JEAN PIERRE DUPUY
CRÍTICA MIMETISMO
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ECONOMOMIA E DESEJO MIMÉTICO, ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE RENÉ GIRARD Trabalho de conclusão da atividade dada pelo professor Jung Mo Sung no segundo semestre 2004 Aluno: Jean Bartoli
Jean-Pierre Dupuy é, de certo modo, um discípulo de René Girard. A expressão “de certo modo” vem do fato de que podemos achar que ser discípulo representa uma atitude de aceitação do pensamento do mestre. Dupuy reconhece a importância fundamental das intuições e do pensamento de Girard. Porém, verdadeiro discípulo, ele as critica e, eventualmente, pode divergir bastante radicalmente de alguma delas. Relataremos como Dupuy traz a questão econômica a tona na reflexão sobre o desejo mimético, um dos temas mais importantes no pensamento de Girard. Usaremos o capítulo quarto, “logique de la liberte et logique de l´amour” do livro “l´enfer des choses”1. A NOÇÃO DE INDIFERENCIAÇÃO Segundo Girard, é o trabalho subterrâneo realizado pelo Evangelho que provoca uma enorme perda de produtividade do sistema vitimário no mundo moderno. Tem muitos “bodes expiatórios”, aliás cada vez mais, no mundo atual, mas é sabido e daí vem toda a diferença em relação à situação anterior ao Evangelho. O que existe no universo que permite, não somente resistir à indiferenciação cada vez mais acentuada e ao aumento do desejo mimético, mas ainda de encontrar na concorrência exacerbada um vigor sempre renovado? É necessário entender melhor esta noção de indiferenciação. Nunca os homens tiverem o olhar tão dirigido uns nos outros. A utopia igualitária parece ser constantemente traída mas porque não percebemos que antes de condenar as desigualdades, ela nega as diferenças e, nesta empreitada, é muito bem sucedida. Assim como na ordem social que ela funda, a diferença só pode
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DUMOUCHEL, Paul et DUPUY, Jean-Pierre, L´enfer des choses, René Girard et la logique de l´économie, Paris, Éditions du Seuil, 1979
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permanecer se ela não sabe de si mesma. Na medida em que ela toma consciência dela mesma, ela sabe que é arbitrária e se auto destrói. Quando a ordem social começa a questionar se, as diferenças tornam-se desigualdades e a utopia igualitária aparece. As desigualdades só podem ser percebidas quando existe comparação e só se compare o que é comensurável. Entendemos a indiferenciação como homogeneidade ou uniformidade: por isso não a reconhecemos. Na realidade, a repetição do “mesmo” pode tomar formas mais sutis. Basta conhece-las para entender que os movimentos de uns sujeitam os movimentos dos outros. A indiferenciação significa também a indiferença em relação aos valores. Todo valor hierarquiza o que é importante e o que é menos importante. O liberalismo proclama que tudo vale tudo e que não se deve mais discutir preferências como não se discute gostos e cores. Em outras palavras, se existirem desigualdades de salários entre profissões, não existem mais entre elas diferenças de natureza e de essência. Sem referências objetivas exteriores para orientar seus olhares e seus atos, e sem obstáculos culturais, legais ou geográficos para separa-los, os homens grudam obstinadamente os passos dos seus semelhantes. A imagem que a sociedade gostaria de dar de si mesma é profundamente falsa. A indiferença em relação aos valores não produz o “pluralismo”, a amável coexistência de desejos e de preferências anedóticas e sempre mudadas. É preciso perceber que, de fato, existem elementos rigidamente articulados uns aos outros, formando um sistema redundante e eminentemente instável. A indiferença não significa a não distinção. Os indivíduos distinguem-se uns dos outros mas se repetem. E eles se repetem na mesma medida em que eles se distinguem. Quando se percebe esta perda de diversidades vivas, se responsabiliza o “poder” ou a “lei”. Não se vê, porém, que a lei tem por vocação de ser diferenciadora e que é precisamente a ausência de lei que favorece a indiferenciação. Quando a lei é obstáculo, interdito, limite, ela constrói barreiras e estas barreiras indicam direções. Algumas liberdades são suprimidas mas outras podem encontrar sentido. O homem moderno esbarra constantemente em obstáculos, e assim imagina a si mesmo como prisioneiro de uma rede invisível de poderes. Ele não entende que ele está sempre esbarrando no seu dublo! 3
Percebendo o que significa a indiferenciação do mundo moderno, pode se reconhecer que ela deixa um campo inteiramente aberto para o desejo mimético. Mas o que permite à modernidade a capacidade de enfrentar esta libertação do desejo e de alimentar-se dela? Talvez a resposta esteja num lugar pouco explorado por Girard embora ele se estenda a todo o espaço social disponível: a economia. DESEJO MIMÉTICO E ECONOMIA O objeto que desencadeia o desejo mimético, em Girard, é sempre único e não divisível. O objeto que o pensamento econômico elabora e que a realidade econômica constrói é de uma natureza sensivelmente diferente. É uma mercadoria , no sentido preciso dado por Marx a esta palavra. Ele só tem valor e existe em relação a outros objetos com os quais ele sempre pode ser trocado. A lógica abstrata da equivalência e do valor de troca parece estar em total oposição com a lógica da mimésis de apropriação. A primeira transforma os objetos únicos, “que não têm preço”, da segunda em mercadorias comensuráveis com qualquer valor de troca. No magma o mais indiferenciado, a lógica de troca é capaz de retalhar o objeto que nada, para determinada pessoa, teria podido substituir. A economia é, de certo, a instituição da guerra de todos contra todos, e, talvez, a mais violenta; contudo, também uma espécie de comporta pela qual o desejo mimético transbordante jorra, evitando ao reservatório que contém os enfrentamentos entre os homens de explodir irremediavelmente. No universo da mercadoria, a imitação do desejo do outro não precipita automaticamente o sujeito de cabeça no obstáculo constituído pelo seu modelo. O conflito aberto pode ser evitado porque basta que o sujeito consiga adquirir o equivalente do objeto possuído pelo outro para que ele não sinta os tormentos da inveja. Já que todas as mercadorias são comensuráveis, a rivalidade mimética pode reduzir-se a luta de cada um para adquirir sua parte de um bolo que se chama de riqueza nacional, mingau formado pela mescla indistinta de todos os valores de troca. O modelo sendo menos obstáculo, ele é menos modelo e o conflito é um simples conflito “econômico”, relativo à partilha dos mesmos recursos. O principal obstáculo para cada um é o dinheiro: é um
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obstáculo abstrato, fluido e móvel que se espera sempre fazer recuar. O obstáculo não tem vida: é um interface. Embora no domínio do ter, a economia é paradoxalmente o lugar no qual a mimésis de apropriação toma as características de uma mimésis de representação. É porque os homens imitam comportamentos, modos de parecer, que eles adquirem os bens econômicos necessários para construir a representação que eles querem encenar para seus semelhantes. A luta dos homens é assimilável a uma competição para os melhores lugares sobre uma escala vertical única, que mede todos os seres, todas as coisas e todos os lugares pelo critério do valor de troca. Os concorrentes não se desafiam no face a face; seus movimentos respetivos se camuflam e se revelam nos movimentos do interface. É o aumento do preço dos terrenos que expulsa o pobre do centro da cidade, e não o ser humano que toma seu lugar, por exemplo. As relações interpessoais se tornam uma má explicação para dar conta da violência do mundo, quando comparadas às “forças objetivas” geradas por aparelhos que ninguém controla. Embora de uma natureza diferente da rivalidade mimética, a violência da interface não é menos trágica. Se os homens não estão diretamente encadeados uns aos outros, eles são presos a estruturas que parecem exteriores, embora resultem de suas ações por uma estranha colaboração negativa, imagem caricatural e simétrica do consenso. Se os indivíduos não abdicam sua autonomia a favor de um dublo, eles se submetem, alimentandoos, a mecanismos abstrato e anônimos, imagem perversa de uma autonomia desumana. A lógica da interface representa, no fundo, a inscrição na realidade do que era, no início, uma estratégia de dissimulação. Finalmente, a mentira torna-se realidade, a indiferença simulada torna-se obstáculo material e institucional. Reificação dos relacionamentos interpessoais, a interface transmite mesmo os menores movimentos e, assim como o desejo mimético, do qual ele é uma cristalização, ele prende cada vez mais rigidamente os homens aos seus semelhantes. É esta gestão da interface que, seguindo Ivan Illich, Dupuy chama de heteronomia. O domínio dos profissionais, dos gestores, dos tecnocratas e dos aparelhos pode ser simplesmente a somatória das nossas demissões pessoais. 5
A heteronomia alimenta-se das autonomias abdicadas. Os novos economistas clamam por uma sociedade que seria liberada de toda coerção e canga institucional, onde os seres humanos só comunicariam na base da troca mercantil. Eles não concebem que este tipo de comportamentos “livres”, no sentido que eles dão a esta palavra, mas exclusivamente orientados uns na direção dos outros, pode gerar por sinergia as estruturas as mais totalitárias que possam existir. O poder da heteronomia “liberal” é um poder sem contrapeso. Os gestores das grandes instituições heterônomas se escondem atrás do biombo das “leis naturais” para desqualificar qualquer tipo de crítica que possa ser dirigido a eles. Na realidade, a “lei natural” dos sistemas heterônomos é a dos processos incapazes de limitar-se a si mesmos. CONCLUINDO Essa leitura de Dupuy me ajudou na tentativa de entender a articulação entre a dimensão individual e estrutural quando se tenta entender a ação humana que podemos escolher e a incapacidade de modificar situações das quais parecemos somente poder ser vítimas. Esta foi a utilidade deste trabalho que, evidentemente, deve ser aprofundado. Dupuy me parece um autor extremamente importante. A leitura dele deve ser aprofundada! BIBLIOGRAFIA DUMOUCHEL, Paul et DUPUY, Jean-Pierre, L´enfer des choses, René Girard et la logique de l´économie, Paris, Éditions du Seuil, 1979
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