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ENTRE.
LATINOAMÉRICA
ENTRE.
LATINOAMÉRICA
JAQUELINE DE PAULA EFFGEN UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO | CENTRO DE ARTES | DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO_ VITÓRIA/ES, 2015. TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE ARQUITETA E URBANISTA. ORIENTADOR: ARQUITETO E URBANISTA DR. MILTON ESTEVES JR. CO-ORIENTADOR: ARQUITETA E URBANISTA DRA. MARTHA MACHADO CAMPOS. CONVIDADO: ARQUITETA E URBANISTA MARIA CANDELARIA LACHERRE
O mal do exotismo é um mal que afeta frequentemente os artistas de nossa América. Temos muito do
Pinheiro de Heine1 que sonhava com a palmeira distante. Só que conosco acontece o contrário: somos palmeira, crescida às vezes em plena selva virgem e nos esforçamos para nos disfaraçar de pinho coberto de neve...Para o europeu é exótico um ambiente à maneira de Gaugin, com girassóis iluminados por grandes flores, vermelhas, como bocas primitivas. Para o nosso temperamento, o exótico deve estar no Montparnasse... O que ocorre, desgraçadamente, é que tendo quase sempre uma paleta de vermelhos e azuis no espírito, nos esforçamos em neutralizá-la com os cinzas das neves invernais. Repetimos il
pleut dans mon coeur2, como o suave poeta, para enganar o incêndio tropical que temos dentro de nós. Heitor Villa-Lobos, 1928. (CARPENTIER, 1991 apud SEGAWA, 2005, p.48.)
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Ein Fichtenbaum
Um pinheiro solitário, Do Norte, sobre as alturas, Dorme entre gelos e neves Que o envolvem de brancuras.
Ein Fichtenbaum steht einsam Im Norden auf kahler Höh; Ihn schläfert; mit weisser Decke Umhüllen ihn Eis und Schnee.
E sonha com uma palmeira Que longe, longe, no Oriente, Sofre sozinha e calada, Presa ao seu rochedo ardente. Heinrich Heine
Er träumt von einer Palme Die fern im Morgenland Einsam und schweigend trauert Auf brennender Felsenwand. (H. Heine apud SEEMANN, 1854, p. 274)
Chora no meu coração
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Chora no meu coração Como chove na cidade Qual é esta languidez Que penetra meu coração? Ó barulho suave da chuva Pela terra e sobre os tetos ! Por um coração que se aborrece, Ó canto da chuva! Chora sem razão Neste coração que se enoja. O quê? Nem uma traição? Este pesar é sem razão. Paul Verlaine
Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville Quelle est cette langueur Qui pénètre mon coeur? Ô bruit doux de la pluie Par terre et sur les toits! Pour un coeur qui s’ennuie, Ô le chant de la pluie! Il pleure sans raison Dans ce coeur qui s’écoeure. Quoi! Nulle trahison ?… Ce deuil est sans raison. (Paul Verlaine apud WENK, 1976, p. 58)
Um pinheiro
Il pleure dans mon coeur
F1 - Mountains in Tahiti (1891), Paul Gauguin.
FOLHA DE APROVAÇÃO Projeto de Graduação aprovado em: Ata de avaliação da banca:
Nota
data
Dr. Milton Esteves Jr
Nota
data
Dra. Martha Machado Campos
Nota
data
Maria Candelaria Lacherre
Aprovada com nota final:
AGRADECIMENTOS Agradecer nem sempre é uma tarefa fácil. Não pela fala em si, mas pelo risco imenso que sempre corremos de colocar em esquecimento um nome, um momento, uma colaboração. Assim, tentarei resgatar de maneira genérica todos os que colaboraram, tanto direta quanto indiretamente, para esses anos de formação. De formação de caráter, de formação social, de formação acadêmica. Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, pela possibilidade de mudar de cidade, de investir em meus estudos. Por toda saudade que sentiram, por toda confiança que depositaram e por todos os esforços que realizaram para que eu pudesse chegar até aqui. Agradeço aos meus amigos-irmãos, que encontrei na arquitetura durante todos esses anos e também aos meus irmãos-amigos – Patrícia e Willian, pela paciência de todos os dias e por todo amor que me devotam. Ao Cemuni, por abrigar minhas vivências. À Camila Dini, Sheila Macedo, Leonardo Izoton, Sofia Beatriz, Dângela Muniz, Tainah Neves, Victor Malheiros, Thays Reuter, Diego Pandolfi, e toda minha turma 2007/02. Aos veteranos Biel e Virgínia, pelo acolhimento e por habitarem meu coração. Ao Rafael Rodrigues, Rayanne Maffei e Flávia Arruda pela parceria e por todo o afeto. Ao Fábio Guedes, o melhor secretário que o cemuni já viu. Gostaria de deixar aqui também, o meu agradecimento especial à Prof. Martha Campos, aceitar prontamente meu convite. Foi a partir dela que me foram apresentados pensamentos e pensadores acerca da realidade latino americana que foram primordiais para a minha formação crítica enquanto interventora do espaço urbano e enquanto cidadã. Ao Prof. Dr. Milton Esteves, pelo auxílio teórico e crítico do trabalho e na forma de pensar o tema. Sem ele, o produto apresentado aqui teria perdido muito em experiência e sensibilidade. À todos, minha gratidão.
SUMÁRIO ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................13
| INTRODUÇÃO ..................................................................................................19 ADENTRE | AO DIÁLOGO .................................................................................29
AMÉRICA LATINA ..................................................................................31
DOM QUIXOTE .......................................................................................32
TRANSMODERNIDADE .......................................................................... 35
DESCOLONIZAÇÃO INTELECTUAL ..........................................................38
POR ENTRE | OLHARES ......................................................................................63
SEMINÁRIOS DE ARQUITETURA LATINOAMERICANA .............................65
CARTA DE BUENOS AIRES .....................................................................68
ACORDO DE SANTIAGO DO CHILE .........................................................82
PRÊMIO AMÉRICA ..................................................................................93
V SAL .....................................................................................................96
OLHAR PARA | DENTRO.....................................................................................107
HABITANTE-ARQUITETO .....................................................................109
| CONCLUSÃO ....................................................................................................117 REFERÊNCIAS ....................................................................................................121
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Imagem da capa - Manipulação de imagem realizada pela autora. Casa Gilardi, Luis Barragán. Fotografia base da manipulação disponível em http://donnt.tumblr.com/post/57743396998/another-shoot-of-luisbarragans-amazing. F1 - Mountains in Tahiti (1891), Paul Gauguin. Pintura óleo sobre tela FONTE: FERGUSON, Mildred. Paul Gauguin: Paintings. Mildred Ferguson, 2015. Disponível em: https://books. google.com.br/books?id=meU9BgAAQBAJ&dq=Mountains+in+Tahiti+(1891)&hl=pt-BR&source=gbs_ navlinks_s. Acessado em 05 de março de 2015. Capa do capítulo intitulado “Introdução” - Torres de Satélite (1958), Luis Barragán. México. Fotografia de Jubilo Haku. FONTE: http://designapplause.com/2013/love-triangle-brewing-over-architect-luis-barragan/39417/
F2 - Diagrama ilustrativo do processo de construção do trabalho. FONTE: criação da autora. Capa do capítulo intitulado “Adentre ao Diálogo” - Manipulação de imagem realizada pela autora. Igreja em Atlântida (Uruguai, 1952), Eladio Dieste. Fotografia base da manipulação de Lauro Rocha, disponível em https://www.flickr.com/photos/lauro_fotografia/8296028329/ F3 - Dom Quixote (1960), Cândido Portinari. Pintura a têmpera / madeira, 81 X 100 cm (aproximadas). FONTE: http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/3116/detalhes F4 - Modelo aproximado para compreender o sentido de trans-modernidade cultural (2005), Enrique Dussel. FONTE: DUSSEL, Enrique. Transmodernidad e Interculturalidad (interpretación desde la filosofía de la liberación), Cidade do México: UAM-Iz, 2005. p. 18 F5- Mapa Invertido da América do Sul (1943), Joaquín Torres-García. FONTE: SALES, C. M. . Mapa Invertido da América do Sul: visões de mundo na cartografia artística. Revista Das Américas , n 17, 2014, p. 05. F6- Imagem da obra “A Logo for America” (2014), Alfredo Jaar. FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=2jJfNdE1xds F7 - Imagens da obra “A Logo for America” (2014), Alfredo Jaar. FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=2jJfNdE1xds
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F8- Marina Waisman. FONTE: http://www.editoraperspectiva.com.br/index.php?apg=cat&npr=1001 F9 - Ramón Gutiérrez. FONTE: http://www.upo.es/diario/institucional/2014/02/el-arquitecto-e-historiador-ramon-gutierrezsera-investido-la-proxima-semana-doctor-honoris-causa-por-la-upo/ F10 - Enrique Browne. FONTE: http://www.arquitecturacritica.com.ar/2013/02/entrevista-enrique-browne-ines-moisset.html F11 - Cristián Fernández Cox. FONTE: http://www.plataformaarquitectura.cl/cl/tag/cristian-fernandez-cox. F10- Cartaz de divulgação do Primeiro Sal, 1985. Capa do capítulo intitulado “Por entre olhares” - Manipulação de imagem realizada pela autora.Casa Gilardi, Luis Barragán. Fotografia base da manipulação disponível em https://www.flickr.com/photos/ wchwrn/7314881672 F12 - Cartaz do I SAL. FONTE: SOUZA, Gisela B. Tessituras hibridas ou duplo regresso: Encontros latino-americanos e traduções culturais do debate sobre o Retorno à Cidade. 2013. 436 f. Tese (Doutorado – Área de Concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p.72 F13 - Centro de Proteção Ambiental de Balbina(1968-89), Severiano Porto. FONTE:http://www.archdaily.com.br/br/01-13645/especial-dia-do-arquiteto-a-invencao-de-umaarquitetura-moderna-brasileira/13645_13666 F14 - Croqui do Centro de Proteção Ambiental de Balbina(1968-89), Severiano Porto. FONTE:http://www.archdaily.com.br/br/01-13645/especial-dia-do-arquiteto-a-invencao-de-umaarquitetura-moderna-brasileira/13645_13666 F15 - Conjunto de imagens da obra Casa de Hóspedes Ilustres (1978-1981), Rogelio Salmona. Cartagena das Índias, Colômbia. FONTE: (A) https://sembrareneldesierto.wordpress.com/2015/04/28/el-palacio-de-la-alhambra/; (B) https://www.pinterest.com/pin/561964859728074072/; (C) https://www.pinterest.com/ pin/366269382169811411/; (D) https://sembrareneldesierto.wordpress.com/2015/04/28/el-palacio-dela-alhambra/. F16 - Croqui de Assis Reis do frontispício da cidade de Salvador, Bahia. FONTE: //www.acervoassisreis.com.br/frontispicio-de-salvador/
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F17 - Croqui de Assis Reis da Marina da cidade de Salvador, Bahia. http://www.acervoassisreis.com.br/marina-de-salvador/ F18- Conjunto de imagens do haras Cuadra San Cristóban, (1968). Luis Barragán, México. FONTE: (A) https://www.pinterest.com/pin/294211788130681012/; (B, C, D, E) http://arq-dbarocio.tumblr. com/page/2 Capa do capítulo intitulado “Olhar para dentro” - Manipulação de imagem realizada pela autora. Cuadra San Cristóban (1968), Luis Barragán. Fotografia base da manipulação disponível em http://mrmoo8.tumblr. com/post/46402724168/imperiovida-luis-barragan-great-photography F19- Conjunto de imagens do haras Cuadra San Cristóban, (1968). Luis Barragán, México. FONTE:https://www.tumblr.com/search/los%20clubes Capa do capítulo intitulado “Conclusão” - Manipulação de imagem realizada pela autora. Cuadra San Cristóban (1968), Luis Barragán. Fotografia base da manipulação disponível em https://www.tumblr.com/ search/los%20clubes F20 - A lâmpada d’água. FONTE: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/08/130813_lampada_garrafa_gm F21 E 22 - Calha de tubos de pvc. FONTE: https://www.youtube.com/watch?v=ibF2qmo2QQw
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INTRODUÇÃO 17
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O presente trabalho vale-se dos dois sentidos da palavra entre: entre de adentrar e entre de estar entre. O “adentrar” é representado simbolicamente na capa por uma porta, busca introduzir o conceito de latinidade e da expressão América Latina, por meio de um olhar crítico sobre o mesmo. Já o “estar entre”, apresenta-se como uma proposta de interlocução entre duas esferas culturais: a erudita e a popular, e propõe mecanismos para uma troca horizontal (não hierárquica) entre os componentes dos dois universos. No âmbito da arquitetura, propõe que o arquiteto seja o elemento fronteiriço entre as duas culturas e que dialogue bilateralmente com ambas, promovendo assim a construção de uma cidade mais coerente e genuinamente latino-americana. Tal tema originou-se de uma maneira um tanto quanto inusitada. Planejava viajar pela América do Sul e logo no início da preparação foi possível observar o quão grande era a minha ignorância sobre tudo o que abarcasse o tema. Assim, movida pela curiosidade, fui à biblioteca e digitei no sistema de pesquisa: arquitetura; América Latina. O primeiro livro que li foi “Das vanguardas a Brasília: cultura urbana e arquitetura na América Latina”, de Adrián Gorelik. O segundo, “Otra Arquitectura en America Latina”, escrito por Enrique Browne. No primeiro pude compreender como a ideia de uma arquitetura desenvolvimentista surgiu e teve o movimento moderno como seu maior expoente. No segundo, compreendi o quão profunda é a nossa dependência cultural para com alguns países do globo, e como essa se reflete na produção das cidades. A baixa quantidade de material produzido em língua portuguesa e os poucos estudos brasileiros realizados referentes ao tema, me levaram a criação de uma metodologia própria de pesquisa. Busquei por disciplinas ministradas no país que disponibilizaram via internet sua ementa e bibliografia básica. Com isso, adquiri alguns dos livros recomendados que, por sua vez, apresentavam outros livros de referência. Assim, como uma espécie de reação em cadeia, o conteúdo deste trabalho foi sendo formado. 19
Na busca específica de artigos que elucidassem questões relativas à dependência cultural, me levaram a conhecer os Estudos Pós-coloniais - que tratam da relação de imperialismo traçada entre países do globo e também dos vestígios e consequências de tais regimes na realidade dos países após a independência. Os estudos analisados aqui referem-se à relação entre Europa e América Latina, abordando a proposta de Walter Mignolo da realização da transmodernidade - uma espécie de transculturação, alcançada através da superação de algumas etapas definidas como: o conhecimento e valorização profundos da cultura interna do país, a compreensão das influências da cultura mundial nos mesmos e o incentivo à formação de indivíduos que atuem de modo a traduzir e interpretar elementos externos e internos de acordo com a realidade e as necessidades da cultura na qual está inserido. Nesse ponto, o papel do arquiteto como interlocutor (o que está entre) apresenta-se. Outro ponto importante abordado nos estudos e levado à discussão ao longo do texto foi o conceito de colonialidade do poder, que estuda e analisa quais os mecanismos utilizados pelos países colonizadores para exercer influências na realidade sociocultural de outros países. Na América Latina, é possível notar que o poder bélico e militar dos países europeus e dos EUA são elementos infinitamente mais fortes e determinantes do que necessariamente a qualidade da produção intelectual que os mesmos produzem. A analogia com a história de Dom Quixote e sua luta contra os moinhos de vento é brilhantemente utilizada pelo autor da tese, Quijano (2005), para ilustrar tal percepção. No que tange ao campo da arquitetura, o livro citado anteriormente (Outra Arquitetura na América Latina) apresentou-me a um grupo de arquitetos que buscavam transcender tal dependência. Esse grupo foi sendo formado através das poucas oportunidades de se discutir a arquitetura de países na América Latina, tais como algumas bienais e algumas exposições de arte. Tal compartilhamento de visões em comum possibilitou o surgimento, na década de 1980, dos Seminários de Arquitetura Latino-americana, 20
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cujo material se converteu em um conjunto referencial de extremo interesse a ser analisado, questionado e apreendido neste trabalho. Uma forte razão para a inserção da discussão sobre os seminários foi sua perduração ao longo dos anos - I Buenos Aires, Argentina, 1985; II Buenos Aires, Argentina, 1986; III Menizales,1987; IV Taxcala, 1989; V Santiago de Chile, 1991; VI Caracas, 1993; VII São Carlos, 1995; VIII Lima, 1999; IX San Juan, 2001; X Montevideo, 2003; XI Oaxtepec, México, 2005; XII Santiago de Chile Chile, 2007; XIII Panamá, 2009 XIV Campinas, 2011; XV Bogotá, 2013. A décima sexta edição do evento terá como tema: “O arquipélago latinoamericano: trânsito do sincretismo para heterotopia” (Fonte: http://www.iaa.fadu.uba.ar/?p=6686) O comitê organizador do SAL XVI convoca de maneira oficial a participar do evento que se realizará em Santo Domingo durante os dias 2,3,4,5 e 6 de novembro de 2015 e estende o convite a estudantes, docentes investigadores e arquitetos em exercício para participar das palestras que se apresentarão durante o evento. (http://www.iaa.fadu.uba.ar/ wp-content/uploads/2015/04/Convocatoria_SAL_XVI.pdf. Acesso em 13 de julho de 2015, às 17:50hs)
Ao longo dos anos, os encontros foram sofrendo transformações, sempre reverberando o pensamento e as discussões que cada ponto da história da crítica arquitetônicourbanística latino-americana apresentava. Jorge Ramírez Nieto escreveu em 2005 um texto contendo uma análise sobre o direcionamento do evento ao longo de suas edições e buscou responder à seguinte questão: “Qual a pulsão, permanência, transcendência, do pensamento arquitetônico que tem sido implantada no continente após o início dos SAL?” (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 01) Em vias de resposta, o autor agrupou os eventos em três blocos: “As propostas como manifestação de resistência” - compreendendo o I, II, III e IV SAL; “Ante a dúvida de assumir a desesperança, ou promover a busca de um novo sentido” - do V ao VII SAL; e 21
“Entre a crise ideológica e as ideias de esperança. Ou a síndrome da Ave Fénix.” - do VIII ao XI SAL (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 02). O primeiro bloco, como a própria nomeação dada a ele indica, foi caracterizado por movimentos de resistência ligados as questões relativas a identidade e ao regionalismo. Também neste período foram realizadas ações concretas para o que o autor chama de “atitude latino-americana” (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 08) e o uso adequado da modernidade – expresso no conceito de modernidade apropriada. O segundo bloco caracterizou-se, segundo o autor, por uma tentativa de revisar as temáticas abordadas nos seminários anteriores. Entretanto, o desânimo dos participantes ao longo das edições e a sensação de “haver superado as discussões fundamentais” (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 06) fez com que a introdução de novos temas fosse realizada. A constatação da destruição de uma ordem que nos havia sustentado durante um largo período de tempo pode conduzir à desesperança, ou também pode despertar a urgência por criar uma ordem diferente que nos permita orientar nosso caminho. Em um continente urgente por cumprir necessidades vitais insatisfeitas, onde os espaços vazios e os grupos humanos clamam por projetos que os deem sentido, no qual o contraste entre o desejo, a intenção e a possibilidade adquirem tantas vezes características dramáticas, pode haver lugar para a desesperança? Uma exigência ética profunda nos impulsiona para a busca de um novo sentido, na intenção de compreender a ordem do caos, na necessidade de descobrir significados no que aparenta insignificância, a urgência em inventar soluções para o que é aparentemente sem solução. (WAISMAN, 1995, p. 119 apud RAMÍREZ NIETO, op cit, p. 07)
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No último bloco, os encontros passaram a ser marcados pela presença de novas gerações de arquitetos. Assim os temas como “o lugar e a expressão local, a profissionalização das formas de pensar, historiar e criticar” (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 07) foram reeditados, reelaborados e apresentados de maneiras distintas ao longo das edições. Temas como os programas acadêmicos e a importância das investigações realizadas por meio de teses de mestrado e doutorado também foram elementos marcantes nos seminários do período. Com relação às últimas edições (do XII ao XV), nenhum material que realizasse uma análise crítica foi encontrado. Aqui foram abordados os cinco seminários da primeira fase e o primeiro seminário da segunda fase. A escolha desse recorte temporal se deu, em uma primeira instância, pelo caráter introdutório das questões relativas à América Latina, e em uma segunda instância pela qualidade e quantidade de materiais encontrados sobre o período. O V SAL veio como elemento chave para a introdução da práxis no trabalho, pois nele teoria e prática foram mesclados. A proposição objetivada pela organização do evento, que será melhor detalhada no capitulo terceiro deste trabalho, consistia na realização de um projeto para uma situação “tipo” já existente – cidade antiga com fachada contínua, periferia marginal, cidade jardim. A partir da análise de todas as propostas apresentadas, naquele evento, almejava-se traçar uma espécie de conjunto de orientações para a prática projetual em regiões latino-americanas. Ou seja, buscava-se unir discurso e projeto em um só elemento, visando a construção de uma teoria própria da América Latina e para a América Latina.
Discurso
Discurso/Práxis
Práxis
Quem são.
O que pensam.
O que pensam.
Como fazem.
O que penso enquanto participo. O que proponho.
F2 - Diagrama ilustrativo do processo de construção do trabalho.
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Partindo daí, este trabalho buscou, em seu último capítulo, demonstrar uma síntese (a título de sugestão) de algumas das possibilidades de desdobramentos que a interação entre os dois universos (teórico e prático) podem gerar, quando esta se realiza de maneira a intercambiar os conhecimentos da cultura acadêmica/erudita com a da cultura popular. Assim, o capítulo intitulado “olhar para dentro” nada mais é do que uma complementação das discussões anteriores e não apresenta-se, portanto, como um “produto final”, mas como um incentivo à perpetuações.
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ADENTRE
AO DIÁLOGO 27
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AMÉRICA LATINA A expressão América Latina foi utilizada pela primeira vez no ano de 1856, derivada de um processo que perpassou pelo uso do latim, pelo conceito de latinidade e pelo desejo de diferenciar países latinos de anglo-saxões3. As duas Américas4 Mais isolados se encontram, desunidos, Esses povos nascidos para aliar-se; A união é o seu dever, sua lei, amarem-se; Têm igual origem e missão A raça da América Latina, Tem a frente a raça Saxã, Inimiga mortal que já ameaça Destruir sua liberdade e sua bandeira. José Maria Torres de Caicedo, 1856
Apesar das raízes do termo estarem diretamente ligadas ao império francês de Napoleão III, o autor do poema acima transcrito tinha por intuito comunicar, tanto às colônias americanas quanto aos países europeus de língua espanhola, sua contrariedade com relação ao expansionismo
Segundo João Feres Júnior (2005), o Latim foi a língua falada na região de Lácio, localizada no centro-leste da Itália. Foi incorporada à Roma no séc. 3 a.C., e foi difundido pela Europa através das conquistas do Império Romano. Com a dominação e a imposição da língua nas novas regiões, surgiram as línguas neolatinas – espanhol, francês, português. O conceito de latinidade, por sua vez, foi desenvolvido durante o panlatinismo na França de Napoleão III e compôs parte de “...um projeto imperialista [...] que incluía a submissão das ex-colônias ibéricas do continente americano” (QUENTAL, 2012, p. 65) à soberania francesa. O império de Napoleão disputava com o império inglês a conquista de territórios na América. Assim, a necessidade de diferenciar o que pertencia à França do que pertencia à Inglaterra tornou-se eminente. A partir de então, tal diferenciação “foi introduzida pela intelectualidade política francesa [...] para traçar as fronteiras, tanto na Europa, como nas Américas, entre anglo-saxônicos e latinos” (MIGNOLO, 2003, p. 59 apud QUENTAL, 2012, p. 64). O termo Anglo-Saxão “... surge do processo de invasão que os povos anglos e saxões juntos realizaram na Inglaterra após a saída das legiões romanas. A origem linguística desses povos remete-se ao dialeto germânico/teutônico, língua que também foi imposta às populações
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conquistadas.” (QUENTAL, 2012, p. 64). 4 Texto original: “Las dos Americas / Mas aislados se encuentran, desunidos, / Esos pueblos nacidos para aliarse: / La unión es su deber, su ley amarse: / Igual origen tienen y misión; / La raza de la América latina, / Al frente tiene la sajona raza, / Enemiga mortal que ya amenaza / Su libertad destruir y su pendón.” Extraído de QUENTAL (2012), p.65.
territorial dos EUA. Nascido na Colômbia e residente em Paris, o jornalista e criador do poema citado acima declarava abertamente seu pensamento anti-imperialista e, portanto, encontrava-se desvinculado dos interesses de Napoleão. Sua ideologia consistia na criação de uma “confederação de repúblicas latino-americanas [cuja] base [...] estaria na herança latina comum a esses povos” (QUENTAL, 2012, p. 65). Entretanto, todas as suas tentativas foram falhas e o que se disseminou ao longo da Europa na época foi a perspectiva Anglo-Saxã: um forte sentimento de contrariedade com relação à Espanha e ao que ela remetia. No século XVI, em razão das disputas religiosas e do grande poder que a Coroa Espanhola possuía na Europa de então, ampliando seus domínios territoriais e inspirando terror com suas forças armadas, forjou-se na Grã-Bretanha e em muitos países europeus um forte sentimento antiespanhol, fato que tornou comum, na língua inglesa, expressões e referências pejorativas a tudo que estivesse de alguma forma relacionado às coisas espanholas. Esse sentimento antiespanhol, conhecido como Lenda Negra, atravessou o Atlântico com os colonos ingleses e vicejou nos Estados Unidos. (QUENTAL, 2012, p. 66)
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Assim, o termo América Latina passou de elo de ligação entre hispânicos e americanos para uma maneira pejorativa de referir-se às colônias de línguas neolatinas no continente. Um século depois, a doutrina do Destino Manifesto (1823) entrou em vigor nos Estados Unidos. E o termo que relacionava a superioridade anglo-saxã europeia passou também a representar a superioridade norte-americana sobre o restante do continente. No artigo “A América Latina vista do alto”, João Feres Júnior faz uma análise da obra de Lars Schoultz (1998), considerada uma das “[...] contribuições mais importantes ao estudo da história das relações entre EUA e América Latina publicada nos últimos anos” (FERES JÚNIOR, 2005, p. 183). Nela, o Destino Manifesto é descrito como uma teoria baseada na superioridade da civilização branca, ocidental, de origem europeia e anglosaxã que estaria predestinada por Deus a liderar a humanidade. De caráter messiânico, racista e imperialista, o Destino Manifesto é considerado como “elemento formador da identidade nacional [estadunidense]” (FERES JÚNIOR, 2005, p. 184). Fundamentadas nessa doutrina, foram realizadas a guerra contra o México e a posterior anexação dos territórios hoje conhecidos como Califórnia, Nevada, Utah, Colorado, Novo México e Arizona. Schoultz revela a atitude de superioridade americana já nos primeiros anos de existência da República. John Quincy Adams, o sexto presidente americano, tinha um parco conhecimento dos países do Sul, mas um grande desprezo por tudo que fosse católico e espanhol. Adams estava convencido de que os povos que habitavam o sul do continente não tinham competência para adquirir autonomia nacional. Na qualidade de Secretário de Estado do quinto presidente americano, James Monroe, Adams participou da concepção daquela que se tornaria a ferramenta ideológica mais potente da política internacional americana: a doutrina Monroe. Segundo essa declaração unilateral de intenções, “os EUA consideram
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toda tentativa por parte das potências europeias em expandir seu sistema político sobre qualquer parte desse hemisfério uma ameaça à nossa paz e segurança […]. Consideram também qualquer intromissão com o propósito de oprimir os recém-liberados países do continente 5
O peruano Aníbal Quijano é sociólogo, professor da Universidade de San Marcos, Lima, Peru. Foi professor visitante do IEA e integra o Conselho Editorial da revista “Estudos Avançados”. (CODO, 2015)
como uma manifestação de más intenções contra os Estados Unidos” (ALLMAN, 1984). O objetivo principal de tal bravata era mostrar à Sagrada Aliança que os EUA estavam prontos para resistir a qualquer invectiva transoceânica. Interessante é notar que os novos países do Sul são tratados pela doutrina Monroe puramente como objetos, e não como interlocutores. Com o passar do tempo, a sedimentação ideológica promovida por muitas gerações de políticos americanos, de Quincy Adams a Bill Clinton, transformaram a Doutrina Monroe de discurso eminente defensivo em justificativa de intervenção política e militar. (FERES JÚNIOR, 2005, p. 183)
DOM QUIXOTE As relações entre a América Latina e o processo de colonização não param por aí – em seu passado histórico. Em “Histórias locais / Projetos Globais: colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar,” o semiólogo argentino Walter D. Mignolo (2003) faz uma análise sobre a relação entre modernidade e colonialidade. Para compreender tal pensamento, serão introduzidos aqui os conceitos utilizados pelo autor: colonialidade do poder e transmodernidade. O conceito de “Colonialidade do poder” foi desenvolvido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano5 e ilustrado no artigo “Dom Quixote e os Moinhos de Vento na América Latina”. Nele, o autor peruano faz uma analogia interessante entre as ações de Dom Quixote e a Idade Média centro-europeia, e entre os moinhos e a queda do mundo muçulmano-judeu:
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A fabulosa cena na qual Dom Quixote arremete contra um gigante e é derrubado por um moinho de vento é, seguramente, a mais poderosa imagem histórica de todo o período da primeira modernidade: o des/ encontro entre, de um lado, uma ideologia senhorial, cavalheiresca – a que habita a percepção de Dom Quixote –, à qual as práticas sociais já não correspondem senão de modo fragmentário e inconsistente e, de outro, novas práticas sociais – representadas pelo moinho de vento – em vias de generalização, mas às quais ainda não corresponde uma ideologia legitimadora consistente e hegemônica. [...] Não por acaso, o moinho de vento era ali uma tecnologia procedente de Bagdá, integrada ao mundo muçulmano-judeu do sul da Península Ibérica, quando aquele ainda era parte da hegemonia árabe no Mediterrâneo; uma sociedade produtiva e rica, urbana, cultivada e de sofisticado desenvolvimento, o centro do tráfico mundial de mercadorias, de ideias e de conhecimentos filosóficos, científicos e tecnológicos; enquanto a “cavalaria” era o modelo de sociedade que os militarmente vitoriosos, mas social e culturalmente atrasados, senhores do Norte da península tratavam de impor, sem conseguilo de todo, sobre os escombros da derrotada sociedade muçulmanojudaica, avassalando e colonizando as comunidades autônomas da península. (QUIJANO, 2005, p. 10 e 11)
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F2 - Dom Quixote (1960), C창ndido Portinari.
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Entre. Latinoamérica.
A partir de tal analogia, Quijano elucida que o poderio ideológico europeu sobre a América Latina não se relaciona diretamente com sua “superioridade” na produção da subjetividade, mas com sua capacidade de colonializar através do poder (militar, bélico, econômico, etc.).
TRANSMODERNIDADE O conceito de “transmodernidade”, também utilizado por Mignolo para defender sua tese, foi desenvolvido por Enrique Dussel, argentino radicado no México. Em “Transmodernidad e Interculturalidad (interpretación desde la filosofía de la liberación)”, o autor descreve toda a trajetória de tal raciocínio e o ilustra através de um esquema gráfico, conforme imagem abaixo. A modernidade está no centro do gráfico. De ideologia europeia/norte-americana, foi incorporada por distintas culturas, mas somente atingiu uma parte específica da população em que foi inserida: a elite intelectual (representada pelas letras A’, B’, C’, D’ e N’). Os demais indivíduos dos grupos culturais (A, B, C, D e N) permaneceram com sua maneira de observar e vivenciar o mundo, guiada pela cultura local. Tal proposição consiste na construção de um pensamento que atravesse transversalmente a cultura. ‘Transversal’ indica aqui esse movimento que vai de periferia a periferia, do movimento feminista às lutas antirracistas e anticolonialistas. As ‘diferenças’ dialogam a partir de suas várias negatividades sem necessidade de atravessar o ‘centro’ da hegemonia. Frequentemente as grandes megalópoles têm serviços subterrâneos que vão desde os bairros suburbanos até o centro; mas falta a conexão dos subcentros suburbanos entre eles. Exatamente por analogia acontece com o diálogo intercultural. (DUSSEL, 2005, p.18)
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Para alcançar tal transmodernidade, o teórico descreve quatro movimentos principais que devem ocorrer: autovalorização, criação de uma crítica interna, atuação de uma crítica “fronteiriça” e a ação do tempo.
F3 - Modelo aproximado para compreender o sentido de trans-modernidade cultural (2005), Enrique Dussel.
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A autovalorização, como o próprio nome esclarece, consiste no conhecimento intenso de todos os momentos culturais que estão presentes na cultura em questão e que se encontram negados ou simplesmente depreciados pela Modernidade. A exterioridade não é pura negatividade. É positiva a partir de uma tradição diferente da moderna. Sua alegação é novidade, desafio e subsunção do melhor da Modernidade. Por exemplo, nas culturas indígenas da América Latina existe uma visão da Natureza completamente diferente e muito mais equilibrada, ecológica e hoje mais necessária do que nunca, que o modo como a Modernidade capitalista confronta dita Natureza como exportável, vendível e destruível. A morte da Natureza é suicídio coletivo da humanidade, e, no entanto, a cultura moderna que se globaliza nada aprende a respeito da Natureza de outras culturas, aparentemente mais “primitivas” ou “atrasadas”, segundo parâmetros desenvolvimentistas. Este princípio ecológico pode também integrar o melhor da Modernidade (não deve negar toda a Modernidade através de uma identidade substantiva purista de sua própria cultura), para construir ainda desenvolvimentos científicos e tecnológicos a partir dessa experiência da mesma Modernidade. (DUSSEL, 2005, p. 24)
O segundo movimento deve ocorrer após o conhecimento profundo da cultura estudada, tornando possível o surgimento de uma crítica interna que considere os valores tradicionais e os faça ponto de partida para novas possibilidades interpretativas da própria cultura. No gráfico acima, essa etapa do processo corresponderia à compreensão completa da esfera cultural na qual o próprio indivíduo está incluído (seja A e A’; B e B’; C e C’; D e D’ou N e N’). O diálogo então entre os criadores críticos de suas próprias culturas já não é moderno nem pós-moderno, mas estritamente “transmoderno”,
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porque, como temos indicado, a localização do esforço criador não parte do interior da Modernidade, mas de sua exterioridade, ou melhor, de seu ser “fronteiriço”. (DUSSEL, 2005, p. 24)
O papel dos críticos “fronteiriços” a partir desse instante se tornaria fundamental. Estes, “vivendo a biculturalidade das ‘fronteiras’, podem criar um pensamento crítico” (DUSSEL, 2005, p. 24) e seriam capazes de promover um intercâmbio horizontal, sem qualquer tipo de imposição para com as formas de analisar a realidade. Por fim, haveria a necessidade de um último movimento: a atuação do tempo, da maturidade e da persistência. Descrito como fundamental para a construção de um processo saudável, esse tempo de cultivo faz parte da estratégia de crescimento de uma “utopia” transmoderna – como descrita pelo próprio autor.
DESCOLONIZAÇÃO INTELECTUAL Munidos da definição de colonialidade do poder e de transmodernidade, podemos compreender o que Mignolo chama de gnose ou pensamento limiar. Estes seriam construídos a partir da reflexão crítica sobre como o conhecimento é produzido e agiria na busca de uma redistribuição dos centros de poderes epistêmicos, objetivando reconfigurar as formas de saberes que são pautadas nos cânones das ciências eurocêntricas. De maneira prática, a gnose limiar pode ser compreendida como o terceiro movimento descrito por Dussel, pois atua entre os colonialismos modernos e a cultura que é tida como subalterna. O autor ressalta que o intuito da gnose limiar não é o de sincretizar ou tornar híbridas as duas formas de pensar (subalterna e moderna), mas sim de atuar contra a subalternização e, ainda, como ratificação da existência de um colonialismo intelectual moderno. O pensamento limiar é, portanto, uma “máquina para descolonização intelectual e, portanto, para a descolonização política e econômica” (MIGNOLO, 2003, p. 76). 38
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Os estudos pós-coloniais, aos quais pertencem os trabalhos supracitados, buscam a compreensão do imperialismo e das influências desse tanto na escala global quanto em uma escala local. Esta abordagem envolve: um constante questionamento sobre as relações entre a cultura e o imperialismo para a compreensão da política e da cultura na era da descolonização; o autoquestionamento crítico, porque solapa as próprias estruturas do saber, ou seja, a teoria literária, a antropologia e a geografia eurocêntricas; engajamento do crítico, porque sua preocupação deve girar em torno da criação de um contexto favorável aos marginalizados e aos oprimidos, para a recuperação da história, da voz e para a abertura das discussões acadêmicas para todos; uma desconfiança sobre a possível institucionalização da disciplina e a apropriação da mesma pela crítica ocidental, neutralizando a sua mensagem de resistência (Parry, 1987 apud BONNICI, 1998, p. 9).
O presente trabalho não pretende negar a importância dos grandes avanços alcançados na produção das mais diversas áreas de conhecimento (científico, filosófico, etc.) de países como os EUA e europeus. A importância das descobertas realizadas para melhoria da qualidade de vida da população mundial é inegável. O questionamento que autores como Quijano e Mignolo realizam referem-se ao grau de superioridade em que o conhecimento europeu é colocado, quando comparado ao latino americano e principalmente pelas consequências diretas que tal postura produz: a subestimação do valor da cultura iberoamericana. Apesar dos estudos pós-coloniais ganharem notoriedade somente no século XXI, a crítica à dependência epistemológica de americanos para com os países “centrais” já era realizada por alguns artistas há quase um século. Um deles é o artista plástico uruguaio 39
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F5- Mapa Invertido da América do Sul (1943), Joaquín Torres-García.
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Joaquim Torres-García, cujo trabalho mais conhecido é o “Mapa invertido da América do Sul”. Produzido no ano de 1943 e acompanhado pela frase “nosso Norte é o Sul”, o mapa subverte dois elementos principais que são expressos nas cartografias tradicionais: hierarquização e referenciamento. Sales (2014) explica que a primeira se expressa através da localização dos países – os desenvolvidos encontram-se ao norte da Linha do Equador (ou seja, em posição superior) e os subdesenvolvidos ao sul (em posição inferior). A segunda expressa-se no símbolo gráfico que referencia geograficamente os mapas: o Norte. A autora elucida ainda que os mapas cartográficos surgiram para atender a uma necessidade europeia de catalogar e traçar rotas marítimas e terrestres ao longo do globo, principalmente após as grandes navegações. Portanto, nada mais natural que o ponto de partida/referência desses documentos fosse a própria Europa. O que o artista questiona, entretanto, é o enraizamento desses elementos no inconsciente coletivo, que se manifestam através da constante sensação de inferioridade, de periferia com relação aos países centrais, mesmo após séculos de independência. Isso é porque nós agora viramos o mapa de cabeça para baixo, e agora nós sabemos qual é nossa real posição, e não é como o resto do mundo gostaria que estivéssemos. De agora em diante, [...o] alongamento da ponta da América do Sul irá apontar insistentemente para o Sul, nosso Norte. Nossa bússola também, ela vai inclinar irremediavelmente e para sempre na direção do Sul, da direção do nosso pólo. (TORRESGARCÍA, 1992, p. 53. apud SALES, 2014)
Outro artista que teve papel importante na inserção do questionamento sobre o imperialismo exercido pelos países “centrais” foi chileno Alfredo Jaar. Intitulado de “A Logo for America”, sua obra consistia em uma animação exibida nos grandes telões da avenida Times Square de 1987. Sobre o contorno do mapa dos EUA, a primeira cena da 41
animação apresentava o texto “Isso não é a América” (This is not America). Assistida por milhares de turistas que visitavam a referida avenida, essa projeção se aproveitou da oportunidade de questionar e alertar sobre a soberania política, econômica e social dos EUA para com os demais países do continente. Após trinta anos dessa exibição, um projeto de arte pública denominado “Midnight Moment” (Momento da meia-noite) reexibiu a obra de Jaar. Como parte da exposição “Under the Same Sun: Art from Latin America Today” (Sob o mesmo sol: arte da América Latina hoje) 6, em 01 de agosto de 2014, a reexibição na mesma localidade possibilitou a constatação de que, após três décadas, a palavra “América” permanece sendo erroneamente utilizada para denominar a um único país, e não a um continente. Em entrevista à organização do evento, Jaar explicita: A língua não é inocente e reflete uma
realidade
geopolítica.
O
uso da palavra América nos EUA, erroneamente referindo-se apenas aos EUA e não a todo o continente, é uma manifestação clara da dominação política, financeira e cultural dos EUA para com o resto do continente. (JAAR,
Alfredo;
2014.
em:
http://www.timessquarenyc.
org/mediapress/news-
Disponível detail/index.
aspx?nid=177#.VUkFTflVikp)
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Organizado pela Coligação Publicidade Times Square em parceria com a Times Square Arts, o projeto visa utilizar os painéis eletrônicos como telas artísticas. Diariamente à meia-noite são exibidos trabalhos de arte digital de maneira sincronizada durante três minutos. Mais informações em http:// www.timessquarenyc.org/ timessquarearts/projects/ midnightmoment.
O presidente da Times Square Alliance – empresa promotora da Times Square –, Tim Tompkins, ressalta o arrojo do questionamento do artista: “Em um lugar definido pela 42
Entre. Latinoamérica.
F6- Imagem da obra “A Logo for America” (2014), Alfredo Jaar.
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F7- Conjunto de imagens da obra “A Logo for America” (2014), Alfredo Jaar.
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Entre. Latinoamérica.
cultura americana, Jaar introduz uma nova definição da América para a Times Square” (TOMPKINS, Tim; 2014. Disponível em: http://www.timessquarenyc.org/mediapress/ news- detail/index.aspx?nid=177#.VUkFTflVikp). No âmbito da arquitetura, a visão pós-colonialista também se encontrava presente em obras de uma série de teóricos. Na Argentina, por exemplo, dois arquitetos, Marina Waisman e Ramón Gutiérrez, defendiam uma análise do patrimônio histórico e arquitetônico do continente de uma maneira mais coerente com o contexto em que foram inseridos. Buscavam, através de uma investigação mais próxima dos institutos de preservação locais, obter informações mais realísticas sobre a origem de tais elementos e ainda refletir sobre os papéis que os mesmos exercem na cidade contemporânea. Ambos são considerados como teóricos pertencentes à primeira geração de críticos latino-americanos, conhecida como “Escola de Córdoba”. Marina reuniu seus estudos, principalmente os realizados na década de 1980, em um livro intitulado “El interior de la história: historiografía arquitectónica para uso de latinoamericanos”, publicado em 1990. Nele, reforça que o conhecimento profundo da historiografia é necessário para a compreensão de como edifícios históricos são classificados dentro do contexto latinoamericano. Uma de suas pontuações refere-se ao modo de periodização utilizado: o sistema europeu, que se embasa em critérios estilísticos, ou seja, vale-se dos conjuntos de códigos arquitetônicos ocorridos em determinados processos históricos que possuem uma norma sintática própria (WAISMAN, 2013). Ela defende que esse modo de periodização é adequado para contextos onde há um tipo de desenvolvimento arquitetônico mais ou menos contínuo, onde os modos de produzir o objeto foram assemelhando-se e modificando-se de uma maneira mais ou menos coerente e que acabaram por gerar, por assim dizer, um estilo. Entretanto, para entendimento da arquitetura latino-americana, a aplicabilidade desse modo de periodização torna-se, sob vários aspectos, incoerente. 45
F8- Marina Waisman.
[...] na América Latina não ocorreu um desenvolvimento estilístico coerente, ou que permita descobrir uma continuidade nas ideias arquitetônicas, pois, ao longo dos séculos, a arquitetura baseou-se em ideias transculturadas, que foram interpretadas, modificadas ou transformadas de acordo com circunstâncias histórico-culturaltecnológicas locais. Os artífices locais, em geral, não tiveram a oportunidade de aperfeiçoar códigos e, posteriormente, de engendrar novas ideias a partir de suas soluções, que quase sempre tiveram o caráter de soluções terminais [...], precisamente pela constante intrusão de novas ideias europeias, adotadas ou impostas pela situação de dependência política e/ou cultural. (WAISMAN, 1993, p. 48)
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Entre. Latinoamérica.
Além das questões supracitadas, a autora destaca que as influências europeias chegam aos países latinos sem uma “ordenada sequência cronológica”, e por meio das mãos de artífices com estilos e formações teóricas distintas, sendo estes também grandes responsáveis pelo grande número de edifícios ecléticos ao longo do continente. A determinação de datações pode ocorrer de maneira errônea, haja vista a grande sobreposição de estilos em um único edifício. Gutiérrez, por outra via, realizava viagens ao redor da América Latina com o intuito de reunir dados e informações sobre a arquitetura do continente não datada nos livros. Sua importância na área historiográfica foi reconhecida pela UNESCO nos anos 1970, quando esta o nomeou consultor de temas relativos ao patrimônio cultural iberoamericano (DUPO, 2014). Os dados colhidos ao longo das pesquisas foram reunidos em uma série de artigos e livros, sendo o mais conhecido o “Arquitectura y Urbanismo en Iberoamérica”, publicado no ano de 1983 e utilizado como livro-base em várias universidades do continente. No mesmo período, o arquiteto chileno Enrique Browne produzia uma tese, baseada nos conceitos de Norberg-Schulz sobre espírito do lugar e de Alfred Weber sobre a estrutura interna da história, na qual buscava compreender como o espírito da época e o espírito do lugar atuavam na construção das cidades latino-americanas.
F9- Ramón Gutierrez.
A construção do primeiro conceito (espírito do lugar) tem 47
suas raízes nos escritos de Heidegger sobre o ato de habitar. Em “Habitar, construir, pensar”, o filósofo investiga a raiz etimológica da palavra e descobre que esta significa tanto “construir” quanto “ser”. Ou seja, o habitar compreende não só a construção física (edificar), mas também uma construção de subjetividade (o ato de ser). Para Norberg-Schulz, compreender tal relação (entre ser e construir) valeu-se da linguística, da Gestalt (psicologia da percepção) e da fenomenologia. Esta última, quando aplicada no âmbito da arquitetura, foi definida como a “capacidade de dar significado ao ambiente mediante a criação de lugares específicos” (NESBIT, 2008, p. 443). Assim, através de uma investigação profunda, Schulz se volta para as ações humanas realizadas na ocupação de um determinado espaço. A primeira e primordial é o “cercamento”, ou seja, o isolamento e a demarcação do território apropriado pelo indivíduo. Tal ato, além de ser arquétipo da construção, é considerado “a verdadeira origem da arquitetura” (NESBIT, 2008, p. 443), pois a escolha de uma área para protegerse contra a austeridade da natureza transforma um espaço (região tridimensional dotada de fenômenos naturais) em algo que se possa habitar (ou seja, em um lugar). O grupo de elementos construídos pelo homem que criam o lugar – texturas, formas, cores, composições – gera um determinado “caráter peculiar ou ‘atmosfera’“ (NORBERGSCHULZ, 1976 apud NESBIT, 2008, p. 445), os quais são definidores de sua essência. Na linguagem comum, diz-se que atos e acontecimentos têm lugar. [...] Então, o que se quer dizer com a palavra “lugar”? É claro que nos referimos a algo mais do que uma localização abstrata. Pensamos numa totalidade construída de coisas concretas que possuem substância material, forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam uma “qualidade ambiental”, que é a essência do lugar. (NORBERG-SCHULZ, 1976 apud NESBIT, 2008, p. 444)
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F10 - Enrique Browne.
Entre. Latinoamérica.
A essência do lugar é introduzida pelo arquiteto por meio da antiga noção de genius loci, que tem suas origens na civilização romana. Na Roma antiga, acreditava-se que todo ser “independente” possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu caráter ou essência. [...] O genius denota o que uma coisa é, ou o “que ela quer ser”, para usar uma expressão de Louis Kahn. (NORBERGSCHULZ, 1976 apud NESBIT, 2008, p. 454)
Assim, a definição de espírito do lugar nada mais é do que o conjunto de características presentes em um determinado lugar que o tornam único.
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A segunda definição, a de espírito da época, é retirada dos escritos de Alfred Weber sobre a teoria estrutural interna da história. Segundo ela, três elementos principais devem ser levados em consideração ao analisar um evento histórico: o processo civilizatório, o processo social e o movimento cultural. O primeiro é de caráter universal e abrange as descobertas que possibilitam uma maior taxa de sobrevivência humana na Terra (descobertas médicas, técnicas, a imagem do mundo e do Eu, etc.). O segundo compreende o desenvolvimento de processos políticos, sociais, econômicos, ou seja, a gama de elementos que caracterizam determinada sociedade. E o terceiro se refere ao “mundo metalógico de vivências, valores e símbolos que os povos vão sedimentando historicamente” (BROWNE, 1988, p. 11), ou seja, ao mundo de crenças, mitos e tradições que um povo possui. Contrariando a definição mais conhecida para espírito da época – cujas origens encontramse na expressão zeitgeist, amplamente divulgada por Hegel –, ou ainda as definições posteriores que a caracterizava como uma espécie de “perfil da época” (BROWNE, 1988, p. 12), dentro da teoria de Weber o termo refere-se ao processo civilizatório, por duas razões principais. A primeira delas é que tanto Hegel quanto os demais autores mesclaram duas esferas distintas: o movimento cultural e o processo civilizatório. “Gostemos ou não, pertencemos ao nosso tempo e compartilhamos de suas opiniões...e também de seus erros. Todos os artistas carregam a marca de sua época, mas os maiores artistas são aqueles em que estas marcas estão profundamente marcadas”. Anos mais tarde, completava que “nossos sentidos têm uma idade de desenvolvimento que não vem do ambiente imediato, mas de um momento da civilização. Nascemos com a sensibilidade de uma época da civilização”. (MATISSE, 1977 apud BROWNE, 1988, p.12)
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Entre. Latinoamérica.
A segunda razão é que somente o processo civilizatório é considerado o denominador comum entre várias sociedades, além de ser propagado “com velocidade crescente por todas as partes” (BROWNE, 1988, p.11). Ou seja, também é capaz de influenciar a maneira como as duas outras esferas se manifestam e de implantar certo grau de uniformidade ao redor do globo. A partir das duas instâncias definidas anteriormente, o trabalho de Enrique Browne buscou compreender a tensão existente entre “espírito da época” e “espírito do lugar”, que observou ao analisar a produção contemporânea de arquitetura na América Latina. Também no Chile, Crístian Fernandéz Cox realizava estudos sobre a América Latina, mais especificamente no que tange à arquitetura e a cultura locais. Seu discurso mais conhecido foi em defesa de uma “modernidade apropriada”. A definição que Hugo Segawa faz em “Arquitectura latinoamericana contemporánea” (2005) ilustra com grande clareza o pensamento de Crístian:
Ao propor uma “atitude endocêntrica” preocupada com a criação de uma identidade “potente e original em sua realidade”, Fernández Cox especulava com o triplo sentido do termo “apropriada” para abarcar a riqueza e a diversidade de sua conceituação: 1) “apropriada” enquanto “adequada” à realidade latino-americana; 2) “apropriada” enquanto “feita própria”, assimilando as ideias, ciências, técnicas e modelos de uma maneira seletiva e conveniente à situação latino-americana; 3) “apropriada” enquanto “própria”, respondendo a situações exclusivamente peculiares, frutos de uma autêntica criatividade latino-americana. (SEGAWA, 2005, p. 51)
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F11 - Cristián Fernández Cox.
É possível citar uma série de outras teses e autores que tratavam o tema arquitetura e urbanismo na América Latina de forma abrangente, coerente e original: Rogelio Salmona e Silvia Arango na Colômbia; Ruth Verd Zein e Severiano Porto no Brasil; Antonio Toca no México, e tantos outros mais.
Mas a questão que gostaria de introduzir agora é: o que impedia que esses elementos se encontrassem e trocassem as informações que colhiam? A primeira razão descrita por estudiosos (SOUZA, 2014) encontra-se no desinteresse histórico que a grande maioria dos críticos de arquitetura vem carregando ao longo do tempo, no que diz respeito à produção de crítica latina. Como consequência do desinteresse, surge uma segunda razão: a baixa veiculação de informações sobre o tema. Sem discussões nos meios de comunicação utilizados por arquitetos (revistas, universidades, livros e artigos), muitos estudos realizados não alcançavam um grande público nem geravam interesse na sua discussão. Outra razão que necessita de destaque são os eventos políticos que ocorreram entre as décadas de 1960 e 1980: os regimes ditatoriais. Osvaldo Coggiola elucida em “Regimes Militares na América Latina” (2001) que a tensão mundial gerada pelo embate entre EUA e URSS foi utilizada como justificativa ideológica para a tomada de poder em vários países ao longo do continente americano. O governo estadunidense atuou diretamente na realização de tais golpes, e de maneira ainda mais ativa nos mais representativos do Cone Sul: os golpes boliviano, brasileiro e argentino. O primeiro deles (boliviano) ocorreu no ano de 1964. Anos antes, o país era governado 52
Entre. Latinoamérica.
por uma oligarquia agrária e de estanho conhecida por “os barões”. Na época, Patiño, Rotschild e Aramayo eram detentores de fortunas consideradas as maiores do planeta. A população mineira e camponesa se insurgiu no ano de 1952, derrubou o exército e impôs a reforma agrária e a nacionalização do complexo mineiro – com indenizações compensatórias e de maneira burocrática. O Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), formado pelas milícias camponesa e operária, buscou restituir tanto a ordem no velho Estado quanto as Forças Armadas do país. Para esta última, contou ajuda dos EUA – através de créditos e de missões militares. Após a restituição do exército, René Barrientos Ortuño movimentou os militares com apoio estadunidense e destituiu do poder o MNR, instituindo o regime ditatorial. No golpe brasileiro, a justificativa ideológica da intervenção estadunidense foi mais evidenciada: Quando assumi o cargo, até mesmo antes, estávamos conscientes de que o comunismo estava corroendo o governo do presidente Goulart, de uma forma rápida, e antes de chegar ao cargo já tínhamos uma política destinada a ajudar governadores de certos estados. (Thomas Mann, Secretário de Estado para Assuntos Internacionais dos Estados Unidos apud COGGIOLA, 2001, p. 14)
A intervenção se deu através da atuação intensa da embaixada estadunidense nas decisões políticas do país. Diante de um quadro desfavorável aos interesses econômicos dos EUA no Brasil – pressão de sindicatos e da Liga Agrária, requisição de CPIs para investigações de multinacionais (como a Volkswagen), por exemplo –, o embaixador Lincoln Gordon censurava e criticava indicações para os ministérios e assessoria do presidente, opinava sobre projetos e iniciativas governamentais. A ajuda financeira veio da Aliança para o Progresso e os programas de “auxílio às ilhas de sanidade administrativa” (COGGIOLA, 2001, p. 14) forneceu verbas aos governadores que eram considerados hostis ao governo,
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objetivando incentivar os que tinham por meta minar o Poder Executivo Federal. A tomada de poder pelos militares deu-se sem a necessidade de combate físico. Sem grandes esforços, em 1964 João Goulart foi deposto e iniciou-se um duro período ditatorial no país. No caso argentino, após a retirada de poder do governo peronista pelo partido civil União Cívica Radical (UCR), no ano de 1955, o país passou por uma crise administrativa devido à grande instabilidade das gerências dos partidos civis. A intervenção e o golpe militar ocorreram anos depois, em 1966, sob o comando de Juan Carlos Onganía e tinham como intuito refundar institucionalmente o país. A economia do período tinha como elemento importante a burguesia industrial, representada pela família Varsena. Além de movimentar a economia, um de seus membros, Adalbert Krieger Vasena, era detentor de “umas 15 filiais de empresas norte-americanas” (COGGIOLA, 2001, p. 18) e desenvolvia no país uma relação cada vez mais próxima e dependente do capital estadunidense. Segundo o autor, através de um regime de racionalização e exploração, Krieger auxiliou em muito o alcance dos altos índices de crescimento da indústria no período: 5,5% ao ano contra 1,4% da agricultura. Para tanto, aumentou a produtividade dos trabalhadores em 100% e reduziu seus salários em cerca de 30%, gerando fome, desemprego e instabilidade política no país.
Embora possibilitasse uma maior abertura para a produção de capital pelas multinacionais, o regime militar no país foi o que menos rendeu lucros aos EUA. O capital financeiro internacional optou por apropriar-se do capital existente ao invés de aventurar-se em outras formas de investimento. A importância do golpe foi, no fim, maior sob o ponto de vista político e estratégico do que econômico para o governo estadunidense, pois sua maior conquista foi exercer a hegemonia sobre três países significativamente importantes do Cone Sul: Bolívia, Brasil e Argentina. Tais regimes chegaram a durar quase três décadas em alguns países e exerceram censuras à comunicação, controlando rigidamente o conteúdo produzido em jornais, universidades e demais veículos de informação. Portanto, além da repressão civil e da busca de índices 54
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econômicos favoráveis ao capital estrangeiro, os golpes militares filtravam o que era possível compartilhar ou não com outros países. No âmbito da arquitetura, da antropologia e do urbanismo não foi diferente. Apesar dessa mancha na história do continente, novas conexões foram criadas ao longo do tempo. Em 1977, em Santiago do Chile, foi realizada a primeira Bienal Internacional de Arquitetura, que reuniu países do Cone Sul. Dois anos depois, em Quito, outra bienal reuniu pela primeira vez países andinos. Em 1980, o Encontro Latino-americano de Cáli articulou Uruguai (na figura de Mariano Arana), Cuba (com Fernando Salinas), Peru (com Juvenal Baracco) e México (com Ernesto Alba) para discutir cidade e arquitetura latino-americanas e foi considerado pelos colombianos como o primeiro seminário latino-americano de arquitetura realizado na América Latina (Souza apud ARANGO, 1995; SALMONA, 1988). Além dos encontros, as pesquisas e viagens de historiadores como Ramón Gutiérrez para a construção do livro “Arquitectura y urbanismo en Iberoamérica” (1984) e de Enrique Browne para a produção de “Otra arquitectura en América Latina” (1988), são citadas por Souza como “fatos coesivos” (RAMÍREZ NIETO, 2005 apud SOUZA, 2013, p.59 ) e promotores de interlocuções entre críticos. Algumas instituições, como o Taller América e o Centro de Arte y Comunicación (CAYC), também tiveram um papel comunicador importante no período. A primeira foi fundada em 1982 pela iniciativa do grupo do Colégio de Arquitetos do Chile (composto por Cristián Fernández Cox, Enrique Browne e Sergio Larraín), e a instituição tinha por intuito debater sobre “como a cultura ocidental se transforma quando se enraíza na América” (BROWNE, 1988, p. 17 apud SOUZA, 2013). Nos primeiros anos de atuação, Souza explicita que o grupo realizou, dentre outras atividades, um seminário ministrado pelo sociólogo Pedro Mandré no Museo Chileno de Arte Precolombiano, que buscou discutir o conceito de identidade cultural na América Latina. 55
Lembro que estávamos fascinados por um sociólogo chamado Pedro Morandé, que era muito influenciado por Octavio Paz. (...) Então convidamos pessoas e, claro, decidimos convidar alguém que fosse realmente dirigente e o nome óbvio era Sergio Larraín. (Enrique Browne em depoimento a SOUZA, 2013, p. 61)
O CAYC, apesar de não possuir um foco especificamente voltado para a produção da arquitetura da América Latina, acabou indiretamente influenciando de maneira positiva a inserção do Brasil no diálogo citado. A realização do seminário “Realidade e utopia no planejamento urbano no Brasil”, de Carlos Nelson dos Santos, no ano de 1983, a exposição da obra de Joaquim Guedes em 1978 e a parceria com a revista brasileira Projeto na organização das exposições “Arquitetura Brasileira Atual/ Arquitetura Argentina Atual” foram considerados como uma “oportunidade de maior aproximação com os outros países da América Latina”, a qual, nas palavras do editor da revista brasileira , “transformou-se numa obrigação, numa tarefa à qual não [se] pod[ia] fugir” (WISSENBACH, 1983, p. 3 apud SOUZA, 2013, p. 64).
O Centro, através das exposições, possibilitou a expressão de muitos críticos de arquitetura e a abertura do debate sobre o papel da América Latina no mundo. Na mostra “Arquitectura en Chile”, o arquiteto e curador Pedro Murtinho proferia: Assumimos, portanto, nossa dependência cultural e continuamos olhando em direção ao “centro”, porém, a partir de nossa ótica latino-americana. Isto não tem a ver com uma postura chauvinista ou folclórica. A crise de nossa cultura não está tanto em nossa própria produção, mas nas categorias conceituais com que os países do centro nos compreendem. (...) O sentido, portanto, que se dá à exposição de nossas obras, organizada pelo CAYC, é aquele de reunir esforços para nos apresentar como uma boa, sã e coerente periferia frente ao centro Europa-Estados Unidos. (MURTINHO, 1984, p. 2 apud Souza, 2013, p. 64)
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As revistas que circulavam nos países latinos especializadas em arquitetura e urbanismo passaram aos poucos a registrar tais eventos em suas publicações. Dentre as mais significativas é possível citar a colombiana PROA, a brasileira Projeto, a chilena ARS e a argentina Summa. Segundo Souza, a revista pioneira em comunicação entre países vizinhos foi a Summa que, no ano de 1970, inseriu correspondentes no Brasil e nos anos seguintes também no Chile e Peru. No início dos anos 1980, a revista PROA passou a divulgar não apenas a participação de arquitetos colombianos nas bienais, mas também as premiações destes e as temáticas principais abordadas. A revista ARS, em seus primeiros anos de existência, declarava o direcionamento de seu conteúdo: A revista ARS começa a partir deste número a publicação de uma série de artigos sobre a Arquitetura Contemporânea Latino-americana. Conscientes da falta de conhecimento e informação que existe sobre a própria realidade americana em nosso campo, o Centro de Estudios de la Arquitectura inicia esta ofensiva com a difusão de ensaios críticos, projetos e obras na revista ARS e, posteriormente, com conferências sobre o mesmo tema na sede do CEDLA. (ELIASH, 1979, p. 109 apud SOUZA, 2013, p. 60)
Eventos políticos, como a ditadura, afetaram de maneira negativa na comunicação do continente. Em contrapartida, outros eventos podem ser tidos como positivos, como combustível para promoção de novos diálogos. Este é o caso do combate argentino em território inglês, conhecido como Guerra das Malvinas, que modificou a visão da população argentina para com relação ao governo estadunidense. A Argentina, regida pelo regime militar, passava por uma forte crise econômica e política. Coggiola (2001) descreve que o alto índice de desemprego, a fome e as pressões sindicais movimentaram 10 mil trabalhadores em novembro de 1981 para a “Marcha dos Trabalhadores”, pedindo o fim da ditadura. O governo, temendo reações ainda 57
maiores dos poderes sindicais e de outros partidos políticos, colocou em prática um “recurso longamente preparado” (COGGIOLA, 2001, p. 80): a ocupação pelo Exército das Ilhas Malvinas, Georgias e Sandwich do Sul. O território que pertenceu à Argentina antes da colonização inglesa no século XIX foi confrontado em abril de 1982. Após a invasão, todos os setores da sociedade foram convocados para lutar em prol do país e sindicalistas então trocaram os protestos pelo fim da ditadura por manifestações em contestação do território. O fato ocorreu em meio à aliança criada entre os países latino-americanos e os EUA para combater uma suposta expansão do comunismo no continente. O grande desapontamento argentino se deu diante do posicionamento do governo estadunidense na guerra: favorável à Inglaterra. O país ofereceu, junto à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), apoio logístico aos ingleses garantindo boa vantagem militar. A guerra durou pouco. O comando militar argentino assumiu uma postura não combativa no conflito – sem depredações das instituições do “inimigo” (como bancos, empresas, etc.), sem mobilizações internacionais, sem hostilização das tropas inglesas. Os oficiais, segundo o autor, “tinham gastado mais tempo protegendo-se a si mesmos (e vendendo aos soldados as doações da população) do que na preparação da defesa militar” (COGGIOLA, 2001, p. 82). Milhares de soldados foram mortos e a revolta da população quase quebrou o regime. Além da perda dos soldados, a grande desmoralização nacional foi destacada, e o papel de árbitro dos EUA foi colocado em evidência. A Guerra das Malvinas demonstrou que, se por um lado, os exércitos latino-americanos não podiam ser indefinidamente simples marionetes do Pentágono, por outro lado, o “sistema pan-americano” não era indestrutível, nem lhe faltavam contradições internas. Bem entendido, as causas da rápida derrota militar argentina foram, antes de tudo, políticas (faz parte da mistificação do Exército Argentino sustentar que essas foram puramente militares). (COGGIOLA, 2001, p. 83)
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Diante do quadro apresentado, a revista Summa se manifestou. Em 1982, a editora da revista anunciou em seu editorial: A preparação de um número que mostrasse uma arquitetura argentina enquadrada na busca de valores próprios, locais e que se configurasse, portanto, uma expressão mais ou menos consciente de uma identidade nacional, se constituiu em um compromisso interno imediato em nossa Redação a partir da Guerra das Malvinas. Há acontecimentos que modificam substancialmente nossos pontos de referência, nossa escala de valores, e este foi um deles. (MOSQUERA MENDEZ, 1982, p.15 apud Souza, 2013, p. 69)
Souza descreve que, a partir desse momento, a revista passou a apresentar em suas publicações a política do “olhar para dentro” – primeiro com matérias sobre a produção argentina de arquitetura e depois sobre a produção latino-americana. Dentro deste contexto, foi realizada a I Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, em maio de 1985. Em sua programação foi inclusa a execução de um seminário que tratasse exclusivamente a questão latino-americana, e foram delegados a realizar essas tarefas a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Buenos Aires, o CAYC e a revista Summa. Conhecido como SAL (Seminário de Arquitetura Latino-americana), o seminário teve como tema “Identidade e Região” e em sessões matutinas, paralelas à Bienal, apresentou palestras de arquitetos como Pedro Murtinho, Enrique Browne, Mariano Arana, Rogelio Salmona, Laureano Forero, Severiano Porto e outros mais.
O seminário contou com um número significativo de participantes (entre arquitetos e estudantes) e foram feiras outras edições, outras tantas que perduram até os dias atuais. A 15ª edição foi realizada em Bogotá, na Colômbia, e já está sendo organizado o próximo encontro. 59
Assim, considerando o histórico de existência do encontro e, principalmente, o conteúdo de suas discussões, foi escolhido este evento em específico para guiar as discussões dos próximos capítulos. A infinidade de outros eventos, a pretensão que os trabalhos de graduação possuem e, ainda, a necessidade de fazer um recorte que viabilizasse a execução do trabalho fizeram também da escolha dos SALs uma alternativa saudável para estudo e apresentação. Eventualmente, outras referências serão inseridas pois, evidentemente, todas as manifestações além do seminário possuem grande importância na construção crítica do pensamento no continente.
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OLHARES 63
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SEMINÁRIOS DE ARQUITETURA LATINOAMERICANA Uma tese de doutorado, desenvolvida 30 anos após a ocorrência dos seminários aqui tratados, realizou um resgate histórico e colheu depoimentos dos personagens que construíram os Seminários de Arquitetura Latino-americana (SAL). Denominada “Tessituras híbridas ou duplo regresso: Encontros latino-americanos e traduções culturais do debate sobre o Retorno à Cidade”, a tese da arquiteta e urbanista Gisela Barcellos de Souza é um dos aparatos referenciais mais relevantes para a construção do presente capítulo. A partir dele, foram possíveis transcrições e acesso a materiais de arquivos pessoais dos participantes e estruturadores dos seminários. Um segundo material de referência foi um livro denominado “Arquitectura latinoamericana: pensamiento y 7 Tal referência foi extraída do 7 site do arquiteto e urbanista propuesta” publicado no ano de 1991 por meio Rafael Lopez Rangel e a de uma parceria entre a revista Summa, o CAYC e a localização de todas as citações Universidade Autônoma Metropolitana do México. referem-se ao arquivo digital Em ambas referências, a I Bienal de Buenos Aires é descrita como um evento que congregou arquitetos de várias regiões do globo: EUA, Europa, América do Sul, América Central, mas que tratou de maneira diferenciada os membros convidados. Os arquitetos europeus e norte-americanos tiveram suas apresentações realizadas em um teatro da cidade, o San Martín, e os demais arquitetos, nas dependências da Faculdade de Arquitetura de Buenos Aires. O fato ocorreu em meio aos questionamentos sobre as posturas que países “centrais”8 possuíam com relação ao restante do ocidente e no auge da postura
disponibilizado por ele e não à versão impressa publicada no período. Sendo assim, é necessário atentar para possíveis diferenças com relação à localização dos trechos descritos quando comparado com uma versão impressa original. (disponível em http:// www.rafaellopezrangel.com/ Historia%20SAL.htm) 8 “Centrais” aqui refere-se aos países que são tidos como referências na produção de conhecimento no ocidente: os países europeus além dos EUA e do Canadá.
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latino-americana do “olhar para dentro”6. A reação dos participantes ratificou o pensamento presente e, paralelo ao encontro, foi realizada uma reunião na Sociedade Central de Arquitetos Argentinos que “[...] discutiu, elaborou e referendou a ‘Convocatória para uma Proposta Iberoamericana de Arquitetura’9, posteriormente também nomeada de ‘Carta de Buenos Aires’” (SOUZA, op. cit, p.82). O documento foi um manifesto coletivo que teve como propósito reivindicar uma postura igualitária da sociedade no tratamento entre latino-americanos e não latino-americanos, e com a repercussão da carta no decorrer dos anos, o documento acabou caracterizando o SAL como uma espécie de movimento. A carta foi transcrita de maneira integral em um editorial da revista Summa, e de maneira sintetizada no livro “Arquitectura Latinoamericana: Pensamiento y Propuesta”:
9 “olhar para dentro” foi uma expressão muito utilizada pelos autores citados no trabalho (Marina Waisman, Ramón Gutiérrez, Lala Mosquera e outros mais) e refere-se a uma postura que busca conhecer a realidade sobre uma perspectiva própria. Nesse sentido, compreender a produção interna, as formas de manifestações culturais típicas da região e a maneira mais correta de adaptar influências ao contexto em que são inseridas, são maneiras de exercitar essa postura.
F12 - Cartaz do I SAL.
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CARTA DE BUENOS AIRES A comunidade de trajetórias históricas, a projeção unitária a partir de um destino em conjunto, as capacidades de nossos povos e suas desventuras comuns, nos fazem repensar a imprescindível visão de um horizonte cultural que sirva de marco para a nossa tarefa profissional. Não cabe mais na construção de nossas culturas nacionais e americanas a complacente atitude de transcrição da produção dos centros de pensamento arquitetônico. Isso não implica em desconhecer as qualidades e preocupações de uma produção arquitetônica universal, mas em avaliá-la criticamente em função de sua pertinência à nossa circunstância. Tudo isto significa uma nova práxis arquitetônica, uma revalorização do nosso entorno e nossa história, uma reflexão conceitual sobre nossas comunidades e um compromisso certo para melhorar a qualidade de vida de nosso povo, potencializando suas formas de interação social e de uso dos espaços. Essa ação arquitetônica evitará a alienação da realidade, aceitando as contradições evidentes de nossa circunstância atual. Sob esta perspectiva recomendamos às Escolas e Faculdades de Arquitetura a reorientação dos conteúdos de ensino, levando à formação de um arquiteto consciente e responsável pelo seu horizonte cultural Iberoamericano. Para isto, no ensino de Desenho e das Tecnologias será representada uma problemática concreta e comprometida com sua circunstancia local, regional e nacional. Nas áreas de Ciências Sociais e História se integrarão cursos específicos referentes a arquitetura de cada país e da Iberoamerica. Também se analisarão as políticas e critérios para a preservação do patrimônio arquitetônico herdado de modo a contribuir com a construção de nossa cultura e a integrá-la, através dos usos sociais, como uma solução para nossas necessidades. Com esta Convocatória nos constituímos como um grupo de discussões e propostas que encarará encontros periódicos ibero-americanos, bem como uma equipe de reflexão tendente à elaboração de uma teoria arquitetônica própria. (Ediciones Summa et al, 1985, p.85)
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O manifesto recebeu o aval de cerca de 150 arquitetos de várias nacionalidades logo após sua divulgação, ocorrida no fim da realização do primeiro seminário. Além do manifesto, pouco material foi publicado. Segundo Souza (2013), não havia certeza da continuidade do evento e muito menos consciência da proporção que o evento tomaria. Crônicas foram publicadas em duas edições da revista Summa (edições de números 217 e 235) e uma mesa redonda foi transcrita e publicada na mesma revista (número 214 e 235). Uma delas foi escrita pela argentina Marina Waisman e descreve de maneira sucinta a fala dos palestrantes bem como tece comentários sobre posturas e olhares em comum sobre a América Latina. De acordo com os escritos da arquiteta, a fala que Enrique Browne proferiu na palestra girou em torno da relação “espírito da época” e “espírito do lugar” e na maneira como estes contribuíram para a construção da arquitetura das cidades. Seu discurso em defesa de uma “outra arquitetura”, onde ambos os elementos teriam participação em proporções saudáveis e equilibradas, foi, para a surpresa de todos, ilustrado na produção de outro palestrante, o arquiteto brasileiro Severiano Porto. A surpresa foi Severiano Porto. Sua exposição se referiu, uma vez ou outra, sem grandes preâmbulos teóricos, suas intenções – muito bem realizada, aliás – de utilizar em cada lugar os materiais, as técnicas e a mão de obra existentes, mas sem nunca atar-se cegamente às tradições, muito pelo contrário, utilizando todos os recursos possíveis que os conhecimentos técnicos contemporâneos podem prover para melhorar soluções ou para inventar outras novas. Suas criações com madeira durante anos na distante Manaus, centro principal de seu trabalho, continuaram com o uso e a experimentação de outros materiais quando as circunstâncias assim o aconselhavam. A fórmula
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de Porto para uma arquitetura “do tempo e do lugar”, como diria Browne, parte, pois, da tecnologia. Mas uma tecnologia imaginativa, com as características que temos comentado. (Ediciones Summa et al, 1985, p.15)
F13 - Centro de Proteção Ambiental de Balbina(1968-89), Severiano Porto.
F14 - Croqui do Centro de Proteção Ambiental de Balbina(1968-89), Severiano Porto.
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A mesma perspectiva de Severiano foi observada na apresentação de Rogelio Salmona. Este, apresentou seu projeto para a Casa de Hóspedes Oficiais em Cartagena das Índias, Colômbia. O arquiteto colombiano, assim como o brasileiro, utilizou-se de uma técnica bastante difundida em seu país para a construção de edificações: o tijolo cerâmico. O texto descreve que apesar das possibilidades restritas que se apresentavam no país para a criação de uma arquitetura elaborada, o arquiteto dominou magistralmente o uso de tijolos e conseguiu desenvolver espaços com alto nível de qualidade, empregando mão de obra local e inserindo o contexto urbano e social dentro de sua produção. Outro a utilizar o tijolo e a palestrar sobre sua utilização foi Laureano Forero. O arquiteto, também de nacionalidade colombiana, teve seu trabalho reconhecido pelo exercício de reutilização e ampliação de edifícios históricos e a inserção destes no contexto cultural da cidade. Laureano também discursou sobre as dificuldades que observa em situações universitárias como a remuneração dos docentes e a quantidade de alunos que ingressam no ensino. O brasileiro Assis Reis falou sobre sua atuação na cidade de Salvador, na Bahia. Seu trabalho estava voltado para a salvaguarda e estudo do ambiente urbano, sempre dialogando com a identidade (ou espírito do lugar, como diria Browne). Mostrou em sua apresentação os estudos climáticos que realizou além do emprego de tijolos – amplamente utilizado na região. Na crônica de Waisman, o olhar de Assis é descrito como composto de partes equivalentes de elementos locais e modernidade: “Não há nada de folclórico, no entanto, neste representante de um mundo cultural tão forte: sua arquitetura é distintamente moderna, sem deixar de ser regional.” (Ediciones Summa et al, 1985, p.14) O texto ainda expõe que a revalorização crítica do passado e “[...] o estudo de elementos linguísticos e sua tradução para um código moderno” (Ediciones Summa et al, 1985, p.14) foram os pontos de vista defendidos por Pedro Murtinho na palestra que realizou. O arquiteto chileno mostrou, através de uma sequência de obras, a necessidade da criação 71
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F15 - Conjunto de imagens da obra Casa de Hóspedes Ilustres (1978-1981), Rogelio Salmona. Cartagena das Índias, Colômbia.
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de intervenções urbanas que relacionem-se com entornos históricos. Ao fim do encontro foi realizada uma mesa redonda na chácara de Lala Mosquera. A transcrição das falas ocorridas na mesa, além de um conjunto de textos referentes ao seminário foram publicadas na obra “Arquitectura Latinoamericana: Pensamiento e Propuesta”. Segundo os escritos, o tema da mesa foi guiado em torno de três pontos, elaborados pela revista Summa: -
A incidência dos estilos internacionais na região. Adoção ou adaptação?
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A arquitetura como resposta a identidade regional.
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A confrontação das tecnologias próprias e importadas.
O primeiro a responder foi Enrique Browne. Não existem inovações que partam do zero, estas são sempre recombinações de situações pré-existentes. Para tanto, quanto maior for o número de instâncias pré-existentes para combinar, melhor. Agora bem, um dos elementos chaves para elucidar os temas propostos é a necessidade de contar com um ponto de vista próprio. Ao falar das influências recebidas quero deixar claro que estas devem ser necessariamente filtradas para combinarem-se e adaptarem-se às arquiteturas locais. Sem esse ponto de vista próprio cairíamos na mera adoção e não na adoção de que fala a proposta inicial. (Ediciones Summa et al, 1985, p.18)
Assim, o arquiteto introduziu sua fala para explicar sua visão sobre “espírito da época” e “espírito do lugar”, cuja dose igualitária comporia uma arquitetura adaptada e coerente com o contexto. Entretanto, logo em seguida Salmona introduziu um questionamento maior ao perguntar a 73
mesa: o que é América Latina? Alguns arquitetos foram respondendo ao questionamento ao longo de suas falas. Enrique Browne explanou: Acho importante o que Rogelio coloca e quero agregar outro elemento a esse debate, produto de uma observação que Mariano Arana me fez depois da minha conferência na Faculdade. Considerar o termo identidade cultural como uma essência a descobrir, como uma forma de alma particular de nossos povos, é tão evasivo como responder categoricamente à pergunta [:] quem é você? Como podemos auto explicarmos? Creio que somos nossa história [...] (Ediciones Summa et al, 1985, p.19)
Já Pedro Murtinho: Como fiz em meu discurso do Seminário, volto a citar Carlos Fontes no prólogo de La Muerte, de Artemio Cruz: “Os mexicanos descendem dos astecas, os peruanos dos incas e os argentinos dos barcos”, e eu acrescento: e os chilenos dos barcos e das árvores, representando também o indômito povo araucano. Poucas frases resumem tão bem as diferentes realidades da Iberoamérica. Gosto de defini-la assim em oposição ao termo América Latina cunhado pelos franceses quando intencionavam penetrar no México com Maximiliano e com o qual tão pouco temos a ver. (Ediciones Summa et al, 1985, p.20)
Laureano Forero acabou por retomar aos pontos propostos pela revista sem, no entanto, deixar de responder ao questionamento de Salmona. No entanto Rogelio, acho que está nos questionando um tema muito específico e que cada um de nós, em relação aos nossos países, podemos responder a essa pergunta. É verdadeiramente um fato que Iberoamérica é composta por um monte de países que são muito
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diferentes mas, justamente, nos encontramos aqui com pessoas desses diversos lugares e creio que cada um de nós pode contestar em relação ao seu país no que diz respeito ao que realmente havia acontecido alí Para mim a pergunta é, devemos adotá-la ou adaptá-la? (Ediciones Summa et al, 1985, p.22)
O texto relata que nesse momento, Severiano Porto introduziu um interessante ponto de vista sobre as influências estrangeiras: Vou encarar o tema das influências estrangeiras a partir de um ângulo distinto do que foi até agora colocado. Todos sabemos que existe uma grande influência a nível geral sobre nossas arquiteturas, produto da incidência dos materiais e tecnologias multinacionais com que vemos construindo nossas cidades, como as do restante do mundo. Isto é, todo esse mundo de materiais de construção, idênticos em sua modulação, produção, execução e características, fabricados por empresas multinacionais e amplamente divulgados pela televisão, pelos meios gráficos e catálogos, tem levado à produção de uma arquitetura predeterminada onde a criatividade se reduz a variações de altura, volume e resolução da plástica do edifício. A normalização de todos os elementos – portas, janelas, mobiliários – nos conduz, portanto, a uma tipificação do espaço habitável que acaba sendo o mesmo no Japão ou em Buenos Aires. (Ediciones Summa et al, 1985, p.23)
E ainda, realiza uma crítica altamente pertinente à questão quando aponta o perigo para uma visão extremamente culturalista na arquitetura: 75
F16 - Croqui de Assis Reis do frontispício da cidade de Salvador, Bahia.
Assim, diante dessa situação, muitos de nós voltamos ao passado e começamos a investigar o porquê dos padrões de nossas arquiteturas regionais: o porquê do pátio central, das galerias, das esquadrias e barras de madeira, etc. Mas é um caminho difícil de empreender porque muitos de nossos cidadãos não querem voltar ou não entendem o porquê de voltar a aquelas arquiteturas. Devemos, então, nos encontrar neste novo contexto e, a partir daí, nos preocupar com as necessidades do nosso povo. (Ediciones Summa et al, 1985, p.23) Ainda com relação às influências estrangeiras é possível notar uma harmonia de pensamento entre alguns arquitetos. Enquanto Severiano diz: Porque hoje vivemos superinformados das arquiteturas de todo o mundo e esta influência é o que leva a muitos de nossos colegas a querer adotar esses modelos de forma automática. Nesta Bienal, por exemplo, temos tido arquitetos japoneses, europeus; a muitos pareceria terrível que só houvessem vindo arquitetos latino-americanos, deveria estar presente o Primeiro Mundo, satisfazer o nosso ego, ao contrário haveria sido uma Bienal muito pobre... Devemos fazer conhecer e ressaltar todos os valores de nossas arquiteturas regionais que não muito fortes, responder claramente as pautas culturais de nossos povos. (Ediciones Summa et al, 1985, p.24)
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F17 - Croqui de Assis Reis da Marina da cidade de Salvador, Bahia.
Mariano Arana profere: Devemos considerar agora a famosa expressão “estar em dia”. Creio que todos queremos estar em dia, e eu não considero negativa essa atitude. O problema reside em perguntarmos o que significa estar em dia. Dentro da resposta deve encontrar-se o reconhecimento de que não implica somente em um nível de informação sobre o que acontece nos centros de poder. A problemática social da Colômbia, tão distante do meu país como de qualquer outra da África do Sul, Veneza ou Estocolmo, é vivida por mim como totalmente própria já que incidem a ela parâmetros de atitudes totalmente assimilares a minha realidade. As realidades latino-americanas – já havemos dito – são muito diferentes. As cidades brasileiras, as colombianas, as peruanas crescem em um ritmo desconhecido em outras partes do mundo. Meu país, Uruguai, do ponto de vista demográfico, está absolutamente estancado – e de outros pontos de vista também. Montevideo, sua principal cidade, não cresce, e não conhece o problema do crescimento descontrolado. No entanto, essa atitude
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de estar em dia obriga a certas pessoas que geram a maior parte da arquitetura que se produz no país [...] a gerar uma forma de produção arquitetônica ressoante de uma realidade absolutamente particular que se origina fora do país. No Uruguai estamos fazendo arquiteturas pré-fabricadas, enormes conjuntos habitacionais – rechaçados inclusive por aqueles que os geraram nos centros de poder – pensados para uma realidade totalmente diferente; [...] Defendo que há muitas Latino - Américas, que não há uma só, e não me refiro a uma visão exclusivamente regional até porque ainda dentro de um mesmo país, temos concepções muito diferentes sobre o que deveríamos fazer. Isto implica que cada arquiteto ou cada cidadão, mas particularmente cada arquiteto, deveria assumir com total clareza uma postura própria frente aos distintos parâmetros da realidade, de conhecimento e de compromisso com sua época e seu país, de outro modo terminaríamos por não saber o que queremos ser e acabaríamos sendo o que os outros queríamos que fossemos: isso me preocupa de vez em quando. Deveríamos começar por criar uma arquitetura que seja uma resposta, um compromisso, com o lugar com as pessoas, através de uma linguagem especificamente arquitetônica. A arquitetura não se valida por intenções, por mais nobres que essas intenções possam ser. A arquitetura se valida em sua concreta estruturação espacial, volumétrica e material. (Ediciones Summa et al, 1985, p.28)
Arana fala ainda sobre uma leitura crítica do passado, onde, ao conhecer profundamente as soluções arquitetônicas talvez sem nenhuma significação internacional, possamos encontrar soluções mais adaptadas ao meio do que as que encontramos em arquiteturas 78
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mais reconhecidas. De certa maneira, Arana fala de um conhecimento fronteiriço, explicitado no primeiro capítulo. [...] quero apontar que seria fundamental também rever, repensar, reconsiderar e voltar a analisar todas aquelas arquiteturas que em diferentes etapas de nossas histórias – arquiteturas geralmente sem significação internacional- adaptaram inteligentemente ideias, formas e preocupações que vinham de fora para um contexto nacional. Arquiteturas que são possíveis de reconhecer em todos os nossos países e que, em seu momento, suas realizações souberam se inserir no sitio e no contexto com muito mais precisão e especificidade que alguns dos grandes criadores europeus na mesma época. (Ediciones Summa et al, 1985, p.28)
Assis Reis, arquiteto brasileiro, vê o alcance da identidade como um processo que necessita de “[...]um estudo, uma investigação e um reconhecimento permanente de nós mesmos” (Ediciones Summa et al, 1985, p.34). Sobre a definição do que somos enquanto América Latina, acredita que é o que temos em comum: “[...] integramos um mesmo continente, fomos colonizados, nos erguemos em repúblicas independentes e enfrentamos uma enorme dívida externa” (Ediciones Summa et al, 1985, p.35) Sob o ponto de vista de Waisman, o ensino de arquitetura no continente é um ponto muito importante para a formação de arquitetos conscientes. Relata que há pouco tempo havia lido em uma revista de historiadores de arquitetura ingleses, como havia sido a formação acadêmica de um deles. E viu que foi exatamente a que teve: “[...] as formas, os croquis, o papel que pregávamos na prancheta, o Vignola, a pessoa que ensinava alguém a manejar um ou outro elemento compositivo, o professor que não existia, ou vinha de vez em quando, etc.” (Ediciones Summa et al, 1985, p.33). Mas a única coisa que não possuíam eram as razões pelas quais tudo aquilo era feito.
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Severiano acrescentou em sua fala sobre o bombardeio de informações que os alunos recebem de tecnologias atuais importadas e o baixo conhecimento sobre soluções projetuais utilizadas durante séculos em seu próprio país. Acredita ser necessário reforçar o ensino de história da arquitetura local para aumentar o arsenal referencial dos alunos para que estes não caiam no equívoco de buscar soluções tecnológicas forâneas para solucionar problemas de desenho em seus projetos. E ainda, aponta que esse conhecimento é necessário para ao menos igualar o conhecimento que temos a respeito das arquiteturas e tecnologias dos países desenvolvidos com o conhecimento que devemos ter sobre nossa própria arquitetura. Para exemplificar ainda mais seu raciocínio Severiano compara a tecnologia importada com um antibiótico e as soluções locais como um chá, e diz que um médico deve saber quando receitar um ou outro. Ou seja, deve saber quando empregar um remédio que o próprio paciente tenha recursos e conhecimento para produzir (chá) e quando recomendar algo que dependa de uma tecnologia maior para curá-lo. O texto descreve que neste momento a revista realizou uma pergunta diretiva a Salmona com o intuito de compreender como o arquiteto lidou com o uso de técnicas tradicionais em um projeto de grande escala em seu país. O projeto foi o assentamento de cerca de 70 mil pessoas em uma região muito próxima a Bogotá. Após a solução projetual, a equipe partiu em busca de soluções que adaptassem os tijolos a situações menos usuais. No processo de racionalização, produziram módulos feitos com muros auto portantes capazes de suportar até seis pavimentos de carga. Tal modificação acarretou em uma alteração do projeto original, o que demandou tempo. As empresas detentoras de tecnologias importadas propunham soluções mais rápidas para a execução das edificações. Frente ao cronograma apertado e a pressão do capital, o projeto foi executado com tecnologia diferente da que foi idealizado. Apesar de não ter alcançado o objetivo inicial (de inserir o uso de técnicas locais para a construção de projetos em grande escala), Salmona ressalta que a experiência possibilitou 80
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a criação de uma cooperativa. Por meio dela, foi possível executar uma série de projetos posteriores com maior rapidez e sem abrir mão da técnica local. Após algumas falas, Zein inseriu um interessante ponto de vista: Tal pergunta leva a recordar uma verdade-dogma: a construção massiva só poderá ser resolvida com a pré-fabricação, o que leva a refletir sobre como poderia ser resolvida sem a pré-fabricação. Nós exercemos a crítica em função de dogmas e não por experiências próprias da nossa realidade, e seguimos crendo que esta não é congruente e que devemos fazer que seja segundo dogmas (neste caso, o de solucionar o problema habitacional pela pré-fabricação). Quando formulou sua pergunta me impressionou o ar de surpresa de muitos dos presentes. O que fazer? Creio que a solução do problema passa também pela nossa própria estrutura de pensamento. Quando pensamos não o fazemos de forma “não crítica” ou com “crítica influída”, não consciente do que dizemos de verdade, e com discussões que não têm razão de ser. No Brasil a situação é similar: se temos grandes problemas, devemos resolvê-los pouco a pouco e não pretender solucionar, de uma vez e definitivamente, o problema habitacional do país. Isto é algo que ocorre nas propagandas dos discursos políticos. Em uma palavra: a realidade passa mais pelo que disse Salmona sobre a pré-fabricação que, em si, pode ser muito boa, pode não ser tanto para nós. (Ediciones Summa et al, 1985, p.44)
Arana compartilhou o pensamento de Waisman e de Salmona ao ressaltar que o problema habitacional uruguaio apresenta-se em uma escala menor, se comparado com a maioria dos países da América, e que assim a solução das cooperativas tornou-se pertinente.
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ACORDO DE SANTIAGO DO CHILE Após o primeiro seminário, a Carta de Buenos Aires foi retomada e posta em prática. Segundo Souza (2013) durante a V Bienal de Arquitetura do Chile em 1985 ocorreu o primeiro encontro de revistas de arquitetura ibero-americana, cujo intuito era discutir e propagar publicações relativas ao contexto latino-americano. O encontro contou com uma declaração de princípios comuns assinada pelos participantes, redigida nos seguintes termos: Os arquitetos da Iberoamérica participantes da V Bienal de Arquitetura do Chile e do Primeiro Encontro Iberoamericano de Revistas de Arquitetura queremos deixar expressa a constância de nosso reconhecimento ao Colégio de Arquitetos do Chile por sua persistente ação participativa e democrática depois da abertura integradora perseguida tanto para seus associados quanto para aqueles, dos países irmãos, compartilhamos de ideais iguais e de identidade comum. Para tanto esperamos, com solidariedade esperançada, pelo pronto reencontro dos arquitetos e do povo chileno com seu destino transcendente do conceito de Grande Pátria Iberoamericana. (Ediciones Summa et al, 1985, p.86)
Além da declaração, foram escritas recomendações e acordos em tom de compromisso, construídas conjuntamente com os participantes. A mesma publicação onde constam as transcrições dos seminários (Arquitectura Latinoamericana: Pensamiento e Propuesta), descreve os nove pontos que compuseram o acordo que ficou conhecido como o Acordo de Santiago do Chile. O primeiro deles foi a criação de fichas informativas sobre cada publicação, que seja capaz de realizar de maneira sucinta do conteúdo informado, e estas deverão ser compartilhadas entre todos para “facilitar contatos diretos” (Ediciones Summa et al, 1985, p.87) 82
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O segundo ponto é o envio de um índice, juntamente com uma fotografia da capa e um comentário sobre a edição, para todas as revistas que se comprometeram com o acordo, de acordo com suas possibilidades. O terceiro compreende uma disponibilidade de publicação do conteúdo presente nas revistas participantes de forma livre, desde que seja indicado, de maneira clara, a fonte em que foi retirada. São feitas reservas relativas aos casos de direito autoral, quando as revistas indicarem expressamente em cada edição. Além disso, cada revista poderá, se assim desejar, estabelecer um deslocamento no que diz respeito ao prazo de reprodução relativo à própria edição, que deverá registrar e limitar em sua publicação. (Ediciones Summa et al, 1985, p.87)
O quarto, diz respeito a colaboração das revistas na formação de centros de documentação. Estas, deverão contribuir com Sociedades de Arquiteturas e outras Instituições no que diz respeito à arquitetura regional e nacional. O próximo ponto fala da criação de uma sessão informativa sobre fatos Ibero-americanos: encontros, bienais seminários e demais eventos. As revistas deverão enviar à ARS e ao Boletim CA do Chile tais informações pois estas se disponibilizaram a processar e redistribuir o material enviado para demais regiões. A primeira ação que atendeu do ponto citado acima foi a difusão da Carta de Buenos Aires e um guia sobre a arquitetura da periferia. Como sexto ponto foi instaurada a criação de uma edição monográfica de uma obra dedicada a “Habitações de Interesse Social, 1950-1985” (Ediciones Summa et al, 1985, p.87) realizada em conjunto pelas revistas mas editada pela Trama, do Equador. A divisão dos artigos foi realizada em duas partes: a primeira deveria compreender o “panorama de 83
propostas de solução de habitação de interesse social em cada país” (Ediciones Summa et al, 1985, p.88) e a segunda, a análise crítica de uma obra selecionada pelos autores do artigo. A ideia da produção monográfica foi definida nesse ponto como algo necessário a ser repetido e o número do ano de 1986 foi editado pela revista brasileira Módulo, a de 1987 pela revista argentina Ambiente, e as demais de acordo com a solicitação das equipes participantes. O sétimo ponto contemplou a realização de duas outras edições: uma no Rio de Janeiro, Brasil (organizada pela revista Módulo e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil) e outra, logo em seguida, na cidade de San José, Costa Rica (gerida pela revista Habitar e pelo Colégio de Arquitetos da Costa Rica). Os dois últimos pontos referiram-se a esquemas de ajuda mútua no que diz respeito à logística e financiamento. O oitavo determina que as revistas que possuem financiamento próprio, alcançado pela venda de seus produtos, deverão criar um intercâmbio entre editoriais para auxiliar a venda de exemplares de outras revistas. Para alcançar a mutualidade, as revistas deverão resolver os problemas de distribuição pelos correios e divulgarem facilidades na distribuição (como ligação com linhas aéreas nacionais). Já o nono, implementa o comprometimento das revistas no que diz respeito ao estudo de custos para projetar uma publicação anual sobre arquitetura ibero-americana baseada no material enviado pelas demais revistas participantes do acordo. O número publicado deverá ser vendido em todos os países cujas revistas encontram-se presentes e sua revenda será baseada no prestígio de cada revista. O acordo foi assinado entre cinco revistas argentinas, duas brasileiras, três colombianas, uma costa riquinha, cinco chilenas, uma equatoriana, uma espanhola, uma peruana e duas uruguaias.
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A crônica sobre o Acordo de Santiago se finda com as seguintes palavras: Com relação ao Encontro Ibero-americano de Revistas de Arquitetura – enquadrado na V Bienal de Arquitetura do Chile, permitiu [...] ao longo de várias jornadas de trabalho intenso [e] intercâmbio de experiências, relatar e rubricar o valioso e inédito Acordo de Santiago no qual – entre muitos outros pontos importantes - sobressai o convênio de interpublicação automática de todo material editado pelas revistas latino-americanas, com a condição de se citar a fonte original. Este compromisso haverá de ter, sem dúvida, uma transcendência insuspeitável, já que permitirá uma informação permanente e atualizada sobre o pensamento arquitetônico da região e, através deste conhecimento, a paulatina consolidação de uma consciência comum para a arquitetura ibero-americana. (Ediciones Summa et al, 1985, p.90)
Um ano após o primeiro encontro de revistas, ocorreu a segunda edição dos Seminários de Arquitetura Latinoamericana. Contou novamente com a organização da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Buenos Aires e com a revista Summa, mas desta vez alcançou apoio em instituições como a Fundação Antorchas 6 e o Banco da Província de Buenos Aires. Assim, o evento contou com maior quantidade de apresentações e seus expositores puderam compartilhar de mais informações. Houveram sessões de palestras matinais e noturnas, mostras e exibições, e ainda debates argentinos durante as manhãs. A crônica presente na obra “Arquitectura Latinoamericana: Pensamiento y Propuesta“, destaca que esta edição do evento debateu uma série de temas que giraram em torno de quatro eixos principais. Um deles foi a possibilidade de releitura de arquiteturas vernáculas e populares de acordo com o contexto cultural local, mostrando a possibilidade de criação de obras alternativas 85
aos modelos referenciais (tanto internacionais quanto das metrópoles às quais essas regiões são dependentes). Essa postura projetual é vista como extremamente positiva pois visa incorporar a cultura, o estudo do clima e a técnica construtiva do lugar sem renunciar “sua condição de modernidade” (Ediciones Summa et al, 1985, p.65) Outro ponto foi a importância do estudo de personagens tidos como paradigmáticas nos países pois apresentam-se como formas contundentes de realizar a transcrição de culturas tradicionais dentro da arquitetura contemporânea. Ou seja, apresentam-se como formas de concretizar o pensamento descrito no ponto anterior. Um terceiro eixo foi a afirmação da importância do estudo, difusão e investigação da história da arquitetura latino-americana como sendo fundamental para a leitura crítica da produção contemporânea local e internacional. E o último compreendeu a importância de uma análise crítica das influências recebidas em nossos países que seja capaz de diferenciar adaptações de adoções. E ainda o estudo de possibilidades para o desenvolvimento de um pensamento arquitetônico latinoamericano por meio de críticas e propostas. A finalização do encontro ocorreu de maneira semelhante à primeira edição do evento: com mesas redondas. Souza (2013) descreve que diferentemente da primeira, esta edição separou críticos de um lado - Ramón Gutiérrez e Marina Waisman (argentinos), Ruth Verde Zein (brasileira), Silvia Arango (colombiana) e William Niño (venezuelano) e arquitetos de outro - César Luis Carli, José Ignacio Díaz y Eduardo Sacriste (argentinos), Gustavo Medeiros Anaya (boliviano), Severiano Porto (brasileiro), Rogelio Salmona (colombiano) e Edward Rojas (chileno). Somente a mesa de críticos foi transcrita e publicada, e os temas foram os praticamente repetidos: definição de identidade latino-americana, incidência de estilos internacionais na América Latina, relação entre identidade e modernidade e o uso de tecnologias apropriadas. A abertura da mesa se fez pela fala de William Niño, que de imediato revelou possuir 86
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pouco conhecimento das temáticas sobre as quais alguns pareciam já ter um grande conhecimento. Em contrapartida, faz um relato interessante sobre o uso da obra de Waisman “La estructura histórica del entorno“ (1972), no ensino de arquitetura nas faculdades de arquitetura da Venezuela: “Para nós tem um valor de um Zevi, um Argan, ou um Pevsner [...]” (Ediciones Summa et al, 1985, p.47). Partindo da comparação de Niño, Gutiérrez realiza a seguinte fala: Quando William cita de forma comparativa o trabalho de Marina com o de Pevsner, Zevi ou Argan me leva a dizer que os segundos são somente uma referência para nós, porque não estão em nossa realidade, não falam dela e tem muito pouco a ver com ela em mais de um aspecto. (Ediciones Summa et al, 1985, p.48)
Ou seja, confirma que o caminhar de Niño está apenas começando no que diz respeito a quebra de paradigmas com relação aos centros de produção de conhecimento. Com relação ao tema da identidade latino-americana, Silvia Arango não a conceituava como um conjunto claro e coeso de elementos culturais nem como um grupo de traços comuns entre países devido ao passado colonizado em comum. Para ela, “Somos naturalmente latino-americanos sem necessidade de buscas deliberadas; a identidade nos aflora de todos modos” (Ediciones Summa et al, 1985, p.50). E ainda, acredita que o sentido de latino-americanos deve ser aplicado para uma construção de futuro, não de uma busca necessariamente voltada para o passado. Para Waisman, “O conceito de unidade, a identidade como convicção encontra-se em poucas pessoas, especialmente nas que estão em áreas distantes das metrópoles” (Ediciones Summa et al, 1985, p.50). Muito provavelmente, a perspectiva de Waisman refere-se ao fato de que os povos distantes dos centros de comunicação e intercambio sofrem menos influências culturais externas e tendem a seguir uma determinada tradição de pensamento. Assim, entender e visualizar uma constância de pensamento em tais 87
grupos, vendo estes repetirem-se com o passar do tempo, pode ser visto como um elemento identificador ou de identidade. Partindo da perspectiva aberta por Waisman, Ruth Verd Zein reforça o questionamento do conceito de identidade enquanto algo uniforme e monolítico. Acredita que é necessário transcender esse pensamento e aceitar a diversidade de realidades e a maneira como nos comunicamos, pois há fatores que nos tornam irmãos mas há muitos outros que nos tornam diferentes. Assim, acredita que a base de um pensamento de identidade na América Latina deve ser a multiplicidade, a variedade e as infinitas peculiaridades que nos compõem, em contraposição a uma visão estritamente monolitista. Fala ainda sobre autenticidade. Diz que o Brasil, país que mais conhece, é “verdadeiramente um caleidoscópio” (Ediciones Summa et al, 1985, p.51), composto de migrações e se tal autenticidade depender da negação das influências externas, há muito o que se perder. Pois nos países em questão “[...] o novo é valorizado como tentativa de melhoria da qualidade de vida, e a adaptação é considerada condição diária de sobrevivência” (Ediciones Summa et al, 1985, p.52). Acredita que a identidade deva ser construída, ou seja, criada para o futuro, compromissada com a realidade e sem esquecer de que está em constante movimento e modificação. A perspectiva de construção de uma identidade futura é compreendida por Waisman como uma influência do pensamento moderno. Existe um conceito, o de modernidade, que começa a delinear-se nesse diálogo. A partir da necessidade de conjugar tempo e espaço, é essencial definir o que entendemos por modernidade, já que se a construção da identidade tem que se produzida a partir do nosso passado multiforme, complexo e diversificado voltaremos a repeti-lo inexoravelmente com tudo aquilo que ele tem de negativo. Temos buscado ser modernos, desde o século XVIII em diante; primeiro
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nas teorias da Ilustração, depois no Positivismo, logo em seguida no gancho de cauda da Revolução Industrial e, finalmente, na imigração em busca de um futuro promissor, ao olhar para o futuro com um certo desprezo pelo passado. (Ediciones Summa et al, 1985, p.52)
A crítica da arquiteta consiste no fato de não questionarmos o que realmente compreendemos como progresso e o que realmente desejamos considerar como padrão de modernidade. Então, o que é modernidade em arquitetura? De um ponto de vista podemos dizer que é a alta tecnologia, como demonstra a ciência, a técnica e todo o progresso material. Agora, se nós como latinoamericanos[,] a partir de nossa perspectiva[,] mudássemos o conceito de progresso, diríamos, por exemplo, que progresso é a dignidade humana, a qualidade de vida, enfim, esses valores que todos compartilhamos. (Ediciones Summa et al, 1985, p.53)
Adentrando ao tema do Movimento Moderno, Gutierrez relembra das cidades distantes das metrópoles (seja fisicamente ou social e economicamente), e como estas comportamse como diferentes das cidades modernas. Quando falamos de América Latina nos referimos sem dúvida também ao campo, e a todas essas sociedades marginais que requerem soluções para seus problemas. Sua modernidade é diferente das cidades, essas cidades do Movimento Moderno que Silvia mencionou, caracterizadas por serem ahistóricas, já que toda referência ao passado próprio era um lastro e onde o fundamental era o modelo, o fazer, o importante era o que estava fora de nós; nossa história era uma história a ser destruída.
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Não acredito em determinismo histórico, sim em condicionamentos históricos. Essas demandas pendentes são o desafio que temos para que a identidade que conformamos seja capaz de assumir plenamente a história com todas as suas contradições e dê resposta a essas necessidades. Repito, não ser trata de nostalgia nem tampouco em uma volta a outras tecnologias que, no entanto, podem seguir sendo utilizadas em determinados lugares e condições; elas também constituem uma importante parte da história de nossa arquitetura que tem sido esquecida. (Ediciones Summa et al, 1985, p.54)
Já no fim do texto, a fala de Waisman se volta para um fenômeno que descarta o conteúdo e reverencia a forma: A cultura das imagens é, eu diria, o núcleo do problema relacionado aos meios de difusão arquitetônica, assim como a preguiça de leitura de seus consumidores. Todos temos comprovado que é extremamente importante acompanhar as imagens de uma obra ou um conjunto de obras, com textos críticos e considerações mas, qual porcentagem lê esses textos e desses leitores, qual porcentagem reflete. (Ediciones Summa et al, 1985, p.62)
Gutiérrez, por sua vez, destaca outra problemática relacionada às revistas: Por uma parte as revistas qualificam a arquitetura: a boa arquitetura é a que se publica, independentemente de seus valores e da crítica que pode acompanhá-la – como bem disse Marina: a preguiça intelectual é abundante. Em vários países esse processo gera visões muito parciais, visões centrais da cultura arquitetônica a partir das quais se limitam as possibilidades de conhecimento da produção regional, ao mesmo tempo em que se enfatiza o fenômeno do prestígio.
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Mediante a um mecanismo similar, as faculdades de arquitetura estão formando profissionais a partir desse esquema de repetição de modelos prestigiados com o agravante de que muitos desses modelos são estrangeiros, sem uma suficiente tradução, adaptação e reflexão desses exemplos. Chegamos a um ponto em que é essencial repensar a formação da cultura arquitetônica e o parecer do profissional. É o momento em que revistas latino-americanas - algumas certamente já tomaram este caminho - e sociedades profissionais possibilitem o debate e a reflexão e abandonem esse penoso sistema de aplausos mútuos, de modelos de prestígio, terminando com uma certa dependência do consumo de arquitetura. É verdade que não temos todos os recursos necessários para a ligação e o intercâmbio, mas o excelente exemplo fornecido pelas reuniões de Revistas latino-americanos e estes seminários, representa uma nova forma de trabalhar, mais coerente com a nossa realidade, mais profunda, para ir criando as condições que permitam atingir, dessa forma, a desejada integração latinoamericana. (Ediciones Summa et al, 1985, p.63)
Por fim, o mesmo arquiteto relaciona a cultura da imagem com a ideia de uma forma arquitetônica que identifique a América Latina. É que um dos fracassos mais fortes na busca de uma arquitetura latino-americana é buscar encontrar um conjunto de formas que a represente, quer dizer, é impossível pensar em uma arquitetura do continente como repertório formal identificador. [...] Se é coerente com suas possibilidades técnicas, econômicas, sociais e culturais, em última instancia será um bom produto
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arquitetônico e ajudará tanto a consolidar um estrutura urbana, como integrar contextualmente, tomando os elementos da memória do lugar. (Ediciones Summa et al, 1985, p.63)
Após a leitura das falas realizadas durante a mesa redonda é possível observar tanto a presença de questionamentos base/fundamentais (o que é América Latina, como nos vemos, como produzimos, o que ensinamos nas universidades) quanto de elementos de resistência (a importância das revistas e do uso de técnicas locais). Assim, a mesa apresentada ilustra o que Ramírez Nieto (2005) denomina de “propuestas como manifestación de resistencia” (RAMÍREZ NIETO, 2005, p. 1) ou primeira fase dos SAL. Na edição seguinte (III SAL), os olhares foram voltados para questões referentes à cidade. Ocorrido em Manizales (Colômbia) no ano de 1987, o terceiro SAL começou a ser arquitetado meses antes da realização da segunda edição do evento. Souza (2013) descreve que reuniões entre Rogelio Salmona, Silvia Arango, Sergio Trujillo e Ramon Gutiérrez ocorreram em Bogotá e já nestas foram definidas as sessões de debates que seriam realizadas. A primeira sessão destinar-se-ia ao debate de questões relativas à história e a historiografia da arquitetura latino-americana, ao patrimônio, aos centros históricos e, a grosso modo, à teoria e crítica arquitetônica. A segunda discutiria aspectos concernentes tato às tendências contemporâneas da arquitetura – latino-americana, de um modo geral, e de cada país, em específico -, quanto às relações entre internacionalidade e identidade latino-americana e sua interface com o uso de novas técnicas e materiais. Já a terceira, e última, abordaria a problemática da periferia e dos espaços públicos, sob o ponto de vista arquitetônico e urbano. (SOUZA, 2013, p.98)
Neste encontro, os temas foram a maneira encontrada para dividir o debate em seções 92
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temáticas. Os textos a serem apresentados necessitaram de solicitação prévia e as palestras foram abertas para interessados de quaisquer áreas. Com a abertura dos convites para participantes de outras áreas, os temas e focos dos textos apresentados tornaram-se muitos. Os aqui estudados foram os que encontram-se selecionados na obra de Souza (2013), filtrados de acordo com os seguintes critérios: [...] o primeiro é o engajamento do palestrante na história do SAL [...], o segundo seria a ressonância em relação aos outros debates do SAL e a continuidade de determinadas abordagens [...] (SOUZA, 2013, p.96)
Somente duas apresentações sobre o primeiro tema foram realizadas segundo os critérios acima - ambas referindo-se ao patrimônio histórico, e nenhuma abordou os centros urbanos. No segundo grupo, somente uma palestra, a de Sérgio Trujillo Jaramillo, abordou o uso de tecnologias para a construção da identidade. Entretanto, a possibilidade de discussão da cidade e de sua periferia como uma temática especialmente dedicada, foi um ponto positivo e distinto dos seminários anteriores.
PRÊMIO AMÉRICA Outro ponto positivo e singular do terceiro seminário foi a criação do Prêmio América. Idealizado por alguns membros colombianos pertencentes à corrente ibero-americana de arquitetura (corrente esta que busca valorar a criação de uma crítica arquitetônica voltada especificamente para essa porção do continente), o prêmio foi criado com o intuito de laurear os arquitetos do continente que: [...]
tenham
realizado
contribuições
extraordinárias
para
o
fortalecimento da própria identidade cultural, seja mediante sua prática ou suas reflexões teóricas, visto que ambas categorias [-]
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Arquitetura, de um lado, e História, Crítica e Teoria da Arquitetura, de outro – são consideradas pelo movimento como dois tipos igualmente relevantes de atividades criadoras. (Ediciones Summa et al, 1985, p.71)
Os homenageados na primeira edição do prêmio foram o arquiteto mexicano Luís Barragán, “[...] por sua obra cheia de graça e de poesia, tão intimamente ligada à grande tradição cultural de sua pátria” (Ediciones Summa et al, 1985, p.72); a argentina Marina Waisman, “[...] por sua valiosa contribuição para a historiografia crítica e para a teoria arquitetônica da região” (Ediciones Summa et al, 1985, p.72). No mesmo evento, Lala Mendez Mosquera foi condecorada com um diploma de reconhecimento pelo constante trabalho de divulgação da arquitetura latino-americana através da revista Summa e também por sua contribuição para a construção dos dois seminários de arquitetura anteriores. Quanto ao III SAL, a realização do discurso de abertura foi proferido por Gutiérrez nos seguintes termos: Comprometer-nos significa buscarmos caminhos que possibilitem nos expressar culturalmente, de dar resposta às demandas sociais e de personalizar nossa tarefa como constituições, desde o campo da arquitetura, ao horizonte cultural comum dos americanos. Nós aqui presentes somos protagonistas e testemunhas de um evento singular para a arquitetura do continente: é o nascimento, o nascimento de um movimento que transcende as realidades nacionais e que une um grupo de arquitetos americanos em torno de uma tarefa comum. Esta tarefa comum é abrangente e integradora na medida que possibilita o reencontro entre os projetistas com os historiadores e críticos. A convicção da necessidade de uma teoria própria que informe uma produção arquitetônica com identidade americana nos tem atraído a Manizales para estas jornadas que encaramos como históricas e carregadas de conteúdo. (Ediciones Summa et al, 1985, p.67)
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E o conteúdo de sua fala foi encontrado também em um discurso de Salmona, publicado em “Arquitectura latinoamericana: pensamiento y propuesta”: [...] Nós temos iniciado um interesse por nós mesmos. A distância que nos separava tem diminuindo. Temos intercambiado informações e aumentando nossas relações culturais. Começado a ver com olhos abertos o que é nosso e, no campo da arquitetura, a estudar desenhos e realizações dos países vizinhos e do resto do continente. Temos começado a nos preocupar seriamente com os destinos das outras cidades, e não unicamente com as nossas próprias. Tudo isso justifica um caminho comum solidário, enriquecido pelos aportes de referências culturais da região. Para isso tem sido importante que nos conheçamos e acreditemos em nossas próprias tradições, e que conheçamos e acreditemos nas tradições e culturas dos países irmãos. Não devemos esquecer, ainda, que Latinoamérica tem tido, desde sua alvorada pré-colombiana – e igualmente depois da conquista espanhola-, uma continuidade cultural profunda que não tem se refletido, desafortunadamente, em sua história política. Nossa fecundidade cultural não é assimétrica à pobreza com que temos construídos nossas instituições políticas. A atividade cultural tem mantido sempre uma vitalidade que não tem sido interrompida nem sequer nas épocas mais trágicas de nossa história, as de tortura e terror. Nos momentos mais felizes e mais tristes, América Latina soube cantar, escrever, pintar e construir para manter viva sua cultura e para não se deixar vencer nem por sua dependência nem por sua tragédia política. Como arquitetos, temos iniciado o questionamento de nossas características para abrir uma brecha com inesperadas riquezas formais e agregar valor aos aspectos de nossa geomorfologia; para
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C
F18- Conjunto de imagens do haras Cuadra San Cristóban, (1968). Luis Barragán, México.
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permitir que as pessoas – aquelas para as quais construímos- sintamse em harmonia com nossas obras mas, acima de tudo, para que essas enormes massas de habitantes sejam criadores de seu próprio habitat e autores da construção da cidade, obra de arte coletiva. [...] (Ediciones Summa et al, 1985, p.68)
A inserção de um novo personagem, o arquiteto mexicano Antônio Toca nas discussões, foi de grande valia para o seminário. Primeiro por sua contribuição teórica, ao exibir a visão mexicana sobre a questão das influências internacionais sobre a produção de seu país e ainda ao reivindicar enfaticamente uma postura cultural genuína, com características especificamente latino americanas. Segundo, porque sua participação no cenário mexicano e internacional lhe garantiu experiência e conteúdo para gerenciar o IV SAL em seu país. A proposta do seminário, realizado no ano de 1989 em La Trinidad, Tlaxcala, foi a execução de uma releitura das mesas do último encontro buscando dar continuidade às discussões e amadurecer o tema. Dividiram-se, portanto, quatro mesas para este evento, assim especificadas: “características da arquitetura latino-americana”; “dualidade entre declaração teórica expressa e a obra”; “a construção da cidade a partir das necessidades das sociedades de massas e, por último, “a recuperação e renovação da cidade histórica” (SOUZA, 2013, p.103)
Um ponto importante abordado no encontro foi a construção de uma análise crítica das interpretações realizadas sobre os encontros predecessores. Em uma crônica escrita pelo arquiteto Ramón Gudérmz pôde-se observar tais considerações e também o caráter continuísta da quarta edição: 98
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O documento das conclusões do III Encontro, realizado em Manizales, que os companheiros da Universidade Nacional da Colômbia prepararam, recapitula não só os trabalhos daquela jornada, mas também pronunciamentos anteriores, transformando-se em base de nossa “memória” enquanto movimento. Dele surgem valorações e leituras revisionistas de nossa produção arquitetônica americana que hoje se enriquecem com as noções de “outra arquitetura” de Enrique Browne, “arquiteturas paralelas” de Humberto Eliash, as “coincidentes pluralidades” que Adriana Frigoven recolheu e a adjetivação de “cidades do movimento moderno” para nossas urbes americanas que explicitou Silvia Arango. Esta “arquitetura divergente” – como a definira Marina Waisman - haverá de ser formada a partir da perspectiva de que, a partir da atitude comum, se manifestem múltiplas maneiras, sem atender aos alienantes reducionismos de uma linguagem formal comum. Assim, as dinâmicas cenográficas à moda ou aos reflexos, espelhos e miragens das plantas centrais que nos oferece a chamada “cultura arquitetônica” não encontrarão uma resposta simétrica e unificadora, mas uma nova alternativa de propostas que agitarão o andaime nominalista e mecanicista de Jencks ou Frampton, com seus etimológicos sistemas de classificação de regionalismos críticos e acríticos. (Ediciones Summa et al, 1985, p. 76)
Ou seja, já na quarta edição do evento era possível perceber a tentativa de taxar, nomear e classificar os intentos do movimento. Com relação se ao primeiro palestrante do evento, 99
Enrique Dussel - cuja teoria da transmodernidade foi abordada no capítulo anterior, Gudérmz declara que “...há mais de vinte anos [ele já] nos dizia lucidamente, que os americanos haviam por fim descoberto que um homem culto não é o que conhece muito sobre a história de outros, mas aquele que domina profundamente sua própria cultura” (Ediciones Summa et al, 1985, p.79). No quarto encontro, já se ensaiava uma proposta de conjunção de teoria e prática: Essa confluência de pensamento e teoria, uma fala de Marina Waisman que tem se propagado por gerações de latino-americanos 0 que permanentemente é alimentada por análises e reflexões – constitui uma das variáveis mas positivas de nosso esforço para com os Encontros de Arquitetura Latinoamericana. A atitude e a abertura levam a estimular o imprescindível jogo dialético da crítica e do desenho onde – renunciando as banalidades e aos elogios da sociedade de aplausos mútuos que tem sido construída pelos concessionários das vanguardas centrais – os arquitetos latino-americanos apresenta suas obras à consideração de seus colegas em um não usual gesto de confiança e respeito intelectual. (Ediciones Summa et al, 1985, p. 77)
Nesse encontro também foram debatidas questões relativas à gestão e participação popular, abrindo o debate “...sobre as modalidades de ação que pudessem dar poderes aos municípios, estruturadas pela organização e pelo protagonismo [...] comunitário” (Ediciones Summa et al, 1985, p. 77). Nesse sentido, entraram também em debate as medidas tomadas para atender a demanda de habitações populares e como tais soluções têm afetado as cidades. Ao fim da crônica, o autor reafirma as premissas do seminário declarando que “Tudo isso demanda assumir a história com acertos e erros, de começar a ver com melhores 100
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olhos aquilo que uma prolongada e tenaz leitura eurocêntrica nos fora omitindo com seu caráter transgressor de linearidade dependente. (Ediciones Summa et al, 1985, p. 76)
V SAL O quinto seminário é o introdutório de uma segunda fase do evento. Segundo SOUZA (2013), “... [o] V SAL não foi uma ruptura, nem mesmo uma censura dentro da história dos Seminários de Arquitetura Latinaoameiricana, mas sim a assunção pública e o ápice de um debate sobre a cidade latino-americana “ (SOUZA, 2013, p.11). A convocatória do evento, segundo a autora, declarava a necessidade de avançar o debate para uma próxima etapa, e “...a necessidade de os participantes elaborarem projetos especificamente para a temática do evento” (SOUZA, 2013, p. 136) intencionando que ao fim, houvesse a realização “...de um acordo coletivo que direcione a prática dos arquitetos” (SOUZA, 2013, p. 138) Efetivamente, nosso discurso aspirava transformar a cidade, não era somente com um objetivo de conhecimento erudito ou puramente acadêmico [...]. Aspirávamos introduzir com isto mudanças na maneira que se fazia a cidade” (Humberto Eliash em depoimento à Souza. SOUZA, 2013, p.139)
Para a construção do seminário, foi utilizada uma metodologia semelhante a utilizada no CIAM – a de uma comparação visual de propostas. Entretanto, [...] as legendas e escalas de representação, unificadas no IV CIAM para facilitar a comparação, são substituídas, no caso do encontro de Santiago do Chile, pela tentativa de enquadrar projetos com níveis de
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complexidade semelhantes: as cidades abordadas deveriam ter mais de um milhão de habitantes e as áreas de intervenção – necessariamente existentes e com indicações de sua exiguidade – deveriam ter entre 4 e 10 hectares. (SOUZA, 2013, p. 142)
A exposição de aspectos funcionais (como zona de uso comum e circulação) foram substituídas no SAL por propostas de “situações urbanas prototípicas” (SOUZA, 2013, p. 142) Situação A: área de cidade antiga com trama urbana existente e fachada continua; Situação B: área de cidade existente com trana urbana tipo cidade-jardim; Situação C: área de cidade existente, com edificação isolada de média altura; Situação D: área de cidade existente com características de periferia marginal (SOUZA, 2013, p.143)
A grande quantidade de projetos enviados (mais de 50), impossibilitou a realização de um debate e análises mais profundas sobre os pontos em comum abordados nos projeto; ou a construção de possíveis diretrizes para um urbanismo na América Latina. Entretanto, a proposta do seminário de implantar materialmente os discursos teóricos foi de extrema importância para o movimento e serviu de marco para a inserção de uma nova fase para o evento. Com a leitura de todas as falas acima descritas e de todo o material que a ele se referiu, é possível traçar uma correlação entre a ideia de uma arquitetura genuinamente latino americana - proposta pelos seminários, e a ideia de transculturação ou o pensamento limiar proposto por Walter Mignolo.
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TRANSMODERNIDADE E OS SAL’S
China
Cultura Islâmica
Outras culturas Modernidade
Índia
Ameríndia V SAL IV SAL III SAL II SAL I SAL
F19- Gráfico ilustrativo da transformação do pensamento dos seminários ao longo das edições no que diz respeito ao tratamento da cultura popular e da modernidade.
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Os dois primeiros seminários tiveram suas falas marcadas pela busca e compreensão do significado latino-americanidade e pelo questionamento da existência de algo que realmente pudesse ser considerado como ponto comum a todos os países. Foi possível observar uma grande divisão entre os que acreditavam haver uma cultura e um passado em comum e os que acreditavam no conceito como algo ahistórico, voltado para uma construção no presente para o futuro. No terceiro seminário a criação do Prêmio América e a busca de tornar os encontros mais “sérios” e científicos, denotou uma maior segurança no trabalho realizado e o início de uma genuína valorização do trabalho realizado por latino-americanos. Portanto, na terceira edição um maior número de pensadores encontravam-se à esquerda da linha da modernidade, e um grupo bem menor permanecia à direita. No quinto encontro, talvez pelas características dos organizadores, já foi possível observar uma constância dos participantes na intenção de adaptação de elementos externos à cultura latino-americana para a composição da cidade. A própria estrutura para proposição dos projetos para o concurso, que foi uma adaptação da lógica utilizada pelos CIAM evidenciam essa postura: funcionaram como referência, não como modelo replicado.
Ou seja, foi possível notar que com o passar dos eventos, um maior número de palestrantes posicionava-se sobre a linha que divide o universo da cultura tradicional/local do universo da cultura mundial. Essa postura, do arquiteto como interlocutor cultural é que pretende ser ensaiada no próximo capitulo.
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OLHAR PARA
DENTRO 107
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Após a leitura das falas do seminários, e, principalmente após a leitura do quinto seminário surgiu a necessidade de encaminhar o trabalho de um plano estritamente teórico para um plano teórico/prático. Como disse Mariano Arana: A arquitetura não se valida por intenções, por mais nobres que essas intenções possam ser. A arquitetura se valida em sua concreta estruturação espacial, volumétrica e material. (Ediciones Summa et al, 1985, p.28)
Entretanto, foi necessário pensar uma maneira de transitar de um tema tão amplo – que abarcou toda a américa latina, para um tema tão especifico quanto a materialização da teoria em um território/ espaço delimitado, como uma única cidade, por exemplo. A solução que mostrou-se mais coerente foi abordagem de problemáticas comuns à centenas de cidades latino-americanas e como a inter-relação arquiteto-citadino poderia colaborar para a redução de tais mazelas. Temas como altas taxas de crescimento populacional e a consequente expansão da cidade “informal”; o conflito entre comunidades de culturas pré-coloniais (indígenas, quilombolas) e agropecuaristas pela posse de terras; a atuação do movimento moderno na desconstrução/recriação de cidades; mostraram-se como potenciais para discussão. Tendo em vista a amplitude dos temas, o destrinchamento de uma única temática para exemplificar a construção do raciocínio foi a alternativa viável para a continuação do trabalho. O objeto escolhido foi a construção da cidade informal e mais especificamente as edificações de interesse social ou habitações populares.
HABITANTE-ARQUITETO No Brasil algumas medidas vem sendo tomadas para aproximar o arquiteto da criação informal da cidade – ou melhor, para permitir o acesso à arquitetura formal aos habitantes 109
da cidade que não possuem condições financeiras para contrata-lo. Em 24 de dezembro de 2008 foi revogada no Brasil a lei 11888, que: Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social[...]
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11888.htm)
Tal lei representa um avanço incomensurável no que diz respeito a construção das cidades pois passa não só a reconhecer a informalidade como elemento latente do meio urbano, como também busca garantir legalmente o acesso à soluções previamente estudadas e aplicadas com sucesso, que podem ser repassadas aos moradores. A ação dos escritórios modelos nas Universidades do país têm visado atender à prerrogativa da lei e cumprem o papel de condutores do debate da relação do arquiteto com seu papel social. Entretanto, tanto a legislação quanto a ação dos escritórios modelos tratam a troca de conhecimento como unilateral (do arquiteto para o morador) e não como bilateral. Tal medida nega mais uma vez as potencialidades e valores que a cultura popular tem a transmitir. Um exemplo desse potencial pode ser observado na invenção de Alfredo Moser, um mecânico brasileiro, da cidade de Uberaba, em Minas Gerais, que encontrou uma solução simples, barata e sustentável de trazer iluminação para dentro de sua casa. A técnica consiste na utilização de uma garrafa pet descartável, cloro e água. A difração da luz promovida pela água contida no recipiente transparente proporciona a iluminação equivalente a uma lâmpada incandescente comum e, o cloro presente na água, evita que esta apresente formação de fungos e musgos.
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F20 - A lâmpada d’água.
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A solução encontrada pelo mecânico foi abraçada por uma instituição filipina denominada My Shelter, que têm levado luz à milhares de residências no país. Este outro caso, apresenta uma solução barata para a criação de calhas. Constitui-se da utilização de um cano de pvc comum de 100mm, que ao ser receber uma abertura longitudinal é encaixado na telha e cumpre perfeitamente o papel da calha. A solução é cerca de 40% mais barata do que a tradicional. Partindo das análises descritas anteriormente, estudou-se a aplicação de um novo mecanismo de hiperlink ou ferramenta para a transmissão e troca de conhecimentos entre o popular e o erudito.
F21 E 22 - Calha de tubos de pvc.
Pensou-se na criação de cartilhas com de conceitos básicos de arquitetura e urbanismo que poderiam ser de grande valia para a autogestão da construção como: plantio de árvores, a importância do calçamento para qualidade urbana, dimensionamento de esquadrias para iluminação e ventilação, a escolha do posicionamento da casa de acordo com a orientação solar, e outros mais. Em uma das orientações, ao criar o raciocínio e 112
a possibilidade de uma ferramenta, surgiu a ideia da proposição de um aplicativo. Este, dependeria somente de uma conformação inicial para funcionamento – uma interface, e uma organização básica de conteúdo para funcionar. O propósito do aplicativo seria o de ter seu conteúdo preenchido por usuários ao redor do mundo, a medida que estes realizassem registros fotográficos de suas soluções e que descrevessem o modo de executá-las. Assim, tanto leigos quanto profissionais da área poderiam compartilhar de maneira horizontal suas descobertas e inventividades. Substituição de materiais construtivos mais dispendiosos por outros mais sustentáveis, maneiras de captar energia solar e eólica sem o uso de tecnologias caras, divulgação de técnicas construtivas de fácil assimilação (como a permacultura) e uma infinidade de outras informações poderiam O aplicativo atuaria como dispositivo para a construção de uma arquitetura a um urbanismo fronteiriços convergindo para um mesmo canal uma gama imensa de informações.
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CONCLUSテグ 115
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Após todo o crescimento que esse trabalho significou, encontro dificuldades para relatar conclusões. As muitas leituras mostraram-me o quanto há ainda a aprender sobre essa temática e tudo o que foi apreendido representa só o início de um redirecionamento do meu olhar sobre as cidades, os citadinos e os habitantes do continente latino-americano. No processo de construção do trabalho ficou clara a importância do papel do orientador/ professor como “elemento fronteiriço”. O tratamento horizontal dado e troca mútua de conhecimento só me fizeram acreditar ainda mais na importância de valorizar na mesma medida o saber que cada ser humano possui – seja ele erudito ou popular. O encorajamento e a crença na minha própria potencialidade mostram-se grandes formadores de possibilidades. Possibilidades essas tão comuns na realidade do citadino que, ao encontrar-se desprovido do conhecimento acadêmico/técnico, acaba encontrando maneiras tão inusitadas de construir a cidade. Assim, o papel do arquiteto seria de catalisar as assertividades e auxiliar na solução dos erros. A tentativa de não promover uma repetição do que é habitual nos projetos de graduação da presente universidade – apresentar o projeto aos convidados à apresentação, receber uma avaliação e inserir uma via do trabalho nas prateleiras da biblioteca, me levaram a pensar em novas possibilidades para o projeto. Comecei a me perguntar se seria válida tentativa compartilhar as leituras que promoveram em mim a abertura de muitos horizontes com outros alunos do curso e me propus a testar a promoção de mesas redondas sobre tais temáticas. Até o presente momento (da escrita deste texto) não consigo declarar se a decisão foi assertiva ou não. Mas, é possível afirmar que acredito plenamente no questionamento constante de paradigmas como forma de construção de conhecimento.
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