Outramentos

Page 1


[08] ¡estrondo! outramentos por janaína miranda

www.janainamiranda.com.br coordenação geral michelle bastos curadoria cinara barbosa e elza lima (1ª convocatória) tratamento de imagens thiago barros projeto gráfico original silvino mendonça adaptação do projeto e diagramação diana salu ilustração da capa: constelação piscis volans, conforme retratada por johann bayer, em 1603, na prancha 49 do atlas celestial uranometria Miranda, Janaína. o u t r a m e n t o s / Janaína Miranda. Brasília, DF: Estrondo!, 2020. 32 p. : il. color. ISBN 978-65-88259-04-7 1. Fotografia. 2. Arte digital. I. Título. ¡Estrondo! é um projeto realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC-DF), fomentado pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e pelo GDF.


[o u t r a m e n t o s]

janaĂ­na miranda


























lá onde se encontram olhos nas coisas só às vezes a fotografia cumpre o papel de criadora de imagens. apenas nessas oportunidades ela reacende em nós o impulso infantil de subverter o destino das coisas. aciona aquela capacidade esquecida, própria geralmente das crianças, de ver algo não imediatamente visível. cria breves descontinuidades; produz, então, arranjos novos entre coisa e sentido. quando isso acontece, a fotografia nos oferece olhos de estranheza (parece mesmo que é ela – a fotografia – que rouba as pupilas da fotógrafa para nos conceder usos promíscuos). são esses olhos roubados, sem nome ou dono, compartilhados e atravessados, nem meus, nem dela, maquínicos e humanos, que (às vezes) disponibilizam mergulho numa atmosfera singular. então, nos surpreendemos com o avanço das trepadeiras sobre a urbe. percebemos que nunca antes tínhamos notado a força com que elas se amalgamam com a cidade. estaria o barco para sempre esquecido, navegando sobre pneus? não estamos certos. talvez as cores não tenham essa profundidade doce e sutil. desconfiamos do que aquela porta nos separa. afinal, como não teríamos percebido antes? pois a fotografia, algumas vezes, nos concede a compreensão de que o familiar e o estranho não são estados sucessivos, mas simultâneos. não se trata exatamente de fazer visível o invisível. mas, ao contrário, de verter o visível em algum invisível. converter a inércia em abismo. algo acontece quando nada levanta a superfície. aprofunda-se de tal modo o que nos é familiar, que a familiaridade torna-se a condição de sua estranheza. não: nada. nada por trás, tudo parado. nenhum evento não habitual. nenhum significado além do plástico estirado


(e não o contrário)

por cláudia linhares sanz

sobre a encosta; somente o asfalto, apenas os fios elétricos emaranhados. sem gesto evidente, nenhuma expressão significativa. bem verdade, nada do que a fotografia possa dizer ou fazer, é capaz de extinguir a banalidade daqueles objetos. entretanto, faz (e diz). na banalidade, emerge, pois, o pequeno agito. feitiço? é a suspensão, o movimento. é a paralisia que manifesta (silenciosamente) o inadequado. e, por consequência, a sombra. eventualmente, a fotografia opera em alquimia, liberando o mistério das coisas sem mistério. de repente, nos interroga: trouxe à luz o que estava secreto? ou vir à luz é o que verte o nítido em sigilo? quando a fotografia produz imagem, infiltra estranhamentos no habitual: no poste, na pedra, na planta, no concreto. mas como e por quê. que capacidade teria sido esta, a de liberar (como faz a varinha de um mago) a voz do que não fala? em que momento (e de que jeito) objetos cotidianos tornaram-se suspeitos? e de quê? é que a fotografia, às vezes, mobiliza encontros entre o mundo ordinário e a amplitude de seus mistérios. potência de nos levar, de um jeito só dela, a atravessar uma pequena porta branca no meio de um muro de pedras e, simultaneamente, nos fazer esperar diante dela, estáticos. desenlaça os nomes das coisas. faz sentir, pequeno deslocar dos sentidos e das funções de objetos conhecidos. faz mesclar categorias como as de natureza e artifício. produz novos arranjos, cria outramentos para o doméstico e, aí, distancia o próximo. torna passagem, os lugares. da passagem, faz lugar.


o mistério, então, se apreende pela suspensão. e o vazio, pela paisagem. o estranho, pelo normal. o material, pelo imaterial. o verde, pelo azul. pequenos encontros, dentro e fora da imagem. e se o cotidiano aprofunda, quando emerge a imagem, é porque já não sabemos se somos apenas nós que olhamos. reconhecemos, mesmo que de relance, certos comportamentos das coisas. e se elas se comportam, provavelmente é porque também nos fazem perceber o soletrar do estranho idioma (dos objetos inanimados). pela dispersão da cidade, a fotógrafa reúne afinidades. cria um novo espaço – interno a cada foto, mas também externo a elas, sem que delas escape. o espaço da série, da perseverança e da diferença, da margem e da página. assim, janaína miranda vai tecendo seu trabalho – ao acolher as coisas, possibilita novas presenças.


outros títulos da coleção ¡estrondo! todos os títulos da editora ¡estrondo! estão disponíveis para venda pelo e-mail contato@estrondo.com.br

vírgula júlia godoy brasília pequena bete coutinho ariar amanda carneiro relação-ruína isabella atayde corpulento gisele lima carto-tipo(grafias) da transgressão andresa augstroze boca d’alma lua cavalcante

co-respondências mamana coletiva

netuno thalita perfeito



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.