Confiança exige maior controle
Fraudes forçam indústria do leite a reconquistar confiança do consumidor Operações ocorrem justamente no momento em que o setor tenta se organizar para aumentar a qualidade do produto por Joana Colussi
21/03/2014 | 06h11
Imagem do leite gaúcho é afetada por escândalos de adulteração da bebida com produtos químicos Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS
Dono da segunda maior produção de leite do país, o Estado que ambiciona ser referência em qualidade do alimento esbarra em sucessivas fraudes, com efeitos diretos sobre a imagem do produto no país. O contraste entre os esforços para fortalecer o setor e o impacto da adulteração da bebida é uma equação a ser resolvida para garantir a soberania no mercado brasileiro.
A descoberta de mais um grupo que adicionava formol para maquiar más condições de conservação do produto reforçou a desconfiança sobre o leite gaúcho — dentro e fora do Rio Grande do Sul. Na quarta etapa da Operação Leite Compen$ado, realizada no final da semana passada, a informação de que cerca de 300 mil litros com problemas teriam sido enviados para São Paulo e Paraná estendeu o receio do consumo para outros Estados. Na quarta-feira, surgiu a suspeita de que o produto também tenha sido vendido no Rio Grande do Sul.
— Todos os elos são afetados negativamente, até quem não tem nada a ver com a fraude. A desconfiança, inevitavelmente, faz com que consumidores substituam o leite por alimentos alternativos — avalia Marcos Veiga dos Santos, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
Presidente do Conselho Brasileiro de Qualidade do Leite de 2009 a 2011, Santos ressalta que esses episódios reforçam a necessidade de reorganização do negócio.
— Grande parte das indústrias não tem controle sobre a origem do leite. E o problema não está em terceirizar o transporte, mas em não fiscalizar o serviço — diz Santos, acrescentando que o atravessador tem menor relevância em outros Estados.
O reflexo nas prateleiras de supermercados, até agora não se deu em redução de consumo, mas na substituição de marcas envolvidas na fraude por outros rótulos, segundo a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).
— Enquanto algumas marcas foram prejudicadas, outras ganharam mercado — afirma Antônio Longo, presidente da Agas.
Segundo especialistas, devolver a confiança do consumidor sobre o leite gaúcho passa
pelo esclarecimento dos fatos. A curto prazo, a reputação arranhada no mercado brasileiro poderá ser resgatada com informações claras vindas das empresas que recebem e beneficiam o produto.
— Nos momentos de crise, é preciso ação imediata para informar o que está ocorrendo. O sindicato das indústrias deveria mostrar que providências estão sendo adotadas — aponta Maria Flávia Tavares, coordenadora do núcleo de agronegócio da ESPM-Sul.
Melhorar a reputação envolve ainda ações de longo prazo, acrescenta a especialista, como campanhas de mar-keting para aumentar o consumo:
— Nos Estados Unidos, é comum campanhas para promover o leite, subsidiadas por fundos do governo. Leia mais: Cooperativas monitoram transporte do leite e mantêm marcas distantes de fraudes Novo instituto deve ajudar na reestruturação do setor
A quarta etapa da Operação Leite Compen$ado, deflagrada em oito municípios do noroeste gaúcho, ocorreu justamente no momento em que o setor está tentando se organizar para aumentar a qualidade do produto e expandir mercados. Recém-criado, o Instituto Gaúcho do Leite (IGL) fará a gestão dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite (Fundoleite) e irá definir as ações do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite (Prodeleite).
— Não poderia haver momento mais oportuno para a criação do instituto. Produzimos um dos melhores leites do país e fatos isolados não podem prejudicar a maioria, que faz
um trabalho sério. Temos uma longa missão pela frente — reconhece o presidente do IGL, Gilberto Piccinini, executivo da Dália Alimentos, marca da Cosuel.
Com uma produção diária de 10 milhões de litros, o Estado pretende dobrar o volume em 10 anos. Para tanto, deverá investir em sanidade animal, melhoria da produtividade, nutrição, gestão das propriedades e comercialização dos produtos lácteos.
— Precisamos encontrar um equilíbrio entre o aumento da produção e do consumo, ocupando a nossa capacidade instalada. Alargar o mercado significa também produzir uma matéria-prima a partir do desejo do consumidor, com selos de qualidade e denominação de origem — explica Ardêmio Heineck, consultor da Câmara Setorial do Leite.
Tripla ambição Como o setor pretende reorganizar e fortalecer a atividade no Estado:
Prodeleite: programa criado para regular o funcionamento da cadeia produtiva do leite, com cinco grandes eixos: sanidade animal e qualidade do leite (inspeção e fiscalização), genética (tecnologia para melhorar produtividade), alimentação animal, gestão da propriedade e comercialização dos produtos.
Fundoleite: criado para custear e financiar ações do Prodeleite, por meio de projetos e programas de desenvolvimento do setor.
Instituto Gaúcho do Leite: formado por 35 entidades (representantes de produtores, indústria e governo), fará a gestão dos recursos do fundo e irá definir as ações do Prodeleite.