Revista de Educação Especial - 2ª Edição

Page 1

Edição Especial

Revista de Educação Especial Agosto 2014 – ANO 1 – Nº 02

Pedagogo no hospital:

Humanização? Recreação? Projeto? Pedagogia Hospitalar O pedagogo muito além da sala de aula, mas sempre em aula. E mais... Os grandes pesquisadores brasileiros: Eneida Fonseca e Ricardo Burg Ceccim falando sobre o assunto

1


Edição Especial

Revista de Educação Especial Jornalista responsável: Izadora Souza

Revista Educação Especial. Edição Especial- Guia De Educação Especial- Tudo para suas pesquisas na área da Educação Especial. Rio de Janeiro, Agosto de 2014 Jornalista responsável: Izadora Souza Graduanda de Pedagogia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro no Instituto Multidisciplinar. Pesquisadora na área de Pedagogia Hospitalar, integrante do Grupo de Pesquisa OBEDUC, bolsista de apoio técnico na UFRRJ e voluntário de IC no Grupo de Pesquisa de Educação Especial coordenado pela Prof.ª Dra. Marcia Denise Pletsch.

2


Edição Especial

Guia De Educação Especial Jornalista responsável: Izadora Souza

Tudo Para suas pesquisas na área da Educação Especial

3


Edição Especial

Sumário 06 Um Breve Histórico 07 Pedagogia Hospitalar é... 09 Legislação Brasileira e a Classe Hospitalar 10 Classe Hospitalar: Encontros da Educação e da Saúde no Ambiente Hospitalar Ricardo Burg Ceccim

15 Dicas de Livros 17 Ensino nas Horas Difíceis 20 Quem é o Profissional da Classe Hospitalar? Eneida Fonseca

22 Referências

4


Edição Especial

Editorial Nesta edição de agosto da Revista De Educação Especial você vai encontrar informações e pesquisas relacionadas à área da Pedagogia Hospitalar que faz parte da modalidade de educação especial. Amparada por lei, a Classe Hospitalar tem ganhado mais corpo e importância na atualidade. Diferentemente de um projeto, humanização ou recreação, a classe hospitalar é uma ponte entre a escola e o hospital. Desejo a você leitor que aproveite tudo que foi preparado aqui e assim agradecemos aos nossos leitores pela preferência e bom gosto em apreciar a nossa revista. Jornalista responsável Izadora Souza

“...a Classe Hospitalar serve como uma oportunidade extra de resgate da criança para a Escola” Eneida Fonseca

5


Edição Especial

Um breve histórico...

A Classe Hospitalar tem seu início em 1935, quando Henri Sellier inaugura a primeira escola para crianças inadaptadas, nos arredores de Paris. Seu exemplo foi seguido na Alemanha, em toda a França, na Europa e nos Estados Unidos, com o objetivo de suprir as dificuldades escolares de crianças tuberculosas. Pode-se considerar como marco decisório das escolas em hospital a Segunda Guerra Mundial. O grande número de crianças e adolescentes atingidos, mutilados e impossibilitados de ir à escola, fez criar um engajamento, sobretudo dos médicos, que hoje são defensores da escola em seu serviço. Em 1939 é Criado o C.N.E.F.E.I. – Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptadas de Suresnes, tendo como objetivo formação de

professores para o trabalho em institutos especiais e em hospitais; Também em 1939 é criado o Cargo de Professor Hospitalar junto ao Ministério da Educação na França. O C.N.E.F.E.I. tem como missão até hoje mostrar que a escola não é um espaço fechado. O centro promove estágios em regime de internato dirigido a professores e diretores de escolas; os médicos de saúde escolar e a assistentes sociais. A Formação de Professores para atendimento escolar hospitalar no CNEFEI tem duração de dois anos. Desde 1939, o C.N.E.F.E.I. já formou 1.000 Fonte: http://www.educacao.salvador.ba.gov .br/site/documentos/espacovirtual/espaco-educacaosaude/classeshospitalares/WEBARTIGOS/pedagogia% 20hospitalar....pdf

6


Edição Especial

Pedagogia Hospitalar é:

GARANTIR A CONTINUIDADE DOS ESTUDOS

METODOLOGIA DE ENSINO FLEXÍVEL

7


Edição Especial

DESENVOLVIMENTO

CONTINUAR INTERAGINDO SOCIALMENTE

EMOCIONAL E COGNITIVO

8


Edição Especial

Legislação Brasileira e a Classe Hospitalar No Brasil, a legislação reconheceu através do estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado, através da Resolução nº. 41 de outubro e 1995, no item 9, o “Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar”. Tendo em vista o embasamento legal, contido na legislação vigente, Lei 10.685 de 30/11/2000., que amparam e legitimam o direito à educação, os hospitais devem dispor às crianças e adolescentes um atendimento educacional de qualidade e igualdade de condições de desenvolvimento intelectual e pedagógico, por que os convênios médicos não podem aderir este atendimento.

A resolução 02 CNE/MEC/ Secretaria do estado da Educação – Departamento de Educação Especial, datada em 11 de setembro de 2001, determina expressamente a implantação de hospitalização Escolarizada com a afinidade de atendimento pedagógico aos alunos com necessidades especiais transitórias. Lembramos que o atendimento a essas crianças é um direito de todos os educandos, garantidos por Lei, pelo tempo que estiverem afastados ou impedidos de frequentar uma escola, seja por dificuldades físicas ou mentais. Resoluções: Classe Hospitalar RESOLUÇÃO SE Nº. 95, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2000 Ementa: Dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas da rede estadual de ensino e dá providências correlata. Fonte: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/ pdf/livro9.pdf

9


Edição Especial

Classe Hospitalar: Encontros da educação e da saúde no ambiente hospitalar Ricardo Burg Ceccim A psiquiatria infantil, desde o início deste século, apontou de forma enfática os riscos sofridos por crianças ao permanecerem internadas em hospitais. Os Estudos de Spitz, de 1945, Bowlby, de 1969, e Aajuriaguerra, de 1975, já são clássicos e compõe qualquer formação profissional na qual sejam estudadas as necessidades emocionais e físicas de uma criança especializada. Para além dessa constatação, hoje óbvia, é preciso destacar que a criança que necessita de internação hospitalar necessita também, de especial atenção aos determinantes do desenvolvimento psíquico e cognitivo e aos efeitos de uma hospitalização na produção de referencialmente social à subjetividade. Para além das necessidades emocionais e recreativas, é preciso destacar as necessidades intelectuais da criança e, aqui, não se trata de eleger um racionalismo ou um intelectualismo dos significados do adoecer e do tratamento de saúde, mas de reconhecer que os processos que organizam a subjetividade, organizam e são organizados por efeitos de aprendizagem. A aprendizagem é sempre e reciprocamente psíquica e cognitiva, daí os processos psíquicos determinares a cognição e os processos cognitivos determinares o desenvolvimento psíquico. Para além do discurso fácil de que a criança é um ser /cidadão em desenvolvimento, será que nos atemos ao fato de que ela tem necessidades

intelectuais próprias do desenvolvimento psíquico e cognitivo e do referencialmente social que vivencia? Será que no atemos ao fato de que as experiências intelectuais interferem nas sensações-corporais e na experiência de si mesmo? Essas experiências - intelectuais, corporais, de si mesmo - são determinadas pelas relações de convivência, pelas oportunidades sócio-interativas e pela exploração intelectual dos ambientes de vida. Se o relacionamento com a doença infantil, ou mesmo com a criança enferma, é mediado pela emergência de atenção às demandas biológica e psicológica da criança, uma outra dimensão destaca-se à escuta pedagógica do desenvolvimento infantil: a dimensão vivencial. Essa dimensão conta-nos das expectativas de cura, sobrevida e qualidade de vida afetiva, de retorno às atividades anteriores e de continuidade dos laços com o cotidiano. Assim, a inclusão do atendimento pedagógico na atenção hospitalar, inclusive no que se refere à escolarização, vem interferir nessa dimensão vivencial porque resgata os aspectos de saúde mantidos, mesmo em face da doença, enquanto respeita e valoriza os processos afetivos e cognitivos de construção de uma inteligência de si, de uma inteligência do mundo, de uma inteligência do estar no mundo e inventar seus problemas e soluções. 10


Edição Especial O acompanhamento pedagógico e escolar da criança hospitalizada favorece a construção subjetiva de uma estabilidade de vida não apenas como elaboração psíquica da enfermidade e da hospitalização, mas, principalmente, como continuidade e segurança diante dos laços sociais da aprendizagem (relação com colegas e relações de aprendizagens mediadas por professor), o que nos permitiria falar de uma "escola no hospital" ou de uma "classe escolar" em ambiente hospitalar. Estabilidade de vida não apenas como elaboração psíquica da enfermidade e da hospitalização, mas, principalmente, como continuidade e segurança diante dos laços sociais da aprendizagem (relação com colegas e relações de aprendizagens mediadas por professor), o que nos permitiria falar de uma "escola no hospital" ou de uma "classe escolar" em ambiente hospitalar. A hospitalização não implica, necessariamente, qualquer limitação ao aprendizado escolar e, apesar de ser na Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEESP, 1994 e 1995) que a educação em hospital aparece como modalidade de ensino e de onde decorre a nomenclatura "classe hospitalar", deve-se ter presente que esta oferta educacional não se resume às crianças com transtornos do desenvolvimento, como já o foi no passado (anos 50 aos 80), mas também às crianças em situação de risco ao desenvolvimento, como é o caso da internação hospitalar, uma vez que a hospitalização impõe limites à socialização e às interações, impõe o afastamento da escola, dos amigos, da rua e da casa e impõe regras sobre o corpo, a saúde, o tempo e os espaços. O ensino e o contato da criança hospitalizada com o professor no ambiente hospitalar, através das chamadas classes hospitalares, podem proteger o seu desenvolvimento e contribuir para a sua reintegração à

escola após a alta, além de protegerem o seu sucesso nas aprendizagens.

As Necessidades PedagógicoEducacionais da Criança Hospitalizada No Brasil, as classes hospitalares estão distribuídas em apenas 11 das 27 unidades federadas e apenas 10 contam com unidades físicas próprias para o seu atendimento dentro dos hospitais. A experiência, a partir da qual exponho minhas ideias, pertence ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), no qual um projeto de extensão universitária foi coordenado por mim no período de 1996 a 1998. Iniciado em 1990, como um programa de apoio e visando às crianças com longo período de permanência hospitalar ou com múltiplas internações, a classe hospitalar do HCPA constituiuse em atendimento pedagógico educacional hospitalar e ganhou contornos de pesquisa pela participação intensiva da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A classe hospitalar do HCPA está composta por duas salas de aula, além de o atendimento realizar-se diretamente nas enfermarias, quando a criança enferma está impedida de afastar-se do leito ou da enfermaria. No Brasil, há apenas 30 classes hospitalares (Fonseca, 1998), cada uma com um diferente perfil teórico e prático, desde vinculação às atividades de recreação ou terapia educacional ocupacional, projetos de serviço social ou de voluntariado (Doutores da Alegria, Hora do Conto, grupos de professoras aposentadas, etc.) até programas escolares (continuidade da escola formal no ambiente hospitalar, sob coordenação das secretarias de educação) ou de atendimento 11


Edição Especial pedagógico educacional para crianças hospitalizadas (encontro da educação e da saúde para uma atenção integral à criança). A classe hospitalar, como atendimento pedagógico educacional, deve apoiar-se em propostas educativo-escolares, e não em propostas de educação lúdica, educação recreativa ou de ensino para a saúde, nesse sentido diferenciando-se das Salas de Recreação, das Brinquedotecas e dos Movimentos de Humanização Hospitalar pela Alegria ou dos Projetos Brincar é Saúde, facilmente encontrados na atualidade, mesmo que o lúdico seja estratégico à pedagogia no ambiente hospitalar. Esse embasamento em uma proposta educativo-escolar não torna a classe hospitalar uma escola formal, mas implica que possua uma regularidade e uma responsabilidade com as aprendizagens formais da criança, um atendimento obrigatoriamente inclusivo dos pais e das escolas de origem de cada criança, a formulação de um diagnóstico para o atendimento e a formulação de um prognóstico à alta, com recomendações para a casa e a escola ao final de cada internação. Uma classe hospitalar, sob tal enfoque, deve objetivar atender às necessidades pedagógico-educacionais de direito. Criança hospitalizada, operando com os condicionamentos do desenvolvimento psíquico e cognitivo representados pelo adoecimento e pelo referencialmente hospitalar na produção de aprendizados. Em sua prática pedagógico-educacional diária, visará à continuidade do ensino de conteúdos da escola de origem da criança e/ou o trabalho educativo com conteúdos programáticos próprios a cada faixa etária das crianças hospitalizadas, levando-as a sanarem dificuldades de aprendizagem e/ou à oportunidade da aquisição de novos conteúdos intelectivos, além de proporcionar

intervenção pedagógico-educacional não propriamente relacionada à experiência escolar, mas que vise às necessidades intelectuais e sóciointerativas do desenvolvimento e da educação da criança hospitalizada. A literatura específica sobre o atendimento pedagógico-educacional hospitalar não é vasta, mas aponta para o importante papel do professor junto ao desenvolvimento, à aprendizagem e ao resgate da saúde pela criança hospitalizada. A função do professor de classe hospitalar não é a de apenas "ocupar criativamente" o tempo da criança para que ela possa "expressar e elaborar" os sentimentos trazidos pelo adoecimento e pela hospitalização, aprendendo novas condutas emocionais, como também não é a de apenas abrir espaços lúdicos com ênfase no lazer pedagógico para que a criança "esqueça por alguns momentos" que está doente ou em um hospital. O professor deve estar no hospital para operar com os processos afetivos de construção da aprendizagem cognitiva e permitir aquisições escolares às crianças. O contato com o professor e com uma "escola no hospital" funciona, de modo importante, como uma oportunidade de ligação com os padrões da vida cotidiana do comum das crianças, como ligação com a vida em casa e na escola. A educação no hospital integraliza o atendimento pediátrico pelo reconhecimento e pelo respeito às necessidades intelectuais e sóciointerativas que tornam peculiar o desenvolvimento da criança. Se é verdade que novas tecnologias têm reduzido o tempo de internação em iversas patologias, também têm permitido manter em hospital crianças com patologias que antes significavam mortes prematuras. Do ponto de vista da atenção integral em saúde, sentir-se cuidado e, portanto, contar com a instilação de um desejo de cura na 12


Edição Especial criança implica dispor do atendimento correspondente às suas necessidades de desenvolvimento e aprendizagem.

Proteção do Desenvolvimento e Proteção dos Processos Cognitivos Em 1998, foram atendidas pela classe hospitalar do HCPA 405 crianças, registrando-se uma média mensal de 37 crianças com fibrose cística, câncer infantil, problemas renais, problemas respiratórios, diabete, AIDS e problemas cirúrgicos (inclusive transplantes), entre outras enfermidades. Foram realizados 520 atendimentos por mês, distribuídos entre 7 professoras. Cada criança frequentou, em média, 5 ª 1 0 dias de aula no hospital. Detectou-se que 32,4% das crianças hospitalizadas, e incluídas no atendimento de classe hospitalar, apresentavam atraso escolar em relação à sua idade cronológica ou estavam fora da escola. Dentre elas, 6,2% apresentavam atraso escolar maior de 3 anos e 15,8% apresentavam atrasos de 1 a 3 anos. As crianças hospitalizadas que não frequentavam a escola chegaram aos 10,4% na faixa etária dos 5 aos 12 anos. Em uma pesquisa com a utilização de um grupo de intervenção pedagógicoeducacional e um grupo-controle sem esse atendimento por falta de professor no hospital (os motivos de internação e as características da população eram equivalentes), realizada na cidade do Rio de Janeiro/RJ (Fonseca e Ceccim, 1999), detectou-se que o tempo de hospitalização das crianças que participaram do grupo de intervenção foi 30% mais curto do que para as crianças que não receberam atendimento semelhante (gruposcontrole).

O atendimento sistemático proporcionado a essas crianças contribuiu para um melhor desenvolvimento delas. A possibilidade de saída do leito, bem como a proposição de atividades motivadoras e a observação de que outras crianças também vivenciam tais experiências, contribuiu para um melhor desenvolvimento e a mais rápida recuperação de saúde das crianças que participaram do mesmo. A classe hospitalar do HCPA tem conseguido manter contato com as escolas de origem de pelo menos 50% das crianças atendidas. O atendimento na classe hospitalar tem servido à manutenção das aprendizagens escolares, ao retorno e à reintegração da criança ao seu grupo escolar e também ao acesso à escola regular, uma vez que algumas das crianças hospitalizadas em idade de frequência escolar não estão matriculadas na rede de ensino. Quando a ausência da criança à escola decorre de sua história de adoecimento e tratamento hospitalar, a frequência à classe hospitalar incentiva a criança e a família a buscarem a escola regular após a alta do hospital. Parece-me que, para a criança hospitalizada, o estudar emerge como um bem da criança sadia e um bem que ela pode resgatar para si mesma como um vetor de saúde no engendramento da vida, mesmo em face do adoecimento e da hospitalização. Dispor do atendimento de classe hospitalar, mesmo que por um tempo mínimo e que talvez pareça não significar muito para uma criança que frequente a escola regular, tem caráter de atendimento educacional e de saúde para a criança hospitalizada, uma vez que esta pode atualizar suas necessidades, desvincular-se, mesmo que momentaneamente, das restrições que um tratamento hospitalar impõe e adquirir conceitos importantes tanto à 13


Edição Especial sua vida escolar quanto pessoal, acolhendo um outro tipo de referendamento social à subjetividade e podendo sentir que continua aprendendo e indo à escola, portanto, renovando seu ser criança e renovando potências afirmativas de invenção da vida. Entendo como urgente e necessária a expansão e a melhoria da educação em classes hospitalares em nosso país, aliada aos valores da cidadania, ao direito à educação e ao direito à saúde, com a clareza de que o direito à educação passa pelo reconhecimento das necessidades e do direito ao atendimento pedagógico-educacional e que o direito à saúde passa pelo reconhecimentos direito ao atendimento das necessidades intelectuais e sócio interativas da infância. O principal

efeito do encontro educação e saúde para uma criança hospitalizada é a proteção do seu desenvolvimento e a proteção dos processos cognitivos e afetivos de construção dos aprendizados. Ricardo Burg Ceccim é sanitarista, mestre em Educação, doutor em Psicologia Clínica e professor adjunto de Educação em Saúde na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. e-mail: ceccim@edu.ufrgs.br Referências Bibliográficas Fonte: http://www.cerelepe.faced.ufba.br/arqui vos/fotos/84/classehospitalarceccimpati o.pdf

14


Edição Especial

Dicas de Livros

ABRAPIA. "Guia de Orientação sobre Serviços de Saúde para Educadores e Acompanhantes de Crianças e Adolescentes Hospitalizados."

autora: Eneida Simões da Fonseca. Editor Memmon. “O tema e tratado sob uma abordagem pedagógico-educacional, contribuindo diretamente para com o trabalho de professores”.

Ricardo Burg Ceccim & Paulo Antoniacci Carvalho. Editora da Universidade UFRGS). "Estes textos são o resultado de um curso sobre criança hospitalizada promovido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faculdade de Educação e Faculdade de Medicina) e Hospital de Clinicas de Porto Alegre (Serviço de Internação Pediátrica). Os capítulos tem como característica fundamental a busca de uma reflexão com rigor técnico e sensibilidade sobre a hospitalização de criança. 15


Edição Especial

Letícia WIERZCHOWSKI & Marcelo PIRES. Ilustrações Virgílio NEVES. Rio de Janeiro:Editora Record, 2007. "Um dia, o menino ficou doente e foi para o hospital. Assim, de uma hora pra outra, a mãe do menino viro acompanhante, a sua dinda virou visita, o que sempre foi cama virou leito e, surpresa, a sua história virou este livro."

Drauzio Viegas (org.). Wak Editora/Associação Brasileira de Brinquedoteca. RJ 2007. "Organizado pelo doutor Drauzio Viegas [...] este livro surge de uma constatação de que a brinquedoteca é um dos melhores recursos para a humanização de crianças e adolescentes hospitalizados."

Linda Worral. Editora Eko. "Marcos quebra o pé e é levado ao hospital. Pela descrição realista e ao mesmo tempo compreensiva, do que ele vivencia da entrada até sua alta, este livro procura ajudar na preparação para um internamento e a superação de temores."

16


Edição Especial

Ensino nas horas difíceis Lecionar para estudantes internados exige preparo psicológico para lidar com as famílias, os médicos, as escolas... e a morte

NO LEITO E FELIZ Frank foi alfabetizado dentro do Hospital do Câncer, em São Paulo. Agora, já está na 2ª série. Foto: Patrícia Stavis

Em 2007, quando entraria no Ensino Fundamental, o pequeno índio wapixana Frank Silva ficou doente. Teve um câncer diagnosticado e precisou sair de Roraima, onde morava, para buscar ajuda especializada. Desde o ano passado, está internado em São Paulo. Mas não foi esse imprevisto nem a forte medicação que vem tomando - que o deixou fora da escola. Matriculado desde o começo do tratamento em uma classe dentro do Hospital do Câncer, ele não só foi alfabetizado como já está na 2ª série. Frank é uma das 65.956 crianças que estudaram em salas adaptadas ou no próprio leito em 2007, segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Apesar do público numeroso, a modalidade ainda não é uma realidade em todo o território nacional. O próprio Ministério da Educação (MEC) reconhece que há carências graves pelo país - são 850 hospitais oferecendo o atendimento, em um universo de quase 8 mil unidades.

Além disso, especialistas alegam que as experiências em curso nem sempre ocorrem num contexto ideal. "Há o déficit de profissionais para atuar do 6º ao 9º ano. E, em muitos lugares, o voluntário ainda atua no lugar do educador", diz Eneida Simões da Fonseca, professora do Departamento de Estudos em Educação Inclusiva e Continuada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Na prática, é a equipe médica que deve acionar as secretarias de Educação assim que um estudante da rede pública dá entrada com alguma doença severa (para os oriundos da particular, é a própria escola que deve providenciar o serviço). Em alguns estados e municípios, já existe inclusive um quadro de docentes previamente concursados e preparados para a função, e é junto a esses órgãos que interessados no emprego devem procurar orientações. "Cabe aos governos locais oferecer a mão-de-obra e as capacitações necessárias. Tudo para que o aluno se atrase o mínimo possível no ritmo de sua turma original", diz Martinha Dutra dos Santos, coordenadora-geral da Secretaria de Educação Especial do MEC. Apesar de ser chamada tecnicamente de classe, a aula é individual, nos leitos ou em salas cedidas pela unidade de Saúde. Diferentemente de uma escola regular (onde é possível fazer atividades de longa duração), cada tarefa precisa ter início, meio e fim no mesmo dia. "É um ritmo estranho. Eu posso planejar tudo hoje e, amanhã, o estudante recebe alta. Daí eu tenho que fazer coisas novas para outra criança que acabou de chegar", conta a professora Geane Yada, do Hospital Darcy Vargas, em São Paulo. A carga horária também 17


Edição Especial muda. O educador pode iniciar uma conversa e, em instantes, ter de parar devido a uma indisposição. O indicado é que o aluno consiga ter o mesmo conteúdo e a mesma carga horária da escola. Mas, com o sobe-e-desce do tratamento, isso nem sempre é possível.

Escola de origem precisa dar apoio aos professores Assim que um estudante chega para tratamento, o titular da classe hospitalar deve chamar a família e o futuro aluno para conversar sobre sua situação. Normalmente, um coordenador pedagógico articula essa fase. Em seguida, o docente entra em contato com a escola para solicitar o currículo que a criança seguiria e também as atividades já realizadas. Cabe à unidade de ensino encaminhar todas as tarefas previstas para que o aluno faça em sua internação - inclusive as provas, que serão devolvidas para a correção pelo educador da turma regular. A professora Célia Wiczneski, coordenadora pedagógica do Hospital do Trabalhador, em Curitiba, conta que essa relação não é fácil e, como já aconteceu, a escola muitas vezes nem sabe que um estudante adoeceu. "Hoje é mais fácil conversar. Mas, no início, eu precisei bater o pé. E, quando não tinha solução, ligava para a Secretaria de Educação e contava o que estava acontecendo." Foi com tanto empenho

que garantiu a continuidade nos estudos de vários jovens como Felipe Eduardo Alves da Silva, 9 anos, que está na 4ª série e sofre de osteomielite (infecção óssea) e precisa de internações sucessivas. Para trilhar esse caminho, o MEC sugere articular a programação de atendimento em dois momentos. No primeiro, o docente trabalha com os conteúdos definidos num currículo próprio, geral, que tem por base os Parâmetros Curriculares Nacionais. "É para evitar atrasos em caso de demora no envio dos materiais pela escola de origem", explica Rosemary Hilário, coordenadora do Hospital do Câncer. No segundo, já de posse da papelada, a equipe do hospital adapta o trabalho pedagógico de acordo com o histórico do aluno, muitas vezes lançando mão de uma avaliação inicial. Uma articulação especial é necessária quando o estudante apresenta um quadro clínico que requer idas e vindas constantes. É o caso de Eula Carla de Lima, 12 anos. Ela está na 6ª série, sofre com displasia (anomalia) na tíbia esquerda e precisa passar por cirurgias frequentes, também no Hospital do Trabalhador. Para ela, o ano escolar acontece simultaneamente na unidade regular em que estava matriculada e no hospital. Mas, como contam os profissionais, a questão mais delicada em todo o trabalho é lidar com a morte. Enquanto esta reportagem estava sendo feita, uma aluna do Darcy Vargas faleceu. Para Rosemary, são coisas que acontecem. "Temos de encarar da mesma forma que faríamos em uma turma regular", argumenta. "E, na hora que os familiares chegam para conversar com você, não podemos esquecer que não somos psicólogos para dar orientações. 18


Edição Especial A melhor coisa é ouvir." Atualmente, já existem até cursos de especialização para ajudar os professores a enfrentar e se adaptar a todas essas situações. OBRIGAÇÃO ESTÁ NA LEI Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deu início à formalização do funcionamento das classes hospitalares, determinando aos governos "garantir atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular". Em 2001, o Conselho Nacional de Educação, no artigo 13º da Resolução nº 2, tratou da obrigatoriedade do sistema e utilizou, pela primeira vez, a nomenclaura "classe hospitalar". Desde então, ficou definido que "os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio". Com base nas regras anteriores, a Secretaria de Educação Especial do MEC elaborou em 2002 os termos reguladores que detalham o trabalho dentro das unidades de Saúde. Cabe aos estados e municípios adaptar essa legislação nacional e traçar orientações específicas para cada rede de ensino.

Os cuidados para uma boa reintegração A volta para a escola precisa ser pensada com antecedência e levar em conta eventuais adaptações estruturais necessárias, como a construção de rampas para os jovens que passam a usar cadeira de rodas. A montagem bem feita de uma pasta ou arquivo, com toda a documentação sobre o período de internação, também é essencial. Devem ser reunidos os exercícios feitos, os exames aplicados e os relatórios com a carga horária total do atendimento, os conteúdos abordados e as principais dificuldades encontradas, inclusive com as observações feitas pelo docente. A aplicação de provas para medir o nível do aluno em seu retorno não é defendida pelo MEC. O ideal, para o órgão, é que a equipe pedagógica estude os materiais enviados pelo hospital para

chegar a um diagnóstico. A sensibilização da comunidade escolar também é essencial e ajuda a evitar comentários maldosos. Como contam os especialistas, a manutenção do vínculo com a unidade de ensino durante o período de afastamento é a melhor arma contra os problemas, já que todos estão cientes do processo. hospitalizada com o professor no ambiente hospitalar, através das chamadas classes hospitalares, podem proteger o seu desenvolvimento e contribuir para a sua reintegração à escola após a alta, além de protegerem o seu sucesso nas aprendizagens.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br /politicas-publicas/ensino-horasdificeis-427724.shtml 19


Edição Especial

QUEM É O PROFISSIONAL DA CLASSE HOSPITALAR? Por Eneida Fonseca Quanto ao corpo docente, a pesquisa sobre a realidade da classe hospitalar brasileira detectou 80 professores em efetivo exercício nessa modalidade de atendimento. É-nos relevante considerar a formação académica destes, pois embora a pesquisa realizada não tenha evidenciado a área de especialização dos professores, mostrou que 46% deles têm pelo menos o nível superior, superando a formação de nível médio (magistério) que caracteriza a realidade no ensino básico da rede pública de nosso país. Podemos, então, considerar que as exigências da realidade da classe hospitalar impulsionam estes professores ao aperfeiçoamento. A busca independente de formação complementar àquela básica exigida para sua profissão certamente dá a estes profissionais a capacidade de mais crítica e efetivamente exercerem suas funções. A classe hospitalar requer professores "com destreza e discernimento para atuar com planos e programas abertos, móveis, mutantes, constantemente reorientados pela situação especial e individual de cada criança ou adolescente sob atendimento" (Ceccim e Fonseca, 1998). A maior formação do professor "o capacita para lidar com referências subjetivas das crianças e para a busca de literatura de alto nível intelectual (única disponível e muitas vezes em língua estrangeira)" (Ceccim e Fonseca, 1998). Isto, sem dúvida alguma, afasta a possibilidade de serem caracterizados como profissionais que tão somente se valem da intuição e do senso com um em sua

atuação diária junto às crianças e jovens hospitalizados. Mesmo sem elevada formação académica, a prática docente nas classes hospitalares não pode ser considerada, sob nenhum ponto de vista, como inadequada. O Brasil registra uma história invejável neste aspecto, pois possui classes hospitalares desde 1950. O baixo ritmo de crescimento desta modalidade de atenção hospitalar foi incrementado justamente durante o mais recente movimento nacional pela cidadania, o período que levou à revisão constitucional e o período da mais densa e importante discussão nacional pêlos direitos da criança e do adolescente, o período que levou à regulamentação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre 1981 e 1997 foram implantadas 17 das 30 classes hospitalares atualmente existentes no Brasil. Talvez um dos maiores equívocos que assistimos no seio da discussão das classes hospitalares é o de que as mesmas devessem ter um perfil clínico e não o perfil educacional que caracteriza a intervenção pedagógica como apropriada e necessária para o desenvolvimento e educação das crianças. A necessidade da presença do atendimento pedagógico-educacional em enfermarias pediátricas é decorrente do poder da educação em interferir no desenvolvimento para gerar o aprendizado. É por isso que recentes pesquisas na área da educação contemporânea (Basil Bernstein, César Coll, Harry Daniels, Peter Evans, Marta Khol de Oliveira, Adriana Marcondes 20


Edição Especial Machado) têm proposto reconhecer em Vygotsky a formulação de uma teoria sobre a "pedagogia do desenvolvimento", substituindo a noção clássica da psicologia, pois que não se trata de pensarmos a articulação entre inteligência e emoção, "o campo das construções cognitivas é o campo de atualização dos afetos e da convocação subjetiva às aprendizagens de natureza complexa" (Ceccim, 1998). "Os processos intelectivos são processos afetivos" (Ceccim e Fonseca, 1998). A noção de articulação inteligênciaemoção é a noção cartesiana da separação mente-corpo.

Fonte: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.g ov.br/arquivos/File/pdf/classehospital ar_eneida.pdf Eneida Simões da Fonseca PhD em Desenvolvimento e Educação de Crianças Hospitalizadas (Inglaterra), Mestre em Educação Especial (Noruega), Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Classe Hospitalar do Hospital Municipal Jesus do Rio de Janeiro.

21


Edição Especial

Fontes Pesquisadas http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16 761&Itemid=1123 Acessado em julho de 2014 http://inclusaoguarulhos.blogspot.com.br/2010/02/cinco-filmesrelacionados-educacao.html Acessado em julho de 2014 http://pedagogiadaeducacaohospitalar.blogspot.com.br/2012/05/sugestoesde-livros.html Acessado em julho de 2014 MEC/SEESP (1994, 1995). Política nacional de Educação Especial. Educação Especial: um direito assegurado. livro 1. Brasília: Secretaria de Educação Especial. CNDCA (1995). Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995, Direitos da criança e adolescente hospitalizados.

22


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.