"A Ontologia Onírica", de Nelson Job (sample)

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Má r i oNove l l o c os mól ogodoI CRA/ CBPF


Sumário Prefácio................................................................................................... 11 I. Vortex Dorme..................................................................................... 15 Prelúdio................................................................................................... 17 Iniciação.................................................................................................. 19 1. Magia: Egrégora Hermética............................................................. 22 2. Filosofia: Egrégora em Devir........................................................... 45 3. Ciência: Egrégora Funcional............................................................ 90 II. Vortex Sonha................................................................................... 105 4. Confluências: Alegria das Egrégoras............................................ 106 4.1. Filosofia Quântica..................................................................... 107 4.2. Mística Intensiva....................................................................... 110 4.3. Neoanimismo: vida e devir...................................................... 116 4.4. A Literatura e o Sertão Cósmico............................................. 123 4.5. Pop’cinema: a emergência da Imagem-intensivo.................. 128 4.6. Sexar: por outro Heterossexualismo..................................... 135 4.7. Philip K. Dick: travessias do diplomata cósmico.................. 144 Interlúdio.............................................................................................. 150 III. Vortex Desperta............................................................................ 155 5. Rumo à Ontologia Onírica............................................................. 156 6. Vortexologia..................................................................................... 182 7. Da possibilidade de uma transcendência a posteriori................190 “Conclusão”?: A estÉtica da Tempestade.......................................... 196 Post Scriptum....................................................................................... 200 Epílogo.................................................................................................. 203


Glossário .............................................................................................. 204 .......................................................................................... 213 I - (I)Manifesto Transaberes

..................................................... 227

II - Tabela de Ressonâncias

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III - Imagens

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Índice Onomástico ............................................................................. 237 Índice Remissivo................................................................................. 243


Iniciação Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não tem mais os sentidos que o trouxeram até aqui.

Bernardo Carvalho Por muito tempo, o conhecimento cristalizou-se em separações. Ao longo da História, o conhecimento, originalmente místico-filosófico e de certa forma até científico, foi, em diáspora, se ordenando em disciplinas tais como a filosofia — e seus desdobramentos em várias “humanidades” —, a física, a religião e também a magia. Em consonância com esta “separatividade” do conhecimento, o homem, ele próprio recorte cósmico, tornou-se cada vez mais cindido em suas práticas, em seu pensar e em seu sentir, ambos devidamente separados. O mundo se divide em dois, Oriente e Ocidente, para se subdividir indefinidamente. A mania taxonômica não para, assim como nossa urgência em problematizá-la. O mundo cindido em diversos conhecimentos, em suas nações e línguas, em suas políticas, se interliga de forma perversa pela economia, avatar do pensamento único, espelho reverso da diversidade de saberes separados. Nossa empreitada aqui consiste em evidenciar as relações entre três grandes campos do conhecimento, a saber: o Hermetismo — avatar da magia ocidental —, a Filosofia da Diferença e a Ciência Moderna — principalmente pela Mecânica Quântica, Teoria do Caos, Cosmologia e por algumas teorias especulativas; os três campos atravessados pela arte. A Filosofia da Diferença, cunhada por Gilles Deleuze (2006a) e muito baseada no bergsonismo e no spinozismo, nos é a corrente mais adequada por servir de “diplomata”, de facilitadora de trocas e permutas — por ter trânsito livre entre os outros saberes e pela própria tônica de sua trama conceitual permitir o atravessamento destes saberes e de novos conceitos. Desde seus precursores mais remotos, a Filosofia da Diferença é um composto que é atravessado por vários filósofos de outras correntes, pela ciência, pela arte etc. Para tanto, vamos investigar os primórdios da magia, como esta se mescla com a filosofia e a ciência e como essas se separam; 19


entenderemos os principais conceitos da Filosofia da Diferença e algumas funções da Mecânica Quântica (bem como um de seus desdobramentos especulativos, o modelo de consciência quântica de Penrose e Hameroff (1996)), da Teoria do Caos e de algo relativo à Cosmologia. Colocaremos esses saberes em ressonância, criando um novo conglomerado conceitual. Este livro possui 3 instâncias. Na primeira, “Vortex Dorme”, enunciaremos cada campo de saber em que iremos nos ater para nossa travessia: a magia, a filosofia e a ciência. Na segunda instância, “Vortex Sonha”, iremos evidenciar as relações entre esses 3 saberes atravessados pela arte e na terceira, “Vortex Desperta”, iremos, a partir das relações que estabelecemos anteriormente, fazer emergir um novo campo, a Ontologia Onírica. Você, leitor, deve saber que “Vortex Dorme” não possui nenhum conceito novo (a não ser a criação da caoide magia no capítulo 2), apenas enunciação crítica de conceitos de outrem, cujas relações serão estabelecidas em “Vortex Sonha”, que é um trampolim para “Vortex Desperta”, onde, de fato, haverá a criação de novos conceitos. Essas relações conceituais não pertencem a nenhum campo do saber preestabelecido. Elas são imanentes a elas mesmas, compostas por outras relações, formando ainda outras. O campo ao qual pertencem é estranho a ele mesmo, em devir, a cada nova emergência, abandonando a estrutura provisória anterior. Se não nos instalamos em nenhum saber preconcebido, (de)formamos campos em mutação, que serão usados para forjar novos saberes. Se usamos conceitos conhecidos, é pela sua potência em se renovar e engendrar novos conceitos. Nosso saber provisório estabelecerá em ressonância conceitos mutantes, sendo que este trabalho apenas serve de inspiração para abandoná-los e/ou usá-los de formas diferentes, ou desdobrá-los, recriá-los e, sobretudo, para fomentar a criação de outros conceitos, mais eficazes, consistentes, alegres. Se nos utilizamos de campos do saber “predefinidos”, é com intuito de movê-los e evidenciarmos a mudança em suas quase imperceptíveis filigranas. Nenhum campo do saber é aprioristicamente descartado. Utilizamos os saberes clichê da academia, mas também incluímos a magia e a arte, não como “objetos” de estudo, mas como saberes 20


legítimos, desde que consistentes em si, ou seja, que seus conceitos — imanentes na relação entre eles — suportem uma utilização mais ampla. Se abusamos das citações de diversos autores, é porque queremos explicitar que nossa dura luta contra o clichê possui amigos atemporais. Assim, muito nos alegra compartilhar trechos memoráveis de outrem, ajudando a compor as ressonâncias conceituais deste livro. Este livro também é uma resposta a seguinte questão: qual é o preço a se pagar por conceituar a partir da imanência? Veremos que a imanência problematiza dualidades já conhecidas de muitos: natureza e cultura, sujeito e objeto, transcendência e imanência, exterior e interior, direita e esquerda etc. Essas dualidades também serão abordadas aqui, mas queremos explicitar outras que costumam ser camufladas: orgânico e inorgânico, magia e ciência, epistemologia e ontologia e, sobretudo, sonho e vigília. Trabalhar o contínuo entre essas últimas quatro dualidades é uma tarefa nada trivial e costumeiramente evitada. Estabelecida nova trama conceitual, em seus desdobramentos urge a necessidade de uma nova teoria dos sonhos, em função da problemática oriunda da dualidade sonho e vigília: não apenas a psicologia, mas somando-se os conhecimentos oníricos da antropologia, das religiões e até mesmo da neurociência, entre outros, a conceituação onírica ganha um estatuto ontológico e como veremos, epistemontológico. O sonho se torna, enfim, realidade.

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I - (I)Manifesto Transaberes No imanifesto se contempla seu deslumbramento no manifesto se contempla seu delineamento ambos o mesmo saindo com nomes diversos o mesmo diz-se mistério mistério que se renova no mistério... porta de todo deslumbramento.

Laozi Urge explicitar a necessidade dos transaberes. Estamos cansados das disciplinas. Uma disciplina é um conhecimento aprisionado em uma taxonomia qualquer. Tal aprisionamento se tornou um vício do pensar. “tipos” de conhecimento: • Disciplinar: forma de conhecimento organizada em axiomas básicos com um núcleo duro de pressupostos, com pouca ou nenhuma relação com outra disciplina. A disciplina visa disciplinar, em outras palavras, adestrar o pensar àquela disciplina. • Multidisciplinar: o avizinhamento de disciplinas, conhecimento enciclopédico: matemática, física, história, •

Interdisciplinar: existe uma relação entre as disciplinas, produz-se um atravessamento: o campo elétrico e o campo magnético se fundem no campo eletromagnético; a engenharia que se utiliza da física e matemática para produzir. Transdisciplinar: as disciplinas se tornam fundo, ponto de partida para se produzir um saber múltiplo composto por relações de disciplinas, agora tornadas uma nova disciplina,

Natureza como experimento laboratorial. Porém, não basta “pensar”. O pensamento é um aspecto da vida, pode ser meramente conceitual e pouco prático. Necessitamos de um pensamento aplicado à vida, que se amalgame com o sentir. 227


Precisamos de intuição. O pensar/sentir é a intuição e ela, não é mais da ordem da disciplina e sim, da liberdade do saber. Assim, o pensamento está para a sabedoria, como a disciplina está para o saber. O saber nunca é disciplinar, ele não impõe, ele não doutrina. O saber torna a vida ética. Não existe saber da ordem do “multi” ou “inter”, o saber sempre foi trans, atravessamento, aliança da intuição com a vida. Nem uma pura ontologia, muito menos uma epistemologia, mas uma epistemontologia, visto que o saber não opera por dualidades, mas por composição: não existe isolamento no saber, mas apenas relações de relações. O saber raramente usa o hífen para compor, dualidade dissimulada. O saber propõe novos conceitos práticos, que emergem da intuição. O saber é a disciplina totalmente permeável, por exemplo, a Ontologia Onírica. O saber pode compor com qualquer coisa: filosofia, física, antropologia, literatura, música, cinema, magia, espiritualidade, dor de dente, pedras. Não existem proibições para o saber, apenas modulações, no sentido que um saber melhor é o mais necessário para uma provisória relação de forças. Exemplo: a Mecânica Quântica e a Monadologia podem ser muito úteis para conceituar melhor a consciência, por sua vez, a Teoria do Caos e o Hermetismo são mais necessários para se pensar a relação entre arte e vida, mas são apenas modulações, ênfases, relevâncias, visto que os quatro campos são úteis para pensar ambos os problemas, e estes também se relacionam. O saber é imanente ao seu “objeto” de forma que se torna precário falar em “sujeito” e “objeto”, falemos sim em atratores, relação de relações, vortex, campo de forças. A Monadologia não é um saber em si, mas um saber na relação com outros. Pois evidencia-se que todo saber é transaber, um suposto saber nunca se isola, pois é da prática da sabedoria relacionar: a Ética de Spinoza que é um corpo contínuo de saber, mas o viés pode apreendê-lo simultaneamente como um tratado de filosofia, ótica, mística, geometria, teologia, ética etc. Vejamos o caso de Isaac Newton. Sua sabedoria envolvia física, matemática, filosofia, alquimia, magia, teologia etc. O que se seguiu depois dele, o “newtonianismo”, foi uma dilaceração de

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seu saber em disciplinas físico-matemáticas. Newton era sábio, o newtonianismo é disciplinar. Porquê um (i)manifesto? Porque estamos saturados de “manifestos”, estamos compondo também com o imanifesto, transcendências, mas a posteriori, religiões, ainda que entendidas como re-ligare, religações de mundo e linguagem, caos e vida: Tao, impermanências, bruxarias etc. Não se tolera mais nenhuma dualidade, nenhuma ilusão de “parte” definitiva. Toda “parte” é, de fato, uma mudança de gradação: meu corpo é mais denso que o ar, por isso eu o atravesso, mas somos imanentes. Um e múltiplo como imanência e modulação de coagulações e descoagulações. Também não há mais crença alguma na ausência de movimento, mas em gradações de velocidades, ainda que um vortex possa estar aparentemente sem deslocamento. Ali, quase imóvel, ainda possui velocidade, velocidade que não é mais da ordem do ser. O verbo ser não indica essência ou coisa assim, o verbo ser se torna sinônimo de devir. Um transaber possui devires estranhos a ele, isso nos diz que um transaber nunca é definitivo, mas provisório e não “garante” nada, mas exercita atos éticos, cultivo de cosmos ético. O transaber é ético por definição, se não produz aumento de potência no intuir é porque não é saber, mas disciplina. Um transaber pode deixar de devir e, com isso, transcender rumo ao Inominável, mas a partir daí não intuímos (muito menos sabemos) mais nada. Essa transcendência nunca é a priori, mas as transcendências a priori decretam disciplinas essenciais que axiomatizam e aprisionam a intuição, relegando-a ao pensamento, sendo, de fato, imanências que tendem, intensivamente, ao virtual. A intuição só possui axiomas provisórios e intercambiáveis. Um transaber possui dinâmicas que ressoam com a filosofia oriental e os estoicos, no sentido que um saber se desdobra contínuo e imanente, diferente das ideias parciais — conectadas ou não — da filosofia ocidental em geral.

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Um transaber nunca é um abrigo na Tempestade, mas é a Tempestade em si, nos torna Tempestade, em que o perigo é evitado pela precisão dos passos da dança tempestuosa. Um transaber convoca ao amor, mas amor como liberdade, como comunhão de cosmos com o cosmos, não é isolamento contratual de partes. Um transaber não intui por neuroses, existem apenas devires, ética, sendo que os problemas derivados disso são níveis de preguiça existencial, diques no devir. Não existem aqui conceitos patológicos, muito menos psicopatológicos, taxionomias tristes. Existem apenas níveis de gradação de preguiça existencial, cuja alternativa é intuir mais e mais transaberes. Um transaber é sempre experimental, nunca é definivo. Um transaber nunca é “final”, sempre procurando mais e melhores relações, alianças, composições, agenciamentos, ressonâncias. Tampouco é teleológico, ainda que possua leves tendências provisórias: um transaber suscita devires. Um transaber não “está” no espaço nem no tempo, mas entre eles. A emergência de um transaber é indício que algum vortex apreendeu esse entre intensivo. Um transaber não aponta o sentido, mas produz novos sentidos processualmente, no sentido que o sentido da vida é criar sentidos para ela.

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