ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS
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SUMÁRIO
Prefácio.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1. Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1ª PARTE ASPECTOS GERAIS E TEÓRICOS ACERCA DA MIGRAÇÃO DE TRABALHADORES PARA O BRASIL
2. Panorama do tema: histórico, legislação e demais informações necessárias.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.1 Política Nacional de Imigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.1.1 Exemplos históricos. Tradição brasileira relativa à imi gração até 1980. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.1.2 Tutela jurídica da imigração pós‑1980.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.2 Conselho Nacional de Imigração (CNIg). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 2.3 Consolidação das Leis do Trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.4 Lei Federal n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).. . . . . . . . . . 42 2.4.1 O Projeto de Lei para um novo Estatuto do Estrangeiro.. . 44 2.5 O processo de criação de normas no Conselho Nacional de Imigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2.6 Normas do Conselho Nacional de Imigração sobre expatria‑ ção de trabalhadores. Conteúdo e contexto de expedição. . . 50 2.6.1 Resolução Normativa n. 62 do Conselho Nacional de Imigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 a) Conteúdo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 b) Contexto em que foi expedida. Análise.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.6.2 Resolução Normativa n. 18 do Conselho Nacional de
Imigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
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a) Conteúdo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . b) Contexto em que foi expedida. Análise.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . c) A dinâmica específica da imigração de gestores de empresas localizadas em ZPEs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
56 57 58
2.6.3 Resolução Normativa n. 63 do Conselho Nacional de
Imigração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 a) Conteúdo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 b) Contexto em que foi expedida. Análise.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3. Questões que envolvem a expatriação de trabalhadores. . . . . . . . . 64 3.1 Visto e autorização de trabalho no Brasil.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.2 Inserção e função da expatriação de trabalhadores no con‑ texto da transnacionalização de empresas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.3 A expatriação da perspectiva do país receptor: a conciliação entre proteção da mão de obra nacional e expatriação de trabalhadores.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.4 A expatriação de trabalhadores como fator facilitador do desenvolvimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 2 ª PARTE ALGUNS ASPECTOS PRÁTICOS DOS CONTRATOS DE TRABALHADORES EXPATRIADOS
4. Procedimentos e ferramentas para a requisição de autorização de trabalho e visto.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 4.1 Visto de investidor permanente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 4.2 Visto temporário a estrangeiro com vínculo empregatício no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 4.3 Visto a estrangeiro que venha ao Brasil para estágio.. . . . . . . . 101 4.4 Visto a estrangeiro, estudante ou recém‑formado, que venha ao Brasil no âmbito de programa de intercâmbio profissional.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 4.5 Visto a marítimo estrangeiro empregado a bordo de embarcação de turismo estrangeira que opere em águas jurisdicionais brasileiras.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 4.6 Visto temporário a tripulante de embarcação de pesca estrangeira arrendada por empresa brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
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1. Introdução
A globalização já não pode ser considerada um fenômeno recente. As empresas transnacionais, assim entendidas aquelas que, sob o mesmo nome ou direção, produzem bens ou serviços voltados para mercados de diferentes países, há muito constituem complexas e interdependen tes redes produtivas. Na linha do que afirma Antonio Galvão Peres1, essas empresas, hoje globais (e não mais apenas transnacionais), por te rem sua produção local dependente da atividade de outras filiais locali zadas ao redor do mundo, fazem com que o estabelecimento empresa rial não possa mais ser analisado isoladamente. Esse fenômeno dá nome à já conhecida Divisão Internacional do Trabalho (DIT)2, e incita a cir culação de trabalhadores pelo mundo. Se a globalização não é algo recente, ela certamente é um fenôme no em constante mutação. A sua roupagem e forma de exteriorização variam conforme a tecnologia avança e o cenário político‑econômico se altera. As mudanças econômicas e sociais provocadas pelas grandes vi radas na economia global sempre acabam impactando, de forma bas tante particular, a vida dos trabalhadores migrantes. A crise econômica 1 PERES, Antonio Galvão. Contrato internacional de trabalho: acesso à justiça, confli tos de jurisdição e outras questões processuais. São Paulo: Elsevier, 2009, p. 5. 2
A Divisão Internacional do Trabalho (DIT) consiste, grosso modo, no desmembramento da linha de produção voltada para o consumo, tendo o objeto de comercialização da empre sa seus componentes advindos de diversas partes do mundo, com o objetivo de reduzir custos. Paul Singer define‑a como uma divisão segundo a qual países que não contem com determinado nível de desenvolvimento (os ditos países “subdesenvolvidos”) acabam tornando‑se exportadores de produtos primários (matérias‑primas e alimentos) para os pa íses desenvolvidos, que, por sua vez, exportam produtos manufaturados e industrializados. Cf. SINGER, Paul. Divisão internacional do trabalho e empresas multinacionais. Caderno CEBRAP 28: multinacionais: internacionalização e crise. São Paulo: CEBRAP, 1976, p. 51.
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que ainda afeta os Estados Unidos da América e que agora se alastra pela Europa resultou em uma queda no fluxo de migrantes da ordem de 6% em 2008, para 4,4 milhões, e continuou a cair em 2009, revertendo cinco anos de crescimento anual médio de 11%3 . A redução no número de migrantes não foi, contudo, a única modi ficação verificada em decorrência desta última crise econômica de pro porções globais. Observou‑se também uma flagrante alteração do fluxo migratório de trabalhadores para os países mais desenvolvidos e a par tir deles para países em desenvolvimento. Se antes a América do Norte e o Velho Mundo eram, juntamente com o Japão, os destinos mais pro curados pelos trabalhadores migrantes, hoje se vê o fenômeno contrá rio: um verdadeiro êxodo desses centros para outros países. Com a cri se, trabalhadores que antes eram atraídos pela oferta de emprego nesses centros econômicos passaram a retornar para os seus países de origem, ao mesmo tempo em que cada vez mais os trabalhadores qualificados desses países passaram a buscar oportunidades nos chamados BRICs, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China, hoje vistos como po los de prosperidade4 . 3 Dados da OCDE divulgados no Jornal Valor Econômico da terça‑feira, 13 de julho de 2010, A7. 4 Segundo o economista Márcio Pochmann, “a emergência dos países‑baleia termina por alterar a divisão internacional do trabalho neste início do século 21, com redução do peso relativo dos países do centro do capitalismo mundial” (Valor Econômico, em 25 de no vembro de 2010, p. A17). Essa emergência dos chamados países‑baleia decorreria de dois fatores em particular. “O primeiro relacionado ao movimento global de reorganização do capital, que, concomitantemente à decadência relativa dos Estados Unidos, força o deslo camento do antigo centro dinâmico unipolar para a multipolarização geoeconômica mun dial (Estados Unidos, União Europeia, Rússia, Índia, China e Brasil). Com a proliferação de diversas cadeias de produção integradas globalmente e cada vez mais assentadas nas economias de custos mais eficientes, especialmente nos países‑baleia, as economias desen volvidas deixam de responder – depois de mais de 150 anos – pela maior parcela do Produ to Interno Bruto (PIB) mundial. O segundo fator de mudança na Divisão Internacional do Trabalho refere‑se ao desdobramento da crise internacional de 2008, que segue sem reso lução definitiva, sobretudo nos países ricos. Se for considerado ainda que a crise acontece intercalada com o avanço da revolução tecnológica e de um segundo ciclo de industrializa ção tardia na Ásia, percebe‑se que a dinâmica econômica mundial é cada vez mais desigual, ainda que combinada. De um lado, o quadro geral de semiestagnação nas economias
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1ª PARTE ASPECTOS GERAIS E TEÓRICOS ACERCA DA MIGRAÇÃO DE TRABALHADORES PARA O BRASIL
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2. Panorama do tema: Histórico, legislação e demais informações necessárias A exata compreensão do objeto de estudo e discussão deste escrito depen de da posse prévia de certas informações que não constituem seu foco de reflexão, mas são imprescindíveis para que ele seja compreendido. Mostram‑se imprescindíveis, portanto, algumas reflexões acerca da noção de política nacional de imigração e da legislação vigente a respeito do tema. A necessidade de se fazer esse esforço primário decorre de dois principais aspectos. Em primeiro lugar, do desconhecimento generali zado que os profissionais do direito costumam ter a respeito do tema “imigração”, em decorrência da falta de tradição de seu estudo nas fa culdades. Em segundo lugar, a apresentação é necessária em razão da falta de fontes de informação claras, amplamente conhecidas, acessíveis e relativamente pacíficas a respeito da matéria. Este estudo não pode tomar como base reflexões e conclusões já anteriormente firmadas por outros autores a respeito do tema. Ele foi, em grande parte, construído a partir do marco “zero”. A seguir, apresentamos, de forma sucinta, os conceitos e as normas que auxiliarão na compreensão plena do contexto, tanto jurídico quan to institucional, em que se localiza a temática da imigração de trabalha dores para o Brasil a partir da perspectiva do direito. 2.1 Política Nacional de Imigração Segundo Catherine Barnard, a migração de trabalhadores é tão an tiga quanto os morros1. Desde tempos imemoriais, trabalhadores se 1
BARNARD, Catherine. Labour market integration: lessons from the European Union. In: CRAIG, John D. R.; LYNK, Michael. Globalization and the future of labour law. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
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efeitos dos fluxos migratórios, de acordo com seus objetivos e necessi dades para com a imigração. É o modo como o País tutela a questão migratória, instaurando normas que reflitam aquilo que ele espera atin gir por meio da imigração. Como bem coloca Jair de Souza Ramos, trata‑se do “esforço estatal de intervir neste processo complexo [a imi gração] de forma a desenhar uma direção aos imigrantes através de uma série de mecanismos de atração e condução”7. 2.1.1 Exemplos históricos. Tradição brasileira relativa à imigração até 1980
Uma breve retomada das formas com que o Brasil encarou o tema da imigração em diferentes momentos históricos é pertinente para que se possa entender melhor o que é uma política nacional de imigração. O Brasil, no fim do século XIX e no início do século XX, apresen tava uma economia predominantemente voltada à produção agrária e era um país aberto à imigração. Os motivos para tal abertura não pode riam ser mais claros. Havia vasto espaço ocioso no território (8.337.218 km² a serem ocupados por apenas aproximadamente dezessete milhões de pessoas8‑9), o que tornava necessário encontrar quem morasse (isso é, povoasse) e trabalhasse no campo. A incapacidade de a população
7 RAMOS, Jair de Souza. O poder de domar do fraco: construção de autoridade pública e técnicas de poder tutelar nas políticas de imigração e colonização do Serviço de Povoa mento do Solo Nacional, do Brasil. Horizontes Antropológicos, v. 9, jul. 2003. Disponí vel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104‑71832003000100002&script=sci_ arttext&tlng=en>. Acesso em: 19 abr. 2010. A observação entre colchetes é dos autores. 8
IBGE. Brasil: Área Territorial Oficial (Histórico). Disponível em: <http://www. ibge.gov.br/home/geociencias/areaterritorial/historico.shtm>. Acesso em: 05 ago. 2010. 9
O número exato da população brasileira no ano de 1900 era de 17.438.434 pessoas. Dados retirados de IBGE. Dados Históricos dos Censos. Disponível em: <http://www.ibge.gov. br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1872_1920.shtm>. Acesso em: 05 ago. 2010. Ou seja, caso cada quilômetro quadrado do território brasileiro fosse ocupado, have ria apenas cerca de duas pessoas em cada um deles. Esse dado é apresentado somente para dar uma ideia da incapacidade de se povoar o território brasileiro e ao mesmo tempo torná ‑lo produtivo com a demografia da época, justificando a abertura para a imigração.
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normas que vedassem ou buscassem vedar a entrada de estrangeiros no País. Para os que pudessem vir por conta própria, a lei não proibia o in gresso no território brasileiro (era o caso do visto comum). Para os que não tinham condições de vir, mas assim o desejassem, havia espécies de subsídio governamental à imigração. Na década de 70, nota‑se o início de um movimento expressivo dos países em desenvolvimento na busca por assimilação de novas tec nologias, mas sempre buscando proteger a indústria e os meios de pro dução nacionais. O Estado brasileiro, nessa época, passa a exercer pa pel ativo como criador e condutor de políticas industriais visando ga rantir que os atos de transferência de tecnologia só poderão ocorrer quando propícios à proteção e ao desenvolvimento da indústria nacio nal. O grande objetivo governamental por detrás dessas políticas é promover o desenvolvimento interno da indústria e da economia do País sem “abusos” por parte de agentes estrangeiros. Conforme noticia Juliana L. B. Viegas14: Os governos, não só do Brasil, mas da maioria dos países em desenvol vimento, tradicionalmente mais dependentes de tecnologia interna cional, passaram, a partir do início dos anos 70, a encarar a transferên cia de tecnologia como uma forma não bem‑vinda de permitir a evasão de divisas e um impedimento à consecução das metas de desenvolvi mento tecnológico e competitividade internos.
Não por outra razão, é nessa década que começa a ser criada a nova legislação sobre imigração que muda totalmente o modo como o País trata o tema. Por estar na linha dessas políticas governamentais de pro teção da indústria nacional é que a imigração passa a ser pautada por objetivos de transferência e assimilação de tecnologia.
14
VIEGAS, Juliana L. B. Aspectos legais de contratação na área de propriedade indus trial. In: SANTOS, Manoel; JABUR, Pinheiro (coord.). Contratos de propriedade industrial e novas tecnologias. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6‑9. Não só a citação direta, mas também todas as informações referentes ao contexto de transfe rência de tecnologia da época contidas neste parágrafo foram extraídas do texto aqui em referência.
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2.1.2 Tutela jurídica da imigração pós‑1980 15
Nos anos 80, com a entrada em vigor de um novo Estatuto do Es trangeiro (vide subitem 2.4, infra), o modo como o Estado brasileiro passou a tutelar juridicamente a questão da imigração mudou radical mente. De um país que permitia a entrada de qualquer imigrante, ofere cendo até estímulos à vinda mediante programas de imigração dirigida, a sistemática da Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, fechou, quase que por completo, as portas do mercado de trabalho do Brasil para os es trangeiros. O principal pretexto que embasa esse fechamento, discuti do mais profundamente ao final desse subitem, é a questão da seguran ça nacional16 . Outros princípios que a legislação, segundo ela própria, presta‑se a defender são os de “organização institucional”, “interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil”, bem como o objetivo de “defesa do trabalhador nacional”. São os motivos alegados para a me dida restritiva, sendo todos constantes do art. 2º da referida lei. A alegação de “defesa da mão de obra nacional” até hoje é um dos polos norteadores da política nacional de imigração. O modo escolhi do pelo Estado brasileiro para evitar, com ainda mais rigor e profun didade17, que trabalhadores brasileiros perdessem vagas no mercado de trabalho para estrangeiros que praticam funções idênticas ou aná logas foi a proibição quase integral da entrada no País, a esse título, do estrangeiro. O objetivo da imigração, assim, é mudado com o Estatuto de 1980, conforme é possível se extrair do art. 16, parágrafo único, da norma:
15 Complementamos, em parte, o subitem 2.4, que fala do Estatuto do Estrangeiro atual mente vigente. 16 Essa afirmação se encontra no projeto de lei para um novo Estatuto do Estrangeiro (que será comentado no subitem seguinte), sendo inclusive colocada como um argumento a jus tificar a necessidade da nova legislação. As grandes vedações de liberdades a estrangeiros foram de ordem política, o que permite afirmar que o ideal de segurança nacional contido no Estatuto de 1980 era evitar a influência, por parte de pessoas estrangeiras, nos desdo bramentos políticos do País. 17
Isso porque a CLT já estabelecia, em determinada escala, um mecanismo de proteção à mão de obra nacional (ver subitem 2.3).
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subitem e como se verá ao longo do trabalho21. A política nacional de imigração brasileira continua bastante restritiva e seletiva, só que, a partir da atual Constituição, sem a característica de buscar prevenir a penetração de ideologias externas que o Estatuto original apresentava. É importante ter em mente, entretanto, que a cultura protecionista do País, amplamente ligada aos ideais de segurança nacional, foi o que oca sionou, de maneira principal, e em primeiro lugar, o encerramento da livre entrada de imigrantes no território nacional 22 . 2.2 Conselho Nacional de Imigração (CNIg) O Conselho Nacional de Imigração (CNIg) é um órgão de natureza administrativa, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Foi criado pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal n. 6.815/80) e tem estrutura colegiada. Dentre suas diversas atribuições, definidas pelo Decreto n. 840, de 22 de junho de 1993, as de apresentação mais rele vante para os fins deste trabalho são as seguintes, diretamente transcri tas do art. 1º desse Decreto: “(...) I – formular a política de imigração; II – coordenar e orientar as atividades de imigração; (...) VI – estabelecer normas de seleção de imigrantes, visando proporcio nar mão de obra especializada aos vários setores da economia nacional e captar recursos para setores específicos; VII – dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz res peito a imigrantes; (...)”
21
Houve, porém, certa relativização desse princípio, que será discutida posteriormente neste trabalho.
22
Tanto é que o projeto de lei para um novo Estatuto do Estrangeiro, discutido no subitem 2.4.1, infra, preocupa‑se mais em alinhar a imigração a necessidades de mercado (e isso aparece de forma expressa na exposição de motivos) do que em outros ideais, sejam de se gurança nacional, sejam de proteção à mão de obra nacional.
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