/PA. O tratamento dos autistas atendidos na Casa da Esperança era realizado por uma equipe multiprofissional coordenada preferencialmente por pedagogos. Em alguns períodos, por falta desse profissional foi necessário que outros profissionais, como fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais assumissem a coordenação de alguns setores de atendimento. Para o sucesso do tratamento de pessoas com TEA é necessária a composição de uma equipe multiprofissional, devido à alta complexidade do caso, onde se ressalta a importância da orientação do pedagogo nesse tipo de intervenção, devido ao manejo necessário no trato com a pessoa autista. Para tanto aqui descrevo como ocorria o atendimento na Casa da Esperança e relato minha experiência como pedagoga Coordenadora da Estimulação Cognitiva II, apresentando um resumo das atividades desenvolvidas nesse setor da instituição, trazendo os resultados alcançados com um dos pacientes atendidos nesse setor. Uma breve reflexão sobre a educação inclusiva no Brasil Apesar da lentidão do processo de efetivação dos direitos das PNEE acredito ser importante reconhecer que nessa caminhada houve mais avanços do que retrocessos. Considero como exemplo disso a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei n° 8.069/1990, a Declaração de Salamanca (1994) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996, pois percebo nesses documentos o reconhecimento da necessidade de uma política específica que legitime os direitos da PNEE para a maior promoção do respeito desses direitos a todos, independente da classe social de cada um. Dessa forma,
386
cabendo à adoção de medidas de caráter universal para uma realidade mais próxima do que se deseja para o bem de todos de forma efetiva, sem nenhum tipo de distinção, espero que esses caminhos trilhados possibilitem discussões, e possíveis avanços em busca desse caminho ideal. Considerando que É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA,1990).
Esses direitos devem ser garantidos, dando-lhes proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, respeitando a condição peculiar da criança e do adolescente como um ser em desenvolvimento. No § 1º do Art. 8º do ECA que se refere à vida e a saúde, a criança e o adolescente, a PNEE possui a garantia do atendimento especializado, conforme a sua necessidade. Porém, apesar de todos esses direitos estarem de fato garantidos por lei, muitas crianças e adolescentes PNEE ainda são privados de um atendimento especializado que deve prima para seu melhor desenvolvimento. Nesse sentido a Declaração de Salamanca (1948) considerou também que toda pessoa é um ser único, portanto, possui suas necessidades específicas. Baseando-se nessas necessidades específicas, conforme encontramos na Declaração de Salamanca (1948), os trabalhos pedagógicos na Casa da Esperança eram assim desenvolvidos, ocorrendo de forma individualizada a partir de um Plano Terapêutico Individual – PTI, realizado para todos os pacientes atendidos na instituição. O papel do pedagogo nas práticas pedagógicas desenvolvidas na Casa da Esperança com pessoas que possuem TEA A Casa da Esperança realizava um trabalho com pacientes autistas, visando o desenvolvimento global dos mesmos. Primeiramente eram feitas avaliações para se obter uma referência do nível de comprometimento autístico que cada paciente possuía. Esse processo constava de uma entrevista de anamnese, avaliação clínica e funcional do paciente e entrevista social. Geralmente participavam dos processos profissionais das áreas da psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social, enfermagem, pedagogia e medicina. O intuito era traçar um perfil do paciente e de sua família, buscando organizar dados referentes à sua história de vida, habilidades, potencialidades e déficits, para que a partir de então o paciente pudesse ser direcionado à sala de atendimento condizente com seu nível de desenvolvimento e funcionalidade. Esse procedimento avaliativo multiprofissional é de grande relevância, considerando que O conceito de autismo, ainda nos dias de hoje, de contorno bastante impreciso, imprecisão esta que pode se dar em diferentes níveis. Por um lado, quanto às características comportamentais, podemos encontrar, diagnosticadas como autistas, crianças que falam e outras que não falam; crianças com pouco ou nenhum tipo de contato social e outras com um tipo bizarro de relacionamento; crianças com deficiência mental e outras com um nível de desenvolvimento adequado para sua idade. Esta heterogeneidade também está refletida no próprio DSM- IV (APA, 1995) a partir do qual pode-se tirar pelo menos 96 quadros clínicos diferentes se combinarmos dois critérios de interação social, um critério de comunicação e um de padrões restritos e repetitivos. (LAMPREIA, p.111, 2004)
Dessa maneira, de posse do quadro clínico do paciente, a pedagoga coordenadora de ensino elaborava o quadro base que deveria ser seguido no tratamento do paciente e o repassava para a coordenadora do setor em que ele fosse direcionado, seguindo posteriormente para a pedagoga responsável da sala de atendimento em questão. Só então o paciente podia iniciar seu tratamento da forma mais adequada possível para seu perfil. Esse último era quem lidava diretamente no atendimento do paciente, aplicando e registrando o seu desenvolvimento na ficha de avaliação diária, seguindo o Plano Terapêutico Individual (PTI) do paciente. Os registros das atividades diárias serviam de base para a discussão sobre a evolução do atendimento ao paciente, sendo necessário em alguns momentos que ocorresse a discussão com toda a coordenação pedagógica sobre os resultados obtidos ao longo da aplicação do PTI.
387
Considerando que o aprendizado dos profissionais que lidam com a educação especial deve ser contínuo, a coordenadora pedagógica organizava cursos destinados aos pais e/ou responsáveis, que eram ministrados por profissionais da instituição, onde se discutia de forma mais aprofundada vários aspectos relacionados à síndrome, como sintomas, metodologias de trabalho, além de receberem orientações sobre como se relacionar com os filhos, pois o trabalho realizado com autistas deve ter continuidade nos outros ambientes em que ele vivencia. Metodologia de ensino utilizada na Casa Esperança com Pessoas que possuem o Transtorno do Espectro do Autismo – TEA A metodologia de ensino utilizada na Casa da Esperança era própria, tomou como base para sua construção métodos como a Comunicação Através de Troca de Figuras (PECS) e o Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Perturbações da Comunicação (TEACCH), no método Comunicação Através de Troca de Figuras (PECS) o objetivo principal: É ensinar o individuo a comunicar-se através de trocas de figuras. Mais especificamente, aproximar-se de outro individuo e oferecer-lhe a figura de um item na tentativa de obter tal item. Através deste sistema é possível ensinar a criança diagnosticada com autismo (ou outros transtornos do desenvolvimento) a expressar aquilo que ela deseja de uma forma espontânea e em um contexto social (através da interação com outro individuo (MIGUEL, BRAGA-KENYON e SHAWN KENYON, apud, CAMARGOS JR, 2005, p.178)
No método, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Perturbações da Comunicação (TEACCH), as atividades são desenvolvidas em um ambiente com estruturação física específica, com classificação do objetivo da tarefa, sequências de atividades que facilitam a generalização e utiliza áreas fortes de interesse do paciente: O objetivo máximo do TEACCH é apoiar o portador de autismo em seu desenvolvimento para ajudá-lo a conseguir chegar à idade adulta com o máximo de autonomia possível. Isto inclui ajudá-lo a compreender o mundo que o cerca através da aquisição de habilidades de comunicação que lhe permitam relacionar-se com outras pessoas, oferecendo-lhes, até onde for possível, condições de escolher de acordo com suas próprias Necessidades (MARQUES e MELLO, apud, CAMARGOS Jr, 2005, p.145)
Como as atividades dos pacientes eram produzidas com base no PTI, por várias vezes foi necessário desenvolver atividades distintas para cada um deles. Todas as salas contavam com o apoio de agentes terapêuticos para auxiliar os pacientes nas atividades propostas, pensadas individualmente, mas, no entanto, sempre buscando oportunidades em que a socialização pudesse ser concretizada. Como alguns desses pacientes atendidos eram alfabetizados, as atividades de leitura e escrita de frases podiam ser utilizadas, pois se procurava enfatizar a socialização, o desenvolvimento da imaginação, a coordenação motora de todos e o esperar a vez. Aqui cabe ressaltar que a Casa da Esperança não tinha o objetivo de alfabetizar seus pacientes, pois a mesma não era um ambiente escolar. Após a conclusão das atividades de mesa, os pacientes eram direcionados para o lanche da tarde, tendo a oportunidade de desenvolver sua autonomia, onde aprendiam práticas do cotidiano como: lavar as mãos antes de se alimentar, servir-se e alimentar-se de forma independente, escovar os dentes e guardar seus objetos pessoais adequadamente. Para finalizar a semana, no dia de sexta-feira costumava-se realizar a culinária, onde todos os pacientes do setor participavam juntos, preparando o seu lanche da tarde. Os passos da culinária eram distribuídos entre os pacientes de acordo com o grau de dificuldade de cada um. Nessa atividade, desenvolve-se o trabalho em grupo, o dividir com o outro, a coordenação psicomotora, entre outros benefícios.
388
Atividades desenvolvidas relato de experiência
pela
Pedagoga
Coordenadora
da
Sala
de
Estimulação Cognitiva II:
A sala de Estimulação Cognitiva II era destinada a crianças e pré-adolescentes autistas, e tinha como objetivo estimular habilidades relacionadas a várias áreas do desenvolvimento humano, como a socialização, a comunicação e a cognição, onde eram trabalhados aspectos como: reconhecimento de cores, formas, tamanhos, letras, números, noções de quantidade, sócio afetivos, independência em autocuidado e habilidades psicomotoras. Tomando como referência as observações repassadas pela pedagoga coordenadora do setor e os registros do prontuário do paciente, o responsável de sala preparava o PTI dos pacientes e os submetia à supervisão da coordenadora pedagógica do setor. Um PTI contém todas as atividades propostas para o atendimento do mesmo. No caso da Casa da Esperança, tinha como foco trabalhar aspectos emocionais, de autocuidado (tomar banho, escovar os dentes, enxugar-se, vestir-se etc.), comportamentos inadequados (bater, morder, quebrar coisas, comportamentos alto lesivos, etc.), entre outros. Tanto o PTI como a rotina de atividades e distribuição de horários dos pacientes era organizado pelo coordenador da sala de atendimento em que eram atendidos, pois nesse sentido: A pedagogia ocupa-se da ação intencional. Como tal, investiga os fatores que contribuem para a construção do ser humano como membro de uma determinada sociedade, e os processos e meios dessa formação. Os resultados obtidos dessa investigação servem de orientação da ação educativa, determinam princípios e formas de atuação, ou seja, dão uma direção de sentido à atividade de educar. (LIBÂNIO, 2005, p.33)
Concordo com as afirmações do autor acima sobre a amplitude da ação pedagógica, fato que foi perceptível nos resultados comprovadamente alcançados na Casa da Esperança, considerando o trabalho de toda uma equipe multiprofissional, mas que se inicia a partir de uma avaliação pedagógica de suma importância para o bom desenvolvimento de todo o processo, pensado de forma individualizada para cada paciente, visando atingir as reais necessidades de cada um. A rotina das atividades do paciente era organizada pelo pedagogo coordenador de sala, normalmente iniciando pelas atividades pedagógicas (chamada de atividades de mesa), sempre considerando a necessidade de atendimento com os outros profissionais da instituição, como: fonoaudiólogo, fisioterapeutas e psicólogo. Após esses atendimentos, os pacientes retornavam as suas respectivas salas de atendimento, sempre acompanhados pelo seu coordenador juntamente com os agentes terapêuticos. Dessa forma, ao final do trabalho diário era possível que o coordenador de sala pudesse realizar de forma mais fidedigna possível o registro do desenvolvimento das atividades que foram realizadas pelo paciente. A partir desse registro realizado diariamente era construído o relatório apresentado na devolutiva realizada com os pais e/ou responsáveis, onde participavam o pedagogo coordenador do setor e o pedagogo coordenador de sala. Essa devolutiva ocorria ao final de cada período prédeterminado no início do atendimento do paciente. Deve-se ressaltar que não existem tempos exatos para resultados no trabalho com autistas, por isso o trabalho é realizado de forma individual, sendo modificado sempre que necessário. Observações de alguns resultados alcançados com um paciente atendido na estimulação cognitiva II, ano de 2010: Paciente – João271 Idade – 8 anos Diagnóstico – Autismo Clássico Tempo de terapia na Casa da Esperança – 1 ano Quando o paciente João chegou à Casa da Esperança ainda não havia frequentado nenhuma instituição de 271 1
Foi usado o nome fictício João para preservar a identidade do paciente.
389
acompanhamento terapêutico, ou mesmo escola regular de ensino. Apresentava muitas dificuldades entre as quais: olhar nos olhos; atender pelo nome; manter-se sentado; interagir com seus pares; formar frases. Necessitava de ajuda física constante para alimentar-se e fazer sua higiene pessoal de forma independente. Seus principais interesses eram e continuam sendo por objetos eletrônicos como computador, controle remoto, celular, televisão, rádio e DVD. O personagem de sua preferência é o Pica-Pau. Considerando essas observações, foi possível traçar seu Plano Terapêutico Individual (PTI) visando alcançar os seguintes objetivos: regulação emocional, comunicação e linguagem, habilidades acadêmicas, o brincar/socialização e autonomia na higiene pessoal. Durante todo o ano de 2010 foi desenvolvido um trabalho para que o João alcançasse esses objetivos, sempre buscando desenvolver atividades pensadas especificamente para ele, como o jogo de cartas de baralho produzido em tamanho grande com o qual teve início o trabalho de referência visual, uma das bases necessárias para o bom desenvolvimento da comunicação da pessoa autista, utilizando o método de Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Perturbações da Comunicação (TEACCH). Seu atendimento na Casa da Esperança era realizado durante três dias na semana, onde seguia uma rotina de atendimento divido em três momentos. No primeiro momento realizava uma caminhada no campo e descansava no balanço, aguardando que todos os seus colegas de sala terminassem sua caminhada e também ganhassem o descanso nesse brinquedo. No segundo momento, após o repouso seguia para a sala de atendimento para realizar as atividades acadêmicas de mesa e em seguida ia para o lanche. E no terceiro momento, após a caminhada, a atividade de mesa e o lanche e, dependendo do dia, seguia para brincar, ir à piscina, ou para a aula de culinária, junto com seus outros colegas. Tal atividade sempre visava a sua socialização com o outro. Os dias de atendimento de João eram distribuídos da seguinte maneira: o
Segunda-feira: dia do brincar. Nesse dia o João brincava com toda a turma da Estimulação Cognitiva II. Aprendia a brincar em grupo, pois é uma atividade desenvolvida para estimular sua comunicação, socialização, o aprender a perder e o ganhar, o respeito aos limites, o esperar a vez, entre outros;
o
Quarta-feira: dia de terapia na piscina com o fisioterapeuta. João tinha muito medo da piscina, por isso demorou bastante para aceitar atividades aquáticas, pois não entendia o que era raso ou fundo. Após se sentir mais confiante passou a responder bem as atividades, socializando-se com os colegas. Era desenvolvido com ele o exercício de receber e obedecer a comandos, exercícios físicos, trabalhos em grupo, entre outros.
o
Sexta-feira: dia da culinária, onde o João tinha a oportunidade de fazer o seu lanche da tarde, sempre seguindo a orientação do responsável de sala e do agente terapêutico, que presta apoio no atendimento à turma. Com essa atividade trabalhava a coordenação motora, o esperar e o tempo para aprontar o lanche, trabalhos em grupo, proporcionando ao João a oportunidade de interagir com seus pares.
o
Avaliação: Depois de realizar uma avaliação sobre os resultados obtidos com o paciente João, a partir das atividades desenvolvidas na Estimulação Cognitiva II, após um ano de atendimento, foi possível concluir que o mesmo conseguiu alcançar a todos os objetivos propostos em seu PTI: consegue olhar nos olhos do outro com mais frequência, atende pelo nome, aceita participar das brincadeiras propostas, forma frases curtas, serve-se e alimenta-se sem ajuda, ao terminar sua refeição coloca o lixo no lixo (casca de frutas, pacote do biscoito, ou pote do Danone) e lava sua louça, é mais independente no banho e no vestir e em sua higiene pessoal.
390
Conclusão O pedagogo é de fundamental importância para o sucesso dos resultados que são desejados em uma instituição como a Casa da Esperança, pois esse sucesso vai depender da organização da aplicação das atividades propostas ao paciente que será atendido, considerando que ele se inicia a partir de toda uma estruturação pedagógica. Acredito que independente da função que o pedagogo ocupe, seja em ambiente escolar ou não, é importante que permaneça em processo de atualização para a qualificação do resultado do seu trabalho. O que se aplica também as outras áreas do conhecimento, principalmente as que lidam com pessoas é um processo veloz e contínuo de evolução em muitos aspectos do convívio em sociedade que exige essa busca. É possível afirmar que a Casa da Esperança possuía uma equipe de profissionais que além de qualificados, eram comprometidos com a inclusão de todos os pacientes que ali eram atendidos, não medindo esforços para alcançar qualquer sinal de evolução positiva por menor que pudesse parecer, o que era sempre comemorado pela equipe multiprofissional juntamente com os familiares e/ou responsáveis dos pacientes. Na busca dos direitos da Pessoa com Necessidades Educativas Específicas (PNEE) nos padrões da legislação vigente, a coordenação pedagógica da instituição buscava orientar os pais e/ou responsáveis sobre os direitos que possuem, visando sempre o bem estar do paciente, que deve ser respeitado enquanto cidadão que possui seus direitos muitas vezes violados. Acredito ainda que o pedagogo possui antes de tudo um compromisso com a qualidade de vida do ser humano, mais do que o respeito é preciso ter amor à profissão. Infelizmente, apesar da importância evidente do pedagogo em todos os seus campos de atuação, o reconhecimento da profissão ainda não é notório na sociedade. Entre os aspectos que considero de maior relevância para o papel do pedagogo independente da função que ocupe, destaco: a formação continuada, a importância do planejamento das atividades que serão desenvolvidas e o compromisso com a responsabilidade assumida, pois são fatores de extrema importância no desenvolvimento do trabalho para o alcance do sucesso no resultado do seu trabalho. Assim, era de grande importância no trabalho desenvolvido na Casa da Esperança ter ou obter a sensibilidade de perceber evoluções dos pacientes que possam parecer de pouca significância, mas que no universo autista são de grande valor para suas vidas. O sucesso dos resultados deve ser comemorado com entusiasmo por todos que fazem parte desse processo, sem esquecer que houve o trabalho de toda uma equipe multiprofissional para alcançá-los, percorrendo muitas vezes por árduos caminhos que requerem dedicação e persistência. Penso que o entusiasmo e a persistência são armas que devem estar sempre presentes no desenvolvimento do trabalho do pedagogo como estímulo para o alcance de seus objetivos, sendo necessários em seu ambiente de trabalho, pois muitas são as barreiras que precisam ser enfrentadas em sua atuação e o trabalhar com pessoas requer coragem e capacidade de acreditar numa possível contribuição para o bem da sociedade, tendo consciência de seu papel na mesma. Referências: CAMARGOS JR., Walter (org.). Transtornos invasivos do desenvolvimento: 3º Milênio. Brasília: CORDE, 2005. 260 p.26,5 cm. LAMPREIA, Carolina. Os Enfoques Cognitivistas e Desenvolvimentistas do Autismo: uma análise preliminar. Porto Alegre, Psicologia reflexão e crítica, vol.17, número 001, 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos Para Quê?, 8. ed – São Paulo, Cortês, 2005. Declaração de Salamanca. Disponível
em
http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_9.pdf.
391
Acessado em 13 de março de 2011. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível http://portal.mj.gov.br?sedh/vt/legis_/ddh_Dinter_universal.htm, acesso em 15 de fevereiro de 2011. Estatuto da Criança e do Adolescente / acesso em 3 de março de 2011.
em:
http://planalto.gov.br/ccvil_03/leis/L8069.htm.
Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, /http://planalto gov.br/ccivil_03/leis/L8069, acesso em 03 de março de 2011.
392
393