AD Infinitum: projeto experimental de hipermídia

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Ad Infinitum: projeto experimental de hipermídia Ad Infinitum: hypermedia experimental project Junia Cristina Junqueira Parreira Meirelles1

Resumo O ciberespaço é um contexto complexo no qual ocorrem relações que envolvem troca de informação e conhecimento. A tradução desse espaço em ambientes navegáveis é, entre muitas outras definições, a hipermídia, conjunto de conceitos que constituem uma linguagem a partir da qual pode-se propôr aos usuários experiências inusitadas e envolventes. Este artigo relata o desenvolvimento de um projeto experimental de hipermídia, realizado no curso de Graduação em Design Digital da Universidade Anhembi Morumbi-SP, cuja proposta implicou no estabelecimento de relações entre os campos da Literatura e do Design. Ad Infinitum não é um jogo, mas uma hipermídia de caráter experimental que se esgota em si mesma, na medida em que não estabelece comunicação com a World Wide Web. Nesse contexto, revelamos o processo de aplicação do design de hipermídia na criação de um ambiente no qual o usuário pode imergir psicologicamente e estabelecer relações entre os elementos apresentados, despertando, assim, momentos de reflexão. Abstract Cyberspace is a complex context in which new relationships take place, involving the exchange of information and knowledge. The translation of such space in navigable environments is, among many other definitions, hypermedia, a set of concepts that create a language which enables us to offer users the opportunity to try such unexpected and involving experiences. This article describes the development of a hypermedia experimental project, developed during the undergraduate course of Digital Design at Anhembi Morumbi University – São Paulo, whose proposal implied in the creation of new relationships between the fields of Literature and Design. Ad Infinitum is not a game but an experimental hypermedia standalone program which is self-contained once it does not establish communication with the World Wide Web. In this context, we revealed the application process of hypermedia design for the creation of an environment in which the user can psychologically immerge and establish relationships with the elements presented, arousing, therefore, moments of reflection.

Introdução O ciberespaço é um contexto complexo no qual ocorrem relações de troca de informação e conhecimento, um espaço ilimitado e rizomático do qual fazemos uso em nossos atuais processos comunicacionais, informacionais, educacionais e de entretenimento em âmbito global. O Design Digital como uma atividade interdisciplinar, deve buscar a conjunção de atributos de áreas como as da psicologia cognitiva, da sociologia, da gestão de conhecimento, entre outras, cuja incorporação de conhecimentos é, via de regra determinada pelas características do projeto a ser desenvolvido. Nesse sentido, projetos experimentais, e por experimentais, entendemos aqueles que, além de propôr uma experiência exploratória ao usuário, sob o ponto de vista do design de hipermídia, são aqueles que tendem à linguagem artística e à liberdade de criação, frequentemente tolhida pelo mercado de trabalho. São projetos que visam a exploração da linguagem e da cognição do usuário no sentido de propôr novas formas de comunicação e novos paradigmas visuais, de interação e navegação que contribuam para a assimilação da tecnologia e aquisição de conhecimento. 1

E-mail autor: juxy2005@gmail.com


No contexto da linguagem da hipermídia, podemos identificar vários elementos que, ao mesmo tempo que a caracterizam, refletem uma forma de projetar hipermídia. No que diz respeito ao conceito de Design de Hipermídia, a pesquisadora Mônica Moura (2003) justifica o surgimento dessa linguagem: A consolidação dessas [das] novas tecnologias no campo do design gera também uma nova linguagem e esta, por sua vez, é constituída de elementos projetuais associados e repensados perante as características da hipermídia e do design de hipermídia.(...) Neste contexto é que entendemos o design de hipermídia, ou seja, a atividade projetual relacionada à hipermídia. (...)

Para a autora, projetar hipermídia é, ainda, estabelecer relações de diversas ordens, tais como (...) o estabelecimento das relações formais, funcionais, subjetivas, metodológicas de um projeto que deve prever, pensar e envolver a configuração e organização das informações verbais, visuais, sonoras, sinestésicas, de interação, de navegação, a partir do estabelecimento de hipermídia como uma linguagem com características específicas e diferenciadas que influenciam diretamente na concepção estéticocriativa e informacional dos projetos e produtos em mídia digital e interativa. (MOURA, 2003, p.158)

Esses aspectos que constituem o âmbito de atuação do design digital dão origem ao que podemos chamar de roteiro de hipermídia, uma sistematização do processo de produção de um produto hipermidiático. No entanto, cada projeto, em sua particularidade solicita uma sistematização e resulta num roteiro próprio. Quando nos referimos ao termo “experimental” conferimos a uma só palavra duas formas de pensamento que se distinguem por seus pontos de vista e abordagens: o olhar do designer e a experiência do usuário. Sob o olhar do primeiro, o caráter experimental se revela através das escolhas dos elementos constitutivos do projeto e da representação dos conceitos resultantes de pesquisa prévia acerca do escopo do produto virtual e, também, a proposição de interação, navegação e visualidade para o produto, ou seja, cabe ao designer a elaborar e apresentar soluções navegacionais, informacionais, visuais etc, que demandem criatividade na proposição de ambientes imersivos e interativos a serem explorados pelos usuários. Sob o olhar do usuário, experimental diria respeito à experiência vivida durante a visita ao projeto, uma proposta exploratória do ambiente e, em virtude disso, a reflexão, ou aquisição de conhecimento pelo contato com as informações oferecidas pelo produto virtual. O propósito deste artigo é revelar o desenvolvimento de um projeto hipermidiático e suscitar reflexões acerca do fazer Design para Hipermídias de caráter experimental. 2. Um tema e um conceito. O design, por ser uma atividade mutidisciplinar, dialoga com outras áreas do conhecimento, o exemplo apresentado, se relaciona com a Literatura e, neste caso, especificamente a partir do gênero textual conto. A proposta do projeto apresentado neste artigo implicou na escolha de um conto sobre o qual seria desenvolvida uma peça hipermidiática de caráter experimental, sendo viável, entre diversas possibilidades, uma releitura do texto e a construção de uma peça hipermidiática a partir dele. O conto escolhido, intitulado “9 de Junho de 1905”, escrito por Alan Lightman2, cujo tema central é a relação entre o Homem e o tempo, uma relação de infinitude e de repetição dos fatos da vida. Nesse conto, o autor instaura a condição de vida eterna aos habitantes do mundo e define dois grandes grupos de indivíduos: os “Agoras” e os “Depois”. Os Agoras percebem que, com vidas infinitas, eles podem fazer tudo o que puderem imaginar. Terão um número infinito de carreiras, casarão um número infinito de vezes, mudarão suas crenças políticas infinitamente.(...) De modo a experimentar a infinidade da vida, eles começam cedo e nunca vão devagar. (LIGHTMAN, 1993, p.115-116)

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Alan Lightman é autor do Livro “Sonhos de Einstein” que apresenta contos cuja tônica são as relações entre os homens e o tempo.


Os Depois consideram que não há pressa para entrar na Universidade, para começar a aprender uma segunda língua, para ler Voltaire ou Newton, para lutar por uma promoção, para se apaixonar, para constituir família. Para todas as coisas há um tempo infinito. No tempo sem fim, todas as coisas podem ser realizadas. Assim, todas as coisas podem esperar. (LIGHTMAN, 1993, p.114-115)

No entanto, apesar de suas diferentes posturas diante da vida, ambos os tipos de personagens (Agoras e Depois) “padecem” da mesma monotonia dessa vida, uma situação constantemente frustrante, uma vez que suas experiências de vida são repetidas através das gerações sem que nada seja inusitado, sem que algo transforme seus cotidianos. A única condição de rompimento com esse ritmo constante é o suicídio, opção arbitrária e definitiva. O idéia implícita no projeto é propor ao usuário que “vivencie” a mesma experiência que experimentam os personagens do conto, ao ponto de deixar somente uma opção ao usuário diante das situações propostas nas interfaces, a opção pelo suicídio. Uma vez definidos o tema (a infinitude da vida) e o conceito da similaridade como fundamento da construção do projeto, o passo seguinte foi a elaboração do roteiro dessa peça hipermidiática. Nessa etapa do desenvolvimento do projeto são definidos os elementos que comporão a estrutura informacional, navegacional, da interatividade e da visualidade do produto digital. A partir dos elementos eleitos para a representação e significação do conceito são elaboradas as interfaces e mecanismos de navegação e interação. Segundo MOURA (2003), um projeto virtual que se utiliza da linguagem de hipermídia tem como fundamento princípios e características expostos à seguir. 3. Princípios e características do design de hipermídia São assim considerados os seguintes aspectos do universo digital: multiplicidade, pontencialidade, complexidade, mobilidade, processamento de síntese, heterogeneidade, topografia, metamorfose e conectividade. Os princípios são pressupostos a partir dos quais, as propriedades da hipermídia, isto é, aspectos que a caracterizam, se apresentam e constituem a diretriz para a escolha dos diversos elementos de base do projeto. São elas: 3.1 Não-linearidade A não-linearidade é uma característica que envolve a mobilidade do usuário em um espaço que deve ser adequadamente sinalizado, sem, no entanto, privar o usuário da escolha de caminhos no seu navegar. Projetar pensando em proporcionar uma navegação não-linear prevê a esquematização da estrutura de informação de tal forma que apenas em casos extremos (propositais), o usuário tenha somente um caminho a seguir, está implícito nessa forma de pensamento projetual a fragmentação do conteúdo a ser trabalho em uma estrutura hipertextual. Uma estrutura não-linear da informação pode causar ao usuário certa desorientação ao navegá-la. Em grande parte dos projetos experimentais de hipermídia, ao contrário de projetos para o mercado, isso é desejável e até mesmo provocado intencionalmente. A “desorientação” a que nos referimos tende a alterar a percepção do usuário sobre o “espaço” que compreende o assunto do produto virtual e essa sensação de estar “perdido” se associa a idéia de infinito, de não perceber a dimensão, a extensão do conteúdo exposto. Uma das características de projetos hipermidiáticos é justamente causar a impressão de que o seu conteúdo não foi todo explorado, que há mais informação a ser vista. 3.2 Hipertextualidade É a principal característica da hipermídia, pois o hipertexto é a estrutura que dá sustentação a informação (conteúdo) e demais elementos envolvidos na criação e concretização do projeto de hipermídia. O hipertexto constitui-se numa forma fragmentada e descentralizada de distribuição de informações, em um determinado ambiente virtual de maneira a propiciar a leitura e apreensão não seqüencial desse conteúdo.


George Landow define hipertexto como uma nova tecnologia de informação: (...) eu defino esta nova tecnologia de informação como um texto composto de lexias (blocos de palavras, imagens estáticas e em movimento, ou sons) eletronicamente unidos pro caminhos múltiplos, cadeias, ou rastros em uma teia aberta e sem fim. (LANDOW, 2000 apud MOURA, 2003, p. 194).

A estrutura hipertextual de informações é composta de lexias (nós) que constituem módulos de informações cuja relação com os demais nós se dá através de conexões denominadas links, conferindo ao usuário mobilidade e fluidez não-linear em sua apreensão e construção do discurso. Lúcia Santaella reafirma o sentido de alicerce atribuído ao hipertexto: "Em vez de um fluxo linear de texto como é próprio da linguagem verbal impressa, no livro particularmente, o hipertexto quebra essa linearidade em unidades ou módulos de informação, consistindo de partes ou fragmentos de textos. Nós e nexos associativos são os tijolos básicos de sua construção. Os nós são as unidades básicas de informação em um hipertexto". (SANTAELLA, 2004, p.50)

O hipertexto está diretamente relacionado com a navegação, visto que é através dos links propostos na estrutura hipertextual das informações que o usuário move-se pelo projeto.

3.3 Navegabilidade. A navegabilidade é uma característica dos ambientes hipermidiáticos que se refere à mobilidade do usuário no ciberespaço e se relaciona estreitamente com outras características como a interatividade e a não-linearidade, esta última, por sua vez, diretamente relacionada à hipertextualidade. A navegação diz respeito às várias possibilidades de movimentação e vários caminhos, que o usuário pode seguir. Uma boa navegação em uma boa estrutura hipertextual, além de disponibilizar caminhos, apresenta também variações na forma de navegação. A navegação pode se dar através de menus, áreas sensíveis, mapas indicativos (cartografia) ou ícones indicativos com função de botão.

3.4 Interatividade A interatividade é uma característica essencial aos projetos de hipermídia. Sem a interação não há navegação e, não havendo algum tipo de interferência por parte do usuário (no caso da simples navegação), caracteriza-se a interatividade no nível da participação enquanto, quando é permitido ao usuário interferir no conteúdo proposto no projeto, nos referimos à interatividade propriamente dita, uma relação dialógica entre sistemas e usuários. A interatividade refere-se ao caráter aberto dos sistemas que os usuários podem acessar, estabelecer relações e interferir nos documentos, registrando suas opiniões, e até transformando as informações, dando vida ao processo de construção do conhecimento. (MOURA, 2003, p. 256)

Consideramos para efeito das relações entre usuário e sistemas que a participação é algo que ultrapassa as limitações dos dispositivos de entrada tais como teclado, mouse, joystick e propõe níveis de imersão psico-físicos, independente de ela se constituir em uma interferência no nível da interatividade.


3.5 Hibridismo A significado de híbrido tem sua origem no campo da biologia e define o indivíduo resultado do cruzamento de duas espécies diferentes. Analogamente, no contexto dos nossos estudos de linguagens aplicadas ao ciberespaço, o hibridismo passa a ser o termo que melhor define a miscigenação de linguagens visuais, verbais e sonoras, presentes em projetos criados sob o design de hipermídia. Na prática, hibridizar linguagens significa, por exemplo, criar uma interface que integre visual e associativamente, imagens em vídeo, ilustrações, fotografias, animação e som de forma a originar um novo contexto visual e semântico cuja finalidade atende ao conceito do projeto como um todo ou simplesmente à interface em questão. O resultado da mistura de linguagens possibilita, a cada usuário, um tipo de leitura que está ligada, não só à mensagem proposta pelo autor, como também ao repertório cultural do interator.De modo geral, as interfaces híbridas propõem ambientes visualmente profusos nos quais as informações são dispostas de forma a possibilitar que o discurso ocorra em várias direções. Verificaremos de que forma os conceitos acima explanados foram tomados como base para o desenvolvimento do projeto de hipermídia que apresentamos a seguir: 4. O projeto O projeto recebeu o título de Ad Infinitum, por esse termo significar “eternidade”, idéia apresentada no conto de Alan Lightman. A idéia do infinito nos remeteu à uma forma circular, que nos induziu ao pensamento redundante, de ritmo “pesado”, cansativo e monótono, segundo a vida entediante relatada pelo autor. Dentro desse universo “redondo” foram dispostas imagens com as quais o usuário, inconscientemente, poderá se identificar. A escolha da imagem através do clique sobre ela, representa a escolha e redireciona a sua trajetória. A proposta de imersão para o usuário é a de mantê-lo nesse ambiente circular e repetitivo, até que , como os personagens do conto, ele decida por finalizar sua visita ao projeto, optando por um dos 12 vídeos que apresentam cenas de suicídio. A opção pela quantidade de elementos foi baseada nos números do relógio que, metaforicamente, indica as relações dos homens com o tempo. A opção pelo suicídio encerra a visita do usuário que verificará um total em percentual que revela sua tendência de comportamento, afeito mais aos personagens Agora e os Depois.

5. Elementos projetuais São denominados de elementos projetuais aqueles que resultam de escolhas refletidas no projeto, a partir do conceito sobre o qual ele foi desenvolvido. Esses elementos são resultantes do que podemos denominar roteiro para o desenvolvimento de projetos de hipermídia. Como anteriormente mencionado, cada projeto requer um tipo de estuturação e, não raras vezes, metodologias de desenvolvimento e produção peculiares.

5.1 Estruturação da informação. A motivação para a mobilidade do usuário no projeto é a sua identificação, consciente ou não, com os elementos visuais apresentados nas interfaces. Desta forma, foram escolhidos signos que pudessem ser identificados com a personalidade dos Agoras ou Depois , segundo o exposto por Lightman e também de acordo com a interpretação dessas características pelo grupo que desenvolveu o projeto3. 3

Projeto interdisciplinar desenvolvido para a finalização do 6 º semestre do Curso de Design Digital da Universidade Anhembi Morumbi pelo grupo constituído pelos alunos: Priscila Loschiavo, Paloma Quintale, Elinor Choate, Marco Antonio Campos Moreira, Rafael Cardozo de Almeida, Carlos Augusto Oliveira e Junia Meirelles.Novembro/2004, sob orientação dos professores Nelson Somma Jr e Paulo Costa.


Para equiparar as chances de identificação do usuário com os referidos perfis dos personagens, foi necessário dividir por igual as categorias de imagens escolhidas, assim, a totalidade da informação consiste de 60 (sessenta) imagens (estáticas ou em movimento) que podem ser identificadas com o comportamento de indivíduos Agora; 60 (sessenta) imagens (estáticas ou em movimento) que podem ser identificadas com o comportamento de indivíduos Depois; 12 vídeos contendo cenas de suicídio e 12 trechos de locuções que trazem informações sobre o conto de Alan Lightman. Totalizando elementos para a escolha do usuário em sua navegação.Ao final da visita, um total em percentual retorna ao usuário, revelando, naquela visita sua tendência a ser um Agora ou Depois. O diagrama a seguir representa a estrutura da informação do projeto.

Figura 10 - Diagrama da informação e da navegação do projeto Ad Infinitum.

Fonte: Projeto de criação - Ad Infinitum

Detalhe na próxima


A disposição da informação e a preocupação com a não-linearidade e com a hipertextualidade apresentadas propiciam alguma flexibilidade na navegação.Neste caso, analisando a navegabilidade,verificaremos que, propositalmente, ela está restrita à estrutura e à um certo ritmo de apresentação da informação.

5.2 Navegação A navegação se dá a partir dos cliques do usuário sobre as imagens com as quais sinta empatia. Uma das características mais marcantes do fluxo navegacional é o fato de não haver como retroceder uma ação realizada, isto é, após a escolha, o usuário é levado imediatamente à sua próxima escolha, podendo, eventualmente acessar alguma interface anteriormente acessada. A proposta desse impedimento está relacionada ao fato de que, na vida real, não há retrocesso para nossas ações, as conseqüências são inevitáveis. Outro aspecto que envolve a navegação e o encerramento da sessão do usuário é o fato de, somente os vídeos de suicídio, quando apresentados, estarem parados. A ação será desencadeada voluntariamente pelo usuário, ao contrário dos demais vídeos, que estão em loop contínuo aguardando a ação do usuário. Apesar de a estrutura fechar-se em ações repetitivas e circulares, há uma segunda forma de navegação através da imagem de um pequeno relógio presente em todas as interfaces, de forma que, a qualquer momento, o usuário pode saltar de uma parte à outra das informações sem, no entanto, sair da estrutura que representa a vida infinita e enfadonha dos personagens do conto. Assim, a idéia é propor, através da navegação, tamanho desconforto e enfado ao usuário que, assim como os personagens do conto, ele opte pelo suicídio. Observa-se a estruturação da navegação em dois níveis de informações que se alternam durante uma navegação seqüencial do usuário, ou seja, como podemos observar na imagem ampliada da célula de navegação, apenas um elemento visual em cada célula de segundo nível, leva o usuário à próxima célula, que repetirá esse comportamento. Isso confere ao projeto uma lógica de navegação, no entanto, percebida somente pelo designer, devido à repetição de caminhos e imagens, o usuário pode ter dificuldade em realizar o mapeamento do projeto em seu pensamento lógico. Prevalece a sensação de desconforto ao desejo de mapeamento da estrutura navegacional do projeto.


Ao iniciar sua trajetória no projeto, inicialmente são disparadas duas seqüências de abertura que introduzem o usuário no contexto da experiência, inclusive coletando dados que serão recuperados em interfaces internas ao projeto como quando, ao optar pelo suicídio através de intoxicação, a informação inserida pelo usuário na interface formulário, será resgatada em uma carta de um suicida e em seu atestado de óbito.

5.3 Interatividade Neste projeto não há a possibilidade de interação dialógica, pelo fato de constituir-se um produto offline, as possíveis ações do usuário se dão no nível da participação. Segundo Murray, A autoria nos meios eletrônicos é procedimental. (...) O autor procedimental não cria simplesmente um conjunto de cenas, mas um mundo de possibilidades narrativas. [Desse modo] talvez se possa dizer que o interator é o autor de uma performance em particular dentro de um sistema de história eletrônico, ou o arquiteto de uma parte específica do mundo virtual, mas precisamos distinguir essa autoria derivativa da autoria original do próprio sistema. (MURRAY, 1997, p.149-150)

O que a pesquisadora denomina de autoria derivativa é o que ocorre na participação do usuário em nosso ambiente hipermidiático, ao encerrar sua visita, o usuário deverá inserir novamente o CDROM para iniciar nova experiência, a qual dificilmente resultará em percentuais iguais, visto que a grande quantidade de informação apresentada dificulta a memorização de escolhas anteriormente realizadas. Antes do cômputo final, as imagens escolhidas pelo usuário “desfilarão” em rápida apresentação de slides, retornando brevemente o percurso daquela visita. Figura 11 - Interface final com resultado da navegação.

Fonte: Projeto Ad Infinitum- CD-ROM, Nov/2004

O projeto conta mais com a imersão psicológica do usuário resultante da mistura de linguagens que tendem a estimular a percepção sensorial.

5.4 Elementos visuais e sonoros. As escolhas dos signos e dos trechos musicais, bem como a visualidade profusa conseguida com o uso de imagens digitalizadas de objetos texturizados e a consistência do layout contribuíram para a caracterização de interfaces que não privilegiam um lugar, mas sim, uma situação de apresentação de imagens que tem como objetivo causar certo estranhamento ao usuário quanto ao significado das imagens.


O critério de escolha das imagens foi o de considerar a quebra semântica de sentido, por exemplo, nas interfaces abaixo verificamos que um dos três elementos sempre presentes não pertence à mesma categoria que os demais. Nos casos apresentados abaixo, no qual encontramos as imagens de um maracujá cortado ao meio, uma xícara com café e um frasco de remédios contendo anfetamina, verificamos que enquanto maracujá e café são alimentos, a anfetamina é uma droga energética, o que pode interferir no raciocínio dedutivo do usuário de que ele deve escolher o alimento que mais gosta. Figura 9 - Exemplo de interfaces do projeto Ad Infinitum com áreas sensíveis ao clique.

Fonte: Projeto Ad Infinitum - CD-ROM- Nov/2004

Não se trata, portanto, de efetuar escolhas apenas por gosto. Essa “quebra” no link semântico proporcionada pelo rompimento do raciocínio dedutivo pode levar o usuário a refletir sobre o significado da presença daquelas imagens e a relação existente entre elas.Tratando-se ainda de elementos visuais, o projeto contém duas seqüências de abertura que trazem ao usuário alguma informação sobre os Agoras e os Depois. Ainda com o intuito de criar um diferencial visual para as experiências do usuário, em cada interface predomina uma cor que tem sua tonalidade alterada de acordo com o horário em que o projeto é acessado, pela manhã, tonalidades claras e à noite, tons mais intensos e escuros. Há ainda o uso de fontes tipográficas que são utilizadas como imagens vetoriais que se hibridizam com as imagens gráficas , animações e vídeos, adicionando textura e movimento às interfaces. Os elementos sonoros foram escolhidos de modo a contrapor-se aos elementos visuais que prevalecem em uma interface, ou seja, se numa interface prevalece signos visuais identificáveis com o comportamento dos Agoras, então o trecho musical aplicado foi algo que remete ao comportamento dos Depois, como uma música tranqüila que remete ao relaxamento e não à ansiedade. O final da visita do usuário é sinalizado por um trecho musical característico dos finais das músicas (coda), que é uma das possíveis formas de finalizar um projeto de hipermídia que aparentemente não foi explorado totalmente e portanto, não caberia afirmar o término. Considerações finais Projetos experimentais podem ser precursores da quebra de paradigmas projetuais, por isso, a importância de uma estrutura acadêmica que incentive projetos dessa ordem. O projeto apresentado neste artigo é apenas um entre os muitos exemplos de criação em hipermídia que exercita as capacidades criativas e produtivas do designer, além de promover um diálogo com a literatura, um campo ainda muito inexplorado pelos profissionais da área de design e da educação preocupados em incorporar novas tecnologias às salas de aula. Projetos como Ad Infinitum geram produtos digitais


para novas mídias como celulares, TV e Rádio Digital e sobretudo, podem apontar novos caminhos para experiências mais ricas de conhecimento e envolvimento para o usuário. Pensar a hipemídia como linguagem do ciberespaço é só uma das possíveis abordagens para projetos experimentais no contexto sempre efervescente das tecnologias digitais, outras formas de expressão poderão surgir sob novas condições culturais, sociais e tecnológicas que refletirão ad infinitum a instabilidade dos produtos digitais.

Referências Bibliográficas MOURA, Mônica Cristina de. O design de hipermídia. Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. MURRAY, Janet H. Hamlet on the Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. Cambridge: The Mit Press, 1997. LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein, São Paulo, Companhia das Letras, 1993. SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2004.


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