PEYRELEVADE
CAPITALISME TOTAL
2 Depois da queda do muro de Berlim e a falência do comunismo, o capitalismo se impôs como 1 modelo único de organização da vida econômica mundial . É portanto importante considerar se as leis próprias da economia de mercado são compatíveis e coerentes com o interesse geral da sociedade. Peyrelevade pergunta: “Pode se atingir uma certa forma de bem estar coletivo através o funcionamento natural do aparelho capitalista, a afirmação de suas regras de governança corporativa e o comportamento de seus atores? Ou, pelo contrário, a divergência dos objetivos, para não dizer dos destinos, entre a parte mais evoluída do aparelho produtivo e o conjunto da coletividade cidadã chama em reação por uma regulação forte, externa, soberana da economia pela política? Ou ainda, a noção de desenvolvimento sustentável, quer dizer respeitoso para o meio-ambiente, os recursos naturais e a eqüidade social, pode ser internalizada sem constrangimento por uma esfera produtiva que acharia seu interesse, ou deve ser imposta porque seria antinômica? E ele responde A resposta é, infelizmente, sem ambigüidade. Entramos na era de um capitalismo triunfante, porém dissociado. Os dirigentes de empresas não são mais do que servidores do enriquecimento dos 2 acionistas: nenhuma outra preocupação pode inspirar sua ação.” Essas perguntas e essa resposta podem dar uma trilha a ser seguida para o inicio de uma reflexão sobre a nossa sociedade e sobre o papel dos executivos nela. O capitalismo moderno é organizado como uma gigantesca sociedade anônima, uma sociedade de proprietários igualmente anônimos. Na base, trezentos milhões de acionistas concentrados a 90% em América do Norte, na Europa Ocidental e no Japão controlam a quase totalidade da capitalização das bolsas mundiais. Freqüentemente de idade madura, de formação superior e com um nível de renda bastante elevado, eles confiam a metade dos seus rendimentos financeiros para algumas dezenas de milhares de gestores de fundos cujo único objetivo, no quadro da globalização, é enriquecer seus mandantes. As técnicas para alcançar esse objetivo são similares em todas as partes do mundo globalizado e se apóiam em regras cada vez mais rígidas de governança corporativa. A ponta visível do iceberg é constituída por alguns milhares de empresas cotadas em bolsas. A humanidade luta desde as origens contra a escassez. O desejo de enriquecimento parece como constitutivo da vontade de empreender e de prosperar. Mas é tênue a fronteira que separa a vontade de empreender da cupidez. Se essa triunfar, o crescimento se desvia ao ponto de não poder mais responder às necessidades do conjunto da sociedade. Animados por um jogo cada vez mais especulativo, os mercados financeiros conhecem uma volatilidade cada vez maior. Esquecendo a lenta evolução dos movimentos estruturais, todos estão centrados no momento presente. Normas de rentabilidade excessiva fazem com que os empreendedores sejam os primeiros agentes de uma globalização sem fronteiras e implantam suas atividades onde conseguem encontrar uma mão de obra mais barata. Ao mesmo, existe um sub-investimento inimigo do pleno emprego e uma vaga de concentrações que ataca praticamente todos os ramos da economia. Esta formidável mecânica fabrica crescimento, o que a justifica para os governantes e fundamenta sua perenidade. Ela tem, porém, terríveis efeitos externos. Nenhum contra-poder eficaz permite lutar contra a poluição, o esgotamento dos recursos naturais, a extensão do efeito estufa ou as desigualdades do desenvolvimento. Além da fronteira que separa os países ricos dos países pobres, existe agora uma separação entre os acionistas e os outros mortais! Ao mesmo tempo que nunca tivemos tanta necessidade de regulações para assegurar o equilíbrio político, ético, ecológico do desenvolvimento do planeta, nunca estivemos tão longe dele; nunca a realidade se distanciou tão rapidamente das expectativas da sociedade. Existem três razões para isso, e com uma terrível convergência: Os poderes nacionais não têm nem a vontade nem os meios de questionar esse estado de coisas. Pobre é o pensamento que constituiria o fundamento de um capitalismo integrado ou de um anti-liberalismo razoável. A revolta alter-mundialista é justa na suas intenções e inexistente na suas proposições. Somente o retorno do político permitiria redescobrir os caminhos de um desenvolvimento mais equilibrado.
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PEYRELEVADE, Jean, Le capitalisme total,Paris, La Republique des idées, Seuil, 2005. Seguiremos a linha de pensamento desse autor. 2 Ibid. Introdução
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1. FIM DO CAPITALISMO RENANO A economia de mercado pode ser descrita como uma livre confrontação entre o oferta e a procura, cujo ajuste se faz pelo mecanismo de preço. No caso do capitalismo moderno, esse modo de funcionamento estende-se além da esfera da economia dita real: é igualmente num mercado, mundialmente integrado, que as empresas encontram diretamente ou através de instituições de gestores de ativos (cujo ofício é gerir as poupanças dos pequenos poupadores) o essencial dos fundos ou de capitais de empréstimo dos quais precisam. Nesse sentido, o capitalismo de hoje tornou-se um capitalismo financeiro. Esse capitalismo financeiro tem três traços distintivos: O poupador, fornecedor de capitais, está em contato direto com a empresa que procura esses capitais. Os gestores de ativos, contrariamente aos banqueiros tradicionais, não exercem uma verdadeira função de intermediação. Eles não assumem riscos para eles mesmos; eles gerem por conta dos seus mandantes sobre os quais eles repercutem ganhos e perdas. Essa individualização implica diretamente automaticamente a busca de benefícios os mais elevados possíveis. O princípio de governança corporativa visa a fazer respeitar em todo momento e para todos o princípio de criação de valor ao acionista. Esse critério simples, radical, de fácil medição, não deixa lugar para nenhuma outra consideração. Por outro lado, o fornecedor de capitais entende que sua poupança deve permanecer líquida para poder ser mobilizada a qualquer momento. Cada ativo, tomado individualmente, deve permanecer perfeitamente líquido para cada um dos seus sucessivos proprietários. Para isso, existe uma única solução: a cotação. Isso gera um paradoxo: a ação, que materializa um compromisso com o capital de uma empresa, portanto de duração indefinido (diferente de um empréstimo reembolsável no momento de seu vencimento), uma vez cotada oferece uma liquidez imediata. Assim o instrumento de financiamento de mais longo prazo oferece uma liquidez perfeita, muito superior à dos ativos reais(terrenos, prédios, fábricas, máquinas, patentes...) dos quais ele representa uma participação. As ações giram muito porque o prazo de permanência delas nas mãos de um dado investidor é mais ou menos de um ano. É a troca que fornece a liquidez e não a intermediação. Esse capitalismo financeiro não se contenta de existir na vida real: é preciso estabelecer uma teoria de sua própria existência, como fundamento de sua perenidade e de sua superioridade moral. 4
2. TEORIA E PRÁTICA DO PODER ACIONÁRIO O sistema capitalista, a economia mundial são efetivamente submetidas ao desejo de enriquecimento dos acionistas e somente a ele. Como explicar que a harmonia de interesses dos dirigentes de empresas e dos seus acionistas, longamente admitida como evidente, suscite atualmente tantas dúvidas? Por que, depois de dois séculos de capitalismo, sentir tanta necessidade de codificar e vigiar o comportamento dos dirigentes de empresas? Vários acontecimentos mostraram, a partir de mudanças bruscas no seu comando, que várias companhias não tinham sido administradas de modo a maximizar o valor no interesse dos acionistas. Falências de grandes empresas mostraram também que os conselhos não tinham visto nada da conduta condenável dos presidentes. A crença numa harmonia preestabelecida entre os fornecedores de capitais da sociedades cotadas e seus gestores acabou. Mora foi a utopia que fazia da empresa um conjunto homogêneo, onde existia uma maravilhosa convergência de interesses entre os dirigentes, os acionistas, os assalariados, os fornecedores, os clientes e os credores. Ficou irreal a afirmação segundo a qual o papel natural e necessário do management era de maximizar a seqüência atualizada dos benefícios futuros da empresa, o que equivale, na hipótese da eficiência dos mercados, à maximização do seu valor na bolsa, quer dizer do patrimônio dos acionistas. A relação entre proprietário e gestor é largamente fundada, por necessidade, numa delegação do poder e,principalmente, de decidir face a uma situação imprevista. A autonomia do executivo é maior pelo fato que ele tem conhecimento do mercado, do ambiente econômico, dos investimentos possíveis e dos riscos associados: é o seu talento próprio que ele coloca a serviço dos acionistas que não têm a mesma capacidade de gestão direta. O conflito pode nascer se ele exercita essa autonomia no seu interesse próprio mais do que para o proveito da coletividade dos acionistas. A primeira vaga de implementação das técnicas de governança corporativa teve como primeira finalidade de fortalecer o laço de dependência entre os interesses dos acionistas e dos gestores. 3 4
Ibid. cap. 1 Ibid. cap. 2
4 Aconteceram as grandes falências (Enron, Tyco, Worldcom) nos Estados Unidos. Se viu que a riqueza dos altos executivos estava estritamente ligada aos resultados da empresa, e que a tentação era grande de manipular vantajosamente esses resultados. A lei Sarbanes-Oaxley veio para reforçar os meios de obrigar os gestores a respeitar as regras de transparência e de lealdade: eles estão agora debaixo da tutela explícita e codificada dos seus acionistas. Portanto, o conceito de interesse social vai sempre ficar subordinado à necessidade de maximizar o valor da empresa para seus acionistas. A classe capitalista no sentido tradicional e marxista da palavra, era composta de um núcleo de empresários proprietários que exploravam diretamente a força de trabalho dos proletários e tiravam seu beneficio da mais-valia conquistada sobre eles. Hoje, as funções de acionistas e de direção de empresa são separadas. O capitalismo está em todo lugar, mas está dissociado. O capitalista não é mais identificável diretamente, o que esvazia a ilusão revolucionária. Romper com o capitalismo significa romper com quem? Acabar com a ditadura do mercado fluída, mundial, anônima, significa atacar quais instituições?. O combate se tornou impossível pela falta de combatentes. O manager, que comanda o trabalho dos assalariados, é ele mesmo um assalariado: o monarca é prisioneiro da própria corte. É o capataz, o servo da coletividade dos acionistas que ele tem o dever de enriquecer. 5
3. QUEM SÃO OS ACIONISTAS? No fim do ano 2003, a capitalização em bolsa era de 31 trilhões de dólares, representando 86% do PIB anual do planeta que era de 36 trilhões de dólares. O valor do conjunto dos bens de capital necessário para a produção planetária representa o triplo dessa produção, ao redor de 100 trilhões de dólares. Ao mesmo tempo, o portfolio em bolsa dos consumidores representa um parte minoritária do seu patrimônio, provavelmente o terço. Isso quer dizer que os indivíduos acionistas possuem uma proporção considerável, superior aos três quartos, do patrimônio comerciável da humanidade, definido como o conjunto dos ativos de todas as naturezas (imóveis, casas, apartamentos, valores mobiliários, liquidez, obras de arte) possuídos por proprietários privados e sendo objetos de trocas. A riqueza em bolsa está concentrada num pequeno número de países desenvolvidos. 5% da população mundial, metade nos Estados Unidos, têm em suas mãos a quase totalidade da riqueza bolseira do mundo. Mesmo na tribo dos acionistas, a riqueza está profundamente concentrada: dez a doze milhões de indivíduos (dois por mil da população mundial) controlam a metade da capitalização bolseira do planeta. O poder dos acionistas está, enquanto tal, invulnerável. Como ataca-lo? Derrubar o sistema num país não adianta porque ele é mundial. Os acionistas escapam a qualquer rótulo: são de nacionalidade, de religião, de convicções políticas e de costumes diferentes. Sua tribo, sem cacique nem pajé, não é organizada em instituição. Uma única coisa os aproxima: o desejo de enriquecer. Mercado e enriquecimento vão juntos! O envelhecimento demográfico acrescenta um elemento: frequentemente, os acionistas investem pensando no futuro e na aposentadoria. Nenhum político vai contestar que enriquecerse para preservar o futuro é ruim. E o eleitorado envelhece junto com os indivíduos: os mais de cinqüenta anos estão mais assíduos do que os outros nas eleições nos países mais desenvolvidos. Portanto é difícil esperar votos muito revolucionários no futuro. Em termos de aposentadoria, como a população envelhece, o regime de repartição é substituído cada vez mais por um regime de capitalização individual e o espírito de solidariedade recua em proveito do individualismo. O capitalismo moderno virou assim uma gigantesca sociedade anônima e uma grande pirâmide de estruturas igualmente anônimas. Algumas dezenas de milhares de gestores de ativos, cuja profissão consiste em fazer prosperar as economias que lhes são confiadas, impõem sua visão aos dirigentes de alguns milhares de empresas cotadas; estes se tornam os servidores de uma máquina irresistível e são censurados quando rebeldes. Quando um diretor de empresa resolve comprar uma empresa, introduzir mudanças drásticas, ele não o faz em função do interesse de longo prazo da empresa mas em submissão ao critério fundamental de valor agregado ao acionista. O poder coletivo dos gestores de fundos é sem discussão porque eles detêm as chaves do nosso futuro como aposentados e os governos e outras forças sociais não podem nada contra esse fato. Nossa sorte presente está entre as mãos dos gestores de fundo que, em teoria, estão preocupados com nosso futuro. A tradução do poder dos aposentados dos países ricos é extremamente forte sobre as decisões econômicas que serão tomadas e vão afetar o mundo inteiro. O capitalismo é aceito por todos porque todos querem aproveitar dele!
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Ibid. cap. 3
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4. MERCADOS E CRESCIMENTO No seu desejo organizado e sistemático de enriquecimento, o capitalismo atual fabrica na escala mundial um crescimento muito particular. Os contra-poderes estão ausentes, os desequilíbrios muito numerosos e a primazia é dada à remuneração do capital. A primeira característica importante é o desabamento do poder de regulação dos estados nacionais. O capitalismo financeiro se livrou do poder político e de suas variações nacionais para tornar-se o principio indiscutível da organização econômica das sociedades: o poder mundial tornou-se perfeitamente anônimo. A segunda característica da mundialização é o aumento da volatilidade que ela causa nas praças financeiras. A idéia que se impõe é, não de uma irracionalidade dos mercados financeiros mas de uma forma perversa de racionalidade que alimenta sua instabilidade. A especulação é uma fabricação coletiva. A força do capitalismo contemporâneo é de um lado a fragmentação dos acionistas de base com o interesse comum de enriquecer, protegidos pelo seu anonimato e a banalidade de sua condição que lhe confere uma legitimidade quase democrática. Do outro lado está a industria dos gestores a quem não se pode culpar porque eles agem no interesse de outros. Os investidores institucionais, cada vez mais ativos, se consideram os interpretes ativos do pensamento dos verdadeiros proprietários do capital, pensamento que, de fato, eles inventam! Armados com o corpus de idéias que eles elaboram, eles exercem seu poder a impor essas regras aos diretores de empresas do mundo inteiro. Nada é mais invulnerável do que esse poder de dois estágios! O grande inimigo é a uniformidade. Para se livrar dela, é preciso criar acontecimentos, inesperado, surpresa e antecipar antes da concorrência a variação dos índices que resultarão disso tudo. Os analistas acabam sendo os adivinhos, os profetas e os sacerdotes do capitalismo financeiro. Eles fornecem para os gestores os alimentos dos quais esses precisam para se diferenciar: as boas antecipações. Hoje as normas contábeis de aplicação mundial recentemente elaboradas por especialistas cooptados avaliam cada elemento do passivo ou do ativo do balanço de uma sociedade não mais pelo seu custo histórico mas pelo seu valor instantâneo fixado pelos mercados. A economia do passado sofria de uma inflação gerada pelos fluxos (aumento dos bens produzidos, aumento dos salários e dos preços dos fatores de produção, a conjunção desses fatores aumentando o espiral inflacionário). A economia de hoje é animada pela busca sistemática do shareholer value e conhece uma inflação dos ativos financeiros: a disparada das bolsas ocidentais de uns vinte anos para cá mostra que o valor do capital não cessa de alimentar a inflação. Fraca inflação de fluxos e crescimento rápido do patrimônio dos acionistas, eis o novo esquema. Com uma taxa de rentabilidade do capital de 15%, a capitalização bolseira das empresas deveria ser em média igual a três vezes seus fundos próprios contábeis. Se vê o que poder ser a parte do imaterial, da antecipação e do mimetismo na valorização das bolsas. A continuar assim, o único fator de produção a ser remunerado vai ser o capital! A ambição excessiva dos representantes dos acionistas pesa de um modo muito concreto nos modos de desenvolvimento econômico. É exato dizer hoje que a finança manda na economia real. O primeiro efeito é a aceleração poderosa do movimento de mundialização e encoraja a implantação de unidades produtoras nas regiões do mundo de baixo salário. O desenvolvimento das zonas emergentes é favorecido enquanto são destruídos os empregos de baixa qualificação dos países desenvolvidos. Em relação à sua comunidade nacional de origem, a empresa globalizada tem um papel social secundário e uma responsabilidade cidadã marginal. É preciso encontrar em qualquer lugar margens de produtividade para manter, sob pressão do mercado, resultados financeiros que não são sustentáveis no longo prazo. O secundo efeito dessas normas de rentabilidade elevadas que cada um tenta atingir apesar do seu irrealismo é o aparecimento de um capitalismo sem projeto. Assim se constrói uma nova forma de economia de renda, um capitalismo financeiro congelado que pensa só em baixar os custos e esquece de investir para ter mais a distribuir. A aversão ao risco de uma cabeça hipertrofiada coloca em perigo o crescimento de um corpo anêmico. O terceiro efeito da corrido para os benefícios é um movimento de concentração cuja velocidade se acelera. Desenvolve-se a síndrome da Torre de Babel. Assiste-se à constituição de sociedades cada vez maiores, cada vez mais internacionais. A concentração contínua do aparelho produtivo pode significar mais ineficácia e preços unitários maiores. A pura lógica industrial deveria influenciar os diretores de empresas em
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Ibid. cap. 4
6 ter mais senso de medida. O motor desse movimento perpétuo é o desejo de enriquecimento do acionista. Tudo acontece como se o mercado do capital financeiro devia ser perfeito, completamente fluído, sem nenhum tipo de barreira e como se a livre vontade dos acionistas devesse ser o único elemento a ser levado em conta. Sem a possibilidade de uma convergência necessária entre a lógica financeira e a lógica industrial, a primazia concedida ao retorno financeiro transforma um instrumento de medida imperfeito numa arma de conquista frequentemente ilegítima. A rentabilidade do capital, o valor para o acionista que permite apreciar seu enriquecimento, usado a torto e a direito, alimenta um fetichismo do dinheiro que justifica qualquer concentração. O Estado ocidental retirou-se diante do capitalismo financeiro. Incapaz de refletir sobre as condições do desenvolvimento, as fontes de inovação e as fontes da prosperidade coletiva, ele dissimula sua impotência que ele chama de neutralidade. 7
5. O QUE FAZER? A primeira ilusão que deve ser abandonada é a da auto-regulação do sistema. O cidadão não é representado numa troca onde se satisfaz prioritariamente o individualismo do consumidor. São internalizadas pela empresa unicamente as regras de comportamento cujo desrespeito seria sancionado por uma queda das vendas. A rentabilidade continua a medida de todas as coisas. Somente uma norma de direito pode fazer respeitar o interesse geral. O fator político deve ser ele mesmo globalizado. A secunda ilusão, da revolta altermundialista, do poder da rua contra o poder dos conselhos de administração... O discurso do intelectual é fragmentado enquanto o novo espaço econômico é mundialmente homogêneo. A complexidade fragiliza lá onde a simplicidade triunfa. O mercador espalhou suas redes enquanto o sábio não saiu da aldeia. O intelectual sempre teve tendência em subestimar a força do poder econômico. A cultura nasce local e pela conceituação e a extensão dos conceitos locais ela se elabora lentamente e dificilmente em valores universais mundialmente reconhecidos. Temos de um lado a construção múltipla de valores seculares e do outro lado o imediatismo bárbaro de uma potencia nova. Esses mundos não foram concebidos para comunicar. Fazer e pensar estão, hoje, em duas esferas diferentes. As conversas entre políticos são cada vez mais vazias porque, por trás das normas que regem nossas existências, não existe mais uma instituição política visível, responsável que possa ser identificada. O que acontece é cada vez mais a emanação de grupos profissionais, a obra coletiva de consultores e especialistas, de gestores cuja individualidade é intercambiável e a responsabilidade não identificável. O responsável político e o intelectual local tornam-se, contra sua vontade, os álibis de um poder superior e inacessível. Com aparência de liberdade, nos tornamos dependentes. Outra esperança um pouco mais sólida: o sistema pode achar seus próprios freios. Na realidade, a única solução para fabricar alguma regulação é reinventar o político. O campo desse renascimento deve ser mundial, dizer respeito aos grandes conjuntos (Estados Unidos, Europa, China, Japão) e fundamentar-se em cooperações inter-governamentais organizadas, preparadas e sancionadas por agencias internacionais encarregadas, assunto por assunto, de coloca-las em funcionamento. Não se pode esquecer que nada acontecerá se a sociedade civil não se organizar em redes de informação, de discussão e de debates. A regulação deve enfrentar duas dimensões: A proteção do planeta, dos seus recursos naturais e, portanto, da nossa espécie. As decisões comandadas pelo interesse geral deverão ser politicamente impostas por leis e tratados internacionais a acionistas e empreendedores que defenderão sempre sua capacidade de ganhar mais dinheiro. A atenuação do peso do capitalismo financeiro sobre a economia real, submetendo os acionistas a normas políticas, obrigando-os por exemplo a tornar públicos seus objetivos de rentabilidade. Os bancos centrais poderiam mostrar mais claramente como decisões microeconômicas podem por em perigo grandes equilíbrios macroeconômicos.
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Ibid. cap. 5