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Sumário

Agradecimentos  7 Prefácio  15 Introdução  23 Capítulo I Compreensão: hermenêutica histórica e inserção paradigmática  35 1  Hermenêutica histórica  35 1.1 A hermenêutica histórica e a Teoria geral do direito tributário  35 1.2 As circunstâncias históricas da origem do direito tributário científico-dogmático no Brasil  41 1.2.1 A inexistência do “direito tributário” enquanto ciência  41 1.2.2 A inexistência do “direito tributário” enquanto corpo legislado sistematizado  45 1.3 ALFREDO AUGUSTO BECKER: a revolução beckeriana  51 1.3.1 Os principais problemas percebidos por ALFREDO AUGUSTO BECKER  51 1.3.2 As principais propostas de ALFREDO AUGUSTO BECKER  54 1.4 A ciência do direito tributário segundo os tributaristas  63 1.4.1 Introdução: o momento pós-BECKER  63 1.4.2 O objeto: o direito tributário positivo hic et nunc  64 1.4.3 O trabalho: a descrição do objeto em metalinguagem rigorosa  67 1.4.4 O pressuposto: dualismo entre direito positivo e ciência do direito  70 1.4.5 O método: nenhuma consideração não jurídico-normativa  72 1.4.6 O apoio: a teoria geral do direito  73

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1.4.7 O resultado: estudo rigorosamente jurídico e científico  75 1.5 Primeiro balanço parcial  76 2  Inserção paradigmática  81 2.1 Introdução  81 2.2 FRANCIS BACON: ciência útil e dominadora  84 2.2.1 A superação da tradição grega  84 2.2.2 O domínio da natureza: saber é poder  87 2.2.3 O empirismo: a derrubada dos ídolos mediante método, experiência e indução  90 2.3 RENÉ DESCARTES: o solipsismo lógico-matemático do cogito  93 2.3.1 A confiança na razão solipsista  93 2.3.2 A dúvida sistemática  96 2.3.3 A racionalidade lógico-matemática em superação ao fundamento metafísico  97 2.3.4 A redução de complexidades  102 2.4 O positivismo lógico  104 2.5 HANS KELSEN: razão e volição  109 2.5.1 A influência do kelsenismo  109 2.5.2 O dualismo entre ser e dever-ser: a razão e a vontade  114 2.6 LOURIVAL VILANOVA: fenomenologia husserliana e formas lógicas  126 2.7 Segundo balanço parcial  129 Capítulo II Crítica: clareiras e caminhos soutianos  133 3  Clareiras soutianas  133 3.1 Introdução  133 3.2 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES no início: definição da disciplina, de seus conceitos fundamentais e de seus métodos  135 3.2.1 Iniciação ao direito financeiro (1966); Introdução ao direito financeiro (2. ed., 1998)  135 3.2.2 A reforma do sistema tributário nacional: Emenda Constitucional n. 18 (1967)  137 3.2.3 Isenções tributárias (1969; 2. ed., 1980)  138 3.2.4 Imposto sobre serviços (1974)  141 3.3 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, o desenvolvimento da disciplina e o aprofundamento teórico  142 3.3.1 Lei complementar tributária (1975)  142 3.3.2 Direito tributário moderno (coord., 1977)  144 10

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Introdução

“Pensar, no fundo abissal de onde brota o pensamento, é rememorar: um ato de reconhecimento pelo que de grandioso antes de nós foi pensado.”1 A ciência do direito tributário brasileira, em boa medida, é construída sobre bases irreais. Costuma falar de realidades inexistentes senão nela própria, em um discurso autorreferente, sem preocupações semânticas, de referibilidade empírica, nem pragmáticas, de sustentabilidade de seus efeitos. É ciosa de seu autoconhecimento, mas não recebe, adequadamente, os influxos da filosofia e da epistemologia contemporâneas. Acaba, muitas vezes, por fechar-se em uma metafísica conceitual. Não se deixa falsear, refugiando-se em abstrações insuscetíveis de crítica. Deixa de enfrentar problemas jurídicos concretos, por adotar o dogma segundo o qual a ciência não pode falar sobre aquilo que, concretamente, deve ser. Dirige seu olhar exclusivamente para a norma jurídica – mas, em seu lugar, elege uma fórmula simbólica. A continuar assim, o direito tributário terá limitada possibilidade de contribuir

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Todas as epígrafes são de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES.

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com a melhoria das condições concretas de vida na sociedade brasileira. Por isso, é preciso referir e superar esse modo de trabalho. É necessário lembrar FRIEDRICH NIETZSCHE, que abriu certo escrito assim: “Devemos falar apenas do que não podemos calar...”2. E, quanto a tudo isso, é preciso falar. O antídoto contra esse proceder está na obra do jurista, filósofo e tributarista recifense JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES. Suas construções, além de criticarem, possibilitam, em seu conjunto, vias de superação da metodologia adotada pela ciência do direito tributário no Brasil. O projeto da dogmática tributarista não teve todo o sucesso pretendido; hoje, isso é claro. Os caminhos que se apresentam, como alternativas, estão abertos pelo mestre recifense. Basta segui-los e buscar ir além deles. No direito tributário brasileiro, a voz mais incômoda, que há décadas ressoa como a mais desconcertante e desafiadora inquietude epistemológica, tem sotaque recifense. Vem da Faculdade de Direito do Recife, embora ela ecoe também da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Trata-se da voz forte, incisiva e rigorosa, mas também animada e amiga, de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES. No direito tributário brasileiro, não há representação maior de inquietude intelectual. Mestre SOUTO atua, nessa área do conhecimento, com notável competência. Concomitantemente, não admite nela se confinar, aventurando-se por muitas outras áreas com, igualmente, impressionante desenvoltura. Dedica-se, intensamente, ao estudo do direito tributário, desde os tempos heroicos. Já há muito, todavia, não aceita a ignorância em relação a outros saberes, não se deixando enclausurar no direito tributário, sequer no direito. Além disso, não tolera estagnações teóricas3. Essa personalidade lhe permite, há tempos, denunciar, incessantemente, o malogro do projeto científico-jurídico-tributário brasileiro e abrir as vias de sua superação. Se o direito tributário, num dado período, precisou fixar suas premissas e determinar seu método, lá estava JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, contribuindo nessa difícil empreitada. Se o direito tributário, num momento posterior, mesmo diante do esgotamento das premissas e dos métodos antes estabelecidos, e da incapacidade dessa ciência, assim concebida, de resolver os problemas a que se propôs, mantém-se inanimado, aí está JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES atacando o imobilismo e mostrando outras possibilidades. Se o estudo do direito tributário não pode ser feito satisfatoriamente sem que se estude outros campos, no direito ou fora dele, assumindo-se a complexidade em lugar de reduzi-la, é SOUTO, dentre os

2

Humano, demasiado humano, v. 2, p. 7.

Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO. Palavras de apresentação à 2ª edição, p. 14; JOSÉ ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituição cria tributos!, p. 595-601. 3

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Capítulo I

COMPREENSÃO Hermenêutica histórica e inserção paradigmática

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Hermenêutica histórica

1.1 A hermenêutica histórica e a Teoria geral do direito tributário “No Direito Tributário, como em qualquer outro segmento científico, faz-se necessário retomar a consideração das circunstâncias históricas que originaram uma teoria qualquer.” A hermenêutica histórica, filha ilustre de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, recomenda – senão impõe – a consideração das circunstâncias históricas que originaram uma teoria, como expediente necessário para a sua boa compreensão. Não se compreende bem uma construção do passado pensando exclusivamente em termos presentes. Claro está que essa hermenêutica histórica é um assalto à redução de complexidades, tida como um imperativo inarredável da vida científica. Bem contrariamente, a hermenêutica histórica incrementa a complexidade, pois sua proposição pressupõe, necessariamente, a insuficiência do estudo do objeto hic et nunc. Há muito mais a ser estudado. Pensar-se somente a consideração do objeto, como se mostraria ao sujeito do conhecimento, é algo inviável para uma compreensão adequada. O conhecimento precisa ir muito além – ou, no caso, precisa ir muito aquém. No final dos anos 1990 e início da década de 2000, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES esforça-se para construir sua “herme-

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nêutica histórica”. Trata-se de exemplo claro de cientista que não se cansa de evoluir. Identificado um problema, passa o mestre recifense a teorizá-lo e a propor soluções. O autor indica, como embrião da hermenêutica histórica, seu estudo Revisitando a isenção tributária, de 19981. Refere-se a ela no prefácio à segunda edição da Introdução ao direito financeiro, do mesmo ano2. Mas o primeiro texto no qual a hermenêutica histórica é caracterizada de modo preciso é o artigo Hermenêutica histórica no direito tributário, publicado em 20003. O problema que leva JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES a iniciar a hermenêutica histórica é a dificuldade que os estudiosos manifestam em compreender a sua teoria da isenção tributária como uma doutrina de circunstância, produzida em um momento histórico determinado, e em função de uma concepção tradicional da isenção amplamente predominante à época. Sua teoria, portanto, só foi produzida do modo como o foi, em função das condicionantes históricas: necessidade de superação do conceito de isenção como privilégio ou favor legal. Isso, entretanto, só será compreendido por quem se aventurar a reconstruir o ambiente no qual a proposta teórica foi concebida. Para tanto, impõe-se o passo atrás, a verificação das condições que cingem a teoria soutiana da isenção tributária em sua origem: impõe-se a hermenêutica histórica4. Para bem compreender a teoria, então, é necessário entender também por que ela foi erigida, isto é, saber quais as contingências históricas que, pragmaticamente, determinaram sua criação. A hermenêutica histórica busca essa compreensão. Impõe-se diante da necessidade de recompor as circunstâncias históricas que motivaram uma teoria. Ela, explica seu criador, “...preconiza a atitude retrospectiva, o passo atrás, a volta à origem, ao momento histórico em que uma teoria nova eclodiu...”5. O objetivo é compreender em que medida aquelas circunstâncias funcionam como dados constitutivos originários da teoria. A influência de HEIDEGGER é, aqui, clara e declarada pelo próprio autor 6. Porém, a proposta não se confina

Cf. Hermenêutica histórica no direito tributário, p. 117; Teoria..., p. 139; Revisitando a isenção tributária, p. 217.

1

2

Prefácio à 2ª edição, in Introdução ao direito financeiro, 2. ed., p. 8.

Esse artigo, citado duas notas acima, foi incluído no Teoria geral da isenção tributária, com poucas alterações de estilo, e um acréscimo de citação, às p. 133-147. 3

4 Fiz estudo mais detido dessa teoria no texto A hermenêutica histórica e o “processo” de dano ao erário, p. 77-100. 5

Teoria..., p. 133.

6

Ibidem, p. 139.

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1.2.2 A inexistência do “direito tributário” enquanto corpo legislado

sistematizado

“...a lei é um meio a serviço da justiça, e não um fim em si mesma.” Problemas análogos aos enfrentados pelo direito tributário, no plano dos estudos, podem ser visualizados na produção legislativa. BECKER escreveu antes da Emenda Constitucional n. 18/1965, e antes do Código Tributário Nacional, de 1966. Ambos foram instrumentos normativos feitos com a intenção de imprimir racionalidade ao ordenamento jurídico-tributário brasileiro então caótico. BALLEIRO descrevia a história financeira baiana, na década de 1950, como atormentada, em avaliação extensiva aos demais estados brasileiros38. UBALDO CESAR BALTHAZAR descreve o ordenamento nacional dessa época como um emaranhado de normas fiscais e tributárias39. BALEEIRO registra que, na década de 1940, o constituinte MÁRIO MASAGÃO era contrário à separação normativa do direito financeiro, entendendo que deveria permanecer subordinado ao direito administrativo. MASAGÃO era catedrático de direito administrativo na Faculdade de Direito de São Paulo 40. Questões políticas e acadêmicas dificultavam o desenvolvimento legislativo do direito tributário. Essa desordem legislativa foi outro móvel a impulsionar o surgimento do direito tributário dogmático no Brasil. BECKER, nas primeiras linhas do Carnaval tributário, descreve com ironia o caos legislativo, atribuindo maior inteligência ao gravador das estampilhas do que ao legislador. Também definia a legislação tributária como maçaroca, aranhol de leis41. Em 1969, apenas seis anos após a edição da Teoria geral de BECKER, SOUTO destacava: “...expressões como patologia tributária, manicômio jurídico-tributário e clínica fiscal atestam o estado de espírito em que se encontra a doutrina”42. Clínica fiscal é título de obra de ALIOMAR BALEEIRO, de 1958. No prefácio, esclarece sua inspiração: “O ‘Instituto de Patologia Tributária’ de meu amigo o prof. E. Morselli. O fôro com sede do ‘hospital de moléstias jurídicas’, de Bonnecase”43. Manicômio jurídico-tributário, por sua vez, é título do ca-

38

Cf. Clínica fiscal, p. 195.

39

Cf. História do tributo no Brasil., p. 150.

40

Cf. Direito..., p. 8 e 17.

41

Carnaval tributário, p. 3 e 29.

42

Prefácio, in Teoria..., p. 8.

43

Clínica..., p. 5.

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