LEVINAS
PENSAMENTO
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PENSAMENTO DE EMMANUEL LEVINAS “A consciência moral como consciência primeira, uma interpretação do pensamento de Emmanuel Levinas”, Luiz Carlos Susin, OFM Cap. in “Consciência Moral emergente” Editora Santuário, col. Alfonsianum, Instituto de Teologia Moral, 1989. A GLÓRIA E A MISÉRIA DA CONSCIÊNCIA Por que há consciência ? A consciência é, na modernidade, a glória e a miséria do homem, seu despertador à vida humana e seu tribunal, sua vitória e sua dor mais profunda. A tentativa de Levinas é ir além da modernidade, indo para um mundo mais primordial que desperta a consciência desde a alteridade para a alteridade, desfazendo a cumplicidade de consciência e subjetividade. O método está sendo mais influenciado pela análise fenomenológica, cominhando pelo fio condutor do sentido, privilegiando a intuição, a análise da linguagem, com o cuidado de não objetivar mas de convocar a uma experiência. No princípio, não está a consciência, mas a “inocência”. A intencionalidade primeira, relação primeira à realidade, não é uma “consciência de...” mas um simples “viver de...”. Da relação fruitiva com os elementos como “frutos da terra” jorra a interioridade, esta espécie de “extraterritorialidade” interior ao corpo, infinito interior sobre o qual paira a subjetividade. A “esfera primordial” não é a consciência mas a corporeidade localizada e sensibilizada. A sensibilidade está antes da consciência e acolhe inocentemente como um con-sentimento uma vivência sensível e inocente de tudo o que a afeta. É a plataforma superando o campo iluminado da racionalidade. A rebeldia, a insubmissão e a resistência à luz da racionalidade revelam a anterioridade da sensibilidade que proporciona a primeira experiência da identidade : o contentamento e a felicidade. Ela será também a possibilidade da última e plena transcendência para além da consciência, na inocência última do sacrifício de si, que comporta inclusive sacrifício da consciência. A primeira intencionalidade está não para o saber intelectual, mas para o saber como sabor. Consciência “econômica” e apropriação ingênua. A vontade que era pura pulsão em direção aos elementos como boca em direção ao fruto, torna-se vontade de assegurar, vontade de manu-tenção, de segurar com a mão. Se a boca simboliza o saber da inocência, a mão simboliza um saber econômico. Consciência e racionalidade econômica : a tomada de pro-vidência, com o adiamento da consumação para se assegurar o amanhã, inaugura o pro-jeto e, com o projeto, o tempo e a consciência. A primeira consciência é saber em projeção, acompanhando o surgimento do tempo da história. É essencialmente econômica, organizadora de um mundo num tempo. A consciência é luz do projeto, tensão entre o futuro onde haverá a concretização e a consumação, que a consciência antecipa em sua luz para ser guia do presente onde há a ação, o trabalho, em vista da obra projetada.
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A consciência científica e a consciência histórica são recursos cada vez mais complexos. Consciência e descendência : ter um lar é um espaço interior no mundo, um centro organizador do mundo como mundo econômico sem perder-se no mundo. O lar é a orientação da economia. A auto-asseguração econômica está ligada à auto-asseguração na intimidade. A consciência apoiada e estimulada por esta condição familiar e de descendência pode iluminar economicamente para a extensão da interioridade e da subjetividade além da morte. Consciência para a ação e a propriedade : a consciência na pro-tensão do projeto econômico, transforma o corpo de hipóstase fruitiva e acolhedora em hipóstase ativa, atuante, “corpo adverbial”, modalização da ação, do verbo. Finalmente, a glória da ação e da transformação é a “habitação”. Habitar, de habere, é ter. Afirmar-se ativamente como ser é possível sobre o ter, sobre a manipulação até a apropriação. O fascínio da riqueza, da posse, da propriedade, éo fascínio de ser, vontade e volúpia de ser transformado em volúpia de ter. A consciência que surge economicamente está assentada sobre a inocência ou ingenuidade da apropriação. Se outra luz não surgir, esta consciência persevera como companheira da apropriação sem perguntas e sem justificativas que ultrapassem o projeto econômico. Pode ser ainda pré-moral mas pode tornar-se imoral e assassina. A economia pode perseverar como “egonomia”. Consciência crítica e crítica ingênua. A consciência crítica que aclara, separa, julga, está ligada à intelecção que se ordena à tematização, à ciência e à teoria. A teoria comporta uma suspensão e um distanciamento do ato, assim como o ato é um distanciamento do puro gozo dos elementos. A teoria é atitude de quem desconfia de si. Existem dois tipos de desconfiança : 1. a respeito da imoralidade, da indignidade, do erro “moral” dos atos o que é possível pela descoberta da própria posição e apropriação diante de outro a quem se pode violentar. A intelecção socorre então como justificação. 2. em relação aos próprios atos como falhos, insuficientes, como descoberta da própria posição através da experiência de fracassoo do ato e da apropriação. A teoria surge então como salto em busca de auto-asseguração, aperfeiçoamento, objetividade, certeza, evidência, iluminação dos atos. O conhecimento visa, então, compreensão de si e do mundo em torno. A teoria é ontologia, desconhecendo a metafísica e a moral. Esta segunda opção foi a do Ocidente na crise e encruzilhada do rompimento da ingenuidade em direção à consciência crítica. Saber crítico : secularização de uma idolatria : a consciência crítica é teórica : pelo olho abrangente, compreensivo, ela distingue, separa, julga, refere tudo a si-mesma, iguala a realidade a si-mesma, digere-a. O ser agora é transformado em saber. A luta prometéica da consciência : o olho é um contato dominador, panorâmico, “princípio de um império”, compressor e opressor. O olho não idolátrico precisa de recursos secularizados para batalhar e para submeter :
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1. a luz : como o afeto familiar, é o paradoxo de uma presença ausente, condição elementar primordial que pervado todos intervalos com tal pudor e e discreção a ponto de estar vazia de si, criando espaços iluminados. O olho não vê a luz, mas os espaços na luz. 2. os horizontes : são as perspectivas, os panos de fundo, os contornos do mundo iluminado que ao mesmo tempo delimitam e possibilitam a visão dos objetos. A realidade objetiva, científica, histórica é afinal iluminada, modalizada e conservada à medida da consciência, do seu ponto de vista e da coloração do raio de sua intencionalidade. A realidade entrega à consciência torna-se dado ; compreender é fruto da manipulação da visão. A intencionalidade é constitutiva. Um instrumento necessário para o império do saber é a representação que é nada em si-mesma (como o dinheiro) mas é capaz de conter tudo o que é. Saber e riqueza se confundem. A consciência intencional - crítica, teórica - pode ser uma consciência econômica, capitalista, que busca sua libertação e identidade às expensas de toda alteridade. A ânsia de identidade na consciência crítica : gozar, habitar, ter, saber e poder: esses são os verbos da ontologia no círculo da identidade. São relações “analógicas” de transcendência que não transcendem os tentáculos da identificação. A esquizofrenia interna da consciência crítica e autocrítica : a consciência crítica surge na desconfiança de si, é também desconfiança da própria consciência, do próprio saber e não só da própria prática. Além de doadora de sentido - da luz -, ela se torna também um dado ao sentido - à luz. A condição desta novidade é a reflexão da consciência sobre si e não só sobre atos e fatos. A consciência pode se ver como objeto de si. A consciência é ingênua quando não se dá conta de suas intencionalidades nem sempre explícitas e claras, anteriores à consciência crítica. A tentação do endeusamento pela consciência : Eu como origem e princípio é também universal, subjetividade que contém todo o real. É o único indubitável, único “certo” porque no silêncio do mundo e da alteridade responde a si-mesmo. O eu puro é ideal em duplo sentido (interioridade e finalidade) mas pretende ser real também em duplo sentido : único e tudo. O velamento da alteridade na consciência da identidade. A consciência que se torna instrumento privilegiado da identidade lança mão de recursos para conservar a identidade do outro no velamento. O outro não é encontrado na sinceridade da “face” mas aproveitado lateralmente, pela coincidência com o próprio interesse. O escândalo é o instrumento de alta compressão ideológica para exorcizar a alteridade do outro quando ameaça irromper e romper o mundo tranquilo da identidade. Estranhamente, onde não há consciência da alteridade não há também consciência da morte. A aparição de uma alteridade na consciência seria o equivalente à aparição de uma morte para a identidade. É uma aliada da alteridade. A opressãoe a solidão da consciência. A dificuldade de nascer e se manter : é uma obscuridade na gnose da sensibilidade. A imersão da consciência crítica atá a loucura : 4
1. A história consciência histórica, se não for ultrapassada por uma consciência que esteja sobre a história, capaz de julgar a história, termina por recuperar - indiretamente para dar razão - os vencedores da história. 2. As ciências : a possibilidade de reduzir a consciência da primeira à terceira pessoa : um caso. A própria consciência pode se ver através da ciência reduzida a um caso. 3. A linguagem, o tempo : o desenrolar-se da ontologia até a claustração de toda palavra na estrutura linguística do “dizer” absorvido num “dito” acabado retira da consciência toda originalidade para interpretar a palavra como recitação. Loucura, neste caso, é total lucidez : a consciência está sobrecarregada de ser, totalmente presente e desperta, vigiando sem parar, mas vigiando nenhum objeto. A consciência entre ser e evadir-se : A identidade não é uma inofensiva relação consigo mas o acorrentamento a si, é necessidade de se ocupar de si. Algumas evasões são possíveis como a des-solidificação do prazer que liquidifica a solidez da hipóstase endurecida no presente. A última evasão possível é a suspendão da consciência no sono. Mas o sono, quando não é restauração do justo que trabalhou, termina no meio da tempestade de Jonas, e no dever de se reassumir no ponto mesmo em que se suspendeu a luta.
A BONDADE E A RESPONSABILIDADE DA CONSCIÊNCIA O outro, um novo ponto de partida. O pensamento a respeito do outro só pode ser um pensamento provocado pelo outro e que sai de si como relação ao outro real. Por isso, “é necessário pensar de modo radical: o outro é sempre o pobre, a pobreza se define enquanto outro.” 1. O outro é hospitalidade : está no mundo como um forasteiro na gratuidade injustificável e na fragilidade exposta. É sempre uma apresentação à porta e à bondade. 2. O outro é um “Olhar” : o outro olha de face porque em sua pobreza é puro Olhar. É epifania de quem pode se apresentar diretamente. Na sua nudez é Olhar com luz própria que não depende da luz da consciência intencional e da interpretação de seu sentido. 3. O outro é palavra : vem e altera a imanência, rompenda sem possibilidade de cicatrização mas sem violência porque brilha como palavra : olhar, face e palavra coincidem. 4. O outro é mestre e mandamento : Olhar e palavra viva, o outro é envio sincero - mandamento - ensinando, fazendo sinal da sua transcendência que porta em si. 5. O outro é “desigual” : todo outro é absolutamente outro, mantendo-se na sua absoluta diferença sem caber na dialética totalizante e intimista do “tu” . É ao invés um “Vós” no qual se saúda a excelência. Não é também um “nós” onde se acomunaria apressadamente num todo de identidade. 6. O outro vem de além : o outro inaugura outro tempo.
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7. O outro traz a idéia de Deus : é o “outro homem” que porta à interioridade - à subjetividade e à identidade - a idéia do infinito e de Deus e não uma mítica idéia inata. 8. O outro e o Bem : já para Santo Tomás, o bem é valor apetecível nem ainda ser e nem não ser. O ser se orienta para o bem embora, em última análise, o bem seja o próprio ser. O bem é a palavra e sarça ardente que não refere a consciência a si mas ao outro, ao oprimido que suplica libertação. Consciência moral como consciência primeira. O trauma que provém da visita do outro já vem do modo mesmo da novidade da alteridade, ou seja, é um trauma “moral”, puramente moral, completamente ao inverso da violência e da guerra onde há vencedor e vencido no círculo da identidade. O outro : crítica da consciência. A alteridade do outro rompe todo sistema armado, toda ideologia ou ilusão, até o egocentrismo mais refinado, camuflado na coincidência com a razão. Desveste assim a consciência convidando-a à retidão nua, de face e desarmada. O questionamento aqui é questionamento moral : a questão é que porta a consciência para além dela mesma. A vergonha é tentativa de escondimento e encolhimento diante do outro. É vergonha moral : contraste com o outro, contraste entre a ingenuidade e a potência da soberania, inclusive crítica e a transparência da humildade, súplica de justiça e oferta de paz. O sujeito da consciência envergonhada é o outro. É vergonha como categoria revolucionária. É sintoma da presença da alteridade. A consciência de si se surpreende inevitavelmente no seio de uma consciência moral. Esta não se ajunta àquela, mas é seu modo elementar. A consciência moral é uma “re-posição” da consciência no seu “justo” lugar. A consciência moral não é identificação en fundamentação, é uma relação criatural entre separados e ab-solutos : o ab-soluto da interioridade e o ab-soluto da alteridade. O desejo do outro antes da consciência : na origem da relação ao outro não está a consciência, nem moral. Está a inocência e a inquietude exilante do desejo do outro, mais sensibilidade e vulnerabilidade do que consciência. Este é o momento positivo da ruptura e da conversão ao outro, que não deixa o questionamento se encerrar negativamente no círculo da identidade. O sujeito do desejo é o outro. Mesmo na autosatisfação da riqueza e do saber, o desejo é promessa e segredo diante do qual a abundância é miséria e o saber é ignorância. O outro nãopromete satisfação, mas expõese, toca e fala como promessa de bondade. Ser bom, maravilha que transcende ser rico, ser culto, ser feliz. É aspiração pura e gratuita. A bondade não se dá à consciência se não como “dever” para com o outro. A palavra antes da consciência. O outro cria a possibilidade da linguagem radical : ao desejo se junta o discurso como per-curso sincero, em primeira pessoa, como relação entre absolutos, relação ao desigual, ao desconhecido, que só poderá ser conhecido no dia-logo. Aí a palavra cria a consciência. A palavra que visita não se dá à visão.É o ouvido, o orgão ou a categoria que acolhe a alteridade. O ouvido é um sentido ao inverso que acaba captando
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mais do que pode controlar. Seu sujeito é exterior, o ouvido depende de fora, do outro. A surpresa e o trauma põem na sinceridade da resposta : a palavra-resposta ocorre antes da tomada de distância da consciência e acaba por dizer mais do que sabe. A consciência será a articulação da inteligibilidade “a posteriori’, no percurso de transcendência da obediência que começa na palavra sincera, reta e sem dobras de alguma consciência a controlar por detrás. Consciência como diaconia : Consciência como auto-apresentação : a consciência que desperta no seio da palavra “eis-me” significa não apenas o contrário do “penso, logo sou” mas mais radicalmente ainda, é a inversão no “sou chamado, logo sou” . É a consciência que se dá conta de si por ter surgido como gratuidade de uma vocação, marcada como envio ao ser, missão a cumprir. Diaconia e pluralidade : consciência como eqüidade e pacificação. O outro são muitos. A multiplicidade aberta é inerente ao bem. Onde há muitos, a justiça persevera como justiça ao se tornar equidade, ou seja medida e igualdade. A consciência torna-se luz da equidade, da paz entre muitos. A razão da razão : a razão - a clareza da racionalidade que a razão aspira tem sua “razão de ser” na verdade que é sempre exterior à razão. A verdade intelectual, a inteligibilidade e objetividade do mundo, acontece nas relações entre interlocutores, onde os “dados” são “dons”. É na interrogação e no discurso ao outro que toda pergunta é sensata e todo desvelamento tem um sentido, uma orientação na relação. O mundo se conserva na objetividade com dom que se recebe e que se doa. A luz da razão é lucidez iluminada pela luz que brilha na palavra do outro. O fundamento da razão como da verdade é a bondade. Razão, liberdade e bondade são unção da bondade. A bondade é ainvestitura do ser que, sem bondade, se dobraria em egoísmo : “a bondade consiste em se pôr no ser de tal modo que o outro conte com isso mais do que eu”. A consciência é a luz que pervade a vontade, a liberdade e a razão iluminando-as e sustentando-as para o serviço, protegendo-as de si mesmas.
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