DA VIA À TRAVESSIA ENSAIO SOBRE CONEXÕES URBANAS 1
ENSAIO SOBRE CONEXÕES URBANAS
DA VIA À TRAVESSIA
Julia Cirillo Jobim Professor orientador
Luís Antônio Jorge TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo SÃO PAULO, 2019
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AGRADECIMENTOS
Luís por aceitar me guiar nesta aventura ; Ângelo e Marcos pelas palavras recebidas ; Marcelo e Cynthia pela minha essência ; Carolina pela incansável presença ; Jorge pela eterna inspiração ; Vitor pelo ressignificado de leveza ; René, Adriana, Helena e Larissa pelos ensinamentos diários ; Victor, Heloisa, Carolina e Daniel pelo apoio constante; Nathalia, Julia, Beatriz, Thalissa e Paulo por todos os momentos compartilhados.
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RESUMO
A fragmentação do território constitui redes de desconexões em diferentes escalas da cidade. Tomando como objeto de estudo a Avenida Rebouças e seus desdobramentos urbanos, este trabalho procura promover um diálogo entre os espaços livres públicos e os espaços edificados, estabelecendo uma reflexão sobre as vias urbanas e a escala humana em suas conexões no contexto da cidade. Propõe-se, assim, o percurso como interação com o espaço público, criando uma malha de associação das diferentes partes da cidade.
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IMERGIR 14
2 PERCORRER
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EXPANDIR
40
DESDOBRAR
101
SUMÁRIO
1
3 4 11
CO·NEC·TAR 1 1 _ ESTABELECER CONEXÃO ENTRE DOIS OU MAIS ELEMENTOS; LIGAR, UNIR. 2 _ LIGAR DOIS PONTOS EM CIRCUITO OU REDE DE COMUNICAÇÕES. 3 _ FICAR ATENTO OU LIGADO AO QUE OCORRE EM VOLTA.
INTRODUÇÃO
As estruturas urbanas e o planejamento da cidade influenciam o comportamento humano e as formas de funcionamento da cidade. A mobilidade é geralmente retratada associada à circulação dos veículos automotivos, principalmente em grandes metrópoles em que este meio sempre foi retratado com certo privilégio. Caminhar em São Paulo é uma infinidade de experiências e foi a partir de algumas delas que este trabalho tomou seu rumo. Os percursos humanos interagem com os espaços da cidade. Procurou-se, então, enfocar neste contexto urbano que nos escapa do olhar, a cidade descontruída, mutável e reconfigurada. Esta proposição pretende provocar um questionamento sobre a escala humana e a cidade e suas esferas de conexões. “Conectar” pode desdobrar-se como a ligação de dois pontos da cidade, como também de modo reflexivo, conectar-se à cidade. Propõe-se, assim, o caminhar como mais que apenas um conector de os espaços físicos da cidade, mas como um destino, levando dinamismo à simples ação de locomoção, tornando o percurso não apenas necessário, mas uma experiência na cidade.
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“Inicialmente nós moldamos as cidades, depois elas nos moldam. Assim, quanto mais humano for o espaço urbano que produzirmos, mais valorizada nossa dimensão humana estará. Uma cidade de pessoas para pessoas.”
Jan Gehl 2
IMERGIR 16
As cidades constituem-se de pontos nodais de fluxos, conformando uma rede dinâmica que se espalha pelo território mutante. Os processos simultâneos de globalização e fragmentação geram territórios contraditórios que estabelecem uma sobreposição de distintas épocas históricas e estruturas urbanas, que se cruzam sem definir espaços homogêneos, fazendo com que a cidade perca seus limites e a arquitetura seus símbolos. As infraestruturas urbanas articulam a conexão entre os espaços públicos e privados, onde os fatores de qualificação do ambiente da cidade estão relacionados à interação entre a rede de mobilidade urbana e os edifícios que a permeia. As grandes metrópoles, no geral, apresentam hiatos espaciais em sua configuração, consequência de uma articulação ineficiente de suas infraestruturas, que muitas vezes acabam por desdobrarse em barreiras tanto físicas como sociais.
No edifício. A casa, o prédio, a escola, a estação, o templo, o mercado, a loja, a fábrica, o escritório, em linhas de desenho, em cheios e vazios.
Da mensagem. Os sinais, os anúncios, os cartazes, os luminosos, o desenho das calçadas, as placas das ruas, os números das casas, os letreiros, as vitrines, os semáforos em verde, amarelo e vermelho. E, na paisagem, o desenho em espaços.
MAPA DE SÃO PAULO
Na cidade. Os caminhos, ruas, avenidas, viadutos, túneis, praças, vilas, em contornos de espaços naturais e edificados.
Os objetos compondo, preenchendo ruas, praças, vilas. Os veículos, do automóvel à moto, do ônibus ao caminhão, da bicicleta ao metro. [...]
escala 1 : 500000
A cidade, o edifício, o objeto, a mensagem, a paisagem da imagem e seu desenho.
Elide Mozeglio in: Murillo de Azevedo Marx 3 Nosso chão: so sagrado ao profano.
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A avenida Rebouças estabelece-se como um dos principais eixos de conexão de São Paulo, principalmente com o centro da cidade. Sua essência é predominantemente viária, onde este meio de transporte domina o fluxo da avenida em detrimento da qualidade do espaço público. Desde as primeiras décadas do século XX, a política do governo favoreceu os interesses da indústria automobilística. Uma rápida visita ao local traz rapidamente a reflexão sobre questões relacionadas à dimensão humana no planejamento urbano. O grande tráfego de veículos, assim como as dimensões estreitas das calçadas, a falta de faixas para cruzamentos de pedestres e os lotes voltados para seu interior, atribuem à avenida um caráter inóspito e de não “caminhabilidade”, tema que será retratado mais adiante.
O caráter comercial desta avenida é marcante. Nota-se o abandono de grande parte dos imóveis, onde 22% estão atualmente desocupados. Estes lotes em indefinição, ou que estão à espera do mercado imobiliário, constituemse em interstícios urbanos na malha, estabelecendo uma rede desconexa de vazios urbanos, ou terrenos vagos. Desprendeu-se, então, a partir desta questão a essência desta proposição, fruto dos desdobramentos entre o que fluí e o que se fixa. A cidade conecta-se, desconecta-se e reconecta-se, com inúmeros vínculos, tornando-se cada vez mais individualizada e imediatista. Configura-se, deste modo, uma antítese de coexistência. As estruturas urbanas e o planejamento da cidade influenciam as formas do seu próprio funcionamento e do comportamento humano, ao mesmo tempo em que o indivíduo, ao caminhar, transforma a paisagem, influenciando o significado do espaço. “O caminhar produz lugares“. 4
IMERGIR 1 _ SÃO PAULO
2 _ PINHEIROS
3 _ AVENIDA REBOUÇAS
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“Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la.”
Zygmunt Bauman 5
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MAPA DE SÃO PAULO - TRANSPORTE PÚBLICO
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escala 1 : 10000 av e
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ESTAÇÃO DE METRÔ PONTO DE ÔNIBUS
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28 MAPA DE SÃO PAULO - ZONEAMENTO
escala 1 : 10000 ZEU - ZONA EIXO DE TRANSFORMAÇÃO URBANA ZER - ZONA EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL ZCOR 2 - ZONA DE CENTRALIDADE 2
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PERCORRER 30
A avenida Rebouças sintetiza diversos entraves e contrastes urbanos. Primeiramente, nota-se um grande distanciamento de sua realidade no decorrer dos seus diferentes trechos. Sua extensão da Marginal Pinheiros até a Avenida Faria Lima manteve grande parte de sua configuração original, de larga avenida arborizada com casarões, fluxo menos intenso de veículos motorizados, calçadas de largura apropriadas e uma faixa para bicicletas. Este contraste com a sua continuidade imediata, área de enfoque neste estudo, ressalta a falta de cuidado com a democratização do espaço público, que foi um dos motivadores do caminho desta proposição. A recente mudança do zoneamento da cidade de São Paulo, em 2016, acarretou mudanças em relação ao zoneamento dos lotes lindeiros a avenida. Podemos ressaltar a transformação da ZEU (Zona eixo de estruturação da transformação urbana), antes Zona mista de densidades demográfica e construtiva médias. As principais alterações que interferem no objeto de estudo foram a mudança do CA (Coeficiente de Aproveitamento) máximo da região que passou de 2 para 4 e TO (Taxa de Ocupação) de 0,5 para 0,85.
Desta forma, o novo zoneamento permite, além da ocupação de uma maior parte da área do terreno, uma maior verticalização das edificações. É importante ressaltar que a Avenida possui dois zoneamentos distintos para cada um de seus lados: o lado sentido centro faz divisa com o zoneamento estritamente residencial dos jardins, definindo-se como zona corredor II, com coeficiente de aproveitamento máximo igual a 1, permitindo menor verticalização se comparado ao outro lado. Com a inauguração da estação do metrô Fradique Coutinho e a mudança no zoneamento, a região atraiu em grande escala os investimentos do setor imobiliário que rapidamente lançaram seus empreendimentos. Estes empreendedores não buscam a implementação efetiva de uma política que leve à ocupação racional da terra. Desta forma, tomando como base o levantamento destas novas construções, constata-se que a maioria se trata de edifícios habitacionais de médio e alto padrão. Encontra-se aqui uma discussão importante, ao mesmo tempo em que essa mudança amplia a oferta de moradia e comércio em uma zona dotada de boa infraestrutura urbana, no contexto da cidade em questão, destina-se às classes de alto poder aquisitivo. Além da manutenção dos privilégios habitacionais, esta densificação põe em questão a capacidade do transporte da região.
MAPA - SITUAÇÃO ATUAL
insuficiência de conexões
calçada inclinada
escala 1 : 2000
escassez de áreas verdes
térreo calçadas estreitas
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obstáculos urbanos
faixa elevada
MAPA - PROPOSTO
adição de cruzamento
escala 1 : 2000
ampliação das esquinas
térreo recuo dos muros
ciclovia dupla
estreitamento de via
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térreo
36 escala 1 : 2000
TERRENOS
A partir do estudo da realidade atual da avenida, notou-se um grande número de lotes disponíveis à venda ou aluguel. Assim, foi elaborado um levantamento destes terrenos, delimitando a área de atuação à extensão do trecho da avenida mais próxima da Faria Lima, pela complexidade de conexões existentes neste encontro. Definiu-se, portanto, cinco lotes para atuação projetual, com diferentes áreas e parâmetros de ocupação. É importante ressaltar que, durante o percurso desse trabalho, alguns destes terrenos selecionados já tiveram seus destinos próximos definidos. A cada nova visita de campo, uma nova mudança surgia. A cidade em transformação manifesta-se em diferentes escalas e velocidades, nem sempre acompanhando o tempo de projeto urbano. A primeira etapa prática de projeto se desenvolveu na análise das problemáticas locais. Como apontadas nos mapas antes apresentados, os principais obstáculos urbanos relacionam-se principalmente à questão da mobilidade do pedestre. Podemos apontar, assim, a falta de travessias para conexão entre os dois lados da avenida, assim como as calçadas estreitas e inclinadas (ressaltando a priorização do veículo automotivo) e muitas vezes com
obstáculos no caminho como postes, árvores e lixeiras, e principalmente a falta de cuidado com a qualidade do deslocamento das pessoas que circulam nesta região. A discussão a respeito da dualidade das intervenções pontuais do mercado imobiliário, assim como do projeto urbano e como cada um deles se desdobra na cidade, nos questiona das possíveis consequências das interferências de uma parcela limitada da sociedade no território urbano. Assim, pode-se trazer a discussão da escala humana na cidade e o processo de gentrificação decorrente das atuais mudanças da avenida, e então repensar a individualidade e a forma de viver na cidade contemporânea.
37
térreo
38 escala 1 : 2000 ESTRUTURA VIÁRIA
TRANSPORTE PÚBLICO escala 1 : 2000 térreo PONTO DE ÔNIBUS CORREDOR DE ÔNIBUS
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TOPOGRAFIA escala 1 : 2000
térreo 728 m
40
729 m
730 m
731 m
732 m
“ Somente proposições têm sentido; somente no nexo de uma proposição um nome tem significado’. Tais proposições, atualmente, só podem ser formuladas a partir desse processo: desmonte da realidade dos fatos construídos para recuperar a potência propositiva dos objetos com os quais formulará a sua nova proposição. As proposições são os projetos de arquitetura - cuja fonte é a cidade como um mundo e como a possibilidade de todas as situações - o nome que ganha significado nesse processo é a cidade, em contínua transformação.”
Ângelo Bucci 6
EXPANDIR 42
Com a análise das problemáticas locais, propõe-se um ensaio sobre conexões urbanas em um contexto de barreiras criadas pela própria cidade que se transforma. O processo de crescimento desordenado da cidade, desenhou uma realidade de grandes contrastes sociais, marcados principalmente pela restrição do acesso às infraestruturas urbanas, culturais e sociais que a cidade oferece. A falta de “escala humana” no desenho desta área nos incita a repensar novas possibilidades de desenho urbano que privilegie o espaço público e seu usuário. Assim, a partir desta multifacetada discussão que se deu o desdobramento deste trabalho. Apesar de certo caráter utópico, considerando a desapropriação destes terrenos definidos como “vagos” sem as discussões dos mecanismos legais, o projeto desenvolveu-se com base na regulamentação definida pelo zoneamento, respeitando os parâmetros de ocupação e verticalização do atual plano diretor da cidade de São Paulo.
Propõem-se, juntamente com um redesenho das vias exclusivas de ônibus, ciclofaixas, o alargamento das calçadas, recuo dos muros do lado da zona corredor, faixas de pedestres elevadas, uma conexão entre estes terrenos isolados pela morfologia da cidade contemporânea, explorando diferentes cotas de níveis, a fim de promover uma interligação das atividades urbanas. Tomando como essência a valorização do “caminhar”, o projeto incorporou-se da ideia de que a cidade é artifício humano, ela significa reunião, aglomerado de pessoas 10. Assim, propõe-se uma praça elevada que interliga os cinco edifícios projetados e a cidade, expandindo a área verde e os espaços de convivência existentes. O desenho deste passeio público elevado originouse de uma modulação da malha urbana a fim de promover além de melhores relações visuais entre os edifícios e para o usuário, mas também para a estrutura proposta. Com o estudo das proporções mais adequadas à área, chegou-se às dimensões deste módulo em 6x6 m, adotado tanto na praça quanto na própria organização interna dos edifícios.
escala 1 : 2000
MODULAÇÃO
“ A conclusão que se oferecido um melhor espaço urbano o uso irá aumentar é aparentemente válida para os espaços públicos de grandes cidades, dos espaços urbanos isolados até para um único branco de praça ou cadeira”
Jan Gehl 7
49
escala 1 : 2000
MODULAÇÃO
50 DIAGRAMA DE CONEXÕES
1 _ 2_
3 _ 4_
“ Nos deslocamos há alta eficiência, entretanto são deslocamentos não para constituir encontros mas para otimizar percursos entre pontos. Assim, deslocamento fisico eficiente e segregação constituem-se como partes desdobradas de uma mesma condição.”
Marta Bogea 8
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Os recortes propostos pelo projeto visam promover uma experiência de percurso ao usuário. Estes alinhamentos, ou desalinhamentos, foram delimitados pela volumetria das edificações do entorno, analisando individualmente as situações em que a estrutura se depararia ao seu encontro com a cidade existente. A dimensão da paisagem é a dimensão de como os sentidos humanos percebem o espaço. Desta forma, a paisagem toma distintas escalas e se integra de diferentes modos às escalas do observador segundo o lugar em que este está. Colocar o corpo humano puro em movimento na cidade é uma forma de perceber e, portanto, valorizar a escala humana neste ambiente. Configura-se, deste modo, não apenas como um meio de locomoção, mas uma experiência pessoal e de interligação com o meio absorvido. O caminhar torna-se um ato perceptivo e criativo, que pode ser um meio de configuração da paisagem . A “caminhabilidade” é um conceito que leva em conta, principalmente, a acessibilidade no ambiente urbano e mensura a facilidade que as pessoas têm de se deslocar na cidade.
Para este percurso a pé ganhar mais sentido, devese considerar de extrema importância a interconectividade entre os espaços públicos, os habitantes e a própria cidade. Esta correlação entre as diferentes atividades, ou a falta dela no local de estudo, da cidade foi grande motivadora do desenvolvimento deste projeto. Considera-se, assim, uma interligação dos programas propostos, em que em cada edifício propõe atividades complementares tanto a si mesmas, quanto ao passeio público projetado e à cidade em si. No nível no pedestre, encontram-se programas de maior rotatividade, como a galeria comercial, o mercado público, oficinas, biblioteca, auditório e o centro cultural, todos conectados diretamente ao ponto de ônibus. Propõe-se também habitação, pensada em duas tipologias distintas, e um espaço de trabalho rotativo como complementação deste complexo de atividades, além, claro, do espaço público explodido, que permeia o conjunto em seus diferentes níveis.
mercado coworking
PROGRAMA
galeria comercial habitação
escala 1 : 2000
ponto de ônibus
oficinas
biblioteca auditório
centro cultural
53
vista aérea
54 escala 1 : 2000
ARBORIZAÇÃO - ATUAL
vista aérea
55
escala 1 : 2000
ARBORIZAÇÃO - PROPOSTO
20 piso
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escala 1 : 2000 ESTRUTRA
50 x50 cm
ESTRUTRA
piso
estrutura secundária Com o objetivo de simples montagem, pensou-se na estrutura básica deste passeio em vigas metálicas unidas perpendicularmente, sustentadas por pilares também metálicos que chegam no térreo da rua. Toda a estrutura foi facilmente definida pela modulação anteriormente estabelecida de 6x6 m. Adotou-se também uma segunda camada metálica de vigotas que sustentam o piso, que, por sua vez, foi considerado com dimensões compatíveis à modulação, 50x50 cm. Esta combinação permite a permeabilidade de água das chuvas, interferindo o menos possível na dinâmica natural existente.
vigas metálicas
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20 piso
58 escala 1 : 2000 ACESSOS
O espaço atual da cidade é composto de dois recortes, as horizontalidades e as verticalidades.9 No eixo horizontal, por sua vez, encontram-se os programas, ou infraestruturas, públicas que estão tipicamente ligados a este plano definido pelo chão, enquanto no eixo vertical encontram-se os edifícios tipicamente privados, constituindo-se a partir do elevador e arranha-céu. Estes últimos encontram-se normalmente isolados entre si, onde acumulam-se, mas se aglomeram sem se fundir. Constituem-se, assim, dois planos perpendiculares entre si, onde as “cidades são o ponto de intersecção entre verticalidades e horizontalidades”. 10 Esta proposição procura, de certa forma, interligar estes dois planos que constituem a cidade e ao mesmo tempo questionar a relação entre o público e o privado fortemente delimitada na sociedade contemporânea. Desta forma, limita-se a acessos únicos em cada uma das construções verticais propostas como meio de acessibilidade tanto aos programas privados quanto ao acesso do passeio público e seus desmembramentos projetuais, promovendo maior interação entre as atividades da cidade e seus habitantes, a fim de ressignificar a separação entre interior e exterior.
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escala 1 : 750
TÉRREO
escala 1 : 750
20 PAVIMENTO
escala 1 : 750
100 PAVIMENTO
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O térreo é o principal ponto de interação entre as construções e a escala humana do pedestre. A conectividade do passeio proposto se desdobra no nível do térreo a fim de estabelecer uma integração visual ao conjunto projetado com o auxílio de um desenho de piso e suas formas recortadas 45 graus de forma a convidar o pedestre a imergir nesta proposição. Pensou-se também na qualidade deste percurso, expandindo a calçada existente em duas direções, verticalmente com o passeio elevado, e horizontalmente com o recuo dos muros e diminuição de uma via de veículos automotivos. As áreas públicas desenhadas encontram-se tanto no passeio quanto “explodida” dentro dos edifícios projetados, propondo um percurso público que transita por todo o conjunto em questão. O projeto proposto deve ser entendido no contexto da malha urbana, em que sua forma e composição façam parte da cidade, promovendo grande permeabilidade entre os seus limites e as transições entre “dentro” e “fora”.
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PERSPECTIVA ISOMÉTRICA
“ Considero que o caminho - saudável, por assim dizer - entre uma coisa e outra é trilhado a partir daquelas quatro - ou outras quaisquer, diferentes - imagens formuladas. Somente assim, o desenvolvimento dos projetos é sustentado também no campo da afetividade, que é o campo onde é possível lhes conferir um sentido propriamente humano. Como operações, elas não se fecham. Ao contrário, elas se desdobram para inúmeros projetos possíveis. As operações são práticas, lançadas como formas abertas, à provocação constante do ambiente urbano à imaginação do arquiteto. Elas são a sua maneira de reagir à vivência da ‘cidade’. Como ambiente, o urbano não se delineia. Nele os edifícios se apresentam dissolvidos: eles, todos ao mesmo tempo, já não se bastam, pois o sentido de cada um deles não pode prescindir do conjunto em que se dissolveram.”
Ângelo Bucci 8
EDIFÍCIOS 2_
1_
4_
3_
5_
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1 _ CENTRO DE ARTES E OFICIOS
1_
20 piso praça elevada
10 piso oficinas
térreo oficinas
72
A definição deste dispositivo público decorreu de uma vontade de promover a criatividade, o trabalho manual e atividades de bem-estar, funcionando como um espaço de “descompressão” da vida contemporânea de stress que vivemos na cidade. Assim, propõe-se espaços de oficinas de diversos usos, com a planta flexível que pode adaptarse a diferentes atividades, tanto de produção como de aspectos criativos e de discussão de conflitos que a própria cidade nos traz.
Composto por dois programas complementares, este recorte do projeto propõe uma galeria comercial e unidades habitacionais. Estas foram pensadas em conformações diferentes, uma com 54 m² e a outra com 108 m², a fim de abranger diferentes necessidades. Com o desenho de uma abertura zenital, pretende-se promover além da iluminação e ventilação natural, maior permeabilidade visual entre os andares, compostos tanto por espaços privados (habitação) quanto de acesso público que estabelece um percurso até a extensão do passeio público no último andar.
praça cobertura
2_ COMÉRCIO + HABITAÇÃO
2_
10 piso
30 piso habitação 20 piso praça elevada 10 piso comercial térreo comercial
73
30 piso
74
40 piso
50 piso
60 piso
70 piso 80 piso
escala 1 : 500
90 piso
75
2_ COMÉRCIO + HABITAÇÃO
12 m
escala 1 : 100
9m
9m
2_ COMÉRCIO + HABITAÇÃO
6m
habitação tipo I 54 m2
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habitação tipo II 108 m2
20 piso praça elevada
Este equipamento urbano abriga, de um lado, uma biblioteca aberta ao público, composta por um pequeno café e mesas para estudo. Do outro, projetou-se um auditório ou espaço multiuso, voltando para performances, show, palestras, entre outros. Com o palco localizado ao lado da rua, e com uma permeabilidade visual promovida pelo revestimento em vidro, este espaço de apresentações volta-se, tanto para os usuários internos, como também para os pedestres que caminham na rua e para os que encontram-se na escadaria proposta no passeio elevado, promovendo uma relação simultânea entre a rua, o edifício e o passeio público.
3_ BIBLIOTECA + AUDITÓRIO
3_
10 piso biblioteca
térreo biblioteca auditório
77
4_ MERCADO + COWORKING
100 piso praça cobertura
40 piso coworking 30 piso praça elevada 20 piso praça elevada 10 piso mercado térreo mercado
78
4_
Mercado é reunião de pessoas, é onde o cotidiano se expressa, é a atividade de trocas e encontros. O mercado projetado abre-se para a cidade como uma extensão da rua, convidando o pedestre a explorar o edifício. Ele expande-se ao passeio elevado onde uma pausa para alimentar-se é sempre bem-vinda. Nos andares superiores, encontram-se os espaços de coworking que se mesclam com os espaços públicos expandidos. Integrado com principalmente com as unidades habitacionais, procura promover cada vez um menor deslocamento na cidade nas atividades essenciais de seu habitante, requalificando o tradicional trajeto casa-trabalho.
50 piso
60 piso
4_ MERCADO + COWORKING
50 piso
escala 1 : 500
40 piso
70 piso
80 piso
90 piso
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5 _ CENTRO CULTURAL
5_
20 piso praça elevada
10 piso exposições
térreo exposições
80
Os programas definidos foram projetados de modo a estabelecerem uma interconectividade entre eles. Desta forma, o centro cultural é o que possui maior potencial de reunião de todas as atividades realizadas nos demais equipamentos. Um espaço dedicado à cultura, podendo ser um reflexo da produção e das atividades realizadas no centro de artes e ofícios. A planta propõe espaços de exposições de caráter mais efêmero e experimentais no térreo e uma ampla sala de exposição no primeiro andar.
alimentação
USOS PRAÇA ELEVADA
arquibancada
escala 1 : 2000
arena
20 piso oficina aberta
apresentações
playground
81
82 escala 1 : 750 CORTE AA
83
84 escala 1 : 750 CORTE BB
85
MÓDULOS PASSEIO ELEVADO
O desenho deste percurso público dividiu-se em módulos a fim de qualificar e setorizar os espaços propostos. Definiu-se primeiro a área de conexão, delimitada pelo piso escolhido. Estabelecendo esta zona de passagem, desenhou-se as áreas verdes e as floreiras para criar um corredor de vegetação em toda a sua extensão. Partindo de uma vontade pessoal, as floreiras aspiram promover hortas comunitárias de pequeno porte. Pensou-se também na locação estratégica de espaços de convivência, conforme o contexto externo, que podem ser usos complementares dos programas dos edifícios ou apenas dos usuários deste passeio como passagem. Por fim, os bancos e espreguiçadeiras como áreas de pausas, tão essenciais neste contexto urbano.
1_
2_
4_
5_
3_
6_ 87
MÓDULOS PRAÇA ELEVADA
1 _ FLOREIRA
88
2 _ ESPREGUIÇADEIRA
3 _ USOS MISTOS
MÓDULOS PRAÇA ELEVADA 1 _ PISO
2 _ ÁREA VERDE
3 _ BANCOS
89
96 escala 1 : 500 CORTE CC
97
escala 1 : 500
CORTE DD
DESDOBRAR
Em sua constante mutação, a cidade expõe o modo como grande parte de sua população a assimila, onde a efemeridade das construções está intimamente relacionada com as relações voláteis que atribuímos entre as partes da cidade, assim como às próprias relações interpessoais. As relações sociais, por sua vez, são consolidadas de acordo com que o espaço as estimula. A cidade constitui-se de inúmeros estratos, que se mesclam e se transformam ao longo do tempo. A necessidade de repensar questões do planejamento urbano refletem a ânsia por uma melhor qualidade de vida. As estruturas urbanas influenciam o comportamento humano e as formas de funcionamento da cidade, assim como a sua reinvenção depende inevitavelmente da vontade de atuação humana. A arquitetura possui inúmeras belezas, entre elas a capacidade de estabelecer-se como mecanismo de construção dos espaços representativos da dinâmica sociais e do meio urbano, desdobrando-se em mais do que apenas espaços físicos, mas na construção do comportamento humano.
103
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NOTAS
1 _ Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis 2 _ Gehl, Jan. Cidades para pessoas, pg. 13 3_ São Paulo 450 anos, de vila a metrópole, pg 94 4 _ Careri, Francesco. Walkspaces, pg 51 5 _ Bauman, Zygmunt . Modernidade Líquida, pg 8 6 _ Bucci, Ângelo. São Paulo: Razões de Arquitetura, pg 70 7 _ Gehl, Jan. Cidades para pessoas, pg. 17 8 _ Bogea, Marta. Cidade errante, pg 189 9 _ Santos, Milton. Em Razões de Arquitetura (Ângelo Bucci) pg 41 10 _ Bucci, Ângelo. São Paulo: Razões de Arquitetura, pg 44 11 _ Bucci, Ângelo. São Paulo: Razões de Arquitetura, pg 129
106
_ Leite, Carlos. Cidades Sustentáveis, cidades inteligentes. Carlos Leite, Juliana di Cesare Marques Award. – Porto Alegre: Bookman, 2012. _ Gehl, Jan. Cidades para pessoas/ Jan Gehl; tradução Anita di Marco. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. _ Bogea, Marta. Cidade Errante, arquitetura em movimento. Editora Senac, 2009, São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
_ Koolhaas, Rem. Três textos sobre a cidade.
_ Montaner, Josep Maria. La arquitectura de la vivienda colectiva: políticas y proyectos de la ciudad contempoánea. Editorial Reverté, Barcelona, 2015. _ Peters, Paulhans. Casas en Grupo: Vivienda Plurifamiliares. Editora Gustavo Gili, Barcelona. _ Frugóli, Heitor Júnior. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo, Cortez. Ed. da Universidade de São Paulo, 2000. _ Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução, Plinio Dentzien. Rio de Janeiro, Zahar, 2001. _ Santos, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentosteórico e metodológico da geografia Hucitec. São Paulo 1988. _ Bucci, Ângelo. Razões de arquitetura: da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes. São Paulo. Editora Romano Guerra. _ Careri, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. Editora Gustavo Gili, 2002. _ São Paulo 450 anos: de vila a metrópole. Coordenação BEI, texto e edição Glória Kok. São Paulo: BEI comunicação, 2004. _ http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/
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“ E SE”
A finalização deste trabalho, não desta proposição, pois esta é interminável em suas possibilidades, me fez deparar com inúmeros “e se”s. Um deles, talvez o que mais me fez refletir, veio do professor João Whitaker que me fez a seguinte indagação durante a apresentação deste trabalho em aula: e se considerarmos a cidade retratada não mais como ela se constitui atualmente, com esta lógica viária, mas daqui a alguns anos onde outras formas de locomoção sejam predominantes, qual seria a próxima etapa deste projeto? Esta pergunta me fez retomar muitas decisões tomadas durante o caminho deste trabalho, uma vez que, embora dotado de certo caráter utópico, foi desenvolvido com base na realidade vivenciada na cidade hoje em questão. Os caminhos deste projeto foram trilhados por essa vontade de alcançar essa cidade que acolha mais a escala do pedestre. Talvez se outros “e se”s tivessem se manifestado durante o processo, os desdobramentos deste projeto teriam tomados alguns rumos diferentes, mas suas proposições manteriam a mesma essência. Encerro este trabalho deixando-o em aberto a todos os possíveis “e se”s que eventualmente venham de encontro à ele. Qual seria então a próxima proposição?
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fonte Nexa papel pĂłlen 90g/m2 impressĂŁo 2 press tiragem 7 exemplares sĂŁo paulo junho de 2019
Julia Cirillo Jobim Trabalho final de graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo SÃO PAULO, 2019