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Sumário Introdução ................................................................................. 1 RAÍZES ..................................................................................... 4 Raiz 1. Liberdade ...................................................................... 7 Raiz 2. Igualdade....................................................................... 7 Raiz 3. Tolerância ..................................................................... 7 Raiz 4. Imparcialidade .............................................................. 8 Raiz 5. Filosofia ...................................................................... 12 Raiz 6. Ciência ........................................................................ 13 Raiz 7. Lógica ......................................................................... 14 Raiz 8. Bom senso ................................................................... 16 Raiz 9. Inteligência ................................................................. 18 Raiz 10. Consciência ............................................................... 20 Raiz 11. Acaso ........................................................................ 21 Raiz 12. Instinto ...................................................................... 22 Raiz 13. Natureza .................................................................... 24 CAULE ................................................................................... 26 Ramo 1. A natureza não dá saltos ........................................... 29 Ramo 2. Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. .............................................................................. 30 Ramo 3. Todo efeito inteligente pressupõe uma causa inteligente ................................................................................ 32 Ramo 4. A natureza manifesta inteligência ............................ 38 Ramo 5. O autor e os atributos da sua obra ............................ 48 Ramo 6. A imutabilidade das leis ........................................... 50 Ramo 7. A unidade das leis ..................................................... 52 FOLHAS ................................................................................. 54 Folha 1. A unidade .................................................................. 58 Folha 2. A autoria.................................................................... 60 Folha 3. Os atributos ............................................................... 62 Folha 4. O homem ................................................................... 63 FRUTOS ................................................................................. 64
3 Fruto 1. A vida ........................................................................ 67 Fruto 2. As causas e os efeitos ................................................ 72 Fruto 3. A memória ................................................................. 75 Fruto 4. O veículo ................................................................... 77 Fruto 5. O professor e o aluno................................................. 80 Fruto 6. As virtudes e os defeitos ............................................ 83 Fruto 7. A continuidade .......................................................... 89 Fruto 8. A morte ...................................................................... 90 Fruto 9. A família .................................................................... 92 Fruto 10. A comunidade.......................................................... 97 CONCLUSÃO ...................................................................... 103
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Introdução "Quando todos pensam igual é porque ninguém está pensando." (Walter Lippman) Se o homem soubesse aonde vai a felicidade, iria à sua procura. Se o homem soubesse aonde vai, a felicidade iria à sua procura. Assim como numa leitura, um pequeno detalhe pode fazer diferença, esta obra, que não trata de meio ambiente apesar de falar dele, quer mostrar que reflexões sobre certos aspectos da natureza e do homem podem fazer diferença. Seu trabalho é simples, quase técnico e consiste em compilar conceitos conhecidos, formular hipóteses e extrair conclusões, com a sua máxima capacidade de lógica e de bom senso, temperados com alguma ousadia, além de uma forte inclinação de manifestar liberdade, sem pressões ou medo e, principalmente, sem incoerências ou devaneios. Não existem quaisquer pretensões científicas, literárias ou filosóficas, mas apenas um objetivo de lançar um olhar sobre a natureza e seu possível significado para o homem, numa reflexão aberta e positiva. Talvez a única possível pretensão seja a de demonstrar que os passos deste desenvolvimento estão fundados em lógica, liberdade e senso de justiça. Um dos pontos de vista deste trabalho, daqui por diante chamado simplesmente de projeto, é que vale a pena conhecê-lo, porque ele quer demonstrar que as conclusões a que se pode chegar, quando se reflete sobre esse tema com bom senso e destemor, são muito compensadoras e transcendem o senso comum. O seu nome surgiu inspirado no caminho ascendente
2 percorrido pela seiva nas árvores. Nessa concepção, esse percurso começa nas raízes, onde cada terminal radicular representa um conceito individual. E tal como um indivíduo que, para construir a sua casa, fizesse os próprios tijolos em vez de comprá-los, este projeto também faz os seus e parte do zero, reproduzindo as definições de conceitos já conhecidos a título de nivelamento e de referência. Uma vez que os conceitos são expostos, o fluxo entra no caule onde se formulam as hipóteses, representadas pelo tronco e pelos ramos, que são a coluna vertebral do desenvolvimento. Daí, se atingem as conclusões simbolizadas pelas folhas e finalmente, a partir do conjunto obtido, se trabalham as suas consequências na vida humana, materializadas pelos frutos. Uma segunda razão para a escolha desse nome justifica-se pelo fato da árvore ser um dos principais elementos da natureza e também um dos símbolos que mais comumente a representam. Um terceiro motivo seria o fato de um dos objetivos do projeto ser o atingimento de um patamar de maior conhecimento e, nesse aspecto, a seiva, que percorre a árvore das raízes às folhas e a própria árvore que nasce na escuridão da terra e cresce em direção à luz, seriam imagens adequadas dessa desejada ascensão, dessa passagem de um estágio inferior de consciência para outro superior. Os principais alicerces deste trabalho são ciência e filosofia empregadas de maneira bem simples, em que a primeira serve de âncora material ao desenvolvimento e a segunda explora as possibilidades. Este projeto entende que os conceitos mais importantes estão nas coisas simples e compreensíveis por qualquer pessoa. Preciosismos filosóficos e científicos apenas contribuem para dificultar o entendimento da argumentação e aumentar o risco de se gerar um contexto improdutivo.
3 Na apresentação de quase todos os conceitos ou raízes são citadas, ipsis litteris, partes de suas definições publicadas na Wikipedia, em dezembro de 2011. Essa enciclopédia virtual ganha cada vez mais credibilidade e os seus conteúdos são constantemente enriquecidos por autores e instituições de várias partes do mundo. As definições deste projeto servem para ancorar os temas abordados de forma bastante simples, fornecendo as informações mínimas e suficientes para uma explicação básica. Os conceitos aqui desenvolvidos não representam declaração de vínculo ou aderência a qualquer teoria ou doutrina científica, filosófica ou religiosa, em particular. Nesse aspecto, qualquer semelhança é mera coincidência e este projeto trabalha livre da necessidade de se preocupar se tais semelhanças ocorrem ou não. Comentários são muito bem vindos e devem ser enviados a OCaminhoDaSeiva@gmail.com.
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RAÍZES “É impossível para um indivíduo aprender aquilo que ele acha que já sabe." (Epiteto)
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Vários mitos e dogmas já foram derrubados pela ciência e, hoje, dificilmente se aceita algo que a razão não suporta. São comuns a descrença, a desconfiança e até a negação com relação a teorias que não possam ser cientificamente comprovadas. Entretanto, na atual comunidade globalizada, em que há uma enorme e sempre crescente influência de descobertas científicas em inúmeros campos de atividade, a ciência aparenta se apoderar, progressiva e veladamente, do mesmo trono dogmático antes ocupado pela religião. Não é incomum que questionamentos de teorias científicas sejam vistos como se fossem heresias. No entendimento deste trabalho, a ciência, apesar do seu indiscutível valor e dos inestimáveis serviços prestados à humanidade, não poderia abrir mão da reflexão filosófica, porque não poderia existir uma verdadeira ciência sem bases como ética, lógica e bom senso. Enquanto novos conceitos científicos e seus detalhes mudam frequentemente antigas explicações da própria ciência sobre o funcionamento e os mecanismos da vida e do universo, as máximas filosóficas resistem ao tempo e aos movimentos evolutivos, permanecendo sempre atuais. Além do mais, a investigação científica acaba abordando princípios filosóficos, especialmente quando trabalha próxima dos seus limites, onde a obtenção de resultados é mais difícil e os métodos são desconhecidos ou ainda não são totalmente conhecidos. Nessas fronteiras, onde a ciência fica limitada, a filosofia está livre para desenvolver argumentos e hipóteses que podem perfeitamente abrir caminho à descoberta dos métodos apropriados. As duas, adequadamente combinadas, constituem um formidável recurso de exploração do desconhecido. A ciência explica e comprova a origem e o mecanismo de
6 diversos fenômenos naturais, além de descobrir leis que desmascaram antigas superstições. Algumas dessas descobertas são usadas neste projeto para assentar bases importantes. Por outro lado, diversos conceitos subjetivos, aplicados de modo consciente ou inconsciente na vida diária, pertencem ao campo da filosofia, tais como dedução, indução, razão, lógica, propósito, método, problema, verdade, dentre os quais muitos são bases importantes do próprio método científico. Diante do que foi mencionado, quando houver alguma diferença ou conflito entre conceitos filosóficos e teorias científicas, este projeto tenderá a dar mais peso aos primeiros.
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Raiz 1. Liberdade Definição da Wikipedia: Liberdade, em filosofia, designa de uma maneira negativa, a ausência de submissão, de servidão e de determinação, isto é, ela qualifica a independência do ser humano. De maneira positiva, liberdade é a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. Isto é, ela qualifica e constitui a condição dos comportamentos humanos voluntários. [...]
Raiz 2. Igualdade Definição da Wikipedia: Igualdade é a inexistência de desvios ou incongruências sob determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos comparados, sejam objetos, indivíduos, ideias, conceitos ou quaisquer coisas que permitam que seja feita uma comparação. [...]
Raiz 3. Tolerância Definição da Wikipedia: A tolerância, do latim tolerare (sustentar, suportar), é um termo que define o grau de aceitação diante de um elemento contrário a uma regra moral, cultural, civil ou física. Do ponto de vista da sociedade, a tolerância define a capacidade de uma pessoa ou grupo social de aceitar, noutra pessoa ou grupo social, uma atitude diferente das que são a norma no seu próprio grupo. [...]
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Raiz 4. Imparcialidade É definida pelo projeto como isenção de tendências, preconceitos ou rótulos, de modo que as exposições e conclusões seguem uma linha o mais livre possível. Esse conceito deve necessariamente acompanhar os três anteriores e fundir-se com eles formando uma liga sólida e equilibrada.
Comentário São essas as mais importantes raízes, as que validam e emprestam credibilidade a este desenvolvimento. Sem elas, o trabalho careceria de autoridade porque ficaria sujeito às tiranias do medo, da intolerância e da tendenciosidade. Posturas intolerantes ou tendenciosas costumam ser resultado de mentes preconceituosas, frequentemente entrincheiradas e prontas a rechaçar novas ideias, sem qualquer exame prévio e ao menor sinal de semelhança com o objeto do seu medo ou preconceito. Diante de tais mentes, seria impossível concluir uma exposição ou avançar em um desenvolvimento, por mais lógicos e coerentes que fossem, porque não haveria interesse em crescer ou incorporar novos valores mas apenas em demolir o que não correspondesse ao seu ponto de vista. Não existiria aprendizado desse modo, mas apenas estagnação e frustração. Por outro lado, qualquer estudo efetuado com esforço de isenção de ânimo e liberdade, invariavelmente produziria melhores resultados porque tenderia a provocar menos distorções, a considerar um maior número de hipóteses possíveis e, portanto, a perceber uma fatia mais ampla da realidade. Liberdade significaria levar em conta e analisar qualquer conceito, sistema ou doutrina sem preocupações de comparações
9 com outros existentes e com a mente o mais aberta possível à percepção de novos entendimentos. A imparcialidade levaria a não se rejeitar nada previamente, o que significaria que tudo seria passível de consideração até que se provasse que não o seria. Como um simples exemplo de parcialidade, é falsa a premissa de que se a ciência, que ainda não sabe tudo, vem consistentemente derrubando dogmas, quando souber tudo terá derrubado todos eles. O erro dessa premissa é assumir, sem conhecimento de causa, que todos os dogmas se baseiam em fundamentos incorretos. O desejo de se investigar a natureza e sua relação com o homem através de uma ótica absolutamente apartidária, levou este projeto à escolha da ciência e da filosofia como seus fundamentos principais. Esses recursos foram considerados, ao menos em teoria, suficientemente neutros para não comprometerem a liberdade e a imparcialidade deste desenvolvimento. Em reflexões desse tipo, envolvendo eventuais causas e porquês da relação supracitada, seria natural se imaginar alguma afinidade com contextos ligados à religião. Contudo, esta não será usada como recurso porque, em geral, possui fundamentos de caráter essencialmente dogmático, constituídos de registros muito antigos e quase sempre escritos em linguagem fortemente simbólica, o que dificulta a sua compreensão e acaba permitindo interpretações ambíguas. Tal aspecto não combinaria com o caráter racional e imparcial que se quer transmitir e terminaria afetando a credibilidade do conjunto. Por conta dessa decisão de omitir a religião, o projeto se sente na obrigação de citar alguns pontos relativos à imparcialidade para que haja uma melhor interpretação dessa escolha e uma compreensão mais ampla dos temas que serão aqui tratados. Frequentemente, por ignorância, leviandade ou
10 maldade, certos contextos, doutrinas ou sistemas têm seus fundamentos confundidos com os seus piores usos, de modo que estes passam a ser erroneamente considerados como partes intrínsecas daqueles, sem que necessariamente o sejam. As religiões são as maiores vítimas desse desentendimento e a ética exige que se faça justiça aos seus valores. Os meios de comunicação veiculam diversos casos de sacerdotes de várias correntes religiosas ligados a práticas de corrupção, violência, pedofilia e a história é pródiga em guerras, massacres e torturas perpetradas por autoridades religiosas com poderes de estado. Contudo, para cada um desses maus representantes, há milhares ou mesmo milhões de fiéis que se declaram beneficiados pelas suas crenças. Se as religiões tivessem de ser eliminadas pelos seus maus usos, então a lista de coisas a serem extintas seria imensa. O dinheiro, como representante da riqueza, tem o potencial de gerar enormes benefícios para toda a humanidade, mas é o campeão absoluto do uso egoísta e ganancioso, em nome do qual centenas de milhões de pessoas em todo o planeta ainda vivem de maneira indigna ou na mais humilhante miséria. O álcool é utilíssimo na limpeza dos ambientes e na assepsia de cirurgias e ferimentos, mas o abuso no consumo de bebidas alcoólicas é um gravíssimo caso de saúde pública em diversos países, com custos elevados de internações hospitalares por problemas de doenças, acidentes de trânsito e de trabalho, homicídios passionais e acidentais, estupros e violências familiares. Os metais são essenciais a quase todos os aparelhos domésticos, médicos e industriais, veículos de transporte, estruturas de casas e edifícios, mas são matéria-prima de pistolas, rifles, granadas, mísseis, tanques, canhões, barcos e aviões de guerra, além das famigeradas bombas atômica e nuclear.
11 Obviamente a eliminação dessas coisas não seria a solução porque, enquanto quase todas são de caráter neutro, os seus respectivos usos definitivamente não o são. As grandes religiões pregam o bem e aconselham o homem a tratar os outros como ele gostaria de ser tratado. O simples cumprimento desse preceito já seria suficiente para transformar o nosso planeta num verdadeiro paraíso.
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Raiz 5. Filosofia Definição da Wikipedia: Filosofia é o estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem. Ao abordar esses problemas, a filosofia se distingue da mitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por geralmente não recorrer a procedimentos empíricos em suas investigações. Entre seus métodos, estão a argumentação lógica, a análise conceptual, as experiências de pensamento e outros métodos a priori. [...]
Comentário Segundo Aristóteles, na sua obra Protréptico, a filosofia é tão inevitável ao homem, que até o argumento de que não se deve filosofar é anulado pela impossibilidade de aplicá-lo sem filosofar. Sendo um dos fundamentos deste projeto, ela é empregada em associação à ciência para explorar os contextos teóricos possíveis e tentar atingir patamares mais elevados de conhecimento. Os poucos conceitos citados são explicados apenas em nível muito básico, suficiente para não haver perda de foco e para se obter conclusões práticas e coerentes.
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Raiz 6. Ciência Definição da Wikipedia: Em sentido amplo, ciência (do latim scientia, traduzido por "conhecimento") refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemáticos. Em sentido mais restrito, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, assim como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tais pesquisas. [...]
Comentário Hoje, é praticamente impossível viver sem possuir ou usar algo derivado de algum achado científico. A ciência atua no sentido de desvendar as leis que regem todos os fenômenos conhecidos. Com suas descobertas e as respectivas teorias que tentam explicá-las, ela possui, às vezes, o poder de afetar convicções antes consideradas demonstradas ou incontestáveis. Bons exemplos disso são a teoria do heliocentrismo, por Copérnico e Kepler, que derrubou o conceito de que universo girava em torno da Terra e a teoria do “Big Bang”, por Lemaître, Friedman e Hubble, de que o universo está em expansão.
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Raiz 7. Lógica Definição da Wikipedia: Lógica (do grego clássico logos, que significa palavra, pensamento, ideia, argumento, relato, razão lógica ou princípio lógico), considerada uma ciência formal, é o estudo formal sistemático dos princípios da inferência válida e do pensamento correto. Já que o pensamento é a manifestação do conhecimento, e que o conhecimento busca a verdade, é preciso estabelecer algumas regras para que essa meta possa ser atingida. Assim, a lógica é o ramo da filosofia que cuida das regras do bem pensar, ou do pensar correto, sendo, portanto, um instrumento do pensar. A aprendizagem da lógica não constitui um fim em si. Ela só tem sentido enquanto meio de garantir que nosso pensamento proceda corretamente a fim de chegar a conhecimentos verdadeiros. [...]
Comentário A lógica é outro requisito fundamental de um desenvolvimento que pretenda chegar a conclusões válidas. Qualquer teoria ou doutrina tem uma linha mestra decorrente dos fundamentos lógicos que incorporou. Este trabalho depende dramaticamente desta raiz, porque pretende partir de bases sólidas e coerentes. Isso somente é possível se o desenvolvimento tiver fundamentos lógicos, ancorados na razão e no bom senso. Fundamentos desse tipo são imprescindíveis e deveriam ser sempre os pontos de partida de qualquer reflexão que possua elementos de cunho filosófico. Argumentos lógicos são passíveis de discussão e os que são usados aqui não constituem exceção. Porém, este projeto considera que a diversidade de opiniões, que provoca as discussões, apesar de dificultar o consenso, é extremamente benéfica porque o confronto de ideias testa a validade dos
15 princípios e isso ajuda na sua evolução e na sua adaptação às transformações do meio. No outro extremo, a unanimidade que facilita o consenso, tende a estagnar e a cristalizar ideias, dificultando as mudanças evolutivas.
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Raiz 8. Bom senso Definição da Wikipedia: Bom senso é um conceito usado na argumentação que é estritamente ligado às noções de sabedoria e de razoabilidade, e que define a capacidade média que uma pessoa possui, ou deveria possuir, de adequar regras e costumes a determinadas realidades, e assim poder fazer bons julgamentos e escolhas. [...]
Comentário Conforme a definição, em nome de bons julgamentos e escolhas e pelo potencial natural que um tema reflexivo sobre a natureza possui para divagações e desvios, foi feito o máximo esforço possível para escolher ideias e argumentos que fossem de caráter útil e que gerassem benefícios reais e práticos ao trabalho proposto. Por isso, não foram consideradas situações, alternativas ou argumentos bizarros, sem propósito ou altamente improváveis, mesmo que teoricamente possíveis, porque nenhum deles levaria a qualquer resultado válido. A título meramente ilustrativo, seguem exemplos simples do que este projeto classificaria como: Bizarro Considerar que um macaco de inteligência excepcional, altamente treinado, pudesse passar, honestamente, em todas as provas discursivas para ingressar numa universidade. Sem propósito Discutir sobre qual o sexo dos anjos, a cor mais bonita ou a melhor música.
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Altamente improvável, mas teoricamente possível Jogar um dado 30 vezes seguidas e obter sempre o mesmo número a cada jogada. Matematicamente, supondo que os cálculos estejam corretos, as chances seriam de 1/6 (um sexto) elevado à trigésima potência, isto é, uma em 221.073.919.720.733.000.000.000 (mais de 221 sextilhões) de vezes.
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Raiz 9. Inteligência Definição da Wikipedia: Inteligência pode ser definida como a capacidade mental de raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias, compreender ideias e linguagens e aprender. [...]
Comentário Aqui, os aspectos mais importantes da inteligência são o planejamento, que evidencia propósito e o raciocínio, que pressupõe abstrações e comparações. É essencial saber identificar esses fatores em um evento ou fenômeno. Manifestações inteligentes sempre têm planejamento e organização com vistas a um determinado objetivo. Existem infinitos níveis de inteligência, desde aquele de uma simples célula até o de um ser humano. A abordagem do conceito de inteligência, para este trabalho, serve mais para classificar as manifestações que sejam organizadas e evidenciem um propósito significativo e definido. Como exemplos de manifestações inteligentes e não inteligentes, podemos citar: Inteligente Sequência de sons de uma mensagem em código Morse (1). (1) Nota do projeto: Desenvolvido por Samuel Morse, o código Morse é um sistema de representação de letras, números e sinais de pontuação através de um sinal codificado enviado intermitentemente. O sinal pode ser luminoso, sonoro ou eletromagnético.
19 Não inteligente Sequência de sons que uma ave produz ao bater seu bico contra uma árvore, à procura de insetos. Inteligente Troncos e sapê agrupados na construção de uma cabana. Não inteligente Troncos e sapê espalhados pelo chão sem uma organização definível. Inteligente Sombras de mãos humanas que se movem para imitar formas e movimentos de animais. Não inteligente Sombras de árvores que se movem pela ação do vento.
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Raiz 10. Consciência Definição da Wikipedia: A consciência é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, senciência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. [...]
Comentário Consciência, conforme a definição, é aqui considerada como sendo a capacidade de se perceber e perceber a relação entre si e o ambiente, ou seja, se perceber e estar consciente da sua interação com os elementos que estão ao seu redor que vão desde seres, formas e cores até emoções e intenções. Este projeto entende que consciência, no sentido considerado acima, é a principal variável que mede o grau de evolução de um ser, porque quanto maior for a consciência de si mesmo e da sua relação com o ambiente, maior será o entendimento das suas vantagens e desvantagens em relação a tal ambiente. Assim, para cada propósito desejado pelo ser, os fatores ambientais e suas relações com eles são mais bem percebidos e analisados com vistas àquele propósito, o que possibilita uma estratégia mais eficiente e mais bem executada, resultando numa maior capacidade de realizar empreendimentos bem sucedidos.
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Raiz 11. Acaso Definição da Wikipedia: Acaso (do latim a casu, sem causa) é algo que surge ou acontece a esmo, sem motivo ou explicação aparente. [...]
Comentário Opostamente ao conceito de inteligência, este trabalho entende que o conceito de acaso serve para classificar as manifestações que não sejam organizadas e que não tenham um propósito. Valem aqui os exemplos classificados como não inteligentes na definição anterior de inteligência.
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Raiz 12. Instinto Definição da Wikipedia: Instinto designa em psicologia, etologia, biologia e outras ciências afins predisposições inatas para a realização de determinadas sequências de ações (comportamentos) caracterizadas sobretudo por uma realização estereotipada, padronizada, pré-definida. [...]
Comentário O instinto de um ser é aqui interpretado como um tipo especial de inteligência, uma diretriz, diferente da inteligência puramente cerebral do ser, mas que trabalha em conjunto com ela. Espécies aparentemente pouco inteligentes, mas que formam sociedades complexas, seriam bons exemplos que sustentariam essa interpretação, como formigas, cupins e abelhas. Nesses casos, o comportamento social da espécie parece demonstrar uma inteligência maior do que aquela que cada indivíduo possuiria. O instinto, segundo a visão deste projeto, também se manifestaria de modo simples ou complexo conforme fosse a inteligência cerebral do ser. Analisando o instinto de caça de um predador, por exemplo, poderíamos comparar um peixe, de inteligência reduzida, cujo único modo de caça fosse se enterrar na areia para esperar sua presa, com um mamífero carnívoro, de inteligência mais complexa, que poderia caçar individualmente, em ataques simples mas calculados, ou em grupo, em que poderiam se organizar para preparar emboscadas. É fácil observar que, quanto maior for a inteligência cerebral de uma espécie, maior será a sua capacidade de improvisação ou atuação em torno da diretriz determinista do instinto. Criaturas como insetos e peixes comportam-se de modo fortemente
23 semelhante enquanto cães e macacos podem apresentar características individuais muito acentuadas. A espécie humana também está sujeita à influência do instinto e, como é a mais inteligente de todas, é a que apresenta as maiores diferenças individuais.
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Raiz 13. Natureza Definição da Wikipedia: A expressão natureza (do latim natura), natura ou naturaleza aplica-se a tudo aquilo que tem como característica fundamental o facto de ser natural: ou seja, envolve todo o meio ambiente que não teve intervenção antrópica (2). Dessa noção da palavra, surge seu significado mais amplo: a Natureza corresponde ao mundo material e, em extensão, ao universo físico: toda sua matéria e energia, inseridas em um processo dinâmico que lhes é próprio e cujo funcionamento segue regras próprias (estudadas pelas ciências naturais). […] Ordem ou sistema de leis que precedem a existência das coisas e a sucessão dos seres. O conjunto de todos os seres que compõem o universo. […] A escala abrangida pela palavra natureza, dentro deste contexto, envolve desde o subatômico até o amplamente universal, como os planetas e estrelas. Tomando como o recorte a escala do homem, inclui basicamente o meio ambiente natural e normalmente exclui o meio ambiente construído, de forma a ser tradicionalmente associada à vida selvagem, aos fenômenos e recursos naturais e aos seus processos e dinâmicas próprios. Há também definições que incluem o meio ambiente alterado pelo homem como elemento da Natureza. [...]
(2) Nota do projeto: Antrópica = causada pelo homem.
Comentário Do alcance deste conceito, isto é, dos reinos mineral, vegetal e animal aos fatores climáticos e extraplanetários, este projeto
25 considera a natureza como sendo absolutamente tudo o que existe, sem quaisquer exceções e destaca, especialmente, o seu trabalho como sistema coordenador dos instintos de todas as espécies terrestres. Além disso, a natureza é o modelo cujo funcionamento a ciência estuda e depois nele se inspira. Assim, o velcro imita o carrapicho, o radar copia o mecanismo auditivo do morcego, o sonar se inspirou nas baleias e dispositivos de escalar superfícies lisas reproduzem a funcionalidade das ventosas dos polvos.
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CAULE "A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltarรก ao seu tamanho original." (Albert Einstein)
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A comprovação de uma hipótese se faz pela demonstração de sua veracidade ou pela impossibilidade da demonstração de sua falsidade. As hipóteses que são formuladas nesta sessão se apoiam, principalmente, nas raízes citadas anteriormente. A maneira de apresentá-las é própria deste projeto e é a partir daqui que ele começa a assumir mais fortemente a sua personalidade e a efetuar as escolhas filosóficas que são consequências da sua concepção da natureza e do homem, além das perspectivas futuras que ele vislumbra. Dependendo da linha filosófica que se escolha, as perspectivas do futuro ou as expectativas sobre a vida alteram-se de forma dramática. Como exemplo didático disso, podemos comparar as visões e expectativas contrastantes de um ateu e de um espiritualista típicos, conforme seriam percebidas pelo senso comum. O ateu só aceitaria o que a ciência ou os seus 5 sentidos pudessem comprovar e acreditaria que com a morte do corpo deixaria de existir definitivamente, como ser e como consciência e, portanto, jamais veria novamente seus entes queridos e não teria que prestar contas de seus atos. O espiritualista, ao contrário, acreditaria que existiriam causas não materiais, que sobreviveria à morte do corpo e que, depois disso, não deixaria de ver seus familiares e amigos e prestaria contas de seus atos. São dois panoramas bastante distintos, quase opostos, causados por simples escolhas filosóficas, mas que poderiam influenciar fortemente os ânimos e as decisões que seriam tomadas durante toda uma vida. Muitas vezes, indivíduos optam por um caminho ou outro sem refletir, a partir de bases pobres e sem coerência. Particularmente, nesse caso, ainda não se conseguiu demonstrar experimentalmente a falsidade desses conceitos espiritualistas como já se comprovou, por exemplo, a falsidade da teoria da geração espontânea da vida (3).
28 Em situações como essa, que lidam com fatores ainda não demonstráveis cientificamente, este projeto entende que o único caminho possível é a reflexão com lógica e bom senso. E nas hipóteses a seguir, é justamente isso que se pretende fazer.
(3) Nota do projeto: Também conhecida como abiogênese, refere-se à crença antiga de que a vida poderia surgir da matéria não viva. Tal ideia foi gerada pela observação descuidada do aparecimento de seres vivos a partir de substâncias apodrecidas, em que não se conseguiam identificar os ovos ou as larvas desses animais. Mais tarde, comprovou-se que a vida somente poderia surgir de um ser vivo.
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Ramo 1. A natureza não dá saltos Essa é uma máxima que, originalmente, se refere ao modo progressivo como a natureza promove suas transformações. Foi usada, entre outros, por Charles Darwin no seu trabalho sobre a origem das espécies (on the Origin of Species – capítulo VI: Difficulties on theory). Em poucas palavras, todas as espécies sofrem mudanças progressivas e contínuas em funções, formas e comportamentos. Indo mais longe, na verdade, todas as características das espécies vivas e, portanto, algumas do próprio meio ambiente que elas ajudam a constituir, também sofrem essas mesmas evoluções gradativas. Este trabalho também aplica esta hipótese relativamente à esfera humana, já que somos uma das espécies deste planeta e também devemos estar sujeitos a essa evolução progressiva. A diferença é que, contrariamente às demais espécies que agem em obediência ao instinto, temos a autoconsciência e o livrearbítrio, a relativa liberdade de escolha em acelerar ou retardar o progresso, em promover melhorias ou estagnar, em agir construtiva ou destrutivamente. Os horrores de guerras, injustiças, chacinas e torturas que eram quase as regras nas Idades Antiga e Média, após todos os enormes progressos sociais e científicos, foram simplesmente promovidos a quase exceções. Tudo isso apenas confirma que, também na esfera humana, a natureza não dá saltos.
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Ramo 2. Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Uma importantíssima âncora deste trabalho é o axioma tradicionalmente atribuído a Antoine Lavoisier, pai da química moderna, que diz que na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Teoricamente, num sistema fechado ou isolado não ocorrem trocas de energia com o exterior e, portanto, não há perdas ou acréscimos e a energia do sistema se mantém perpetuamente a mesma. Considerando-se a definição anterior da natureza, em que esta englobaria absolutamente tudo o que existe, isso significa que não haveria mais nada além dela para que houvesse trocas de qualquer tipo, ou seja, ela seria um sistema fechado perfeito. Por isso, toda a energia nela contida teria sido sempre a mesma, nunca teria sido criada e nunca se perderia, mas apenas se transformaria. Se ela fosse sempre a mesma, seria eterna e única. No universo, pelo axioma citado, as transformações se sucederiam umas às outras continuamente, desde sempre, resultando em todas as manifestações que existiram, existem e existirão. Se todas essas manifestações ou eventos pudessem ser hipoteticamente registrados, de forma contínua e em absolutamente todos os seus detalhes, as suas origens exatas seriam reveladas e, portanto, as suas causas e os seus efeitos seriam conhecidos. Os eventos dessa natureza transformadora representariam, portanto, de forma contínua e simultânea, os papéis de efeitos dos seus antecessores e de causas dos seus sucessores, o que seria o mesmo que dizer que tudo tem causa e efeito. Hipoteticamente, ainda como consequência lógica do
31 axioma, o que pudesse ser criado não teria sido fruto de transformações ou não teria tido antecessores ou causas e o que pudesse ser perdido não provocaria transformações ou não geraria sucessores ou efeitos.
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Ramo 3. Todo efeito inteligente pressupõe uma causa inteligente Um efeito, para ser considerado inteligente, deve manifestar, implícita ou explicitamente, os atributos constantes da definição anterior de inteligência, tais como propósito e raciocínio, isto é, o oposto da definição anterior de acaso. Adicionalmente, comparando-se vários efeitos inteligentes, também deveria ser possível julgar o grau ou qualidade da inteligência manifestada por cada um deles e terminar concluindo que, pela inteligência manifestada pelo efeito, podese avaliar o grau ou qualidade mínimos da inteligência da causa. Por mínimos, entenda-se que um efeito inteligente pode não usar toda a capacidade de inteligência da causa. Como exemplos, um ser humano e um animal podem cavar o chão ou transportar objetos, mas só o ser humano pode escrever uma mensagem. Um animal apenas consegue manifestar inteligência e propósito próprios da sua capacidade cerebral e do instinto diretor da sua espécie como a formiga, que sabe o seu lugar e o seu comportamento na hierarquia do formigueiro e a aranha, que sabe como tecer a sua teia. A maior capacidade cerebral do ser humano lhe permite manifestar inteligência e propósitos muito mais complexos porque são conscientes e mais libertos das amarras do instinto, em grau e qualidade variáveis individualmente. Os exemplos usados no conceito de inteligência são bastante ilustrativos. O primeiro compara a sequência de sons produzidos por uma ave ao bater seu bico contra uma árvore, com a sequência de sons de uma mensagem em código Morse. Um especialista nesse código jamais poderia traduzir os sons do pássaro em uma mensagem que fizesse sentido, em qualquer
33 idioma, simplesmente porque o animal, ou seja, a causa, não possuiria inteligência suficiente para produzir tal efeito. Pela inteligência demonstrada pelo efeito, deduz-se o grau e a qualidade da inteligência da causa. O segundo compara troncos e sapê espalhados pelo chão, de forma desordenada, com os mesmos objetos agrupados na construção de uma cabana. A montagem da cabana evidencia organização, que exige planejamento e raciocínio. O terceiro segue a mesma linha, comparando sombras de árvores que se movem sob a ação do vento com sombras de mãos humanas que se movem para imitar formas e movimentos de animais. Igualmente, os movimentos das mãos humanas são calculados e obedecem a um propósito bem definido. Um exemplo adicional poderia ser um simples poema. O poema é um efeito inteligente porque manifesta abstração de ideias e propósito. Nenhum desses efeitos poderia ter sido causado por animais e muito menos pelo acaso ou por fenômenos aleatórios. Somente uma inteligência ao nível de um ser humano seria capaz de tais realizações. Por outro lado, um ninho de uma ave, que teria uma organização mais rudimentar que uma cabana, apesar de também evidenciar um propósito, seria perfeitamente compatível com a inteligência de seu habitante alado. Esses exemplos possuem características ideais para reflexões como as desta obra porque são simples e realistas, ou seja, permitem a sua compreensão por qualquer pessoa, a sua fácil reprodução experimental e podem ser imediatamente associados a outros contextos similares da vida em comum. Basicamente, quaisquer fenômenos ou contextos que manifestassem organização, planejamento ou raciocínio, de forma consistente, se originariam necessariamente de causas
34 inteligentes. O projeto poderia se estender por infinitas páginas imaginando inúmeras situações práticas, realistas e inteiramente compreensíveis por qualquer um, que demonstrariam, lógica e claramente, que pela inteligência manifestada pelos efeitos se chega ao grau e qualidade da inteligência das causas e que não poderia haver um efeito consistentemente inteligente sem uma causa inteligente. Em qualquer contexto conhecido, não se conseguiu conceber qualquer exemplo realista que violasse esta hipótese. Mesmo que algumas das batidas do bico da ave contra a árvore pudessem ser interpretadas como letras em código Morse, jamais se teria uma mensagem extensa, completa e coerente. Seria o mesmo que arremessar ao chão muitas peças de um jogo de palavras, em que cada peça contivesse uma letra, e observar que algumas delas poderiam se posicionar de modo a compor uma ou mais palavras que, contudo, não formariam um conjunto que fizesse sentido. Nesses dois exemplos, se poderiam repetir indefinidamente esses eventos, acumulando suas informações aleatórias e, ainda assim, nunca se chegaria a qualquer resultado conclusivo a não ser através de um agente ou processo inteligente que criteriosamente selecionasse os resultados desejados. Efeitos desse tipo, de pouca duração e passíveis de serem erroneamente interpretados como inteligentes, mas frutos de causas não inteligentes, seriam facilmente desmascarados porque não conseguiriam produzir um tal efeito que fosse consistente, duradouro e repetitivo. Teorias, sistemas, doutrinas ou quaisquer contextos em que se atribuam causas não inteligentes ou aleatórias a efeitos inteligentes devem ser revistos, porque violam a razão e o bom senso. Qualquer estudo deveria partir de bases totalmente compreensíveis de modo a ser confiável e coerente. Contextos
35 complexos requerem cuidados porque dificultam a análise, podem confundir o entendimento e induzir a erros de lógica. Contextos que ainda não são inteiramente conhecidos, isto é, que possuem uma ou mais variáveis desconhecidas, são ainda mais arriscados porque os resultados, além de partirem de fundamentos incompletos ou inconsistentes, podem ser imprevisíveis, inexplicáveis ou, muito pior, explicados erroneamente. Podemos citar o estudo dos abalos sísmicos como um bom exemplo de um contexto não inteiramente conhecido. Em dezembro de 2011, enquanto são escritas estas linhas, ainda não há um consenso na comunidade científica sobre os fatores que indicariam com certeza a ocorrência de um terremoto. Nesses casos, a insuficiência de dados de medição do que realmente acontece no interior da Terra e o pouco conhecimento das eventuais periodicidades desses fenômenos seriam as maiores dificuldades. Por enquanto, os registros oficiais abrangeriam um período de tempo que ainda não teria sido suficiente para permitir a identificação de algum padrão consistente. Apesar dos relativos progressos já atingidos, ainda persiste uma forte impressão de aleatoriedade nas suas ocorrências. A descoberta do fogo também poderia ser um exemplo interessante. Os primeiros humanos provavelmente teriam tomado consciência da sua existência através dos incêndios provocados por secas ou raios e sua ocorrência teria sido, com certeza, percebida como aleatória, dado o completo desconhecimento das suas causas. Conforme o homem aprendeu a reproduzi-lo, seus princípios se tornaram conhecidos e isso acabou eliminando o caráter de aleatoriedade. Teorias científicas próximas ao limiar do conhecimento humano, por não estarem ainda consolidadas, são as que mais sofrem ajustes, porque novas descobertas acabam alterando
36 alguns dos seus aspectos e obrigando a uma revisão dos seus fundamentos. Percepções incompletas de fenômenos podem gerar entendimentos confusos e induzir a uma ideia de aleatoriedade, fruto da impossibilidade de se reconhecer todos os princípios envolvidos. No que se refere especificamente a variações aleatórias, seria importante ressaltar que todo e qualquer fenômeno ou processo conhecido, natural ou produzido pelo homem, possui graus de liberdade, isto é, variações ou imprecisões, por menores que sejam. Dito de outra maneira, não existiriam processos absolutamente precisos e, felizmente, isso não seria necessário. Geralmente, há mais de uma maneira de se fazer uma mesma coisa. As condições imprescindíveis à correta ocorrência de um processo ou fenômeno não exigiriam que parâmetros possuíssem valores exatos mas sim que estivessem dentro de determinados limites. As variações desses valores poderiam até ser aleatórias, desde que respeitassem as fronteiras necessárias. O que garantiria a correta manifestação de fenômenos ou a realização de processos seria a sua obediência aos princípios fundamentais que os regulassem. Assim, máquinas eletrônicas possuem tolerâncias quanto às variações dos seus valores de voltagem, corrente e energia, do mesmo modo que máquinas mecânicas possuem tolerâncias quanto às variações das dimensões de suas peças e dos seus eventuais movimentos. Tal conceito pode também ser aplicado à esfera humana. Este texto, por exemplo, poderia sofrer variações em suas palavras e, ainda assim, comunicaria as mesmas ideias. Até as atividades humanas diárias e repetitivas nunca seriam precisamente iguais umas às outras, em todos os seus detalhes. Concluindo, variações aleatórias seriam meras características acessórias de processos e fenômenos, mas nunca poderiam ser causas de fenômenos inteligentes porque, pela sua própria
37 essência e definição, são destituídas de propósito.
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Ramo 4. A natureza manifesta inteligência Conforme já foi mencionado nos exemplos da hipótese anterior, o conceito de organização está fortemente associado à inteligência e isso é de fácil explicação. Na esfera humana, a reunião de elementos em uma estrutura organizada requer, em primeiro lugar, um propósito e, em seguida, para que se possa atingir esse propósito, é preciso planejar como será realizada essa organização e isso requer abstração de ideias e comparações, ou seja, raciocínio. Como propósito e raciocínio constituem atributos da própria definição de inteligência, então não seria admissível no contexto humano, a existência de estruturas ou sistemas organizados, destinados a finalidades específicas, sem a participação ativa do atributo inteligência. E já que o ser humano é uma das espécies da natureza e estaria naturalmente inserido nas suas leis e princípios, seria lógico supor que a própria natureza também aplicasse essas mesmas leis e princípios e que, portanto, estivesse, ela mesma, sujeita a esse pré-requisito de inteligência para a realização de estruturas organizadas. A propósito desse conceito, segue um resumo aproximado da incrível organização estrutural da natureza, conforme a ciência, que serve de suporte à vida: prótons, nêutrons e elétrons formam átomos (oxigênio, carbono) átomos formam moléculas (glicose, água) moléculas formam macromoléculas (proteínas, celulose) macromoléculas formam células (células vegetais, células animais)
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células formam tecidos (músculos, ossos) tecidos formam órgãos (estômago, fígado, raiz, folha) órgãos formam sistemas (respiratório, circulatório) sistemas formam seres (vegetais, animais) seres formam biomas (florestas, desertos) biomas formam a biosfera (parte da Terra onde existe vida) Para este projeto, mesmo sem explicar detalhes como a admirável estrutura de uma simples célula e seus impressionantes processos, além de conceitos como ecossistema, nicho ecológico e população, somente a mera existência dessa fantástica organização da natureza já seria mais do que suficiente para demonstrar a veracidade desta hipótese. Contudo, há mais evidências. Cada espécie animal segue o seu instinto próprio. E o seu comportamento não é livre ou aleatório, mas organizado no sentido de cumprir um propósito de sobrevivência através de diretrizes como caça, reprodução, proteção à prole e controle de território. De cada uma dessas diretrizes derivam inúmeros comportamentos destinados a objetivos específicos, variáveis de espécie a espécie. Essa conduta organizada e dirigida demonstra, no nível da espécie, que há um propósito claro de perpetuação o que, por sua vez, demonstra que há uma inteligência. Numa região ou bioma há diversas espécies e o conjunto dos instintos dessas espécies coexistem organizadamente através de comportamentos e impulsos que garantem que todos tenham
40 oportunidades de se perpetuar e que o bioma se mantenha. Essa organização de comportamentos, no nível do bioma, é mais complexa e abrangente do que aquela no nível de cada espécie, porque leva em conta mais informações. Consequentemente, o seu propósito e a sua inteligência também são mais complexos e abrangentes. Esse raciocínio pode ser levado até o nível da biosfera, cujo conjunto de biomas também deve ter as suas diretrizes para garantir a sobrevivência em nível planetário. Não se pode esquecer que inúmeras espécies migram e acabam afetando outras regiões. É necessário que cada uma das milhões de espécies cumpra o seu papel específico, não apenas localmente mas dentro de um esquema global. A manutenção da vida na biosfera é extremamente delicada e complexa, dependente dos reinos mineral, vegetal e animal, além dos fatores climáticos e dos extraplanetários, tais como radiações e gravitação. Seria bastante interessante citar, como outra forte evidência relacionada à organização e à sensibilidade da manutenção da vida, a proposta chamada de Sintonia Perfeita do Universo, cuja premissa parte do princípio que o universo seria tão precisamente organizado, que pequenas variações nos valores de constantes universais, como a força gravitacional e a força nuclear, impediriam a existência da vida como a conhecemos. Segundo Paul Davies, em sua obra The Accidental Universe, se a força nuclear tivesse sido dois por cento mais forte, o hidrogênio do universo teria sido totalmente consumido pouco após o Big Bang e, por conta disso, não teríamos os astros e as galáxias como os conhecemos e muito menos a vida. Stephen Hawking, na sua obra Uma breve história do tempo, citou que as leis da ciência, como a conhecemos presentemente, contêm muitos valores fundamentais, como a carga do elétron e a razão entre as massas do próton e do nêutron, mas o fato
41 surpreendente seria que os valores dessas constantes parecem ter sido precisamente ajustados para tornar possível o desenvolvimento da vida. Uma das explicações teóricas da ciência para a proposta da sintonia fina, seria a existência do chamado multiverso, que constituiria um número virtualmente infinito de universos físicos paralelos ao nosso, onde essas constantes universais assumiriam, de forma aleatória, valores diferentes em cada um deles, com consequências imprevisíveis. Isso significaria que estaríamos justamente no universo, ou em um dos poucos, que permite a vida. Bernard Carr, um professor da Queen Mary University, de Londres, autor de Universe or Multiverse, teria dito que àquele que não quisesse Deus, seria melhor querer um multiverso. Este projeto entende que o conceito de multiverso aparenta ser, no mínimo, tão metafísico e incomprovável quanto a própria ideia de Deus e parece evidenciar uma forte parcialidade, no sentido de tentar anular qualquer explicação que leve à conclusão de que haveria um esquema inteligente no universo, além do que corroboraria o que já foi anteriormente citado sobre a ciência, com respeito à sua aparente tendência de manifestar o mesmo viés dogmático, antes característico da religião. Essa aparente inclinação de buscar explicações aleatórias para tantas evidências de uma causa inteligente, tem levado a ciência, ironicamente, a agir de modo contrário aos seus tradicionais princípios experimentais, se nivelando justamente à religião que é notória por propor conceitos que não é capaz de provar. Curiosa e contrariamente ao que diria o senso comum, o eficiente uso das causas e efeitos de um fenômeno em processos e dispositivos não significam necessariamente que as eventuais teorias desenvolvidas para a explicação do dito fenômeno sejam corretas. Como exemplo, temos a teoria da abiogênese que,
42 apesar de incorreta, não impediu que se protegessem corretamente os alimentos da sua deterioração. Vale tecer um comentário sobre a visão do senso comum sobre fenômenos conhecidos quanto à diferença entre ter conhecimento deles e produzi-los à vontade, isto é, dominá-los. A vulgaridade de um fenômeno tem o efeito de torná-lo familiar e às vezes trivial, de modo que quase nunca se avalia o que significaria o esforço de reproduzi-lo. Um fenômeno só é comprovadamente compreendido e dominado quando pode ser produzido à vontade, o que demonstra que se conhecem e se manipulam suas causas e seus efeitos. Quando se analisa a vida e seu contexto, se constata que a ciência já é capaz de observar, estudar e explicar muito do que acontece no interior das células e dos seres vivos, além de propor como ocorreu a evolução das espécies, que nada mais seria do que uma evolução da própria vida. Diante desse conhecimento dos processos vitais, se poderia questionar se a ciência já seria plenamente capaz de reproduzir o fenômeno da vida. Essa capacidade seria a prova definitiva de que a ciência já teria dominado o conhecimento de todos os princípios vitais, como eles ocorreriam e quais seriam as suas causas exatas. Uma das consequências mais importantes e impactantes no ser humano de tal feito, seria a mudança do status da medicina, que passaria de ciência estatística a ciência exata e, então, se teria a prevenção e a cura absoluta de todas as doenças físicas, mentais e emocionais que atingem o ser humano. Baseado nisso, segue um exercício destinado a auxiliar a comprovação desta hipótese sobre a inteligência da natureza. É um exercício conceitual, cuja importância está na avaliação do esforço que seria efetuado para a sua realização e não na exatidão dos seus detalhes.
43 Imagine-se, por um momento, que se poderia construir um sistema cibernético que fosse o equivalente simplificado de apenas uma parte da natureza, a saber, os reinos animal e vegetal e o que isso demandaria em termos de recursos, organização e funcionalidades, ou seja, inteligência. Esse sistema artificial deveria interagir com o ambiente natural já existente, a saber, o reino mineral, os fatores climáticos e os extraplanetários, de modo que essa interação fosse não destrutiva, o que significa que teria que se integrar perfeitamente à biosfera natural. A unidade básica desse sistema seria a equivalente a uma célula biológica, do menor tamanho que fosse tecnicamente possível. Todos os elementos menores do que uma célula, já citados na estrutura organizada da natureza, não precisariam ser reproduzidos. Dentre as funcionalidades que essa célula artificial deveria possuir, estariam gerar a sua própria energia, extraída de elementos da natureza, simulando os mesmos processos das células animais e vegetais, para obter um perfeito ajuste ao ambiente existente. Cada uma delas deveria ser capaz de fabricar uma outra unidade igual, simulando o processo de reprodução celular, além de todos os outros como a respiração e a alimentação. Para cumprir tais requisitos, provavelmente essa unidade cibernética precisaria ser, teórica e funcionalmente, dentre outros, o equivalente a uma mineradora para poder extrair sais minerais e metais do solo, a uma indústria química para sintetizar proteínas, a uma indústria de chips eletrônicos para simular o sistema nervoso e a uma indústria de software para implementar a inteligência dos processos. Nesse nível mais básico, qualquer defeito ou bug no software da inteligência celular poderia, potencialmente, paralisar ou até mesmo destruir todo o sistema. No nível seguinte, essas unidades celulares deveriam ser
44 capazes de se conectar para formar os inúmeros tecidos cibernéticos animais e vegetais, para o que deveriam poder alterar sua forma e algumas características físicas para permitir, por exemplo, formar o equivalente a um músculo, em que o tecido pudesse se contrair e se relaxar ao comando de um órgão equivalente a um cérebro. Essas características físicas necessitariam de uma inteligência de software adicional para esse nível. Os tecidos deveriam se agrupar para formar órgãos animais equivalentes ao coração, aos rins, aos pulmões e órgãos vegetais como as raízes, o caule e as folhas. Os órgãos animais deveriam ser capazes de obedecer a um comando externo equivalente ao de um cérebro, que organizasse suas atividades. Mais uma vez, para esse nível, além das funcionalidades físicas, seria necessário mais um módulo na inteligência de software. Os órgãos, por sua vez, deveriam se integrar para formar o equivalente aos sistemas como o circulatório e o respiratório dos animais, com mais um nível de software, isto é, mais uma complexidade. Os sistemas deveriam se combinar para gerar o equivalente aos organismos animais e vegetais, incluindo a simulação de todos os atributos que esses seres possuem. Nesse nível, o conjunto das funcionalidades do organismo como um todo seria muito maior do que a soma das funcionalidades das suas partes, que são aquelas dos níveis anteriores, por causa de atributos como instintos, sentidos físicos e características anatômicas. Teríamos, então, todos os seres cibernéticos equivalentes aos já existentes, tais como árvores, insetos, peixes, répteis, mamíferos e aves, além das criaturas equivalentes às microscópicas como as bactérias, todos interagindo em perfeita harmonia de modo a não desequilibrar o ambiente natural já existente. O sistema deveria poder simular a reprodução e o crescimento animal e
45 vegetal, partindo de uma única célula cibernética fecundada, além de gerar os organismos decompositores para a reciclagem dos seres mortos e a sua reintegração à biosfera real. A inteligência de software desse nível estaria muitíssimo acima dos anteriores em complexidade. Caso também se chegasse ao extremo de construir o organismo similar ao humano, este deveria, idealmente, em alguma escala de tempo, ser capaz de produzir obras equivalentes a todas as já feitas pela humanidade como, por exemplo, a nona sinfonia de Beethoven, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, a República de Platão, uma Apolo 11 e toda infraestrutura como a NASA para uma viagem de ida e volta à Lua. Além disso, seus softwares deveriam permitir que eles pudessem aprender sozinhos e evoluir para níveis de consciência mais avançados. Continuando, os seres deveriam se organizar em ambientes equivalentes aos atuais biomas, orientando suas aptidões e comportamentos. A inteligência de software desse nível, um acima daquele dos organismos, deveria compatibilizar as características de todos os seres cibernéticos com a biosfera real, isto é, o reino mineral, os fatores climáticos e extraplanetários, para a manutenção da vida cibernética de cada bioma. Finalmente, os biomas artificiais deveriam se organizar para compor a parte cibernética da biosfera com o nível de inteligência mais alto de todos. Do que foi apresentado, pode-se ter uma pálida noção do imensurável esforço de inteligência que seria necessário para a execução de tal sistema cibernético. Se tal realização artificial, uma mera imitação de apenas uma parte da natureza, demandaria toda a inteligência humana das próximas décadas, séculos ou talvez milênios, como se poderia supor que a
46 natureza tivesse produzido muito mais do que isso sem inteligência? Se um empreendimento humano simples como escrever uma mensagem requer planejamento, que indica propósito, além de abstração de ideias e comparações, que indicam raciocínio, que são exatamente os atributos da definição de inteligência, seria um insulto ao bom senso e à razão considerar que uma quantidade tão indescritível de fatores da natureza, desde aqueles de uma simples célula até os de uma biosfera e aqueles do próprio universo, tão precisos e coerentemente organizados para atingir uma infinidade de propósitos, num equilíbrio tão delicado e mantido durante tanto tempo, pudessem existir e operar sem o atributo inteligência. Se um poema escrito na areia de um praia seria uma manifestação de inteligência, um efeito inteligente, então se poderia tranquilamente afirmar que, num planeta inicialmente em convulsões e a altíssimas temperaturas, o surgimento de uma biosfera seria, em si, uma manifestação de inteligência, um efeito inteligente e de muito, muito longe, o maior de que se teria conhecimento. E o fato da biosfera não ser estática como o poema escrito na areia, mas sim um sistema dinâmico e em constante aperfeiçoamento, a tornaria um efeito inteligente de muito maior magnitude, porque seria capaz de evoluir a si mesmo. Finalmente, usando de ousadia mas sem abandonar a coerência, num horizonte ainda mais amplo, considerando-se que o universo está em expansão, se poderia concluir que a mesma causa geradora da nossa biosfera inteligente também teria sido parte integrante do caldo primitivo inicial da expansão e que, agora, poderia perfeitamente estar disseminada por todo o universo, talvez como causa geradora de outras biosferas.
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Ramo 5. O autor e os atributos da sua obra Pode-se reconhecer o autor de uma obra, seja ela de literatura, de música, de artes plásticas ou de arquitetura pelas suas características mais marcantes como o estilo literário de Machado de Assis, as notas românticas de Chopin, as pinceladas de Van Gogh ou os traços de Oscar Niemeyer. Cada obra manifesta apenas uma parte da capacidade do seu autor porque quem produziu tal obra pode, potencialmente, produzir diversas outras similares ou diferentes. Isso é o mesmo que dizer que uma obra não fala de todo o potencial do seu autor, ou que não se pode avaliar todo o potencial de um autor por apenas uma de suas obras. Uma obra tem forçosamente atributos do seu autor, mas nunca tem todos eles. O autor, por sua vez, deve possuir todos os atributos da sua obra em grau superior, já que esta não necessariamente reflete todo o potencial daquele. Os princípios acima também existem, conceitualmente, fora da esfera humana. A natureza é pródiga em exemplos. As aranhas tecem as suas teias de diversas formas e, pelo tipo de teia, pode-se identificar o tipo de aranha. A abelha é um dos animais que produz o mel, mas também produz cera e própolis. Esta hipótese estabelece, no tocante ao seu tema, uma relação entre o ser humano e a natureza. O homem é uma das espécies da natureza, ou seja, é uma de suas obras. Portanto, o homem deveria possuir apenas alguns dos atributos da natureza e esta, como autora, deveria possuir todos os atributos humanos, porém em grau superior. No caso de obras estáticas, como as pinturas, músicas ou projetos arquitetônicos, até seria possível se admitir que representassem a capacidade máxima do autor, em alguns aspectos. Porém, o homem e a biosfera, como obras dinâmicas
48 que são, em constante aperfeiçoamento de todos os seus atributos, não parecem evidenciar um limite máximo para o seu progresso. Nesse caso, os atributos de um tal autor deveriam estar necessariamente num nível igual ou superior ao limite máximo de evolução que sua obra poderia, em algum momento, atingir. Isso seria o mesmo que dizer que a natureza autora da obra humana teria obrigatoriamente os atributos do homem em grau superlativo, equivalentes aos que algum dia seriam alcançados pela humanidade.
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Ramo 6. A imutabilidade das leis A ciência não tem dúvidas de que o universo está se expandindo, estimou a data aproximada do início da expansão, o famoso Big Bang e, recentemente, até descobriu que o movimento de expansão está acelerando. Os números e os detalhes técnicos desse processo não importam para esta hipótese. Algumas importantes ciências revelam um pouco da história do planeta Terra e do próprio universo e, dentre elas, tem-se a geologia, a paleontologia e a astronomia. As observações astronômicas permitiram aos cientistas medir e calcular os movimentos dos astros, baseados na lei que rege o comportamento da luz e da radiação que chegam aos seus aparelhos aqui na Terra e na lei de gravitação universal. O fato de que essas leis são imutáveis permitiu que a ciência formulasse as teorias que hoje conhecemos e que explicam, dentro dos seus limites, a formação e o comportamento de planetas, estrelas, nebulosas, galáxias, cometas e possibilitam o uso de naves espaciais e satélites artificiais. As observações e medições do microcosmo atômico geraram a descoberta da existência e do comportamento das partículas infinitesimais, suas interações e a formulação das suas leis de atração e repulsão. O fato de que essas leis são imutáveis permitiu o seu uso em diversas ciências como medicina, química, física, eletrônica e até nas leituras astronômicas. As descobertas da geologia e da paleontologia abriram ao homem algum conhecimento do que aconteceu ao planeta Terra desde a sua formação, durante todas as eras geológicas, como o seu resfriamento, o movimento dos continentes e oceanos, a formação dos fósseis e o desenvolvimento dos seres vivos. Sem
50 a imutabilidade das leis que regem esses fenômenos geológicos e de criação e decomposição dos seres vivos, esse conhecimento não poderia ser atingido. A imutabilidade das leis universais é que permite a formulação de teorias a partir da reconstituição dos fenômenos passados, o estabelecimento de regras que orientam as ações do presente e, consequentemente, alguma previsão do futuro para o planejamento dos empreendimentos, dentre os quais estariam a proteção contra catástrofes naturais e doenças.
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Ramo 7. A unidade das leis A lei de gravitação ou gravidade trata da atração entre quaisquer corpos que têm massa e, com isso, explica o movimento dos objetos na Terra e dos astros no espaço. Quase todos os cálculos de engenharia levam em conta a gravidade, desde a construção de edifícios e automóveis até o lançamento de satélites artificiais. As leis do eletromagnetismo tratam da relação entre eletricidade e magnetismo, isto é, entre campos elétricos e campos magnéticos, fruto do movimento das partículas atômicas, além das ondas eletromagnéticas, das quais uma é a luz visível. O domínio que existe dessas leis é que permite toda a conectividade entre pessoas de qualquer lugar do planeta através da eletricidade, do rádio, do telefone, da televisão e da Internet. As forças nucleares e suas leis explicam as interações entre as partículas que compõem os núcleos atômicos. O seu uso prático se baseia na chamada energia nuclear que é a energia contida no núcleo dos átomos. Apesar da sua aplicação ainda não possuir boa reputação, devido à bomba atômica, aos acidentes com usinas nucleares e aos resíduos radioativos, alguns benefícios são obtidos do seu uso responsável como a energia elétrica e a medicina nuclear que usa a radioatividade para o tratamento do câncer e para a geração de imagens do interior do corpo humano, muito úteis nos diagnósticos médicos. A ciência confirmou a célebre equação E=mc2 que estabelece uma equivalência entre energia (E), massa ou matéria (m) e a velocidade da luz (c). Dessa equação, deduz-se que matéria é energia condensada ou que as duas são a mesma coisa em manifestações diferentes.
52 Todos os corpos, desde um minúsculo grão de areia até os astros do universo, estão sujeitos à gravitação e são compostos de átomos, o que significa que todos possuem força nuclear e partículas atômicas, que por sua vez, produzem campos eletromagnéticos. O conjunto dessas leis explica o que se sabe de todos os fenômenos conhecidos, em toda a estrutura da natureza, do átomo às estrelas e em todos os seres vivos. Assim, todas as leis acima se interpenetram e estão interligadas de alguma forma, em tudo. A ciência vem trabalhando no sentido de tentar unificá-las em modelos teóricos, um dos quais é a chamada Teoria das Cordas, em que as cordas seriam, simplificadamente, os blocos básicos ou fundamentais a partir dos quais tudo é formado.
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FOLHAS "A coisa mais bonita que podemos experimentar ĂŠ o misterioso." (Albert Einstein)
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Diferente das raízes e do caule, as folhas ou conclusões têm um maior grau de abrangência no que se refere a pensamento e concepção, uma verdadeira ousadia que este projeto prefere chamar simplesmente de liberdade. A humanidade não evoluiu com perspectivas acanhadas e restritas. Grandes doses de atrevimento, sacrifício, criatividade e determinação foram necessárias e ao preço de muitas vidas. Pessoas que já ousaram sonhar, avançar por caminhos por elas desconhecidos, procurar respostas sem medo de perder nada, sempre fizeram uma pergunta mais do que todas. E a pergunta é: por que não? Essa deve ser a pergunta a ser feita após cada conclusão. As folhas constituem uma fase de força do chamado método abdutivo, em que as melhores explicações sobre um fato, desde que resistam à lógica e ao bom senso, devem ser as escolhidas até que se prove o contrário ou que surjam outras melhores. É difícil a uma pessoa abrir mão das ideias que ela já incorporou. Ao examinar um novo conceito, ela usa como referência e julgamento aqueles que já são conhecidos e aceitos. Se o novo violar algum daqueles, há uma resistência imediata. Por isso, é bastante oportuno um comentário sobre uma característica bem comum a boa parte das pessoas e que consiste numa arrogância, numa presunção de sabedoria sobre determinado assunto que, frequentemente, pode ser fruto de mera falta de humildade ou irreflexão ou leviandade ou desconhecimento de todos os detalhes a respeito. Aparentemente, os temas preferidos são aqueles que têm maior potencial de provocar mudanças e os avanços científicos estão nessa categoria. Seguem, abaixo, algumas das frases obtidas da Internet, em dezembro de 2011, pela busca de “previsões
55 erradas”, que teriam sido ditas pelos personagens citados: “O telefone tem muitas desvantagens para ser considerado, seriamente, um meio de comunicação. O aparelho não tem valor para nós.” (Memorando da Western Union, entre 1876 e 1878). “Qualquer um familiarizado com o assunto vai reconhecer isso como um evidente fracasso.” (Henry Morton, presidente do Instituto de Tecnologia Stevens, sobre a lâmpada elétrica de Thomas Edison, em 1880). “Agora, não há mais nada novo para ser descoberto pela Física. Tudo o que nos resta são medições cada vez mais precisas.” (Lord Kelvin, matemático, físico e presidente da Royal Society Britânica, numa palestra para a British Association for the Advancement of Science em 1900). “Que o automóvel praticamente chegou ao seu limite é confirmado pelo fato de que, nos últimos anos, nenhum aprimoramento radical foi introduzido.” (Revista Scientific American, em 1909). “A energia atômica deve ser tão boa como os explosivos de hoje, mas é improvável que produza algo muito mais perigoso.” (Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, em 1939). “A televisão não vai durar porque, logo, as pessoas irão ficar cansadas de olhar para uma caixa de madeira todas as noites”. (Darryl Zanuck, produtor de cinema da 20th Century Fox, em 1946). “A transmissão de documentos por cabos de telefone é possível, em princípio, mas o aparato requerido é tão caro que nunca irá se tornar uma proposta prática“. (Dennis Gabor, físico britânico e autor de “Inventando o Futuro”, em 1962).
56 "A compra à distância, apesar de ser completamente possível, irá fracassar - porque a mulher gosta de sair de casa, segurar a mercadoria, gosta de estar apta a mudar a sua intenção". (Revista Time, descartando as compras online antes mesmo de se ouvir falar nelas, em 1966). “Não há razão para que alguém queira ter um computador em casa”. (Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp, fabricante de computadores de grande porte, discutindo os computadores pessoais, em 1977).
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Folha 1. A unidade Descobertas e pesquisas científicas parecem convergir no sentido de sugerir origens comuns para todas as energias e fenômenos do universo, em todos os aspectos. Conforme mencionado antes, o modelo teórico chamado de Teoria das Cordas é um dos exemplos que representam essa inclinação da ciência. O movimento de expansão do universo nos remete ao momento em que estava no seu início, na sua contração máxima, ou no seu tamanho mínimo. Desde o início da expansão, que ainda ocorre, os princípios ou leis ali presentes teriam originado tudo o que existe e continuariam em atividade em toda a parte, manifestando uma infinidade de efeitos, a maioria deles talvez desconhecida. Em nosso planeta, o mais complexo e inteligente que conhecemos seria a biosfera. A mente humana objetiva não conhece nada infinito. Tudo tem limites físicos, começa em algum lugar e termina em outro. Também não conhece nenhum evento eterno. Todos têm início em algum momento e terminam em outro. Quando se fita o espaço sideral, as suas dimensões colossais logo sugerem à mente a noção de infinito e a lógica propõe que, por mais distante que se imaginasse o início ou fim de uma nebulosa ou galáxia, sempre haveria algo antes e algo depois. Estender esse conceito indefinidamente, seria o mesmo que demonstrar a ideia de infinito. Quando se imagina a idade do universo de alguns bilhões de anos, como previsto pela ciência, esse pensamento logo propõe à mente a ideia de eternidade e, mais uma vez, a lógica sugere que por mais remoto que seja o início de um evento no passado, sempre haveria o momento anterior a ele e, por mais remoto que seja o fim de um evento no futuro, sempre
58 haveria o momento posterior a ele. Estender indefinidamente esse conceito, seria o mesmo que demonstrar a ideia de eternidade. É como a numeração matemática que não conhece limites e tem até um símbolo para o infinito. Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Por esse axioma, como já foi mencionado, a energia presente no início da grande explosão, ou Big Bang, não se teria criado e não se perderia, mas apenas se transformaria, o que é o mesmo que dizer que teria que ser única e eterna. O mesmo vale para as suas leis que seriam únicas e eternas porque, se não o fossem, teriam sido substituídas por outras em algum momento e os princípios que sustentassem o macrocosmo sideral e o microcosmo atômico formariam um arcabouço de leis mutáveis e, portanto, sujeito à instabilidade e à possível destruição. Assim, teríamos chegado, por pura lógica, a uma natureza única, imutável e eterna, ou seja, um princípio inteligente único, imutável e eterno.
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Folha 2. A autoria A inteligência da natureza aparenta não evidenciar a perfeição imediata em todos os seus detalhes mas sim a perfectibilidade, isto é, o impulso ou a direção no sentido da perfeição. Basta consultar o que já sabemos da história da Terra e verificar a sua evolução através das eras conhecidas. O solo, a atmosfera, a fauna e a flora demonstram cada vez mais refinamento e equilíbrio. A crosta do planeta se solidificou, reduziram-se os abalos sísmicos e as atividades vulcânicas. A atmosfera, antes tempestuosa e tóxica, tornou-se mais purificada e respirável. A água, que antes estava sob forma de vapor a altas temperaturas, condensou-se e formou os mares e lagos. Com a pacificação dos elementos, as espécies vegetais e animais surgiram, evoluíram e sofisticaram-se em inteligência, funcionalidade, forma e beleza. O homem é uma das espécies da biosfera terrestre, ou uma das espécies da natureza autora que possuiria todos os atributos da sua obra humana em grau superlativo. Uma consequência lógica disso é que o homem nunca poderia superá-la, porque além de não possuir todos os seus outros atributos, até aqueles que possui estariam em grau inferior. A parte não poderia entender o todo, porque lhe faltaria o restante. Uma célula humana, apesar de ser, basicamente, um organismo vivo, jamais poderia entender o que seria o homem porque lhe faltariam todos os demais atributos que só o organismo humano completo possuiria. A natureza teria, então, obrigatoriamente, em grau superlativo, todas as qualidades ou atributos humanos dentre os quais consciência, inteligência, justiça, paz, coragem, liberdade, solidariedade, igualdade, bondade, disciplina, harmonia,
60 compaixão, humildade, nobreza, soberania e liderança. O atributos opostos ou negativos dos citados, pela lógica não existiriam, mas seriam apenas a consequência da ausência dos seus respectivos pares positivos. Exemplificando, temos que a ignorância desaparece com o conhecimento porque aquela é apenas um efeito da ausência deste e a recíproca não é verdadeira, isto é, a ignorância pode evoluir até o conhecimento mas este, uma vez consolidado, não pode regredir ou retornar à ignorância. O binômio conhecimento-ignorância apresentaria a mesma relação dos binômios compaixão-crueldade, coragemmedo, altruísmo-egoísmo, humildade-arrogância e todos os demais. Isso é o mesmo que dizer que somente os valores positivos consolidados teriam existência definitiva, enquanto que os seus opostos negativos seriam meras sombras temporárias, resultados circunstanciais das ausências ou fracas presenças dos seus respectivos pares positivos, ainda não completamente desenvolvidos. À inteligência superlativa da natureza se juntariam, então, os atributos humanos positivos em grau também superlativo, o que conferiria às suas diretrizes e propósitos uma confiabilidade e precisão muitíssimo superiores àquelas do homem, numa escala tal que não admitiria a ocorrência de erros grosseiros mas, no máximo, oscilações previstas em torno de uma linha mestra de evolução rumo à perfeição.
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Folha 3. Os atributos Seguem algumas conclusões lógicas do que já foi visto, apresentadas com liberdade, coerência, sem preconceitos e sem medo de erros ou semelhanças com ideias conhecidas: Se a natureza, conforme a sua definição, é tudo o que existe, significa que seus princípios estão presentes e atuantes em tudo e em toda a parte. A palavra da língua portuguesa para essa característica seria onipresença. Se a natureza é tudo o que existe, é também a causa geradora de tudo, inclusive as leis e recursos necessários, isto é, a capacidade ou o poder para a geração de tudo. A palavra da língua portuguesa para essa característica seria onipotência. Se a natureza é eterna, então sempre existiu e, portanto, não teve causa. A palavra da língua portuguesa para essa característica seria asseidade. Sob pena de causar instabilidade ou destruição, suas leis não poderiam mudar. A palavra da língua portuguesa para essa característica seria imutabilidade. Se a natureza possui todos os atributos humanos em grau superlativo, possui também o conhecimento. Como atua em tudo e em toda a parte, significa que também teria o conhecimento de tudo. A palavra da língua portuguesa para essa característica seria onisciência.
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Folha 4. O homem Uma conclusão lógica dos atributos da natureza como onipresença, onipotência e onisciência é que todos os fenômenos ou processos naturais, sendo regidos por tais atributos supremos, teriam que estar necessariamente sob total controle, dentro do qual se incluiriam os seus respectivos graus de liberdade, ou seja, as eventuais variações ou oscilações que cada um deles pudesse apresentar. E como também estariam ancorados nos atributos humanos positivos em grau superlativo, ainda teriam que forçosamente manifestar todos eles tais como justiça, igualdade, compaixão e nobreza. O ser humano seria, então, parte de um princípio inteligente, supremo e eterno, que imprimiria em tudo uma diretriz de aperfeiçoamento constante, orientada por atributos positivos ou virtudes em grau superlativo. A liberdade do homem, ou livre arbítrio, que afrouxa o seu grau de obediência ao instinto, sendo um aspecto nato, estaria logicamente previsto na espécie humana pelos propósitos desse princípio inteligente. Assim, por exemplo, a forte influência que o homem exerce na biosfera, consequência dessa liberdade natural, também estaria contemplada no esquema planejado. Diante disso, seria lícito concluir que a natureza deveria possuir recursos muito mais que suficientes para controlar as influências do “bicho” homem, apenas uma de suas obras, no restante da sua magnífica obra. Seria uma falha incompatível com o seu grau supremo de poder, se assim não fosse.
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FRUTOS “Há três métodos para se ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo.” (Confúcio)
64 De acordo com a ciência, os espaços interatômicos são proporcionalmente imensos. Se fosse possível a miniaturização de um ser humano até que ficasse do tamanho do núcleo de um átomo, a sua visão do interior de qualquer material sólido seria a visão de um enorme vazio, algo parecido com o espaço entre o sol e os planetas. A ideia de continuidade dos objetos sólidos do mundo físico seria uma ilusão, fruto da nossa percepção incompleta. Todos os seres humanos são diferentes, física e mentalmente. Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar do espaço. Duas pessoas que examinam um mesmo fenômeno teriam sinais diferentes chegando aos seus receptores dos cinco sentidos, porque não estariam na mesma exata posição física em relação ao dito fenômeno. E como seus receptores e suas mentes não teriam precisamente as mesmas características, conclui-se que ninguém teria exatamente as mesmas sensações sobre as mesmas coisas. Outras diferenças entre os seres humanos são as suas culturas e as suas relações com o ambiente. Considerando-se o mundo subjetivo dos pensamentos e sentimentos, também podemos dizer que ninguém seria influenciado e reagiria mental e emocionalmente da mesma exata maneira em relação a um mesmo evento. Um exemplo seria a diferença entre povos ocidentais e alguns orientais quanto à maneira como encaram o nascimento e a morte. Enquanto os primeiros festejam os nascimentos, os segundos os lamentam e, nas mortes, as situações se invertem. Nesse oceano de diferenças individuais, cada ser humano é um mundo à parte, com sua percepção da vida, suas expectativas, seus impulsos, seus talentos e suas emoções. Pequenos agrupamentos desses indivíduos, as famílias, formam as inúmeras comunidades dos diversos países, em que cada uma
65 possui, igualmente, as suas próprias percepções, expectativas, impulsos, talentos e emoções. O organismo social global é esse amálgama de características de toda a humanidade, em interação dinâmica permanente. Num universo fisicamente ilusório, com criaturas diferentes umas das outras, numa aglomeração de aparência tão caótica, com tantos objetivos por vezes opostos, existe um caminho seguro a ser seguido? O que é o melhor para todos? E o melhor para cada um? As conclusões atingidas até aqui, com o auxílio da ciência e da filosofia, descortinam um panorama vasto proporcionado por uma natureza dotada de atributos supremos. Este projeto se apoia no fato de que essa supremacia, capaz de gerar e manter tudo o que existe, não teria quaisquer problemas em realizar algo tão trivial como gerir as vidas das criaturas humanas, mesmo com todos os seus infindáveis detalhes, porque já faz precisamente isso com os muitos bilhões de indivíduos de todas espécies animais e vegetais, além do sincronismo desse contexto com os fatores climáticos e influências extraplanetárias como gravitação e radiações. Nesta sessão, os frutos, apesar dos seus diferentes nomes, são oriundos da mesma árvore, alimentados da mesma seiva e, por isso, acabam manifestando o mesmo sabor básico. São fragmentos que se completam, de modo que a sua visão integral passa, obrigatoriamente, pela leitura de todos eles.
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Fruto 1. A vida Nas espécies animais, não são muitas as variações de condições de vida entre indivíduos de uma mesma espécie que vivem próximos, numa mesma região. Por outro lado, seres humanos nascem, vivem e morrem nas mais diversas condições de ambiente, saúde física, equilíbrio mental, sofrimentos e alegrias, mesmo estando bastante próximos como, por exemplo, num mesmo bairro ou cidade. Até numa única residência familiar, que possui as mesmas condições e os mesmos recursos, podem-se encontrar pessoas realizadas e pessoas insatisfeitas. A espécie humana é a única que pode, de algum modo, escapar às diretrizes do instinto e forjar seu futuro com consciência e alguma liberdade, o que lhe permite provocar uma infinidade de circunstâncias e desdobramentos, muito mais do que seria possível caso estivesse sujeita unicamente às regras instintivas. O homem é a única espécie autoconsciente e consciente dos seus sofrimentos e venturas. Existem todas as combinações possíveis de condições humanas, com relação à consciência e aos atributos positivos ou qualidades morais, em todos os níveis, do mais elevado ao mais reduzido, formando um conjunto extremamente heterogêneo. Os atributos supremos como onipotência, onisciência, onipresença e os atributos humanos superlativos tais como justiça, solidariedade, compaixão, disciplina, harmonia e bondade inevitavelmente levariam à conclusão de que os propósitos da natureza estariam ancorados nesses atributos e que, portanto, os sofrimentos e alegrias dos seres humanos, além de estarem sob controle, teriam que ser necessariamente justos. Outra consequência seria que os seus processos, pelos atributos
67 citados, deveriam proporcionar absolutamente todos os recursos necessários ao cumprimento das suas diretrizes, inclusive em todos os detalhes da esfera humana. Se todos os processos da natureza fossem sábios, controlados e justos, não fariam sentido essas condições tão dramaticamente diferentes dos seres humanos, como espécie e até numa mesma região, a não ser que houvesse um mecanismo e um propósito que as justificassem. Quem se encontrasse ou já nascesse em determinada situação, não poderia, num mecanismo justo, ter merecimento ou responsabilidade por tal condição, a não ser que a tivesse comprovadamente provocado, agindo conscientemente para tal. Então, para que condições de sofrimento ou ventura fossem aplicadas com justiça em criaturas autoconscientes e que possuíssem liberdade de escolha, tais condições deveriam ser obrigatoriamente consequências ou continuidades de um desenvolvimento, que deveria ocorrer com a participação ativa do atributo consciência, para que houvesse a compreensão das causas e efeitos das ações praticadas e, assim, as criaturas pudessem assimilar ou incorporar os benefícios de um aprendizado. Para que esse processo de desenvolvimento fosse lógico e justo, a natureza deveria, teoricamente, aplicá-lo em cada criatura da mesma forma, partindo exatamente das mesmas condições iniciais. Além disso, cada criatura também deveria começar esse processo, de posse das mesmas capacidades e limitações, ou seja, do mesmo estágio evolutivo. Este projeto, conforme já foi mencionado, considera a consciência como o fator que define o grau de evolução de uma criatura e, portanto, o seu estado inicial de evolução deveria ser aquele que tivesse o mais baixo grau possível do atributo
68 consciência. Se todas as criaturas tivessem iniciado o processo de evolução no mesmo momento, respeitados os possíveis graus de liberdade em que cada uma poderia decidir entre evoluir ou estagnar e o conceito de que a natureza não dá saltos, todas deveriam evidenciar níveis de evolução ou consciência que não apresentassem excessivas diferenças o que, definitivamente, não acontece. Como exemplo, é comum encontrar, em uma mesma cidade ou bairro, indivíduos que se dedicam a tarefas humanitárias e construtivas, enquanto outros praticam atos cruéis e deploráveis, provocando uma infinidade de problemas, sofrimentos e até tragédias. Essas imensas diferenças evolutivas existentes entre os indivíduos, que se manifestam desde o nascimento, relativas ao atributo consciência e ao grau dos atributos positivos, levariam à conclusão inevitável de que as criaturas já teriam nascido em estágios evolutivos diferentes. Para que isso fosse coerente com o já mencionado esquema justo e sábio da natureza, que deveria evoluir as criaturas a partir do mesmo estágio inicial, o começo do processo de desenvolvimento das criaturas mais evoluídas deveria obrigatoriamente ter ocorrido em uma data anterior ao nascimento, ou então não seria possível explicar tais diferenças. Ainda considerando a existência real dos atributos positivos como altruísmo e conhecimento, a inexistência real ou existência virtual dos seus pares negativos como, respectivamente, egoísmo e ignorância e, finalmente, levando-se em conta a inclinação da natureza rumo à perfeição, se poderia concluir que o processo evolutivo nas criaturas consistiria em, progressivamente, permitir-lhes a consolidação dos seus atributos positivos ou virtudes, o que automaticamente as faria eliminar, progressivamente, os seus pares negativos ou defeitos. As virtudes e os defeitos seriam, então, mutuamente
69 excludentes, de modo que quando aumentássemos uma virtude, diminuiríamos automaticamente o seu defeito correspondente, o que explicaria porque não se poderia ter em grau máximo ou mínimo, conhecimento e ignorância ou altruísmo e egoísmo, na mesma pessoa. Esse processo de evolução, então, trabalharia no sentido de fazer com que as suas criaturas expandissem as suas consciências e incorporassem todos os atributos positivos ou qualidades morais no mais alto grau possível. Outra consequência do que foi exposto é que o movimento da natureza no sentido da perfeição deveria levar todas as criaturas, em alguma escala de tempo, ao mesmo eventual patamar de perfeição máxima admissível a uma de suas partes, como é a espécie humana. E levando-se em conta as já citadas enormes diferenças evolutivas entre os seres humanos, a máxima de que a natureza não dá saltos e a existência do citado mecanismo de aperfeiçoamento, se poderia concluir que esse mecanismo, além de abranger períodos anteriores ao nascimento, deveria também contemplar períodos posteriores à morte para possibilitar, de modo justo e equânime, a todos os seres humanos, o tempo e as oportunidades necessárias ao atingimento do referido patamar máximo. Essas metas de evolução, estabelecidas por um princípio inteligente supremo, não poderiam ser evitadas para sempre, mesmo propositadamente, porque não haveria vontade humana suficientemente férrea que pudesse levar alguém a resistir eternamente a tão magnífica e poderosa força evolutiva. Esse seria um argumento para o fato de que duas criaturas que, supostamente, tivessem o mesmo tempo de desenvolvimento, não poderiam apresentar diferenças evolutivas excessivas. O impulso sobre as criaturas no sentido da perfeição tornaria
70 esse objetivo venturoso, de máximo nível de consciência e máximos graus das virtudes, o único destino realmente implacável e inevitável, a única fatalidade das criaturas.
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Fruto 2. As causas e os efeitos Na natureza não há privilégios, mas apenas cooperação para a manutenção do processo evolutivo da biosfera. O compartilhamento programado de tarefas, em todos os setores, designa a cada componente a sua quota de contribuição, dentro das suas capacidades e aptidões. Assim, por exemplo, o fitoplâncton dos oceanos abastece a atmosfera com oxigênio, enquanto os insetos, os pássaros e o vento auxiliam a fecundação das espécies vegetais e a fauna decompositora recicla o material orgânico para sua reutilização em novos organismos. Essa colaboração de todos, em que ninguém é privilegiado, seja dentro de uma comunidade, de toda uma espécie, de um bioma ou da própria biosfera, é uma diretriz da natureza, dentro da qual, a espécie humana deve forçosamente se enquadrar. Como nos demais mamíferos, o ser humano manifesta comportamentos culturais que são passados pela convivência. Na infância, o aprendizado ocorre tanto pelos ensinamentos recebidos dos pais quanto pela experiência, através do método das tentativas e erros, em que os sucessos estimulam novas ações semelhantes e os fracassos as desencorajam. Desse modo, as criaturas compreenderiam e assimilariam as relações entre as ações praticadas e as suas reações correspondentes, ou seja, as causas e os seus efeitos. Cada nova experiência de uma criatura expandiria a sua consciência do ambiente pela maior compreensão desse vasto conjunto de relações. Assim como a manutenção da vida na biosfera depende da interação de cada uma das suas criaturas, por mais insignificante que seja, se poderia dizer que o mecanismo de evolução da consciência humana e das suas virtudes também dependeria do
72 compartilhamento de experiências e relações entre seus indivíduos. Uma consequência imediata desse conceito é que não seria possível ocorrer tal evolução numa vida de total isolamento. Toda ação humana proposital manifesta necessariamente algum grau de consciência do ambiente e algum nível de uma ou mais virtudes. Aprendizados causados por novas experiências deveriam resultar numa expansão da consciência do ambiente e num aumento de uma ou mais virtudes pela maior compreensão das suas relações, das suas causas e dos seus efeitos. Esses incrementos acabariam sendo progressivamente incorporados à bagagem de capacidades do indivíduo porque passariam, cada vez mais, a fazer parte integrante e automática dos seus processos mentais e emocionais. Por conta disso, seria lícito concluir que cada incremento evolutivo da consciência e das virtudes, por esse caráter cumulativo, uma vez que tivesse sido incorporado, poderia admitir uma estagnação do estado evolutivo da criatura por algum tempo, mas não um retrocesso. E como cada ser humano seria relativamente livre para construir seu próprio destino, cada um teria o seu próprio histórico, absolutamente único. Então, os atributos supremos da natureza e sua diretriz no sentido da perfeição, cuidariam de gerir esse complexo sistema, providenciando as condições ideais de aprendizado e evolução para cada situação. Diante de um desvio do caminho evolutivo, essa diretriz aplicaria, adequadamente, as exatas condições didáticas que terminariam provocando o desejo da criatura de retornar à direção correta. Vale lembrar que desvios poderiam ser prejudiciais ou benéficos não apenas à própria criatura mas também ao ambiente no qual ela se encontrasse, o que significaria que os eventuais ajustes provocados deveriam não apenas fazê-la desejar a conduta correta, mas também fazê-la desejar a
73 reparação de eventuais prejuízos que possa ter causado. Num contexto justo de necessidade de reparação, a criatura não deveria poder se libertar dessa obrigação até que os prejuízos fossem plenamente ressarcidos e, opostamente, num contexto em que a criatura tenha proporcionado fartura de benefícios, ela deveria ter sua liberdade expandida e fazer jus a novas oportunidades que acelerassem o seu progresso. Nesse aspecto, novamente os atributos supremos da natureza fariam a gestão dessa vastíssima contabilidade de créditos e débitos, contemplando os progressos individuais das criaturas e provendo a todas, exatamente as situações que lhes fossem didáticas e justas.
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Fruto 3. A memória A conclusão citada anteriormente de que deveriam existir outras experiências antes do nascimento, apresenta uma questão importante: tais experiências não fazem parte da lembrança dos indivíduos. Contudo, a lógica poderia auxiliar a resolver esse enigma, propondo um motivo coerente para essa falta de continuidade ou vácuo de memória. Um alarme natural, chamado de instinto de autopreservação, é acionado à menor consciência da presença iminente de um perigo, o que costuma causar uma série de efeitos físicos tais como sudorese, descarga de adrenalina e aumento da frequência cardíaca, próprios da instintiva preparação animal para usar toda a força física numa eventual luta ou fuga, seguidos de stress ou nervosismo, que tendem a reduzir a capacidade de julgamento e a habilidade de efetuar movimentos precisos ou que exijam concentração. Em situações mais culturais e menos ligadas à vida na natureza, próprias da esfera humana, um alarme equivalente também é acionado quando se tem consciência de um sofrimento futuro, físico ou moral. Essa consciência altera as perspectivas e também o comportamento normal, que passa a refletir a expectativa de quem vai passar pelo citado sofrimento. Nessa anormal situação de desconforto, se poderia afirmar que a mente e as emoções saem do seu estado típico, mudam o foco e se voltam quase que inteiramente para a preparação da esperada dor. Num esquema de evolução em que o indivíduo devesse vivenciar uma situação penosa, como reação a uma ação anteriormente praticada ou como reparação de eventuais prejuízos, a prévia consciência dessa desventura o faria alterar suas perspectivas e agir no sentido de tentar evitar, a todo custo,
75 que tal previsão se concretizasse, de modo que a sua resposta a tal situação seria muito mais calculada e artificial do que espontânea. Essa falta de naturalidade, somada ao intenso esforço para escapar de tal desagradável destino, geraria uma grande distorção do seu aprendizado, que deveria ser justamente a vivência desavisada de tal situação, o que lhe permitiria assimilar exatamente a situação que houvesse infligido antes a outrem. Sem o conhecimento dos seus infortúnios iminentes, a sua reação a eles seria autêntica e honesta, o que mediria exatamente os graus das suas virtudes. Então, o conhecimento dos fatos futuros causaria uma óbvia ineficiência no aprendizado da criatura, o que justificaria o bloqueio da sua memória relativamente às suas experiências passadas e aos prejuízos que tivesse causado. A lógica, além disso, propõe que todos os indivíduos, inclusive aqueles que não tivessem a necessidade de tais aprendizados, também deveriam ter sua memória bloqueada porque aqueles que soubessem dos eventos futuros poderiam, propositada ou inadvertidamente, revelá-los. Exemplos realistas que comprovariam a eficácia desse princípio da não revelação de informações sobre eventos futuros seriam, por exemplo, as operações críticas ou estratégicas envolvendo militares ou policiais. Nesses casos, enquanto os gestores saberiam de todos os detalhes desde o início, os executores só os conheceriam quando já estivessem no local determinado e prontos para a ação. Essa medida, bastante comum, reduziria o risco de vazamento de informações, que certamente comprometeriam o ânimo e a lisura de tais missões.
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Fruto 4. O veículo A conclusão de que haveria outras experiências antes do nascimento e depois da morte, apresentaria uma outra questão importante: a inexistência de um corpo físico antes do nascimento e a desativação ou destruição desse corpo após a morte significaria que a existência contínua das criaturas, como seres e como consciências, precisaria ser independente dos organismos físicos. Para que uma criatura não fosse dependente do seu corpo físico, ela deveria forçosamente possuir outro veículo que lhe servisse de suporte contínuo, capaz de reter a memória e a bagagem de todas as suas experiências. Esse veículo teria que ser constituído por um tipo de substância que estivesse fora do alcance dos aparelhos da ciência atual porque nunca se conseguiu, até hoje, qualquer evidência cientificamente conclusiva da sua existência. Além disso, como a consciência e as virtudes teriam provavelmente surgido com a primeira manifestação da criatura, esse veículo precisaria existir desde então e operar sem sofrer a influência da matéria bruta ou das energias conhecidas, para que fosse possível a sua sobrevivência após quaisquer condições de morte do organismo físico, inclusive situações extremas nos quais a própria matéria poderia se desintegrar como, por exemplo, numa explosão nuclear. Então, seria lógico supor que tal veículo devesse ser virtualmente indestrutível e eterno para não somente armazenar com segurança a bagagem de experiências do indivíduo mas também, de algum modo refletir o seu estágio evolutivo a qualquer momento. Mais do que isso, a sua perenidade o tornaria a verdadeira sede da memória, da consciência, dos pensamentos e das emoções, que são atributos
77 imateriais e também são as reais causas das ações, que são as geradoras das consequências. E como a natureza não dá saltos, seria lógico supor que a anatomia desse veículo imaterial devesse possuir alguma similaridade com o organismo material para que houvesse uma eficiente correspondência entre as diversas experiências da vida física e os seus respectivos registros nesse corpo imaterial. Além disso, deveria haver um mecanismo para a sua desconexão de um corpo físico recém-morto e, como esse veículo seria anterior ao nascimento, também deveria haver um outro mecanismo para a sua conexão a um novo corpo físico em vias de formação como, por exemplo, um óvulo fecundado, o que seria mais uma razão para a sua estrutura ser similar à humana. A manifestação da vida estando tanto no corpo imaterial quanto no material, levaria à conclusão de que ambos os corpos deveriam, de algum modo, interagir. O mais lógico seria que o corpo imaterial, pela necessidade de ser perene, formasse uma espécie de modelo ou matriz de parte das características do organismo físico, para que este pudesse se ajustar àquele segundo as eventuais necessidades. A outra parte seria oriunda da hereditariedade física, o que explicaria as muito comuns e às vezes surpreendentes diferenças existentes entre irmãos quanto a aspectos físicos e morais. Assim, caso alguém necessitasse viver experiências que dependessem de características físicas específicas, o corpo imaterial e a sua interação com o organismo físico poderiam ser ajustados de tal modo que este manifestasse os desejados atributos. Um efeito peculiar do fato da criatura possuir um veículo vital permanente, seria que todas as criaturas estariam, todo o tempo, manifestando vida nesse organismo, quer estivessem na fase de experiências na matéria bruta, conectadas a um corpo de carne, ou na fase imaterial, sem um veículo físico. Do mesmo
78 modo que os organismos físicos poderiam ouvir os mesmos sons e ver as mesmas cores, os corpos imateriais também poderiam perceber as mesmas sensações. Assim, seria razoável admitir que pudesse haver interação entre dois corpos imateriais, mesmo que um estivesse conectado a um corpo físico e o outro desconectado, já que ambos seriam feitos das mesmas substâncias e sensíveis aos mesmos estímulos somáticos, emocionais e mentais. Outra consequência da existência desse veículo imaterial e da sua independência do corpo físico é que a quantidade de veículos imateriais teria que ser obrigatoriamente maior ou igual à quantidade de corpos físicos porque somente poderia haver consciência num corpo de matéria se houvesse o correspondente veículo imaterial que lhe servisse de suporte. Por outro lado, poderia perfeitamente haver uma imensa quantidade de indivíduos ainda na fase imaterial aguardando a oportunidade de um veículo físico em vias de formação e isso poderia ser uma explicação para o relativo atraso consciencial da humanidade, mesmo após todos esses séculos de progresso, porque a quantidade de experiências físicas por indivíduo seria bastante limitada, por ser proporcional à disponibilidade de veículos materiais em vias de formação. Quanto maior a população do planeta, mais chances de haver veículos físicos em vias de formação, ou seja, quanto mais indivíduos na matéria, menor a fila de espera do lado imaterial para a conexão ao mundo físico.
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Fruto 5. O professor e o aluno Assim como acontece com as crianças, cujas vivências se alternam entre a escola e o lar, onde efetuam, respectivamente, o aprendizado prático de experiências com os colegas e o professor e, mais tarde, a sua posterior recapitulação com os pais ou responsáveis, o processo de desenvolvimento do ser humano também deveria, ao seu modo, proporcionar aos indivíduos essas alternâncias entre aprendizados e recapitulações. Tendo em vista que a parte prática dos aprendizados teria que ser realizada durante a vida física, com a honestidade das reações garantida pelo total esquecimento do passado, o período da recapitulação aconteceria depois da morte e, obviamente, sem o bloqueio da memória para que as experiências pudessem ser rememoradas, analisadas e isso permitisse ao indivíduo se conscientizar do que deveria ter realizado e de qual teria sido o seu progresso acumulado até aquele momento. Por questões de imparcialidade e competência, exames de alunos são avaliados por seus professores e tarefas de trabalhadores são avaliadas por seus superiores. O julgamento do resultado de uma tarefa por quem a executou seria duplamente inadequado porque, primeiro, seria tendencioso já que carregaria o desejo da sua aprovação e, segundo, seria insuficiente porque deveria ser feito por alguém mais capacitado. O mesmo valeria para a análise dos aprendizados da vida de um indivíduo, que deveria ser feita por alguém que possuísse um estágio evolutivo superior, isto é, que já tivesse passado pelas situações em questão, as tivesse compreendido e pudesse decidir quais deveriam ser as melhores experiências futuras a serem vividas. Assim como o diretor de uma grande empresa, responsável pelas importantes tarefas estratégicas, não
80 supervisiona todos os detalhes de cada colaborador, deixando esse trabalho aos subordinados das hierarquias responsáveis, seria lógico supor que a natureza também se servisse dos mais capacitados para fazer o acompanhamento da evolução dos menos adiantados. De modo análogo às crianças que gozam de uma liberdade tutelada até que sejam capazes de tomar decisões sozinhas, as criaturas mais evoluídas em consciência e virtudes tutelariam aquelas menos adiantadas, num processo no qual o amparo dos maiores seria progressivamente reduzido conforme aumentasse o grau de consciência dos menores. Essa presença junto aos mais evoluídos seria o requisito necessário para que os neófitos expandissem tanto a compreensão intelectual das virtudes e dos seus respectivos defeitos quanto a extensão dos seus benefícios e prejuízos na vida em comum. Durante esse desenvolvimento assistido, haveria o aumento progressivo da sua liberdade de ação e, com isso, o crescente impacto potencial dos seus atos, seguidos das suas respectivas consequências, progressivamente mais graves. Os mais adiantados teriam, como uma de suas funções nesse grande esquema evolutivo, auxiliar os menos esclarecidos assim como teriam sido ajudados no pretérito. Para os iniciantes, os mais evoluídos serviriam também de modelo a ser imitado. De modo análogo ao compartilhamento de tarefas na natureza, em que os próprios seres contribuem para a manutenção do sistema, as citadas recapitulações das experiências de vida fariam parte de um programa evolutivo que teria seus rumos ajustados conforme o resultado das últimas experiências de cada um. Esse trabalho colaborativo tanto serviria ao progresso dos mais adiantados, pelas tarefas altruísticas em prol dos mais necessitados, como ao avanço destes através da ajuda daqueles.
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Fruto 6. As virtudes e os defeitos É possível se fazer uma analogia entre os desenvolvimentos de um músculo e de uma virtude. Para se fortalecer um músculo fraco, deve-se acioná-lo, repetidamente, opondo-lhe dificuldades como a água na natação e os halteres no levantamento de peso. Com o exercício, o músculo se torna cada vez maior e mais forte. Analogamente, para se fortalecer uma virtude ainda fraca, se deveria, igualmente, opor-lhe uma dificuldade que obrigasse à sua reflexão e à sua prática. Essa dificuldade ou esse exercício seria justamente a vivência dos inconvenientes do defeito oposto à virtude em questão. Seria a aplicação do princípio de que o semelhante cura o semelhante, usado na homeopatia e nas vacinas. O indivíduo que manifestasse determinado defeito e infligisse algum tipo de sofrimento ou prejuízo ao seu círculo de influências, se fosse submetido a uma situação dolorosa similar, teria a consciência exata do que tivesse causado, o que despertaria nele o desejo de buscar a virtude específica para o seu alívio, que seria exatamente aquela oposta ao seu defeito. Assim, a vivência das consequências do próprio defeito seria o tratamento ideal para aquele que não possuísse a virtude correspondente. Um exercício de lógica com esse contexto serviria para demonstrar a sua efetividade e comprovar porque os defeitos seriam virtuais e somente as virtudes seriam reais. O egoísta que sentisse a amarga situação de indiferença ou abandono que teria infligido a outros, tenderia a buscar a convivência para atenuar a sua solidão e, para isso, acabaria manifestando a solidariedade, a compaixão e o altruísmo. Quando o rancoroso degustasse a mesma ofensiva condição de agressão injusta a que tivesse submetido outros, compreenderia a injúria e a humilhação deste
82 ato e terminaria buscando o autocontrole para evitar repeti-lo, além da tolerância e da fraternidade para com os que ainda o praticassem. Se o avaro experimentasse a mesma circunstância miserável e carente que tivesse imposto a outros, entenderia o sofrimento causado e acabaria praticando a generosidade com os mais necessitados. Porém, opostamente, não se conseguiria fazer uma criatura, que já tenha assimilado uma virtude e experimentado todos os seus benefícios em determinado grau, retroagir ao respectivo defeito, com todos os seus prejuízos. Poder-se-ia afirmar que as consequências dos defeitos teriam sido destinadas pela natureza a serem recursos didáticos temporários ao desenvolvimento definitivo das virtudes. A combinação do estágio evolutivo da criatura com o histórico dos seus atos, determinariam o caráter e a intensidade das situações educativas às quais seria submetida. Um músculo requer um certo tempo de trabalho para evidenciar um determinado progresso em que, dependendo do seu estágio de desenvolvimento e da dificuldade a ser vencida, pode demandar um período mais ou menos longo de exercício. Com uma virtude não seria diferente. Quanto mais intensa e prolongada fosse a exposição da criatura a um dos seus defeitos, mais rapidamente ocorreria o seu progresso no aprendizado e na assimilação da virtude correspondente. A natureza, com seus atributos supremos, certamente educaria suas criaturas da maneira mais sábia, justa e paciente possível. E, muito melhor do que quaisquer bons genitores humanos, proporcionaria todos os ensinamentos disponíveis aos seus rebentos, dentro das suas respectivas capacidades de compreensão, para que tivessem a máxima consciência possível dos seus atos e pudessem ser capazes de avaliar as suas respectivas consequências. Esse conhecimento intelectual das
83 relações de causa e efeito antes que os correspondentes atos fossem praticados, permitiria a associação das suas consequências com o que já havia sido teoricamente aprendido. É importante relembrar que a natureza não dá saltos e assinalar que o conhecimento ou a compreensão intelectual de um princípio não significam a sua incorporação ou a sua vivência. Os mais comuns exemplos são as leis humanas, que muitos compreendem intelectualmente e, contudo, não são muitos que as cumprem. Com as virtudes não seria diferente. Conforme já foi exposto, num mecanismo justo, ninguém poderia ser merecedor ou responsável por uma situação que não tivesse provocado conscientemente, isto é, com a compreensão do que estivesse fazendo. Nos estágios iniciais de evolução, nos quais a consciência estivesse no seu nível mais baixo, a criatura teria pouca culpabilidade por seus atos e, conforme a consciência fosse se expandindo pelas experiências vividas, maiores passariam a ser as suas responsabilidades. Esse processo ratificaria o ditado popular que diz que “a quem muito se dá, muito se pede”. Nesse sistema de aprendizado, a negligência ou leviandade de uma criatura diante de um contexto venturoso provocaria a sua retificação numa outra situação pior. A experiência agradável num ambiente onde se praticasse uma virtude, seguida de outra desagradável pela prática do seu respectivo defeito, seria duplamente marcante porque a condição penosa do defeito seria amplificada, na fase de recapitulação, pela lembrança agradável do antigo ambiente virtuoso. Durante esse tempo, forçosamente haveria a reflexão sobre esses contrastes, o que resultaria em algum aprendizado e alguma incorporação da referida virtude. Se esse tempo não fosse suficiente, outras experiências similares seriam necessárias, mas todas elas seriam sempre válidas porque seus efeitos seriam
84 cumulativos. O que fosse aprendido e assimilado nunca mais seria perdido e o processo não teria que recomeçar a cada nova oportunidade, mas partiria de onde tivesse sido interrompido da última vez. Com relação às virtudes e suas características, este projeto considera bastante apropriado usar o conhecido conceito de que o amor universal poderia ser a síntese de todas as virtudes e, analogamente, um conceito mais amplo do egoísmo poderia ser a síntese de todos os defeitos. Corroborando essa ideia, é possível identificar um relacionamento entre as virtudes, em que o crescimento de uma afetaria positivamente outras. Explicado de outro modo, as virtudes se interpenetrariam no sentido de que o aprendizado e a incorporação de uma delas levaria a criatura, progressivamente, ao encontro de outras. Por exemplo, a prática da solidariedade, que é uma união de simpatias e interesses, levaria à compaixão, que é a compreensão do sofrimento alheio e o desejo de minorá-lo, que levaria à caridade, que é a ação no sentido de ajudar alguém ou aliviar-lhe a dor, que levaria à consolidação do altruísmo, que é a conduta daquele que age em favor de outro, por vezes em detrimento de si próprio. Igualmente, a fraqueza de uma virtude, ou a manifestação de um defeito, estaria relacionada à fraqueza de outras virtudes, ou à manifestação de outros defeitos. Exemplificando, um indivíduo egoísta veria seus interesses acima de quaisquer outros e, por isso, poderia perfeitamente ter a ambição de conquistar cada vez mais poder e posses, a vaidade de se julgar melhor que os outros, o orgulho de nunca admitir um erro e a crueldade de ser indiferente aos sofrimentos alheios. Assim como se diz que a necessidade é a mãe da invenção, se poderia afirmar que, no caso dos que resistissem ao caminho do progresso, o sofrimento seria o pai da virtude ou, em outras palavras, assim como as invenções atenderiam às necessidades,
85 as virtudes atenderiam aos sofrimentos. Uma criatura submetida a uma situação de infortúnio, forçosamente buscaria alívio e isso provocaria, intuitiva ou instintivamente, a procura da virtude cuja aplicação proporcionasse o referido conforto. O processo de alívio do sofrimento causado pela prática dessa virtude, resultaria no seu reconhecimento como um valor e provocaria uma reflexão sobre ela, trazendo o desejo de assimilá-la, de torná-la um hábito, o que acabaria resultando na sua progressiva incorporação. Outra consequência já mencionada, do que foi visto até agora, seria que a necessidade justa de reparação deveria manter os faltosos presos aos ambientes e indivíduos que tivessem prejudicado até que estes fossem ressarcidos ou compensados de forma justa, enquanto que os virtuosos, pelo seu próprio mérito, estariam livres para novos aprendizados em ambientes mais venturosos. Seria uma comprovação do conceito de que “o ódio acorrenta e o amor liberta”. Essa coação à permanência dos devedores junto aos seus credores constituiria uma penosa situação, já que aqueles endividados deveriam aprender exatamente o tipo de dor que houvessem infligido às suas antigas vítimas, agora eventualmente em situação inversa. Essas inversões de papéis se repetiriam até que tais laços dolorosos fossem transmutados em laços fraternos. Um indivíduo que reconhecesse e corrigisse seus erros, retomando o roteiro evolutivo, ficaria livre para prosseguir no seu crescimento mesmo que aqueles a quem estivesse ligado por dramas pretéritos insistissem em más condutas, porque não seria justo que ficasse acorrentado aos que voluntariamente resistissem ao processo evolutivo. Estes seriam, então, forçados a vivenciar outras situações similares até que incorporassem definitivamente os necessários progressos. Práticas continuadas e alicerçadas nas virtudes resultariam em experiências cada vez
86 mais gratificantes, enquanto que aquelas apoiadas nos defeitos levariam a consequências sempre penosas. Se poderia resumir essas reflexões sobre as causas e efeitos concluindo que a prática das virtudes, quando rebaixada ao seu menor nível, faria com que a criatura aplicasse seus esforços exclusivamente em benefício de si própria e, opostamente, quando elevada ao seu mais alto grau, levaria a criatura a dedicar seus interesses inteiramente ao bem estar de tudo e de todos, da humanidade à biosfera. Então, voltaríamos ao que foi citado no início, sobre o compartilhamento de tarefas na natureza, sem privilégios, em que somente o trabalho voltado ao bem comum garantiria a sobrevivência e o bem estar de cada um.
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Fruto 7. A continuidade Considerando o axioma de que a natureza não dá saltos e que o processo de desenvolvimento das criaturas seria justo e sábio, as experiências imateriais anteriores ao nascimento e posteriores à morte deveriam ser vividas em situações similares às da experiência física para que as reparações e os aprendizados constituíssem um processo contínuo. A semelhança de ambientes provocaria a lembrança dos mesmos contextos, auxiliando a tarefa de conscientização do progresso atingido e do que ainda deveria ser feito. Os ambientes imateriais da fase de recapitulação deveriam conter o máximo possível de elementos equivalentes aos da fase de experiência física, para que o processo de desenvolvimento tivesse a melhor transição possível, de forma gradativa e sem sofrer interrupções. Assim como os reinos mineral, vegetal e animal são compostos da mesma matéria básica do organismo físico, os seus eventuais equivalentes imateriais deveriam ser constituídos do mesmo tipo de substância do veículo imaterial. Isso reduziria as diferenças entre os dois contextos e elevaria a eficiência do mecanismo evolutivo, facilitando a adaptação do indivíduo no seu retorno de uma experiência material e o inspirariam na sua preparação para uma nova vivência na matéria. Ambientes materiais e imateriais muito diferentes gerariam contextos evolutivos desconexos com aprendizados desvinculados e, portanto, sem sentido, tornando o conjunto didaticamente ineficaz.
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Fruto 8. A morte Sendo parte natural da vida e do processo evolutivo, a morte também seria regida pelos mesmos atributos superlativos da natureza e, portanto, constituiria uma condição inevitavelmente controlada, justa, sábia e harmônica, o que deveria fazer com que o intenso medo da morte fosse justificado mais pelo instinto animal de sobrevivência do que por qualquer outro motivo. A recapitulação das experiências nessa fase, após o desligamento do organismo material, seria efetuada num clima psicológico agradável ou desagradável conforme tivesse sido o histórico dos pensamentos, emoções e ações manifestados durante a vida. Qualquer que fosse esse contexto retrospectivo, a criatura deveria estar mais próxima da verdade sobre si mesma pois estaria mais consciente das suas experiências passadas e dos progressos atingidos até aquele momento. E levando-se em conta a existência dos tutores mais virtuosos e da sua suposta responsabilidade pelo acompanhamento dos seus discípulos, seria razoável imaginar que aqueles tivessem presenciado e até exercido alguma influência nos processos do nascimento e da morte destes, além da supervisão durante as suas vidas na matéria para assegurar o cumprimento das experiências que haviam sido programadas. A fase da vida imaterial de uma criatura, após a morte, além de constituir uma revisão do histórico das suas existências anteriores seria, baseado nessas revisões, a preparação para as futuras experiências que melhor atendessem às suas necessidades evolutivas. A perenidade do veículo imaterial e a transitoriedade do corpo físico, conforme já foi citado, levariam à conclusão de que o ambiente não material, por ser o único em que a criatura poderia estar plenamente consciente do seu passado e do seu
89 verdadeiro estรกgio evolutivo, seria o seu real habitat, em que estaria na plenitude das suas capacidades mentais e emocionais. Assim, cada morte, na verdade, seria um retorno ao lar enquanto que cada nascimento seria uma ida a uma oficina de trabalho ou a uma escola, para a prรกtica dos aprendizados teรณricos recebidos dos tutores.
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Fruto 9. A família Na humanidade, assim como em inúmeras espécies animais, a família é a célula básica onde a maioria dos indivíduos nasce, cresce, se reproduz e morre. Considerando-se os atributos supremos da natureza e a sua perfeita capacidade de gestão dos créditos e débitos de todas as criaturas, seria lógico presumir que cada uma delas já nascesse no ambiente mais propício à sua melhor evolução. Pelo histórico da humanidade, se pode concluir que o seu nível evolutivo geral ainda deve ser baixo porque, mesmo depois de tantos séculos de avanços científicos e sociais, dramas como a guerra e a miséria ainda não foram extintos. Os conflitos e sofrimentos existentes em quase todos os lugares do globo, desde as famílias até os países, continuam sendo motivados pelas mesmas ausências de virtudes como generosidade, amor, paz, tolerância, altruísmo e humildade. Inteligência e conhecimento podem proporcionar conforto e proteção mas não significam a vivência das virtudes e, sem elas, esse poder pode ser usado para propósitos inconfessáveis o que, infelizmente, é comprovado pela própria história humana. Diante desse quadro de atraso evolutivo, seria razoável supor que as contabilidades humanas tivessem os débitos mais vultosos do que os créditos e que, por conta disso, os grupos familiares constituíssem, na sua maioria, reencontros destinados à reparação de desvios e à tomada de consciência de prejuízos causados em vez de felizes uniões dedicadas ao estudo e ao progresso futuro. Na maioria dos casos, a convivência no ambiente familiar deveria ser a mais difícil de todas, justamente por causa dessas aproximações de desajustados onde haveria contas a serem acertadas, onde se encontraria o mais importante desafio a ser
91 vencido. A existência de ditados como “santo de casa não faz milagres” ou “casa de ferreiro, espeto de pau” seria uma evidência de como o senso comum perceberia essas arestas que a vida em família apresenta. Conforme já foi mencionado, a elevação dos níveis de consciência e das virtudes deveriam fazer a criatura se voltar cada vez mais para o bem estar de todos. Não é por acaso que a vida em família requer justamente essa aplicação das virtudes para conciliar as eventuais diferenças e tornar o convívio venturoso. Basta que se observe criaturas que se comportam com dignidade e respeito, em quaisquer ambientes, para perceber o quanto cumprem nobremente os seus papéis, dentro das melhores condutas, promovendo um ambiente sadio e estimulante, de união e de conciliação. A aplicação desse espírito virtuoso, sem a necessidade de qualquer contexto tecnológico, com certeza já teria resolvido a maioria dos problemas humanos em todas as épocas e culturas. A união conjugal costuma aproximar pessoas que, muitas vezes, apenas mudam de endereço para, egoisticamente, continuarem a tratar das suas próprias metas, quando deveriam trabalhar para a construção do que seria a sua nova vida em família. Essa postura egocêntrica vai revelando os conflitos existentes entre os diferentes desejos de cada um, claramente não devotados ao bem comum maior e sim a um bem individual menor. Assim como não há duas pessoas absolutamente iguais, também não há dois objetivos individualistas que sejam exatamente os mesmos. Na verdade, não seriam apenas diferentes mas quase mutuamente exclusivos. O resultado inevitável desse contexto seria a frustração de um dos cônjuges ou de ambos. Se os objetivos fossem em prol de todos, as chances de realização se multiplicariam. Um agravante da situação em que os interesses individuais
92 prevalecessem sobre os do grupo familiar é que os eventuais filhos tenderiam a manifestar as mesmas disposições e acabariam apenas acrescentando mais demandas egoísticas às muitas já existentes, distanciando cada vez mais a família de um objetivo consensual e piorando ainda mais a complicada relação do casal. Por outro lado, numa família onde os objetivos fossem direcionados ao bem de todos, cada novo membro do grupo seria levado a alimentar ideias de união e de realização. Por isso, os pais devem monitorar os filhos enquanto ainda são pequenos e manifestam mais instinto que cultura, não sabendo dissimular impulsos e emoções. Sua bagagem pregressa é mostrada de forma transparente e, por isso, é dever dos pais proporcionar um meio que estimule a prática das suas virtudes e correção dos seus defeitos enquanto a cultura não os mascara. Depois de intelectualizados, boa parte dos filhos fica impermeabilizada contra sermões ou castigos, tornando-se muito difícil realizar qualquer mudança de rumo que será fatalmente efetuada pelas duras lições da vida e, tais filhos, acabarão inconsciente ou conscientemente culpando seus pais negligentes por não terem agido na época apropriada. Nos flertes amorosos, antes da união conjugal, homens e mulheres sem muitos compromissos com as virtudes simulam linguagens, gestos e condutas que consideram eficazes para atrair parceiros desejáveis ou convenientes. Contudo, durante o convívio, conforme o tempo passa, torna-se difícil sustentar tais máscaras e a sua inevitável deterioração acaba revelando os verdadeiros objetivos de cada um. Seria coerente supor que criaturas que se reencontrassem para um reajuste tivessem fortes diferenças mútuas, já demonstradas pelas más experiências anteriores e que a sua reaproximação deveria, de algum modo, revelar essas diferenças. Por ironia, a falsidade tão comum aos namoros
93 serviria justamente para desviar a atenção dessas incompatibilidades ou disfarçá-las, fazendo com que os antigos desafetos se sentissem novamente atraídos um pelo outro. Esse contexto de dissimulação motivaria, a respeito dessas citadas uniões conjugais, as posteriores e comuns perplexidades de cônjuges ou ex-cônjuges, que não entenderiam como teriam se deixado envolver em tais relacionamentos ou porque teriam sido atraídos por tais pessoas. Por outro lado, indivíduos já afinados com as virtudes seriam muito mais autênticos e, com certeza, atrairiam outros igualmente verdadeiros provocando, desde o início do relacionamento, um ambiente transparente, sem máscaras a serem removidas e gerando uma grande confiança mútua que tenderia a se converter num futuro de maiores realizações. Todas essas situações desajustadas teriam como pano de fundo a ausência das virtudes, em que se valorizariam aspectos exteriores ou materiais tais como luxúria, beleza, riqueza e poder, em detrimento de aspectos interiores ou imateriais como dignidade, amor, simplicidade e compaixão. Vive-se hoje um intenso consumismo, alimentado pelo desejo de posse de bens destinados ao lazer e à ostentação, o que provoca uma avalanche de necessidades falsas e superficiais nas relações humanas, esgota recursos naturais e termina instigando defeitos como a vaidade, a ambição, o orgulho e o egoísmo. A incoerente busca por esse cenário de luxo e facilidades, que produz excesso de demandas supérfluas, contrasta com a relativa dureza de uma vida simples, onde o trabalho obrigatório e as condições frugais tendem a afastar as criaturas desses objetivos fúteis. Além disso, como a vida humilde está próxima dos mais necessitados, acaba por despertar nas pessoas a solidariedade, a compaixão e a caridade, mantendo os seus corações aquecidos e imunizados contra a fria indiferença.
94 As vidas de opulência e conforto, principalmente as que não são fruto de trabalho, têm o potencial de estimular quase todos os defeitos se não forem vividas com consciência e vigilância. É comum tais excessos afetarem o ego de quem os vivencia e, como já foi mencionado, induzir à ambição de querer cada vez mais, ao egoísmo de fazê-lo apenas para si, à vaidade de se achar mais valoroso do que os outros e à arrogância ou orgulho de se considerar infalível. A afinidade com todo esse contexto de pompa e poder, além dos sentimentos negativos descritos, pode fazer com que situações e pessoas associadas à penúria ou ao sofrimento passem a ser evitadas e é essa conduta que abre as portas à indiferença, que é um dos maiores obstáculos à elevação moral do ser humano. “A frieza construiu a miséria. Construiu as cidades cheias de gente e de muros que as separam como estranhos que se ignoram e se temem. A solidariedade vai destruir as bases da existência da miséria. É uma ponte entre as pessoas.” Esta grave mensagem foi extraída de um artigo de Herbert de Souza, sociólogo e ativista de direitos humanos, criador de um dos mais inovadores e importantes movimentos sociais brasileiros.
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Fruto 10. A comunidade Indivíduos formam famílias e estas constituem comunidades. Os mesmos valores que seriam causa de realização e ventura para um ambiente familiar teriam o mesmo resultado se aplicados numa comunidade, que é uma reunião de famílias. O conflito entre membros familiares por posses e poder, geraria um desajuste do qual ninguém sairia beneficiado, em oposição ao consenso e à união pacífica e generosa, que seria uma fonte de bem estar e de realizações para todos. O mesmo valeria para a dimensão comunitária em que a convivência respeitosa, fraterna e colaborativa entre as diversas famílias garantiria justiça e prosperidade à comunidade, enquanto que a ambição e o egoísmo no lar provocariam a divisão e a consequente deterioração social. Condutas familiares distantes das virtudes teriam como consequência uma fraca integração comunitária, induzindo a um isolamento que reforçaria a ideia egoísta e avara de que cada família deveria cuidar apenas do que é seu. Essa fragmentação tenderia a fazer tais famílias valorizarem mais os seus direitos do que os seus deveres ou os direitos de outras famílias, resultando numa baixa participação em atividades de caráter comum, uma das quais seria o respeito às leis que foram concebidas para proporcionar os mesmos direitos e deveres a todos. Então, ausências das virtudes nos indivíduos causariam separatividade nas famílias, que repercutiriam nas comunidades, que refletiriam nos países, que terminariam ecoando em toda a humanidade. Uma comunidade forte, sustentada pela união das famílias, seria capaz de proporcionar qualidade de vida e suporte ao sustento dessas famílias, especialmente àquelas que estivessem em dificuldades. Por outro lado, uma comunidade
96 fraca não conseguiria prover tal apoio e as famílias em circunstâncias precárias disporiam de poucos recursos para a sua recuperação. E a conjuntura atual levaria a crer que seria justamente essa a triste realidade da maioria dos países. O contexto mundial deste século, em relação aos anteriores, já está alterando dramaticamente a interação entre os povos. Um novo, fervilhante e às vezes conflitante intercâmbio aproxima rapidamente culturas muito diferentes e, apesar de expor e atritar suas arestas, promove um movimento de nivelamento que acabará por, progressivamente, unir e conciliar os seus ideais numa grande visão global, o que seria uma perfeita representação da diretriz colaborativa da natureza. Em 2011, a ocorrência de diversas manifestações populares não especificamente relacionadas, mas todas clamando por justiça, igualdade e liberdade, levou a revista Time a eleger o manifestante anônimo como o personagem do ano, fato esse que é visto por este projeto como um forte revelador dessa inclinação cooperativa, universalista e ainda discreta, mas que vem crescendo continuamente e que, com um olhar atento, pode ser identificada nos mais variados setores. Os meios de comunicação instantâneos como televisão, rádio e, principalmente, a Internet, estão aproximando cada vez mais os povos, de modo que há uma tendência no sentido de se formar uma cultura global única. Pessoas de todo o mundo, principalmente os jovens, tendem cada vez mais a se interessar pelas mesmas músicas, vestir as mesmas roupas, praticar os mesmos esportes, desfrutar dos mesmos entretenimentos e até sofrer os mesmos problemas sociais e ambientais, que assemelham-se cada vez mais. Novidades em todas as áreas, provenientes de qualquer país ou cultura, são rapidamente desfrutadas e assimiladas por um número cada vez maior de pessoas.
97 Os diferentes idiomas são uma das principais barreiras que retardam, de modo completo e imediato, a efetiva realização dessa cultura única. O maior uso de uma língua sempre se deveu à influência que o seu país exerceu sobre os demais. Assim, enquanto se falava grego durante o período helenístico e latim sob o jugo do império romano, hoje, a influência dos Estados Unidos e da Inglaterra levou ao maior uso do inglês, que se tornou praticamente a língua universal e quase obrigatória nas escolas de todos os países. Porém, como a supremacia de qualquer país nunca é permanente, já não se pode negar a crescente influência da China e a intensa busca pelo aprendizado do mandarim. Uma reflexão racional sobre esse tema leva a crer que essa progressiva tendência de fusão global das culturas, absolutamente sem par na história humana, não tardará a demandar um idioma neutro, com raízes universais, de fácil aprendizado e que seja especialmente apto a facilitar o intercâmbio de ideias. Somente um idioma neutro poderia ser imune a flutuações de poder e rejeições nacionalistas, políticas, racistas ou religiosas. Não é por acaso que cresce em todo o mundo, de forma bastante discreta e pacífica, o uso do idioma Esperanto, que reúne justamente essas características e que é a língua artificial mais falada no globo. Os intercâmbios técnicos, comerciais e culturais entre os países fazem cada vez mais uso da Internet para o fluxo de informações e o mecanismo que permite a inteligência dessas trocas é o software, que consiste em sequências de instruções a serem executadas por computadores. Atualmente, a maneira de criar softwares que mais cresce globalmente possui fundamentos de cooperação e compartilha uma infinidade de produtos gratuitos com toda a comunidade global. Surgida na década de 70, é chamada popularmente de software livre e, por causa das características citadas, é um dos principais veículos de inclusão
98 digital das populações de baixa renda, que são a maioria no planeta. E como a desigualdade social entre os países ainda é muito alta, seu uso tende a continuar aumentando. Na medicina, as vacinas seguem o princípio que consiste em informar ao organismo, em doses mínimas, as características de um mal que o poderia atacar, para que ele o possa reconhecer sem ser prejudicado e, assim, ativar as defesas apropriadas, promovendo a imunização. Esse princípio de que os semelhantes curam os semelhantes foi citado pela primeira vez por Hipócrates e é usado pela medicina homeopática, que propõe que não há doenças, mas doentes e seus medicamentos são extraídos diretamente dos reinos mineral, vegetal e animal. A homeopatia é uma das medicinas alternativas aceitas oficialmente no Brasil e uma das suas características principais é considerar o indivíduo no seu todo, nos seus aspectos físico, mental, emocional e social. A medicina tradicional, apesar das superespecializações que ainda analisam o ser humano de forma fragmentada, também tende a seguir esse rumo. Como o todo é a soma das partes, não é razoável considerar apenas uma parte do ser humano sem levar em conta o conjunto. São notórias e comprovadas, pela própria medicina tradicional, as influências do descontrole mental e emocional em males cardíacos, úlceras e outros problemas físicos. Este projeto entende que as medicinas se unirão colaborativamente pelo conhecimento do que realmente ocorre no cosmo humano, em que estarão incluídos o corpo físico, os pensamentos e as emoções. O Budismo surgiu dos ensinamentos de Buda, o Judaísmo de Moisés, o Islamismo de Maomé e o Cristianismo de Jesus. Assim, a maioria das doutrinas monoteístas se desenvolveu a partir de um personagem principal. De modo diferente, a Doutrina Espírita, apesar de se declarar cristã, teve seu conteúdo formado a partir de comunicações provenientes de diversas
99 fontes, num trabalho verdadeiramente colaborativo e que continua em atividade crescente. Todos esses contextos reforçam a ideia de vida e trabalho livres, justos, cooperativos e responsáveis, o que é inteiramente compatível com a ideia de democracia, cujos conhecidos requisitos são bastante adequados ao conteúdo desta obra. Uma correta educação proporciona conhecimento dos fatores essenciais a uma boa qualidade de vida, o que permite efetuar as melhores escolhas, o que pressupõe a liberdade de fazê-lo, o que resulta em democracia. Vale a pena repetir que apesar do conhecimento ser capaz de gerar imensos benefícios, estes somente serão justos e iguais para todos se forem aplicados por pessoas de caráter virtuoso. Não são incomuns os exemplos históricos de nações de grande conhecimento e cultura, que provocaram sofrimentos e tragédias coletivas, frutos de escolhas não pautadas em virtudes como dignidade, fraternidade, tolerância e generosidade. É suficiente consultar a história dos povos europeus que, tradicionalmente, são tidos como os de maior cultura e conhecimento. Acima do intelecto, insubstituíveis, pairam as virtudes que são os únicos fatores que podem elevar a espécie humana a um patamar de maior dignidade, a uma melhor qualidade de vida e a uma consequente integração à sábia diretriz de aperfeiçoamento da natureza.
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CONCLUSÃO “Eu fecho meus olhos para ver.” (Paul Gauguin)
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Este projeto é de opinião que cada ser humano deveria atender ao chamado evolutivo da natureza, no sentido da sua maior sintonia com as virtudes e do consequente desligamento dos seus respectivos defeitos, a fim de promover o maior progresso e realização possível a si mesmo e àqueles que estão ao seu alcance. A majestade da natureza e a sua diretriz no sentido da perfeição, sugerem que a aderência a esse princípio sábio de aperfeiçoamento deveria proporcionar o maior grau possível de consciência e de felicidade às suas criaturas. O conteúdo desta obra constitui um esforço de comprovar a veracidade desse princípio, uma meta perfeitamente realizável que não depende do intelecto ou de quaisquer fatores externos, mas apenas de boa vontade. Que cada um faça isso e a onipotente fonte criadora, com sua infinitude de recursos, com certeza cuidará do resto.