Revista do Jardim Zoologico | Maio 2009

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MAGAZINE SEMESTRAL Nº 9 · MAIO 2009

carnívoros: o topo da cadeia precisa de ajuda tratamento vip aqui e em todo o lado 125 anos pela natureza


Ficha técnica

Coordenação Serviço de Marketing

Conteúdos Marta Lopes

Design Serviço de Marketing

Tiragem 30.000 exemplares


{sumário} {5} Editorial em evolução {6} campanha 2009 mais perto de todos {7} EAZA 2009 carnívoros: o topo da cadeia precisa de ajuda {10} os mais antigos urso de ouro tratamento vip {17} animais saudáveis tratar-lhes da saúde {18} a MAIS FAMOSA atracção estrelas do mar {20} 125 anos de jardim zoológico 125 anos pela natureza {24} Fora de portas aqui e em todo o lado {26} Agenda

de maio a outubro

{27} EMPRESAS QUE APOIAM O JARDIM ZOOLÓGICO obrigado



Jardim Zoológico

EDITORIAL

{em evolução} São 125 anos em constante ebulição. 125 anos sempre em evolução. Já passou mais de um século desde o nascimento do Jardim Zoológico, mas este, como casa viva que é, nunca deixou de mudar. As melhorias são visíveis: instalações cada vez mais selvagens e adequadas às necessidades dos nossos habitantes, técnicas veterinárias e de tratamento em constante actualização, aumento dos espaços verdes. Irá, nestas páginas, conhecer a história do seu Jardim Zoológico, desde a criação até ao papel que desempenha nos dias de hoje. Esta é uma história que poderia ser acrescentada todos os dias, já que o Zoo se transforma a cada minuto que passa – exactamente como a Natureza. Neste número comemorativo, fazemos uma espécie de visita guiada ao Jardim Zoológico, mostrando-lhe aquilo que os visitantes normalmente não vêem. Damos-lhe a conhecer, por exemplo, alguns dos mais antigos tratadores, que têm um dos papéis principais no bem-estar dos animais e no bom funcionamento do Zoo. Explicamos-lhe como funciona o nosso Hospital Veterinário, essencial para manter a saúde de todas as espécies. Não poderíamos deixar de contar também a história do Centro de Vida Marinha, onde se situa um dos mais famosos espaços do Jardim: a Baía dos Golfinhos. É aí que acontecem as tão apreciadas apresentações de animais marinhos, que têm como principal missão transmitir a importância de cada um de nós na preservação da Natureza. É precisamente na área da preservação da Natureza que o Jardim Zoológico tem uma actuação de enorme importância. Mais do que um espaço privilegiado de entretenimento e educação, o Zoo tem sido um motor na protecção do meio ambiente e dos animais ameaçados. Irá conhecer melhor essas acções específicas nesta revista. Levamo-lo numa viagem à roda do mundo para lhe mostrar os programas de conservação que contam com o contributo do Jardim e apresentamos-lhe a EAZA (Associação Europeia de Zoos e Aquários) que, este ano, tem as atenções viradas para os carnívoros ameaçados. A cooperação internacional é fulcral para que consigamos combater a destruição dos habitats e, assim, salvar uma grande quantidade de espécies da extinção. Esta é a grande missão do Jardim Zoológico. A acção humana tem sido, infelizmente, nefasta para os outros animais que connosco coabitam no planeta Terra, por isso, tem de ser também a mão humana a lutar para que a situação se inverta e se afaste da catástrofe natural que, de vez em quando, se avista no horizonte. Daqui a 125 anos, as notícias serão certamente melhores. O Jardim Zoológico compromete-se com a Natureza, de que fazemos todos parte, a continuar a cumprir o seu papel: ser uma verdadeira Arca de Noé, onde cada um de nós é convidado a viajar. Mais uma vez, quero agradecer a todos aqueles que têm contribuído para que a Missão do Jardim Zoológico seja cumprida: funcionários do Jardim, visitantes, parceiros, voluntários e amigos. A todos um Muito Obrigado!

Francisco Naharro Pires Presidente

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Jardim Zoológico

CAMPANHA 2009

Gravação do spot publicitário.

mais perto de todos Em 125 anos, o Zoo cresceu, mas, ao contrário dos Homens, não envelheceu. Está, antes, cada vez mais jovem.“O novo Jardim Zoológico de sempre” é o conceito da nova campanha publicitária para os 125 anos do Zoo, desenvolvida pela agência MSTF Partners. A campanha pretende divulgar um Zoo com o mesmo espírito que lhe deu um lugar de honra no imaginário português, mas em constante mudança. São grandes e muito visíveis as alterações que sofreu: a modernização dos espaços, a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida animal, um bilhete único para toda a oferta disponível. Serão diversos os veículos desta campanha, que será completada com acções de rua, em espaços como as praias, centros comerciais, Metro e no aeroporto de Lisboa. Desta forma, faz-se a todos um convite directo para conhecer (ou voltar a conhecer) o “velho novo Jardim Zoológico”. A cada dia mais selvagem, o Zoo tem para a nova campanha um mote mais do que apropriado: “125 anos cheios de vida”.


carnívoros o topo da cadeia precisa de ajuda

lobito

Pensamos em animais em vias de extinção e lembramo-nos de elefantes mortos a tiro nas savanas africanas ou de Ursos-polares a quem o aquecimento global destrói o habitat de gelo. Mas, afinal, também há espécies em perigo aqui, muito perto de nós.

U

m dos principais motores da luta pela conservação da Natureza na Europa é a EAZA – Associação Europeia de Zoos e Aquários. Os fundos angariados pelas campanhas desta associação são directamente aplicados em projectos de conservação in situ. Também o Jardim Zoológico pertence à EAZA e, como tal, cumpre a estratégia mundial para a conservação, definida pela Associação Mundial de Zoos e Aquários (WAZA), pelo Grupo de Especialistas de Reprodução para a Conservação (CBSG) e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Este ano, a atenção vai para os animais carnívoros. Lobos, Ursos, Linces e outros enfrentam há muito tempo

um grave problema: na Europa, dificilmente se encontram áreas naturais intocadas pelo Homem. E é mesmo dessas áreas que os carnívoros dependem. Mas, mostrando que são resistentes, estas espécies estão a regressar ao nosso continente. Já que são as populações humanas que alteram, às vezes de forma trágica, as paisagens e a vida dos animais que nelas habitam, cabe também ao Homem meter mãos à obras para restaurar o equilíbrio. No caso dos carnívoros, o grande desafio está nos números: enquanto umas espécies se expandem, outras estão em perigo de extinção. É para alterar esse grave estado das coisas que a EAZA dedica a sua Campanha de 2009 a estes animais: está em marcha o SOS Carnívoros.


Jardim Zoológico

sos por toda a europa Os animais da ordem Carnívora vão desde a Doninha de 80 maior dos Linces, apesar de este ser tão avesso ao contacto gramas até ao Urso-polar de 800 kg. Une-os o facto de tecom o Homem, que raramente é avistado. Mas o principal rem todos patas com quatro ou cinco dedos que terminam desafio para a sua sobrevivência é a redução do habitat disem garras, dentes afiados, maxilas fortes e, infelizmente, ponível, devido à desflorestação e à fragmentação do territóas vidas postas em perigo pela ameaça Humana. Os maiorio causada pelas actividades humanas. res conflitos entre carnívoros e Homens dão-se ao nível do Nas histórias, tem sempre “Mau” como segundo alimento e do espaço. A falta de alimento na Natureza leva nome: é invariavelmente o vilão. Mas, na realidade, o Loboos animais a saciar a fome entre o gado, que o Homem tencinzento enfrenta um grave perigo de extinção. No século ta defender abatendo os predadores. As soluções podem XIX, quando passou a ser o “mau da fita”, esta espécie foi passar por cercas eléctricas e o uso de cães de gado. Mas exterminada em quase todos os países do Norte e Centro o principal desafio é diminuir a caça da Europa. Além do abate directo pelo dos alimentos naturais dos carnívoHomem, a desflorestação também O principal desafio para ros que, apesar de muitas vezes iletem posto entraves à sobrevivência a sua sobrevivência é a gal, continua a ser estimulada pelo deste animal, que tem uma orgaredução do habitat dismercado das peles. Por outro lado, a nizada vida em alcateia, com uma ponível, devido à desfloexpansão humana tem fragmentado rígida hierarquia e uma grande derestação e à fragmentação os territórios dessas espécies, que dicação às crias. Essa forma de viver do território causada pelas vêem assim dificultada a reprodutalvez seja a razão pela qual o Lobo actividades humanas. ção e a sobrevivência. Para colmatar está, apesar de tudo, a recuperar e a esta falha, a gestão do território deve ser feita através do aparecer de novo na paisagem europeia. desenvolvimento sustentável: construção sim, mas planeada, Por último, o maior carnívoro do continente. O Ursocriando corredores que permitam aos animais não estarem pardo existe apenas em pequenas populações: menos de confinados a uma área restrita. 20 espécimes divididos por duas populações nos Pirinéus, Uma das espécies mais afectadas pela procura de peles 40 a 50 nas montanhas Appenine, em Itália, e 30 a 40 nos para vestuário é a Raposa-vermelha. A sua caça é legal na Alpes. Infelizmente, o seu volumoso tamanho não é sufimaioria dos países europeus, embora a sua existência seja ciente para fazer frente à caça ilegal e à destruição do habiessencial para a agricultura: como se alimenta de coelhos, tat. É pela vida do Urso-pardo e de todos os outros animais lebres, ratos e insectos, acaba por controlar as populações em perigo que se bate a Campanha 2009 da EAZA, espalhade roedores. A caça também afecta o Lince-euroasiático, o da por toda a Europa.

© Astrid Schute

© Astrid Schute

FORA DE PORTAS

© Peter Cairns

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Jardim Zoológico

© Parque Natural da Madeira

EAZA 2009

uivos em português Em Portugal, a EAZA apoia “O Lobo e o Homem: Parceiros na va caça ao coelho, o Homem tem contribuído para este prosobrevivência”, um projecto de conservação do Lobo-ibérico. blema também com as armadilhas que monta para outras Esta sub-espécie do Lobo-cinzento tem a sua sobrevivência espécies, onde muitas vezes caem linces. Frequentemente, seriamente posta em causa. Existem cerca de 2.000 na Natuencontram-se ainda crias atropeladas. reza, 300 deles no norte do nosso país e os restantes em EsTalvez seja uma surpresa, mas também no mar há carpanha. Além do medo, que leva os Homens a abater os Lobos nívoros e alguns enfrentam graves riscos de extinção. É o caso sempre que os avistam perto do gado ou de povoações, há ainda Foca-monge-do-mediterrâneo, cuja população mundial não da que lidar com a caça dos animais que servem de alimento ultrapassa os 500 animais. Em 2008, foi fundada a Aliança Ina esta espécie e com a fragmentação e destruição do habiternacional para a Conservação da Foca-monge-do-meditertat, causadas pela má gestão dos territórios. Para resolver, râneo, cuja acção já se sente, nomeadamente no Arquipélago estes problemas, o projecto, apoiado da Madeira. De lá, chegam boas notícias: pela Faculdade de Ciências de Lisboa existem 30 focas e a tendência é para O medo leva os homens a e o Clube do Cão de Castro Laboreiro, aumentar. Ainda no mar, encontramos abater os lobos sempre que pretende reduzir a quantidade de esem perigo o Golfinho-roaz. Em Portuos avistam perto do gado tragos provocados por Lobos no gado, gal, um dos poucos países do mundo ou de povoações. A caça dos com a divulgação de algumas técnionde esta espécie de golfinho vive peranimais que servem de alicas de segurança. Irá ainda informar to do Homem, podemos encontrá-lo no mento a esta espécie é tamsobre a coexistência com os Lobos e estuário do rio Sado, por exemplo. Tanbém uma grande ameaça. procurar melhorar os sistemas de into no caso do Golfinho-roaz como no demnização de prejuízos dos criadores de gado. da Foca-monge-do-mediterrâneo, os perigos vêm sobretudo O Lobo não é o único carnívoro a precisar de ajuda da poluição dos oceanos, da circulação dos barcos, do aprisioem Portugal. O caso mais conhecido é, provavelmente, o namento acidental em redes de pesca e da sobre-exploração do Lince-ibérico. E há uma forte razão para isso: é o felino pesqueira, que tem originado uma escassez de alimento. mais ameaçado do mundo. Existem apenas cerca de 200 esOs mamíferos carnívoros estão no topo da cadeia alipécimes, em Espanha, já que a sua presença em Portugal mentar, mas têm caído patamares no que toca à pirâmide não está confirmada. Uma das principais razões para este da sobrevivência. Ajudá-los é também ajudar o trabalho sério e muito real risco de extinção é a diminuição do Cohumano: sem estes predadores, coelhos, ratos, aves, répelho-europeu (menos 95% desde 1950), que compõe quase teis e insectos podem tornar-se pragas para a agricultura. totalmente a alimentação do Lince-ibérico. Além da excessiÉ urgente uma coexistência pacífica. Para bem de todos.


urso de ouro No Jardim Zoológico, há um animal que está lá há mais tempo que os outros. Não tem um nome registado, mas ninguém se esquece dele. O animal mais antigo do Zoo é um Urso-pardo macho, com 23 anos e 14 filhos.


Jardim Zoológico

OS MAIS ANTIGOS

C

ientificamente, chama-se Ursus arctos, pertence à orÉ neste Inverno adormecido que as fêmeas têm as crias no dem Carnívora e à família dos Ursídeos. É um animal útero, sem desenvolvimento. Apesar de não terem qualquer grande, de corpo pesado e robusto, cauda curta e patas tipo de actividade fisiológica, os Ursos-pardos em estado fortes com cinco garras, que utiliza para escavar o solo em de letargia podem acordar facilmente para se defenderem busca de alimento ou abrigo, para pescar, trepar e defenderde eventuais predadores. É este o motivo que leva muitos se. O seu tamanho pode tornar-se um pouco assustador, especialistas a não chamar hibernação a esta fase. apesar do focinho comprido e das orelhas curtas e redondas Felizmente, ainda se podem encontrar bastantes de desenho animado. Mas na verdade, um Urso ‘de pé’, por Ursos-pardos. Mas, apesar de esta espécie não estar ameexemplo, apoiado apenas nas patas posteriores, não está em açada, a sua área de distribuição actual é muito restrita. postura agressiva, mas sim curioso ou vigilante. Antes, existia numa enorme superfície, desde as Ilhas Os Ursos-pardos podem encontrar-se em grupos Britânicas e a Península Ibérica, até à ilha de Hokkaido, no relativamente pacíficos, em locais onde haja alimento em Japão, na América do Norte e no Norte de África. Agora, já abundância, mas são maioritariamente animais solitários. não existem no continente africano e na América enconMarcam o seu território com raspagens nas cascas das ártram-se principalmente em áreas protegidas. Na Rússia vores, onde esfregam as costas e deixam pêlos e odores. ainda são relativamente abundantes, mas têm visto os seus São animais omnívoros, como os Homens, mas sobretudo habitats destruídos e reduzidos pela exploração no leste da vegetarianos. As suas ementas são compostas por herbáSibéria. Vivem em florestas de coníforas (uma espécie de ceas, frutos, raízes, sementes, insectos, mel, peixe (como árvores e arbustos), em regiões montanhosas e na tundra truta e salmão), ovos e juvenis de aves, roedores, veados, (vegetação que aparece no período de degelo da estação renas, alces ou gado doméstico. A caça de animais não é, no ‘quente’ das regiões de clima polar). O Urso-pardo é um anientanto, muito frequente. Falta saber se afinal o alimento mal curioso, com uma dieta versátil e rápido na aprendizafavorito é mesmo o mel... gem, o que o torna muito adaptável, É entre Maio e Julho, no períomas a baixa densidade populacional ... as crias de Urso são, de do mais quente, que se reproduzem. e a lenta maturação sexual dificulentre os mamíferos, as Os machos lutam pelas fêmeas e tam a recuperação das populações. mais pequenas comparatiformam-se casais de curta duração. Além disso, esta espécie necessivamente ao tamanho adulO embrião resultante do acasata de muito espaço para manter a to: nascem apenas com 400 lamento fica perto de 5 meses no variedade genética, mas a maioria a 500 gramas! útero da mãe, sem se desenvolver. das reservas não é suficientemente A gestação propriamente dita dura grande. Por falta de experiência de apenas 60 dias. Por isso, as crias de Urso são, de entre sobrevivência das fêmeas e das crias, os Ursos-pardos são os mamíferos, as mais pequenas comparativamente ao animais difíceis de reintroduzir. tamanho adulto: nascem apenas com 400 a 500 gramas! Em habitat natural, esta espécie dura entre 20 e 25 Os pequenos Ursos são desmamados com cerca de um ano e anos. O Urso-pardo do Jardim Zoológico já carrega 23, mas, meio e ficam com a mãe até terem aprendido as técnicas de sob cuidados humanos, ainda estará ali certamente para o sobrevivência necessárias, por volta dos três a quatro anos vermos durante mais alguns anos. E nem precisa de nome. de idade. Atingem a maturidade sexual entre os quatro anos Basta dizer que é o animal mais antigo do Zoo. e meio e os sete anos, embora os machos só cheguem ao tamanho necessário para se tornarem reprodutores, entre os oito e os dez anos. Durante o Verão e o Outono, a meta é engordar. É aqui que atingem o peso máximo, podendo chegar mesmo aos 780 Kg, no caso dos machos. É que, quando chega o Inverno, os Ursos param. Recolhem-se numa cavidade subterrânea forrada com vegetação seca e ali ficam silenciosamente num estado letárgico. Nesta altura do ano, o alimento é escasso e por isso o Urso precisa de ter uma grande quantidade de energia acumulada, de forma a manter a temperatura do corpo. Esta, de qualquer forma, é reduzida, assim como a velocidade dos batimentos cardíacos e a taxa metabólica, para poupar o máximo de energia.

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{12} OS MAIS ANTIGOS Jardim Zoológico

tratamento vip É deles que vem a comida, a água, a limpeza. Mas é também deles que vem a atenção, o carinho, a preocupação – talvez mais importantes que tudo o resto para os animais. Falamos dos tratadores. Aqui, conhecemos quatro dos mais antigos: António Marques, Arminda Dias, Carlos Alberto e Valter Elias. Quatro histórias de dedicação; quatro exemplos da entrega de todos os que trabalham no Zoo.


António Marques na instalação dos rinocerontes-indianos


{14} OS MAIS ANTIGOS Jardim Zoológico

acima de tudo, amor. De olhos atentos e walkie-talkie no bolso, António Marques, de 47 anos, não tem dúvidas: “ser tratador no Jardim Zoológico tem muito que se lhe diga...” Responsável pelas áreas dos herbívoros, este tratador está todos os dias antes das 8h, pronto para as suas tarefas: começa por ir verificar os rinocerontes, depois os bisontes e todos os outros animais. Se alguma fêmea está para parir, o cuidado é redobrado – há que ver se a cria nasceu e garantir que tudo correu bem. O tratador tem de ter também um pouco de adivinho, no que toca à saúde dos animais. “Eles não vêm dizer que lhes dói uma pata ou um dente. Às vezes fico preocupado se vejo um animal um pouco triste”, explica. Este trabalho é fundamental para o bem-estar dos inquilinos do Zoo, já que, como diz António Marques, “há coisas que só um Arminda Dias com os Lémures-de-cauda-anelada. tratador, que está com eles todos os dias, é que consegue descobrir”. E são os tratadores que chamam a atenção dos a amiga dos primatas veterinários quando alguma coisa parece estar mal. A mudança da idade de reforma não a assusta nem lhe causa Às vezes, as notícias não são mesmo as melhores. Foi o grande transtorno. Arminda Dias tem 60 anos e continuar caso da Margarida, uma cria de Rinoceronte-indiano, a espécomo tratadora no Jardim Zoológico por mais uns tempos é, cie favorita de António. O tratador recorda que passou 65 dias na verdade, algo que faz com muito gosto. São já 45 anos de praticamente dedicado a esta pequena rinoceronte doente; trabalho e a dedicação não é nem um pouco menor. fazia mesmo visitas durante a noite para lhe dar leite. Apesar Gorilas, orangotangos, chimpanzés e lémures: sejam de todo o esforço, quando a operavam a um quisto no olho, grandes ou pequenos, Arminda trata de todos os primatas. Margarida não resistiu e morreu. Apesar de a perda de um Mas nem sempre foi assim. Recorda: “quando soube que animal ser sempre motivo de tristeza, esta tocou mais fundo o Jardim Zoológico estava a precisar de pessoal, vim cá e em António: “não tenho vergonha de dizer, dessa vez chorei”. entrei logo no dia seguinte”. Lembra-se perfeitamente da Já passaram 33 anos, mas ainda se emociona. António data: 14 de Setembro de 1964. A sua primeira função foi Marques começou a trabalhar no Jardim Zoológico, onde o prestar serviço auxiliar, depois passou para o sector das pai era motorista, com apenas 14 anos, nos barcos junto à aves e finalmente para os primatas. entrada. Ao longo de todo este tempo, o Neste sector fez grandes amigos. tratador tem notado grandes melhoApesar de a perda de um Não falamos apenas das pessoas com rias na vida do Zoo. Além das instaanimal ser sempre motivo quem trabalha, mas principalmente lações que cada vez se assemelham de tristeza, esta tocou mais dos animais. “Somos todos amigos”, mais aos habitats naturais, também fundo em António: “não teconta Arminda, “Claro que é preciso “os tratadores são mais empenhados nho vergonha de dizer, dester cuidado, mas eles gostam muito no tratamento do animal”. E isso é, sa vez chorei”. de nós”. A tratadora fala com especial para si, o mais importante. Apesar carinho da Gorila Baki, que, em pequede alguns acidentes, como da vez em na, a acarinhava com beijinhos. “É a menina dos meus olhos”, que quase foi marrado por uns chifres de quase 1,50m ou foi confessa. Apesar de lidar com animais que podem impôr algum empurrado pela tromba de um elefante que acordou assusrespeito, como os Gorilas, Arminda sente-se em perfeita segutado, António não deixa de gostar muito dos animais. Afinal, rança. Era precisamente com um Gorila, o Matias, que passeava explica, “temos é de saber estudar os animais, ver até onde num carrinho pelo Zoo. Recorda um episódio caricato: “a dada podemos ir e sentir a sua confiança. Apesar de estarem sob altura, quando começou a crescer, ele agarrava-se às pernas cuidados humanos, são selvagens na mesma”. das pessoas. Uma vez agarrou-se à perna de um senhor e rasNada dá mais prazer a este tratador, do que chegar de gou-lhe as calças!” Arminda percebeu que o Matias, apesar de manhã e ver que todos os animais estão bem e com saúde. sempre amigável, já era demasiado crescido para poder andar Sejam zebras, girafas, impalas, camelos, rinocerontes ou por entre os visitantes. “A partir daí, deixou de sair”, conclui. outras espécies menos conhecidas, o fundamental é o apreA tratadora sentiu grande pesar quando o Jardim Zoológico ço que lhes tem. “Temos de gostar muito dos animais e pasperdeu este simpático Gorila. “Ele já era velhote”, lembra, “mas sarmos para eles esse amor. Eles precisam de o sentir”.


Carlos Alberto junto da instalação dos elefantes.

chorei bastante. É como se fosse uma pessoa da nossa família. Chega por volta das 6:30 para fazer a habitual ronda. “Vejo Nós criamo-los pequeninos, depois choramos por eles.” se há algum animal que precise de ajuda, para depois avisar Arminda gosta tanto do seu trabalho, que chega sempre o meu chefe ou os serviços veterinários”, conta. Depois, seja mais cedo. “Gosto de vir cedo. Há muitos anos, vinha com o no parque ou no Hospital, está onde é preciso. As suas funmeu marido, que também trabalhava cá. Agora sou viúva, mas ções, ao longo de todos estes anos, foram inúmeras. Quancontinuo a vir. Habituei-me.”, conta. Quando chega, cuida imedo entrou, aos 21 anos, foi jardineiro, função que cumpriu diatamente da limpeza das instalações e da alimentação dos durante um ano. Também foi carroceiro, no tempo em que animais. A tratadora, tal como os outros funcionários do Jarainda não havia camionetes para transportar o estrume. dim Zoológico, faz tudo o que é necessário ao bem-estar dos “Até fui vaqueiro!”, lembra. “Antes tínhamos uma vacaria, onde primatas, desde dar medicamentos até alimentar à colher tirávamos leite para dar aos chimpanzés e ao restaurante”. algum animal debilitado. Apesar de, ao fim de tanto tempo, ter apreço a todos Após tantos anos ao serviço dos animais, Arminda os animais, não hesita se lhe perguntam qual o favorito: “os Dias nota grandes melhorias: “o Jarchimpanzés!”, diz com convicção. Prindim está lindo, para nós e para os cipalmente um, Dari. “Fui buscá-lo ao Ia deixar os animais ao Teavisitantes. Está lindo!” O que não Algarve quando era pequenino, tinha tro Aberto para as gravações mudou foi o afinco com que se cuida uns 8 ou 10 anos”, explica. O pequedo Fungagá da Bicharada, dos animais. Para a tratadora, eles no Dari estava nas mãos de um casal programa infantil apresenestão como sempre foram: muito algarvio, que, quando o animal cresceu tado por Júlio Isidro. Uma bem tratados. E isto porque a cume ganhou força, deixou de conseguir vez, cheguei mesmo a levar plicidade entre tratadores e animais cuidar dele. Carlos Alberto recorda um elefante! é grande. Arminda conta: “nós falao momento: “para o apanhar foi um mos com eles e eles percebem tudo o que dizemos. Só lhes castigo. Ele não dava a mão e mordia. Tivemos de pôr umas falta falar!” E, se pudessem falar, o que diriam a estes probananas num bidão de petróleo e esperar que ele entrasse”. fissionais dedicados? Provavelmente, “obrigado”. Os chimpanzés eram também os seus companheiros nas viagens até à Praça de Espanha, quando ainda era permitida como a palma da mão a saída de animais do Zoo. Ia deixá-los no Teatro Aberto para Aprendeu com os sul-africanos a chegar a casa e escrever as gravações do Fungagá da Bicharada, programa infantudo o que se passou no seu dia. Tem em papel (escrito e til apresentado por Júlio Isidro. Uma vez, chegou mesmo a fotografado), com a ideia de um dia publicar um livro, muilevar um elefante! tas lembranças que já não cabem na memória. É que são já Mas Carlos Alberto viajou até bem mais longe. Foi ele 53 anos. Não a sua idade, essa é 74, mas a quantidade de que levou a famosa Rinoceronte-preta Shibula de volta ao anos de trabalho no Jardim Zoológico. Falamos de Carlos habitat natural, na África do Sul, onde vive em liberdade Alberto, o tratador mais antigo do Zoo. com as suas quatro crias.


Valter Elias numa das apresentações da Baía dos Golfinhos.

O tratador acredita que agora os profissionais do Jardim Zoológico estão mais habilitados para o seu trabalho: “Antigamente não tínhamos formação nenhuma”, explica, “Também eram só meia dúzia de bichos...”. Contador de histórias, recorda uma de quando os tempos eram diferentes: “Estávamos a transportar um Babuíno. Pelo caminho, partiu a gaiola e abalou. Ao pé do Hospital de Santa Maria havia uma vacaria e o macaco entrou lá para dentro. Ele andava lá de volta dos vitelos! O vaqueiro ofereceu-nos uma forquilha, mas nós apanhámo-lo com uma rede na porta.” Mas um ou dois sustos e as mudanças não impedem que conheça o Jardim como a palma da sua mão. Viu nascer muitas crias, assistiu ao seu crescimento, sentiu saudades quando as viu partir para os seus habitats naturais ou para o outro lado da vida. Carlos Alberto é que permanece, naquela que é a sua segunda casa.

Aquático e veio a Portugal com os “Golfinhos de Miami”, espectáculo itinerante que animou o Zoo durante seis meses. Depois de uma passagem pelo Zoo Marine, no Algarve, aceitou a proposta do Jardim para ficar como treinador de golfinhos. Já lá vão 21 anos a preparar o peixe, a alimentar os animais, a dar-lhes vitaminas, a preparar e fazer as apresentações. No que toca aos treinos dos Golfinhos e Leõesmarinhos, sabe muito bem do que fala: “a primeira parte do nosso trabalho, que é a mais demorada, é sempre ganhar a confiança dos animais. [Depois], é a teoria de Pavlov – um sistema de troca, um reforço, muito carinho e brincadeira”. Valter faz questão de frisar que os animais não são obrigados a fazer as suas proezas, mas tudo é ensaiado em tom de festa. O tratador desvenda um pouco dos mistérios dos Golfinhos: “o que as pessoas vêem é um espectáculo. Mas, se prestarmos atenção, os comportamentos que fazemos com eles são mais ou menos os que eles fazem em liberdade. dedicação total Para nós e para os animais, aquilo é um exercício, uma maValter Elias não tem animais preferidos, neira de mantê-los tanto física como mas não evita o entusiasmo na voz mentalmente bem, porque um ani“A primeira parte do nosso quando fala de Nazaré, a Baleia-pilomal numa piscina, só a ser alimentatrabalho, que é a mais deto que deu à costa nessa cidade e foi do, seria um pouco stressante.” morada, é sempre ganhar a entregue aos cuidados do Zoo. No fim A ajudar ao seu trabalho há as confiança dos animais.É a tedo ano, irá para outro delfinário, mais melhorias que surgiram ao longo dos oria de Pavlov – um sistema espaçoso, onde a esperam animais da anos, desde o tratamento da água à de troca, um reforço, muito mesma espécie. No entanto, as sauprópria construção das piscinas, que carinho e brincadeira.” dades já apertam. “A gente já vai chosão cada vez mais fundas e parecidas rando nos cantinhos”, confessa Valter, “chora um pouco aqui, com o habitat natural. Além disso, o tratamento dos animais um pouco ali, para se ir conformando”. Para o tratador, este antes era feito de forma mais intuitiva; não chegavam sequer animal é “um milagre” e os milagreiros foram os profissio- a pesá-los. Agora, os tratadores trabalham com medicina prenais, como ele, que chegaram a dormir várias noites ao lado ventiva, fazendo análises regulares aos habitantes da Baía dos da Baleia. Golfinhos. O que nunca mudou foi a dedicação. Valter recorda É sempre com dedicação que Valter Elias exerce as suas a noite de Natal que passou dentro de uma piscina, com um funções de treinador. Essa entrega vem do amor que tem aos animal nos braços: “enquanto todo o mundo comemorava, eu animais; um amor que apareceu muito cedo, no Brasil, onde estava a segurá-lo e a tentar salvá-lo”. Quando os animais donasceu. “Fui criado numa pequena fazenda e sempre tive entes não conseguem resistir e partem, o tratador afirma: “é animais domésticos e outros que não eram tão domésticos, um pedacinho da gente que vai embora”. como cobras...” Valter trabalhou como jardineiro, motorista, A Baía dos Golfinhos é um dos maiores sucessos do Zoo e segurança, polícia, esteve até numa fábrica de calçado e numa isso é também consequência da afeição que as pessoas facilagência funerária! Mas foi quando começou a trabalhar no mente sentem pelos Golfinhos. Valter Elias explica: “é um aniOceanário São Vicente que entrou no caminho que lhe estava mal que parece que está sempre a sorrir, sempre bem disposto”. destinado. Mais tarde, integrou a equipa da empresa Mundo E, com tratadores assim, tem todas as razões para isso.


Os veterinários do Jardim Zoológico, Rui Bernardino e Teresa Lobo Fernandes durante uma cirurgia para remoção de um abcesso na pata de uma tartaruga áligator (Macroclemys temminckii).

tratar-lhes da saúde Sem ele, não seria possível ter um Jardim Zoológico repleto de animais saudáveis que, às vezes, quase parecem sorrir a quem os visita. Esse é um sorriso muitas vezes garantido pelo Hospital Veterinário. Duas salas de cirurgia e um observatório, um laboratório para análises e reprodução assistida, salas para Raio-X e ecografias, salas de tratamento e uma enfermaria dividida por espécies de animais – as infraestruturas e equipamentos de qualidade ajudam a que a EAZA (Associação Europeia de Zoos e Aquários) reconheça o Hospital como o melhor dos Zoos europeus. Claro que a qualidade de um serviço não depende só de bom material; são as pessoas que realmente o fazem. Todo o nosso corpo técnico trabalha para que tudo funcione na perfeição. Os dias são imprevisíveis, já que os animais são todos muito diferentes. São sempre novas situações para as quais os veterinários têm de encontrar novas soluções. O bem-estar dos animais depende sobretudo de um bom

trabalho de equipa. As rondas diárias dos veterinários não são suficientes para verificar todos os animais, por isso dependem muito dos tratadores, que têm uma posição privilegiada para perceber se alguma coisa está errada. De facto, não seria possível estar sempre junto aos animais, já que o Hospital requer muita atenção. Cabe à equipa de veterinários a gestão do serviço, que inclui toda a logística, como a recepção de material e equipamento. O Hospital Veterinário é um dos principais veículos de comunicação com os outros Zoos. Congressos, apresentação de casos e publicação de artigos garantem que a informação circule entre a comunidade veterinária mundial. A troca de problemas e soluções permite assim que os veterinários estejam preparados para os casos que possam surgir.


estrelas do mar A Baía dos Golfinhos é uma das mais famosas atracções do Jardim Zoológico. Além da simpatia natural dos animais marinhos e da afinidade que os seres humanos facilmente criam com os Golfinhos, as apresentações diárias impressionam dos mais novos aos mais velhos. Mas nem sempre existiu o famoso espectáculo. Esta é uma história para contar.

N

ada poderia ter acontecido sem a veterinária Arlete Sogorb. Nascida no Brasil, veio para Portugal em 1989 onde acabou por ficar até hoje. Tinha chegado a altura de criar o que agora é a Baía dos Golfinhos. Um consultor finlandês e dois americanos juntaram-se ao Departamento de Arquitectura do Zoo, que havia definido como cenário uma vila piscatória. Todas as cabeças se uniram para criar esta enorme obra. Os barcos, as redes, as piscinas, tudo foi cuidado de modo a criar o melhor ambiente para os animais. Só faltavam mesmo as estrelas. Foi dos EUA, de Chicago e da Florida, que vieram os primeiros inquilinos do novo delfinário: quatro Golfinhos e os cinco Leões-marinhos. Nascia a Baía dos Golfinhos.

Preservar, preservar A Vila Piscatória como cenário foi o incentivo perfeito para se criar as histórias para os espectáculos de Golfinhos e Leões-marinhos. As histórias já passaram por várias versões, mas o objectivo permanece o mesmo: alertar para a importância da preservação e conservação das espécies. As apresentações dos animais marinhos, tal como todas as outras, têm como propósito não só transmitir conhecimentos sobre as espécies mas, principalmente, mostrar qual a missão do Jardim Zoológico e a melhor atitude que devemos ter perante a Natureza. Para cumprir o que diz, o Zoo sai da Baía dos Golfinhos e trabalha na rua. Mais concretamente, no rio Sado,


onde há uma população de Golfinhos em risco de desaparecer. Este é um problema sempre abordado nas apresentações, não só porque foi a mão humana a responsável por ele, mas também porque são os próprios Homens que o podem resolver. É o que está a tentar fazer o Jardim Zoológico, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB). Também tem como missão ajudar Nazaré, a Baleiapiloto que deu à costa na cidade com o mesmo nome e que acabou por ser entregue pelo ICNB aos cuidados do Zoo. Visto o Instituto ter considerado que o Nazaré não é reintroduzível no seu habitat natural, o objectivo

agora é transferi-lo para uma instituição que, tal como o nosso Jardim, pertence à Alliance of Marine Mammals Parks and Aquarium. Nessa instituição, a Baleia-piloto irá juntar-se a um grupo de animais da mesma espécie, onde poderá aprender comportamentos da sua espécie e, eventualmente, reproduzir-se. Deixará saudades, mas o seu bem-estar é o mais importante para o jardim Zoológico. O Nazaré terá uma história com final feliz, assim como têm todas as outras: a que se conta na Vila Piscatória e a da grande aventura que foi construir a famosa Baía dos Golfinhos. No que toca à preservação na Natureza, cabe-nos a todos dar um final feliz a cada história.


125 anos pela natureza Shibula é um Rinoceronte-preto fêmea. Tem quatro crias e vive em liberdade na África do Sul. Um casal de Ádax, mamíferos em vias de extinção, juntou-se a um grupo da mesma espécie em Hannover, na Alemanha, e hoje vive no seu habitat de origem. Tanto Shibula como os Ádax foram entregues pelo Jardim Zoológico. Contribuir para a protecção de espécies ameaçadas, recuperando-as e devolvendo-as ao seu habitat natural, é apenas uma das suas missões. Muito mais se faz aqui: investigação científica, programas de enriquecimento ambiental, educação e, claro, entretenimento.


Jardim Zoológico

125 ANOS DE JARDIM ZOOLÓGICO

melhoria constante Foi em 1884 que Pedro van der Laan, José Thomaz Sousa Martins e o Barão de Kessler, entre outros, apoiados pelo Rei D. Fernando II e por Bocage (que, além de poeta, era zoólogo), inauguraram o primeiro parque com fauna e flora da Península Ibérica. O Jardim Zoológico de Lisboa, inicialmente situado no Parque de São Sebastião da Pedreira, mudouse, em 1905, para parte da Quinta das Laranjeiras, morada fixa até hoje. Enviados pelas ex-províncias portuguesas em África e no Brasil, muitos dos animais do Jardim Zoológico eram exóticos, de espécies desconhecidas e, por isso, muito atractivos. Os governadores das colónias tiveram uma contribuição fundamental para que o Zoo possuísse uma das colecções de animais mais vastas e diversificadas do mundo. A curiosidade teve como resultado uma enorme afluência de pessoas para conhecerem aquelas estranhas espécies.

O sucesso do Jardim Zoológico, que recebeu a Medalha de Ouro da cidade de Lisboa em 1954, sofreu uma crise a partir de 1974. A queda do Estado Novo trouxe uma forte diminuição de apoios e a independência das colónias impediu que continuassem a chegar animais de lá. Como consequência, houve também um enorme decréscimo de visitantes. O Jardim pedia uma nova estratégia para poder ganhar outro fôlego e rejuvenescer. Essa brisa de mudança veio nos anos 80, com Felix Naharro Pires, que tomou posse da gestão e criou diversas áreas de trabalho com vista a melhorar os cuidados veterinários e de alimentação dos animais e ainda serviços comerciais, de marketing e relações públicas. O objectivo desde logo foi modernizar o espaço e os serviços. Foi nesta década que começaram as obras de melhoramento do Jardim. Gaiolas antigas deram lugar a novas instalações, mais naturalistas, e alguns es-

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{22} 125 ANOS DE JARDIM ZOOLÓGICO Jardim Zoológico

paços foram mesmo reconstruídos de forma a respeitar melhor as características das espécies. Diversos animais viram também a sua “casa” melhorada com a substituição do pavimento de cimento por terra, a introdução de mobiliário, plataformas, cordas, correntes e outras estruturas próprias para estimular o seu comportamento natural. Isto foi apenas o começo de uma restruturação que continua até hoje num Zoo cada vez mais rejuvenescido e selvagem.

Zoos deixaram de ser meros espaços expositivos. Têm como grande missão a protecção e preservação dos animais, com maior relevo para as espécies ameaçadas, garantindo o seu bem-estar e as condições necessárias para a reprodução. Esta missão não se cumpre apenas dentro dos muros dos Zoos, mas também nos habitats naturais, onde se tenta reintroduzir os animais sempre que possível. A acção do Jardim Zoológico na protecção animal é bastante concreta: das mais de 360 espécies que aqui habitam, 66 estão protegidas por EEPs (Programas Europeus de missão: educar para conservar Espécies Ameaçadas), que têm como objectivo criar condiA aposta nos cuidados dos animais e na relação com as ções para a reprodução de espécies ameaçadas pelo ser empresas foi acompanhada de um forte investimento na humano. O Jardim iniciou a sua participação nos EEP’s no área da educação. A actividade educativa nasceu em 1992 início dos anos 90, com quatro programas. Também é um com o programa de Visitas Guiadas, elemento activo de Studbooks, livros que levou mais longe o abundante de registos de pedigree relativos a Os zoos têm como grande conhecimento que já se adquiria só uma determinada população de uma missão a protecção e preserde ver e conhecer os animais. Em espécie animal sob cuidados humavação dos animais (...) ga1994, foi aprovado o primeiro “Pronos. É inclusivamente coordenador rantindo o seu bem-estar e as jecto Global dos Serviços Pedagógidos Studbooks da Impala-de-facecondições necessárias para a cos” e, dois anos depois, construído negra, da Niala e da Tartaruga-esreprodução. o Centro Pedagógico. No mesmo pinhosa. A investigação estende-se ano de 1996, abriu a Quintinha, um ainda a acções in situ, ou seja, nos espaço onde as crianças podem interagir com animais dohabitats naturais. Estes projectos de investigação não semésticos, aprender com os tratadores sobre as espécies riam possíveis sem a colaboração intensa que o Zoo mane a respeitar a Natureza em geral. Ter uma “aula ao ar tém com universidades nacionais e internacionais, com livre” ganha um novo significado, quando a sala de aulas quem promove estágios e projectos nas áreas da etologia, é o Jardim Zoológico, cuja colecção de animais que só se biologia e medicina veterinária. É de destacar que foi com vêem em livros e na televisão, torna a aprendizagem muia Estação Zootécnica Nacional que o Jardim Zoológico fez to apetecível. As “aulas” das visitas guiadas são complea primeira inseminação artificial a uma fêmea de Tigre-damentadas com programas de animação de tempos livres sibéria. realizados durante as férias. Estas acções completam-se com os projectos criaAs políticas educativas do Jardim seguem o caminho dos e implementados pela Comissão de Enriquecimento dos Zoos mundiais, que têm como objectivo informar os viAmbiental e com a reintrodução de espécies no seu hasitantes, em especial as novas gerações, no sentido de probitat natural, de que são exemplos a Rinoceronte-preta mover o respeito pela Natureza. De facto, actualmente, os Shibula e o casal de Ádax. Acontece com frequência, ani-

1884

1905

1954

É inaugurado o Jardim Zoológi- O Jardim Zoológico muda-se para O Jardim Zoológico recebe co, o primeiro parque com fauna a Quinta das Laranjeiras, morada a Medalha de Ouro da cidade de e flora da Península Ibérica. fixa até hoje. Lisboa.

1974

Queda do Estado Novo.


Jardim Zoológico

125 ANOS DE JARDIM ZOOLÓGICO

mais feridos ou doentes serem entregues aos cuidados do Zoo, que, depois de os tratar e recuperar, entrega-os ao Serviço Nacional de Parques e Florestas, para regressarem à vida em liberdade. O Jardim é também o porto de abrigo de muitos animais apreendidos, com a colaboração da CITES (Convenção Internacional sobre o Comércio de Animais). É ainda fundamental a participação do nosso Zoo nas campanhas de conservação da EAZA, de que são

1995

1996

exemplos um projecto em Madagáscar e outro na Austrália, para protecção dos Koalas [pode ler mais sobre os projectos EAZA nesta revista]. Todos os esforços do Jardim Zoológico de Lisboa, desde há 125 anos, fazem dele o melhor veículo para uma das mais importantes mensagens do mundo actual: a da conservação da Natureza. E essa é uma luta que está nas mãos de cada um de nós.

2006

É construída a Baía dos Golfi- São inaugurados o Centro Pe- Inaugurado o Templo dos nhos. dagógico e a Quintinha. Primatas.

2007

Inaugurado o Vale dos Tigres.

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{24} FORA DE PORTAS Jardim Zoológico

aqui e em todo o lado O Jardim Zoológico é de Lisboa, mas chega a todos os cantos do mundo. São muitos os projectos de conservação que o Zoo coordena ou financia no estrangeiro. Vai uma viagem?

M

adagáscar é a primeira paragem. Esta ilha, terra de filmes animados povoados de imagens paradisíacas e animais selvagens, tem uma taxa de endemismo de 75%, ou seja, possui inúmeras espécies que não existem em mais nenhum lugar do mundo. No entanto, estes animais, tal como a flora, encontram-se quase todos ameaçados, devido ao constante desaparecimento da floresta tropical que cobria originalmente Madagáscar quase na totalidade. Hoje em dia, apenas permanecem 5 a 8% dessa floresta. A Floresta de Farankaraina é uma das últimas intactas, tendo sido, por isso, a escolhida pelo Jardim Zoológico e pelo Zoo de Doué-la-Fontaine, em França, para um programa de conservação. Já se construíram quatro barragens e a House of Sahongongno, no parque que acolhe o projecto de conservação da Rã-tomate, e um ecolodge está a caminho da sua conclusão. Realizou-se ainda o documentário Earth from Above e a Festa do Lémure, animal cujas diversas espécies habitam Madagáscar, algumas mesmo em exclusivo. Se se atravessar o mar para a África continental, encontram-se outros projectos financiados pelo Jardim Zoológico.

É o caso do programa de conservação in situ dos Gorilas, nos Camarões, e de um programa do mesmo género para a protecção dos Okapis, na vizinha República Democrática do Congo. Cruzamos o Atlântico e chegamos à América Latina. Pomos os pés na Colômbia, terra do Saguim-cinzento. É esta espécie em perigo o objecto de mais um programa de conservação no habitat natural que o Zoo financia e que coordena, tendo ganho o prémio de melhor centro de conservação in situ a nível mundial. Este programa inclui um estudo das causas de mortalidade do Saguim, um censo dos animais existentes em estado selvagem e a criação de uma área protegida. Promove-se também uma melhoria das condições dos centros de acolhimento oficiais, onde se faz uma selecção dos animais que estão prontos para ser libertados e dos que irão integrar um programa de reprodução na Colômbia. Até agora, já foram estabelecidos 16 casais reprodutores e foram também 16 os animais já nascidos, dos quais apenas quatro não sobreviveram. Uma das tarefas fundamentais dos programas de conservação do Jardim Zoológico é educar as populações locais no sentido de protegerem a fauna e flora que as


Fotografia Saguim-cinzento © Fernando Arbeláez, Fundación BioDiversa Colombia

rodeiam. Distribuição de folhetos, workshops – são várias as acções educativas que ali são promovidas para sensibilizar os habitantes para a protecção do Saguim-cinzento. A acção do Jardim Zoológico continua, um pouco mais a sul, no Brasil. Aí, financia o programa de conservação in situ dos Micos-leões, que implementa, por exemplo, corredores de floresta para ligar as várias áreas onde existem animais desta espécie. Ainda no nosso país-irmão, o Zoo financia um programa de conservação dos Macacos-capuchinho e outro do Saguim-bicolor. Este último, que incluiu Estudos de Ecologia e Genética, foi implementado em 2002 em Manaus e contou com um técnico do Jardim na equipa de investigadores. Acabamos a viagem bem longe, do outro lado do mundo. Primeiro, com uma visita à Indonésia. A ilha de Flores é uma das quatro ilhas onde existe o Dragão-de-komodo. As outras três ilhas, Komodo, Rinca e Gilli Motang, são áreas protegidas, ao contrário do que acontece com Flores. É aí que está a decorrer um programa de conservação pelo Zoo de Roterdão, com o apoio financeiro de vários países europeus, entre os quais o Jardim Zoológico.

Numa ilha ali bem perto, o Bornéu, vive em condições muito precárias o Rinoceronte-do-bornéu, uma subespécie do Rinoceronte-de-sumatra. É uma das subespécies de grandes mamíferos mais ameaçadas do mundo (estima-se que já só existam cerca de 30 animais em estado selvagem, todos na ilha do Bornéu). Foi para ajudar o Rinoceronte-do-bornéu que um técnico do Zoo se deslocou à ilha, inserido no projecto de conservação in situ da fundação SOS Rhino. A última paragem é a Austrália, a casa de Cangurus e Koalas. São estes simpáticos animais, “abraçadores” de árvores, que precisam de ajuda, já que 80% do seu habitat natural foi destruído pelo ser humano e os restantes 20% praticamente não têm protecção. Por isso, o Jardim Zoológico apoia a Australian Koala Foundation, uma organização não governamental sem fins lucrativos que procura, através da demarcação de uma área de protecção dos Koalas e de acções educativas, garantir a conservação in situ desta espécie. Viagem terminada, voltamos ao nosso Jardim Zoológico, sabendo agora que ele é, afinal, muito maior do que parece.


{26} AGENDA

Jardim Zoológico

{agenda}

maio · junho · julho agosto · setembro · outubro

DE 30 de Maio A 1 de Junho

21 de Junho

28 de Julho

festa da criança

ruca no zoo

dia nacional da conservação da natureza

Como não podia deixar de acontecer, o Jardim Zoológico irá associar-se a mais uma Festa da Criança, no âmbito da comemoração do Dia da Criança. O evento irá decorrer no Museu da Electricidade, em Lisboa.

O número de espécies em vias de extinção é cada vez maior. Afinal, o que podemos fazer para reverter esta situação? O Jardim Zoológico dá voz às espécies em vias de extinção e celebra o Dia Nacional da Conservação da Natureza.

31 de Maio

o noddy no jardim zoológico O Jardim Zoológico vai juntar-se à celebração do Dia da Criança no dia 31 de Maio. E para não queremos deixar passar este dia sem uma programação muito especial, no domingo, o Zoo vai receber a visita de um amigo muito querido... O Noddy, que faz 60 anos este ano, vai juntar-se à festa no Jardim Zoológico!

4 de Outubro

dia do animal O Jardim Zoológico já tinha recebido o Ruca em 2008, e o público agradeceu. Este ano, o espectáculo promete muitas surpresas, por isso esteja atento ao site do Zoo para saber tudo sobre o mini-espectáculo do Ruca no Jardim Zoológico!

22 de Junho

atl de verão De 22 de Junho a 4 de Setembro, as crianças vão poder participar em mais um ATL de Verão! Junta-te a nós e serás um explorador da natureza!

26 de Julho

dia nacional dos avós Porque a experiência da vida deve ser celebrada, o Jardim Zoológico vai-se juntar às comemorações do dia nacional dos avós e proporcionar um dia inesquecível a todas as famílias. Afinal, queremos reconhecer o valor de todos os avós!

É pelos mamíferos, aves, répteis e por todas as espécies em vias de extinção que o Jardim Zoológico celebra o Dia Internacional do Animal. Este é o dia para festejar os habitantes do parque, de lembrar como os devemos tratar, de aprender tudo o que estes nos podem ensinar e, principalmente, de proteger a biodiversidade!


Jardim Zoológico

empresas que apoiam o jardim zoológico

{obrigado}

O Jardim Zoológico agradece a todas empresas e instituições que o apoiam, sem as quais não seria possível alcançar os objectivos da sua Missão.

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Estrada de Benfica, 158/160 1549-004 LISBOA T.: +351 217 232 900 Fax: +351 217 232 901 info@zoolisboa.pt www.zoo.pt


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