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Nº 35 e 36 | Junho 2014 | Distribuição Gratuita aos Sócios

Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica

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FORMAR


ficha técnica Director Directoras Adjuntas

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José Alberto Rodrigues jarodrigues@gmail.com Marta Freitas martasilviafreitas@gmail.com Mónica Amado monica.fm.amado@gmail.com Gil Maia Sara Bento Botelho Capa, Ficha técnica e Sumário: Manuela Rosa Rolão Contracapa: António Procópio José Alberto Rodrigues APEVT

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APEVT - Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica Largo de Noeda - EB 1 nº. 14 u 4300-352 Porto u % + Fax 225102547 e-mail: apevt@esoterica.pt u website: www.apevt.pt facebook: www.facebook.com/APEVT

Depósito Legal

103793/96

ISSN

2182-3219


editorial Colegas, Neste final de ano letivo voltamos com mais uma edição da nossa revista inFORMAR, uma edição dupla, a 35 e 36. Nestas breves linhas que me incumbe preencher no editorial de cada edição na nossa revista, são nesta edição, mais do que nunca, muito poucas para expressar aquilo que é o nosso sentir sobre a situação atual que se vive na Educação, no nosso país. A recente extinção da disciplina de EVT do currículo e a sua substituição pelas áreas de EV e ET, com prejuízo efetivo para os alunos e docentes, veio criar uma grande instabilidade docente gerando inúmeras dificuldades de gestão do currículo nas escolas, desmotivação nos professores e alunos e, ainda, um acréscimo do desrespeito pelos docentes que durante muitos anos lecionaram a disciplina e, sendo contratados jamais conseguiram um lugar para lecionar enquanto outros, dos quadros, foram atirados para a mobilidade por ausência de componente letiva. Depois de vencida a luta pela manutenção do par pedagógico na disciplina de EVT, somos agora confrontados com situações bem piores que muitos pensariam não poder acontecer. Aliás, aconteceram por desconhecimento, ausência de estudos que fundamentassem as opções tomadas. Veja-se o exemplo das metas de aprendizagem que, mesmo antes de uma avaliação da sua aplicação e resultados foram substituídas por metas curriculares que, ao que tudo indica, serão alvo de uma avaliação da sua implementação por parte do Conselho Nacional de Educação já no próximo ano letivo. Esta edição dupla da inFORMAR abre com dois artigos decorrentes de trabalhos de investigação na área das Artes Visuais seguindo-se outros dois, também decorrentes de investigações, no caso na produção de livros e álbuns ilustrados para públicos adultos e infantis, do mestrado em ilustração e animação do IPCA. Abordamos também num artigo a formação realizada este ano letivo a partir do livro Analisa, Explora & Cria, um projeto de investigação no qual participámos e que culminará na publicação deste recurso que estará nas livrarias em Setembro de 2014. Realizamos uma pequena análise sobre as formações de diários gráficos em contexto educativo e as recentes parcerias institucionais recentemente criadas com o CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho e com o 7º Encontro Internacional de Ilustração de S. João da Madeira, uma iniciativa desta Junta de Freguesia. Não me querendo estender muito mais, alerto para uma consulta atenta e atualizada de todas as notícias, planos de formação e outros assuntos na nossa página da Internet (em www.apevt.pt) e Facebook (em https://www.facebook.com/APEVT). Lembramos que esta revista é dos associados e todos quantos queiram participar podem enviar para o email da APEVT ou editores da revista as suas propostas de artigos. Colegas, um abraço especial, com votos de bom descanso na pausa de verão de 2014! José Alberto Rodrigues 3


O Pensamento Crítico no Ensino das Artes Visuais

Ricardo Rodrigues dos Santos

Os tempos que vivemos, pela rapidez com que a informação se propaga e se operam mudanças culturais, propõem novos desafios à educação, à semelhança do que tem acontecido em outras épocas da História. Acresce ainda o facto de, atualmente, se viver em Portugal uma profunda crise económica, constituindo-se a economia como o centro das atenções dos mass media e da sociedade em geral. Perante este cenário, impõe-se uma reflexão sobre o posicionamento que a educação escolar deve assumir face à súbita relevância que a economia passou a ter na sociedade. Afinal, a educação deve “preparar competidores aptos para o mercado de trabalho, ou formar homens completos?” (Savater, 1997, p. 17). Nos últimos tempos, também se tem assistido a sucessivas tentativas do governo português de refundar/reformar o Estado, nomeadamente no que respeita ao papel da educação, colocando a tónica do debate no pretenso convite à sociedade civil para que se questione sobre o tipo de educação que está disposta a ter. Tendo em conta que o atual ministro da educação e ciência defende que “o ensino tem de formar elites, mas tem também de acompanhar os menos favorecidos ou menos dotados e apresentar-lhes vias alternativas” (Crato, 2006, p. 119), urge perguntar se o caminho que irá ser seguido será definido pelo fator económico ou pelo fator social. Neste artigo procurar-se-á analisar o papel da educação face às exigências de uma sociedade democrática, em constante transformação e, aparentemente, dominada pela economia. A problemática do papel assumido pela educação perante as exigências políticas e económicas advém de finais do século XX. A educação dita tradicional respondeu, nessa época, aos propósitos da construção da democracia e às necessidades da economia (Tedesco, 2008). Nos dias de hoje, este assunto continua a ser desenvolvido por diversos autores, de que é exemplo o ensaio elaborado por Justino (2010) para a Fundação Manuel dos Santos relativamente à educação em Portugal, no qual defende que “a pressão sobre os sistemas de ensino tenderá a aumentar de forma a adequar os perfis de formação às finalidades do desenvolvimento económico, social e cultural” (p. 32). Tedesco (2008) evidencia, igualmente, a importância da reflexão sobre o papel da educação na sociedade atual, focalizando-se sobre o “problema de definir os conhecimentos e capacidades que a formação do cidadão exige” (p. 26). Tal como este autor, também Savater (1997) se interroga sobre quais os caminhos a percorrer 4


pela educação, questionando-se sobre se esta deve promover a autonomia crítica de cada sujeito, ou a “coesão social” (p. 17). Paralelamente deve ter-se em conta que, nos nossos tempos, a educação é chamada a responder às solicitações de uma sociedade cada vez mais dominada pelas leis do mercado. Segundo Coleman e Torsten (1985), um dos problemas fundamentais com que a educação tem de lidar assenta na necessidade de criar pontes com o mundo laboral. O estudo da Comissão Europeia (2012) intitulado “Rethinking Education: investing skills for a better social-economic outcomes” aponta mesmo diretrizes para que os países membros da União Europeia orientem as suas políticas educativas tendo em conta as exigências da economia de mercado. Portanto, a escola tanto pode ser vista como uma instituição económica, como cultural, dado que, no seio da mesma, o Estado, a economia e a cultura interrelacionam-se (Perestrelo, 2001). Este cenário coloca em questão quais serão as verdadeiras finalidades da educação. A temática da correlação entre educação e mercado tem sido bastante desenvolvida ao longo dos tempos. Nos últimos tempos, esta temática tem vindo a ser novamente revisitada, sobretudo numa época em que se debate o custo do estado social. Segundo Apple (1999), a visão neoliberal defende que devem ser concedidos aos alunos, perspetivados como “fu5

turos trabalhadores”, os requisitos de que necessitem para se assumirem como competidores eficazes no mundo laboral. Neste contexto, as escolas públicas são percecionadas como “buracos negros” sugadores de recursos económicos, dado que não servem diretamente aqueles propósitos económicos (p. 30). Face ao papel desempenhado atualmente pela educação na sociedade, Riemen (2012) constata que a primeira se curvou perante as empresas e o Estado, adulterando-se num “instrumento de transmissão […] de conhecimentos úteis à economia” (p. 64). Em oposição ao caminho que, aparentemente, tem sido seguido de subjugação da educação aos interesses económicos, têm-se apontado vários percursos que conduzem a uma educação harmonizada que, mais do que dedicar-se a formar trabalhadores e especialistas, seja capaz de formar cidadãos completos. Tedesco (2008) defende que, quando terminam o seu percurso académico, os indivíduos deviam dispor de “pensamento crítico”, “capacidade de adaptar-se a novas situações” e “curiosidade” (p. 59). Preconiza, assim, uma “formação polivalente”, que não seja um mero “instrumento da economia” (Tedesco, 2008, p. 60). Também Apple e Nóvoa (1998) salientam a importância de, nos “tempos neoliberais” que vivenciamos, nos comprometermos com uma autêntica educação crítica (p. 43). Tendo ainda presente que uma das funções da escola é preparar os indivíduos para a sua inserção na sociedade, torna-se premente perceber até que ponto esta função está a ser cumprida. Já em 1970, Freire defendia que, quanto mais a educação se apoiar no arquivamento de “depósitos” nos educandos, menos estes desenvolverão as capacidades críticas fundamentais para a sua “inserção no mundo” (2003b, p. 60). Por outro lado, tendo em conta que a obtenção de indivíduos verdadeiramente livres é um dos principais objetivos do ensino nos nossos tempos (Savater, 1997) e que a construção da sociedade no que respeita à “solidariedade social e política” se concretiza através do exercício de uma “formação democrática” (Freire, 2003a, p. 42), impõe-se conjuntamente refletir sobre o papel que a educação tem desempenhado na formação de cidadãos para uma sociedade livre e democrá-


tica. Desta análise têm despontado algumas críticas como as que Perestrelo (2001) identifica ao defender que a escola está envolvida num processo de “padronização” e “normalização” que, sob uma perspetiva democrática, corresponde a mais discriminação e exclusão que originam, consequentemente, menos qualidade. Seguindo a mesma linha de pensamento, Riemen (2012) alerta para um novo tipo de sociedade que emerge da chamada “democracia de massas”, caracterizada pelo termo “homem-massa” que, de acordo com este autor, representa uma ameaça direta aos valores democráticos (p. 22). Para este “homem-massa”, “o esforço intelectual é desnecessário”, dado que não está habituado a “escutar, avaliar criticamente as suas opiniões ou ter em conta as outras pessoas” (p. 23). De forma a promover uma educação em democracia, a escola deverá começar por desenvolver em cada jovem uma participação autónoma no seio da mesma (Dewey, 2002). Uma educação para a democracia não poderá ser dissociada de uma pedagogia para a liberdade, pois, tal como defende Reboul (2000), “educar não é fabricar adultos segundo um modelo, é libertar em cada homem o que o impede de ser ele mesmo” (p. 22). Constata-se, assim, que a escola assume uma grande relevância, quer no que respeita ao desenvolvimento económico, quer na concretização da democracia, dado que estes apenas poderão tornar-se realidade através de uma cidadania educada (Macedo, 2011). Por outro lado, analisando a educação atual, constata-se que lhe têm sido apontadas diversas fragilidades. O papel que as escolas têm desempenhado na sociedade dos nossos dias é percecionado por Chomsky (in Macedo, 2011) como sendo de “controlo e coerção”, na medida em que considera que as mesmas não criam “pensadores independentes”, sendo, no seu entender, responsáveis pela “doutrinação dos jovens”, com o intuito de conceder “suporte à estrutura do poder” (pp. 34-35). Por seu lado, Savater (1997) refere que, nos nossos tempos, a educação “responde prioritariamente aos interesses dos educadores e não aos […] dos educandos” (p. 68). Também Perestrelo (2001) aponta críticas à escola dos nossos tempos, na medida em que considera que esta não promove igualdade de oportunidades para todos. Tendo em conta os inumeráveis desafios que se colocam à escola atual, surge o argumento de que a educação não carece de ser “reformada”, mas sim “transformada” (Robinson & Aronica, 2010, p. 226). O caminho a ser trilhado para se alcançar essa transformação residirá, para Robinson e Aronica (2010), na personalização da educação, baseada na descoberta das aptidões e interesses individuais de cada aluno, em contraposição 6


a uma uniformização da educação. Paralelamente, face à sociedade em constante mudança em que vivemos, Tedesco (2008) sustenta que a escola deveria ser capaz “de lidar com a incerteza, sem recorrer à supressão do debate” (p. 26). Ora, inúmeros autores têm apontado a promoção do pensamento crítico como uma das respostas que a escola deve fornecer perante as exigências que a sociedade impõe aos cidadãos, sejam elas economicistas ou do foro do desenvolvimento pessoal e social. Tal como é referido no estudo da Comissão Europeia (2012) acima aludido, “Rethinking Education: investing skills for a better social-economic outcomes”, “transversal skills such as the ability to think critically, take iniciative, problem solve […] will prepare individuals for today´s varied and unpredictable career paths“ (p. 3). O desenvolvimento do pensamento crítico assume-se, igualmente, como uma das formas de alcançar o verdadeiro conhecimento, na medida em que este advém da descoberta e não da imposição (Chosmky in Macedo, 2011). Castilho (1999) salienta, ainda, que só é possível acompanhar a rápida evolução do conhecimento se os indivíduos aprenderem, sobretudo, a ser autónomos nas suas aprendizagens, formando-se para serem “autodidactas eficazes” (p. 33). Tal como este autor, também Reboul (2000) defende que a educação só é bem-sucedida se “fornecer ao sujeito os meios e o 7

desejo de a continuar” (p. 90). Neste contexto, práticas de ensino promotoras do pensamento crítico assumem especial relevância, na medida em que o pensamento crítico se mostra indispensável para que o indivíduo possa desenvolver as capacidades que lhe permitam renovar continuamente os seus conhecimentos. O desenvolvimento do pensamento crítico é igualmente apontado como fundamental para a manutenção das sociedades democráticas, tendo em conta que uma educação direcionada para a democracia deverá facultar aos alunos as “ferramentas críticas” necessárias, de modo a inseri-los no exercício da democracia (Chomsky in Macedo, 2011, p. 50). De acordo com Oliveira (1992), a promoção do pensamento crítico na sala de aula preparará cidadãos inteiramente participativos numa sociedade democrática. Constata-se, deste modo, que são diversos os autores e os argumentos que se posicionam a favor da promoção do pensamento crítico na escola atual. À semelhança de outras áreas curriculares, também as artes visuais se constituem como um amplo campo para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos. Best (1996) salienta o “potencial educativo das artes”, defendendo que a educação artística não deve circunscrever-se a um currículo formal, dado que as suas potencialidades residem essencialmente no “que se pode aprender com e através das artes” (p. 7). Identicamente, Bamford (2007) realça a importância da educação pela arte, já que considera que “as artes têm um imenso potencial para oferecer à educação” (p.12). Sendo um acérrimo defensor do papel das artes na educação, Best (1996) sustenta que “a experiência artística é totalmente cognitiva e racional”, implicando “aprendizagem e compreensão como qualquer matéria no currículo” (p. 7). Este autor evidencia, igualmente, uma grande preocupação com a conceção aceite pela sociedade que considera as artes como acessórias, em oposição a disciplinas como a matemática e as ciências, percecionadas como essenciais. Segundo esta ideia, as artes são vistas como mero entretenimento e não como um filão de aprendizagem. As ideias sustentadas por Acaso (2009) vão no mesmo sentido que as de Best (1996),


visto que a autora defende que, nos nossos tempos, o ensino artístico deve assumir-se, não só como uma área relacionada com trabalhos manuais, mas também com o conhecimento. Da mesma forma, a importância das artes na educação é aludida por Bamford (2007) que considera que a arte “tem uma contribuição valiosa na educação global das crianças, especialmente no que se refere ao seu desempenho académico” destacando, de igual modo, o papel relevante que as artes desempenham na estruturação da identidade dos indivíduos (p. 1). Eisner (2008) refere que as artes pressupõem “capacidades cognitivas”, já que as mesmas fomentam “modos de pensar e sentir” (p. 10). Acaso (2009) converge com este pensamento, visto que sustenta que produzir arte implica “pensar, ser creativos, relacionar” (p. 128). A UNESCO (2012) defende que são inúmeros os benefícios procedentes da introdução das artes nos contextos educativos: Such education not only strengthens cognitive development and the acquisition of life skills – innovative and creative thinking, critical reflection, communicational and inter-personal skills, etc – but also enhances social adaptability and cultural awareness for individuals, enabling them to build personal and collective identities as well as tolerance and acceptance, appreciation of others (Arts Education, para. 4). De facto, constata-se que a aquisição da reflexão crítica surge como um dos vários proveitos educativos apontados pela UNESCO (2012) provenientes da implementação da educação pelas artes. Similarmente, Freedman (2010) sustenta que os processos criativos relacionados com a produção artística envolvem necessariamente reflexão crítica. Atendendo à etimologia da palavra “crítico” constata-se que a mesma vem do grego kritikós, que significa “julgar” (Logos, 1989, p. 1236). Ora, Eisner (2008) relaciona as artes com a capacidade de julgar, já que considera que as mesmas “ensinam os alunos a agir e a julgar na ausência de regras, […] a agir e a apreciar as consequências das escolhas, a revêlas e, depois, fazer outras escolhas” (p. 10). Este autor considera, ainda, que “as artes servem de modelo para a educação”, já que fomentam nos indivíduos atitudes de proatividade, estimulando-os a serem autodidatas ao longo da vida (Eisner, 2008, p. 15). De facto, para Eisner (2008), “a educação é o processo de aprender a tornar-se arquitecto da nossa própria educação. É um processo que não acaba até fazermos” (p. 14). Para tal, o autor sublinha que é necessário criar uma “nova cultura de escolariza8


ção” (2008, p. 16): Estou a falar de uma cultura de escolarização na qual está localizada uma maior importância na exploração do que na descoberta, é dado mais valor à surpresa que ao controlo, é dedicada mais atenção ao que é distintivo do que ao padronizado, é dado mais interesse ao que está mais relacionado com o metafórico do que com o literal. É uma cultura educacional que tem uma maior focalização no tornar-se do que no ser, dá mais valor ao imaginativo do que ao factual, dá uma maior prioridade ao valorizar do que ao avaliar e, considera a qualidade da caminhada mais significante do que a velocidade a que se chega ao destino (p. 16). O caminho educacional apontado por Eisner (2008) baseia-se, assim, na preparação de indivíduos que desenvolvam ideias e sejam capazes de questionar, não se conformando com respostas dadas como certas e únicas, mas sim capazes de antever diferentes soluções para os problemas com que se deparam. Neste sentido, as artes assumem especial relevância, dado que, no seu entender, “as formas de pensar que as artes estimulam e desenvolvem são muito mais apropriadas para o mundo real em que vive9

mos, do que as caixas limpas, correctamente anguladas, que nós utilizamos nas nossas escolas” (Eisner, 2008, p. 15). Para Freedman (2010), uma adequada educação artística é aquela que promove nos alunos capacidades de resolução de problemas e de reflexão crítica, as quais aplicará, tanto no processo criativo, como nas outras disciplinas do currículo. Deste modo, os alunos poderão, através das suas produções artísticas, influenciar e convencer as outras pessoas a pensar de forma diferente. Analogamente, Acaso (2009) também refere que a partir da criação de “productos visuales se puede cambiar el mundo” (p. 157). Esta autora apresenta o conceito de “conocimiento crítico” como sendo oposto ao denominado “conocimiento importado”; ou seja, trata-se de um tipo de conhecimento criado autonomamente pelo aluno, podendo materializar-se através da “lenguaje visual”. De forma a gerar esse “conocimiento crítico”, os professores de artes devem utilizar a educação artística para incentivar os alunos a criarem “productos visuales fuertes, guerreros, micronarrativas luchadoras tal como están llevando a cabo muchos de los artistas visuales contemporâneos” (Acaso, 2009, p. 157). Assim, o papel desempenhado pelos professores de artes é entendido por inúmeros autores como essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico dos seus discentes. De facto, o professor é percecionado como o principal responsável por criar situações para que os seus alunos resolvam problemas envolvendo a produção de arte, num ambiente que estimule a livre expressão de cada um (Efland, 1979). Desta forma, o professor deverá criar situações que gerem conflito de ideias entre os alunos, de forma a fomentar respostas criativas por parte dos mesmos, que estimulem neles a necessidade de “express an idea, expose a feeling, or solve a problem” (Freedman, 2010, p. 11). Similarmente, o professor de artes deve ser capaz de propor atividades que auxiliem os seus alunos a aprender a questionar “não só o que alguém está a dizer, mas como é que alguém construiu um argumento” (Eisner, p. 10, 2008). Também Tedesco (2008) defende que, “para além de serem ensinados a resolver problemas, os alunos deviam ser treinados na análise das razões por que se produz determinado problema e como é que ele se relaciona


com determinados problemas existentes” (p. 57). Tal como Freire (2003a) expõe, “faz parte da […] tarefa docente não apenas ensinar mas também ensinar a pensar certo” (p. 27). Neste sentido, a educação artística tem uma importância acrescida pois, tal como refere Acaso (2009), “la capacidad de absorver e interpretar información visual no es una capacidad innata en el ser humano, sino que es una habilidade que hay que aprender a desarrollar” (p. 35). Eisner (2008) considera que as decisões tomadas pelos professores estão intimamente relacionadas com o tipo de mentes que se pretende desenvolver pois “as mentes, ao contrário dos cérebros, não são inatas; as mentes são também uma forma de realização cultural”. Essa realização cultural está intrinsecamente dependente das “oportunidades de aprender que a escola fornece” (Eisner, 2008, p. 14). Ora, as sucessivas reformas a que se tem assistido nos últimos anos no âmbito da educação em geral, e da educação artística, em particular, levantam questões quanto ao tipo de oportunidades que a educação deve proporcionar aos estudantes, ao mesmo tempo que as suas finalidades são também pouco claras. Eisner (2008) explicita, a este propósito, algumas considerações: O corrente movimento reformista faria bem em prestar mais atenção às mensagens que as suas políticas enviam aos estudantes, uma vez que essas mensagens podem minar os valores educacionais mais profundos. Os valores sobre os quais falo incluem a promoção do estudo autónomo, a procura de possibilidades alternativas e a antecipação de satisfações intrínsecas, seguras através do uso da mente (p. 12). Assim, o professor de artes deve ter como um dos principais objetivos da sua prática docente consciencializar o aluno para a importância de “generar el conocimiento emancipado [conocimiento crítico] que es tan necessario para llegar a ser independiente visualmente” (Acaso, 2009, p. 158). Como tal, Acaso (2009) considera que a educação artística do século XXI deve ter em conta os seguintes fatores: por um lado, alunos capazes de “aprender a analizar los mundos visuales que nos rodean, aprender a pararnos a observar, aprender a quitarnos la venda y dejar de estar ciegos” (p. 117); e, por outro, professores “conocedores de la materia, críticos, conscientes de su hacer político, en consonancia con los tiempos que corren” (p. 123). Em suma, apesar de o pensamento crítico estar contemplado em vários normativos educacionais (de que é exemplo a Lei de Bases do Sistema 10


Educativo), acredita-se que tal relevância não se reflete a nível curricular, devido ao facto de os programas curriculares estarem assoberbados de conteúdos a lecionar, num tempo limitado. Consequentemente, retiram tempo para o debate de ideias e para os alunos pensarem criticamente acerca dos conteúdos lecionados. No nosso entendimento, a educação continua a conceder prioridade primordial ao cumprimento dos programas curriculares, aparentemente secundarizando o desenvolvimento do potencial de cada aluno. Tem-se consciência de que as práticas pedagógicas fomentadoras de pensamento crítico não se constituem, per se, como receitas a seguir ‘à letra’ de forma a obter sucesso educativo. No entanto, acredita-se que estas práticas poderão assumir o papel de, pelo menos, gerar uma reflexão sobre algumas ideias que, no nosso entender, poderão contribuir para alterar o paradigma atual das práticas de ensino. Desde logo, a atribuição de uma maior valorização aos processos do que aos produtos e a integração de espaço e tempo, nas práticas de ensino, para que os alunos possam desenvolver faculdades que lhes permitam compreender, refletir e questionar o conhecimento que lhes é proporcionado, assim como para exprimirem os seus próprios pontos de vista. Por seu turno, devido à crise atual e ao enfoque que tem vindo a ser atribuído ao custo do estado social e consequente reforma do mesmo, 11

teme-se que a educação possa vir a ser reformada sob um prisma meramente economicista, o qual poderá privilegiar uma gestão austera dos recursos económicos, relegando para segundo plano o potencial humano. Ora, na nossa opinião, quanto mais o debate se centra na economia, mais se afasta da educação. *Este artigo faz parte de tese de mestrado publicada Bibliografia Acaso, M. (2009). La Educación artística no son manualidades. Nuevas prácticas en la enseñanza de las artes y la cultura visual. Madrid: Catarata; Apple, M. & Nóvoa, A. (1998). Paulo Freire: política e pedagogia. Porto: Porto Editora; Apple, M. (1999). Políticas culturais e educação. Porto: Porto Editora; Best, D. (1996). A racionalidade do sentimento. Lisboa: Asa Editora; Castilho, S. (1999). Manifesto para a educação em Portugal – Os equívocos e as soluções. As tendências do terceiro milénio. Lisboa: Texto Editora; Crato, N. (2006). O “Eduquês” em discurso directo - uma crítica da pedagogia romântica e construtivista (9.ª edição). Lisboa: Editora Gradiva; Dewey, J. (2002). A escola e a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio D´Água Editores. (Originais publicados em 1900 e 1902); Freire, P. (2003a). Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa (26.ª edição). São Paulo: Paz e Terra. (Original publicado em 1996);


Freire, P. (2003b). Pedagogia do oprimido (35.ª edição). São Paulo: Paz e Terra. (Original publicado em 1970); Justino, D. (2010). Difícil é educá-los. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos; Macedo, D. (2011). A Democracia imposta, diálogos com Noam Chomsky e Paulo Freire. Mangualde: Edições Pedago; Oliveira, M. (1992). A criatividade, o pensamento crítico e o aproveitamento escolar em alunos de ciências (Tese de doutoramento não publicada). Universidade de Lisboa, Lisboa; Perestrelo, F. (2001). Gerir a diversidade dentro da sala de aula. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional; Reboul, O. (2000). A Filosofia da educação. Lisboa: Edições 70; Riemen, R. (2012). O eterno retorno do fascismo. Lisboa: Bizâncio; Robinson, K. & Aronica, L. (2010). O elemento. Porto: Porto Editora; Savater, F. (1997). O valor de educar. Lisboa: Editorial Presença; Tedesco, J. C. (2008). O novo pacto educativo. Educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna (3.ª edição). Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão; Enciclopédias: (s.a.) (1989). Logos - Enciclopédia luso-brasileira. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo. Outros documentos eletrónicos: Bamford, A. (2007). Aumento da participação e relevância na educação artística e cultural. Apresentado na conferência nacional de educação artística casa da música, Porto. Disponível em:http://www.educacaoartistica.gov.pt/interven%C3%A7%C3%B5es/Confer%C3%AAncia%20 Anne%20Bamford,%20Portugues.pdf 12


Eisner, E. E. (2008). O que pode a educação aprender das artes sobre a prática da educação? In Currículo sem Fronteiras, Vol. 8, n.º 2, pp. 5-17. Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/eisner.pdf Efland, A. (1979), Conceptions of teaching in art education. Art education, Vol. 32, n.º 4, pp. 21-33. National Art Education Association. Disponível em: http://www.jstor.org/ stable/3192385 European Comission (2012). Rethinking Education: Investing in skills for better socio-economic outcomes. Disponível em: http://ec.europa.eu/education/news/rethinking_en.htm Freedman, K. (2010). Rethinking creativity: A definition to support contemporary practice. Art Education; Vol. 63, Issue 2, p. 8. Disponível em: http://media.wix.com/ugd/483e48_1db 967421c37a122fcab33fba0f6d427.pdf?dn=Rethinking%20 Creativity.pdf Unesco (2012). Arts Education. Dísponível em: http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/creativity/arts-education Nota: Todos os documentos eletrónicos mencionados estavam ativos em julho de 2013.

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Promover competências Empreendedoras através das Artes Visuais?

Joana Vieira

Um problema detetado por vezes na prática pedagógica dos docentes das artes visuais é os alunos aparentarem ter pouca confiança nas suas criações artísticas, principalmente aqueles que desenvolvem menos estudos ou desenhos. Aqueles que menos persistem e mais rapidamente desistem nas pesquisas de ideias ou conceitos para os seus projetos e desenhos demonstram pouca auto-estima e sentem-se mais desmotivados pela disciplina. Pode um projeto artístico promover competências como a persistência e a resiliência? Uma grande percentagem da comunidade educativa refere que as artes não dão emprego e que as competências adquiridas nas disciplinas artísticas não ajudam na inserção no mercado de trabalho. Será que sabem que competências são essas? Não estarão ainda agarrados a uma ideia obsoleta de um mercado de trabalho? Não serão as artes, pela sua natureza criativa, precisamente um meio fundamental para adquirir as competências necessárias para o mundo de trabalho? De facto, grande parte da desvalorização dada ao ensino das artes visuais deve-se à dificuldade de entendimento do ensino das mesmas enquanto desenvolvimento de competências gerais e não apenas do domínio das artes. Estas são um meio privilegiado para um entendimento de todos os aspetos do mundo, e um excelente meio para trabalhar competências que serão úteis no próprio futuro do aluno. Ao mesmo tempo, permite abraçar projetos de domínios e áreas diferentes. Ao invés de vermos um aluno focado em adquirir conhecimentos pouco ligados à sua realidade, sem portanto adquirir uma competência útil e duradoura, o aluno resolve projetos, mais focados naquilo que será a sua realidade profissional. Consideramos que poderemos acionar esta ‘energia’ nos alunos, levando a cabo uma metodologia de intervenção pedagógica que utiliza as metodologias de trabalho baseadas em projeto como motor de arranque. Demonstraremos, mais tarde, de que forma este método de ensino artístico pode gerar e desenvolver competências empreendedoras. Neste sentido apresentamos um breve enquadramento teórico relativo ao tema do empreendedorismo no ensino das artes visuais, que serviria de suporte teórico a um modelo de intervenção pedagógico realizado com alunos do 11º ano do ensino secundário profissional do Curso profissional de Técnico de Artes Gráficas, que surgiu com o objetivo de promover competências empreendedoras no contexto de ensino aprendizagem das 14


artes visuais. Capítulo 1. CONCEITO DE EMPREENDEDORISMO 1.1. Origem do Conceito de empreendedorismo O termo “empreendedorismo” é um termo recente, tendo sido primeiramente enfatizado o seu papel por Jean-Baptiste Say, no século XIX, referindo-se ao empreendedor como o individuo capaz de mover recursos económicos de uma área de pouca produtividade para outra de grande produtividade e retorno (Dantas, 2008). Apenas mais recentemente foi estudado por historiadores de negócios nos anos 40, entre os quais J. Shumpeter (AA.VV., 2002: 79) que apresentou o conceito de empreendedorismo na sociedade capitalista . Neste contexto o empreendedor é definido como: um demiurgo que sabe tirar partido das inovações tecnológicas, reunir os capitais disponíveis, encontrar e organizar a força de trabalho indispensável à implementação de um projecto orientado para a procura constante do lucro (AA.VV., 2002: 79). Tal como é apresentado, o conceito original de empreendedorismo parece-nos uma boa base de partida, apesar de considerarmos de tom sarcástico chamar de ‘demiurgo’ a um empreendedor - o empreendedor não 15

é um deus – e porque consideramos que ser empreendedor é algo humano e possível de ser desenvolvido no contexto ensino-aprendizagem. Consideramos, no entanto, importante a consideração dos termos inovação e a ação de implementar um projeto. Filion é um especialista no empreendedorismo que tem vindo a publicar muitos artigos sobre o tema. Num destes artigos, descreve os elementos centrais do conhecimento atual sobre empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios (Filion, 1999: 6). Nesta sua abordagem define o empreendedor como “uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios” (Filion, 1999: 19). Acrescenta ainda que “Um empreendedor que continua a aprender a respeito de possíveis oportunidades de negócios e a tomar decisões moderadamente arriscadas que objectivam a inovação, continuará a desempenhar um papel empreendedor” (Filion, 1999: 19). Neste sentido, na nossa opinião, baseada na definição de Filion, empreender é uma atitude que assume quem tem capacidade para criar e atingir objetivos- o empreendedor. Logo, para formar empreendedores, enquanto professores, teremos de dotar os alunos dessas capacidades, que podem ser exploradas no ensino secundário. A criação de um projeto pessoal, em que o aluno seleciona a sua atividade profissional e um negócio inovador, é algo que estimula o desenvolvimento das capacidades e competências empreendedoras. Colocar o aluno na posição de autor do seu próprio futuro profissional, para além ser um fator motivador e criador de auto-estima no aluno, incentiva-o a imaginar e criar, atos ‘próprios’ do empreendedor. As artes permitem essa abertura à criação, para além de permitirem a interdisciplinaridade com os conceitos do empreendedorismo. 1.2. O empreendedorismo no ensino Com o surgimento de variados estudos sobre o tema, juntamente com medidas sociais e educativas que promovem este 1

A este propósito parecem interessantes as obras de Shumpeter “Capitalism, Socialista and Democracy”, datado de 1942, e “A História do Pensamento Económico”, publicado postumamente em 1954.


empreendedorismo, nomeadamente o Plano Nacional de Educação para o Empreendedorismo, datado de 2007, a educação para o empreendedorismo adquiriu estatuto mais real, atual e necessário. Para o nosso trabalho, subordinado ao tema da “promoção de competências empreendedoras no contexto ensino-aprendizagem das artes visuais”, interessa-nos o cruzamento com o conceito de ensino, particularmente com o ensino das artes. Ou seja, pretendemos a resposta à pergunta: onde é que esta definição de empreendedorismo se cruza com os objetivos do ensino? Sobrepondo os conceitos, coincidem as questões humanas - o homem que é educado para ser empreendedor - e também o facto de ambos incluírem como objetivo o “competitividade económica”, isto é, refletindo-se na qualidade de vida coletiva e particular de cada cidadão. Salientamos, assim, também a confluência entre as dinâmicas económicas e sociais, muito importante, porque se não o fosse, porque gastariam as nações civilizadas tantas verbas para a educação? E se a nossa tese não é de índole propriamente económica, um facto que detetámos na prática pedagógica foi que os alunos se mostravam mais interessados e ativos quando lhes falávamos da inserção no mercado de trabalho e na possibilidade de terem uma vida melhor (social e economicamente) se se aplicarem na escola. Quisemos partir deste interesse dos alunos para resolver alguns dos seus problemas de aprendizagem, e para promover competências empreendedoras. Na definição de “empreender” no Projeto Nacional de Educação para o Empreendedorismo (PNEE), realizado em 2007, encontramos um caminho para o problema detetado na prática pedagógica, ao expor que “empreender é encarar a realidade como um conjunto de oportunidades de mudança e de inovação, assumindo o desejo e mobilizando a energia necessária para a sua transformação” (DGIDC, 2007: 9). Logo, encaramos que será importante estimular os alunos, de maneira a que sejam capazes de criar oportunidades, de desenvolver uma atitude mais empenhada e otimista. Sobre este registo defendemos a abordagem apresentada por Liberato, do empreendedorismo na escola pública, capaz de despertar competências, promovendo a esperança (Liberato, 2010: 1). Para Liberato o empreendedorismo pressupõe, “a realização do indivíduo por meio de atitudes de inquietação, ousadia e proatividade na sua relação com o mundo”. (Liberato, 2010: 1). E não serão estes os objetivos da educação? Não será importante na escola promover a proatividade, derrotando a passividade, na relação com o mundo? Não é na escola uma instituição por excelência de promoção da realização do indivíduo? De acordo com as conclusões retiradas no relatório da Comissão das Co16


munidades Europeias para os alunos da faixa etária após os catorze anos, algumas medidas da pedagogia ‘empreendedora’ seriam as de que: o ensino secundário deve sensibilizar os alunos para o facto de que o emprego por conta própria e o empreendedorismo podem ser opções de carreira futura e, para tal a aprendizagem pela prática e a experiência concreta do empreendedorismo, graças a atividades e projectos práticos, constituem as melhores formas de promover o espírito empreendedor e as competências ligadas ao empreendedorismo. (Comissão das Comunidades Europeias, 2006: 7) Desta forma, as artes visuais podem ser áreas muito importantes, como espaço de criação, e os próprios registos de desenho como meio ou fim da criação dos seus projetos, ideias ou espectáveis oportunidades. Nos projetos de design, por exemplo, é apresentado ao aluno um problema ao qual em tem e arranjar a solução, através do desenvolvimento de uma ideia, seguindo uma metodologia projetual específica. Não haverá semelhanças entre a passagem da ideia ao negócio, na criação do próprio emprego, com a passagem da ideia à solução, num projeto de design? Destacamos, neste raciocínio, as etapas da metodologia projetual defini17

das por Bruno Munari, expostas ao longo da sua obra “Das coisas nascem coisas” (1981), uma referência na Teoria do Design, que em muito se relacionam, pela forte componente prática, com as metodologias focadas nas competências empreendedoras: problema (definição e componentes), recolha de dados, análise de dados, ideia/criatividade, materiais e tecnologias, experimentação, modelo, verificação, desenho construtivo, solução. De facto, na nossa perspectiva, a identificação e valoração de novas oportunidades, a recolha de informações e a resolução de problemas são comuns a ambos papéis: designer e empreendedor. Referências bibliográficas AA.VV. (2002). Dicionário Temático Larousse Sociologia. Lisboa: Círculo de Leitores. Comissão das Comunidades Europeias (2006). Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Aplicar o Programa Comunitário de Lisboa: Promover o espírito empreendedor através do ensino e da aprendizagem. Bruxelas. Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/ LexUriServ.do?uri=CELEX:52006DC0033:PT:NOT DANTAS, Edmundo (2008). Empreendedorismo e Intraempreendedorismo: é preciso aprender a voar com os pés no chão. Brasília, Recuperado em http://www.bocc.ubi.pt/_esp/ autor.php?codautor=923 DGIDC (2007). Projecto Nacional de Educação para o Empreendedorismo: Guião Promoção do Empreendedorismo na Escola. Lisboa: Direção-Geral de Inovação e desenvolvimento curricular FILION (1999, Abril-Junho). Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. RAUSP Revista de Administração, Univ. de São Paulo, vol. 34, nº2 Recuperado em 2013, Janeiro 23, de http://pt.scribd. com/doc/65506625/Filion-1999 LIBERATO, A. (2010). Empreendedorismo na escola pública: despertando competências, promovendo a esperança! Recuperado em 2012, Dezembro 16, de http://www.oei.es/ etp/empreendedorismo_escola_publica_teixeira.pdf MUNARI, B. (1981). Das coisas nascem coisas. Lisboa: Edições 70. Trad. José Vasconcelos.


Novas possibilidades do livro impresso Um estudo de caso: “Livro (de atividades) para Massajar a Imaginação” Catarina Gomes1, Marta Madureira1 e Paula Tavares1

Abstract: O presente artigo pretende demonstrar de que forma o livro de atividades – “Livro (de atividades) para Massajar a Imaginação” - que desenvolvemos no âmbito do projeto final do Mestrado em Ilustração e Animação, contribui para fomentar a prática do desenho e contribui para o leitor melhor se conhecer e melhor conhecer o que o rodeia. Numa altura em que os livros interativos digitais cada vez mais atraem a atenção do leitor, o livro impresso teve de criar mecanismos atrativos que estimulassem também a sua atenção, tanto através da utilização de diferentes materiais e técnicas de impressão, novas formas de encadernação ou novos conceitos editoriais, como através da criação de diferentes formas de interação. Keywords: desenho, livro interativo impresso, livro de atividades

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave Mestrado em Ilustração e Animação Barcelos, Portugal 1

Introdução O presente trabalho apresenta e analisa o projeto prático - “Livro (de atividades) para Massajar a Imaginação” - realizado no âmbito do Mestrado em Ilustração e Animação no Instituto Politécnico do Cávado e Ave. Numa altura em que o desenho é tão divulgado e discutido, apresentamos um projecto prático em que se convida o leitor/autor a contar a sua história através do registo do desenho. Por outro lado e uma vez que usamos dispositivos visuais para mediar a maioria das nossas relações com o exterior, este livro apresenta-se como uma proposta que procura trazer-nos de volta ao “tecido do mundo” (ROBINS, 2003, p. 52), proporcionando, a quem nasce neste contexto cultural , outras possibilidades de contacto com o mundo real. Com este projeto pretendemos lembrar a quem nasce neste universo a importância do desenho manual, individual e único. Este é um livro de celebração do desenho e da singularidade de cada praticante. Esperamos que com esta proposta o leitor se sinta motivado e com vontade de iniciar o seu diário gráfico. Pretendemos ainda pesquisar e aprofundar conhecimentos relativos a este género de livros (livros impressos que incentivam a prática do desenho, facultam ideias acerca do que registar e estimulam a criatividade) e compreender a importância de criar mecanismos atrativos que estimulem e captem a atenção do leitor, nomeadamente a importância de o envolver na construção do livro, permitindo que este seja uma colaboração entre o 18


autor e o leitor. Propusemo-nos, então, a criar um livro que incentiva a prática do desenho, acessível, inclusivamente, a pessoas sem formação na área. O estatuto do livro impresso em relação ao digital – contributos do design gráfico Com a evolução dos dispositivos eletrónicos, é comum a afirmação de que o livro impresso morreu mas ele parece estar mais vivo do que nunca. Ao contrário de alguns meios de comunicação que passam de moda e deixam de ser usados, por haver outro que o vem substituir, mais rápido e mais imersivo, os livros continuam a ser uma peça estimulante e atraente (BOOM, 2008). Tal como referiu Irma Boom (2008) “os livros tornaram-se muito mais interessantes por causa da internet (…) o livro ganhou um novo status (...) se noutros tempos o livro serviu para divulgar informação, hoje em dia temos a internet para o fazer”. Logo, quando se cria um livro procura-se que ele contribua com algo mais que o digital não consegue dar – uma experiência sensorial onde para além do tratamento do texto há outras preocupações através da escolha do tipo de papel, a gramagem das folhas, o tipo de impressão, a textura da capa, as ilustrações, o tipo de encadernação, as guardas, entre outros. Por outro lado, os dispositivos móveis vieram possibilitar o aparecimento de novos conceitos de livro no suporte digital, que vie19

ram acrescentar novas características ao processo de leitura que incluem agora elementos multimédia e que ampliam as nossas possibilidades de leitura e de navegação. Neste meio digital surgem, então, novos conceitos de livro como adaptações de livros tradicionais (como “The heart and the bottle” de 2010 ou “Teddy’s Day” de 2013) e adaptações de filmes animados (como “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore” de 2011) que incluem som, animações e diversas atividades que permitem ao leitor interagir com alguns objectos e realizar várias tarefas (como desenhar, construir um puzzle ou tocar piano); livros criados especificamente para dispositivos digitais (e.g. “A Present for Milo: A Touch-andSurprise Storybook” de 2011 ou “Sneaky Sam” de 2012); ou outros conceitos híbridos como os livro-jogo que permitem o leitor intervir e mudar o rumo da história (como “Gamebook Adventures” de 2010, que é também uma adaptação de um livro impresso). Do mesmo modo, e numa tentativa de acompanhar esta tendência, o livro físico procurou criar mecanismos atrativos que estimulassem o leitor, com mais interatividade e originalidade ao nível do design gráfico. Por isso ultimamente temos assistido à divulgação de diversos livros impressos com uma grande diversidade de materiais e diferentes formas de interação, que procuram cada vez mais uma colaboração entre autor e leitor, no sentido de lhe dar mais poder e permitir que ele possa ser uma colaboração entre leitor e autor (como o fazem as histórias interativas digitais, jogos, etc.). Entre eles destacamos alguns exemplos que se distinguem pela utilização de materiais inovadores e atraentes ou pelos diferentes tipos de interação: em “Mar – atividário ” (2012) de Ricardo Henriques e André Letria, o leitor é convidado a realizar cerca de 80 atividades relacionadas com o mar, como a criação de uma alforreca reciclada, um barco de papel, um oceano numa garrafa, fazer nós, estampar algas ou a sugestão de utilização de um diário gráfico para registar observações do 1

Contexto este, onde o “sentido do tato, sentido íntimo, tem sido reprimido e desvalorizado” (ROBINS, 2003) por oposição a uma experiência sensorial moderna que se tornou poderosamente associada à visão, devido à crescente utilização de mediadores oculares que utilizamos para nos relacionarmos com o mundo.


mundo natural; em “Keep our secrets” (2012) de Jordan Crane, para ver as ilustrações o leitor tem de usar o dedo ou um secador de cabelo pois a tinta usada nos desenhos é sensível ao calor e muda de cor - do preto para as outras cores (fig. 1); em “Nova Iorque em pijarama” (2012) de Michaël Leblond e Frédérique Bertrand, é usada uma técnica cinematográfica denominada ombro-cinéma que transmite uma surpreendente ilusão de movimento em cada ilustração, criada pela sobreposição de um acetato com uma grelha em cada dupla página (fig. 2); em “O Cavaleiro Coragem!” (2011) de Delphine Chedru é o leitor que decide o rumo da história, como na antiga série de livros-jogo criada por Ian Livingstone e Steve Jackson, “Gamebook Adventures” (1982) que foi adaptada para

Fig. 1 - “Keep our secrets” (2012) de Jordan Crane

Fig. 2 - “Nova Iorque em pijarama” (2012) de Michaël Leblond e Frédérique Bertrand

Note-se que não nos referimos a livros de literatura (mas também), mas essencialmente a livros que incluem texto e imagem 3 atividades + abecedário 2

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o suporte digital, como já referimos e por fim mencionamos o livro-fantoche “Tem calma, Boris!” (2012) de Sam Lloyd, que inclui um fantoche integrado em tamanho real para que quem conta a história possa interagir e tornar a leitura mais dinâmica. Para além dos exemplos dados anteriormente que se destinam maioritariamente a um público infantojuvenil, muitos outros livros têm suscitado interesse ao público adulto, pela utilização de diferentes materiais e técnicas de impressão, novas formas de encadernação ou novos conceitos editoriais que “celebram a experiência tátil” , como podemos verificar na compilação presente no livro “Fully Booked: Ink on Paper. Design and concepts for new publications” (2013) da editora Gestalten, que apresenta publicações e experiências atuais e possibilidades futuras para as publicações impressas. Destacamos aqui três livros que se diferenciaram por motivos distintos: “Sheila Hicks: Weaving as Metaphor” (2006) desenhado pela conhecida designer Irma Boom, destacou-se pelas pertinentes e ousadas composições gráficas, pela forma como usou o design gráfico para enfatizar determinados conteúdos (ou criar conteúdos), criar tensões e surpresas e pelas bordas toscas das páginas que evocam os tecidos utilizados pela artista. Como referiu Rawsthorn (2007) citando Sheila Hicks, quando esta falava sobre o trabalho de Irma Boom: “strong design sense, very original use of typography, and 21

sensitivity to paper and printing”. “Well done: Podravka annual report” (2007) de Bruketa & Zinic, é um relatório de contas anual de uma empresa da área alimentar que inclui um livro de receitas que tem de ser cozinhado para ser lido – “the report features blank pages printed with thermo-reactive ink that, after being wrapped in foil and cooked for 25 minutes, reveal text and images.” . Como último exemplo referimos o livro “Talk back” (2006) criado pelo fundador do The Bubble Project, Ji Lee, que tem como objetivo contra atacar o marketing corporativo e as mensagens publicitárias em espaços públicos. O livro apresenta várias imagens de balões de fala com diversas mensagens escritas, colocados nos mais variados espaços públicos e oferece ao leitor autocolantes para que este projeto continue na sua cidade. Estado da Arte Após uma análise das principais referências de livros que convidam o leitor a participar na sua construção e que abordam temas e episódios da sua vida, constatamos que se por um lado existem vários livros que ensinam e demonstram algumas técnicas de desenho estimulando a sua prática, principalmente para o público infantil e juvenil (e.g. “Let´s make some great art” de Marion Deuchars, 2011, “Desenha o Teu Livro” de Stéphane Nicolet, 2012 e “Drawing for the Artistically Undiscovered” de Quentin Blake e John Cassidy, 2014) (fig. 3) por outro, existem livros que convidam o leitor jovem/ adulto, a fazer uma espécie de biografia, com exercícios que contemplam episódios da sua vida, gostos e aspirações, contudo maioritariamente em forma de texto (e.g. “Listography Journal: Your Life in Lists”, 2007 de Lisa Nola, “Memorandom: A Journal for Lists, Memories, and Miscellany”, 2010 de Potter Style e “The Secret Me: A Questionnaire Journal Paperback” de Shane Windham, 2012).

em http://usshop.gestalten.com/fully-booked.html, acedido a 27 de Julho de 2013 5 em http://www.dezeen.com/2007/11/13/well-done-a-food-company-annual-report-that-has-to-be-cooked-first/, acedido a 26 de julho de 2013 4


Mas a nossa principal referência foi, indubitavelmente, o trabalho da autora e ilustradora Keri Smith. Os seus livros são uma referência pelo tipo de registo (manual e descomprometido) e por serem livros de atividades para adultos que lhes relembram a emoção de ser criança, com o inerente gosto pela descoberta. De um modo geral, os livros desta autora encorajam o leitor a prestar atenção ao comum/banal, com frases e pensamentos inspiradores de pessoas ilustres, dando espaço ao leitor para experimentar e preencher com a sua história. A relação íntima entre texto e imagem é uma das principais caraterísticas dos seus livros, bem como o registo manual das composições que incluem tipografia, ilustração e fotografia. Tal como nos exemplos anteriores (para o público infantil), há espaço para o leitor intervir através do registo do desenho. “Wreck this

Fig. 3 - “Let´s make some great art” de Marion Deuchars, 2011, e “Drawing for the Artistically Undiscovered” de Quentin Blake e John Cassidy, 2014

Fig. 4 - “Wreck this journal” (Keri Smith, 2007) 22


journal” (Keri Smith, 2007) sugere outras possibilidades técnicas para além das tradicionais (fig. 4), nomeadamente que se coza ou suje a página (pretende-se que o leitor faça deste livro um laboratório de experiências) e “This is not a book” (Keri Smith, 2009) propõe que se repense a utilidade do livro, para além das funções para as quais foi inicialmente criado. A principal diferença entre os livros de Keri Smith e o livro que criámos para o trabalho de Mestrado é que as atividades do nosso livro são focadas no leitor e na sua história e menos no que o rodeia. Propusemo-nos, então, a criar algo novo, que fosse para um público preferencialmente adulto, com ou sem experiência na área – um livro de atividades com um caráter autobiográfico, em que se convida o leitor a desenhar a sua história. Importa referir que ao longo dos dois últimos anos (2012 e 2013) surgiram pelo menos três livros semelhantes ao que criámos, o que vem também validar a pertinência e atualidade deste projecto. São eles: “The Scribble diary” de Lisa Currie (2012), “Fill in the Blank: An Inspirational Sketchbook” de Vahram Muratyan e Elodie Chaillous (2012) e “Coloring for grown-ups: The Adult Activity Book” de Ryan Hunter e Taige Jensen (2012). Apresentação do projeto O projeto prático desenvolvido é o resultado de todas estas pesquisas e constatações e que culminou na cria23

ção de um livro de atividades para adultos intitulado “Livro (de atividades) para Massajar a Imaginação” (fig. 5). Este livro de atividades, que se propõe incentivar a prática de diferentes tipos de desenho e oferecer ideias sobre o que registar, faz com que o leitor olhe para si e para o que está à sua volta de uma outra forma, numa outra perspetiva, menos comum, mais atenta, valorizando pequenos detalhes. Em última instância pretende-se que o leitor fique motivado e com vontade de iniciar o seu próprio diário gráfico (a própria estrutura do livro, que vai perdendo gradualmente as palavras e imagens até chegar às páginas em branco, reforça este convite). O livro relembrará ao adulto a experiência de ler um livro infantil, nomeadamente pelo facto de ter mais imagens do que texto, haver uma maior relação entre texto e imagem, e pedir a intervenção do leitor. O leitor é convidado a completar o livro com a sua história e com o que o rodeia a partir de pequenas frases e grafismos que dão o mote para cada atividade. Como um dos objetivos é fazer com que o leitor tenha contato e experiencie uma diversa panóplia de materiais, (já que é para pessoas com ou sem formação artística) o suporte escolhido foi o papel, em detrimento do digital, pois é o suporte ideal para conhecer as verdadeiras propriedades dos

Fig. 5


materiais - porque lhes tocamos e temos assim uma noção de sensação real da sua materialidade. Esta é uma oportunidade para o leitor se conhecer melhor e um convite a compilar num livro um pouco da sua história. Esta ideia é abordada por um lado de forma literal, no sentido em que as atividades são autobiográficas (como exemplificaremos no ponto seguinte) e por outro de forma menos literal/óbvia no sentido que, a forma como desenhamos e o que desenhamos nos carateriza e representa - ainda que não pensemos muito nisso, ao desenharmos “descobrimos motivos que explicam os nossos gostos, definimos uma “estética”, e a capacidade de formular juízos sobre beleza e a fealdade” (Botton , 2004, apud SALAVISA, 2008, p. 30). As atividades convidam nomeadamente o leitor a fazer uma análise introspetiva da sua personalidade, a registar aspirações futuras, a imaginar algo ou a registar algo que o rodeie - no fundo o mesmo que se faz num diário gráfico de forma espontânea e descomprometida. Assim, o livro procura também mostrar ao leitor como o desenho nos dá grandes recompensas. Anotamos a realidade, aquilo que temos no nosso interior e que fica registado para toda a vida - damos-lhe um desenho e anos mais tarde ele dá-nos memórias, recordações de momentos e sensações (CABEZAS, 2001). Assim, cada livro vai ser único, porque cada pessoa tem a sua história, as suas experiências e os seus modos de perceber o mundo. Em vez de escondermos a nossa unicidade (como somos ensinados normalmente em crianças – “a ser como os outros”) aqui devemos mostrá-la e celebrá-la. Público-alvo Este livro destina-se preferencialmente a um público adulto, embora possa ser lido/criado por um público mais jovem, sendo que este não irá usufruir plenamente das atividades, pela falta de experiências e algum distanciamento temporal, para poder analisar e comparar certos temas. O livro destina-se assim a um público diversificado, pois tanto poderá atrair alunos ou educadores de áreas criativas (pelo seu cariz pedagógico) como pais curiosos, profissionais de áreas criativas ou jovens/adultos com vontade de desenhar (pelos conteúdos propostos pelas atividades). Deste modo, em que local poderíamos encontrar este livro numa livraria? De facto, este é um livro um pouco híbrido, pois se por um lado partilha algumas caraterísticas com o livro de atividades para crianças, outras com o álbum ilustrado e outras ainda com livros educativos para um público 6

BOTTON, Alain de. A arte de viajar. Dom Quixote, Lisboa, 2004 24


mais jovem, por outro, o livro contém algumas mensagens linguísticas e visuais que só serão entendíveis por um público jovem/adulto. A título de exemplo referimos os livros da autora Keri Smith, que em parte das livrarias visitadas, se encontram na secção de Design Gráfico, naturalmente pelo cuidado que existe nas composições e por ser um livro de atividades para o público jovem/adulto. Ou será por não existir (ainda) uma secção específica para este tipo de livros? Livros estes que são lidos essencialmente por pessoas de áreas criativas, pais curiosos, educadores e adultos com espírito jovem e vontade de desenhar. Efetivamente, os livros da autora Keri Smith não são livros sobre design, nem são livros para pessoas que gostem de design (embora o público-alvo possa ser similar), são antes livros para pessoas de todas as áreas e que deveriam porventura ter um local próprio (que se entende que não exista pelo escasso número de livros deste tipo que, não obstante, continua a crescer). Livro de atividades – estrutura e conteúdo O livro divide-se em três partes: a primeira, educativa; a segunda onde se convida o leitor a realizar as atividades e a terceira - o diário gráfico que esperamos que o leitor preencha autonomamente. A primeira parte do livro explica “Como” desenhar - como registar, com que tipos de desenho e com que 25

técnicas, acompanhadas por citações de autores sobre o processo criativo. O livro inicia-se com a adaptação de um excerto de um ensaio de Christopher Grubbs que reflete sobre o ato de desenhar, seguido de uma ilustração em forma de B.D. sobre esse mesmo texto. Segue-se uma dupla página (fig. 6) com a apresentação do material necessário, sendo que na página do lado esquerdo estão desenhados os instrumentos de registo (que por sua vez foram desenhados com o material que representam) e na página do lado direito, frases que apresentam o outro material necessário: a história do leitor, as experiências do leitor, o modo de perceber o mundo do leitor. As páginas seguintes fazem referência aos vários tipos de desenho (fig. 7) - o desenho de observação, por onde todos começamos quando aprendemos a desenhar e o desenho de criação/invenção, onde procuramos a nossa linguagem, vários exercícios ou tipologias do desenho caraterísticos da aprendizagem da disciplina e por fim uma dupla-página que apresenta algumas correntes artísticas da história da pintura para que o leitor se familiarize com diferentes formas de representar e outras possibilidades técnicas (fig. 8). Ao mesmo tempo que o leitor lê que opções técnicas tem (para além de todas aquelas que ele pode criar), o texto vai exemplificando

Fig. 6 7

Presente no livro Drawing Thinking de Marc Treib, 2008


Fig. 7

Fig. 8

o que quer dizer, refletindo o seu significado. A dupla-página que se segue serve para o leitor, por um lado descansar o olhar (depois de uma sucessão de páginas tão preenchidas) e por outro para desenferrujar a mão e se preparar para iniciar as atividades. Esta primeira parte do livro foi desenhada em estilo “diário gráfico”, que se carateriza pelo cruzamento de vários estilos e materiais, pelo uso da escrita cursiva, pela ausência de regras fixas de composição, pela (por vezes aparente) falta de lógica narrativa, pela forma como o texto está escrito (deixando ver o pensamento de quem escreveu) e pelas influências de outros autores, aqui representadas por frases de Christopher Grubbs, Paula Scher e Alexander Pain (bem como todas as outras influências históricas presentes, nomeadamente nas correntes artísticas da história da pintura). A segunda parte deste livro de atividades trata de “O Que” desenhar. Cada página é constituída por uma composição que incluí espaços em branco (reservados para o leitor/autor) e uma frase que orienta cada atividade. Os espaços em branco têm diferentes formas que por sua vez estão relacionadas com o tema de cada atividade (fig. 9). Da mesma forma, o texto que aparece, em letras minúsculas, sob cada frase e que normalmente sugere um material, está também relacionado com o tema da atividade (fig. 10). As atividades abordam temas maioritariamente autobiográficos mas gradualmente vão tornando-se menos pessoais começando a incidir sobre aquilo que nos rodeia - aquilo que vemos e aquilo que imaginamos. Assim, podemos dizer que as atividades nos retratam pois elas possibilitam que contemos a nossa história, nomeadamente através do registo de recordações do nosso passado, gostos, aspirações futuras, caraterização psicológica/análise introspetiva, caraterísticas físicas, hábitos e sonhos/ aspirações. A atividade do cubo (fig. 11) faz a passagem para a terceira e última parte do livro - o diário gráfico - pois esta atividade não é para ser reali26


zada nesta página, mas nas seguintes, onde se espera que o leitor intervenha de forma completamente autónoma. Sem nenhuma pista a orientar e sem qualquer sugestão técnica. Tal como a frase que surge subjacente à imagem do cubo (que por sua vez contém em cada face uma sugestão de um tema para desenhar) refere “As páginas que se seguem são da inteira responsabilidade da minha imaginação”. Deste modo, podemos estabelecer aqui um paralelismo entre o tipo de conteúdos das atividades e as tipologias dos diários gráficos mais comuns, relativamente aos conteúdos/ temas apresentados (de observação, de reflexão e de criação), já que as atividades convidam precisamente o leitor a ver/registar melhor, a refletir e a criar através do registo do desenho. Opções formais Formato O formato escolhido para o livro foi o vertical (ou “à francesa”), mais precisamente o A4 porque por um lado faz alusão ao tamanho dos livros de atividades para crianças e por outro é também um dos formatos típicos do diário gráfico. Capa O primeiro contato que temos com o livro é através da capa (fig. 5), que “constitui antes de mais nada um dos espaços determinantes em que se estabelece o pacto de leitura. Ela transmite informações que permitem 27

Fig. 9

Fig. 10

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apreender o tipo de discurso, o estilo de narração, o género...situando assim o leitor numa certa expectativa.” (LINDEN, 2011, p. 57). Assim, optamos por uma capa/contra-capa de cor preta (cartolina Bristol 1mm) com o título a branco, como se de um quadro de lousa com uma inscrição a giz se tratasse. Este registo faz por um lado referência ao nosso passado (como a maioria das atividades) e por outro lado remete para uma componente educativa (como a primeira parte do livro). O espaço vazio poderá ainda servir para o leitor/autor intervir - embora não exista nenhuma frase que o oriente neste sentido, esperamos que depois de ver o interior do leitor a subentenda, já que os espaços vazios a ele se destinam. O título é representado em escrita cursiva (tal como o interior do livro) a carvão sintético (cuja cor foi posteriormente invertida digitalmente). As pegas que se encontram do lado direito fazem, por um lado, referência (de forma metafórica) às “asas da imaginação” e, por outro, estão ligadas à ideia de viagem (interior e exterior) que por sua vez remontam ao início do uso do diário gráfico – fora de casa. Tipo de encadernação Optámos pelo tipo de encadernação mais utilizada nos livros de atividades – em cadernos (neste caso 4 cadernos de 4 folhas) – possibilitando a abertura do livro a 180º. Tipo de papel O papel escolhido foi o Munken Pure, cor creme (150 gramas), ideal para o registo do desenho nos mais diversos materiais. Técnica Todos os desenhos foram realizados manualmente e, posteriormente, tratados e organizados digitalmente no programa Adobe Photoshop. Na primeira parte do livro foram usados vários materiais, nomeadamente lápis, canetas, aparos, pastéis, aguarelas, carvão, recortes, carimbos, enBaseada na fusão de duas divisões previamente realizadas por dois autores distintos (Jennifer New em “Drawing from life: the journal as art” de 2005 e Eduardo Salavisa em “Diários gráficos. Desenho em cadernos de 2010. 9 Os diários gráficos de observação contêm essencialmente desenhos que documentam a realidade, (representados de forma mais ou menos realista) que por sua vez se dividem em três tipos: desenhos do quotidiano, desenhos de viagem/exploração e desenhos de investigação. Os diários gráficos de trabalho ou de criação são aqueles cujos desenhos registam o processo criativo de qualquer trabalho, desde uma peça de mobiliário, um cartaz, um storyboard, uma música, um livro, entre outros. Os diários gráficos de reflexão, caraterizam-se por serem particularmente introspetivos, íntimos e de caráter meditativo, o que os aproxima do livro de artista, se forem editados e reproduzidos (integralmente). 8

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tre outros. Na segunda parte do livro (as atividades) foi utilizado o carvão sintético em barra (desenho em massa) e o lápis de grafite 2B. Optámos por criar formas em negativo/positivo, em vez do desenho com linha, pois consideramos que este tipo de linguagem poderá conviver com uma maior variedade de registos (já que cada leitor/autor terá o seu traço e a sua forma de se expressar). Por outro lado, e como o leitor é convidado a utilizar vários materiais, este grafismo não compromete a diversidade de registos e é também a razão pela qual não é utilizada cor (pois espera-se que o leitor a use, já que é orientado nesse sentido). Conclusão Durante o processo de realização do projeto prático, foram realizados alguns testes que nos ajudaram a perceber se o texto/imagem eram percetíveis. O livro de atividades foi apresentado a 22 pessoas, sendo que 12 tinham formação artística e as restantes não, e mediante as suas reações/objeções foram realizados alguns ajustes no texto e na imagem, pois percebemos que usámos alguns termos e símbolos demasiado específicos e apenas entendíveis por quem era da área artística. O grupo de pessoas a quem foi apresentado o livro de atividades reagiu de forma positiva e demonstrou interesse na sua realização. De um modo geral valorizaram os aspectos pedagógicos do livro de actividades e o facto de estas 29

serem transversais a vários temas, permitindo-lhes ter uma noção daquilo que foram/gostavam/planeavam/imaginavam e daquilo que são hoje. Professores da área das artes visuais, nomeadamente de disciplinas como Educação Visual e Oficina de Artes, demonstraram particular interesse em utilizar o livro em contexto de aula. Algumas pessoas (maioritariamente as que não possuem formação artística) referiram que seria uma boa forma de começar a desenhar, pois por vezes têm vontade mas não sabem por onde começar, o quê e como desenhar. Houve também quem mencionasse que seria interessante realizá-lo em diferentes fases da sua vida (para perceber o quanto mudou, ou não) e quem comentasse que seria curioso ver a mesma atividade realizada por diferentes autores (algo que também já havíamos pensado e que consideramos igualmente interessante). Ao longo da realização do projecto prático eliminámos algumas actividades. Umas por razões estéticas, por considerarmos que a sua composição não fazia sentido e não encaixava na grelha definida inicialmente e outras por razões temáticas, pois existiam atividades com temas similares. Inicialmente estava também prevista a inclusão de diferentes tipos de papéis no final do livro para que o leitor pudesse experimentar desenhar em diferentes superfícies (folhas quadriculadas, pautadas, com diferentes texturas, cores, opacidades e espessuras). Porém esta ideia foi abandonada, por um lado pelo facto de o livro final ficar dispendioso e por outro por consideramos que, sob o ponto de vista estético/gráfico, após páginas sucessivas preenchidas, que conduziram o leitor, era necessário equilibrá-las apresentando algo que fosse oposto ao que tinha sido até aqui apresentado. Tal como mencionado anteriormente, um dos objetivos do livro de atividades era fazer com que o leitor sentisse vontade em iniciar uma prática constante no seu diário gráfico e que deixasse de se sentir desconfortável ou inibido perante páginas em branco. Por isso pareceu-nos adequado confrontar o leitor com o diário gráfico mais usual – com páginas em branco. De uma forma geral os objetivos foram cumpridos, nomeadamente a pesquisa de informação e análise deste tema, pois adquirimos e aprofundamos conhecimentos relativos a este género de livros (livros impressos que incentivam a prática


do desenho, facultam ideias acerca do que registar e estimulam a criatividade) e entendemos porque motivos pode o livro de atividades contribuir para estimular a prática do desenho, ao facultar ideias sobre o que desenhar e as várias formas de o representar. Este é um trabalho sem conclusão imediata pois abriu novos caminhos de investigação sobre um tema atual que está em crescente desenvolvimento. Esperamos que o livro de atividades possa suscitar a curiosidade do leitor para o uso de novas formas de representação e ensinar de forma lúdica. Em última instância esperamos que o leitor comece a fazer do registo do desenho uma prática constante, pautando a sua vida e organizando a sua história naquele que (por vezes) é o melhor companheiro de viagem. Bibliografia DEXTER E. (2005). Vitamin D: New Perspectives in Drawing. Phaidon Press HUNTER, L. (2006). “Critical Form as Everyday Practice, An Interview with Ellen Lupton.”. Disponível em http://elupton.com/2010/07/luptonellen-2006/. Acessos em 15 de Janeiro de 2013 LUPTON, E. (2004). Pensar com tipos. Cosacnaify LINDEN, S. (2011). Para ler o livro ilustrado. Cosacnaify NAGLER, E. (2008). Irma Boom’s Visual Testing Ground. Disponível em http://www.metropolismag.com/December-1969/Irma-Boom-rsquosVisual-Testing-Ground/. Acessos em 20 de Dezembro de 2012 NEW, J. (2005). Drawing from life: the journal as art. Princeton Architectural Press MOLINA, J., CABEZAS, L., & BORDES, J. (2001). El Manual de Dibujo. Editora Cátedra ROBINS, K. (2003). O Toque do Desconhecido, in José Gil e Maria Teresa Cruz (Orgs.), Imagem e Vida, Revista de Comunicação e Linguagens, N.º 31, Lisboa, Relógio d’Água, pp. 27-57. SALAVISA, E. (2008). Diários de Viagem. Quimera SALAVISA, E. (2010). Diários gráficos. Desenhos em cadernos. (catálogo de exposição). Centro Cultural de Lagos SALAVISA, E. (2011). Diáriográgico.com. Disponível em http://www.diariografico.com/. Acessos em 14 de Novembro de 2012 SILVERBERG, M. (2010, Outubro). Little black books. Print Magazine TREIB, M. (2008). Drawing Thinking – Confronting an electronic age. Nova Iorque. Routledge RAWSTHORN, A. (2007). Reinventing the look (even smell) of a book. Disponível em http://www.nytimes.com/2007/03/18/style/18iht-DESIGN19.4945906.html Acessos em 29 de Julho de 2013 30


“Uma boca cheia de palavras” Construção de um livro interativo para a infância

Mariana Sampaio, Paula Tavares e Catarina Silva

Resumo: A necessidade de registar uma ideia através da imagem ou de códigos sempre teve um lugar importante na comunicação e na transmissão de conhecimentos. Do desenho à cultura escrita, das gravuras pré-históricas às iluminuras, dos livros medievais aos livros ilustrados de hoje, a imagem tem sido utilizada para um mesmo fim, um meio educativo, sempre próxima da linguagem verbal e da escrita. Na literatura infantil o uso da imagem está associado às crianças menos experientes na matéria de leitura e escrita. Ao torna-se um leitor mais experiente, a presença da imagem torna-se rara e a que existe nem sempre é trabalhada para estimular todos os sentidos de quem lê. O presente artigo tem como objetivo descrever o processo de estudo e construção de um livro ilustrado interativo, “Uma boca cheia de palavras”, desenvolvido no âmbito do projeto Mestrado em Ilustração e Animação do Instituto Politécnico do Cávado e Ave. Pretende-se apresentar o livro ilustrado interativo e as atividades e experiências visuais como instrumentos que ajudam a criança a crescer sem medos, onde descobrem e desenvolvem aptidões e competências, através de uma exploração e apreciação mais completa do objeto, o livro. Palavras-Chave: Ludicidade, ilustração, livro ilustrado e interativo. 1. Introdução A imagem sempre foi reconhecida como um excelente instrumento pedagógico/didático e como elemento de sedução e cativação dos leitores. Os livros da “Bibliothèque Rose Ilustrée” de Louis Hachette, 1858, são exemplos do florescimento do livro ilustrado e da presença sistemática da imagem tornando-se uma marca e um atrativo na sua coleção. Ou ainda os populares livros de Lothar Meggendorfer, 1880, onde as figuras eram móveis recriando a tridimensionalidade de um circo ou de uma casa, tudo através de engenhosos

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dispositivos mecânicos criados para superar a imaginação do seu leitor. A linguagem visual tornou-se um elemento indispensável nos livros para crianças confrontando-se com a linguagem verbal, num jogo entre o dizer e o mostrar. Atualmente a ilustração, no caso dos livros para os mais pequenos e para os primeiros leitores, ocupa um lugar destacado onde a linguagem visual corresponde exatamente ao assunto que é tratado na linguagem verbal. O propósito é que a criança atinja a competência própria de um leitor experiente seguindo um caminho com várias etapas. A primeira dessas etapas utiliza a ilustração como apoio ao texto simples apresentando o livro de uma forma sugestiva e lúdica. Nesta fase a criança dedica muita atenção ao que tem em mãos, seja um livro ou um brinquedo, e explora-os usando os cinco sentidos. A criança embora não saiba ler, ela consegue encontrar nas imagens vários enredos, estimulando a imaginação e a criatividade. À medida que esta se torna um leitor experiente e adquire um pensamento lógico, a ilustração deixa de reforçar a linguagem verbal para a completar e iluminar. Com a maturação da criança, a lógica e o conhecimento prevalecem e a ilustração é retirada gradualmente do livro e a pouca que existe nem sempre é trabalhada nem explorada. Este facto deve-se à formação centrada na linguagem verbal da maior parte dos leitores experientes ou educadores e perante a imagem sentem-se desamparados. Como Read afirma “A arte da criança declina depois dos onze porque é atacada de todas as direções, não apenas expulsa do espírito pelas atividades lógicas a que chamamos aritmética e geometria, física e química, história e geografia, e mesmo a literatura como é ensinada.” (Read, 2010[1]). Sem conhecimentos do código da linguagem visual, sem saber o que observar ou o que ver e analisar na ilustração, o livro não é apreciado na sua totalidade. O livro para a infância é uma forma de expressão, como refere Isabelle Nières-Chevrel (2001[2]), um objeto que contém um jogo entre o texto e a imagem, e para o podermos apreciar temos que observar o espaço ocupado por estas duas linguagens. Assim, é importante que a criança cresça a explorar a linguagem visual a par da verbal para aprender a ver, saber ler e perceber as imagens que connosco convivem diariamente. Este artigo apresenta o processo de construção de um protótipo de um livro ilustrado interativo, “Uma boca cheia de palavras”, projeto prático realizado no âmbito do Mestrado em Ilustração e Animação do Instituto Politécnico do Cávado e Ave. O projeto apresentado nasceu do interesse e da necessidade de criar um instrumento que incentive o uso das diferentes expressões educando os sentidos do jovem leitor. “Uma boca cheia de palavras”, para crianças entre os oito e dez anos, estimula de uma for32


ma lúdica e criativa a visão, o tato, o movimento, a palavra e o pensamento verbal e visual. Um livro híbrido, ilustrado interativo, que compreende uma narrativa, ilustrações, um espaço criado pela relação entre a linguagem verbal e visual, interatividade e lugar para que a criança aja, participe e complete tornando-se também autor, criador e ilustrador do objeto, o livro. 2. O livro ilustrado para a infância A publicação do livro infantil evoluiu desde os meados do século XVIII, especialmente a promoção do papel e do lugar da ilustração. A imagem adquiriu progressivamente um estatuto e uma posição, prova é a sua constante expansão no espaço do livro. Esta invasão, devido ao aparecimento das cores e a flexibilidade das técnicas de reprodução, foi e é explorada pela criatividade e a imaginação dos seus criadores. Assim, a ilustração conquista o livro, saindo do seu interior até às guardas, à capa, ao álbum com texto reduzido ou sem texto, do livro jogo, do livro interativo. O aparecimento de várias editoras que se centram, não só nas caraterísticas do público alvo mas também, nas qualidades formais e plásticas abriram novos caminhos para a leitura do livro. As ilustrações dialogam com correntes pictóricas ou outras correntes artísticas e supõem um leitor infantil capaz de ler e apreciar as imagens, a narrativa, o livro. Obras como a do pintor El Lissitzky, A história dos 33

dois quadrados, 1922, como se tratasse de um quadro do suprematismo; ou O espantalho, um conto, 1925, coautoria de Kurt Schwitters, Käte Steinitz e Theo van Doesburg, onde as palavras, sílabas e frases são usados na ilustração; ou Sea is Blue when the sky is Blue (1995), de Katsumi Komagata que usa as figuras simplificadas e os recortes e para narrar uma história; entre outros. Estes objetos incentivam a exploração e a experimentação pessoal permitindo educar o gosto do jovem leitor num mundo tão vasto como o mundo do livro para a infância. Objetos que têm de ser analisados como um todo, desde o formato, o suporte, os materiais, o seu conteúdo, o jogo entre a imagem e o texto, entre outros, permitindo uma apreciação máxima do funcionamento do livro para a infância. 2.1. Livro interativo Ler um livro requer ação. Ação que inicia no momento em que tiramos o livro da estante, o abrimos e passamos página após página, até o fecharmos. De facto, toda a leitura solicita uma forma mais ou menos subtil de ação, “(...) the eye pauses and skips over lines of texts, glances back and forth over illustrations, endnotes, and others parts that draw attention.” (Gillieson, 2008[3]). O processo de leitura e a forma da ação dependem do tipo de livro e da experiência que este nos proporciona explorando a materialidade, as diferentes linguagens, o tempo e o espaço. Assim, o ato convencional de ler pode ser alterado e exigir uma ação diferente, mais dinâmica, permitindo uma leitura desafiante e uma apreciação mais criativa do livro. No livro interativo para a infância, objeto de estudo do presente artigo, necessita de uma ação dinâmica e da experiência pró-ativa do jovem leitor para que este consiga apreciar na totalidade o livro. A interatividade e o tipo de ação que proporcionam pode apresentar caraterísticas diversas, desde os aspetos formais ao conteúdo às atividades propostas, tudo pensado para uma finalidade ou finalidades específicas. Assim, as seguintes referências foram agrupadas tendo em conta a ação e alguns aspetos da sua organização interna. Livros que: 1) apresentam um jogo entre a estrutura narrativa e a ação, expondo uma história com princípio, meio e fim oferecendo uma exploração táctil e mais ativa do


suporte e da imagem através de cortes, pop-up e outros mecanismos; 2) incluem sugestões e atividades diversas dirigidas por pequenas questões e pistas fornecendo um espaço no próprio livro para a realização de cada tarefa; 3) livros-jogos que proporcionam jogos e atividades exploratórias de imagens, materiais e suportes. Estas categorias não são estanques e alguns livros podem enquadrar-se em mais do que uma simultaneamente. The Little Flower King ( 2010[4]) de Kvëta Pacovská inclui-se no primeiro grupo, onde o jogo entre a ação e a narrativa é evidente. Um corte quadrado, que surge na capa, miolo e contracapa, é usado como janela que abre caminho para relatar as aventuras de um pequeno rei que procura a verdadeira felicidade. A interação entre o texto e a imagem fornecem ao leitor um pequeno deslumbre da ação, dos diferentes espaços e momentos em que a história se desenrola. O jogo dos cortes oferece liberdade ao jovem leitor de criar a sua própria história, podendo abrir o livro em qualquer página ou voltar atrás em qualquer momento.

Fig. 1. Kvëta Pacovská, pormenores do livro “The little flower King”, mini edition (2010).

The Onion’s Great Escape (2012[5]), projetado por Sara Fanelli, pertence ao segundo grupo, inclui atividades e sugestões diversas dirigidas por pequenas questões e pistas que exige uma ação ativa entre o leitor e o objeto livro. É através de uma série de perguntas e atividades, que pedem respostas escritas ou desenhadas, que uma cebola pede auxilio para se libertar do seu destino, a frigideira. Página a página o contorno da cebola é perfurado para que o jovem leitor possa gradualmente destacar a figura. O resultado final é uma forma tridimensional, uma cebola colorida. Este livro interativo incentiva o leitor a usar a imaginação e a expressão trabalhando opiniões e ideias sobre diferentes temas e questões complexas através das duas linguagens: escrita e gráfica.

Pop-up, sistema de esconderijos, abas, encaixes, etc., que permite mobilidade dos elementos, ou mesmo um desdobramento em três dimensões. (Linden, 2011[13])

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O último livro pertence ao grupo de livros interativos que proporcionam jogos e atividades exploratórias de imagens, materiais, suportes, bidimensional e tridimensional, as texturas, as cores,... um laboratório que oferece à criança experiências sensoriais, plásticas, criativas e construtivas. The game of sculpture (2012[6]) é constituído por diferentes peças de cartão coloridos destacáveis, com fendas e buracos, e convida a criança a juntar uns aos outros ou acrescentar materiais como canetas, pedaços de papel, e muito mais. As peças podem ser desmontadas e conjugadas várias vezes criando infinitas possibilidades. Tullet através deste livro proporciona um momento divertido utilizando a ação para estimular os jovens leitores a pensar com imaginação, de forma independente e criativa. Os exemplos aqui expostos fazem parte do vasto leque de livros interativos que trabalham como veículos de comunicação e que permitem à criança uma apreciação mais completa e variada do livro. Todos abordam uma ação evidente e ativa, um jogo entre a linguagem verbal e visual, entre o bidimensional e o tridimensional, exploram as experiências visuais e tácteis, a regra com o acaso e a forma com a “não forma”,... Caraterísticas que em conjunto narram uma história, um momento, criando estímulos para que a criança experimente, imagine, descubra, explore e desenvolva capacidades estéticas, emocionais e intelectuais. 35

Fig. 2. Sara Fanelli, “The Onion’s Great Escape”, (2012).

Fig. 3. Hervé Tullet, “The game of sculpture” (2012).

2.2. “Uma boca cheia de palavras”, um livro ilustrado interativo É frequente observamos a criança ou o adulto desamparados ou pouco à vontade perante uma imagem ou mesmo justificar o seu fracasso perante as atividades plásticas como uma incapacidade inata, desperdiçando-se uma importante ferramenta de pensamento, de comunicação e de expressão. Estes sentimentos não se verificam nas idades em fase inicial de aprendizagem. Nesta etapa, a criança manifesta prazer e satisfação neste tipo de atividades. “Qualquer um de nós que se lembre da infância , (...), sabe que há o impulso de riscar, de ver deslizar pela folha de papel o lápis, a ânsia pela cor, mas sobretudo pela identificação do resultado com “um algo”, ainda que no suporte nada se reconheça” (Tavares, 2009[7]) O desenho surge como continuação do movimento motor do braço e da mão da criança, o garatujar, para a fase de procura de semelhanças entre o registo e o que a rodeia. Gradualmente o desenho evolui e incluirá todo o conhecimento que a criança adquiriu até à tentativa de imitação visual da realidade através da observação. Alguns autores, como Alcino


Souza (1970[8]), alertam para o facto de que algumas crianças tornam-se inseguras durante esta fase e em algumas situações verifica-se a perda do gosto pelo desenho, tornando-se, a partir dessa idade, incapazes de realizar tais atividades. “Despite this natural competence, most of us hesitate to draw. Some people seem to have an inborn ability to draw, but most are scared and embarrassed when they have to pick up a pencil and draw something.” (Massironi, 2002[9]). Por isso é importante ajudar a criança a superar estas inseguranças, proporcionando-lhes experiências de desenho e experimentação, e atividades que desenvolvam a capacidade de observar, a criatividade e a imaginação. Este projeto pretende ir ao encontro dessa necessidade, e materializando-se na construção de um livro ilustrado interativo, lúdico e divertido que permite a cada jovem leitor criar e experimentar sem limites. A elaboração do protótipo de um livro ilustrado interativo intitulado “Uma boca cheia de palavras” teve como objectivos conhecer o mundo do livro ilustrado e estimular a criança a apreciar e desenvolver a leitura verbal e visual, de uma forma equilibrada que permita e incentive a criação artística. Para tal foi realizada uma pesquisa alargada de forma a identificar as principais características do livro ilustrado e, em particular, do livro ilustrado interativo e o seu papel no desenvolvimento de aptidões e competências da criança. Esta revisão bibliográfica serviu de plataforma teórica para o desenvolvimento do protótipo, “Uma boca cheia de palavras”, dirigido a crianças entre os oito e os dez anos. A definição do público-alvo teve como base orientações do Serviço de Apoio à Leitura do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e estudos de vários autores que trabalharam e estudaram o desenvolvimento da criança como Piaget, Luquet, Arnheim , entre outros. “Uma boca cheia de palavras”, apresenta uma história ilustrada original, escrita em português, adaptada para um espaço em que a imagem prevalece, o livro. Deste modo, o texto é breve e intenso devido à área restrita que ocupa, assume diferentes formas e funções consoante a imagem e os relatos dos locais onde a história ocorre e das personagens são raros ou pouco claros de forma a serem completados pela imagem. O discurso textual e plástico relatam a história de Martim, um menino de três anos, que ao contrário dos meninos da sua idade ainda não tinha dito as suas primeiras palavras. Das interações e estímulos da sua família e vizinhos e o encontro com o seu novo amigo canídeo, Bacon, levam o Martim a faJean Piaget, (2001) Criatividade: psicologia, educação e conhecimento do novo, Coleção Educação em pauta: teorias & tendências; George-Henry Luquet, (1969) O desenho infantil, Coleção Ponte; Arnheim, (1986) Arte e percepção visual- uma psicologia da visão criadora, Editora Arte, Arquitetura, Urbanismo.

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lar. O formato escolhido foi o vertical com a proporção de 4:5, 20cmx25cm, e comporta 44 páginas. A escolha do formato teve em conta, para além do público alvo, a linguagem e caraterísticas visuais/plásticas da ilustração, onde a imagem é pormenorizada e descreve personagens, espaços e paisagens. Os estudos das personagens principais foram os mais detalhados e experimentados, no que se refere à indumentária e características físicas. Os pormenores e cores da sua roupa, o corte de cabelo e estilo, são caraterísticas visuais importantes pois permitem ao leitor reconhecer rapidamente cada uma das personagens. Além disso, a imagem tem a capacidade de atribuir à personagem personalidade e emoções. Dois dos exemplos mais conhecidos na literatura infantil são as personagens Max, do livro Onde vivem os monstros (2009) de Maurice Sendak, que veste um pijama de raposa branca, e o Wally dos livros Onde está o Wally? (1987) de Martin Handford, vestido com a sua camisola e gorro às riscas. O protótipo, para além da história ilustrada, proporciona à criança alguns desafios permitindo a sua intervenção através da realização de jogos e outras atividades. “Uma boca cheia de palavras” inclui sete atividades que estimulam o uso da expressão visual e plástica. As atividades coabitam equilibradamente com a imagem, texto e espaço e surgem num momento onde a imagem, paralisada no tempo e ação da ilustração, espera 37

Fig. 4. Imagens da personagem principal e personagens secundárias.

Fig. 5. Tipografia escolhida para as atividades e para o texto narrativo.

que alguém intervenha e contribua. O próprio texto que expõe as atividades distingue-se do texto narrativo, dirigindo-se diretamente ao leitor, sob a forma de instruções. As pequenas instruções surgem num bloco separado e a tipografia usada (MUSEO SANS) provém da mesma família que a utilizada na história (MUSEO 500 só que sem serifas). A fonte e o tamanho foram pensados em função da expressão visual e plástica com o intuito de criar uma composição coerente entre a imagem e o texto. Desta forma pretende-se ajudar a criança a reconhecer que está perante uma atividade que o convida a criar, explorar e completar o livro. A primeira atividade (figura seis) parte da apresentação das personagens - a personagem principal Martim, os seus irmãos e o resto da família retratada nas molduras penduradas na parede. Uma pincelada na página direita expõem uma pe-


quena instrução que avisa “A página seguinte tem uma parede cheia de molduras vazias. Desenha nelas os diferentes elementos da família Brandão.”

Fig. 6. Página dupla de apresentação da atividade com texto narrativo (esquerda) e texto da atividade (direita).

A atividade usa as duas linguagens: o texto da instrução e a imagem. O texto tem como função propor uma atividade e indicar o local onde se realiza. A ilustração tem como objetivo estimular a criança a observar as imagens e perceber as combinações entre o desenho, a pintura e a colagem da página dupla: as sobreposições e o uso simultâneo de várias técnicas possibilitou a composição de fundos texturados, coloridos, repletos de recortes e decalques de letras, papéis e números; as transparências e velaturas através de tintas aguareláveis e acrílicas diluídas ou secas, contrastam com o traço, grafismo e textura dos diferentes materiais riscadores utilizados (lápis de cera, lápis de cor e lápis de grafite). O intuito é que a criança observe as ilustrações e se sinta motivada a explorar na atividade (figura sete) o desenho, o uso de diferentes materiais e técnicas tais como o recorte e a colagem. Noutra atividade é pedido aos leitores para desenharem diferentes esboços de cães e escolherem um para a mascote de Martim, Bacon. As primeiras imagens e descrições do canídeo são escassas e poucas para que a criança se sinta à vontade de pesquisar, procurar e desenhar vários tipos de cães. A personagem desenhada e escolhida pelo leitor será a personagem que 38


tem que desenhar ao longo da história em diferentes situações, posições e expressões - alegre por ter sido adoptado pela família, na praia a escavar um buraco, na cozinha a sentir os cheiros, ... “Uma boca cheia de palavras” proporciona outro tipo de interatividade, um jogo entre a história, atividade e imagem. A imagem do novo amigo canídeo de Martim, desenvolvida pela ilustradora, só se conhece na última página e na contracapa. A própria capa brinca com o título e a história. Apresenta a personagem principal, Martim, enquanto a contracapa surge o cão. Este jogo estimula o leitor a ler a história para perceber a relação entre as duas personagens. O grande plano do rosto de Martim apresenta o título, como se tratasse da sua boca, num fundo azul texturado com lápis de cera. Na contracapa o braço da personagem principal, que surge desde a capa, abraça o seu novo amigo (e o próprio livro). O contraste entre um cenário “limpo” da capa e do “ruidoso” da contracapa e o abraço amistoso das personagens acompanham a sequência narrativa do livro.

Fig. 7. Página dupla da primeira atividade (página da esquerda).

Fig. 8 e 9. Apresentação da personagem canídea (duas páginas duplas) e página dupla com a atividade de esboços e definição da personagem canídea.

Fig. 10. Páginas onde a criança tem que desenhar a personagem canídea 39


Fig. 11. Apresentação da imagem do canídeo desenha pela ilustradora, última página e contracapa.

Fig. 12. Capa e contracapa

O projeto “Uma boca cheia de palavras” pretende que a criança desenvolva uma linguagem plástica que seja pessoal e natural, sem que aprenda a forma correta, estereótipos ou fórmulas. O desenho por modelos “(...) no pasa de un ‘truco’, y puede tener como consecuencia que el niño desista de desarrollar sus capacidades a través de la exploración, y que se limite a repetir fórmulas memorizadas (…)” (Kunz, 2010[10]) De uma forma lúdica e ativa a criança desenvolverá capacidades de motricidade fina e ampla, estimula o olhar, as habilidades de pensamento, como a interpretação, tomada de decisão, a capacidade criadora e o sentido estético e crítico ao explorar e trabalhar a imagem. Tenciona-se que o desenho, a pintura, a colagem, e outras atividades plásticas sejam instru40


mentos importantes e que a imagem deixe de ser algo incompreensível e distante. Uma ferramenta que permita ao futuro adulto ler, analisar, explicar e criar uma imagem. Salientamos também a importância da construção de uma narrativa textual e visual articulada, aplicando os estudos previamente desenvolvidos sobre o desenho, a pintura, o design e as teorias do desenvolvimento infantil. Deste modo, procurámos responder às necessidades do público-alvo em causa. A ilustração e o texto devem interagir e completar-se, de forma a criar um equilíbrio entre eles, narrando alternadamente a história. As escolhas plásticas e as opções técnicas utilizadas na composição dos diferentes elementos que constituem a ilustração, para além do importante sentido estético, têm um efeito de prender a curiosidade e a atenção do jovem leitor, através do jogo entre as técnicas, linguagens, espaços, momentos de suspense e diversão. Toda a estrutura narrativa, do texto às atividades, e a estrutura formal do livro, desde o formato, proporção, número de páginas, tipografia, a capa e os elementos paratextuais, organização espacial da imagem e do texto e o espaço para a realização de atividades e ilustração têm um papel importante a desempenhar. Todos estes elementos contribuem para o sentido estético do livro mas devem ter em conta aspetos como a facilidade de manipulação e transporte do objeto para que a criança o descubra e o aprecie. 41

Fig. 13. Experimentação das atividades.

3. Conclusão O livro, “Uma boca cheia de palavras”, realizado no âmbito do projeto do Mestrado em Ilustração e Animação, do Instituto Politécnico do Cávado e Ave, procura integrar muitas das características enunciadas anteriormente e consideradas mais importantes, indo, em simultâneo, ao encontro das necessidades e particularidades do público a quem se destina. Uma proposta aberta para que o jovem leitor explore a história e intervenha, como autor, na construção desta. Para além disso, foi um exercício multidisciplinar, uma oportunidade para colocar em prática os conhecimentos e competências adquiridos ao longo do curso do Mestrado de Ilustração e Animação. O projeto realizado contribuiu para a compreensão do livro interativo, o seu papel e as suas estratégias de concepção. Este processo de aprendizagem não se encerra com este projeto, esclareceu dúvidas, incertezas e mostrou novos caminhos para um percurso que é contínuo e de crescimento pessoal. Podemos concluir dizendo que as expectativas futuras serão propor a edição do livro ilustrado e interativo “Uma boca cheia de palavras” a várias editoras e continuar a criar ilustrações e livros que ofereçam e ampliem múltiplos conhecimentos potenciando o desenvolvimento e crescimento de cada jovem leitor. Referências 1. Read, H.: Educação pela Arte. Edições 70, Portugal (2010) 2. Nières- Chevrel, I.: Le rapport du texte et de l’image dans les livres d’enfants: L’enfance à travers le patrimoine écrit.


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O Diário Gráfico em Contexto Educativo Formação APEVT

António Procópio João Tiago Fernandes José Alberto Rodrigues Manuela Rosa Rolão Mónica Amado

Contexto Urban Sketchers e os diários gráficos em contexto educativo nas ações de formação da APEVT Desenhar em diário gráfico não é uma atividade recente, mas o grupo dos urban sketchers, que existe em Portugal há cinco anos, trouxe uma dinâmica diferente à forma como o utilizamos. A citação de John Ruskin, erudito inglês do século XIX “nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar”, transcrita no início do blogue dos urban sketchers diz muito sobre o conceito deste grupo. É um grupo plural que tem como tronco comum o gosto pelo desenho. E porque não há desenhos maus, todos podem participar. Transferir para a escola a nossa experiência como urban sketchers é muito positivo. Para além dos alunos verem no diário gráfico um espaço de liberdade e experimentação, a partilha de experiências tem um efeito de contágio saudável levando os mais resistentes a quererem experimentar. Foi esta ideia de partilha que motivou as formações de professores realizadas em Lisboa, no Seixal e em Espinho. As formações tiveram como objetivos: dar a conhecer as potencialidades pedagógicas do uso do diário gráfico; sensibilizar os professores para a utilização do diário gráfico como ferramenta pedagógica; dar a conhecer formas de utilizar o diário gráfico em sala de aula; relacionar os conteúdos das disciplinas com a utilização do diário gráfico e dar a conhecer estratégias de implementação; organização e avaliação do diário gráfico. Os objetivos foram operacionalizados com propostas de exercícios dentro e fora da sala de aula. Fora da sala de aula foram apresentados três contextos diferentes, o espaço museológico, espaços urbanos e espaços verdes (jardins ou parques). Foram 15 horas de trabalho essencialmente prático em cada formação, porque consideramos que é essencial que o professor experimente o que vai propor aos seus alunos. Achamos que este pode ser o início de uma prática que pode crescer. A pensar nisso existe um blogue: desenharparaconhecer.blogspot.com onde cada formando / professor pode colocar as experiências que vai desenvolvendo nas escolas. Nas páginas podem encontrar as três reportagens fotográficas e desenhos realizados nas formações realizadas em Lisboa, Seixal e Espinho. 44


LISBOA

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SEIXAL

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ESPINHO

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O livro Analisa, Explora & Cria

em contexto de formação de professores José Alberto Rodrigues Mónica Amado analisaexploraecria.wordpress.com www.facebook.com/AnalisaExploraCria

Resumo Decorrente de uma quase perturbante ausência de publicações na área da educação artística e tecnológica destinada a professores, educadores, famílias e crianças de uma faixa etária entre os 6 e os 12 anos de idade surge o projeto “Analisa, Explora & Cria”. Fundamentamos a proposta que agora se apresenta numa perspetiva de construção de um recurso didático e pedagógico que, ao mesmo tempo, assumisse a abordagem aos conceitos da educação artística e tecnológica com caráter lúdico, passando pelas fases de análise (de artistas, as técnicas e as suas obras), de exploração de propostas com relação direta à obra dos artistas selecionados ou técnicas apresentadas para, finalmente, se partir para um nível de criação orientada mas autónoma a partir das abordagens previamente analisadas e exploradas. Depois de um período inicial em que se estabeleceu o conceito e filosofia deste projeto, a proposta final, concretizada no livro “Analisa, Explora & Cria” reúne um conjunto de sugestões de atividades de educação artística e expressão plástica e tecnológica, que podem facilmente ser desenvolvidas quer no primeiro ou segundo ciclo do ensino básico, ou mesmo nas atividades de enriquecimento curricular, constituindo assim um recurso passível de ser explorado em diferentes contextos de sala de aula passando ainda por outras propostas de exploração mais abrangente como o trabalho com um público adulto e para desenvolvimento no seio familiar. A partir do projeto desta publicação, programaram-se e têm vindo a ser dinamizados cursos de formação que pretendem explorar situações que gerem novas práticas, que instiguem o olhar e que desestabilizem o estabelecido, ampliando, deste modo, a formação dos professores, na construção de sentidos e significados, e contribuindo para a diversidade no processo de ensino e aprendizagem da expressão plástica. Apresentam-se novas abordagens de apropriação das linguagens artísticas, através de um conjunto de recursos educativos, a explorar dentro e fora do livro, e um conjunto alargado de referências a artistas, às suas obras e às técnicas que exploram, procurando responder à necessidade de domínio de competências de literacia das artes e tecnologias. Neste artigo daremos testemunho do percurso do projeto até agora desenvolvido, desde a sua génese até à formação de docentes que no presente momento desenvolvemos e que culminará em Setembro de 2014 com a publicação do livro “Analisa, Explora & Cria” pela Edicare editora e que 48


se pretende que seja um referencial na área. Introdução O projeto “Analisa, Explora & Cria” teve por base o trabalho de investigação realizado no Centro de Investigação em Inovação e Educação e foi desenvolvido com um grupo de 20 alunos na Unidade Curricular de Oficina de Recursos de Apoio Pedagógico do Mestrado em Ensino de Educação Visual e Tecnológica e um grupo de 14 formandos que frequentaram uma ação de formação promovida pela APEVT. Em ambos os contextos, o desenvolvimento das propostas apresentadas decorreu entre outubro de 2012 e fevereiro de 2013. A compilação, materializada na proposta de edição deste livro, foi idealizada pelos seus autores para proporcionar um conjunto de atividades que, para além de seguirem as orientações curriculares de Expressão e Educação Plástica (ME, 2004) para esta área e nível de ensino – 1º ciclo, constituem também um conjunto alargado de referências a artistas, às suas obras e o que se pode desenvolver em contexto educativo para a realização de diferentes atividades no campo das artes visuais e da expressão plástica e tecnológica. O guia, posteriormente materializado num livro a ser editado, procura novas formas de apropriação das linguagens artísticas e a sua relação com a necessidade de domínio de competências de Literacia das Artes. Tal como noutras áreas, não existe 49

homogeneidade entre as abordagens de educação e expressão plástica, encontrando-se assim, experiências e práticas muito diferenciadas no contexto educativo. Com o propósito de analisar a prática da expressão plástica na educação préescolar e 1º CEB, refletir sobre os pressupostos estéticos e conceitos referentes à organização pedagógica desta área do saber, e analisar a realidade atualmente vivida nas escolas, interessa responder a duas questões essenciais: Quais são os novos desafios que se colocam atualmente aos docentes dos vários grupos que lecionam a expressão plástica? Como conceber propostas pedagógicas ajustadas a esta realidade? Enquadramento teórico e contexto de referência Decorrente da nova estrutura curricular do ensino básico e secundário que configura uma revisão da estrutura curricular, aliada ainda às medidas propostas e orientações dadas pelo MEC para suprir eventuais “horários zero” nas escolas, surge a partir do ano letivo 2012/2013 um ajustamento dos recursos humanos existentes nas escolas, nomeadamente a afetação de docentes de EVT, EV e ET às funções de coadjuvação na área da Expressão e Educação Plástica no 1º ciclo do ensino básico e nas Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) neste mesmo nível de ensino. Considerando que muitos destes docentes encaram esta situação como uma nova etapa na sua carreira profissional, tornou-se fundamental proporcionar formação adequada a essa situação e, ainda, proporcionar recursos educativos e didáticos adaptados a este novo contexto. Apesar da formação técnica e científica superior na área, há ainda a necessidade de adequar estratégias, recursos e atividades a alunos de uma faixa etária mais jovem e com necessidades educativas e expressivas substancialmente diferentes. Neste sentido o projeto “Analisa, Explora & Cria” propõe uma abordagem contextualizada aos programas de Expressão e Educação Plástica no 1º CEB e no desenvolvimento de projetos integrados nas AEC’s, considerando-se como ponto fundamental a charneira entre os projetos educativos, a ligação entre ciclos de ensino e a coordenação de atividades, de forma global e, no caso particular e específico, na facilitação de explorações técnicas e plásticas, com a disponibilização de


recursos e propostas de atividades que estes docentes possam implementar na sua prática letiva. As propostas apresentadas no livro seguem o princípio orientador que se fundamenta na Arte como propiciadora para o desenvolvimento de competências e conhecimentos necessários, não apenas em si mesmas mas para diversas áreas de estudo, justificando-se a sua inserção no currículo escolar como um valor intrínseco de construção humana e património

Figura 1. Capa e contracapa do livro “Analisa, Explora & Cria”

comum a ser apropriado por todos (Iavelberg, 2003). A análise realizada neste livro permite a abordagem da obra de arte por um público infantil e juvenil, onde se possibilita que a criança e jovem amplie os seus conhecimentos, as suas capacidades e a descoberta das suas potencialidades criativas e de expressividade própria. Segundo Eisner (2008) existem quatro coisas que as pessoas fazem com a arte: Fazem; vêm; entendem o lugar da arte na cultura através dos tempos; e fazem juízos sobre as suas qualidades. Segundo este autor, as artes envolvem aspetos estéticos que estão relacionados com a educação da visão, a fruição das imagens, a leitura do mundo em termos de cores, formas e espaço propiciando a construção da sua interpretação do mundo, e formas de pensar sobre as artes e através das artes, princípios orientadores subjacentes às propostas apresentadas e desenvolvidas. Um dos princípios teóricos subjacentes ao desenvolvimento deste recurso 50


de apoio pedagógico para crianças e educadores, para além das premissas que remontam às propostas de Betty Edwards (2012) ou as mais recentes de Marion Deuchars (2011; 2012), também Ana Mãe Barbosa (1991) serviu de mote por considerar que “a arte deve ser uma fonte de alegria e prazer para a criança quando permite que organizem os seus pensamentos e sentimentos presentes nas suas atividades criadoras”. Considera-se assim que a abordagem artística é preponderante para o desenvolvimento da personalidade e por isso a atividade artística deve ser estimulada sempre que possível de forma sensorial e lúdica, contribuindo para ampliar as possibilidades cognitivas, afetivas e sociais. A Arte não é apenas básica mas fundamental na educação de um país que se desenvolve: não é enfeite, arte é cognição, é profissão e é uma forma diferente da palavra interpretar o mundo, a realidade, o imaginário e é conteúdo. “Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano” (Barbosa, 1991, p.4). Também Hernández (2007), alerta para o facto de que a tarefa fundamental da escola de hoje é dar enfoque nas suas práticas a novas visualidades culturais, refletindo sobre os modos de constituição do olhar nas interações do sujeito com o mundo, devendo expressar valores estéticos e explorar os sentidos às diversas interpretações pessoais. Já em 2000, Hernández refere que as obras artísticas 51

Figura 2. Ilustrações e retratos de artista das páginas do livro “Analisa, Explora & Cria”

Figura 3. Organização das páginas do livro “Analisa, Explora & Cria”


e os elementos da cultura visual são objetos que levam a refletir sobre as formas de pensamento da cultura na qual se produzem. Por essa razão, ao olhar uma manifestação artística de outro tempo ou de outra cultura implica a penetração mais profunda do que aparece meramente visual: é um olhar na vida da sociedade, e, na vida da sociedade representada nesses objetos (Hernandez, 2000). Com o “Analisa, Explora & Cria”, pretendese que cada criança em idade escolar explore as propostas apresentadas neste livro, assumindo a sua capacidade de aprender sobre qualquer assunto, até mesmo sobre as problemáticas envolvidas na Arte Contemporânea – desde que didaticamente acessíveis, como é o caso e a forma como foram cuidadosamente pensadas para o efeito. Quem deverá estabelecer os limites para a sua abordagem deverá ser sempre o professor ou educador, baseando as suas escolhas em função do contexto em que se insere e dos alunos com que trabalha. Foi num modelo híbrido entre abordagens artísticas de autores e artistas modernos com outros que remetem para abordagens mais contemporâneas que tornámos o projeto equilibrado para que os professores pudessem ter em mente propostas diversificadas e inúmeras significações possíveis de uma obra, muito além da leitura plástica, promovendo-se uma fuga do “lugar-comum”, procurando relações entre diferentes obras, de diferentes correntes artísticas e período históricos, considerando a sua contextualização. (Figuras 4 e 5)

Figuras 4 e 5. Propostas de abordagem à criação artística baseadas na obra de arte contemporânea de Tony Orrico, entre as artes plásticas e performativas, realizadas e exploradas em contexto de formação de professores

A atualização dos professores e educadores nesta área deve ser constante e diversificada, podendo ser complementada tanto na formação como na possibilidade de abordagem pedagógica com recurso a um livro como o que se propõe. Como nos refere Hernandez (2000), partindo de uma perspetiva psicológica, ou psicopedagógica, a aprendizagem no campo do conhecimento artístico exige um pensamento de ordem superior e a utilização de estratégias intelectuais como a análise, a inferência, o planea52


mento e a resolução de problemas ou formas de compreensão e interpretação. Estas propostas devem ainda fortalecer a sua identidade em relação às capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar, imaginar, o que lhe cerca e também a si mesmo (Hernandez, 2000). O contexto de realização deste livro preenche uma lacuna grande pela ausência de referenciais que os professores sentem e que pretendemos poder ajudar a colmatar através da consolidação desta proposta, proposta essa bastante abrangente e que também radica no princípio da “Proposta Triangular” apresentada por Ana Mãe Barbosa. Esta proposta, sendo um processo de ensino na área das artes e que envolve a leitura de imagens, a contextualização e o fazer artístico, não visa formar artistas, assim como a matemática não visa formar matemáticos, mas pretende formar fruidores que tenham acesso aos códigos da Arte. Foi precisamente no desdobramento destas duas correntes e através de muitas discussões e debates que deram origem ao DBAE (Disciplined Based Art Education) que tinha como novidade a simultaneidade do ensino de leitura de obras de arte, da reflexão estética, da História da Arte e do fazer artístico. Estes princípios da DBAE, concebidos pela Getty Foundation (fundação americana responsável pelo projeto), acabaram por, na década de 1980, ser fundidos por Ana Mãe Barbosa unindo a crítica e a estética no princípio de leitura 53

de imagens, compondo assim a Proposta Triangular. Deste modo, percebe-se que a “Proposta Triangular” (Barbosa, 2008) foi uma referência e aposta por nós assumida, precisamente por valorizar a reflexão conjuntamente com o conhecimento artístico. Para isso, ao se abordarem os artistas e as suas técnicas, bem como os conteúdos da Arte em sala de aula, segundo esta proposta mais reflexiva, exige-se novos conhecimentos e a constante revisão de conceitos preestabelecidos. Também a introdução da cultura visual no ensino da Arte (Hernandez, 2000) foi para nós um contributo na elaboração das propostas apresentadas neste livro por trazerem contribuições significativas para a construção do conhecimento em Arte na sala de aula. Proporcionar aos alunos o contacto com obras de arte, especialmente as propostas contemporâneas, orientando-os e estimulando-os à formulação de hipóteses que ajudem a compreender os conteúdos e singularidade das mesmas, desafiando-os a experimentarem a linguagem, os meios e os materiais utilizados pelos próprios artistas, permitirá a descoberta e o desenvolvimento da expressão pessoal. Acreditamos que, deste modo, a construção do conhecimento seja mais significativa para os alunos, principalmente pela constante aproximação dos temas da Arte com elementos presentes no quotidiano dos mesmos. Não pela simples exposição de conteúdos teóricos, mas pela assimilação e elaboração didática de temas presentes na Arte. Por este motivo, adotámos, de entre as estratégias didáticas possíveis, a que considerámos mais importante: a utilização de jogos e indagações estimulantes que partam de conhecimentos já assimilados ou a abordar pelos alunos e com os alunos, sendo posteriormente criadas as ligações necessárias para os temas presentes na Arte, objetivo maior desta proposta e que podem facilmente ser construídas com os alunos. Finalidades e objetivos O livro “Analisa, Explora & Cria” foi concebido para funcionar com atividades de forma independente, ou seja, não sequencial. Cada página, ou conjunto de duas páginas, tem uma unidade que pode ser trabalhada com as crianças (em contexto educativo ou outro) de forma autónoma. Assim, o


índice tem referência não a números de página mas a uma iconografia que remete para uma atividade a desenvolver/trabalhar ou a um artista, cuja obra serve de mote para a formulação da proposta. No caso das páginas duplas relativas a artistas, é apresentada uma pequena biografia do artista e uma contextualização da obra ou técnica que, por sua vez, é transposta na página seguinte para uma proposta de desenvolvimento de atividade (Figura 6). A partir do referido guia, conceberam-se e planificaram-se ações de formação para professores de EVT, ET, EV, e para professores do 1º CEB e Educadores de Infância, que têm vindo a ser dinamizadas com os seguintes objetivos: • Analisar de forma crítica o programa do 1º CEB, em particular o de Expressão e Educação Plástica (selecionar conteúdos e explorações técnicas); • Criar propostas de atividades de desenvolvimento da expressão plástica e aplicação a contextos específicos; • Elaborar de forma criteriosa um plano de propostas de atividades de forma global, integrada e articulada com as restantes áreas do currículo do 1º CEB; • Desenvolver aptidões técnicas, manuais e de criação plástica colocando em prática a articulação das propostas apresentadas; • Organizar um dossiê de atividades para aplicação em contexto educativo da expressão plástica. A formação em Expressão Plástica a partir do Analisa, Explora & Cria A proposta de formação que tem vindo a ser dinamizada pretende vir colmatar uma lacuna constatada nos instrumentos didáticos e pedagógicos disponíveis para os professores do 1º CEB, na abordagem dos conteúdos curriculares na área de Expressão e Educação Plástica. Assim, são apresentadas estratégias, recursos e metodologias que pretendem dar resposta às necessidades efetivas destes professores no cumprimento das horas semanais curriculares desta área e nas atividades de enriquecimento curricular. O “Analisa, Explora & Cria” não pretende fornecer aos professores “receitas” prontas e reproduzíveis para mero cumprimento dos planos curriculares, mas antes visa desenvolver a sua capacidade criativa, possibilitando-lhes uma multiplicidade de percursos que dependerão apenas de si próprios, em interação com os seus alunos e colegas. Pela nossa experiência, quer no contexto da formação de professores, quer no contexto da docência, entre pares, verificámos que os professores 54


estão motivados para implementar práticas inovadoras nas suas aulas. No entanto, em muitos casos, alguma falta de experiência, de formação pedagógica e de recursos disponíveis, especialmente nos grupos de ensino generalista, como o pré-escolar e 1º CEB, constituem fatores de inibição e desmotivação. Em circunstâncias ideais, os professores deverão ser sensíveis aos valores estéticos e qualidades artísticas dos recursos que exploram nas suas aulas. Para tal, pode ser-lhes proporcionado algum conhecimento sobre a forma de analisar, interpretar e apreciar obras de arte. Assim, a partir dos vários conteúdos e áreas de exploração que estruturam as sessões de formação, desafiam-se os professores a refletir e debater conceitos e estratégias e a partilhar dúvidas e experiências. As sessões têm pois um caráter participativo e colaborativo, com recurso a exemplos, experiências concretas e dinâmicas de grupo. As sessões são presenciais, teórico-práticas, estruturando-se em torno de um conjunto de propostas de atividades, selecionadas do livro, e conceitos associados às mesmas para discussão, reflexão e experimentação. São apresentados materiais de apoio à discussão e realizados exercícios práticos de caráter lúdico, pedagógico e didático em torno das propostas do livro (Figuras 7, 8 e 9). A expressão plástica nem sempre é (foi) uma área devidamente valorizada, onde, por vezes, se realizam o 55

Figura 6. Exemplos de algumas propostas apresentadas no livro “Analisa, Explora & Cria”

mesmo tipo de atividades e se exploram o mesmo tipo de materiais, frequentemente com recurso a fotocópias, e à cópia, e no âmbito da comemoração de efemérides, ou para a realização de trabalhos decorativos ou para oferta. No entanto, de uma forma geral, a expressão plástica é encarada como uma área enriquecedora e criativa, que se presta a parcerias com


Figuras 7, 8 e 9. Desenvolvimento de propostas de atividades do livro “Analisa, Explora & Cria”, realizadas em contexto de formação de professores

outras áreas curriculares e não curriculares, numa perspetiva interdisciplinar e de acordo com o definido nas orientações para o 1.º CEB. A expressão plástica no quotidiano da sala de aula pode assumir duas funções específicas: enquanto objeto de aprendizagem e como estratégia de aprendizagem. Considerando que, através das diferentes linguagens artísticas, a aprendizagem das diversas áreas do currículo geral poderá ser facilitada, os professores do ensino básico deverão, sempre que possível, integrar a expressão plástica no ensino de outras matérias. A forma como os professores abordam as temáticas, como apresentam as atividades e como clarificam o que se pretende e o que se propõe, reveste-se assim de extrema importância e pode, efetivamente, marcar a diferença na valorização desta área e condicionar positivamente o desempenho dos alunos. De acordo com Gonçalves (1991), os alunos não deverão ser condicionados com representações estereotipadas, pois só livremente os alunos poderão criar de forma significativa, desenvolvendo a imaginação e a criatividade: “A criatividade apela para uma pedagogia não diretiva, ou, pelo menos, flexível e aberta, que permita que seja a criança a descobrir o seu modo de agir e de exprimir, bem como o material e a técnica que melhor se adaptam à sua expressão pessoal” (p.13). A expressão plástica terá então de ir mais além, pois torna-se extraor56


dinariamente redutora e limitativa quando direcionada unicamente para o ensino de técnicas e para o desenvolvimento de aptidões manuais, como defende Rodrigues (2002): “Infelizmente, ainda há muitas escolas que persistem na adoção de modelos retrógrados, baseados quase única e exclusivamente na reprodução ou cópia, mais ou menos fiel e passiva, segundo regras e formalismos academizantes que não deixam grande margem à expressão livre. Frequentemente se expõem nas paredes das escolas trabalhos que, exibindo a mera execução técnica, sem expressão nem criatividade, raramente ultrapassam a linguagem convencional” (p.14). Esta situação é parcialmente percetível pelo facto de, de uma forma geral, os programas de formação geral de professores não incidirem sobre uma promoção adequada do papel da arte no ensino e na aprendizagem, resultando numa relação diminuta e, consequentemente, na pouca importância dada a este tipo de atividades como aspetos educacionais a ter em conta. Se uma determinada cultura artística não faz parte do dia-a-dia da vida dos professores que lecionam a expressão plástica, então será difícil sensibilizar os alunos e promover uma atitude crítica e criativa. Os professores deverão então providenciar uma estimulação sistemática que desperte em si próprio, bem como nos seus alunos, o interesse pelo que os rodeia, de modo a expandir horizontes e proporcionar 57

experiências que favoreçam o desenvolvimento cognitivo, superando desafios, mas também psicomotor, ampliando o domínio corporal e expressivo nas relações estabelecidas. Metodologia de desenvolvimento das formações A formação desenvolve-se, numa primeira fase, através de uma sessão teórica sobre aspetos relacionados com o novo enquadramento curricular e a implementação das medidas decorrentes da mesma, dando-se também enfoque às questões programáticas e organizacionais, tanto decorrente dos programas do 1º CEB – Expressão e Educação Plástica como das Atividades de Enriquecimento Curricular e a sua articulação com os projetos educativos das Escolas. A componente prática incide, numa primeira fase, sobre as vertentes de análise programática e exploração técnica e plástica de recursos, materiais e outras propostas para posterior aplicação em contexto e numa segunda fase os formandos são convidados a realizar um conjunto de propostas de trabalho que, de forma fundamentada, façam uma articulação entre as diferentes áreas curriculares para assim colocarem em prática em contexto educativo. Estas propostas são organizadas de acordo com os pressupostos de cada contexto e adequados por cada formando às suas necessidades reais de formação, quer pela exploração de técnicas que possam desconhecer como pela sua adequação posterior em sala de aula. A terceira fase da formação corresponde à apresentação das propostas de atividades realizadas e organizadas em portefólio individual, que são elaboradas tendo em conta as explorações prévias que realizaram na segunda fase desta formação. Fases de desenvolvimento do projeto Numa primeira fase, posteriormente ao estabelecimento do conceito e filosofia do projeto a desenvolver, foi apresentada no último trimestre de 2012 a proposta aos alunos de mestrado em ensino de EVT. Na mesma proposta foi ainda incluída uma turma-piloto de formação de professores e que se realizou em janeiro de 2013. Concluídas as apresentações de propostas por parte dos alunos e formandos, os autores do livro analisaram os produtos


apresentados e compilaram todas as atividades por forma a dar-lhes sentido dentro da proposta global e filosofia da publicação. Paralelamente à equipa de autores existiu uma equipa constituída por ilustradores e paginadores que iam realizando os produtos necessários à consecução do livro. Com o objetivo de divulgar as atividades desenvolvidas no âmbito da formação contínua de professores, foram criados um blogue e a página do Facebook do “Analisa, Explora & Cria” onde constam registos fotográficos das mesmas e onde se vai antevendo e atualizando as etapas de publicação do livro que se estima estar concluída em maio/junho de 2014. Este período que medeia a publicação do livro pela Edicare editora permite-nos desenvolver estes cursos de formação com professores, numa primeira fase, facultando aos docentes as estratégias e metodologias de desenvolvimento das atividades permitindo a utilização do livro da forma mais coerente e assertiva, isto para além de uma segunda fase na qual se divulgarão os trabalhos realizados em contexto com crianças, nas escolas. Conclusões Considerando que só existirá aprendizagem criativa mediante um ensino criativo, para além de valorizarem a expressão plástica enquanto espaço de construção de aprendizagens significativas que suscitem o interesse e o entusiasmo dos alunos, os professores deverão ser capazes de se prepararem e automotivarem, desafiando-se nas mais variadas experiências, visuais, plásticas, performativas, como os seus alunos, sem medo, sem vergonha e sem preconceito. A abordagem que o projeto propõe implica algumas mudanças na prática letiva. Mas este tipo de mudança não acontece por decreto, ela é pessoal, gradual e precisa ser construída e vivenciada com alguma abertura, investimento e trabalho, contornando e contrariando alguma falta de tempo, rotinas instaladas, uma certa prevalência da razão em detrimento da fruição, impondo progressivamente uma mudança também no paradigma de ação. No entanto, é importante atender ao contexto de receção dos repertórios artísticos abordados, adequando-os às características e faixa etária dos alunos. Apesar da reconhecida importância da educação artística em geral, e da expressão plástica em particular, para o desenvolvimento dos alunos, constituindo um meio indispensável para o desenvolvimento da sensibilidade e do pensamento crítico e criativo, considerando as competências a alcançar no final da educação básica, a realidade educativa mostra-nos 58


que estas áreas ainda são encaradas como atividades menores que servem meramente para descontrair, brincar ou como coadjuvantes no contexto educativo. Essas experiências deverão ainda ser proporcionadas aos alunos por meio de práticas cujo valor reside não só no resultado do processo mas, sobretudo, no próprio processo em si. Atendendo a que se aprende fazendo, aprende-se a desenhar desenhando, aprende-se a pintar, pintando, e assim sucessivamente, professores mais conscientes e sensibilizados, mais abertos e mais atentos, serão certamente professores capazes de ampliar o seu acervo para criação, tornando a sua prática mais eficaz, motivadora e significativa. Em muito, acreditamos, contribuirá este livro que, antes de tudo, foi concebido como um verdadeiro instrumento e recurso educativo.

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Parcerias APEVT

CINANIMA - Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho | 7º Encontro Internacional de Ilustração de S. João da Madeira CINANIMA | Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho

Fruto da experiência acumulada pela APEVT ao longo dos últimos anos, foi recentemente criado (em meados do ano de 2013) protocolo de colaboração institucional entre a APEVT e o CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho. Este festival, que se realiza quase há 40 anos, estabeleceu com a APEVT e o seu Centro de Formação uma parceria para dar apoio à realização das oficinas e workshops do festival. Já na edição da 37.ª edição do festival que decorreu em novembro de 2013 a APEVT esteve presente na colaboração e coordenação de algumas das oficinas realizadas, transmitindo o seu know-how neste tipo de atividades e permitindo levar a cabo uma série de iniciativas cada vez mais importantes da abertura da educação e ensino ao meio artístico e cultural como é o caso do cinema de animação, bem patente pelo número cada vez maior de professores e alunos que utilizam esta linguagem muito própria do cinema para desenvolver trabalhos e projetos. Paralelamente, a APEVT presta também o apoio e consultadoria ao Serviço Educativo do CINANIMA, quer emitindo pareceres ou dando os seus contributos e, futuramente, já na próxima edição do CINANIMA, participando com a implementação das suas ações de formação para professores no âmbito do festival.

7º Encontro Internacional de Ilustração de S. João da Madeira | Junta de Freguesia de S. João da Madeira A Junta de Freguesia de S. João da Madeira organiza, todos os anos, o seu Encontro internacional de Ilustração. Estabelecendo pontes entre a literatura, a escrita e a arte e ilustração, este evento tem-se tornado uma referência a nível nacional e internacional e, com o intuito de chegar cada vez mais próximo das escolas, dos alunos e professores, criou recentemente o seu serviço educativo, com atividades planificadas e organizadas para desenvolvimento não apenas na semana do encontro mas durante todo o ano. Neste contexto, a parceria firmada recentemente entre a APEVT e o seu centro de formação e a Junta de Freguesia de S. João da Madeira (em abril de 2014) irá permitir desenvolver um conjunto de ações de formação para professores na área da ilustração e outras que se considerem pertinentes desenvolver no panorama específico da ilustração e 7º Encontro Internacional a decorrer de 20 a 26 de outubro de 2014. Assim, iniciámos já a formação de patrimónios e diários gráficos e terá novas abordagens a partir de setembro de 2014 com formações na área da ilustração, construção de marionetas em esponja entre outras oficinas, de curta duração.

Nas duas páginas seguintes poderão ver algumas das imagens das atividades e oficinas já desenvolvidas na última edição do CINANIMA e as que até ao momento foram promovidas no âmbito das atividades que antecedem o 7º Encontro Internacional de Ilustração de S. João da Madeira. 60


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Ficha Técnica

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Editorial

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O Pensamento Crítico no Ensino das Artes Visuais RICARDO RODRIGUES DOS SANTOS

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Promover competências Empreendedoras através das Artes Visuais? JOANA VIEIRA

18

Novas possibilidades do livro impresso: Um estudo de caso “Livro (de atividades) para Massajar a Imaginação” CATARINA GOMES | MARTA MADUREIRA | PAULA TAVARES

31

“Uma boca cheia de palavras” Construção de um livro interativo para a infância MARIANA SAMPAIO | PAULA TAVARES | CATARINA SILVA

44

O Diário Gráfico em Contexto Educativo - Formação APEVT ANTÓNIO PROCÓPIO | JOÃO TIAGO FERNANDES | JOSÉ ALBERTO RODRIGUES | MANUELA ROSA ROLÃO | MÓNICA AMADO

48

O livro Analisa, Explora & Cria em contexto de formação de professores JOSÉ ALBERTO RODRIGUES | MÓNICA AMADO

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Parcerias APEVT CINANIMA - Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho | 7º Encontro Internacional de Ilustração de S. João da Madeira

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Sumário


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