Construtivismo & Design

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Izabela Pinho




Projeto gráfico: Izabela Pinho Texto compilado: Izabela Pinho Impressão: GG Editora 1ª edição: 2017 Design Gráfico, 5º período, noite.

PINHO, Izabela Construtivismo e Design / Izabela Pinho Belo Horizonte, MG: GG Editora, 2017. 1. Design gráfico. 2. Design Editorial I. Título ISBN 978-85-111643-0-6 CDU 028.5

EDITORA GUSTAVO GILI, LTDA Av.Jose María de Faria 470, Sala 103 Lapa de Baixo, CEP. 05.038-190 São Paulo-SP-Brasil Tel. (11) 3611 2443 Todos os direitos reservados.






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Para entender o surgimento e a importância do construtivismo como um movimento de vanguarda, antes é preciso entender e conhecer a situação política e econômica da Europa no início do século XX. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), donde a Rússia teve um papel preponderante na “Tríplice Entente”, (grupo formado pela França, Inglaterra e Rússia), e a Revolução Russa (1917), que pôs fim ao regime czarista, com a abdicação do Czar Nicolau II, ambientaram o momento em que o Construtivismo despontava para aliar-se à nova configuração da sociedade socialista e pós Revolução Industrial. O cenário de caos e instabilidade induziam a uma reorganização da sociedade em questão, mas isso não era algo novo. A novidade aqui é que, baseadas em ideologias ligadas ao marxismo, anarquismo e outros movimentos, as pessoas passariam a pensar e projetar essa nova forma de organização, seu espaço e sua vidas deveriam ser reorganizadas de maneira racional e muito mais autônoma.

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Três características principais distinguiam as relações agrárias do Império Russo, no final do século XIX, das de seus congêneres europeus: ele foi o último Estado europeu a abolir a servidão; a comuna camponesa russa, mir¹, mantivera -se até meados do século XIX pouco alterada e, enfim, ele possuía imensa área de terras desocupadas que constituíam um fundo de colonização de implicações importantíssimas para o seu posterior desenvolvimento. O descompasso entre a evolução econômica da Europa Ocidental e Oriental tinha sido notório. Enquanto a Europa Ocidental, no final da Idade Média, evoluía para uma sociedade calcada nas trocas mercantis e onde o feudalismo começava a desintegrar a economia camponesa comunal e a introduzir o chamado “individualismo agrário”, a Europa do Leste manteve o regime servil, que lá chegou tardiamente (no século XVI, com a chamada “segunda servidão”). Ou seja: enquanto vários países na Europa davam saltos em direção à revolução industrial, a Rússia ainda era um país atrasado e dependente da agricultura: cerca de 80% de sua economia estava concentrada no campo (produção de gêneros agrícolas. Reinava forte tensão social com a permanência do sistema de produção feudal, que retardava a modernidade do país. Os problemas sociais eram mais amplos, porém: o país contava com uma população de 170 milhões de pessoas, mais de 50% composta por povos de outras nacionalidades, vítimas de forte repressão cultural, a esmagadora maioria analfabeta. Era uma sociedade eclética submetida a um Estado Despótico².

1 O mir era uma comunidade de aldeia que tinha poder sobre as terras dos camponeses e as distribuía entre seus membros segundo diversos critérios que supostamente mantinham certa igualdade entre as famílias camponesas. Calcula-se geralmente que no começo do século as glebas assim distribuídas representavam cerca da metade das terras cultivadas. 2 Do grego despotas, que significa literalmente “senhor”, em português; uma forma de governo onde todo o poder está concentrado em apenas um governante, neste caso o Czar, de maneira isolada e arbitrária. O Czar era parte da nobreza proprietária das terras, sempre ligada à Igreja Ortodoxa.

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Rússia czarista, final do século XIX - início do século XX

Inglaterra, final do século XIX - início do século XX

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O regime czarista reprimia todo tipo de oposição. A Ochrama, polícia política, controlava o ensino secundário, as universidades, a imprensa e os tribunais. Milhares de pessoas eram enviadas ao exílio na Sibéria. A nobreza latifundiária e os poucos capitalistas da época mantinham o domínio sobre os trabalhadores urbanos e rurais. A derrota infligida na batalha de Iena (1806)³ por Napoleão à Prússia levou o czar da época, Alexandre II (1855-1881), a começar uma reforma agrária que somente se ultimou em 1848, com a abolição da servidão nas regiões onde ela ainda persistia. Contudo, essas reformas pouco adiantaram para aliviar as tensões. Essa reforma previa que os senhores venderiam aos camponeses as parcelas de terras que eles já ocupavam. Por sua vez, o Estado pagaria aos senhores uma quantia a pretexto de indenização pelas terras “perdidas” com a venda aos camponeses. Quanto ao estatuto destes, estabeleceu-se um estágio transitório: não adquiririam o direito de propriedade privada sobre a terra comprada, permanecendo como membros de uma comuna e de um grupo doméstico. Este estágio transitório, que deveria ser breve, perdurou por muito mais tempo que o previsto. Tanto nas terras do Estado como nas propriedades dos senhores, os antigos servos continuaram obrigados a empenhar boa parcela dos seus rendimentos no pagamento de impostos e no ressarcimento das terras recebidas. A insatisfação gerada pela reforma foi grande, uma vez que os camponeses consideravam que estavam pagando por terras que já eram deles. Com os pagamentos elevados a que estavam obrigados e a insuficiência de terras que receberam, o êxodo rural poderia ter sido uma opção, o que no médio prazo facilitaria a industrialização. 3 Batalha travada em 1806 que marcou a vitória de Napoleão sobre o imperador alemão, Francisco de Habsburgo. O exército prussiano investiu quatro vezes consecutivas contra os franceses, mas acabou por sair derrotado. A sua derrota foi dificultada pelo nevoeiro e por erros de estratégia militar. Esta batalha levou à assinatura do Tratado de Presburgo, que dissolveu o Sacro Império Romano-Germânico e estabeleceu uma confederação do Reno,que se tornou um hábil instrumento de intervenção napoleônica na Alemanha.

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Não foi, entretanto, o que ocorreu, graças aos dispositivos na lei que obrigavam os camponeses a ficar na comunidade. Se saíssem seriam obrigados renunciar suas terras e ainda assim continuar efetuando os pagamentos devidos. Dado que a comuna distribuía as terras aos camponeses de acordo com o número de membros da família, caso um membro partisse, a família receberia menos terra. Essa era, do ponto de vista capitalista, uma das irracionalidades do sistema: para obter um fator escasso (a terra), os membros do mir eram obrigados a reter um fator abundante (a mão de obra). A preservação do mir e, com ela, dos campos abertos e dos trabalhos coletivos da agricultura tradicional travava o processo de mudança tanto dentro da agricultura como fora dela, entretanto, até 1893, isto é trinta anos após a emancipação, o governo ainda estava decidido a preservar a comunidade de aldeia. Submetidos à dupla pressão da insuficiência de terras e da magnitude das cargas financeiras, pouco sobrava aos camponeses para investir na produção. A produtividade continuou baixa. Gradualmente, as relações comunitárias começaram a ser minadas, provocando um processo de diferenciação da massa camponesa.

Rússia czarista, final do século XIX - início do século XX

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Na metade do século XIX, no governo de Nicolau II, sucessor ao de Alexandre III, ocorre um grande fluxo de capitais estrangeiros para a Rússia (ingleses, franceses, belgas e alemães). O desenvolvimento capitalista russo foi ativado por medidas como o início da exportação do petróleo, a implantação de estradas de ferro e da indústria siderúrgica. Os investimentos industriais foram concentrados em centros urbanos populosos, como Moscovo, São Petersburgo, Odessa e Kiev. Nessas cidades, formou-se um operariado de aproximadamente 3 milhões de pessoas. Havia agora gigantescas empresas que concentravam esse enorme contingente de operários, em condições de extrema exploração: jornadas excessivas, baixos salários, falta de segurança, inexistência de uma legislação trabalhista, proibição de organização de sindicatos. Neste contexto de caos e insatisfação social, no campo e nas cidades, em meio ao desenvolvimento da industrialização e ao crescente relacionamento com a Europa Ocidental, a Rússia recebeu do exterior novas correntes políticas que chocavam com o antiquado absolutismo do governo russo. Um ano importante na Rússia Czarista foi o de 1880, quando foi estabelecido um contato massivo entre os intelectuais do operariado russo com ideias de cunho marxista e socialista¹: a mistura da situação precária com os ideais marxistas que foram incutidos na mente dos trabalhadores efervesceram a sociedade da época. Os resultados foram greves e choques entre autoridades e trabalhadores, a difusão do pensamento marxista, principalmente nos setores urbanos. Em 1898 é fundado o POSDR - Partido Operário Social-Democrata Russo - de caráter eminentemente Marxista. Soviets, palavra que significa “conselho”, foram as Assembléias ou Conselhos de Deputados eleitos e formados por operários, soldados e camponeses. A oposição ao governo crescia. Em todos os movimentos partidários oposicionistas evidenciava-se a importância da propaganda política para propagar e incitar o povo a se unir e defender os ideais da revolução.

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1 O socialismo científico ou marxismo é um conjunto de concepções elaboradas por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) que, baseadas na economia política inglesa do início do século XIX, na filosofia idealista alemã (Hegel) e na tradição do pensamento socialista inglês e francês (o chamado socialismo utópico ), influenciaram profundamente a filosofia e as ciências humanas da Modernidade, além de servir de doutrina ideológica para os países socialistas. A metodologia marxista utiliza da análise socioeconômica sobre as relações de classe e conflito social, que utiliza uma interpretação materialista do desenvolvimento histórico e uma visão dialética de transformação social. De acordo com a análise marxista, conflitos de classe dentro do capitalismo surgem devido à intensificação das contradições entre uma produção mecanizada e altamente produtiva e a socialização realizada pelo proletariado, além da propriedade privada e da apropriação do produto excedente na forma de mais-valia (lucro) por uma pequena minoria de proprietários privados chamados coletivamente de burguesia. Como a contradição torna-se aparente para o proletariado, a agitação social entre as duas classes antagônicas se intensifica, culminando em uma revolução social. O eventual resultado a longo prazo dessa revolução seria o estabelecimento do socialismo - um sistema socioeconômico baseado na propriedade cooperativa dos meios de produção, na distribuição baseada na contribuição e produção organizada diretamente para o uso. Karl Marx formulou a hipótese de que, como as forças produtivas e a tecnologia continuam a avançar, o socialismo acabaria por dar lugar a uma fase comunista de desenvolvimento social. O comunismo seria uma sociedade apátrida e sem classes, erigida na propriedade comum e no princípio “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.

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O POSDR foi violentamente combatido pela Okhrana. Embora tenha sido desarticulado dentro da Rússia em 1898, voltou a organizar-se no exterior, tendo como líderes principais Gueorgui Plekhanov, Vladimir Ilyich Ulyanov (conhecido como Lênin) e Lev Bronstein (conhecido como Trotsky). As divergências de opinião fragmentaram o partido, que se dividiu em duas tendências: - Bolcheviques (maioria, em russo), liderados por Lênin, defendiam a ideia revolucionária da luta armada para chegar ao poder; - Mencheviques (minoria, em russo), liderados por Plekhanov, defendiam a ideia evolucionista de se chegar ao poder através de vias normais e pacíficas como, por exemplo, as eleições.

Czar Nicolau II e sua esposa Alexandra - início do século XX

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Georgi Valentinovitch Plekhanov, 1856 - 1918

Vladimir Ilyich Ulyanov, conhecido como LĂŞnin, 1870 - 1924

Trabalhadoras em protesto, primeiros anos do sĂŠculo XX

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Em 1904, a Rússia, que desejava expandir-se para o oriente, entrou em guerra contra o Japão e foi derrotada¹. A situação socioeconômica do país agravou-se e o regime político do czar Nicolau II foi abalado por uma série de revoltas em 1905, envolvendo operários, camponeses, marinheiros (como a revolta no navio couraçado Potemkin) e soldados do exército. Greves e protestos contra o regime absolutista do czar explodiram em diversas regiões da Rússia. Em São Petersburgo, foi criado um soviete (conselho operário) para auxiliar na coordenação das várias greves e servir de palco de debate político. Em janeiro do ano de 1905, um grupo de operários participava de um protesto pacífico em frente ao Palácio de Inverno de São Petersburgo, sede do governo, para entregar um abaixo assinado ao czar. A guarda do palácio, assustada com a multidão, abriu fogo matando mais de mil pessoas. O episódio ficou conhecido como Domingo Sangrento e provocou uma onda de protestos em todo o país. Esse foi o primeiro passo para a Revolução de 1905, que apresentou uma série de levantes nacionalistas e vários movimentos grevistas. Diante da pressão revolucionária, o czar promulgou uma Constituição e permitiu a convocação de eleições para a Duma (Parlamento). A Rússia tornava-se assim uma monarquia constitucional, embora o czar concentrasse grande poder, em contraste com as limitações do Parlamento. Na realidade, o governo ganhou tempo e organizou as reações contra as agitações sociais e os sovietes, o que levou ao fracasso a revolução de 1905. Mesmo abatida pelos reflexos da derrota militar frente ao Japão, a Rússia envolveu-se em outro grande conflito, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Como membro da Tríplice Entente, a Rússia lutou junto com a Inglaterra e a França, contra a Alemanha e o império Austro-Húngaro. Com as sucessivas derrotas, o país estava militarmente aniquilado e economicamente desorganizado. A longa duração da guerra provocou uma crise de abastecimento alimentar nas cidades, desencadeando uma série de greves e revoltas populares. Incapaz de conter a onda de insatisfações, o regime czarista mostrava-se intensamente debilitado. 24


SĂŁo Petersburgo, 1905

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Moscou, 1917

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As greves de trabalhadores urbanos e rurais espalham-se pelo território russo. Ocorriam muitas vezes motins dentro do próprio exército. As manifestações populares pediam democracia, mais empregos, melhores salários e o fim da monarquia czarista. Nos dias finais de fevereiro de 1917, uma manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, em São Petersburgo, transformou-se em uma manifestação contra a fome vivenciada por boa parte da população. A manifestação conseguiu o apoio dos soldados insatisfeitos com a guerra. A insatisfação foi aumentando e as manifestações ganharam força. Em 27 de fevereiro, soldados e trabalhadores invadiram o Palácio Tauride, conseguindo a renúncia do czar. O governo de Nicolau II foi retirado do poder e assumiria Kerensky (menchevique) como governo provisório. Ao mesmo tempo, os operários e soldados constituíram novamente os sovietes. Com Kerensky no poder pouca coisa havia mudado na Rússia. Entretanto, sofrendo pressões dos sovietes, o governo concedeu anistia aos prisioneiros e exilados políticos. De volta à Rússia, os bolcheviques, liderados por Lênin e Trotsky, organizaram um congresso onde defendiam:“Paz, terra e pão” e “Todo o poder aos sovietes”. Os bolcheviques, liderados por Lênin, organizaram uma nova revolução que ocorreu em outubro de 1917. Prometendo paz, terra, pão, liberdade e trabalho, Lênin assumiu o governo da Rússia e implantou o socialismo. As terras foram redistribuídas para os trabalhadores do campo, os bancos foram nacionalizados e as fábricas passaram para as mãos dos trabalhadores. Muitos integrantes da monarquia, além de seus simpatizantes e opositores ao nascente regime socialista, foram perseguidos e condenados à morte pelos revolucionários. E para evitar qualquer tentativa de restauração monárquica, o czar Nicolau II e sua família foram 1 Guerra Russo-Japonesa foi uma guerra entre o Império do Japão e o Império Russo que disputavam em 1904 os territórios da Coreia e da Manchúria. A guerra ocorreu no nordeste asiático, agravou-se, e o regime político do czar Nicolau II da Rússia foi abalado por uma série de revoltas internas em 1905.

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mortos em julho de 1918. Lênin também retirou seu país da Primeira Guerra Mundial no ano de 1918. Foi instalado o partido único: o PC (Partido Comunista). Leon Trótski, 1879 - 1940

Josef Vissariónovitch Stalin, 1878 - 1953

Greve de trabalhadores em São Petersburgo, 1916

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Os quatro primeiros anos de governo bolchevique foram marcados por uma guerra civil que abalou profundamente a Rússia. O Exército Vermelho, criado por Trotsky, derrotou o Exército Branco e garantiu a permanência dos Bolcheviques no poder¹. A revolução estava salva, mas a paralisação econômica era quase total. Buscando solucionar essa questão, o governo cria um programa econômico cujas medidas relativizavam as determinações socialistas, como a permissão da circulação monetária e a entrada de capital estrangeiro no país. Através da “Nova Política Econômica” (NEP), Lênin buscava flexibilizar as estruturas econômicas e, assim, garantir o crescimento do país. A aplicação da NEP realmente resultou no crescimento industrial e agrícola da Rússia. Seguiu-se um período de grande crescimento, o país tornou-se uma grande potência econômica e militar². Com o sucesso da NEP e o fim da guerra civil, a liderança bolchevique se consolida e o projeto socialista ganha força além das fronteiras russas. Em 1922, países vizinhos passam a adotar o socialismo e, juntamente à Rússia, dão origem a uma espécie de confederação comunista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em seu comando estava o líder do Partido Comunista, Vladimir Lênin. No ano de 1924, o governo russo foi seriamente abalado com a morte de Lênin, e a direção política da URSS ficou dividida entre Leon Trótski e Josef Stálin. Em 1929 Stalin consolidou seu poder e passou a ser o líder absoluto da União Soviética, ele conseguiu tal feito por ter uma articulação política mais vigorosa e um discurso voltado para as questões internas do país. A Revolução Russa inaugurou uma nova época histórica, a época da revolução socialista, da luta anti-imperialista e de libertação nacional e social.

1 Porém, após a revolução a situação da população geral e dos trabalhadores pouco mudou no que diz respeito à democracia. O Partido Comunista reprimia qualquer manifestação considerada contrária aos princípios socialistas. Milhares de opositores foram perseguidos, presos e assassinados pelo governo. Esta situação perdurou durante toda a história da União Soviética.

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1 1 Kerensky, que havia liderado o governo menchevique (os socialistas moderados) e que buscara apoio entre os burgueses para efetivar uma transição lenta e gradual para uma nova ordem sócio-política, havia conseguido escapar da represália de Lênin e arregimentou tropas leais no norte do país. Apesar disso, as vitórias bolcheviques ampliavam o território sob o comando dos revolucionários com conquistas na Rússia central e na Sibéria. As forças lideradas pelos antigos donos do poder não desistiam e, em janeiro de 1918 organizavam novas milícias que atingiam inicialmente um contingente de aproximadamente três mil homens. O ingresso de mais pessoas relacionadas aos interesses da burguesia levou a formação do Exército Branco. Entre os integrantes dos Brancos encontravam-se os Kadetts, partidários do grupo político de mesmo nome que tinham ideais liberais. A mistura de forças nessa nova milícia juntava aos liberais os socialistas moderados e, até mesmo, dissidentes dos socialistas revolucionários, descontentes com a centralização política e o governo de linhas ditatoriais que acreditavam ter se instalado em Moscou.

Exército viajante, aproximadamente 1920

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O período da Segunda Guerra Mundial (1941-1945) é conhecido na Rússia como a Grande Guerra Patriótica. Durante este conflito, que incluiu muitas das operações de combate mais letais da história da humanidade, as mortes de civis e militares soviéticos foram 10,6 milhões e 15,9 milhões, respectivamente, representando cerca de um terço de todas as vítimas de todo o conflito. A perda demográfica total dos povos soviéticos foi ainda maior. A economia e a infraestrutura soviéticas sofreram uma devastação massiva, mas a URSS emergiu como uma superpotência militar reconhecida após o fim da guerra. Com o fim da Segunda Guerra Mundial o contraste entre o capitalismo e socialismo era predominante entre a política, ideologia e sistemas militares. Ao tornar-se a segunda potência nuclear do mundo, a União Soviética criou a aliança do Pacto de Varsóvia e entrou em uma luta pela dominação global com os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), período conhecido como Guerra Fria. Apesar da rivalidade e tentativa de influenciar outros países, os Estados Unidos não conflitou a União Soviética (e vice-versa) com armamentos, pois os dois países tinham em posse grande quantidade de armamento nuclear, e um conflito armado direto significaria o fim dos dois países e, possivelmente, da vida em nosso planeta. Porém ambos acabaram alimentando conflitos em outros países como, por exemplo, na Coréia e no Vietnã. Segundo Lênin: “Em sua luta pelo poder, o proletariado não tem outra arma senão a própria organização”. Esta linha de pensamento era a razão pela qual os outros países temiam que o ideal socialista abalasse a organização política mundial. A União Soviética apoiou movimentos revolucionários em todo o mundo, inclusive na recém-formada República Popular da China, na República Popular Democrática da Coreia e, mais tarde, na República de Cuba. Quantidades significativas de recursos soviéticos foram alocados em ajuda para os outros Estados socialistas. Objetiva e subjetivamente, a Revolução Russa impulsionou o movimento revolucionário em todo o mundo, mas também, deixou o legado de um novo conceito de arte e design com o desenvolvimento do movimento revolucionário Construtivista. 31





Até o surgimento do Construtivismo, nenhum movimento na evolução da arte moderna tinha sido uma expressão tão inserida numa realidade revolucionária concreta, ou tinha colocado tão explicitamente a função social da arte como uma questão política. O Construtivismo foi uma expressão artística com forte influência do marxismo e estava intimamente ligado ao processo revolucionário. A partir disso, os construtivistas viriam na arte muito mais o papel de criar e construir novas realidades do que de representar realidades já existentes.

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Desde a conversão da Rússia ao cristianismo no século X, a produção artística esteve sempre muito associada à religião, visível nas igrejas, nos ícones e nos utensílios eclesiásticos. Sem, em absoluto, desmerecer toda a atividade artística que também existia ligada à vida campestre – decorações de casas, ovos coloridos de Páscoa, tecidos, cestas –, foi no século XVIII que se intensificou o contato com o Ocidente, cujo desdobramento para as artes foi a importação de estilos artísticos considerados “eruditos”. Isso porque Pedro, O Grande (1682-1725), amante dos estudos técnicos e náuticos, foi o principal responsável por considerar que o Ocidente era um paradigma de modernização que deveria ser seguido pela Rússia. Dentre as inúmeras reformas empreendidas em vista de modernizar esse país segundo o padrão ocidental, um marco importante foi a construção de um modelo de cidade, que, à custa de milhares de vidas camponesas, se tornou a nova capital do Império, São Petersburgo. Para essa edificação, artistas os mais diversos foram trazidos da Europa, e acabaram conquistando um espaço significativo na formação de jovens artistas russos, sejam eles arquitetos, pintores e escultores, a partir da fundação da Academia de Belas Artes de São Petersburgo¹. Assim, palácios e mansões ao gosto europeu foram construídos, e a Rússia começava, então, a conhecer uma arte muito diferente da sobriedade dos ícones e da simplicidade – uma palavra utilizada aqui sem nenhuma conotação pejorativa – dos utensílios domésticos produzidos pelos próprios camponeses. Estilos como o Barroco, o Classicismo e o Romantismo invadiram a Rússia com o passar dos anos, devendo-se ressaltar que eles foram reverenciados com obras de verdadeira maestria pictórica. Desta maneira, as produções artística e gráfica típicas dessa “Arte de Salão” passaram a conviver com a tradicional arte

1 A Academia de Artes da Rússia é a mais antiga e mais importante escola superior de artes da Rússia. Funcionou em São Petersburgo desde sua fundação em 1757 até 1947, e hoje está sediada em Moscou. De 1843 até o fim da monarquia a Academia foi dirigida exclusivamente por membros da casa imperial, e no início do século XX ainda era a única escola superior de arte em todo o país.

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CartĂŁo postal da Academia de Artes Russa, por volta de 1900.

SĂŁo Petersburgo, por volta de 1900.

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Tudo está no passado , Vassily Maximov, 1889

“Elizabeth Petrovna”, Eugene Lanceray, 1905

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cristã, bem como, a partir da década de 60 do século XIX, com um novo movimento artístico que se opunha justamente aos embe-lezamento conferidos pela Academia. Ao contrário de maquiar o mundo ou de traduzir os encantos nele já existentes, o Realismo optava por retratar a vida da maneira como ela se mostrava e, por isso, buscava, por vezes, um retrato psicológico de suas personagens. Mais do que isso, o Realismo acreditava na necessidade de uma função social para a arte e, sem sombra de dúvida, isso não pode ser compreendido sem relembrar as idéias que a intelligentsia russa fazia circular na época. Esta, assentada em valores como a igualdade e a solidariedade ainda presentes na estrutura social da Comuna Rural, defendia uma modernização da Rússia que não abdicasse dessa tradição, pois só assim essa nação não sofreria o deletério desenvolvimento industrial característico do Ocidente, que trouxera, para seus países, miséria e proletarização. A intelligentsia, no geral, defendia uma autenticidade no processo de modernização russo, dito alternativo, já que a Rússia ainda dispunha de redutos com valores sociais e culturais que não haviam sido destruídos. A disseminação deles por entre a sociedade garantiria uma passagem direta da etapa atual para a socialista, sem com isso abdicar da modernização do país. Se esses valores fossem preservados, estaria consolidada nessa nação a possibilidade de uma via alternativa de modernidade; se as Comunas fossem desacreditadas, boicotadas e corroídas, como vinham sendo ao longo do tempo, era o fim da chance de construção do socialismo naquela nação.

1 A segunda metade do século XIX foi marcada por um período de profundas mudanças no modo de pensar e agir das pessoas não só na Rússia, mas em toda Europa. As contradições sociais começaram a ficar evidentes em decorrência da Revolução Industrial, e todos esses fatores influenciaram as artes de um modo geral. O egocentrismo romântico deu lugar às correntes cientificistas que buscavam explicar fenômenos sociais, naturais e psicológicos sob o viés de teorias materialistas. A subjetividade, comum ao Romantismo e ao Simbolismo, foi substituída pela objetividade das ideias do Realismo.

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Em suma, a crença era basicamente a mesma no interior dos intelligenti, mas as táticas para alcançar o fim desejado variavam muito, e o Realismo¹ se apresentou exatamente como uma interpretação pictórica dessas idéias em circulação, sentindo que a arte tinha um papel social a cumprir, denunciando as explorações, revelando os valores artístico-culturais dos russos e auxiliando na educação e reeducação do povo. É claro que não se pode esquecer que o Realismo também grassava na Europa desde fins da primeira metade do século XIX e, na Rússia, existiam vários meios que promoviam esse intercâmbio artístico, como revistas, colecionadores de arte russos e artistas que viajavam interessados em descobrir o que o Ocidente desenvolvia de novo. É preciso observar, porém, que em momento nenhum a Rússia foi uma extensão artística do Ocidente. Muitas influências chegaram até ela, mas sempre trabalhadas de acordo com as necessidades específicas daquela sociedade, principalmente após o nacionalismo apregoado pelos pintores realistas, por meio da valorização daquilo que eles consideravam autêntico da cultura russa. Nesse vaivém, a música, o teatro e as artes plásticas abrilhantaram o cenário artístico russo e, em se tratando desta última, nada menos do que o desenvolvimento da arte abstrata se deve a um moscovita, Vassíli Kandínski, e a um ucraniano, Kazimir Malevitch. O primeiro, estudando e trabalhando na Alemanha, seguiu a vertente da abstração lírica, também conhecida como informal; o segundo, na Rússia, escolheu as formas geométricas como meio de representação de um mundo novo. Ambos influenciaram o que viria a ser o Construtivismo. O Suprematismo, nome dado à teoria desenvolvida por Malevitch, que justificava a pintura geométrica, representou uma concepção para um novo mundo, como aquele que se pretendia construir na Rússia a partir de 1917. Um mundo que não limita a relação entre homem e objeto à sua necessidade material; um mundo que multiplica as relações e identidades com o objeto, que o concebe apenas em estímulos, sensações e intuições; um mundo que se torna realidade no plano pictórico, que através da pintura tem essas sensações rítmicas traduzidas; um mundo

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Puxadores de barcos no Volga , Vilya Repin (realismo)

Um avĂ´ e seu neto , Vasily Perov (realismo)

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em que a pintura se justifica enquanto pintura porque é ela que transmuta a sensibilidade em formas dinâmicas, flutuantes e libertas. É a supremacia de um mundo regido pela sensibilidade, pela capacidade criativa e cognitiva do homem. Uma verdadeira arte moderna para um mundo moderno. Em outras palavras, a arte começava a incorporar a realidade da segunda metade do século XIX na Rússia, representando bem o sonho de libertação por que lutaria o povo russo mais incisivamente e coletivamente em 1917. O sentido de libertação condensado pelo quadrado, que dava uma solução para a busca interminável da arte moderna de conferir autonomia ao espaço pictórico, era o mesmo que movera o povo em fevereiro e em outubro do ano vermelho. O quadrado era para o artista a forma zero, isto é, a forma da qual todas as demais derivam. Zero não de fim, mas de recomeço, assim como se concebia a Rússia bolchevique. Além disso, é uma forma que não existe na natureza e que, portanto, não pode ser associada a ela.

Auto retrato, Kazimir Malevich, 1908-1910

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Uma forma puramente mental, de criação do homem, um verdadeiro ícone de uma arte do mundo das idéias, das sensações, das intuições. Com ela, dentre tantas transformações que a acompanham, uma é particularmente democrático-social: a arte, agora, era cosa mentale, como disse Leonardo da Vinci, era muito mais a elaboração de um conceito do que a habilidade técnica do artista. Ser artista era ser um pensador e não um especialista na capacidade de desenhar, na capacidade de representar a realidade precisamente, e isso tinha total conexão com a construção de uma nova sociedade que cria no trabalho e na necessidade de educação e de instrução do povo. E talvez resida exatamente aí o motivo que fez com que tantos artistas apoiassem a Revolução: a esperança de se construir uma sociedade distante dos moldes teocráticos e opressores que caracterizavam o Tzarismo. Uma nova realidade mais justa e mais igualitária, distante dos academismos e de suas regras e distinções artístico-sociais. É preciso ter em mente que ser um vanguardista significava estar, muitas vezes, à margem dos salões expositivos oficiais, bem como ser foco da crítica artística mais ferrenha. Na revolução, eles viram a possibilidade de construção de uma nova sociedade, menos autocrática. A revolução, por sua vez, via nesses artistas sua principal base de apoio, artisticamente falando, como se o novo sistema político, econômico e social que se almejava construir na Rússia exigisse também novos alicerces artísticos. Assim, o povo estava realmente comprometido com a revolução, aspirava novos tempos, tempos de igualdade e liberdade, que pareciam se iniciar com os primeiros decretos do Governo. Lênin, presidindo o Conselho dos Comissários do Povo e, portanto, maior representante daqueles desejos ardentes, bem poderia ter assumido o quadrado vermelho de Malevitch como bandeira que anunciava essa nova era. O vermelho, símbolo de poder e de revolução, tendo na sua palavra correlata russa krasni também o significado de belo, feliz, constituía o sentido que movia aquela sociedade, sentido esse que estava expresso na forma quadrangular que libertava a arte. Realismo Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões, estava estampado o significado daquele novo tempo, traduzido por aquela forma geométrica vermelha irregular, que rompia com toda a rigidez das imposições do passa43


do e prenunciava a sua libertação. Era a irregularidade da forma banhada pelo sangue da revolução. Revolução na arte e na política que alimentavam aquela população.

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Quadrado Vermelho, Kazimir Malevich, 1915-1910

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Torre de rรกdio em Moscou, Vladimir Shujov, 1920

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Os anos compreendidos entre 1921 e 1924 se caracterizaram por uma drástica mudança na política econômica do novo estado: uma necessidade de passar da conquista do poder político a criação de uma base material e técnica que sustentasse a nova ordem social. Houve uma mudança de uma economia rural para um organismo industrial moderno. Grandes mudanças também ocorreram na estrutura social dos assentamentos urbanos, permitindo uma distribuição mais justa. Iniciou-se um programa massivo de trabalhadores que viviam em barracos e sótãos: até 1924, 500.000 pessoas tinham sido realojadas só em Moscou e outras 300.000 em Petrogrado. Esse programa não só resolveu o problema habitacional mas diminuiu a diferença existente entre o centro (antiga cidade de classes dirigentes) e a periferia. O conjunto urbano intensificava uma crescente homogeneidade social. Os principais problemas de infraestrutura eram: a carência de materiais construtivos, a falta de fundos, a escassez de moradias e o colapso das economias municipais. O desenvolvimento de um plano de eletricidade estimulou as atividades construtivas e também determinou o caráter de tudo o que edificou entre 1921 e 1924, afetando diretamente a arquitetura. Durante o plano de eletrificação do país, ocorreram várias oportunidades reais para a prática arquitetônica, dentre elas a construção de grande quantidade de estações energéticas em meios rurais e fábricas. A nova política econômica estimulava a atividade construtiva. Entre 1925-27 houve a construção de novas plantas industriais, o planejamento de cidades, de novos conjuntos de moradia incluindo as comunas, e ainda grandes quantidades de edifícios públicos. Era também notório o surgimento de novas linhas férreas e novas edificações coletivas como o clube de trabalhadores, as casas para os sovietes, os teatros de massa, cozinhas coletivas, banheiros públicos, entre outras; todas baseadas no auto-serviço e na auto-gestão. Com o tempo elas começaram a se modificar com a divisão das casas em pisos, como células independentes. No período de 1919-1920 vários arquitetos se empenharam na criação de novos tipos de comunas. Em Petrogrado, projetos de habitações eram realizados para trabalhadores com uma série 47


de dormitórios e zonas de serviço que constituíam o núcleo dos edifícios. Os desenhos eram moderados, reflexo de uma austeridade social. Os projetos assumiam a perspectiva de uma nova sociedade socialista em evolução, com inspiração derivada do fervor revolucionário das massas trabalhadoras. Algumas propostas somente seriam realizadas 50 anos depois de concebidas. Prevalecia a urgência de coletivização, unidas à demandas marxistas de reordenação de todo modo de vida, e estabelecendo uma nova ordem social, cuja busca estética era entusiasmada por uma nova expressão artística. Nos projetos, os arquitetos desejavam desenvolver o “maior” para fazer frente a uma nova sociedade, a um novo jogo de linguístico na expressão artística. A nova imagem sintetizava formas e significados ideológicos específicos da nova linguagem. A tarefa artística prioritária era trabalhar uma forma condensada que expressasse as mudanças sociais com a criação de novas metáforas e símbolos que fossem compreendidos por todos. Seu impacto acabou por determinar a forma da arquitetura soviética nos anos seguintes. A arquitetura se fez um importante elemento comunicativo, uma forma de arte e agitação popular. Apesar de muitos projetos não terem saído do papel, incentivaram muito do que foi produzido pela arquitetura na época. Os objetivos mais específicos da arquitetura enquanto veículo de transformação da terra era a regulação das estruturas dos assentamentos humanos, a reconstrução de um estilo de vida e educação melhor para todos os indivíduos, num papel direto com a sociedade. Seu caráter heróico recorria a formas urbanas tradicionais da arquitetura. Foram feitas a nacionalização da terra, a expropriação dos grandes edifícios, uma planificação da economia, acarretando a aparição de nova atitude ligada ao uso dos edifícios. Neste período houve a retomada de alguns conceitos de tradição clássica: projetos plenos de emoção e sentimento, glorificação do espírito da Revolução através das formas clássicas, acompanhadas de volumes gigantescos, colossais, monumentais (tinham como antecedentes Piranesi, Ledoux, Boulle e Peyre). O 48


concurso para Palácio dos Trabalhadores almejava um novo edifício dotado de uma metáfora arquitetônica que introduziria um novo conceito revolucionário. A própria temática de um “palácio” para trabalhadores revelava o desejo de ascensão daquela classe. Tinham como forma-síntese a espiral: uma forma dinâmica e suscetível à combinações. Em 1918 Lênin, seguindo toda essa renovação estética, lança o Plano de Propaganda Monumental: a arte deveria ser utilizada para agitar as massas utilizando para isso slogans inflamados e uma iconografia evocativa. A Arte gráfica veio a representar um papel importante na difusão da mensagem da Revolução. Ela adquiriu a importância de símbolo.

Monumento à III Internacional, Vladimir Tatlin, 1920

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Cartaz do Design Museum , Londres, para divulgação de exposição da obra de El Lissitzky

Ao analisar a produção artística mundial, percebe-se a constante utilização de símbolos como forma de expressão. Esses símbolos são adotados pelos artistas, como maneira de se comunicar com o próximo a fim de transmitir suas ideias e crenças. A utilização de uma linguagem alternativa, baseada em símbolos, para comunicar uma ideologia, torna sua compreensão e abrangência maior e mais fácil; isso ocorre porque símbolos e figuras ajudam na reverberação de uma mensagem, além de torná-la compreensível para uma parcela maior da população. Ressalta-se que a utilização dos símbolos dentro da ideologia política está associada a teoria de conquista e controle das massas, embasada na concepção de meios de estruturação em prol da ordem e da integração social. Imagens, símbolos são ideais quando se trata de comunicar uma ideia ou ideologia de forma rápida e eficaz. Sua utilização cria uma identidade visual sólida e que desvela o caráter e conceito da mensagem. Com o advento da Revolução Russa, os líderes revolucionários viram a necessidade de criar uma identidade visual que representasse a revolução e seus ideais. Dos signos adotados, os mais importantes e que se tornaram sinônimos universais do socialismo foram a foice e o martelo. Ambos representam a união da classe operária junto aos camponeses em prol de um objetivo comum: melhores condições sociais e a propagação do comunismo. Os traços minimalistas permitem uma fácil identificação das formas, garantem uma facilidade em reproduzir tais figuras, além de vinculá-las ao trabalho operário/camponês. Durante a primeira década dos anos 20, a arquitetura Russa se desenvolveu às margens de qualquer influência externa. Mesmo assim ocorreram paralelismos interessantes entre processos artísticos evolutivos diferentes. Formas dos irmãos Vesnin (inovações derivadas das novas funções sociais) para o Palácio do Trabalho eram parecidas com as de Gropius (novas formas para edifícios de escritório EUA) no Chicago Tribune.

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A vanguarda (avant-garde) floresceu na Rússia no início do século XX, em virtude da reorganização política e social, inspirada inicialmente no cubismo de Picasso e evoluindo para o radicalismo abstrato suprematista, no qual o artista tinha maior autonomia para desvincular-se das obras “de elite”, democratizando e popularizando a arte, tornando-a funcional. Esse movimento foi iniciado por Kasimir Malevich por volta de 1913. A combinação (sem precedentes) de sua geometria com cores minimalistas definiram as fundações do visual moderno que viria a ser o Construtivismo.

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Desde que tomou o poder em outubro, o novo governo sabia bem que precisava de artistas para construir e consolidar o sonho do socialismo. Além do interesse da vinculação da arte à propaganda, já que muito da “instrução” do povo se daria pela imagem, existia também, não se pode negar, uma idéia de que a revolução cultural era condição premente para a sobrevivência da revolução político-econômica. Assim, logo de início, o governo se preocupou com a questão do analfabetismo. Em 1918, foi assinado o decreto Sobre a Mobilização, que instituía que todos os cidadãos deveriam aprender a ler e a escrever. Em 1919, um outro, denominado A Liquidação do Analfabetismo, reforçou o anterior, obrigando a alfabetização do povo, com faixa etária entre oito e cinqüenta anos, em língua russa ou em língua materna, sendo que aos empregados seriam cedidas duas horas do trabalho sem desconto de salário. Além de cuidar da educação num sentido restrito da palavra, o Narkompros, Comissariado do Povo para a Instrução Pública, responsabilizava-se também pelas artes, pelo seu estímulo e conservação. Como já dito, o incentivo à produção artística era crucial, já que, com uma ampla população analfabeta, a imagem constituía ferramenta necessária para a instrução e para aglutinação do povo em torno da Revolução.

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Cartaz de 1918

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O Construtivismo foi um movimento estético-político lançado em Moscovo após a Revolução Soviética, por Vladimir Tatlin, Alexander Rodchenco e, ainda, por El Lissitsky e Naum gabo. Estética e teoricamente, o Construtivismo encontra origens no Cubismo de Picasso¹ e no Suprematismo de Malevich². Alinhadas aos ideiais emancipacionistas da Revolução Socialista, as idéias construtivistas pregaram uma autonomia maior do artista, o fim da arte da elite, uma democratização radical da arte. Uma estética popular e, acima de tudo, funcional. O “Manifesto Realista”, escrito por Naum Gabo e assinado por seu irmão Antoine Pevsner, definia claramente os limites e possibilidades da arte não figurativa e contrariava as idéias metafísicas de Malevitch. Considerado o primeiro manifesto construtivista, o “Manifesto Realista” foi afixado nos muros de Moscou durante o primeiro levante de revolução política em meio à guerra civil e teve, portanto, grande repercussão. A partir dele, muitos manifestos de correntes antagonistas, distintas, porém, que buscavam também essa questão social, foram anunciados. O movimento negava uma “arte pura” e procurava abolir a idéia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. A arte, inspirada pelas novas conquistas do novo Estado Operário, deveria se inspirar nas novas perspectivas abertas pela máquina e pela industrialização servindo a objetivos sociais e a construção de um mundo socialista. O termo “arte construtivista” foi introduzido pela primeira vez por Malevich para descrever o trabalho de Rodchenko (sobre o qual falaremos mais adiante), em 1917. O construtivismo caracterizou-se pela utilização constante de elementos geométricos, cores primárias, fotomontagem e a tipografia sem serifa. Influenciou profundamente a arte e o design modernos e foi uma das mais importantes vanguardas estéticas européias do início do século XX. A ideia central era a de que o artista podia contribuir para suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um todo, relacionando-se diretamente com a produção de máquinas, com a engenharia arquitetônica e com os meios gráficos e fotográficos de comunicação. A arte torna-se instrumento de 58


transformação social, participa da reconstrução do modo de vida e da “revolucionarização” da consciência do povo, deseja satisfazer as necessidades materiais e organizar e sistematizar os sentimentos do proletariado revolucionário.

1 O cubismo foi um movimento artístico que surgiu no século XX, nas artes plásticas, tendo como principais fundadores Pablo Picasso e Georges Braque. O cubismo tratava as formas da natureza por meio de figuras geométricas, representando as partes de um objeto no mesmo plano. A representação do mundo passava a não ter nenhum compromisso com a aparência real das coisas. 2 O Suprematismo foi um movimento artístico russo, centrado em formas geométricas básicas - particularmente o quadrado e o círculo - e tido como a primeira escola sistemática de pintura abstrata do movimento moderno. O manifesto do movimento, Do cubismo ao suprematismo, escrito por Malevich (ver página 42) e pelo poeta Mayakovsky, foi publicado em 1925, e nele o suprematismo será definido como “a supremacia do puro sentimento”. O essencial era a sensibilidade em si mesma, independentemente do meio de origem.

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Os discos da cidade, Fernand Leger, 1918

Music Life, Liubov Popova, 1916

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O pequeno provenรงal, George Braque, 1913

Os pombos e as ervilhas, Pablo Picasso


Kazimir Malevich, experimentos suprematistas, 1908-1920

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O Construtivismo foi um movimento estético-político lançado em Moscovo após a Revolução Soviética, por Vladimir Tatlin, Alexander Rodchenco e, ainda, por El Lissitsky e Naum gabo. Estética e teoricamente, o Construtivismo encontra origens no Cubismo de Picasso¹ e no Suprematismo de Malevich². Alinhadas aos ideiais emancipacionistas da Revolução Socialista, as idéias construtivistas pregaram uma autonomia maior do artista, o fim da arte da elite, uma democratização radical da arte. Uma estética popular e, acima de tudo, funcional. O “Manifesto Realista”, escrito por Naum Gabo e assinado por seu irmão Antoine Pevsner, definia claramente os limites e possibilidades da arte não figurativa e contrariava as idéias metafísicas de Malevitch. Considerado o primeiro manifesto construtivista, o “Manifesto Realista” foi afixado nos muros de Moscou durante o primeiro levante de revolução política em meio à guerra civil e teve, portanto, grande repercussão. A partir dele, muitos manifestos de correntes antagonistas, distintas, porém, que buscavam também essa questão social, foram anunciados. O movimento negava uma “arte pura” e procurava abolir a idéia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. A arte, inspirada pelas novas conquistas do novo Estado Operário, deveria se inspirar nas novas perspectivas abertas pela máquina e pela industrialização servindo a objetivos sociais e a construção de um mundo socialista. O termo “arte construtivista” foi introduzido pela primeira vez por Malevich para descrever o trabalho de Rodchenko (sobre o qual falaremos mais adiante), em 1917. O construtivismo caracterizou-se pela utilização constante de elementos geométricos, cores primárias, fotomontagem e a tipografia sem serifa. Influenciou profundamente a arte e o design modernos e foi uma das mais importantes vanguardas estéticas européias do início do século XX. A ideia central era a de que o artista podia contribuir para suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um todo, relacionando-se diretamente com a produção de máquinas, com a engenharia arquitetônica e com os meios gráficos e fotográficos de comunicação. A arte torna-se instrumento de 62


transformação social, participa da reconstrução do modo de vida e da “revolucionarização” da consciência do povo, deseja satisfazer as necessidades materiais e organizar e sistematizar os sentimentos do proletariado revolucionário.

As leis que regiam o construtivismo eram 10: 1) As coisas que são unificadas tem que estar na base dos princípios construtivos, sendo imateriais ou não. Elas tem que estar sempre de modo que o cérebro as grave à primeira vista. 2) A construção só se torna efetiva quando pode ser racionalmente justificada. 3) Os elementos tem que estar unidos de modo harmônico, para que possa haver a combinação inteiramente construtiva. 4) Os elementos só darão forma à construção se estiverem em conjunto, eles precisam mostrar que estão ativos na união. 5) A construção tem que ter um efeito sentido, ou seja, a apropriação de todas as formas tem que seguir a mesma ideologia e traduzir o sentido da obra. 6) Cada nova construção é resultado da investigação humana, e a obra tem que ser inventiva e criativa. 7) A construção tem que ser bonita e aperfeiçoada constantemente para que fique como contribuição para as culturas futuras. 8) A coesão dos elementos da obra refletem a concordância e a idéia de coletivismo entre a humanidade. 9) Cada nova idéia construtiva deve seguir fielmente as bases do construtivismo, o idealizador deve ter conhecimento absoluto dos processos pelos quais o projeto irá passar. 10) Antes de executada a obra deve passar pelos critérios anteriores e atingir o desenvolvimento que é necessário e possível.

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Sobre o sistema propagandista, sua presença sempre lembrava o russo do campo, da cidade ou do front que a consolidação do processo revolucionário era a saída para todos os males. Para essa propaganda revolucionária não existia superfície que não pudesse ser trabalhada: barcas, trens, edifícios, utensílios domésticos, todos serviam de instrumento de contínua reiteração dos valores da revolução, sendo o trabalho e o serviço militar temas bastante difundidos nos cartazes durante os penosos anos de Guerra Civil. Em relação aos affiches (cartazes), a arte gráfica foi sempre uma tônica na Rússia e, após a revolução, encontrou ainda mais espaço, já que, através dela, o novo governo propagava e reavivava a ideologia revolucionária em todos os russos. Vale lembrar que a utilização maciça dos cartazes como veículos de propaganda durante o governo bolchevique supria a ausência de outros meios de comunicação de massa.

Bata nos brancos com a cunha vermelha

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O cartaz “Bata nos brancos com a cunha vermelha”, criado por El Lissitzky foi uma das primeiras obras com temática política a utilizar elementos construtivistas. Seu impacto foi tamanho que chamou a atenção do partido comunista para a importância dos cartazes como ferramentas de comunicação. A obra também foi uma das principais inspirações para os demais artistas construtivistas, pois unia de forma única a abstração da arte com a objetividade do Design Gráfico. Artistas como Tatlin, Malevich, Rodchenko, Lissitzky, Naum Gabo, Pevsner, Popova, Vesnin, Stepanova entre outros, levaram a arte a evoluir do representativo para o mundo cotidiano, atendendo função da arte social: ter um papel prático na vida da população. Os artistas desse movimento abdicaram a concepção artística meramente contemplativa, buscando formas de expressões artísticas que pudessem transformar a arte estabelecendo um novo paradigma de arte com sensibilidade, crítica e participação, que ajudava no desenvolvimento da nova arte Construtivista, a qual recebia grandes influências do modernismo europeu, como explica Salles: “A chamada vanguarda russa tinha como objetivo primordial a busca pelas estruturas formativas do olhar, olhar esse que não vê o mundo mas, antes, o define, o conforma, o estabelece enquanto realidade“. A elaboração artística expressava a organização social, o meio artístico estava engajado na construção da nova sociedade, os ideais políticos da Revolução Russa estavam retratados nesta nova estética nas artes gráficas (Lênin integrou Rodchenko ao Departamento de Arte do Estado, para que se produzissem materiais culturais revolucionários). Considerando-se os cartazes produzidos de acordo com os ideais revolucionários, é possível dizer que o Construtivismo exemplifica a unificação do design com a arte em um único objeto busca de uma integração entre imagem, palavra e discurso: O olhar construtivista propõe uma percepção visual que não se esgota na leitura literal do fato expresso pela imagem. Para os Construtivistas, era preciso estabelecer integração ativa entre imagens e palavra para que fosse possível expressar a tendência 65


social manifestada no ato. Esse conceito ratifica o Construtivismo como precursor do design social, evidenciando a primazia da sofisticação das necessidades coletivas. Foi no período revolucionário que os artistas se colocaram à disposição de atividades em prol da sociedade voltando seu potencial artístico para trabalhos na propaganda, tipografia, arquitetura e no desenho industrial; sob essas concepções, desvendaram-se as bases do que é conhecido como design funcionalista.“O Construtivismo é a única corrente artística das vanguardas a se inserir numa tensão e, a seguir, numa realidade revolucionária concreta, e a colocar explicitamente a função social da arte como questão política”. Percebe-se na produção artística construtivista uma abordagem funcional relacionada aos ideais revolucionários, como se depreende da citação a abaixo: Satisfazendo as necessidades materialistas e expressando sistematicamente os sentimentos do proletariado revolucionário, objetivando: não a arte política, mas a socialização da arte. Com o êxito da revolução bolchevique o movimento construtivista atingiu sua plenitude a partir de 1918 e tornou-se um instrumento de transformação social, unificando a arte e a sociedade se engajando no modo de vida da consciência do povo. Os artistas da época usavam suas obras para transmitir ideias a partir da arte, adicionando imagens/símbolos para captar a atenção da classe operária/camponesa que não sabia ler e escrever. No caso do cartaz “Operários em apoio à revolução” (figura 05), vemos um exemplo de como os cartazes eram feitos com o objetivo de persuadir e garantir o apoio das massas. Ao criar uma mensagem simples e de fácil entendimento, o partido criava um canal de comunicação direto, no qual a mensagem era mais facilmente absorvida pelo receptor, o que facilitava a compreensão e o apoio a ideologia expressa através da peça gráfica. Os artistas da época usavam suas obras para transmitir ideias a partir da arte, adicionando imagens/símbolos para captar a atenção da classe operária/camponesa que não sabia ler e escrever. No caso do cartaz “Operários em apoio à revolução”, ve-

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mos um exemplo de como os cartazes eram feitos com o objetivo de persuadir e garantir o apoio das massas. Ao criar uma mensagem simples e de fácil entendimento, o partido criava um canal de comunicação direto, no qual a mensagem era mais facilmente absorvida pelo receptor, o que facilitava a compreensão e o apoio a ideologia expressa através da peça gráfica. Em virtude do vínculo entre a arte e a sociedade, Brenton e Trotski lançaram o “Manifesto por uma arte revolucionária livre”, na defesa da arte como ferramenta social, dizendo textualmente que:

“[...] Nossa concepção do papel do artista é demasiada elevada para negarmos que ele tenha influência no destino da sociedade. Acreditamos que a tarefa suprema do artista em nossa época seja participar ativa e conscientemente no preparo da revolução. Mas o artista não pode servir à luta pela liberdade a menos que assimile subjetivamente seu conteúdo social, a menos que sinta em seus erros, o seu significado e drama e procure livremente dar-lhe sua própria encarnação íntima em sua arte.”

Entre 1917 e 1922, uma cultura modernista vanguardista se consolidou através do cinema revolucionário, do teatro político, dos grandes projetos urbanistas modernos, das artes gráficas e do próprio construtivismo com sua corrente produtivista, que defendia a utilização de arte funcional para fins utilitários.

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Vamos cumprir os planos com grande esforรงo

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Uma ampla reforma educacional e cultural aconteceu após a revolução de 1917, projetando a União Soviética a uma nova era na história mundial. Para concretizar essas novas mudanças foi nomeado como Comissário do Povo para Educação: Anatoli Lunacharsky, que ficou encarregado de dirigir o Narkompros, instituição responsável por cuidar das escolas, universidades, institutos de pesquisa científica e qualquer instituição ligada à arte. Lunacharsky subvencionou as artes com critérios bastante liberais, favorecendo a arte experimental e de vanguarda, protegendo e reconhecendo o trabalho criativo de todos os movimentos artísticos, de forma a incentivar seu desenvolvimento. Neste período, foi fundado o Instituto de Cultura Artística denominado Inkhuk, considerado como polo fundamental para o debate e consolidação do Construtivismo Soviético. Nas reuniões e debates que ocorreram no Instituto, foram criados os textos fundamentais para a arte, desenvolvida pelos artistas da Vanguarda Russa, além de ações políticas gerais para arte e para o ensino. Fruto dessas reuniões, surgiram outras instituições de ensino e produção artística, sendo a principal o Vkhutemas, Institutos superiores de arte e técnicas, criado em 1920.

Prédio do Instituto de Cultura Artística

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Vários autores defendem a influência do Inkhuk na produção artística Construtivista, pois os debates que ocorreram permitiram o desenvolvimento de metodologias de pesquisa e de atuação nas artes (a partir de módulos materiais e formais), buscando analisar objetivamente e de forma materialista toda a produção artística. Apoiados na nova diretriz para uma arte social aplicada à vida, o Inkhuk, transformou-se em um dos principais meios de incentivo para concretizar a arte construtivista, bem como teve amplo reflexo na construção didática e pedagógica das Vkhutemas, coordenadas por grandes nomes de artistas russos, tais como: Vassily Kandisky, Alexander Rodchenko, Aleksei Gan, El Lissitzky, Liuhov Popova, Aleksondr Vesnin, Nikolai Tarabukin, Gustav Klutsis, Vladimir Tatlin, dentre outros, que tinham como objetivo, formar artistas capazes de atender a indústria e disseminar os ideais construtivistas para a transformação cultural do país. As Vkutemas foram instituições fundamentais para o desenvolvimento e treinamento prático em design têxtil, cerâmico, em arquitetura, carpintaria, metalurgia e nas artes gráficas. Nas Vkhutmas produziu-se uma considerável quantidade de nova arte soviética: abstrata, construtivista, suprematista, além de um design funcional que visava contribuir para os planos de industrialização da União Soviética. Todas essas medidas de incentivo a arte estavam ligadas com a ideia inicial de Lenin sobre criar uma arte própria e única para o proletariado. O banimento dos conceitos artísticos ligados aos czaristas e burgueses fez com que o partido adotasse uma política de incentivo à nova arte, dentro da qual está escola e instituições artísticas que tiveram papel fundamental em criar e reproduzir novas formas e experimentos artísticos ligados às vanguardas. Nas escolas e ateliês, o Construtivismo encontrou espaço necessário para crescer e desenvolver-se a ponto de chamar atenção do partido. Suas características e estilo simples e impactante, de forte impacto visual e fácil reprodução eram perfeitos para difundir os ideais comunistas. 70


O conceito de “produção de arte” foi consistente com o plano de Lênin para regenerar a economia Soviética, particularmente a indústria […] A ênfase foi colocada em quebrar barreiras entre arte e trabalhador, vida e arte. Nos ateliês iniciou-se uma produção em larga escala de peças gráficas, como faixas e cartazes, nos quais esta nova arte era apresentada as massas, sempre exaltando a ideologia comunista, bem como os símbolos da revolução.

Certificado de Graduação dos alunos Vkhutemas

Imagem do interior de um ateliê artístico em uma Vkhutemas

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Em virtude da produção em larga escala, pela primeira vez na história da Rússia, a arte atingia as grandes massas, e graças à união da arte ao design gráfico, esta arte agora podia ser “lida” e entendida por toda população, inclusive pelas classes operárias/ campesinas que eram, em sua maioria, analfabetas. Os ateliês também foram responsáveis pelo desenvolvimento das técnicas gráficas e tipográficas dentro da União Soviética. Os artistas tinham fácil acesso às ferramentas necessárias para a criação de suas obras e, graças a isso, a experimentação de novas técnicas e os estudos gráficos eram possíveis. Como resultado dessa facilidade de acesso, houve uma produção de peças gráficas inovadoras, com elementos gráficos inéditos, que, apesar da estética artística, possuíam uma capacidade comunicativa com todas parcelas da população. Logo, instituições como as Vkhutemas contribuíram para o surgimento de uma nova geração de artistas soviéticos de vanguarda, como pintores, escultores, arquitetos, musicistas, teóricos, historiadores, sociólogos, além de ter um importante papel no plano de alfabetização da população soviética. Destacam-se como principais expoentes destas instituições, artistas como Vassily Kandisky e seguidores da vanguarda como Alexander Rodchenko, Varrara Stepanova, Aleksei Gan, El Lissitzky, Liuhov Popova, Aleksondr Vesnin, Nikolai Tarabukin, Boris Korolev, Boris Arrotov, Gustav Klutsis, Vladimir Tatlin, Anton Lavinsky dentre outros.

Alunos com professora Popova em uma Vkhutema

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Muitos desses artistas individuais formavam grupos e adotavam um pseudônimo coletivo para assinar suas obras, trazendo assim um pouco da ideologia coletivista para junto do conceito de propriedade intelectual. Após um período de quatro anos de experimentação cultural e artística, a nova arte russa estava definida; porém, com a ascensão de Stalin ao poder no final da década de 20, novas medidas políticas foram adotadas pelo partido comunista. Estas medidas, criadas por Stalin, limitavam a liberdade de expressão artística e encerrava o trabalho de várias instituições ligadas à cultura. Como resultado deste “maior” controle das artes por parte do Estado, as vanguardas e, sobretudo o Construtivismo Russo, são banidos e passam a dar lugar a um novo movimento artístico, o Realismo Socialista, cuja produção artística estava mais associada a conceitos nacionalistas, militaristas, culto à imagem do líder e apresentava uma estética mais realista e menos conceitual.

Exemplo de cartaz político com estética Realista Socialista

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Muitos desses artistas individuais formavam grupos e adotavam um pseudônimo coletivo para assinar suas obras, trazendo assim um pouco da ideologia coletivista para junto do conceito de propriedade intelectual. Após um período de quatro anos de experimentação cultural e artística, a nova arte russa estava definida; porém, com a ascensão de Stalin ao poder no final da década de 20, novas medidas políticas foram adotadas pelo partido comunista. Estas medidas, criadas por Stalin, limitavam a liberdade de expressão artística e encerrava o trabalho de várias instituições ligadas à cultura. Como resultado deste “maior” controle das artes por parte do Estado, as vanguardas e, sobretudo o Construtivismo Russo, são banidos e passam a dar lugar a um novo movimento artístico, o Realismo Socialista, cuja produção artística estava mais associada a conceitos nacionalistas, militaristas, culto à imagem do líder e apresentava uma estética mais realista e menos conceitual. Segundo dados históricos, a produção de peças construtivistas, na união soviética, perdurou até o ano de 1934, quando a intensificação das leis de controle estatal sobre os movimentos artísticos e sobre a produção cultural no país expurgaram os últimos artistas remanescentes das vanguardas. Os artistas construtivistas fugidos da Rússia se exilaram em países europeus, onde deram continuidade a produção de suas obras artísticas, desenvolvendo novas técnicas e migrando para novos movimentos. O melhor exemplo a ser citado é o De Stihl, movimento artístico oriundo dos construtivistas russos que se estabeleceram na Holanda. Com o banimento das demais formas artísticas, para um favorecimento do Realismo Socialista, houve um alinhamento do estilo artístico às tendências propagandistas que estavam se espalhando pelos países fascistas da Europa. A censura e o controle estatal sobre a produção artística perduraram até a morte de Stálin em 1953. Após a morte do líder soviético, o governo assumiu uma postura mais aberta quando à arte e, aos poucos, ressurgiram trabalhos artísticos com referências gráficas do Movimento Construtivista.

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Exemplos de cartazes polĂ­tico com estĂŠtica Socialista

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Exemplos de cartazes polĂ­tico com estĂŠtica Socialista

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Historicamente, o Construtivismo Russo enquanto movimento de vanguarda, impulsionou e incentivou a evolução e a produção da arte com um caráter mais funcional, estreitando os laços da mesma com o Design Gráfico (entre outras disciplinas). Dentro do movimento, destaca-se a utilização dos cartazes como veículo de comunicação com as massas. Os produtos gráficos construtivistas expressavam e comunicavam os ideais revolucionários: a combinação de imagens impactantes e diretas, associadas a palavras objetivas e de impacto geravam uma fácil interpretação da mensagem difundida pela peça. Em 1934, através do Congresso dos Escritores, o Construtivismo é proibido na URSS, alguns artistas são expulsos ou constrangidos a se exilarem. A ala ligada a Stálin determina o retorno do realismo do período imperial, mas agora chamado realismo socialista. Mas, se por um lado, a arte construtivista perde espaço em um lugar que ela ajudou a construir, por outro lado, vemos sua transmutação no design e em movimentos artísticos pela Europa, influenciando muito em nossa vida até hoje. O construtivismo como movimento ativo durou até 1934, tanto na União Soviética como na República de Weimar, as suas proposições inovadoras influenciam fortemente toda a arte moderna. A partir do Congresso dos Escritores de 1934 a única forma de arte admitida na URSS seria o Realismo socialista e todas as outras tendências artísticas durante o Stalinismo seriam consideradas formalistas.

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Com o Construtivismo Russo, a defesa da morte da arte realista e a pregação de uma arte útil, vemos aparecer a principal abordagem do design que existe hoje: o design funcionalista. Os construtivistas acreditavam que o artista especial, iluminado, pertencia ao passado, e que em um futuro socialista regado pelo desenvolvimento tecnológico, as ferramentas artísticas e, consequentemente, a técnica, deveriam ser radicalmente democratizadas. Do ponto de vista das artes plásticas, usando uma acepção mais ampla da palavra, toda a arte abstrata geométrica do período (décadas de 1920, 30 e 40) pode ser grosseiramente chamada de construtivista (o que inclui as experiências artísticas na Bauhaus, o Neoplasticismo e outros movimentos similares).

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Nascido da ideia de “construir”, o Movimento Construtivista foi pautado pela abstração e pelo geometrismo, seus artistas tornaram-se pioneiros por fixar uma estética na arte moderna, usando experimentos utilizando novos materiais, cores, texturas, objetos variados, desenhos, formas, temáticas entre outros, de forma única ou combinados. Rodchenko, por exemplo, usou para a produção de suas obras: fotografias, esculturas, pinturas, elementos de design. Na elaboração artística com materiais variados, os artistas tinham a possibilidade de novas estruturas e aparências. Assim, a questão psicológica da arte passa a existir como diálogo do artista com o material; e suas características são confrontadas pela vivência do autor no seu lado emocional e sensorial, dando um significado próprio para obra ao mesmo tempo que mantinha uma mensagem e significado de fácil entendimento para o espectador. Neste sentido, cita-se a explicação de Curtis:

Muitos construtivistas que se expressaram através de categorias artísticas tradicionais acabaram por migrar para o universo do design gráfico […] Optaram por uma produção visual de maior alcance comunicacional devido ao caráter da reprodutibilidade e do impacto persuasivo da mensagem visual, visando interferir diretamente na mudança da mentalidade da população.

O Design como disciplina, mais do que um meio de expressão da forma, deve ser interpretado como uma ciência moderna comprometida com a inovação e aprimoramento das ferramentas e meios de comunicação visual. O desenvolvimento social, cultural e tecnológico, sobretudo nos meios de produção e comunicação contribuíram para evolução, consolidação e importância do Design. Este desenvolvimento se deu em parte graças a Revolução Russa. Tal revolução permitiu o surgimento de novas vanguardas artísticas que, ao desenvolverem suas obras e peças de

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comunicação visual, contribuíram para a aproximação da Arte com o Design Gráfico. Ao tornar a arte acessível e “legível” para as grandes massas, as peças gráficas tornaram-se ferramenta de comunicação de mensagens e ideais. Seguindo essa linha, vários artistas trabalharam, através de sua arte, o desenvolvimento da comunicação de massas, conseguindo transmitir ideias para uma população que nem sequer sabia ler (Lissitzky impulsiona a alfabetização a partir dessa ideia). São fundadas as Vkhutemas, escolas de tecnologia e arte aplicada, que deveriam preparar artistas para a indústria e para a transformação cultural do país e disseminação das ideias construtivistas e socialistas. Vemos, então, o que alguns consideram como o início do ensino formal de design. O principal defensor dessas ideias, e líder de uma importante ala do movimento, foi Alexandr Mikhailovich Rodchenko (1981 – 1956). Rodchenko foi um dos que defenderam com mais vontade que a arte deveria ter uma função social, cumprir um papel prático na vida das pessoas. Não é raro, e também não é exagero, ouvir dizer que a arte não foi mais a mesma depois de Rodchenko. Ninguém havia pensado de forma tão enfática a produção artística como elemento político tão essencial à forma como nos organizamos socialmente e como entendemos a sociedade e o espaço em que vivemos. Sua maneira de criar era construindo a partir de propriedades formais e materiais, de maneira racional, estrutural e científica. Essa postura estava em ressonância com os ideiais da Revolução e de Lênin, que o integrou ao Departamento de Arte do Estado, onde ele enfatizaria a participação do artista como essencial para o suprimento material e intelectual da sociedade. A nova arte ultrapassa todos os limites do senso comum, rompe com as molduras, desce dos pedestais e tira partido dos imprevistos e acasos do cotidiano fragmentado, através de proposições cada vez mais chocantes para os conservadores. Os idealistas ainda procuram valorizar a razão do ser, seu gênio criador, o sujeito metafísico que vive tragicamente sua extrema sensibilidade à questões de ordem política, social, sexual e moral, extra83


Capa do livro Pro Eto, de Mayakovsky e Rodchenko

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vasando essa melancolia em composições figurativas místicas e visionárias, de atmosfera densa e carregada, mas que renunciam à toda ilusão tridimensional (simbolismo e expressionismo). Com o cubismo, o racionalismo geometrizante finaliza a desconstrução da figuração realista, fragmentando-a para depois remontá-la através de uma lógica espaço-temporal relativista. Temas simples e banais do cotidiano são valorizados, para fácil identificação dos vestígios que restam das formas. São também exploradas colagens, que reintroduzem fragmentos da realidade material nas representações artísticas, para mitigar a aridez de suaus formas abstratas. Essa corrente analítica continua a procurar formas e cores cada vez mais puras e não-objetivas, como que tentando reconstruir a realidade segundo parâmetros mais científicos, mais matemáticos (suprematismo e construtivismo). O auge desse puritanismo visual é alcançado com as formas programadas e calculadas das obras dos holandeses modernistas, calcadas no dualismo intrínseco do ângulo reto, no elementarismo da linha reta e na pureza das cores primárias (neo-plasticismo e De Stijl). Essa arte torna-se dogmática, obcecada com o alinhamento visual, com a precisão geométrica das suas representações, e com a pureza dos espaços em branco, como que procurando penitenciar-se das formas sensuais, luxuriantes e decadentes do barroco de tempos passados. Na arquitetura, a ornamentação já havia se tornado um crime (Adolf Loss) e a simplicidade das formas geométricas passara a ser a sua principal inspiração (Le Corbusier). O ascetismo formal predomina nas artes visuais, e na visão de certos idealistas passa a ter como missão redimir os objetos industriais de seus excessos extravagantes, reprimindo ímpetos decorativos e o paganismo das soluções espontâneas e intuitivas. Sob o pontificado de um inspirado arquiteto (Walter Gropius), surge uma nova religião, o design, a arte utilitária redentora, que se propõe a civilizar a indústria primitiva, educando-a para a apreciação e produção da boa forma estética. Ao mesmo tempo, graças à influência dos formalistas russos (Kandisnky, El Lissitsky, Malevitch, Rodchenko), as artes visuais atingem rapidamente seu nível mais ótico, mais abstrato, sem referências externas.

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Os artistas modernos, da segunda década do século em diante, almejam tornar as artes visuais uma ciência da percepção visual (Mondrian), desenvolvendo trabalhos ora líricos e metafóricos, como os realizados pela música, ora objetivos e concretos, como os da arquitetura. A arte moderna abstrata passa a valorizar o processo criador mais que as suas obras (arte concreta, Theo van Doesburg), abrindo caminho para o surgimento, da segunda metade do século em diante, para a Arte Minimalista, a Op-Art e a Arte Cinética, precursoras da Arte Cibernética e da Arte Digital dos anos 60.

Capa de livro, Rodchenko

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Woman with a baby, Alexander Rodchenko

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As vanguardas russas, Suprematismo e Construtivismo, surgiram como resposta artística ao contexto daquele país no início do século 20. Incluem-se aí as questões políticas, que desencadearam a Revolução de 1917 e as condições sócio-econômicas do período entre guerras. O Construtivismo, desenvolvido em sequência e com raízes no anterior, foi mais além, buscou alinhar esse tipo de representação ao contexto do desenvolvimento tecnológico, aproximando a arte da indústria. Com sua abordagem voltada para a construção de um ambiente adequado ao ser humano, que representasse a pureza da arte e aspectos realistas, materiais e não ilusórios, o Construtivismo adquiriu postura semelhante a que seria adotada pela Bauhaus, escola alemã onde estão as raízes do design.

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A partir de 1915, o Suprematismo de Malevitch e o Construtivismo de Tatlin foram as duas grandes correntes da arte russa; ambas se inseriram no vasto movimento da vanguarda ideológica e revolucionária. O auge do Suprematismo chegou ao fim nos últimos anos da década de 1920. Refletindo a crescente diversidade e fragmentação da arte russa, seus seguidores se voltaram para outros movimentos, principalmente para o Construtivismo, liderado por Vladimir Tatlin. No continente europeu, principalmente no período entre guerras, acreditava-se que o progresso seria o patamar sobre o qual se elevaria uma nova realidade, onde haveria maior paz e justiça social. Assim, a máquina foi assimilada ao contexto artístico, resultando em princípios de racionalidade formal. Nesse contexto, tal qual a própria revolução industrial, a adoção dessa racionalização da cultura levou uma aproximação entre arte e da indústria. Esse processo é visível sobretudo nas escolas pioneiras de “artes industriais”, como a Werkbund e a Bauhaus, que buscaram uma nova concepção de desenho e propiciaram um impulso reformador do desenvolvimento industrial (SUBIRATS, 1987). Bauhaus foi a primeira escola de Design no mundo, funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha. Em alemão era conhecida como “a casa para construir” ou “a casa da construção”, o que conduz a ideia de que o aprendizado e o objetivo da arte se interligam nesse espaço. Além do design, Bauhaus também ensinava artes plásticas e arquitetura. A criação da Bauhaus e a implantação de sua didática ainda mesclavam o pensamento artístico com o progresso industrial. O fundador dessa escola, Walter Gropius, acreditava que a base artesanal era essencial, e que a criação partiria do pressuposto de liberdade do artista. Assim, reuniu ao seu redor pintores, escultores, decoradores, arquitetos e muitos outros profissionais de diversos locais.

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Fachada da Bauhaus

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No período imediatamente anterior Primeira Guerra Mundial (PGM), a Alemanha caminhava para se tornar a nação européia mais industrializada e militarizada. Com sua rápida urbanização e expansão, era por vezes comparável ao progresso norte americano, em contraponto aos outros países europeus, principalmente por seus progressos na nova arquitetura e artes, tornando-se referência na época. Em 1901, o arquiteto e pintor belga Henry van de Velde (1863–1957) chegou à cidade alemã de Weimar, e lá fundou a Escola de Artes Aplicadas, em 1906. Em oposição à rígida educação artística acadêmica, ministrada na vizinha Escola Superior de Artes Plásticas, o ensino e a metodologia em sala de aula daquela escola orientava-se para uma renovação da arte industrial, visando à solução de problemas formais relevantes do ponto de vista prático, e não à produção de uma arte autônoma. Na Alemanha, em 1907, surgiu a Deutscher Werkbund (Federação Alemã do Trabalho), uma associação interdisciplinar que agrupava desenhistas industriais, arquitetos, artistas, produtores e comerciantes. Criada por um grupo de arquitetos, implantou muitas idéias no campo do funcionalismo e padronização, que originaram a guten form (boa forma). No mesmo período, Peter Behrens, que teve discípulos como Mies van der Rohe, Le Corbusier e Walter Gropius, vinculou arte e técnica na sua obra (ROMER, 2005). Em 1915, Henry van de Velde sugeriu para seu sucessor, além dos nomes de Hermann Obrist e August Endell, também o do arquiteto berlinense Walter Gropius (1883-1969). Gropius era assistente de Peter Behrens em Berlim, e teve contato com uma nova concepção de arquitetura. Já havia se destacado antes do início da guerra por uma série de construções que o caracterizavam como um arquiteto progressista, que não negava a técnica, mas antes empregava conscientemente suas possibilidades estéticas e construtivas (WICK, 1989). Nessa época também foi esboçada a criação de um centro de referência para o artesanato e a indústria, porém esses planos foram interrompidos pela guerra. O edifício da Escola de Artes Aplicadas foi então utilizado como hospital militar, o que causou 98


o adiamento das negociações para o pós-guerra (WINGLER, 1975). Henry van de Velde deixou Weimar em 1917, três anos depois da eclosão da guerra, devido a pressão dos acontecimentos políticos, sobretudo às hostilidades que sofria por ser estrangeiro (WICK, 1989). Após a guerra, um regime republicano foi instaurado em assembléia na cidade de Weimar, que se tornou então capital do que ficou conhecido como República de Weimar. No entanto, os pesados termos de rendição alemã, impostos Walter Gropius, 1883 - 1969 pelo Tratado de Versailles se fizeram sentir nos anos subsequentes. O “espírito” do povo alemão não foi recuperado e a nação passou por sérios prejuízos morais e éticos. A falta de força da recém formada república levantou uma busca incessante por unificação e significado. Surgiram então motivações como a de Walter Gropius, que expressou novamente o seu desejo de liderar uma escola de Artes e Ofícios em Weimar. Isso se tornou possível somente em 1919, com a fusão da Escola de Belas Artes e da Escola de Artes Aplicadas, sob a direção de Gropius, criando a Statliches Bauhaus (Casa da Construção Estatal). A Bauhaus foi o resultado de uma tentativa incessante de renovar a formação nas artes aplicadas da Alemanha, cujas bases encontravam-se no Deustcher Werkbund (FRAMPTOM, 2000). Também partilhava do mesmo princípio semeado anteriormente por William Morris (1834-1896), que procurou resgatar a relação entre o artista e o artesão perdida com a consagração do industrialismo. A Bauhaus passou por três diretores: Gropius, até 1928; Han99


nes Meyer, até 1932; e por fim Mies van der Rohe, de 1932 a 1933, ficando até o seu fechamento em julho de 1933. Inicialmente, como instituição estatal, a Bauhaus era financiada pelos fundos dos conselhos municipais das cidades que a abrigaram, primeiramente Weimar, de 1919 a 1925; depois Dessau, de 1925 a 1932, e finalmente Berlim, de 1932 a 1933.

Hannes Meyer, 1889 - 1954

Sede da Bauhaus em Dessau

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Mies Van Der Rohe, 1885 - 1969


A Bauhaus, como sabemos, foi o movimento artístico que mais influência teve na sociedade moderna, em termos de abrangência e duração, ao pregar a estetização calculada dos objetos produzidos em escala industrial. A Bauhaus se propôs a absolver o consumo de massa, consagrando-o como uma atividade lógica de fruição artística e intrínseca à sociabilidade moderna. Naquela escola, subsidiada pelo Estado alemão, predominavam o cultivo à ordem e ao racionalismo, à clareza e à harmonia, como um contraponto à emoção, à anarquia, ao caos e à desestabilização do status quo, que eram estimulados pelos movimentos sociais revolucionários surgidos durante e após a I Guerra Mundial. A escola suíça, que viria a suceder a Bauhaus após a II Guerra, refinou e reprimiu mais ainda quaisquer subjetivismos, regionalismos ou ‘estilismos kitsch’ que ameaçassem contaminar as formas ascéticas do design propagadas pelos racionalistas alemães. O trabalho de muitos designers tipográficos europeus, por exemplo, é caracterizado ainda hoje por manipulações mínimas de tamanho, cor, textura e posições espaciais nos impressos. Porque, segundo a tradição minimalista, menos é sempre mais. Sendo modernistas e suíços exemplares (precisos e dogmáticos) seus designers maiores (Emil Ruder, Armin Hoffman, Josef Müller-Brockman) pregavam a superioridade universal de suas soluções gráficas restritivas, rigidamente controladas pelo grid system e vestidas uniformemente pelas famílias Futura, Helvetica e Univers. Este estilo veio a ser conhecido nos anos 60 e 70 sob a denominação de International Style, sendo adotado por quase todas as grandes empresas multinacionais, em seus programas de identidade visual corporativa, assim como por grandes editoras de livros científicos, técnicos e artísticos. Essas soluções minimalistas dos funcionalistas suíços eram repetidas incessantemente, tornando-se em breve uma fórmula facilmente copiada por qualquer designer, independendo de seu talento, gosto ou preferencias. Em breve, as ‘programações visuais’ que essas fórmulas mecanicistas geravam tornaram-se muito facilmente previsíveis, aborrecidas e desinteressantes, sendo praticamente invisí101


veis após algum tempo. Isso era, na verdade, a conseqüência lógica e inevitável do seu princípio maior: form follows function. Se a função de um determinado gênero de impresso é basicamente sempre a mesma, segue se que não há porque fazer maiores alterações nas formas já consagradas para aquele gênero - como no caso de programas de sinalização visual ambiental ou de programação visual de embalagens farmacêuticas, por exemplo. Embora um dia pudessem ter sido inéditas e não-redundantes, essas soluções padronizadas e repetitivas eram camisas de força para designers criativos. A hegemonia do estilo internacional, devida à sua divulgação programada em todas e quaisquer peças de comunicação das grandes corporações, propagadas incessantemente e em escala global, desestimulava a emergencia de estilos alternativos. Era muito fácil, comoda e rentável a adoção desse estilo suíço, e os clientes sentiam-se muito seguros em seguí-lo. Qualquer empresa, por menor que fosse, podia igualar-se a IBM ou a Bayer, em termos da aparência visual de seus impressos ou embalagens. Para os modernos funcionalistas, portanto, a tipografia continuava a ser uma modalidade de escrita, um processo de codificação da fala, otimizado para a fácil produção e difusão de impressos em larga escala de informações alfanuméricas. Para isso ela utilizava o alfabeto greco-romano simplificado, seus símbolos sendo realizados no característico estilo ‘sem serifa’ e ‘monolinear’. A tipografia idealizada por eles materializava os critérios maiores de legibilidade, uniformidade de traço, discrição e redundância de forma.

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Exemplos da linguagem visual da Bauhaus

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Exemplos da linguagem visual da Bauhaus e do The Stijl

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Na virada do século 20, as artes visuais e a literatura (assim como o teatro, a música, a dança, a arquitetura) dedicaram uma atenção sem precedentes à exploração das propriedades específicas de seus meios. Na literatura, isto se deu com a valorização da palavra, do som, da letra, da configuração visual do texto e de novas formas de articulação do discurso; nas artes visuais, com a investigação e a apropriação de seus elementos essenciais – a linha, o plano, a cor, as massas, a superfície, o espaço, etc. – como sua matéria de expressão. Uma movimentação semelhante (e, em parte, decorrente) ocorre no campoda tipografia, que passa a descobrir nos seus próprios elementos uma fonte de recursos para suas manifestações. A década de 1920 foi representativa deste processo, mas foi também um período de extremos, o período dos grandes manifestos, tanto no sentido progressista como no sentido conservador.

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O intercâmbio de idéias, a riqueza nos recursos experimentados e a aproximação nas soluções indicavam uma intensa investigação e um certo consenso num novo modo de ver e lidar com a comunicação impressa. O comentário de Herbert Spencer identifica alguns destes valores comuns: Os precursores trabalhos tipográficos de Lissitzky, Schwitters, van Doesburg e Zwart são animados pelo uso criativo do contraste na utilização do espaço, pela dramática distribuição do preto e do branco, pela habilidade na exploração da cor. Suas páginas vibram através do impacto de poderosas e por vezes surpreendentes justaposições tipográficas. A Bauhaus foi um importante núcleo para a sistematização e difusão desta nova linguagem, não só pela síntese que realizou entre os novos conceitos da arte para aplicação nos campos do Design, mas também pela influência do trabalho gráfico ali desenvolvido por Bayer, Schmidt e seus alunos e em especial pelo pensamento de Lázló Moholy-Nagy que assumiu a direção do curso fundamental a partir de 1923: Seus cinco anos de ensino na escola produziram um notável volume de obras e publicações nas quais se estabeleceu um corpo de novas idéias que rapidamente se propagariam por todo o mundo. Também seria durante este período que o design gráfico, a fotografia e o cinema adquiririam seu papel mais relevante de toda a história – anterior e posterior – da escola, tudo isso como fruto do ensino de MoholyNagy. Kinross comenta que, analisando o conjunto do trabalho produzido na escola ou para ela, foi somente a partir de 1923 (com a presença de Moholy-Nagy) que a tipografia da Bauhaus emergiu com clareza: “Antes disto, vemos trabalhos gráficos desenhados por artistas (notadamente Oskar Schlemmer e Johannes Itten) em seus estilos pessoais. E onde a composição tipográfica era usada, a figura-chave no processo parece ter sido o impressor .” O ano de 1923 marcaria também o início da organização daquelas idéias em torno de uma nova concepção para a comunicação impressa, passando daí em diante de uma fase caracterizada pela experimentação, para a etapa em que se onsolidam como um movimento definido. 110


Algumas das maiores heranças do Construtivismo na construção do design gráfico – veiculadas pela internacional construtivista e divulgadas para o mundo capitalista através do De STIJL e da Bauhaus – podem ser citadas: - o uso da tipografia em corpos grandes e como elementos pictóricos, - o estabelecimento da necessidade de um ponto de atração na área da composição, - a exploração intensiva das possibilidades da fotografia, - a mescla orgânica de texto e layout, - a forte recusa da harmonia clássica, - o conceito de uma lógica interna e de uma dinâmica entre os elementos da composição, - a recorrência a angulações de imagens e formas que surpreendam o observador, - o estabelecimento de uma linguagem visual essencialmente sintética.

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Exemplo da linguagem visual da Bauhaus e do The Stijl

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O interesse em estabelecer parâmetros para uma nova linguagem na tipografia e na fotografia não revelava apenas uma inclinação estética ou uma busca pela novidade, mas era formulado como um engajamento numa missão comum: descobrir princípios racionais para o projeto gráfico em concordância comas tecnologias e demandas da época, mas que pudessem permanecer no futuro: a expressão de tais aspirações para o futuro implicava num papel messiânico para o designer moderno de prefigurar um mundo melhor no qual a comunicação visual iria amplificar mais do que reproduzir o gosto e as condições do momento. O design gráfico iria, nas palavras de Moholy-Nagy ser ‘parte das fundações nas quais um mundo novo será construído’. Neste sentido, a modernidade não era uma simples questão de contemporaneidade – era um ‘projeto’. Estes ideais certamente implicavam numa visão utópica e construtiva do progresso, num mundo em que a tecnologia tinha um papel central. Não se pretendia determinar modelos fixos ou estilos; a própria tecnologia deveria comandar o processo de evolução da linguagem, numa espécie de determinismo: “pautado pela medida da tecnologia o design gráfico deveria encontrar princípios sempre evolutivos, que seriam submetidos à mudança e à invenção sem recorrer a qualquer ‘lei eterna’ ou clássica do design”. No seu ensaio de 1925, Contemporary typography, Moholy Nagy reforçava a natureza técnica do processo tipográfico como inerente à sua expressão, numa velada crítica ao uso de velhas tecnologias para expressar novas idéias, mas acentuando que estas novas idéias iriam também direcionar os rumos da tecnologia: a forma da comunicação tipográfica do futuro irá em grande parte depender do desenvolvimento dos métodos propostos pelas máquinas; por outro lado, o desenvolvimento das máquinas tipográficas será, até certo ponto, determinado pela reorientação da tipografia, hoje fortemente influenciada pela composição manual. Previa (antecipando o debate que iria se tornar dominante nos anos 1990) a substituição no futuro de grande parte da comunicação tipográfica por gravações sonoras e imagens em movi-

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mento, afirmando que, em resposta, a tipografia deveria ascender por si mesma a um novo patamar de força expressiva e eficácia, inclusive para fazer face às experiências visuais da época.

A formulação de algumas das principais idéias em torno da natureza e objetivos da Nova Tipografia foi apresentada em alguns manifestos e artigos publicados entre 1923 e 1925, principalmente por Lissitzky, Moholy-Nagy e Kurt Schwitters. Esta primeira fase, na qual “qualquer convenção estava aberta ao questionamento”, fica claramente representada nesta síntese de Lissitzky, publicada em 1923 na revista Merz n.4 – Topographie der Typographie: 1. As palavras numa superfície impressa são percebidas porque são vistas, não porque são ouvidas; 2. Comunicamos significados através da convenção de palavras; o significado adquire forma através das letras; 3. Economia de expressão; ótica, não fonética; 4. O projeto (design) do espaço do livro, disposto de acordo com as restrições da mecânica de impressão, deve corresponder às tensões e pressões do conteúdo; 5. O projeto (design) do espaço do livro, usando blocos processados (processblocks) que derivam da nova ótica. A realidade supranatural (supernatural) do olho aperfeiçoado; 6. A contínua seqüência das páginas: o livro cinematográfico (bioscopic book). 7. O novo livro demanda o novo escritor. O tinteiro e a pena estão mortos. 8. A superfície impressa transcende o espaço e o tempo. A superfície impressa, a infinidade de livros, deve ser transcendida.

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Ainda em 1923, o livro que acompanhava a primeira exposição da Bauhaus em Weimar trazia o ensaio de Moholy-Nagy Die neue Typographie, com caráter e eloqüência de manifesto:

Ainda em 1923, o livro que acompanhava a primeira exposição da Bauhaus em Weimar trazia o ensaio de Moholy-Nagy Die neue Typographie, com caráter e eloqüência de manifesto: Tipografia é uma ferramenta de comunicação. Deve ser comunicação na sua forma mais intensa. A ênfase deve estar na clareza absoluta, pois é isto que distingue o caráter de nossa própria escrita daquelas formas pictográficas de tempos ancestrais. […] Legibilidade – a comunicação não pode nunca ser moldada por qualquer estética a priori. Letras não podem ser forçadas a um molde preconcebido, por exemplo, o quadrado. A imagem impressa deve corresponder ao conteúdo através de suas leis óticas e psicológicas específicas, o que demanda suas formas típicas. A essência e o propósito da impressão requer o uso ilimitado de todas as direções lineares (portanto não só a articulação horizontal). Usamos todos os tipos, tamanhos, formas geométricas, cores, etc. Queremos criar uma nova linguagem para a tipografia, cuja flexibilidade, variabilidade e frescor sejam exclusivamente ditados pela lei interna da expressão e efeito visual (optical effect). O mais importante aspecto da tipografia contemporânea é o uso de técnicas zincográficas, a produção mecanizada de impressões fotográficas de todos os tamanhos. [...] A objetividade da fotografia libera o leitor receptivo do apoio nas idiossincrasias pessoais do autor e o força a formar sua própria opinião.

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É seguro predizer que esta crescente documentação pela fotografia levará, num futuro próximo, à substituição da literatura pelo cinema. [...] Uma mudança igualmente decisiva na imagem tipográfica ocorrerá nos cartazes, assim que a fotografia tenha substituído o poster pintado. [...] Através do uso profissional da câmera e de todas as técnicas fotográficas, como o retoque, montagem, superposição (superimposition), distorção, ampliação, etc., em combinação com a linha tipográfica liberada, a efetividade dos cartazes pode ser imensamente ampliada. O novo cartaz se apóia na fotografia, que é a nova narrativa da civilização, combinando com o impacto de novos tipos e efeitos de cores brilhantes, dependendo da intensidade desejada para a mensagem. A nova tipografia é a experiência simultânea da visão e da comunicação.

Geralmente caracterizada por aspectos que a tipificam – uso de tipos sem serifa, textos em caixa-baixa, numerais e pontuação em destaque, grandes contrastes (de peso e corpos de letra), uso de figuras geométricas, fios grossos, etc. –, a tipografia da Bauhaus tem sido vista como um segmento à parte, paralelo à Nova Tipografia, embora suas bases conceituais fossem as mesmas. Kinross destaca como notável o fato de que a Bauhaus, “que tanto dominou a história do movimento moderno (a ponto de ser tomada por vezes como um seu sinônimo)”, seja vista na literatura do período sobre a Nova Tipografia apenas como um dos componentes que contribuíram para sua constituição:“...[a Bauhaus foi] uma estrela numa constelação crescente e diversificada, formada por instituições e indivíduos”

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Estudos de Piet Zwart Nutter

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De fato a tipografia na Bauhaus, principalmente depois do ingresso de Moholy-Nagy, assumiu uma identidade consistente, inclusive pelo possível interesse em contribuir para a configuração da “face pública” da instituição. Além disso, talvez por se voltar para os temas mais amplos do Design em geral, onde a tipografia, além de ter um papel secundário, não era praticada por mestres formados no métier, a escola tenha permanecido numa posição destacada da NT, embora idealmente vinculada a este movimento. Na obra gráfica de Moholy-Nagy realizada na Bauhaus, merece destaque a série Bauhausbücher, com oito livros publicados até 1925 (de um total de catorze editados até 1930) revelando, já nestas concepções, um amadurecimento da linguagem que vinha sendo ensaiada pelo experimentalismo em vigor: graças à sua estudada intencionalidade e sua relação [pelas referências neoplasticistas e construtivistas] com as idéias que imperavam nos movimentos afins, esta obra está entre os primeiros exemplos da nova tipografia com relevância comercial, e demonstra um certo distanciamento das proposições artísticas – maisestridentes – das tipografias futurista, dadaísta, neoplasticista e construtivista. Mais do que puros manifestos idealistas, os livros da Bauhaus e as subseqüentes obras procedentes do ateliê de impressão e do curso de publicidade, constituíam um elo no processo de relação destas idéias com a comunicação de massas. Herbert Bayer, responsável pelo ateliê de impressão de 1925 a 1928 (quando renunciou junto com Gropius e Moholy-Nagy), já havia imposto seu trabalho gráfico como estudante da Bauhaus. Seu desenho para as cédulas de dinheiro de emergência produzidas em 1923 foi talvez a primeira manifestação do aspecto gráfico que a escola começava a adotar, que seria desenvolvido em diversas publicações posteriores, desde os impressos administrativos, o Catálogo de Modelos (lançado em 1925), o jornal Bauhaus (lançado em 1926, coincidindo com a inauguração da nova sede em Dessau), cartazes, catálogos das exposições, etc. Sob a direção de Bayer, e depois de Joost Schmidt que o substituiu, a Bauhaus foi pródiga na produção de material impresso para promoção e divulgação de suas idéias, seu programa e sua produção. O ateliê de impressão (que a partir de 1928 mudou seu 118


nome para ateliê de publicidade) recebia também encomendas de fora, desenvolvidas pelos alunos sob a orientação dos mestres. Esta vasta produção gráfica mantendo uma coerência formal segundo determinados princípios, a despeito da contrariedade de Gropius, passou a ser reconhecida como um estilo: a marca das idéias construtivistas e do De Stijl era inconfundível, mas é igualmente claro nos projetos daquele período que o estilo Bauhaus era o resultado não da aceitação inquestionada de idéias preconcebidas – às quais Gropius havia se oposto tão vigorosamente – mas da aplicação sensível e racional de alguns princípios claramente compreendidos e para os quais todos haviam contribuído. O que emergia da Bauhaus de Dessau não era uma corrente de clichês em voga, mas uma nítida declaração feita com uma autoridade silenciosa, num novo e rico vocabulário.

Página de impresso, El Lissitzky

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Pรกginas de impresso

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Pรกginas de impresso

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Quando em 1919 a Bauhaus abriu suas portas em Weimar, na Alemanha, ninguém conseguiria prever a enorme influência que viria exercer nas artes visuais, nem que viria a formar as bases do que entendemos como design gráfico. Sob a direção de Walter Gropius, a avançada metodologia e a paixão pela funcionalidade disseminaram suas disciplinas e tudo, da arquitetura às artes gráficas, do design de móveis ao de produtos, passou a ser moldado por esta nova estética. O objetivo original da Bauhaus era formar arquitetos, pintores e escultores em um ambiente de oficina. A idéia fundamental de Gropius era a de que, na Bauhaus, arte e técnica deveriam formar uma nova e moderna unidade. “A técnica não necessita da arte, mas a arte necessita muito da técnica, era a frase-emblema da Bauhaus. Se fossem unidas, haveria uma noção de princípio social: consolidar a arte no povo”.

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Os séculos XIX e XX foram períodos de grandes avanços tecnológicos e modificações sociais na Europa e no mundo todo. E todo esse processo refletiu nas esferas das artes plásticas e no design gráfico. O homem que viveu no chamado modernismo, que esteve presente até meados do século XX, presenciou grandes guerras, revoluções industriais e descobertas que alteraram profundamente a maneira de como o indivíduo enxerga e se analisa. Nas artes, as linhas ornamentais e o realismo são abandonados e as novas vanguardas trazem o mundo e seus problemas em uma nova perspectiva, trazendo uma quebra com o antigo, e buscando sempre olhar para o futuro. As inovações nos campos das artes e no design ficaram por conta de cubistas, dadaístas e futuristas que clamavam pela máquina e pela indústria, e posteriormente, pela escola Bauhaus, que trouxe um contexto internacional, global e que mostrava estritamente o que era útil e funcional. No final do século XX, esvaziados de potencial criativo, nasce um novo processo cultural e um modo de pensar diferente, o pós-moderno que retoma várias escolas do passado. O novo lema é olhar para trás, se inspirando em movimentos anteriores. Os designs que são criados emprestam recursos e até mesmo imagens dos séculos passados e criam visando chocar e revolucionar conceitos. A cultura pós-moderna é, na verdade, um emaranhado, uma fusão de vários outros momentos históricos, sejam esses nos campos culturais, sociais ou tecnológicos. Trata-se de uma cultura líquida, que se envolve e preenche facilmente os espaços, que se adapta facilmente. Fazendo um paralelo entre os designs gráficos do pós-moderno e moderno, demonstramos que o contemporâneo é uma reformulação do passado.

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Ă lbuns da banda Franz Ferdinand, 2002 e 2005

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Na década de 30, a escola Bauhaus, os artistas e todo o conceito desenvolvido pelos movimentos anteriores alcançaram o auge do modernismo. Hurlburt afirma:

A época em que a escola Bauhaus encerrou suas atividades em 1933, o design moderno era uma idéia plenamente desenvolvida. A arquitetura evoluiu para o Estilo Internacional e o design industrial tornou-se uma nova forma artística, baseada nas estruturas estabelecidas nas oficinas Bauhaus. No design gráfico, a assimetria estava firmemente instituída; a tipografia havia encontrado novas expressões, diretas e simples; e a crescente importância da publicidade era um fato incontestável, a partir da criação dos cursos de propaganda do Bauhaus, ao final da década de 20.

Quando falamos do moderno (voltado ao design e às artes) estamos nos relacionando principalmente com Bauhaus e com o Estilo Internacional, que foram marcos importantes para a reunião de artistas e conceitos que se encaixassem. Em uma visão mais ampla, a arte moderna foi um grito de não ao passado. Não à estética realista da Idade Média e sim para uma arte voltada a experimentações e novas possibilidades. Foi uma quebra das convenções, de normas e das regras que um artista deveria seguir para criar algo “bom”. Aarte moderna prefere não usar a ciência para criar figuras perfeitas e sim uma estética diferente, que fosse deformado, abstrato, assimétrico e fragmentado. É algo elaborado a fim de não simplesmente representar um cenário ou uma pessoa, e sim com o intuito de representar a realidade. O homem moderno vivenciou o crescimento de uma sociedade industrial, com automóveis, eletricidade e aviões. A descoberta do inconsciente e seus vários estudos associados à mente também estão presentes na caracterização dessa época onde o 130


indivíduo se encontrou cada vez mais fragmentado e confuso. O século XIX e metade do século XX estiveram presentes no contexto histórico, e até mesmo nas artes e do design acontecimentos que marcaram profundamente a Europa: 1ª Guerra Mundial, Guerra Civil Espanhola, 2ª Guerra Mundial e Revolução Russa, entre outras revoluções menos expressivas. Por exemplo, o Construtivismo Russo nasceu da necessidade do País comunicar seus ideais socialistas; Picasso pintou alguns de seus quadros se referindo à uma repressão à Guerra Civil Espanhola. Outros adjetivos podem ser atribuídos ao período moderno, como cita Santos: Cultura Elevada, Arte, Estetização, Interpretação, Obra/originalidade, Forma/abstração, Hermetismo, conhecimento superior, oposição ao público, crítica cultural e afirmação da arte. Todos reforçando o que todos os movimentos tinham como intuito demonstrar. Como citado anteriormente, A escola Bauhaus fecha suas portas em 1933 pelo regime nazista, onde a maior parte dos professores se dirigem a um país que irá se tornar uma das grandes referências em design e artes a partir de então: os Estados Unidos. A América pós segunda guerra foi berço de um forte Estilo Internacional, observado pela necessidade do mercado se tornar global. As empresas agora pensavam em expandir seus pontos de comercialização para além das fronteiras 22 conhecidas. Os Estados Unidos se torna foco do Estilo por não ter sido devastado pela guerra e possuir um diversificado parque industrial, já com a presença de várias multinacionais, que tinham a aspiração de se instalar em novos países, e através do Estilo Internacional, conseguiram passar pelas barreiras da língua e da cultura. O sistema de grades e a tipografia uniforme eram características marcantes. Kopp observa que “A tipografia uniforme e o sistema de grade é o que determina a distribuição visual de títulos, subtítulos, nomes, ilustrações, logotipo e grafismo de preço (...) O fundo branco é constante”. Mas este Estilo Internacional acabou por solidificar o movimento moderno como um todo. Solidificar significa que não con131


segue mais se adaptar, não admite mudanças em sua forma, permanece no mesmo lugar, não consegue se atualizar. E assim todos os processos criativos, observados mesmo em escolas modernistas tende a não aparecer e sucumbir na padronização e internacionalização. E é nesse ambiente já sem revoltas que nasce, desfruta um novo conceito: o pós-moderno, com novas aspirações e definições.

Saks Fifth Avenue, campanha inspirada no Construtivismo, 2009.

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Vale a pena lembrar que o pós-moderno atualizou e refez o pensamento moderno. No design pós-moderno, as maiores características são a pluralidade, a ausência de regras a ser seguidas e a liquidez, facilidade de se adaptar a qualquer meio que existe. Também abriga em suas manifestações atualizações de pensamentos e técnicas modernistas, utilizando novas ferramentas, como o computador. Porém, as marcas dos antecedentes - óbvias, como na imagem abaixo, ou não - ainda estão por aí.

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Este livro foi editado em junho de 2017. Miolo impresso em papel pólen, 90g/m² e capa em papelão, na editora Gustavo Gili LTDA, Belo Horizonte, MG.


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