NEIVA MOREIRA semeador das rebeldias
Antonio Capistrano Beatriz Bissio F.C. Leite Filho Flávio Dino Fonseca Neto Franklin Douglas Helena Heluy Jhonatan Almada (org.) João Batista Ericeira José Reinaldo Tavares José Ribamar Bessa Freire Mauro Santayana Paulo Cannabrava Filho Raimundo Palhano Rossini Corrêa Sálvio Dino Sebastião Nery Theotônio dos Santos Vitor Hugo Soares
NEIVA MOREIRA semeador das rebeldias
NEIVA MOREIRA semeador das rebeldias
Antonio Capistrano Beatriz Bissio F.C. Leite Filho Flávio Dino Fonseca Neto Franklin Douglas Helena Heluy Jhonatan Almada (org.) João Batista Ericeira José Reinaldo Tavares José Ribamar Bessa Freire Mauro Santayana Paulo Cannabrava Filho Raimundo Palhano Rossini Corrêa Sálvio Dino Sebastião Nery Theotônio dos Santos Vitor Hugo Soares
São Luís 2017
Instituto Jackson Lago Clay Lago Presidente Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da UFMA Evangelina Noronha Presidente Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão Jhonatan Almada Reitor Pesquisa, Organização e Revisão Jhonatan Almada Capa e Editoração Patrícia Régia Al316c
Almada, Jhonatan . 2017 NEIVA MOREIRA: semeador das rebeldias/ organizador: Jhonatan Almada; -- São Luís, Ed. Engenho, 2017. 160 pág. ISBN: 978-85-69805-17-5 1. Biografia. 2. Trajetória política. 3. Jornalismo maranhense I. Título. SECTI / MA CDD: 010
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Gonçalves Dias
Sumário PREFÁCIO APRESENTAÇÃO NEIVA MOREIRA E O COMPROMISSO POLÍTICO
Rossini Corrêa
8
Jhonatan Almada
27
Beatriz Bissio Mauro Santayana Theotônio dos Santos Sebastião Nery Paulo Cannabrava Filho
37 43 48 57 63
NEIVA MOREIRA DO LOCAL AO TERCEIRO MUNDO
Raimundo Palhano Flávio Dino João Batista Ericeira José Reinaldo Tavares José Ribamar Bessa Freire Franklin Douglas F.C. Leite Filho
80 85 90 95 100 110 117
NEIVA MOREIRA COMO HISTÓRIA E MEMÓRIA
Vitor Hugo Soares Fonseca Neto Antonio Capistrano Helena Heluy Sálvio Dino
122 128 133 138 141
Jornais do Acervo do Instituto Jackson Lago
148
ANEXO
PREFÁCIO | NEIVA MOREIRA: UM VARÃO SAÍDO DE ÉPICAS PÁGINAS, ‘UM HOMEM DE PLUTARCO’ Rossini Corrêa*
Dedicado à memória de Celina Ferreira Campos, neivista antes, durante e depois, que desde criança a mim me teceu louvores sobre a dimensão cívica, política e intelectual de Neiva Moreira
N
apoleão Bonaparte, no verdor dos anos, colocara-se a serviço da Córsega, Ilha luminosa do seu nascimento, que aquecera o esperançoso sonho democrático de Jean-Jacques Rousseau. O general Pasquale Paoli, que foi, em paralelo, libertador e verdugo da Ilha da Beleza, um dia estava a contemplar o jovem e compenetrado estrategista em operosa atividade, deixando escapar – conta-o Stendhal, no seu Napoleão – um comentário: ‘Eis um jovem talhado à antiga; é *Advogado, Escritor e Filósofo do Direito, um homem de Plutarco.’ com mais de 35 livros publicados, entre os Retenha-se esta imagem quais se destacam: Saber Direito-Tratado legendária. de Filosofia Jurídica; Jusfilosofia de Deus; As relações do general Pasquale Paoli com a Família Bonaparte foram de extremo a extremo, geração a geração. Ator quase protagonista dos esforços pela Independência da
Crítica da Razão Legal; Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, discípulo de Tobias e companheiro de Nabuco; Teoria da Justiça no Antigo Testamento; José Américo, o Jurista; Política Externa Independente: contribuição critica à história da diplomacia nacional; O Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva; Brasil Essencial: para conhecer o país em cinco minutos; e O Bloco Bolivariano e a Globalização da Solidariedade: bases para um contrato social universalista. É Membro Titular do Comitê Assessor da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Maranhão. Pertence à Academia Brasiliense de Letras (AbrL).
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Córsega, o advogado Carlos Bonaparte secundou os caminhos do libertador Paoli, até quando, em 1769, os autonomistas foram derrotados em Ponte-Novo e os destinos de ambos se dividiram, curiosamente, entre a França e a Inglaterra. O jurisconsulto elegeu a França, onde reconheceu seu título de nobreza e garantiu melhor sorte para os filhos, oito no total, cinco homens – José, Napoleão, Luciano, Luis e Jerônimo – e três mulheres – Elisa, Paulina e Carolina – todos de notáveis presenças à sombra de um só. O soldado, por sua vez, escolheu a Inglaterra, razão de ser, em certo sentido, do seu fastígio, permanência, paradoxo, queda, exílio e morte, acontecida em 5 de fevereiro de 1807, na cidade de Londres, então capital do mundo. Quanto ao jovem guerreiro, que serviria ao general Pasquale Paoli já retornado, as suas interações foram da proximidade ao rompimento. Um dia a Família Bonaparte partiria, só que expulsa, da Ilha da Beleza. E quando, mais tarde, o cometa singular chamado Napoleão Bonaparte esculpiu a sua flâmula no céu da História, o velho e decaído general corso Pasquale Paoli, em vão, mas persistente, por múltiplos e reiterados caminhos, procurou se colocar a serviço do filho
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de Carlos Bonaparte. Sim, o general Paoli pretendeu ser soldado de Napoleão, o rebento da viúva Maria Letícia Ramolino Bonaparte, a que fora proscrita, agora glorificada, como mãe daquele a quem o Duque de Welligton, seu vencedor em Waterloo – juntamente com toda a Sétima Coalizão – reconheceu como o maior general de todos os tempos. Ponto. Retome-se a poderosa imagem enunciada pelo general ilhéu e mediterrânico, a respeito do seu determinado e promissor conterrâneo, que estava – segundo o seu juízo – a recordar-lhe as verticais figuras pretéritas: ‘Eis um jovem talhado à antiga; é um homem de Plutarco.’ Nada mais adequado, com toda propriedade, para retratar o inolvidável cidadão e patriota que foi o jornalista, escritor, político e internacionalista Neiva Moreira, que era, e parecia ser, um varão saído de épicas páginas, ‘um homem de Plutarco’. José Guimarães Neiva Moreira nasceu em Nova Iorque, em 10 de outubro de 1917, ano da Revolução Russa e faleceu no século seguinte, em 10 de maio de 2012, em São Luís, em viagem redonda cujos começos e términos aconteceram no Maranhão. Entretanto, a vida tornaria Neiva Moreira um
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homem do mundo, mais do que simples cosmopolita, dotado dos mais elevados sentimentos de fraterno universalismo. Integrante da brilhante Geração de 30, uma das mais expressivas da história da cultura maranhense, Neiva Moreira conheceu como companheiros de percurso cívico e intelectual, seu primo Ignácio Rangel, Josué Montello, Odylo Costa, filho, Oswaldino Marques, Franklin de Oliveira, Manoel Caetano de Bandeira de Mello e Antônio de Oliveira. Só? Nunca. Perfilhados estão Mário Meireles, Paulo Nascimento Moraes, Antenor Bogéa, Walbert Pinheiro, Amaral Raposo, Erasmo Dias, Bacelar Portela e outros não menos votados, formando uma grei ressonante nas artes, ciências e letras maranhenses e brasileiras. Notável jornalista, com efeito, Neiva Moreira vinculou-se a uma profunda tradição timbira, de extraordinários periodistas a serviço das causas profundas das gentes brasileiras e dos seus negados direitos a conquistar, para a construção de uma nação solidária. Como olvidar, século XIX a dentro, José Cândido de Moraes e Silva e Odorico Mendes, pugnando em favor da descolonização do Brasil; João Francisco Lisboa e Antônio Gonçalves Dias, em busca da edificação da
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consciência nacional; e, para ser econômico, Joaquim Serra, parceiro, ninguém mais, ninguém menos, do que de Joaquim Nabuco, nas batalhas abolicionistas? Simplesmente impossível... Do panteon jornalístico em questão Neiva Moreira foi herdeiro, inclusive, da circunstância de que o periodismo neles – em José Cândido de Moraes e Silva, Odorico Mendes, João Lisboa, Gonçalves Dias e Joaquim Serra, bem como, em Temístocles Aranha – sempre representou um compromisso cívico. Vincularam-se todos, enquanto periodistas, com agendas sociais, econômicas, culturais e políticas do Brasil por edificar, justificando, nas páginas, cada parágrafo de luta e de ideal sob as quais viveram. Eis o rio profundo do substrato psicológico de Neiva Moreira: o do homem em combate, semeador e construtor. Filho de um quitandeiro e de uma professora dos sertões de dentro do Maranhão, entre Nova Iorque e Barão de Grajaú passou Neiva Moreira a meninice, em um pequeno mundo que lhe revelou uma multiplicidade de fronteiras e de horizontes das mais surpreendentes. A começar – sublinhe-se – pelo fato de que o pai pertencia a um ramo pobre de uma tradicio-
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nal e feudalitária família, ou seja, a Neiva. Quanto à mãe era uma adventícia, que do Ceará partira na seca de 15 – a qual inspirou o romance de Raquel de Queiroz – e no Maranhão cumpriu um papel iluminista, de mestre-escola, de mulher versada em francês, de escritora de jornais e de militante cívica com a alma progressista. Destaque-se o tio paterno desse varão de Atenas, saindo das páginas de Plutarco, não por acaso foi um dos fundadores do Partido Socialista do Maranhão – PSM: Manoel Neiva Moreira, companheiro de José Maria Reis Perdigão nas lides políticas da chamada Revolução de 30 no Maranhão. A rebeldia cedo batera à porta do menino Neiva Moreira, quer a doméstica, de sua mãe viúva a combater as antiqualhas oligárquicas, quer a pública, resultante da passagem febril da Coluna Prestes pelas terras timbiras, que os maranhenses a acolheram como em nenhuma outra unidade federativa do Brasil. De mais a mais, não bastasse o francês do espírito libertário de Dona Mariinha, cedo Neiva Moreira desenvolveu o amor pelas letras e o sentimento do mundo. O amor pelas letras, advindo do convívio materno e do conhecimento, em
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“ELE SE DESENVOLVEU, CRESCEU, FOI INTEGRALISTA, PERTENCEU À EQUIPE QUE ESCREVEU EM A VANGUARDA, DURANTE MUITO TEMPO, E NUNCA PERDEU O HORROR À SOCIEDADE QUE PRENDEU SUA MÃE. TORNOU-SE UM REVOLTADO.”
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Barão do Grajaú, travado com o poeta e teatrólogo Eleutério Rezende. O sentimento do mundo, proveniente das maternais noticias da grande cultura e do contacto com o bodegueiro árabe João Curirad, solidário com as necessidades da família, segundo o memorialista registrou em O Pilão da Madrugada – Neiva Moreira: um depoimento a José Louzeiro. Curirad, entre interesses políticos e narrativas das Mil e uma Noites, interessou para sempre o menino sertanejo pelos sonhos, lutas e valores do mundo árabe, com o qual, adulto e exilado, se reencontraria para sempre. De mais a mais, o filho de Dona Mariinha madrugou na escola da vida, trabalhando desde os 9 anos, exercitando-se enquanto orador, virando pequeno comerciante, estudando em Teresina e carregando consigo as chaves que o pequeno grande mundo lhe entregara, para realizar a difícil travessia no mar da existência. O menino sertanejo jamais se dissociaria, na condição de árvore, das sementes plantadas pelo quitandeiro Antônio Neiva Moreira e pela professora Luzia Guimarães Moreira, do gosto essencial das palavras, do vital interesse político, do mundo da cultura, de Eleutério Rezende e das histórias fabulosas, de João Curirad.
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Os mananciais de rebeldia raiaram na primeira madrugada da vida do menino e parente de Euclides Neiva, do Partido Comunista Brasileiro – PCB e de Manoel Neiva Moreira, do Partido Socialista Maranhense – PSM, o qual, reagente, trilhou caminhos personalíssimos. Ei-lo, retratado em Diálogo com o Tempo, depoimento de Renato Archer: “Este foi o período do surgimento de Neiva Moreira na política do Maranhão. Neiva era uma pessoa muito radical, e tinha razões pessoais para isso. Rapaz de origem extremamente pobre, sua mãe, viúva, criara dois filhos no pequeno emprego nos Correios e Telégrafos, em São Luis.” Prosseguiu o Comandante Archer: “Certo dia, houve um desfalque, e a fiscalização descobriu que faltavam 39 mil-réis no guichê. Esta senhora, por uma extraordinária injustiça da vida, foi presa, deixando dois filhos na mais absoluta miséria. Neiva era menino, pequeno.” Qual o resultado? Nas palavras de Renato Archer: “Ele se desenvolveu, cresceu, foi integralista, pertenceu à equipe que escreveu em A Vanguarda, durante muito tempo, e nunca perdeu o horror à sociedade que prendeu sua mãe. Tornou-se um revoltado.”
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O Comandante Archer, entre outras características de sua fulgurante personalidade, foi homem de prodigiosa memória e de compromisso com a verdade. Certamente escutou a narrativa em epigrafe dos mais velhos, reteve-a, e a transmitiu segundo lhe contaram, com dois, em vez de seis filhos, mas com o inapagável registro do travo da injustiça, frente ao caráter inconsútil de Dona Mariinha. Da prisão materna pela sociedade maranhense conservadora, teria nascido a atitude radical, resistente e revoltada de Neiva Moreira, que do integralismo antiliberal transitou, mais tarde, para o socialismo democrático. As grandes legendas da trajetória política de Neiva Moreira terminaram por ser, no pré-64 o Partido Social Progressista – PSP e no pós-64 o Partido Democrático Trabalhista – PDT. De duas agremiações foi fundador: do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, em 1979 e do Partido Democrático Trabalhista – PDT, em 1980, uma vez perdida a legenda do PTB, por artes do General Golbery do Couto e Silva, para a Deputada Ivete Vargas, sobrinha do condestável Getúlio Vargas, imagem de altar, tanto de Leonel Brizola quanto de Neiva Moreira.
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Qual foi o divisor de águas da história política de Neiva Moreira? Múltiplos, sem dúvida. O golpe de Estado de 1937, a redemocratização de 1945, a eleição de Vargas em 1950, a greve de 1951, em São Luis e, sobretudo, a morte da esperança democrática no Brasil, em 31 de março de 1964. Eis que o sonho da candidatura ao Governo do Maranhão, em 1965, foi para as calendas gregas. O vigoroso Deputado Federal maranhense foi preso pelos militares e, com os direitos políticos cassados, caminhou para a aventura do exílio na Bolívia, em companhia de José Serra, reunindo-se, em seguida, com o grupo do Uruguai, em torno de Leonel Brizola, e partindo para o mais vasto trânsito internacional. Neiva Moreira foi Deputado Estadual, em 1950, bem como Deputado Federal, em 1954, 1958 e 1962. Retornado do exílio, elegeu-se o político pedetista suplente de Deputado Federal em 1990 e em 1994, assumindo o mandato parlamentar em 1997 e reelegendo-se para o mesmo cargo legislativo em 1998 e em 2002. Entre muitos outros, dois grandes feitos marcaram a vida parlamentar de Neiva Moreira, o único político maranhense que o Senador Victorino Freire, que entendia do assunto, isentou do beneficio da fraude eleitoral:
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a liderança da Frente Parlamentar Nacionalista e a presidência da Comissão de Transferência da Câmara dos Deputados para Brasília. Os caminhos do mundo, entretanto, Neiva Moreira os trilhava desde a década de 40 do século XX, do que é testemunha o seu livro Fronteiras do Mundo Livre publicado no Rio de Janeiro pela Editora A Noite, em 1949. Ali se encontra a semente mais longínqua do internacionalista maranhense, interessado em discutir a Igreja frente à nova política, reconstrução da Itália, a ditadura de Salazar em Portugal, a França de De Gaulle, a noite na Espanha de Franco e a ação de Stálin e do imperialismo russo-soviético em desfavor da paz. Era a continuidade do interesse jurídico e político da cultura timbira pela dimensão internacional, visível em Graça Aranha, presente em Dunshee de Abranches e desaguada em Neiva Moreira. Ator político e intelectual plural, o estadista e escritor maranhense transitou do nível local à esfera nacional, e, desta, ao plano internacional, tratando quer da pequena, quer da grande história. Destas interações dialéticas nasceram livros a mancheias, do que são exemplos: Brasília, Hora Zero (petit
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histoire), Modelo Peruano (grand histoire), bem como, desta segunda rubrica, O Nasserismo e a Revolução do Terceiro Mundo (como esquecer João Curirad?) e Uruguai, Banda Oriental (a terra da sua mulher, a jornalista e historiadora Beatriz Bissio). Se, no Maranhão, Neiva Moreira fundou o Jornal do Povo, no exílio realizou a criação, seja da Editora Terceiro Mundo, seja dos Cadernos do Terceiro Mundo. O filho de Dona Mariinha, aquela que escrevia a mão jornais municipais nos sertões de dentro do Maranhão, identificou em José Cândido de Moraes e Silva, João Francisco Lisboa e Nascimento Moraes, as três figuras legendárias do jornalismo no Maranhão. Pródiga terra timbira que reuniu, em uma só campanha política, em favor da candidatura senatorial de Henrique de La Rocque Almeida, nos primórdios da década de 50, no cenário estadual, três figuras estelares da história do jornalismo e da cultura brasileira, quais sejam: Odylo Costa, filho, Franklin de Oliveira e Neiva Moreira. Ninguém escreverá a história sincera do periodismo nacional sem passar pelo trio em questão. Odylo, cronista político de aguda coragem cívica e combatente sistemático do Estado Novo – enquanto socialista cristão – foi Secretário de
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Imprensa de Café Filho e promoveu a revolução do Jornal do Brasil. Franklin, cronista lírico e filósofo da cultura, que transpirou sabedoria nas páginas, foi articulador de ética e política, no seu humanismo socialista de intérprete da literatura. Neiva, mestre da reportagem, foi fundador de jornais e de revistas, contando em seu ativo o Jornal do Povo e os Cadernos do Terceiro Mundo, com os quais disseminou, entre o particular e o universal, o socialismo democrático. Eis a narrativa impagável – na prosa do poeta Odylo Costa, filho, em Melhores Crônicas – a respeito dos costumes políticos no Maranhão, no qual, retornado do exílio, Neiva Moreira elegeu, sucessivamente, Prefeito de São Luis e Governador do Estado, a Jackson Lago, de saudosa memória, sem que ganhasse a Presidência da República, com a figura inolvidável de Leonel de Moura Brizola: “Quando o atual Deputado Henrique La Rocque foi candidato a Senador pelo Maranhão, eu, Neiva Moreira e Franklin de Oliveira nos empenhamos com toda a alma na tarefa que era menos a de levá-lo ao Senado do que a de forçar os interesses criados, quebrar a crosta dos quadros vigentes, permitindo novas soluções democráticas para a vida da
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nossa província natal. O candidato do Governo era o senhor Carvalho Guimarães, que o despeito dos velhos coronéis do PSD, obrigados a votar nesse veterano oposicionista por um capricho do destino, apelidava de Chapéu de Couro. No dia da apuração, numa comarca do Vale do Mearim, o chefão, ao mesmo tempo juiz, escrutinador e fiscal, desassistido da oposição, que não conseguira forçar as barreiras armadas do município, contava os votos: ro!
ro!
– Chapéu de Couro! Chapéu de Couro! Chapéu de CouDe repente, apareceu um irredento. E ele: – La Rocque! Ô diabo, quem votou nesse francês? E continuou a ladainha: – Chapéu de Couro! Chapéu de Couro! Chapéu de CouInesperado, outro voto: –La Rocque! E ele, rasgando, rápido, a cédula:
Não vale. Votou duas vezes. Aqui não tem dois homens com essa coragem...
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Conhecia seus vizinhos. Ali começava a democracia. Assim se elegiam governos legítimos e se faziam escolhas estupendamente majoritárias.” Homem do a favor, não apenas do contra, Neiva Moreira, enquanto semeado e construtor, viveu a vida a serviço, no Maranhão, no Brasil e no mundo, dividindo sonhos, combates e esperanças com personalidades como Juscelino Kubitschek, João Goulart, Leonel Brizola, Agustinho Neto, Fidel Castro e Samora Machel. E assim tornou continua a sua jornada, como o retratou Clóvis Sena, em Neiva Moreira: Testemunha de Libertação, a escrever história em múltiplos continentes. Como olvidá-lo, na narrativa em que recordou a madrugada quente de Luanda, em que acordou sob o tropel de 50 mil soldados cubanos, a cantar Guantanamera, guajira guantanamera/Guantanamera, guajira guantanamera, desembarcados para garantir a libertação de Angola, ameaçada pela reação nativa e internacional? Como esquecê-lo, a declarar, bem humorado, que respiraria política até depois de morto, na certeza de que seria longevo, como a sua gente, e
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mesmo já feita a grande viagem, ainda conservaria o sangue quente de quem viveu a vida em combate e a serviço? Este é o pensador presente nos valiosos depoimentos estampados neste extraordinário volume intitulado Neiva Moreira, Semeador de Rebeldias, organizado, de maneira impecável, pela proficiência do historiador Jhonatan Almada. Este reuniu testemunhos da mais alta estirpe, sobre o menino sertanejo que foi um dos maiores maranhenses de todos os tempos, grande entre grandes, autêntico cidadão de Atenas, ao ser e parecer um varão saído de épicas páginas, ‘um homem de Plutarco’. Nada melhor do que vincular este livro à Biblioteca Básica Maranhense, pois o personagem contribui para torná-la intemporal, com a sua aura de eternidade. Restará ainda o compromisso de reeditar os livros de que foi autor e organizar antologias sobre antologias do seu pensamento, inclusive, da sua contribuição pessoal nos Cadernos do Terceiro Mundo, ao estilo da providenciada pelo escritor Benedito Buzar quanto ao Jornal do Povo, do que resultou o volume Neiva Moreira, o Jornalista do Povo.
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Assim seja. Está servido o banquete do espírito, comprometido com a liberdade e a justiça, como sempre convém à gente da estirpe de José Guimarães Neiva Moreira, frente a quem se rodava o globo, parando-o com o dedo indicador, para escutar dele uma dissertação sobre lutas e sonhos de países e de povos em busca dos valores supremos da humanidade. Deles foi construtor e semeador Neiva Moreira, autenticamente, um varão saído de épicas páginas, ‘um homem de Plutarco’.
APRESENTAÇÃO | NÃO SINTO A MENOR AMARGURA Jhonatan Almada*
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E
ste livro se abriga na cooperação científica-cultural entre o Instituto Jackson Lago-IJL e o Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IEMA. A programação elaborada para o Centenário de Nascimento de Neiva Moreira inclui o lançamento deste livro e a inauguração do Acervo Neiva Moreira na Biblioteca do IEMA Praia Grande, acervo constituído pela biblioteca pessoal de Neiva doada por Beatriz Bissio.
Meu primeiro contato com Neiva Moreira se deu na banca do Bena em Caxias-MA. Ponto em que eu frequentava atrás de revistas e almanaques, interessado em saber da cultura global. Ali tomei contato com a revista Cadernos do Terceiro Mundo e descobri um conjunto de realidades até *Reitor do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IEMA ex-Secretário de então invisíveis para mim. Ciência, Tecnologia e Inovação, Mestre em EduEm geral, os países que cação pela Universidade Federal do Maranhão a Cadernos apresentava (UFMA). Especialista em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). eram ignorados pela míEspecialista em Formação Política e Políticas Púdia hegemônica ou quanblicas pela EFG/MA e Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Licenciado em História pela do lembrados destacavaUema. Publicou 20 livros, entre eles “Planejamen-se algo negativo, sempre. to e desenvolvimento do Maranhão”, “Maranhão: enigmas, desafios e urgências”, “Ignacio Rangel, decifrador do Brasil”, “Alternância do poder político no Maranhão” e “Governo Jackson: o legado”. As principais publicações estão disponíveis no ISSUU no link https://issuu.com/jhonatanalmada.
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A visão de mundo sobre a África, o Oriente Médio, a Ásia e a América Latina emergiram com uma riqueza de cores aos meus olhos. Histórias seculares e milenares de civilizações diferentes do modelo ocidental. Essa disposição de mostrar a diversidade só existia na revista Cadernos do Terceiro Mundo, nenhuma publicação atualmente se aproxima da linha editorial inaugurada pela Cadernos. Meu segundo contato com Neiva se deu pelo livro Pilão da Madrugada. Livro com longa entrevista narrando o arco de sua vida, do Maranhão para o Mundo. Tal leitura me fez utilizar na epígrafe de meu livro “A alternância do poder político no Maranhão” a citação que Neiva fez quanto à generosidade de três irmãs que socam o pilão para ajudar viajantes extraviados a encontrarem seu caminho nas madrugadas. Considerei importante trazer o discurso de Neiva Moreira ao assumir na Câmara dos Deputados, dia 15 de setembro de 1993, 29 anos após seu último mandato de deputado federal: Sr. Presidente, meus caros colegas, seria muito insincero se dissesse que não me encontro dominado por forte emoção ao
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retornar a esta Casa, onde durante três mandatos participamos de acontecimentos decisivos da vida pública do nosso País. Serei breve. Em outro momento procurarei fazer uma análise das realidades do nosso País e da nossa visão pessoal e partidária de como encarar esses problemas. Agradeço aos colegas as generosas palavras que aqui ouvi. Elas me incentivam e fazem com que eu me comprometa não apenas a procurar manter uma história de lutas, que não foram apenas minhas, mas de toda uma geração política que por aqui passou, mas também a trazer a esta Casa novas contribuições, sofrimento, as lutas, as dificuldades, as intempéries e os confrontos políticos enriqueceram a nossa biografia. Sr. Presidente, caros colegas, encontro-me profundamente preocupado com o destino do nosso País, talvez mais do que naqueles dias sombrios e dramáticos que aqui viemos, quando daquela tribuna que ali está nos arrancaram para o cárcere, para quinze anos de exílio terrivelmente suportado pela ausência da nossa Pátria e, sobretudo,
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pela ausência da nossa querida e estremecida terra do Maranhão. Quero dizer que a melhor contribuição que podemos dar a este País, neste momento, é procurar revitalizar a instituição parlamentar, fazer com que este Plenário, que em muitos momentos da nossa história fez estremecer o País mobilizando a opinião nacional, possa ser de novo expressão das profundas inquietações que dominam o povo brasileiro e também sua esperança no futuro. Não sinto a menor amargura. Esses anos de ausência do Parlamento e da Pátria não foram perdidos. Quando o exílio me levou à África, às margens do Rio Congo, sentia que os problemas que ali se verificavam, que faziam padecer o seu povo, eram iguais aos que vivíamos no Rio São Francisco e no Parnaíba. Eu achava que as novas ideias, as novas realidades, o novo conhecimento que incorporava através do sacrifício e da luta, poderiam permitir melhores, mais profundas e mais tranquilas contribuições no sentido de solucionar nossos problemas. No fu-
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turo, seguramente, vamos nos encontrar muitas vezes aqui neste microfone, não apenas concordando, mas também discordando. Espero, sobretudo, Sr. Presidente, que estejamos unidos pelo desejo de servir ao País para transformá-lo na grande Pátria do futuro, que é o símbolo das nossas esperanças e aspirações. (Muito bem! Palmas.)
O discurso nos dá a dimensão humanista de Neiva Moreira, ao final, sua luta para resolver os problemas do povo era comum a qualquer lugar do mundo. O mais relevante ainda é que Neiva não guardou mágoas e apresentava neste discurso a mesma vontade de contribuir para o Brasil encontrar sua grandeza. Atitude rara em tempos de ódios exacerbados e fascismos armados. Em face disso, devo destacar que este livro foi organizado em 2012 e aguardou ventos favoráveis para ser publicado. Neiva Moreira (1917-2017) é homenageado pelos autores desta coletânea de textos que compõem o livro. Os escritos foram produzidos no ano de falecimento de Neiva (2012) e
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por isso trazem balanços afetivos e históricos, próximos ao sentimento da perda e de efemeridade da vida, mas, sobretudo o de admiração e arrebatamento. “Neiva Moreira, semeador das rebeldias”, cujo título se inspirou no texto de Raimundo Palhano está organizado em três partes; antecedidas pelo brilhante prefácio de Rossini Corrêa e finalizadas pela empolgante contracapa de Natalino Salgado Filho. Na primeira parte, destacamos os textos de Beatriz Bissio, Mauro Santayana, Theotônio dos Santos, Sebastião Nery e Paulo Cannabrava Filho, companheira e companheiros de Neiva ao longo da vida de militância jornalística, política e intelectual. Expressam a projeção nacional e internacional de Neiva Moreira na defesa da Nação brasileira e das nações do Terceiro Mundo, onde trabalhou em praticamente todos os governos progressistas e conheceu a maioria de seus líderes. A segunda parte do livro traz textos de Flávio Dino, Raimundo Palhano, João Batista Ericeira, José Reinaldo Tavares, José Ribamar Bessa Freire, Franklin Douglas e F. C. Leite Filho. Todos ressaltam a grande capacidade militante e de liderança de Neiva Moreira ao enfrentar episódios cruciais
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de nossa história, como a Greve de 1951, a Ditadura Militar de 1964, a Redemocratização de 1985, a eleição que sagrou Jackson Lago governador em 2006. A forte impressão de que Neiva Moreira trazia consigo uma força imensurável na luta pela justiça social, força a qual sua idade biológica era incapaz de deter. A última parte traz textos de Vitor Hugo Soares, Fonseca Neto, Antônio Capistrano, Helena Heluy e Sálvio Dino. Comparecem as memórias com Neiva Moreira e os acontecimentos poderosos em que participou ativamente. A prodigiosa memória de Neiva lhe permitia falar por horas sobre todos os assuntos, muitos deles se tornaram livros clássicos da política e jornalismo brasileiros. O livro traz como anexos registros do retorno de Neiva Moreira ao Maranhão após o exílio. Os jornais pertencem ao Acervo do Instituto Jackson Lago e ilustram o entusiasmo popular e a capacidade de mobilização de Neiva como líder político. O Comitê de recepção à Neiva era liderado por Jackson Lago, produziram cartazes, panfletos e conseguiram despertar a energia então adormecida por imposição do exílio.
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A última imagem que tive de Neiva não foi do seu próprio sepultamento, mas sim dele carregando o caixão de Darcy Ribeiro. O tema geracional emerge. Neiva e a estirpe de homens públicos que não se servem do poder se extinguiu ao longo da última década. Poucos podem afirmar que saíram dos mandatos exercidos tão pobres quanto entraram. A paixão com que se colocaram para resgatar a dignidade do povo brasileiro deve estimular nossa geração, ser montanha a qual se aspira subir.
1 | NEIVA MOREIRA E O COMPROMISSO POLÍTICO
NEIVA MOREIRA Beatriz Bissio*
A
cabo de saber por minha filha Micaela que o Neiva Moreira - seu pai, meu companheiro de caminhada por quase três décadas - está internado no Hospital São Domingos, em São Luís, e que o seu estado inspira muitos cuidados. Escrevo para aliviar o meu sentimento de dor diante do quadro, diante de um desenlace que sabemos que um dia chegará, mas diante do qual todos sentimos a mesma impotência e perplexidade. Um desenlace que nos abre tantos interrogantes sobre o sentido da vida e da morte, e nos coloca a necessidade de fazer balanços e retrospectivas...
*Jornalista, historiadora e cientista política. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fundadora da revista Cadernos do Terceiro Mundo.
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Nestes momentos a pergunta que mais martela na minha cabeça é: qual deveria ser a punição por matar um sonho? Que pena merece quem nos tira o sonho que nos alimenta a vida? Pode parecer a primeira vista uma pergunta pouco pertinente, mas não é. Quem conhece o Neiva sabe de seu amor ao Maranhão; sabe que o Maranhão foi o eixo em torno do qual ele teceu a sua vida pública e sua militância política. Quando eu o conheci, no exilio do Uruguai, entre as primeiras coisas que fez questão de me apresentar do Brasil estavam o doce de buriti e o guaraná Jesus - que ele recebia através das visitas anuais de sua irmã Gel, do filho Antonio Luis e da sobrinha Memélia - e a “Canção do Exílio”, do poeta maranhense Gonçalves Dias, que ele recitava como se fosse de sua autoria, tal a identificação que sentia com aqueles versos, principalmente com os que enfatizava sempre: “Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá”... Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá;
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As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. (…) Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Quando finalmente o Neiva voltou do exílio, após a anistia, fez questão de optar por uma conexão aérea no mínimo exótica, com uma escala no Amazonas, para viajar diretamente do México ao Maranhão, sem passar primeiro pelo Rio nem por São Paulo... Essa devoção ao Maranhão, que sonhava democrático e livre!, livre da pesada carga que lhe tinham imposto gerações de políticos elitistas e corruptos, contra os quais ele sempre se insurgira, primeiro como jornalista e, depois, como político que representava uma renovação na atrasada geografia política local, teve um desfecho feliz quando Neiva Moreira entrou no Palácio dos Leões, em janeiro de 2007. Pelo braço
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do amigo, irmão, companheiro de lutas, Jackson Lago e das forças políticas que o tinham conduzido à vitória, Neiva Moreira recebia a mais clara demonstração de que a sua vida de luta - a prisão, o exílio - tinham valido a pena. As sementes de rebeldia que ele tinha ajudado a plantar estavam dando frutos... Jackson Lago nomeou Neiva Moreira o seu assessor especial e o colocou perto dele, no Palácio dos Leões, numa sala por onde passavam prefeitos, deputados, amigos, correligionários, e até adversários políticos, que ele sempre atendia prontamente e ouvia com extrema paciência, buscando encaminhar da melhor forma possível as suas reivindicações, sugestões ou mesmo críticas. Vieram depois dias tenebrosos e inesquecíveis: a canalhice e a mesquinharia, a corrupção e a mentira tomaram conta dos destinos do Maranhão. Mais uma vez, o Neiva acompanhou a resistência. Mesmo com a saúde já debilitada, esteve no Palácio dos Leões, resistindo junto ao amigo e irmão Jackson Lago, até o desfecho.
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Quando saímos do Palácio dos Leões, acompanhando Jackson Lago, naquele dia que ficará para sempre gravado na nossa memória e que os historiadores do futuro chamarão DIA DA VERGONHA - porque um governador dignamente eleito foi tirado do cargo em nome da lisura eleitoral pelo grupo político que mais pisoteou na história deste país tudo o que pode ser lisura!!!! - eu tive a nítida sensação de que aquilo que para qualquer um de nós era um dia profundamente doloroso, para o Neiva era como uma sentença de morte! Senti que muitos de nós talvez teríamos tempo, ainda, de ver germinar as sementes da rebeldia e de ver o povo do Maranhão dando a sua resposta a esse ato covarde que teve a chancela da Justiça. Mas, senti que para o Neiva o tempo não era o mesmo e que ele percebia isso nitidamente. Do alto de seus mais de 90 anos, ele sabia que dificilmente chegaria a ver o dia em que novamente o povo do Maranhão tomaria o destino nas suas mãos. De lá para cá, o Neiva mergulhou nas lembranças do passado, buscando nelas o alívio para o peso do presente. Voltou a viver com intensidade os anos de juventude, as lutas que ele
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protagonizou junto a homens e mulheres que tanta falta nos fazem hoje – Brizola, Dona Neuza, Darcy Ribeiro, João Goulart, Edmundo Moniz, Luiz Carlos Prestes, Maria Aragão, Brandão Monteiro, Doutel de Andrade, Lysaneas Maciel, e tantos outros que já não estão mais entre nós e que semearam este país de sonhos de futuro. Ao tirar o mandato de Jackson Lago, o grupo de forças políticas do Maranhão que representa o atraso estava tirando do Neiva o sentido de sua vida! Tinham apunhalado o seu maior sonho: o de viver para ver o novo Maranhão germinar!! E, sem alimento para a sua alma inquieta, ele começou a definhar... Diante da notícia de seu estado de saúde, esta foi a forma que encontrei de prestar-lhe homenagem! Querido Neiva: seu sonho não morrerá! Nós não vamos esquecer as suas lições de vida e continuaremos a lutar por seus ideais.
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NEIVA E O COMPROMISSO POLÍTICO DO JORNALISTA Mauro Santayana*
A
morte de Neiva Moreira reclama algumas reflexões sobre o jornalismo e a política. A imprensa nunca foi inocente. Os donos de jornais — mas, da mesma forma, os jornalistas — atuam de acordo com seus interesses e suas ideias, e dessa atuação não se ausenta a questão fundamental do homem, a do poder. *Jornalista autodidata brasileiro. Prêmio Esso A vida de Neiva Moreira foi a de excepcional jornalista engajado. Embora fosse de uma grande família no Maranhão, nascera em seu ramo menos afortunado, filho de modestís-
de Reportagem de 1971, fundou, na década de 1950, O Diário do Rio Doce, e trabalhou, no Brasil e no exterior, para jornais e publicações como Diário de Minas, Binômio, Última Hora, Manchete, Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil onde mantêm uma coluna de comentários políticos. Cobriu, como correspondente, a invasão da Checoslováquia, em 1968, pelas forças do Pacto de Varsóvia, a Guerra Civil irlandesa e a Guerra do Saara Ocidental, e entrevistou homens e mulheres que marcaram a história do Século XX, como Willy Brandt, Garrincha, Dolores Ibarruri, Jorge Luis Borges, Lula e Juan Domingo
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simo comerciante, e em uma das mais pobres comunidades do Estado, embora com o nome de Nova York. Como todo menino pobre que se torna órfão — em seu caso beneficiado pela sobrevivência da mãe professora, que incentivou suas leituras — Neiva teve que trabalhar tão logo o corpo permitiu. Vendedor de quitandas, ajudante de barqueiros, cobrador de mensalidades de pequena associação, ele se fez do melhor barro humano. Como a maioria dos jornalistas daquele tempo, Neiva não chegou a concluir o curso médio. Desde a adolescência, sua formação se fez nas redações. Quando São Luís se tornou pequena para o jovem de 25 anos, que já se destacara como dos grandes redatores da cidade, Neiva buscou o Rio. Nos anos seguintes seu nome se firmaria como um dos mais atilados repórteres e analistas políticos brasileiros, preocupado com o inquietante jogo do poder, em seu estado, no país e no mundo. Perón. Amigo e colaborador de Tancredo Neves, contribuiu para a articulação da sua eleição para a Presidência da República, que permitiu o redemocratização do Brasil. Foi secretário-executivo da Comissão de Estudos Constitucionais e Adido Cultural do Brasil em Roma.
Neiva se preservou, até o fim, fiel aos ideais de juventude, nas lutas políticas e no jornalismo.
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Essa preocupação o levou de volta a São Luís, e à direção de um jornal diário, o Jornal do Povo, de oposição férrea ao então “dono” do Maranhão, Vitorino Freire. Tornou-se líder na cidade e se elegeu deputado estadual três vezes, antes de tornar-se deputado federal. Conheci Neiva nos anos cruciais de 1961 a 1964, que marcaram a nossa geração com a esperança, a frustração e a luta que se seguiu até a redemocratização do país. Como ele conta em suas memórias “O pilão da madrugada” e no prefácio que fez à biografia de Leonel Brizola, de Leite Filho, coube-me a missão, entre outras, a mim confiadas por Brizola, de encontrá-lo em La Paz, ainda em 1964, e acompanhá-lo a Montevidéu. Fiz a viagem, clandestina, como era necessário, em barco até Buenos Aires e o resto do trajeto por trem. Neiva não pôde se desembaraçar de compromissos urgentes — entre outros, o de sua participação na assessoria de imprensa do presidente Paz Estenssoro, que ele conhecia havia anos. Eu — também com a agenda comprometida — retornei a Buenos Aires no prazo previsto.
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Entre suas lembranças marcou-lhe o fato de eu haver deixado com ele uma pistola Luger, para que se protegesse em alguma eventualidade, durante seu futuro deslocamento ao Uruguai. Eu ainda possuía outras duas armas. Meses depois, o golpe de estado de Barrientos levou-o, e a outros companheiros nossos que lá se encontravam, como José Serra, José Maria Rabelo, Marcelo Cerqueira, Joel Rufino dos Santos, Paulo Alberto (Artur da Távola), a deixar a Bolívia. O presidente Paz Estenssoro também foi obrigado a exilar-se. Três anos depois disso, Guevara morreria na Bolívia. Um bom jornalista sempre encontra trabalho. Em La Paz e em Montevidéu, Neiva sempre trabalhou, e muito. Em Montevidéu, chegou a editar o jornal Ahora, de grande êxito, enquanto durou. Além desse encontro em La Paz, recordo outro, em Havana, em 1965 ou 66, não registrei a data. Narro-o para mostrar outra face de Neiva, a do amigo fraterno. Uma noite, bateram à nossa porta. Era um oficial do Ministério do Interior, que me convidou a acompanhá-lo. Fomos em silêncio, até que, duas quadras adiante, junto a um poste, Neiva me esperava.
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O cubano se afastou discretamente, e conversamos durante uns vinte minutos. Neiva só queria saber como nos encontrávamos, com os nossos filhos. Se eu estava bem, com meu trabalho como jornalista, se precisava de alguma coisa. Deu-me notícias dos outros companheiros e de nossa luta. Não, não precisávamos de nada: felizmente estávamos bem de saúde e no trabalho. Neiva era o amigo um pouco mais velho, com seu afetuoso cuidado para conosco. Em Brasília, quando ele exerceu o mandato de deputado federal, a partir de 1991, víamo-nos sempre. Era homem alegre, cheio de esperanças, de amor a nosso país e de confiança em nosso povo. Neiva Moreira sempre teve um lado. Como recomenda Ricardo Kotscho, todos os jornalistas devem ter seu lado. A narração fiel dos fatos não impede o compromisso do homem e do cidadão para com suas ideias e para com sua forma de ver e viver o mundo. Se houvesse — e felizmente não há, por mais que se proclame essa inverdade — absoluta imparcialidade em algum jornalista, ele não seria bom profissional, posto que desprovido de emoção, essa condição essencial de nossa espécie. Seria uma forma de andróide, não ser humano.
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NEIVA MOREIRA Theotônio dos Santos*
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onheci Neiva Moreira como líder da Frente Parlamentar Nacionalista. Era uma espécie de pilar de uma resistência inabalável. Ele era o baluarte também da Frente Popular cujo líder principal era Leonel Brizola. Nesta Frente convergiam todas as forças populares: A recém-criada Confederação Geral dos Trabalhadores, as Ligas Camponesas de Julião, o Comando Geral dos Trabalhadores Agrícolas do PCB, a Frente Parlamentar Nacionalista que liderava Nei*Economista político e sociólogo brasileiro. va, a União Nacional dos EstuUm dos formuladores da Teoria da Dependantes (unida por uma frente dência, é um dos principais formuladores de esquerda cuja liderança pasda Teoria do Sistema Mundo. Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasava já para a Ação Popular), a sília (UnB) e doutor “notório saber” pelas União dos Estudantes SecunUniversidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e Fluminense (UFF). Professor dários, os Militares Nacionaemérito da UFF. Atualmente é Pesquisador Nacional Sênior da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Presidente da Cátedra e Rede da UNESCO sobre “Economia Global e Desenvolvimento Sustentável” - REGGEN.
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listas, o Comando Nacional dos Sargentos, as várias organizações partidárias de esquerda, o PCB, a Ação Popular, o PCdoB, a POLOP, o Movimento Tiradentes. Apesar da curta vida desta Frente e a pouca teorização sobre seu significado histórico, ela foi o gérmen de uma Assembleia Popular naqueles tempos de radicalização popular Nacionalista e Democrática, com fortes tendências socialistas influenciadas pela radicalização da revolução cubana. O golpe de Estado de 1964 esmagou num primeiro momento esta Frente e jogou para o exterior grande parte das lideranças que a formavam. Neiva foi primeiro para o Uruguai onde, junto com Leonel Brizola, buscou concentrar a resistência revolucionária ao golpe do grande capital internacional e nacional, assentado sobre as alas mais reacionárias das forças armadas latino-americanas e internacionais, sob o comando dos Estados Unidas da América. Neiva tinha contudo uma especial confiança na possibilidade de formarem-se exércitos progressistas que pudessem sustentar regimes populares nacional-democráticos, inspirado particularmente no fenômeno do Nasserismo que se insurgia sobretudo no Mundo Árabe. Daí se fortalecem as suas fortes convicções
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Terceiro-Mundistas. Na época da Organização Trilateral, inspirada, sobretudo em Cuba, na época do movimento dos não-alinhados que desenvolvia o espírito de Bandung, liderado pela China revolucionária, pela Índia republicana, pela Indonésia em rebelião, pelas revoluções anti-coloniais da África, do Oriente Médio, da Ásia insurrecta, que tinha sua expressão mais alta na luta das nações que formavam a Indochina imposta pelos franceses, em seguida derrotados pelas mesmas forças que derrotariam o gigantesco aparato militar dos Estados Unidos. Poucos brasileiros estiveram inspirados tão profundamente por um poderoso sentimento internacionalista. Sozinho, no meio deste mundo de fortes esquemas de força, Neiva Moreira levantou firmemente a bandeira do Terceiro Mundo, ao criar, desde o Uruguai, a revista Cadernos do Terceiro Mundo. Modesta nos seus começos, a revista foi-se convertendo numa bandeira e num símbolo que abrigava toda uma onda revolucionária mundial que ligavas as lutas culturais do Maio Francês de 1968, a insurreição juvenil dos Estados Unidos, os vários levantes militares progressistas na África e na Ásia, a presença crescente da União Soviética ao lado
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destes governos, a emergência sempre assustadora da China vermelha. As várias derrotas que sofria o movimento popular universal não impediam seu desenvolvimento. As dificuldades da confrontação entre a direita uruguaia convertida ao golpismo fascista levaram no começo da década de 1970 os Cadernos do Terceiro Mundo para o Peru comandado pelo governo revolucionário de Velasco Alvarado. O desgaste do Peru revolucionário, a queda do Chile revolucionário, democrático e socialista levara Neiva, como muitos de nós que sofremos os efeitos desta onda contra-revolucionária e terrorista, para o México que abrigava com orgulho os perseguidos de todo o mundo. Para aí se deslocam os Cadernos do Terceiro Mundo e tive a oportunidade de conviver mais intensamente com Neiva Moreira. Eu vi seu esforço heroico para reerguer os Cadernos do Terceiro Mundo como uma importante proposta autônoma cuja independência lhe permitia expressar exatamente as dimensões globais desta luta planetária. A Revolução dos Cravos em Portugal e os regimes pós-coloniais na África portuguesa lhe permite criar uma edição dos Cadernos do Terceiro Mundo em português, ao lado da edição em espanhol que encontrava no México uma clientela culta e militante. A aproximação com os “exilados”
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norte-americanos perseguidos pelo marcartismo e a revivida esquerda norte-americana permite-lhe criar uma edição em inglês dos Cadernos do Terceiro Mundo. Aí formamos um grupo de brasileiros de primeira linha que ajudou a revista do Neiva, assentada em grande parte na dedicação e competência de sua companheira uruguaia, Beatriz Bissio, a ganhar estes novos ares universais. A presença de Francisco Julião, do Ruy Mauro Marini, da Vania Bambirra e minha, de Betinho e vários outros companheiros não somente brasileiros, mas de uma plêiade de intelectuais latino-americanos de primeira linha, unidos à colossal intelectualidade mexicana, herdeira da primeira grande revolução do século XX, permitiu à Revista alcançar um altíssimo grau de desenvolvimento. Estes anos também abriram caminho para uma rearticulação da esquerda brasileira esmagada na sua tentativa insurrecional contra um regime militar que começava a demonstrar seus limites. A expulsão de Leonel Brizola do Uruguai e sua genial iniciativa de dirigir-se aos Estados Unidos de Jymmy Carter, impedindo assim que se submetesse ao isolamento ao que pretendiam lançá-lo os militares golpistas brasileiros, abriu caminho para que o México se convertes-
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se, com a Lisboa pós-colonial, num dos principais centros da rearticulação do movimento popular em que nos havíamos encontrado em 1962. A tarefa de reerguer um Partido Popular no Brasil galvanizou as energias revolucionárias de Neiva Moreira. Ele se converteu assim no homem forte da Leonel Brizola. O reencontro com Darcy Ribeiro deu uma nova dimensão à luta pela rearticulação do Trabalhismo. Com a morte de Goulart, a liderança de Brizola se convertia no herdeiro incontestável daquelas forças populares contra os quais se impôs o consenso reacionário da classe dominante brasileira assim como de um amplo setor da nossa classe média. Nos anos 70, um setor cada vez mais amplo destas classes médias se afastava do regime militar e abria caminho para um grande frente oposicionista. O surgimento de uma classe operária especializada e muito significativa em São Paulo abria o caminho para uma dimensão operária da luta anti-fascista que levara à criação do Partido dos Trabalhadores. A Igreja Católica brasileira se via obrigada a um enfrentamento crescente com um regime que entrava em contradição com suas bases e seu trabalho evangelizador. Participante ativa do golpe de 1964, a Igreja buscava num partido novo,
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sem compromissos com o “populismo” trabalhista, um aliado fundamental, fortalecendo a proposta petista. Esta nova correlação de forças permitia o triunfo do espírito pós-1964. Tentava-se cortar o fio da história que Leonel Brizola tanto pensava salvaguardar. Neiva Moreira, como todos nós, viu assim suas grandes esperanças nacionais ruírem-se pouco a pouco com as sucessivas derrotas da candidatura de Brizola à presidência. Apesar de que já se enraizara fortemente no Rio de Janeiro ao lado de Brizola e dos governos trabalhistas que se impuseram neste estado Neiva sentiu a necessidade de voltar ao seu estado natal. Aquele Maranhão que se convertera na base política daquele jovem militante da facção conhecida como “bossa nova” da União Democrática Nacional que buscou criar um núcleo de forças mais abertas nos anos de 1960 e terminou convertendo-se num dos baluartes da ditadura, convertendo seu estado numa base orgânica de seu grupo familiar. A volta de Neiva termina na vitória do PDT no Maranhão. Mas era incrível ver como a família oligárquica de Sarney consegue voltar ao poder através de um golpe no “tapetão”, com a ajuda imoral da justiça eleitoral do Maranhão. O governador do PDT é retirado do governo sob uma acusação absurda do uso da compra de votos. Posso
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imaginar o desgosto de Neiva nessa situação. Seu amigo governador um dos poucos homens honestos da política brasileira – e ele terminam entregando-se ao descanso final. Não convivi com Neiva nesses últimos anos, mas posso imaginar sua dor. Será que no Brasil haverá um lugar para os Neiva Moreira, nascido na Nova York do Terceiro Mundo, com todo um sistema contra seu desenvolvimento, nada podendo impedir seu agigantamento como homem, jornalista, deputado, exilado ilustre articulador de poderosas forças internacionais e nacionais que atraem as mais poderosas forças reacionárias do planeta, base de sustentação da reorganização política e ideológica. De um Brasil fechado ao seu sonho de importante participante da criação do mundo contemporâneo. O Brasil da criação de Brasília, cidade modelo do mundo moderno, o Brasil da maior festa do mundo, que encontra seu ponto mais alto no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, espetáculo colossal criador de um fenômeno arquitetônico único: o sambódromo, o Brasil do Maracanã, estádio de uma das mais fortes forças de energia humana desportiva, o Bra-
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sil da bossa nova, do teatro do oprimido, da pedagogia da libertação, e de tantas outras manifestações de força cultural própria que Darcy Ribeiro mostrou ser uma nova civilização. Neiva Moreira é um filho e um protagonista deste Brasil que se ergue como povo num grande projeto de transformação social. Com o correr do tempo, em seu Maranhão querido, terá uma tumba de um Prócer amado pelo seu povo, aí se restabelecerão no poder as forças sociais que ele ajudou a conduzir à vitória. Tenho a honra de ter convivido com ele num dos momentos mais exitosos de sua vida. De ser seu amigo e companheiro. De continuar trabalhando pelos mesmos ideais pelos quais ele lutou. De lutar para que seu nome esteja reconhecido na altura de sua contribuição para a nossa história brasileira, latino-americana e de todos os povos que lutam por sua emancipação.
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UM HERÓI Sebastião Nery*
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IO – O deputado cassado Neiva Moreira, editor dos “Cadernos do Terceiro Mundo” (excelente revista em português, inglês e espanhol), foi a Beirute entrevistar os dirigentes dos partidos libaneses: Partido Progressista, Partido Murabitum, Partido Baath e Partido Comunista. Depois de vencer rigoroso esquema de segurança, Neiva chegou à rua Afif At-Tibl, perto da Universidade Árabe, e entrou num pequeno escritório *Jornalista há 52 anos, desde Janeiro para conversar com o secretário de 1952 tendo começado em Minas do Partido Comunista do Líbano: Gerais. Trabalhou em jornais, radios - Bonjour. - Bonjour, não. Bom-dia. Falo português. Sou brasileiro.
e televises de Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Fundou e dirigiu jornais em Minas Gerais “A Onda”, Bahia “Jornal da Semana”, São Paulo “Dia Um” e Rio de Janeiro “Politika”. Correspondente internacional de jornais e revistas em Moscou, Praga e Varsóvia entre 1957 e
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- Brasileiro e dirigente do Partido Comunista libanês? - Nasci no Acre. Minha mãe era acreana, casada com um libanês. Com 7 anos veio e me trouxe. Tenho uma irmã em Paris e um irmão no Brasil, o ministro da Comunicação Said Farhat. Somos amigos. Politicamente menos. E Albert Farhat, alto, forte, 40 e poucos anos, cabelos pretos, simpático, falou duas horas a Neiva. Quando terminou, desculpou-se: - Estou muito preocupado hoje, porque meu filho está na frente de luta. Tínhamos até planejado que outro companheiro, o segundo secretário, também conversasse com você. Mas o Abi-Akel teve de sair. - Quem? Abi-Akel? Irmão também do nosso ministro? 58; “Isto É” e diversos jornais em Portugal entre 1975 e 76, e na Espanha em 77; adido cultural do Brasil em Roma entre 1990 e 91, e em Paris entre 1992 e 93. Atualmente escreve uma coluna diária publicada em jornais de 20 estados; programa de TV na “Rede Minas”, conferencista e escritor.
- Não. Primo. Neiva saiu sem saber se tinha entrado no Palácio do Planalto.
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BAGDÁ Neiva estava numa recepção no palácio de Saddam Hussein, em Bagdá, Iraque, e conversava com o coronel Melo Antunes, presidente do Conselho da Revolução de Portugal. Vai chegando um homem de óculos: - Os senhores aí falando português? - Sou o Melo Antunes, de Portugal. Ele, o Neiva Moreira, do Brasil. - E eu o Camilo Pena, ministro da Indústria e Comércio do Brasil. Aproxima-se o general Samuel Correia, embaixador do Brasil em Bagdá. Camilo Pena apresenta-os, o general surpreende-se: - Do Maranhão? Os maranhenses são poetas, escritores. Também é? - Infelizmente não, embaixador. Os senhores não me deram tempo.
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LIBIA Uma delegação de onze deputados foi a Trípoli, na Líbia, conhecer a terra de Kadafi. Com eles, o deputado Neiva Moreira, o brasileiro de maiores ligações e maior prestígio em todo o Terceiro Mundo. Da delegação fazia parte o deputado Iranildo Pereira, do PMDB do Ceará, sertanejo duro e seco lá do Cariri. Ficou escandalizado com o hábito árabe de os homens andarem na rua de mãos dadas e se beijarem no rosto: - Seu Neiva, essa história de homens de mãos dadas nas ruas se beijando na cara, essa não. No Ceará não tem disso não. Os líbios ofereceram um banquete à delegação brasileira. Neiva chamou o delegado da OLP (Organização pela Libertação da Palestina): - Abu, preciso de um favor seu. Vou lhe apresentar um deputado brasileiro que está intrigado com o hábito árabe do beijo no rosto entre homens. Quando você falar com ele, dê-lhe dois beijos seguros.
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Iranildo chegou, Neiva apresentou o Abu, que lhe sapecou duas beijocas estaladas nas bochechas. Iranildo quase esmurrou o árabe. NEIVA Na semana passada, em Paris, a chuva despejava bolas de granizo na janela do hotel e de repente a internet informou a morte de Neiva Moreira, aos 95 anos. Logo me lembrei do saudoso Paschoal Carlos Magno: - A partir de certa idade nossa vida é uma alameda de amigos mortos. Neiva Moreira foi um dos meus mais fascinantes amigos no jornalismo e na política. Deputado estadual em 1950, em 1953 o levamos ao Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Belo Horizonte para uma conferência sobre a campanha do Petróleo é Nosso e da Petrobrás. 55 anos depois, no Réveillon de 2007, ele quase cego, estávamos os dois, emocionados, na posse de Jackson Lago no governo do Maranhão. Foi uma vida bonita, valente, universal, generosa, venturosa e aventurosa.
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JORNALISTA Nascido em 1917, em Nova Iorque, no Maranhão, aos 15 anos já dirigia o jornal “A Luz”, em Floriano, no Piauí. Em Teresina, com Carlos Castelo Branco, fundou “A Mocidade”. Em 1942 já estava no Rio em “O Jornal” e “O Cruzeiro”. Em 1950, funda em São Luís o “Jornal do Povo”, elege-se deputado estadual. Em 1954, 58, 62, federal. Presidente da Comissão da Câmara para Transferência da Capital para Brasília, Juscelino me disse que sem ele dificilmente teria inaugurado Brasília em 1960. Um dos fundadores da Frente Parlamentar Nacionalista, o golpe militar de 1964 o cassou na primeira lista. Preso meses, asilou-se no mundo. Nenhum exilado brasileiro viveu em tantos países, fugindo de golpes. Foi para a Bolívia, golpe. Para o Uruguai, golpe. Para a Argentina, golpe. Para o Peru, golpe. Para o Chile, golpe. Afinal, México e Europa, sempre jornalista, com seus imbatíveis “Cadernos do Terceiro Mundo”. Anistiados, ajudamos Brizola a criar o PDT. Fez vários mandatos de deputado federal pelo seu Maranhão. Um herói nacional: 80 anos de lutas.
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MINHA MEMÓRIA DO NEIVA MOREIRA Paulo Cannabrava Filho*
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onheci o Neiva Moreira pessoalmente quando ele era secretário da Frente Parlamentar Nacionalista e eu, repórter político do Correio da Manhã, chefe de redação da Rádio Marconi além de correspondente da Prensa Latina em São Paulo. Desde muito antes o conhecia de nome, de ler suas reportagens e de ler notícias sobre seus feitos *Trabalhei durante dez anos como como repórter e como deputado repórter, repórter de política, editor de política, em importantes jornais federal. Neiva era o tipo de jornado Rio (Correio da Manhã) e de São lista que todo foca gostaria de ser. Paulo (Última Hora, A Nação e Folha Como repórter ele se tornara fade São Paulo). Dirigi o jornalismo da Rádio Marconi e fui correspondente de moso por ter entrevistado Nasser Prensa Latina. Isso até 1968 quando após a guerra de Suez e por ter seu tive que deixar o país para escapar de perseguição política. Foram 12 anos de exílio até meu retorno em março de 1980. Nesse período trabalhei em Radio Havana, Cuba, na Agência France Press na Bolívia e no Peru, fui editor no El Nacional de Bolívia e no Expre-
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jornal destruído por capangas de Vitorino Freire, o udenista que, bem no estilo do clã Sarney, capturara o governo do Maranhão por décadas a serviço de seus interesses. Para nós que nos julgávamos de esquerda, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro e militando no PCB, parecia-nos raro que o combativo secretário da Frente Parlamentar Nacionalista fosse do PSP – o Partido Social Progressista – que tinha como chefe Adhemar Pereira de Barros, um oligarca paulista milionário. Mas, foi como militante do PSP e como jornalista que Neiva teve importante papel na derrota do clã de Vitorino Freire que por 40 anos dominava a política maranhense. Como deputado federal em seu terceiro mandato Neiva coordenou a mudança da Câmara Federal para Brasília. Participou ativamente das articuso de Lima, e finalmente, de 1977 a lações que garantiriam a posse de 1980 estive no Panamá, como responJoão Goulart na crise de agosto de sável pela comunicação na Comissão 1961 e integrou a frente de sustende Negociação dos novos Tratados do Canal e diretor da Agência Intertação do governo, batalhando pepress. De 1975 a 2005 integrei a equilas reformas de base. Em abril de pe de Cadernos do Terceiro Mundo, o meio alternativo de maior duração na 1964, por seu comprometimento América Latina, que chegou a circular com edições em português, espanhol e inglês, distribuída em três continentes (América, Europa e África).
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com o governo nacionalista e reformista de Goulart esteve na primeira lista de cassados e perseguidos políticos. Asilou-se na Bolívia, onde no início dos anos 1950 havia ocorrido uma revolução nacionalista e anti-oligarca, protagonizada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), sob a liderança de Paz Estenssoro e Silez Suazo que triunfou em 1952. Neiva acompanhara essa revolução e forjara grande e duradoura amizade com líderes do MNR. Contudo, Neiva logo teve que deixar o país após o golpe de Rene Barrientos que em setembro de 1964 depôs o governo de Victor Paz obrigando-o a partir para o exílio. Sem condições de permanecer na Bolívia foi para o Uruguai. Lá era uma referência na articulação da resistência à ditadura brasileira. E viria a ser uma referência também no jornalismo do país ao contribuir para a fundação de vários semanários de esquerda e, depois, ser convidado para assumir o comando da redação do jornal diário “Ahora”. Ao lado de Leonel Brizola esteve na articulação dos primeiros movimentos de resistência armada que culminou na guerrilha de Caparaó.
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No início da década de 1970, por duas vezes estive com Neiva em Montevideu. Com Neiva, Darcy Ribeiro, Paulo Shilling, Carlos Olavo. Em reuniões com Neiva e Carlos Figueiredo de Sá, conspirávamos, trocávamos informações sobre a organização e desenvolvimento da resistência nos vários países em que se espalhou a diáspora brasileira. Essas reuniões tinham que ser feitas com muito cuidado, pois os asilados eram monitorados por agentes brasileiros e uruguaios. Apesar disso, a realização dessas reuniões não escapara da arapongagem uruguaia-brasileira. Informes dos repressores agora a disposição no Arquivo Nacional dizem que eu era emissário do Neiva e do Carlos Sá enviando matérias jornalísticas contra o governo brasileiro para editores e meios de outros países. Em setembro de 1973 nos encontramos em Argel, ambos cobrindo a IV Conferência de Cúpula dos Países Não Alinhados. Eu como repórter do diário Expreso, de Lima e Neiva pelo “Ahora”, de Montevidéu. Nessa altura, com o Uruguai também vítima de golpe de estado, Neiva estava na mira da repressão, pois seu nome começara a ser citado nos
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interrogatórios aos presos políticos, em particular aos militantes tupamaros. Claro que em Argel aproveitamos a oportunidade para estreitar relações com os asilados brasileiros lá residentes: o deputado cassado Maurílio Ferreira Lima, os irmãos Murthé, o capitão Altair Campos. O mais importante deles era Miguel Arraes, que vivia num anexo ao palácio presidencial, mas estava confinado no litoral. O governo brasileiro exigira como condição para comparecer como observador à Conferência, ausência do governador cassado. A Conferência dos Não Alinhados foi das mais importantes até então realizadas. O mundo bipolar da guerra fria se tornava pentagonal com a emergência da China, dos países do Terceiro Mundo, notadamente América Latina, o auge das lutas de libertação na África. Nos foros internacionais, politizados como nunca antes, chegara-se a conclusão de que a luta por melhora nos termos de intercâmbio das matérias-primas tinha que dar-se no marco de uma Nova Ordem Econômica Mundial, uma luta de caráter político a ser travada internamente em cada país e nos foros internacionais. E mais, que
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essa nova ordem econômica almejada jamais seria alcançada sem uma nova ordem na comunicação mundial. Neiva e eu formamos uma dupla e nos dedicamos com especial interesse a estreitar relações com os movimentos de libertação das colônias portuguesas na África, e com as revoluções de caráter nacionalista no mundo árabe. Havia sido criada a OPAEP-Organização dos Países Árabes Exportadores do Petróleo que no cerrar das portas da conferência decretaria o bloqueio do petróleo aos países envolvidos na guerra do golfo. Tudo isso constituía o cenário de um mundo em grandes transformações. Um cenário sonegado ao público pela imprensa, salvo raras exceções, localizadas, como ocorria no Uruguai e no Peru, e poucas revistas especializadas como Afrique-Asie, editada na França, mais para uma publicação acadêmica do que um meio para o grande público. Com relação à Nova Ordem Informativa, a delegação peruana, com amplo apoio, levou proposta de criação de um Pool de Agências de Notícias dos Países Não-Alinhados. Havia mais de mil jornalistas presentes em Argel. Com Neiva
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estimulávamos a discussão sobre a necessidade de se ter um meio de comunicação alternativo, feito por jornalistas para o grande público que noticiasse os fatos escondidos e desse voz para os protagonistas. Paralelamente, essa conferência também teve o mérito de abrir-nos fontes que alimentaram um jornalismo diferenciado. Quando voltei a ter contato com Neiva ele já havia conseguido, junto com Beatriz Bissio e Pablo Piacentini, e o apoio de Julia Constenla, editar em Buenos Aires, os primeiros exemplares de Cuadernos del Tercer Mundo e estava encurralado pela “Triple A”, o comando de caça aos comunistas do governo de Lopes Rega e Isabel de Perón. O Peru da Revolução de Velasco Alvarado já havia expropriado os jornais de grande circulação e entregue aos trabalhadores organizados. Não foi difícil conseguir apoio para o ingresso de Neiva e Beatriz e de outros refugiados, entre os quais os argentinos Pablo Piacentini, Horacio Verbitsky e Gregorio Selser, o uruguaio Mario Benedetti, entre tantos. Neiva teve todo apoio para pesquisar, entrevistar e viajar pelo Peru e produzir o livro “Modelo Peruano”, publicado em vários idiomas, referência sobre o período velasquista.
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Beatriz se integrou a um projeto de pesquisa sobre países do Terceiro Mundo para o diário Expreso e junto com o grupo de colegas argentinos e do próprio Neiva tinha criado uma “agência de notícias” sui-generis, que vendia matérias de análise internacional aos diferentes jornais peruanos. Estava lançada a ideia do Guia do Terceiro Mundo, anuário com edições em português e espanhol que teve sua última edição no ano 1999. Em Lima, de novo pude conviver e aprender com Neiva. E seguíamos conspirando e articulando com a resistência à ditadura brasileira a que se somara as ditaduras no Uruguai, Argentina, Bolívia e Chile. Na busca de caminhos a seguir víamos a necessidade de um partido de massas com propostas capazes de unir ampla frente política e social. Havíamos apreendido ser necessário ter um ideário construído sobre a trajetória de lutas do povo e voltado para a classe trabalhadora. A colônia de brasileiros asilados no Peru, nessa época era pequena, mas muito expressiva: Darcy Ribeiro, trabalhando no projeto SINAMOS (Sistema Nacional de Mobilização Social, do governo Alvarado), a antropóloga Berta Ribeiro, Guy
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de Almeida, na comunicação do Pacto Andino, com esposa e filhos, o pintor mineiro Vicente de Abreu e família, o capitão Altair Campos e família, Elza Ferreira Lobo, Mauro Boschiero e sua companheira Darci. Após trabalhar em estreito contato com o presidente Velasco Alvarado, Neiva foi convidado para editar o boletim oficial do governo “Perú Informa”. Após o golpe de estado do general Morales Bermudez Neiva e Beatriz, eu e minha família, fomos “convidados” a abandonar o Peru. Por não querer deixar a América Latina e sem muitas outras opções, Neiva e Beatriz se foram para Cidade do México com objetivo de trabalhar e criar condições para relançar o projeto de Cuadernos del Tercer Mundo. Eu fui para o Panamá a convite do general Omar Torrijos a integrar-me na campanha pelos novos tratados que devolveriam a soberania sobre o território do Canal do Panamá. Piacentini foi para Roma reintegrando-se na IPS, a agência de notícias Inter Press Service, criada por Roberto Sávio e por ele no Chile, que se constituíra, desde o primeiro número, num suporte fundamental para o desenvolvimento do projeto de Cadernos.
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No México nasceu Micaela Bissio Neiva Moreira e renasceu e ganhou força o projeto da revista. Com sede na Cidade do México e em Lisboa, Cadernos do Terceiro Mundo alcançou seu auge com edições em inglês, espanhol e português, ampla distribuição na América Latina, Estados Unidos, Portugal e África portuguesa além de circulação modesta em quase todas as partes do mundo. No Brasil circulava em ambiente restrito, quase que clandestinamente, mas, era disputada. Com Neiva no México e eu no Panamá nos correspondíamos e nos telefonávamos. Em junho de 1979 queria que eu fosse a Lisboa para o encontro com Leonel Brizola e brasileiros da diáspora para o projeto de ressurgimento do trabalhismo. Envolvido no apoio à Revolução Sandinista e no comando de uma agência de notícias não tinha condições de abandonar meu posto de trabalho. Contudo, Omar Torrijos foi solidário arcando com os custos de algumas passagens de asilados brasileiros para a Reunião de Lisboa, o encontro de refundação do trabalhismo brasileiro – sob a bandeira do Partido Trabalhista Brasileiro, logo assumido como Partido Democrático Trabalhista. Estava lançada a ideia de um parti-
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do moderno, filiado a socialdemocracia internacional e com raiz fincada na história das lutas libertárias e na tradição do trabalhismo varguista. Com a anistia de 1979, Neiva regressou com a família para o Brasil e sentou residência no Rio de Janeiro e em São Luís. Eu regressei em 1980 e me somei ao esforço de refundação do trabalhismo e de promoção da revista em São Paulo, agora editada em português no Rio de Janeiro com distribuição aqui, em Portugal e África portuguesa. A edição em espanhol continuou por algum tempo com sede no México e depois passou a ser feita também no Rio de Janeiro e deixaria de circular no alvorecer do novo século. Para promover a revista fazíamos em parceria com universidades debates sobre conjuntura, sobre o Terceiro Mundo com ênfase na América Latina. Venda de assinaturas e anúncios de empresas controladas por governos progressistas financiavam o projeto. A campanha para eleger Leonel Brizola governador do estado do Rio de Janeiro foi um sucesso. Faltava um veículo para sustentar a campanha por eleições diretas. O povo queria, mas os grandes meios não. Por iniciativa de Neiva lançamos o Jornal do País. Durou pouco, cerca de dois anos, mas
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foi o primeiro jornal a apoiar ostensivamente a campanha “Diretas Já”. Neiva coordenava a comunicação do governo do Rio de Janeiro, a editora e o crescimento do PDT e, ainda fazia política no Maranhão onde foi eleito e reeleito mais três vezes deputado federal. Nos anos 1980 e 1990 minhas idas ao Rio eram frequentes e, raramente me hospedava em hotel para não contrariar o Neiva e a Beatriz que queriam que eu ficasse com eles. Igualmente Neiva e Beatriz, se vinham a São Paulo, ficavam em casa. Até hoje, tanto Beatriz como eu e Bia preferimos a casa de um ou de outro a ficar em hotel. Meu endereço em São Paulo sempre constou no expediente das revistas como sede da representação da revista no Estado. A correspondência que eu e Neiva mantínhamos nessa época era interceptada e lida pela arapongagem do SNI. Há cópias de cartas na íntegra entre a documentação que consegui através do Habeas Data. A editora cresceu e agregou novos produtos. Surgiram a Revista do Mercosul, voltada à integração latino-americana e a premiada Ecologia e Desenvolvimento. O jornal do País quebrou por falta de sustentação, mas a editora com suas três
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publicações se mantinha, a duras penas, mas, fiel aos princípios que a norteavam desde o surgimento, até que cerrou suas portas em 2005. Mais de trinta anos de um jornalismo diferenciado acumulou um acervo de inestimável valor histórico-documental que deve ser preservado. Quando Neiva vinha a São Paulo ficávamos horas conversando, conspirando, lembrando fatos e pessoas. Nunca perdemos o habito de conspirar. Isso no melhor dos sentidos, o de como melhor interpretar a conjuntura, a busca de soluções para os problemas do Brasil. Dialogávamos também sobre coisas íntimas, como o medo de vir a ficar cego, pois, como eu, sofrera um derrame numa das vistas. Por três ou quatro vezes tive que visitá-lo e estar com ele no Incor. Uma dessas vezes, era domingo, chamei o médico de plantão e, depois de muita argumentação consegui que me autorizasse a sair com o Neiva para que ele almoçasse em família, com a promessa de voltar antes das 17 horas. Uma de suas grandes preocupações era com o anti-getulismo raivoso que grassava em setores do PT, notadamente alguns intelectuais. Neiva atribuía essa postura a falta de interesse pelo conhecimento da história ou, simplesmente por
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má fé, servilismo intelectual. Neiva e Brizola queriam que eu atuasse como um elo de ligação entre a direção do PT e do PDT, pois acreditávamos que essa aliança seria imbatível. A postura hegemônica do PT inviabilizou a candidatura de Brizola na eleição de 1989 e uma aliança de esquerda com base em um projeto nacional. Sem abandonar o jornalismo que fazia com paixão Neiva nunca deixou a militância política. Voltou para a Câmara Federal, primeiro como suplente e, entre 1991 e 2007, exerceu mais quatro mandatos pela legenda do PDT que ajudou a criar. Entre um mandato e outro concorreu ao Senado e perdeu. Com isso e mais os mandatos que havia exercido antes de ser cassado em 1964 tornou-se o decano dos deputados federais. É também o mais condecorado entre os parlamentares brasileiros. Foi eleito sempre pelo Maranhão onde organizou a oposição e o partido que elegeu por três vezes o médico Jacson Lago prefeito de São Luís e depois governador do Estado. Com Lago prefeito Neiva licenciou-se na Câmara Federal para organizar a secretaria municipal de comunicação e com Lago governador mudou-se de vez para o Maranhão.
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Nascido em Nova Iorque, uma cidadezinha às margens do Parnaíba, o Maranhão era outras das paixões de Neiva. Com a vitória de Lago na eleição para governador de 2006, Neiva desistiu de querer ser deputado e viver parte de sua vida a bordo de um avião e resolveu dedicar-se inteiramente à política maranhense. Renunciou seu mandato em 2004 e foi ser o principal assessor de Lago, com sala especial ao lado do gabinete do Governador. Estava feliz, fazendo o que mais gostava, articular, motivar e organizar as pessoas. Com a vitória de Lago acabavam 40 anos de monopólio do poder exercido pela família Sarney. O Maranhão é longe e as passagens aéreas chegam a custar mais que um voo à Miami ou Lisboa. Mesmo assim pelo menos uma vez ao ano eu visitei o Neiva em sua amada ilha maranhense. A última vez foi em 2008 e desde então tenho recebido seus recados reclamando de minha ausência. A queda de Lago, no início de 2009, através de um golpe judicial perpetrado pela família Sarney abalou profundamente a saúde de Neiva. Foi o início de seu fim, pois perdeu a alegria de viver. Em março foi internado com problemas no pulmão, coração fragilizado num corpo de 94 anos não resistiu e nos
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deixou na madrugada de uma quinta-feira, 10 de maio de 2012. Neiva se foi, mas ficou seu legado: Jornalismo e política se faz com dois ingredientes: paixão e ética. Um jornalismo que é referência entre intelectuais e pesquisadores de várias partes do mundo. Fiel a esse legado Beatriz Bissio reuniu colaboradores e simpatizantes do projeto e criou o Espaço Cultural Diálogos do Sul. Através dessa iniciativa o acervo de Cadernos do Terceiro Mundo estará à disposição do público e se editará a revista virtual Diálogos do Sul. Neiva seguirá presente guiando nossos passos.
2 | NEIVA MOREIRA DO LOCAL AO TERCEIRO MUNDO
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NEIVA MOREIRA: SEMEADOR DAS REBELDIAS Raimundo Palhano*
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ecolho o título desta pequena homenagem a Neiva Moreira, que, na madrugada do dia 10 de maio passado, voou como águia para a eternidade dos tempos, inspirado no comovente texto de Beatriz Bissio, sua ex-companheira de muitos anos, escrito provavelmente em 2010, ao saber do então estado extremamente precário em que se encontrava a saúde do grande maranhense. Dos tantos qualitativos merecidamente pronunciados a seu respeito o da condição de rebelde fervoroso sobressai-se: sua alma insurgente, seu espírito indomável, o seu apego à bravura. *Economista, especialista em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA/ Rebelde, acima de tudo, em reUFMA) e mestre em História Econômica lação ao poder trucidador dos pela UFF (Universidade Federal Fluminense), com intercâmbio em Planejamento Educacional na Iowa State University (EUA) e Universidad Central de Las Villas (Cuba). O economista e professor aposentado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) foi presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (Imesc), entre outras experiências acumuladas.
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opressores. A sua ausência solar será sentida profundamente e, com certeza, jamais será preenchida à altura. Materializava o último sobrevivente de uma linhagem especial de jornalistas e políticos nacionais que pautaram a sua existência nos imperativos da luta sem tréguas em favor da ética, da justiça, da liberdade e da democracia. Mais do que isso: balizaram suas práticas sociais atuando como verdadeiros semeadores e apóstolos desses valores, hoje completamente pisoteados pela maioria dos que controlam o poder por esse mundo afora. Como maranhense foi um dos melhores, não só pela cultura polida na militância e esmerada pela experiência existencial, como pela marca de uma escrita peculiar e autônoma, distante da tradição literária elitista e barroca, embasadores que foram de sua competência profissional. No campo da atuação política, onde desaguaram os seus dotes e talentos, foi o líder na edificação de uma corrente de oposição democrática local, sem similar no passado e mesmo na história estadual, marcada pelo poder das oligarquias, controladoras da vida social, política e econômica da província, movimento este interrompido pelo golpe militar e ainda hoje por terminar. Foi o mais internacionalista dos
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líderes políticos locais, sem nenhum que o ombreie desde então no seu papel de semeador da libertação dos povos e da edificação da democracia popular. Condicionado pelo exílio, em pouco mais de quinze anos, construiu uma atuação jornalística e política internacional altamente respeitada, tanto pelas inovações técnicas, como, sobretudo, pelo combate sem tréguas ao imperialismo, ao neocolonialismo e à exclusão dos países do sul frente ao norte rico e dominador. Em quase duas décadas manteve pulsante os Cadernos do Terceiro Mundo, uma publicação que deu voz aos países subdesenvolvidos e a suas lutas libertárias contra a opressão, criando e promovendo uma teia articuladora dessas demandas, até então operadas isoladamente, e uma consciência nova das injustiças praticadas no contexto da ordem econômica mundial, decisivas para mobilizar a juventude e as forças políticas de muitos países dominados pelo poder internacional. O curioso em tudo isso é que Neiva, mesmo tendo atuado muito tempo fora, tanto em outros estados do Brasil como no exterior, jamais perdeu os seus vínculos telúricos. No mencionado texto Beatriz é taxativa: “... o Maranhão foi o eixo
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em torno do qual teceu a sua vida pública e sua militância política”. Foi, portanto, provincial, jamais provinciano. Por tudo isso o seu nome figura não só na galeria dos grandes maranhenses de todos os tempos, como no museu vivo que guarda a memória dos que contribuíram efetivamente para a construção da identidade maranhense, nacional e terceiro mundista. É o segundo grande quadro de referência histórica que se perde no Maranhão, a contar da morte de Jackson Lago. Enquanto este último construiu o seu legado de lutas partindo do particular para o geral, focando o torrão; Neiva vislumbrava o mundo todo sem perder o gosto pelo doce de buriti. Ambos, no entanto, possuíam uma crença inabalável: a devoção ao Maranhão e ao seu povo. Foram-se 94 anos de semeaduras, deitando sementes de rebeldia nesta terra maranhota, nesta terra Brasil. Uma vida longa e rica para servir de referência em um contexto marcado por desafios e perplexidades cotidianas. A águia que agora chega ao seu destino faz emergirem com vigor dois dos seus principais atributos: a capacidade política e a militância comprometida. Como político a herança que deixa é preciosa pelas contribuições históricas ao desenvolvimento do Mara-
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nhão e do Brasil. Como militante aflora a disposição permanente pelo bom combate, aquele que nega o conformismo, a indiferença e a omissão. O poeta preferido de Neiva, quando se encontrava exilado, era Gonçalves Dias. Segundo Beatriz, recitava a Canção do Exílio com tanta veemência e paixão que do poema o seu autor parecia ser. Temia, sem dúvida, a possibilidade de nunca mais ver a sua terra natal. Voltou e com ela envolveu-se e por ela viveu até o último suspiro. Contemplando serenamente a ampulheta do tempo que Neiva deixa como legado e inspiração é fácil perceber a presença gonçalvina em tudo que fez e praticou. Os temores da Canção do Exílio felizmente não aconteceram, permitindo que a sua obra grandiosa florescesse. Embora não tendo chegado a ver com os próprios olhos, os sonhos todos que sonhou para o Maranhão, com toda certeza jamais deixou de acreditar que se pode sim mudar o mundo. Provavelmente lia todas as noites, antes de dormir, antes de sonhar, a Canção do Tamoio, certamente com o pensamento voltado para o Timbira: “Não chores, meu filho; não chores, que a vida é luta renhida: viver é lutar. A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só pode exaltar”. Boa viagem, Neiva Moreira. O sonho não acabou.
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NEIVA MOREIRA Flávio Dino*
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inha 11 anos quando, pela primeira vez, ouvi o nome de Neiva Moreira. Estávamos naqueles apaixonantes anos que marcaram a luta final contra a ditadura militar, a esperança voava com os ventos rumo aos pulmões de todos, e milhares de crianças e adolescentes começavam a conhecer a história que, na época, não se ensinava na escola. Meu pai, também parlamentar cassado e preso arbitrariamente em 1964, e minha mãe passaram a me narrar a nossa história familiar – num período em que infelizmente o monstro ainda não havia sido derrota*Governador do Estado do pelos heróis (ao contrário, muitos desdo Maranhão. Foi juiz fetes estavam desaparecidos ou mortos). Na deral, deputado federal e semana que passou, o capítulo final dessa presidente da Embratur. É professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
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história, cheia de peripécias, começou a ser escrito, com a instalação da Comissão da Verdade, em homenagem, sobretudo aos que sentem todos os dias a renovação da morte dos seus entes queridos, perversamente privados do direito a um funeral (lembro Antígona, de Sófocles). Graças a Deus, Neiva Moreira não foi assassinado pela ditadura e teve uma longa vida, mas tenho certeza de que – como muitos – viu morrer uma parte de si naqueles tenebrosos anos em que só existia a lei dos fascistas: eu posso, eu quero, eu mando. Não tive a honra de conviver muito com Neiva. Mas tenho muitas recordações, como a campanha ao Senado que fiz para ele em 1986, quando era secretário-geral do Diretório Central dos Estudantes da Ufma, ou a homenagem que o PCdoB fez a ele em 2007, com o Prêmio José Augusto Mochel. Mesmo tendo lido e ouvido durante anos sobre sua intensa trajetória política, Neiva não deixou de me impressionar, pessoalmente, pela paixão com que debatia os temas da vida nacional e de nosso Maranhão. Esse envolvimento intenso talvez seja a principal explicação para o fato de Neiva ser uma
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dessas raras figuras que conseguem atuar em diferentes esferas da vida pública e destacar-se em todas. No jornalismo, Neiva é reconhecido por seus pares não só nacionalmente, como em diferentes países, pelo trabalho desenvolvido com a publicação Cadernos do Terceiro Mundo. Desenvolvido em conjunto com sua então companheira, a jornalista uruguaia Beatriz Bissio, Cadernos foi iniciado no período em que Neiva estava no exílio. Difundia, na época, todos os movimentos de resistência e libertação nacional, não só na América Latina, como na Ásia e África. Hoje é material único de registro de um período histórico de mudanças mundiais, com a formação de dezenas de países em processos de libertação das colônias na África, vitória de governos nacionalistas na Ásia e resistência popular às ditaduras na América Latina. Mesmo com a cabeça no mundo e com seu olhar jornalístico, Neiva Moreira sempre soube conjugá-los com a luta política por melhoria das condições de vida no nosso país e no Maranhão. Foi um dos fundadores do PDT, ao lado de figuras como o estadista Leonel Brizola, o antropólogo Darcy Ribeiro, o líder negro Abdias Nascimento e o governador
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Jackson Lago. Buscava retomar, com sua volta após a Anistia, a linha trabalhista no Brasil. Uma linhagem de pensamento que havia sido iniciada pelo presidente Getúlio Vargas e continuada pelo seu jovem ministro do Trabalho João Goulart, o Jango, responsáveis pelas primeiras conquistas legais de direitos dos trabalhadores no Brasil. No Maranhão, Neiva foi uma liderança essencial para a luta contra o domínio oligárquico, próximo de completar 50 anos. Em nível nacional, foi presidente do PDT e deputado federal pelo partido, representando nosso Maranhão em várias legislaturas. Hoje a bandeira do trabalhismo vive em mãos de tantos queridos amigos meus, como o presidente pedetista Carlos Lupi e o ministro Brizola Neto. Já a luta pela autêntica libertação do Maranhão passa ainda mais a ser responsabilidade de todos nós que acreditamos que nosso estado, tão rico de recursos naturais e da força do nosso povo, não merece continuar a ser conhecido por frequentar assiduamente as últimas colocações em todos os rankings nacionais de desenvolvimento.
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Abraçando a jovem e brilhante Micaela, manifesto a minha solidariedade a toda a família de Neiva Moreira. Saudações a todos os companheiros do PDT, nas pessoas do presidente Julião Amin e de Clay Lago.
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AS TRÊS DIMENSÕES DE NEIVA João Batista Ericeira*
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s departamentos de História das universidades locais reúnem professores com trabalhos respeitáveis sobre o nosso passado. Em 1997, Benedito Buzar lançou o livro “Neiva Moreira, o jornalista do povo”. Ausente de São Luís, não compareci ao evento, posteriormente recebi um exemplar, e em 2 de novembro daquele ano, após atenta leitura, publiquei artigo destacando a contribuição do autor para a historiografia maranhense. Nascido em Nova Iorque, no agreste do médio Parnaíba, onde hoje se situa *Mestre em Direito de Estado pela a Barragem da Boa Esperança, em Universidade de Brasília, profissional nacionalmente respeitado e cultiva10 de outubro de 1917, do ramo podor de notáveis conhecimentos nas bre do rico clã sertanejo dos Neiáreas de História e Ciências afins. É Presidente da Academia Maranhense va Moreira, José Guimarães Neiva de Letras Jurídicas, Vice-Diretor-Geral da Escola de Formação de Governantes do Maranhão, Vice-Diretor da Associação Brasileira de Advogados Eleitorais (ABRAE), Presidente da Associação Brasileira de Advogados (ABA/Seccional Maranhão), Presi-
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Moreira, falecido semana passada, exerceu enorme influência na vida pública do Maranhão, sobretudo nos anos cinquenta até meados dos anos sessenta. Na biografia “O pilão da madrugada”, lembra a infância, a vinda para São Luís, o aprendizado do jornalismo com Nascimento de Moraes, o casamento, a transferência para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nos principais jornais, na década de quarenta, depois, o ingresso na revista “O Cruzeiro”. Repórter de “O Cruzeiro” foi destacado para vir a São Luís a fim de cobrir a greve de 1951, movimento que visava impedir a posse do governador Eugênio Barros, eleito pelo grupo vitorinista. Não se limitou às atividades de correspondente, entrou para valer na greve, participou dos comícios no Largo do Carmo no palanque das Oposições Coligadas. Em razão de seu protagonismo foi preso pela Polícia Militar, depois de liberado passou a condição de uma das principais cabeças da greve. dente da Associação Maranhense de Advogados – AMAd, Diretor da Escola Começa a primeira dimensão de Superior de Advocacia da Ordem dos Neiva, a regional, elegendo-se Advogados do Brasil/Seccional Maradeputado estadual, fundando o nhão e sócio majoritário do escritório “João Batista Ericeira Advogados Asso“Jornal do Povo”. Na coletânea
ciados”. É também membro do Instituto dos Advogados do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Coordenador do Núcleo de Ciência Política do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP.
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organizada por Benedito Buzar encontram-se os artigos de sua lavra em que defende a construção do Porto do Itaqui, o asfaltamento da São Luís-Teresina, a criação da Universidade, a construção da Barragem da Boa Esperança e da Hidrelétrica para a superação do déficit energético do Estado. Esses projetos seriam desenvolvidos pelo Governo José Sarney. Integrante da primeira lista de cassação do governo militar em 1964, não alcançou o governo estadual, como projetara para 1965. Chegou a Câmara Federal em 1954, pelo PSP de Ademar de Barros, que se transformara em herói em São Luís, pelo apoio a greve de 1951, e que o ajudara na montagem do “Jornal do Povo” e do projeto político. Inicia-se a segunda dimensão, a nacional em que se projeta no Congresso articulando a Frente Parlamentar Nacionalista, defendendo a candidatura de Teixeira Lott contra Jânio Quadros. Presidindo a Comissão de Mudança da Câmara para Brasília, no governo Juscelino Kubitschek; resistindo ao lado de Leonel Brizola no movimento pela Legalidade que garantiu em 1961 a posse de Jango na Presidência da República, após o veto imposto pelos ministros militares. Durante o governo de Jango estreitou relações com Brizola, defendendo as reformas de base, orga-
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nizando o grupo dos onze. A ligação lhe valeu figurar nos primeiros nomes de cassados do movimento político-militar de 1964. Começa a terceira dimensão de Neiva, a internacional. Exilado na Bolívia, percorre os países da América do Sul, Uruguai, Peru, Argentina, transformando-se em consultor político de governos progressistas, lançando a revista “Cadernos do Terceiro Mundo”, pregando a solidariedade e a defesa dos valores nacionais dos países pobres. Depois de pautar a opinião pública do Maranhão entre 1951 e 1964, nos anos setenta projeta-se na América Latina, na área de Comunicação Social, exercendo papel semelhante ao de Darcy Ribeiro no setor universitário. Participou de momentos relevantes da independência dos países da África portuguesa, na defesa de suas teses esteve no México e em Cuba. Esgotado o ciclo de ditaduras no continente, sob a hospitalidade de Mário Soares, com Leonel Brizola e Doutel de Andrade funda em Lisboa o Partido Democrático Trabalhista-PDT versão socialdemocrata para o trabalhismo varguista. Membro da Executiva veio a exercer a sua presidência. Após 15 anos de exílio retorna a São Luís, é recebido em gigantesco comício na Praça Deodoro. Sob a acolhida de
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Jackson Lago elege-se deputado federal por duas legislaturas, já cidadão do mundo, preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. No texto sobre o trabalho de Buzar, evoquei 1962, ainda secundarista e muito jovem, fui passageiro do “Caminhão do Povo” de Neiva, ao som do mambo “Cantareira”, para quem João do Vale fizera uma letra por ele mesmo cantada: “Reforma Agrária vem aí, com Neiva Moreira, com ele não tem barreira, Maranhão vai progredir. Neiva Moreira mais uma vez já ganhou! Todos tem sua vez, chegou a nossa também, vamos libertar o Maranhão, com o voto certo que prá representa Bandeira (Tribuzi) da libertação”. As três dimensões de Neiva unificam-se no homem de ideias, no jornalista de ação, devotado à luta contra a injustiça e a opressão social, como dizia o dístico do “Jornal do Povo”. De certa feita, no aeroporto de São Luís, dele me aproximei, apresentei-me e manifestei a minha admiração pela sua História. Era uma madrugada, ele estava só. Respondeu-me com um forte abraço, dizendo: “eu te conheço, tu és dos Ericeira de Arari”.
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UM GRANDE HOMEM José Reinaldo Tavares*
A
idade e suas doenças privaram o Maranhão, em momentos muito importantes, da liderança e lucidez de um homem extraordinário. Falo de Neiva Moreira, que teve participação muito importante na política maranhense e brasileira. Tinha por ele grande admiração. Li tudo que consegui sobre ele, inclusive o livro, quase uma reportagem, “O Pilão da Madrugada”, do escritor José Louzeiro. Li também os “Cadernos do Terceiro Mundo”, *Formou-se Engenheiro Civil pela Univertrazidos a mim por sua filha, sidade Federal do Ceará. Como aluno, fez em cujo conteúdo defendia a Extensão Universitária em Economia Rodoviferrovia Norte-Sul, naquela ária, pela PUC-RJ e estagiou na Companhia Energética e no Departamento Autônomo de época execrada pela mídia Estradas de Rodagem do Ceará. Formado, sulista. exerceu os seguintes cargos: Auxiliar de Ensino de Materiais de Construção da Escola de Engenharia da UFC, Diretor de Máquinas da Oficina Central e Diretor da Divisão de Conservação de Estradas do DAER, Diretor Geral do DER-MA, Secretário de Viação e Obras e
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Pena que ele já não apresentava boa saúde durante a fase que antecedeu a cassação de Jackson Lago, urdida pela oligarquia, querendo tomar de volta o governo do estado que haviam perdido em 2006. Eu me preocupava muito com o desenrolar do processo, pois observava que Jackson não acreditava que pudesse ser tirado do governo e, muitas vezes antes do julgamento, não fazia o que deliberávamos. Eu, ao discutir com ele as providências que eu achava que estavam faltando, via o governador concordar, mas não dava sequência ao que era conversado. Tentei colocar Neiva no processo, mas ele já não possuía o vigor de antes. Creio que se ele estivesse bem, teria convencido Jackson Lago, seu velho amigo, dos perigos que corria. Tenho com ele uma passagem inesquecível para mim. Na ocasião, o presidente do Senado, José Sarney, não colocara na pauta de votação o projeto de financiamento do Banco Secretário de Planejamento do Maranhão, Superintendente da NOVACAP, Secretário Mundial para combate à pode Viação e Obras do DF, Diretor Geral do breza no estado durante todo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), Superintendente da o seu mandato como presiSUDENE, Ministro dos Transportes, Dedente do Senado. Tudo isso putado Federal (1990-1994), Vice-Governador do Maranhão (1995-2002), Governador do Maranhão reeleito (2002-2006). Foi condecorado por inúmeras instituições nacionais e estrangeiras, sejam do executivo e judiciário, sejam acadêmicas. É cidadão honorário de vários estados e municípios brasileiros.
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pode ser bem compreendido pelo simples ato de assistir ao vídeo postado no YouTube, que mostra uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça do Senado presidida pelo senador Antônio Carlos Magalhães, presidente da Comissão. No episódio, este último foi inquirido por um parlamentar, que questionava o porquê do processo do Maranhão não ser colocado na pauta de votação. Magalhães então sussurrou para o parlamentar que o assunto não ia para frente, pois Sarney não deixava. A audiência estava sendo gravada e tudo isso consta no vídeo que pode ser acessado a qualquer hora por qualquer um. O tempo passava, o presidente do Senado já era Renan Calheiros e a instituição ameaçava anular a aprovação do empréstimo feita por sua diretoria, que já ia completar dois anos sem a confirmação do Senado. Resolvemos reagir e depois de imensa passeata em São Luís, com mais de 20 mil pessoas, formada principalmente de comunidades rurais prejudicadas, fomos a Brasília com audiências marcadas com os presidentes da Câmara e do Senado, Aldo Rebêlo e Renan Calheiros, respectivamente.
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Lá encontramos um ambiente hostil por parte dos dois, que não queriam mais nos receber. Aldo conseguiu trazer para a reunião com a delegação em uma sala nas dependências da Câmara, mas Renan não cedia e estava irredutível. Neiva Moreira, embora já enfrentasse dificuldades de saúde, estava lá firme conosco. Sem saída, me sentei ao seu lado e comecei a conversar com ele sobre o que devíamos fazer naquela situação. Quando ele se vira para mim e diz: “Só tem uma solução, invadirmos a sala de Renan, nós dois”. Compreendi imediatamente o que ele estava propondo. Aceitei a sugestão e marchamos de braços dados para o gabinete do presidente do Senado. Quando chegamos lá, fomos metendo a mão na porta e entrando a despeito dos apelos das secretárias. Quando ela viu que não tinha como barrar um homem com a história de Neiva, no alto de seus quase 90 anos, e um governador, pois a repercussão seria imensa, pediram cinco minutos para que o presidente terminasse uma reunião com a garantia de que nos receberia imediatamente. Assim foi feito com direito a fotografia e tudo. A repercussão do fato chamou a atenção de todos os senadores e a simpatia imediata pela causa só aumentou quando os mais de
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300 agricultores, vestindo camisetas vermelhas e portando faixas exigindo a imediata aprovação do projeto, se instalaram na galeria do plenário da casa. Naquele clima, com a adesão maciça dos senadores de outros estados, a aprovação se tornou irreversível, o que se deu sob os brados do senador José Sarney, que gritava “Aprova, mas o dinheiro não sai”, também disponível no YouTube. A bravura e a dedicação de Neiva Moreira permitiram a aprovação do projeto e o dinheiro saiu, o que ajudou a minorar os indicadores de pobreza no estado, uma proeza que meu governo conseguiu e que hoje, infelizmente, regride. Esse era Neiva Moreira, gigante maranhense, merecedor do carinho e do reconhecimento do povo maranhense.
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NEIVA MOREIRA, O NOVAIORQUINO CONTADOR DE HISTÓRIAS José Ribamar Bessa Freire*
É
ramos três amazonenses solitários exilados no Peru nos anos 1970: o titiriteiro Euclides Souza, o antropólogo Felipe Lindoso e este locutor que vos fala. A gente juntava as panelas aos domingos para comer “paiche” (pirarucu) ou “palometa” (pacu), comprados na Casa Charapa, uma biboca que vendia produtos amazônicos no bairro popular de La Victoria, *Professor da Pós-Graduação em em Lima. Ouvíamos, então, Chico Memória Social da Universidade Buarque, Gil, Caetano, Vandré e Federal do Estado do Rio de Janeiro Martinho da Vila, falávamos mal (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Fada ditadura, fazíamos planos de culdade de Educação da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas. Obteve os diplomas de professor normalista pelo Instituto de Educação do Amazonas (1965), de graduação em Comunicação Social
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regresso à pátria e – enquanto isso não acontecia – matávamos as saudades culinárias com farinha do Uarini e pimenta murupi que dona Amine mandava de Manaus. Num desses domingos amazônicos em que sonhávamos com o socialismo, chegou um quarto integrante: o poeta Thiago de Mello, que morava na Alemanha e passou por Lima como um meteoro. Tudo bem: os três mosqueteiros também eram quatro. Thiago trouxe para o almoço dominical um amigo, exilado, em cuja casa se hospedara: o maranhense Neiva Moreira, recém-chegado do Uruguai, de onde viera para residir em Lima. Foi assim que conhecemos um dos mais divertidos contadores de história. Neiva, o nova-iorquino, cativou a todos nós, narrando a própria vida. Filho do quitandeiro Tonico e da professora Luzia, ele contou que nascera pela Universidade Federal do Rio de na data certa: 10 de outubro de Janeiro (1969), de Especialização em 1917, dia da tomada do Palácio Sociologie du Développement pelo IRdo Inverno, na Rússia. Não havia FED, França (1971-72) e de Doutor em Letras pela Universidade do Estadata melhor para um defensor do do do Rio de Janeiro (2003). Cursou o doutorado em Historia na École Des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, França (1980-83).
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socialismo moreno. “Fui parido na mesma hora em que a Revolução Russa” – dizia – “durante os dez dias que abalaram o mundo”. Mas o lugar é que foi errado: Nova Iorque, uma cidadezinha cujo nome tinha cheiro de imperialismo, no interior do Maranhão, divisa com o Piauí, às margens do rio Parnaíba. Tinha até, como sua homônima ianque, a ponte do Brooklyn – uma precária pinguela de madeira ligando Manhatan – a prainha do lago à praia do Caju. Brinde de lavanda Entre um pacu e outro, regado a goles de pisco acholado – que ninguém é de ferro – Neiva, que era um bom garfo, nos ofereceu um brinde de lavanda e uma crepe Suzette, que agora compartilho com vocês. Foi assim. De família pobre, depois de atuar como repórter em alguns jornais do Maranhão – O Pacotilha e o Diário do Povo – ele migrou para o Rio de Janeiro com uma carta para Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, que o contratou imediatamente com o salário mínimo, com o qual mal sobrevivia. A revista O Cruzeiro, naquele momento, encerrava uma grande campanha para ajudar as vítimas das chuvas e das
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enchentes que castigavam a região sudeste. Chateaubriand promoveu, então, um senhor banquete no Hotel Glória, homenageando os principais doadores, entre os quais o Seu Manoel, um fazendeiro português do interior de Minas Gerais, que presenteara O Cruzeiro com nada mais nada menos que um helicóptero usado para transportar vítimas e donativos. Por isso, no banquete, ele aterrissou em lugar nobre, sentado ao lado do próprio Chatô. Os discursos se prolongaram antes da comida. Seu Manoel, homem simples, do campo, não tirava os olhos da tigela de prata que estava à sua frente, na mesa, em um prato sobre uma toalhinha. Dentro dela, água, cheirando a hortelã, com uma rodela de limão e duas pétalas de rosa. Era para lavar as pontas dos dedos, antes de encarar o hors d’oeuvre. O portuga, que desconhecia aquela presepada, não esperou terminarem os discursos para saciar sua sede. Pegou a tigela e gute, gute, bebeu toda a água. Os risinhos dissimulados dos presentes foram cortados por Chateaubriand: - Está geladinha, Seu Manoel?
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Chateaubriand não esperou resposta. Propôs um brinde ao fazendeiro, levantando a sua tigela e bebendo, ele também, a água de lavar os dedos, sendo acompanhado por todos os puxa-sacos presentes, incluindo o Neiva, que não era puxa-saco, mas estava com muita sede e pensou que aquilo era mesmo água de beber, camará. Quando o garçom passou com o menu, Neiva, na maior pindaíba, com uma fome nordestina, de retirante, leu e não entendeu bulhufas. Só tinha pratos franceses. Ficou na moita. O cidadão, sentado à sua direita, com um ar de entendido, pediu uma “bouillabaisse” de Marselha. Sem saber que diabo era aquilo, Neiva confiou: - Pra mim, o mesmo. Logo depois, serviram-lhe uma sopa de peixe, que não era tão deliciosa como a caldeirada de camarão com pirão da Base do Germano, nem tinha o refinamento do arroz-de-cuxá, mas “deu pra quebrar o galho” – admitiu Neiva, reconhecendo que seu vizinho à mesa tinha gosto apurado.
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Veio a hora da sobremesa. Outro menu complicado. Neiva procura um doce de bacuri ou de buriti, uma compota de jaca, um não-me-toques, uma mãe benta, um quindim de iaiá, um papo-de-anjo, uma baba de moça ou uma reles cocada. Necas de pitibiribas! A lista era ameaçadora, cheia de nomes intraduzíveis, que não davam sequer para suspeitar do que se tratava: mille-feuilles, clafoutis, petit gâteau, madeleine, bûche de Noel, creme brûlée, profiteroles. Ele esperou que o vizinho sentado à sua direita escolhesse, para imitá-lo. Mas o cara era diabético e declinou, da mesma forma que o vizinho da esquerda. Crepe Suzette Desamparado, não querendo perder a boca livre, Neiva percorreu outra vez a lista e se deteve sobre algo que lhe pareceu familiar e pronunciável. Audacioso, pediu: - Crepe Suzette! E justificou para nós, que ouvíamos sua história: - Nunca havia visto aquele nome. De qualquer forma, crepe é crepe em qualquer lugar do mundo, tem crepe até de
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tapioca. E Suzete era o nome de uma tia minha que morava em Tirirical. Serviram a sobremesa para todo mundo, e nada de chegar o pedido do Neiva. No final, mais discursos. Finalmente, aos 45 minutos do segundo tempo, sai da cozinha o chef, todo de branco, avental, dólmã de manga longa branca, chapelão viscoso, luvas, ladeado por dois acólitos – um copeiro e um ajudante de cozinha, igualmente paramentados. Os três empurram um enorme carrinho, lentamente, como se fosse um andor, numa procissão, em direção a Neiva, que ficou gelado. O orador calou, o salão todo parou para acompanhar o ritual. - Foi o senhor que pediu Crepe Suzette? – perguntou o chef, num tom intimidante, de policial fazendo interrogatório, que soava quase como uma acusação. Neiva, já arrependido, não tinha como negar. Confessou a culpa, gemendo: - Foi. O final foi apoteótico. O chef, ajudado pelos acólitos, dobrou a massa em quatro, misturou licores diversos com per-
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fume de sumo de tangerina e de raspa de laranja amarga, regou tudo com um cálice de cointreau, acendeu um fósforo e incendiou o prato fazendo um pequeno estrondo: bum! A massa murchou, encolheu, ficou uma titicazinha de nada. Serviram aquilo em chamas. Era fogo de palha. Tinha mais pompa no nome do que no prato. - Qual era o gosto, Neiva? - Rapaz, a quantidade era tão insignificante que nem deu para sentir. As histórias contadas por Neiva Moreira faziam a gente se dobrar de rir. Quem teve o privilégio de ouvi-lo, sabe disso. Ele narrava sua entrevista com o então presidente do Peru, Juan Velasco Alvarado, um general diferente, simpático, nacionalista, que adorava falar palavrões. Neiva o imitava com perfeição, contrapondo-o ao general De Gaulle, na França, cujas entrevistas coletivas eram exatamente o oposto. Quando foi lançado em Lima o livro de Neiva Moreira sobre o modelo peruano, o Diretório Acadêmico da centenária Universidad Nacional Mayor de San Marcos o convidou para
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uma noite de autógrafos e palestra. Os estudantes estavam divididos em dezenas de facções e tendências. As duas mais importantes eram dissidências maoistas que viviam se digladiando, numa disputa acirrada pelo controle da associação estudantil: Bandera Roja, de um lado, e Pátria Roja, de outro. Na véspera, os autores do convite, que eram bandeiristas, procuraram Neiva para combinarem como seria feito sua segurança. – Segurança pra quê? – ele perguntou. “Nosostros, cuando invitamos, garantizamos la integridad física del invitado. No somos como la gente de Pátria Roja”- lhe disseram. Contaram que o ex-guerrilheiro Héctor Bejar no mês anterior havia levado uma surra, porque o público discordou do conteúdo de sua palestra. Neiva nos contou que se escafedeu e declinou do convite, seguindo seu instinto de sobrevivência. Suas histórias sobre Heber Maranhão, um engenheiro, também exilado, que foi dirigente da Rede Ferroviária Federal no governo Jango, são deliciosas, especialmente a transformação de Heber em um dos maiores especialistas em PERT, uma técnica de gestão e controle de projetos. Mas meu espaço terminou. Fica para outra vez.
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Na madrugada do dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos, morreu em São Luís o jornalista e ex-deputado Neiva Moreira, que assessorou o ex-governador Jackson Lago na luta contra a podridão dos Sarney. A presidenta Dilma Rousseff, em nota oficial, falando em nome de todos os brasileiros, lembrou que ele foi um dos fundadores do PDT e que a política brasileira perdeu “um de seus mais expressivos líderes”. Com ele, perdemos, um certo modo decente de fazer política e, sobretudo, um jeito de contar histórias, que nos divertia com seus ‘causos’, com absoluto domínio de palco, muito fair play e manejo das técnicas narrativas. Que descanse em paz!
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NEIVA MOREIRA E O PILÃO DA MADRUGADA Franklin Douglas*
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á 23 anos, Neiva Moreira escreveu na introdução do seu livro-depoimento a José Louzeiro:
*Possui graduação em Comunicação Social-jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão (1995). É mestre em Políticas Públicas pela UFMA (2011). Atualmente é doutorando em Políticas Públicas (UFMA), onde integra o grupo de pesquisa Observatório de Políticas Públicas e Lutas Sociais.
Resisti, sempre, às sugestões para que prestasse este depoimento. (...) havia um motivo subjetivo, determinado pela carga de superstições nordestinas que não me abandonam: em geral, quando se escrevem as memórias, ou se deseja dar por encerrada a atividade ou se ‘está para o gato’, como diriam os amigos do rio da Prata. No meu caso, não é isso. A aposentadoria não está à vista e confio na longevidade dos sertanejos do Parnaíba (...)
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Neiva tinha 71 anos quando registrou essa sua disposição para a vida. Viveu até os 94 anos, quando partiu no último dia 10 de maio. E foi essa disposição para viver que levou Neiva a tantos tempos. Isto porque sim, Neiva foi, sobretudo, um homem de seu tempo. O tempo do menino que sobreviveu às intempéries do agreste do Médio Parnaíba, nascido na Nova Iorque, não a vitrine do capitalismo, mas a fundada por um pastor norte-americano nos grotões do sertão maranhense. O tempo da política que valia pela força da coerência e da palavra empenhada pelo fio do bigode. O tempo da agitação popular, das ruas ocupadas em greve contra a fraude eleitoral, contra a oligarquia de plantão no poder. O tempo do jornalismo de opção pelos oprimidos, em tantos textos registrados em seu Jornal do Povo e em sua revista Cadernos do Terceiro Mundo.
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O tempo do sonho socialista, que marcou sua opção radical pela democracia, pela emancipação dos povos latinos e africanos. O tempo do trabalhismo que foi forçado a exilar-se do país no período da Ditadura Militar, mas que voltou ao Brasil para: lutar pelas Diretas Já; vencer as eleições de 1982, com Brizola para governador do Rio de Janeiro, contra a fraude eleitoral patrocinada pela Rede Globo de Roberto Marinho; ganhar com Jackson Lago a Prefeitura de São Luís, em 1988, pela ‘União da Ilha’, contra as forças de Sarney (na Presidência da República) e Cafeteira (no governo do Estado); fazer a campanha do Brizola na primeira eleição direta para presidente da República pós-Ditadura, em 1989, e se engajar no ‘Lula-lá’ do sapo barbudo, no segundo turno eleitoral; derrotar, pela primeira vez em 40 anos, a oligarquia Sarney, com a Frente de Libertação do Maranhão, em 2006, com Jackson-governador; participar da ‘Balaiada de 2009’ para enfrentar o golpe judiciário de abril... Neiva esteve presente nos momentos decisivos das lutas políticas do mundo, do Brasil e do Maranhão do século XX.
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Por todos considerado o mais emocionante discurso de homenagem na despedida de Neiva Moreira, na sede do PDT, foi de Haroldo Sabóia a lembrança de vários fatos da vida do combatente trabalhista. Destaco três: Primeiro – Ao voltar do exílio, aos 61 anos. Quando todos pensariam em parar, Neiva reinventou sua trajetória histórica e se reinseriu de tal forma na vida política, que, na Câmara dos Deputados ou na direção nacional do PDT, manteve intensa atuação. Segundo – Do governo Brizola, no Rio, Neiva foi secretário de Comunicação... Saiu pobre; foi ainda presidente do Bando Estadual de Desenvolvimento... Também saiu pobre... Terceiro – Neiva Moreira, quando regressou do exílio imposto pelos generais, ao chegar ao Maranhão, no dia 17 de outubro de 1979, deparou-se com duas multidões: a polícia nas ruas e o povo na praça para recebê-lo. Era assim Neiva: homem de paixão pela vida, pelo jornalismo, pela política; pelo qual não se passava em vão: ou era admirado ou era odiado.
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A moçada de hoje, coisa que não chego a condenar ante a justificativa de que é uma boa maneira de seduzi-la, inicia suas leituras com coisas do tipo sobre magia (Harry Potter), vampiros (Crepúsculo) ou autoajuda como os de Paulo Coelho... Por volta de meus 12 ou 13 anos, tomei gosto pela leitura, dentre outros, pelo contato de livros como o ‘Pilão da Madrugada – Neiva Moreira, um depoimento a José Louzeiro’. Foi ali que conheci Neiva e parte da História do Maranhão. A única vez que estive pessoalmente com Neiva, quando apertei sua mão e, mesmo sem poder ser visto – ele já tinha perdido a visão, aos 91 anos –, fiquei como um menino ante uma lenda de infância, mal balbuciei... Neiva discorria da necessidade de colocar o povo nas ruas, para resistir ao golpe da oligarquia que apearia Jackson do poder. Pensei comigo mesmo quão jovem e rebelde ainda era o Neiva, ainda que quase centenário. Minha admiração por ele se reafirmara. Na entrevista a Louzeiro, Neiva relembrou: Quando eu tinha 15 anos, [Dona Noca] levou-me de Barão [de Grajaú] a [São João dos Patos] – viagem de dois dias em lombo
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de burro, que hoje se faz em duas horas de carro (...) Aliás, nessa viagem no comboio de burros, deparei-me pela primeira vez com a generosidade pura, a solidariedade espontânea e desinteressada. No meio da chapada desabitada, ouvi longínquo batido de um pilão, varando a madrugada. Um tropeiro explicou-me o mistério. Três irmãs velhas, a intervalos curtos, faziam, noite após noite, como se pilassem arroz, para algum viajante extraviado, ouvindo aqueles toques, soubesse que ali havia uma casa, onde poderia orientar-se.
Ao que José Louzeiro interpretou: Pode-se comparar [a atuação das três irmãs ao socar o pilão] à [ação] dos que, dedicados à luta por um mundo melhor e uma sociedade menos injusta e conflitiva, estão sempre socando o pilão, indiferente dos resultados imediatos, às recompensas materiais e mesmo ao reconhecimento. Não são movidos por outro interesse que não seja o de contribuir para mostrar um caminho a quem esteja desorientado (...)
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ou mesmo, sem a esperança de que avance no rumo certo, ao encontro do amanhecer.
De algum lugar, vá grande Neiva, junte-se aos bons e continue a socar o pilão da madrugada, da esperança por um mundo melhor, de tal ‘nosso socialismo moreno’, como você, Brizola e Darcy Ribeiro costumavam falar. Estaremos por aqui, sempre dispostos a ouvir!
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NEIVA MOREIRA, OUTRO GIGANTE LIBERTÁRIO QUE SE VAI, AOS 94 ANOS F. C. Leite Filho*
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s 02:45 horas desta madrugada (10/05/2012) morreu, em São Luís, sua terra natal, Neiva Moreira, um dos gigantes do nacionalismo brasileiro e latino-americano. Jornalista, deputado, ativista internacional, Neiva, que ia completar 95 anos em outubro, des*Repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez tacou-se no plano nacional como seus primeiros estudos e começou no uma espécie de lugar-tenente de jornalismo, através do rádio, aos 14 Leonel Brizola, a partir da defesa anos. Aos 18, seguiu para Fortaleza, onde, também atuando no radio-jordo regime constitucional do presinalismo, terminou o segundo grau dente João Goulart, em 1964. e fez o primeiro ano de jornalismo na Universidade Federal do Ceará – UFC. Mudou-se em seguida para Brasília. Aí residindo, desde 1968, e onde terminou seu curso na UnB, em 1970, militou nos principais jornais – Correio Braziliense, Diário Popular
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Deputado pelo Maranhão, secretário-geral da Frente Parlamentar Nacionalista e repórter super bem informado (a revista O Cruzeiro foi um de seus veículos), Neiva percorreu o país contra o golpe que se avizinhava e levava quase diariamente a Jango as notícias de conspirações militares, articuladas na maioria por generais de dentro e fora da caserna. Foi cassado, preso e exilado, quando construiu uma militância internacional, sobretudo latina e africana, que ficou imortalizada em alguns de seus livros que popularizaram o nasserismo, o nacionalismo peruano do general Alvarado, precursor do chavismo, e nos seus Cadernos do Terceiro Mundo, inicialmente publicados no México. No Uruguai, foi encarregado por Brizola de organizar a resistência, e, juntamente com Eduardo Galeano, revolucionou a imprensa participativa, através dos jornais La Época e La Marcha. A experiência não (SP), Estado de Minas, Jornal do Brasil, durou muito tempo, porque, Correio do Povo(RS), O Globo e Folha de a direita que armava outro S. Paulo. Começou na reportagem de cigolpe, deu-lhe 24 horas para dade, depois cobriu Educação, de onde foi deslocado, em 1974, para a cobertura do abandonar o país, sob pena de Congresso e Poder Executivo. Entre 1977ser assassinato. 78, atuou como correspondente do Correio Braziliense, em Londres. Daí para cá, alternou sua atuação na mídia pública e privada e na análise política, trabalhando como assessor político do PDT e de Leonel Brizola, a partir de 1988, até que lançou este blog Café na Política, em novembro de 2008.
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Na Argentina, que vivia uma suposta primavera com a volta de Perón, em 1973, também trabalhou ativamente, no jornalismo e na militância por uma América Latina soberana. Dali a menos de dois anos, também era “convidado” a retirar-se pela sinistra Tríplice A, do ex-ministro José López Rega. De lá, seguiu depois para a Bolívia e Peru, onde novos golpes eliminariam as frágeis experiências nacionalistas. Sem ter para onde ir, Neiva que naquela altura estava casado com a jornalista Beatriz Bissio, então grávida da filha Micaela, partiu com ela para a África, onde também se encontrava seu sonho de autodeterminação, fixando-se inicialmente na Argélia, recém-libertada do jugo francês por um regime de cunho nacionalista. Antes tinha ido ao Egito, onde entrevistou o presidente Gamal Abdel Nasser, o precursor dos movimentos libertários africanos e terceiromundistas, numa reportagem de página para o Jornal do Brasil. Fazia sua base a partir de Argel, para cobrir as guerras libertadoras de Angola, Moçambique e outras colônias europeias. Da África, partiu para o México, um dos poucos países latinos não atingidos pelas ditaduras patrocinadas pelos Estados Unidos.
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A anistia de 1979 e o movimento de recuperação do trabalhismo liderado por Brizola, se articularia com Neiva, chamado para a reunião, em Lisboa, em junho daquele ano, e de onde sairia o PDT, partido que Neiva presidiu e foi seu líder na Câmara dos Deputados, em duas oportunidades. Ele se reelegeria deputado, sempre por sua terra, o Maranhão, onde dizia que ia viver até o final de seus dias, como ex-deputado, assessor do governador Jackson Lago e, finalmente, como simples militante do PDT. Sempre vivendo modestamente e ultimamente casado com Vânia Souza, com quem teve uma serena convivência de 10 anos, Neiva vinha desenvolvendo intensa militância, inclusive com viagens ao interior, até o seu internamento no hospital há cerca de um mês, onde veio a falecer.
3 | NEIVA MOREIRA COMO HISTÓRIA E MEMÓRIA
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NEIVA MOREIRA: EXEMPLO DE POLÍTICO E DE JORNALISTA Vitor Hugo Soares*
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a madrugada de 10 de maio de 2012, o Brasil perdeu Neiva Moreira, 94 anos, uma de suas maiores e melhores referências no terreno, cada vez mais movediço, do pensamento político, da ação parlamentar e do jornalismo exercidos por ele, sempre, na sua expressão mais ética, verdadeira e desassombrada ao longo de uma vida inteira. Perda sem tamanho em uma terra e em um momento cada vez mais carentes de figuras assim. No final do mesmo dia, a presidente Dilma Rousseff – confessa admiradora de Neiva, reconhecida pelos ensinamentos dele recebidos em sua origem pedetista, quando a ex-guerrilheira mineira já *Jornalista, edita o blog Bahia em Pauta, em Salvador.
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morava no Rio Grande do Sul – anunciou, finalmente, a lista com os nomes dos sete componentes da Comissão da Verdade. Polêmica entidade criada em 18 de novembro do ano passado, com o objetivo de “esclarecer as graves violações de direitos humanos” praticadas durante a ditadura implantada em 1964. Um ganho democrático, sem dúvida, mas cuja dimensão e alcance só poderão ser avaliados no futuro (que esperamos mais próximo que distante). A partir não só da história pessoal e profissional de cada um dos membros da comissão, mas, principalmente, do desempenho concreto do conjunto dos escolhidos para esta desafiadora e crucial missão que, bem cumprida, ajudará a nação a superar um dos maiores traumas de sua história recente. Logo se vê: esta segunda semana de maio de 2012 é, definitivamente, um período para ficar registrado na história e não esquecer tão cedo nos relatos, análises e crônicas sobre perdas e ganhos do Brasil. E não se fala aqui dos intrincados, secretos e insondáveis labirintos em que começa a mergulhar a chamada CPMI do Cachoeira, resultante dos escandalosos telefonemas grampeados pela Polícia Federal .
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Uma história cada dia mais cinzenta, confusa, imprópria para menores, mesmo em território de escândalos os mais escabrosos – boa parte deles ainda mofando nos arquivos de polícia, nos imensos processos judiciais por julgar, ou simplesmente já transformados em pizza. Mas, para não perder o rumo, sigamos o roteiro proposto no começo destas linhas. Mesmo sabedor da idade avançada de Neiva – e dos estragos que o tempo causa na saúde das pessoas, alguns por experiência própria – há figuras nas nossas relações pessoais, afetivas, profissionais ou políticas que a gente costuma e gosta de acreditar que são imbatíveis, eternas, imortais de verdade e não apenas por um feito qualquer ou título de academia. Para o jornalista que assina estas linhas, José Guimarães Neiva Moreira era uma destas figuras. Desde o tempo de garoto nordestino nascido nas barrancas baianas do Vale do Rio São Francisco, mas já de olho no mundo. Ligado muitas vezes nos feitos daquele prodigioso rapaz nascido irônica (ou emblematicamente?) na cidade maranhense de Nova Iorque, distante quase 500 quilômetros da capital, São Luís. A história de vida de Neiva, na política, no jornalismo, nas relações humanas e nos combates intelectuais e sociais, é longa. Brilhan-
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te, reta moralmente, bonita, épica às vezes, outras vezes triste, mas sempre pontuada por uma inesgotável capacidade de pensar, resistir e fazer coisas. Desde quando, órfão de pai aos seis anos, ele ajudou na subsistência familiar, vendendo bolos, remando canoas no Rio Parnaíba e como cobrador da Associação dos Empregados do Comércio de Floriano (PI). Sem jamais deixar de ir à escola e estudar com afinco, registre-se. Em Floriano deu os primeiro passos, no jornalismo, na redação do jornal estudantil A Luz. Depois, em Teresina, ao mesmo tempo em que estudava no Liceu local, fundou e dirigiu, com Carlos Castelo Branco (o Castelinho, do Jornal do Brasil, um dos mais completos articulistas políticos do país), o jornal A Mocidade. Ponto de partida para grandes voos na imprensa brasileira e da América Latina. A vida e a obra de Neiva são imensas e as linhas deste artigo insuficientes para abarcá-las. Boa parte delas vivenciei, em conversas com o próprio Castelinho, durante o convívio profissional de mais de 15 anos, no Jornal do Brasil. Ora nas minhas idas à sede, no Rio de Janeiro, ora nas frequentes e luminosas passagens de Castelo pela Sucursal do JB na Bahia, cuja redação eu então chefiava.
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No tempo da ditadura fui muitas vezes ao Uruguai (em companhia de Margarida, também jornalista), onde ainda estavam exilados Brizola, Jango, o coronel Dagoberto Rodrigues, o jornalista e querido amigo Paulo Cavalcanti Valente, entre outros. Em Montevidéu, construí e estreitei laços de admiração e respeito por Neiva. Mesmo quando não estava presente, ele, o maranhense de Nova Iorque, pontuava nas longas conversas desses ilustres personagens citados, Brizola principalmente. A última vez que estive pessoalmente com Neiva Moreira foi durante uma passagem triste pelo Rio de Janeiro. O coronel Dagoberto tinha acabado de morrer de enfarte, na véspera de tomar posse como diretor-geral da Imprensa Oficial no primeiro governo de Brizola, depois de longo exílio. Com Margarida, fui levar abraço (repetidas vezes recomendado por Paulo Valente) na redação do Centro do Rio, ao “cabra corajoso, inteligente e jornalista sem igual” (dizia Paulo), que acabara de refundar no Brasil o emblemático Cadernos do Terceiro Mundo, criado em Buenos Aires por Neiva e colegas argentinos e uruguaios.
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Na despedida, naquela manhã no Rio, recebi de Neiva o honroso convite para escrever sobre a africanidade em Salvador para uma das publicações do jornalismo alternativo que fizeram a cabeça de muita gente de minha geração. Na última quinta-feira, antes de sentar à mesa para o café da manhã, na Bahia, recebi de Margarida a notícia da morte de Neiva, que ela acabara de ouvir na TV. “A política brasileira perdeu hoje um de seus mais expressivos líderes. Neiva Moreira, fundador do PDT junto com Leonel Brizola, lançou raízes do trabalhismo no Brasil e em vários outros países latino-americanos. Como estudioso, ativista e escritor, sempre esteve ao lado dos povos oprimidos da região. Viveu intensamente a luta pelas liberdades no Brasil e, após retornar do exílio, ampliou sua trajetória política a partir do seu amado Maranhão. Em nome de todas as brasileiras e de todos os brasileiros, cumprimento familiares e amigos, neste momento de dor. Particularmente, guardarei sempre comigo as boas lembranças de minha convivência com Neiva Moreira”, dizia a nota de pesar da presidente Dilma. Eu também!
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NEIVA MOREIRA NO PIAUÍ Fonseca Neto*
“E
u sou a flor que o vento jogou no chão / Mas ficou um galho que outra flor brotou / As minhas folhas o vento pode levar / Mas o meu perfume fica boiando no ar”. Versos da letra de “Meu samba é a voz do povo” que o poeta João do Vale fez para ele: “dedicado ao amigo e companheiro exilado”.
Anotou o poeta porque o compôs: “fui ao aeroporto para despedi-lo, mas apenas o vi embarcando, cercado de agentes. Voltei muito triste e indignado. Fiquei com aquilo na cabeça e escre*Graduação pela Universidade Federal do Piauí em História (Livi...”. cenciatura, 1980) e Direito (Bacharelado, 1981). Pos-Graduação: Especialização em História do Brasil (PUC-MG, 1989), Mestrado em Gestão Universitária (UFPI, 1998) e Doutorado em Políticas Públicas (UFMA, 2014). Professor Adjunto IV, estatutário, do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí - CCHL, atuando principalmente nas áreas de História do Brasil, História Regional e Histó-
Semana que passou, o jornalismo de combate e o combate políti-
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co-partidário decente perderam um dos seus maiores: Neiva Moreira. Faleceu em São Luís – no dia 10 de maio de 2012 – cidade na qual exerceu destacado papel político em décadas pretéritas, invariavelmente militando nas hostes de oposição às estruturas oligárquicas locais. Basta lembrar – tal realçamos em nota intitulada “Neiva Moreira, o jornalista do povo”, de 19/04/2004 – que fora ele um personagem central das mobilizações do começo dos anos 1950 contra a fraude eleitoral no Estado, que então cevava o “vitorinismo”. Um parlamentar, entre os mais combativos do Brasil no século passado. José Guimarães Neiva Moreira nasceu em Nova Iorque, Maranhão, em 10 de outubro de 1917, mês da Revolução Russa, reivindicando-se comunista, fazendo rupturas radicais e assustando o Ocidente capitalista, envolto numa guerra feroz, com ria Moderna. Exerceu as funções repercussões mundiais. Pois esse de vice-diretor (1993-97) e diretor do Centro de Ciências Humanas e filho do tempo da revolução logo Letras (CCHL/UFPI - 2003-2009). teria, na acusação de “comunista”, Exerce atualmente a chefia do Departamento de História. Membro o libelo contra si proclamado, dos pleno do Mestrado em Gestão Pùblioligarcas maranhenses aos servica (UFPI). Membro do Conselho
Editorial da UFPI. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense (atual presidente) e nessa condição sócio temporário do IHGB (RJ).
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çais direitistas da Ditadura de 64. Ainda que jamais se fizesse militante comunista, cedo abraçou a causa da humanidade, tornando-se cúmplice dos despojados do sistema capitalista e ativo na luta contra o imperialismo. Um trabalhista histórico, até morrer – apesar de “imortal” da Academia Maranhense de Letras-AML, cadeira 16. Parece que nasceu ele para as seduções do verbo a serviço da liberdade enquanto expressão da sociedade igualitária – não! Esta expressão não perdeu sentido. Saiu de Nova Iorque com cinco anos. Foi residir em Barão de Grajaú, defronte à progressista cidade de Floriano, Piauí. Alfabetizado e iniciado na escrita pela própria mãe, a professora pública Luzia Guimarães, ali conhecida por “Mariinha”, uma sertaneja culta, inclusive leitora de jornais de Paris – “desde cedo transformou-me em um não-conformado”, ditou ele em suas memórias. Lembrou que ela compunha no Barão um jornalzinho chamado “Liberdade”, escrito em “folhas de papel almaço”. Começou a trabalhar aos nove anos, nas horas vagas da escola primária: “vendia bolo que mamãe fazia, nos barcos do Parnaíba, ajudava na travessia pelo rio, entre Floriano e
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Barão, ganhando alguns níqueis”: funcionou como “cobrador da Associação dos Empregados do Comércio de Floriano, dirigida pelo sindicalista Raimundo Ribeiro”. Ainda em Floriano, criou e dirigiu o jornal estudantil A Luz, com Arudá e Fauze Bucar, Amílcar Sobral e Lindomar de Freitas Dutra. “Pouco depois mamãe transferiu-se para Flores, atual Timon [...]. No Liceu de Teresina fiz o curso secundário até o quarto ano [e entre os colegas queridos] Carlos Castelo Branco e Abdias Silva”. “Carlos sempre teve uma posição muito independente em matéria de política. [...]. Foi ele que me deu os primeiros livros importantes para ler. De um deles – ‘ABC do Comunismo’ – jamais pude esquecer”. No primeiro dia de Liceu, em Teresina, convidaram-me a participar de uma greve. Juntei-me aos grevistas e terminei ‘premiado’ com uma suspensão de 15 dias. Mas, como na mesma semana morreu o patriarca da terra, da família Ferraz, acabamos anistiados para que pudéssemos assistir ao enterro. Voltei às aulas. Era a primeira e não a última anistia”. “No Piauí tive professores notáveis, como Cícero Ferraz, de
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Física; Álvaro Ferreira, de Francês e Edgar Tito, de Matemática”. Notas memoriais de um homem necessário, um jornalista amigo do povo. Quanta ironia ou sinal dos tempos que o enrubesceria: morreu na semana em que vem a público – a própria imprensa tentando esconder – o envolvimento de jornalistas com o crime organizado cavando a desestabilização de governos constitucionais. Porém, a semana da “comissão da verdade”, tentativa de por à luz a ação daqueles algozes que o prenderam em 64 e que feriu fundo a sensibilidade de milhares, inclusive do João, o poeta que Moreira acaba de reencontrar no exílio eterno.
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NEIVA MOREIRA Antonio Capistrano*
L
i, no Portal Vermelho (10/5/2012), com muito pesar, a notícia da morte do jornalista Neiva Moreira, ele estava com 94 anos de uma longa e profícua vida. Fiquei a rememorar as lutas desse grande militante de esquerda e resolvi publicar um artigo que eu tinha escrito e publicado em 2003. É uma pequena homenagem lembrando um grande homem. Muita gente nova, mesmo do meio político ou jornalístico, não sabe quem foi Neiva Moreira. Nascido em 10 de outubro de 1917 em um pequeno município do Piauí, chamado de Nova Iorque e, formado intelectual e profissionalmente no Maranhão, a história *Professor universitáde Neiva Moreira está ligada a vida públirio, foi reitor da Universidade Estadual do ca brasileira, tanto na atividade jornalística
Rio Grande do Norte (UERN).
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(trabalhou com Assis Chateaubriand nos Diários Associados escrevendo para revista O Cruzeiro), como na atividade política, tendo sido eleito deputado estadual uma vez e por diversas vezes deputado federal pelo Maranhão. Hoje, poucos conhecem a história e a luta dessa personalidade da vida política e jornalística do Brasil, presença marcante nas lutas democráticas e nacionalistas dos últimos 60 anos. Mesmo com o passar do tempo Neiva Moreira continuava firme com seus ideais. Tive a grata satisfação de assistir uma entrevista concedida por ele a TV Câmara no dia 22 de julho de 2003. Figura histórica da esquerda brasileira que ao lado de Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Almino Afonso, Josué de Castro, Miguel Arraes, Djalma Maranhão e outros, marcaram o cenário político do nosso país. Lembro-me da sua presença em Natal no famoso comício de maio de 1963 da Frente Parlamentar Nacionalista, comício realizado no Grande Ponto, era o contraponto das forças nacionalistas contra a presença no Palácio Potengi do embaixador norte-americano Lincoln Gordon em jantar com o governador Aluísio Alves e o general Antônio Carlos Muricy, naquele momento o embaixador Lincoln Gordon já estava
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tramando o golpe de 1964 que iria implantar a famigerada ditadura militar. O comício de maio em Natal foi realizado pelas forças nacionalistas. Forças essas lideradas aqui no nosso Estado pelo prefeito Djalma Maranhão, uma das maiores lideranças de esquerda do Nordeste e um dos melhores prefeitos da cidade de Natal. Neiva Moreira era ligado ao brizolismo. Com o golpe militar de 1964 teve os seus direitos políticos cassados. A partir daí vai para o exílio, vivendo em vários países da América Latina. Com o golpe militar no Chile em 1973 e o predomínio das ditaduras no nosso continente ele vai para a África mediterrânea. Fixa residência na Argélia, onde já estavam alguns brasileiros, entre eles Miguel Arraes, um velho amigo do PTB, de quem foi hóspede durante certo tempo. Neiva inicia um novo trabalho no jornalismo com a criação da revista Cadernos do Terceiro Mundo, publicação mensal com circulação em diversos continentes. Essa publicação é de grande importância para o jornalismo do mundo periférico, transformando-se no único meio de informações de esquerda, a nível internacional, levando para o mundo a real situação do
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continente africano, dos países latino-americanos e do Caribe, sem deixar de noticiar as questões pertinentes à Ásia. Era a voz com credibilidade do jornalismo do terceiro mundo. A revista Cadernos do Terceiro Mundo foi criada com um corpo editorial de primeira linha, com a presença de intelectuais que militavam no jornalismo em diversas partes do mundo, com isso dando ainda mais credibilidade as informações nela contidas. A revista tinha como lema nas suas três versões a seguinte afirmativa: “publicação com informações e análises das realidades, aspirações e lutas dos países emergentes, destinadas a consolidar uma Nova Ordem Informativa Internacional”. Era esse o objetivo primordial dessa publicação, que realizou um grande trabalho de levar os acontecimentos que estavam ocorrendo no mundo periférico, mas que a grande mídia não tinha nenhum interesse em divulgar. Fiquei feliz ao ver Neiva Moreira, aos 85 anos de idade, falando sobre a sua atuação no campo do jornalismo, ainda com vigor e alegria, pensando em retomar a publicação da brava revista dentro de uma visão por ele colocada, de que,
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Cadernos do Terceiro Mundo voltava para tratar de velhos temas dentro de novas conjunturas. Segundo Neiva Moreira a pobreza aumentou, a violência vem se alastrando por todo o mundo subdesenvolvido, a África arde com epidemias, com a fome, com a pilhagem das suas riquezas, com o roubo praticado pelas potências imperialistas que dominam o mundo a mais de 500 anos, esses velhos temas continuam presentes na pauta da redação da revista Cadernos do Terceiro Mundo. Neiva Moreira volta a nos brindar com um jornalismo comprometido com a informação verdadeira. Ao bravo militante uma saudação toda especial e um, muito obrigado camarada.
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MORRE NEIVA MOREIRA Helena Heluy*
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o visitá-lo, recentemente, em seu leito da UTI, no UDI Hospital, deparei-me, em brevíssimos flashes, com os mais significativos momentos da história política do Maranhão e de nosso País, que pude testemunhar, a partir de meados do século passado aos nossos dias. E não só. Colhi, também ali, detalhes de uma vida inteira - do menino da beira do Parnaíba, em Nova Iorque e, depois, em Barão de Grajaú/Floriano, ao jornalista e parlamentar inquieto e brilhante. Deputada Esta-
*Foi dual pelo Partido dos Trabalhadores.
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Neiva, ou o “Moreirinha” para os mais antigos, foi o maranhense mais CIDADÃO DO MUNDO a ser registrado pela verdadeira História. O Jornal do Povo e Os Cadernos do Terceiro Mundo foram sua grande e revolucionária trincheira de luta política, no campo da comunicação. O primeiro, “contra a opressão e a injustiça social”, aqui e fora do Maranhão. O outro, em favor dos povos oprimidos e mais pobres do mundo. Um e outro numa dimensão eminentemente libertária. Por isso, haver sido um dos primeiros atingidos, violentamente, pelo golpe militar de 64, nos seus direitos políticos, pela cassação de seu mandato, pelos sentimentos humanos mais fortes, no exílio, durante quinze anos. Nada disso, no entanto, o fez esquecer o Maranhão, sua gente, sua realidade, seus amigos e amigas. Ao retornar ao Brasil, em 1979, Neiva fez questão de mudar a rota tradicional a fim de pisar, o quanto antes, o solo brasileiro, no Maranhão, onde recebeu do povo de São Luís a mais consagradora homenagem já prestada a uma pessoa, do aeroporto à Praça Deodoro, com a presença de policiais nas
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esquinas por onde passaria o grande cortejo. Ainda era tempo de ditadura, sobretudo no Maranhão. Cheguei, de forma discreta, a perguntar a um dos policiais do que se tratava – a resposta veio imediata: “é um Neiva Moreira” que está chegando. O Brasil deve a Neiva Moreira a maior ousadia migratória ao presidir e se dedicar com afinco à mudança da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, atento aos mínimos detalhes e exigências do mais sofisticado ministro ao mais simples servidor público. Sou testemunha ainda de que ninguém mais do que ele soube incentivar jovens vocacionados e vocacionadas para o jornalismo e para a atividade e militância partidária. Sabia buscar, no sentimento das pessoas, o seu talento para esse mister. Por tudo isso, minha homenagem a Neiva Moreira, marcada de uma profunda gratidão e um imenso respeito, que estendo aos seus familiares, na pessoa de Micaela, e aos seus fraternos amigos, na pessoa de Maria Lúcia e Reginaldo Teles.
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TUDO PARA ACABAR ASSIM Sálvio Dino*
C
“A partir de certa idade nossa vida é uma alameda de amigos mortos” Paschoal Carlos Magno.
HEGOU MINHA VEZ de derramar sentidas saudades. Sabe de quem meu caro leitor(a)? De um homem com “H” maiúsculo, como poucos da nossa vida pública. Homem de imprensa que – “ao longo *Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais de sua atuação como jornalista pela Faculdade de Direito de São Luís, onde participou de movimentos estudane político, engajado nas lutas tis e literários. Ingressou muito jovem no contra a opressão e a injustiça jornalismo, como revisor e repórter dos Diários Associados. Advogado, atuou em social”. Nos anos 50, do século numerosos júris populares no interior passado, então repórter de O e na capital do Estado, e foi o autor do CRUZEIRO (…) passou a inteprojeto de criação, no interior do Estado,
da primeira Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil- Seção do Maranhão, núcleo instalado em Imperatriz, e do qual foi conselheiro. Líder estudantil, foi atuante membro da União Maranhense dos Estudantes Secundários-UMES; pertenceu ao Parlamento Escola da Faculdade de Direito e foi eleito orador oficial
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grar a oposição aos grupos que detinham o poder no Maranhão (Nagib Jorge Neto – Col. do confrade Joaquim Itapary/ Est. do Maranhão/ Ed. 17.05.12). DE FEITO: Ele é desses seres humanos que se costuma dizer, alto e a bom som: SÃO POUCOS, AGORA MENOS UM. Sim, ele é desses que se deve distinguir: homens passageiros como o Éter e – homens imorredouros como o bronze. Quando, como o conheci? História que não cabe num pequeno espaço das terças. Posso, resumindo um conjunto de fatos, atos e tratos – prestar enxuto testemunho a pesquisadores do futuro sobre um do Centro Acadêmico Clodomir Cardoso, homem de imprensa com da referida instituição de ensino superior. visos de patrimônio do jorVocacionado para as atividades políticas, nalismo mundial(!?). elegeu-se, em 1954, vereador de São Luís e, em 1962, conquistou seu primeiro mandato de deputado estadual, havendo sido cassado em 1964, sob a acusação de atividades subversivas. De volta à Assembléia Legislativa do Estado, foi distinguido, em 1977, pelo Centro Social Estudantil Maranhense, com o título de Melhor Deputado Estadual desse ano. Foi prefeito municipal de João Lisboa-MA em 1989 e 1997. Presidente, por dois mandatos, da Associação dos Municípios da Região Tocantina-AMRT e da Associação dos Municípios do Sul do Maranhão-AMSUL. Exerceu diversos cargos em comissão no Governo do Estado do Maranhão. Membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras e seu vice-presidente em 1991/92.
PRIMEIRO CLICHÊ: combativo, inteligente, valoroso repórter engajado nas lutas pelas liberdades democráticas e boas causas sociais, bem no estilo do inesquecível Darcy Ribeiro.
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Fase de O Cruzeiro que quando chegava nas bancas de São Luís, todos nós passávamos o sorver de só gole. Como seus textos massageavam nosso ego, já querendo romper pesadas ondas com os frágeis braços juvenis. SEGUNDO CLICHÊ: imagem bem diferente do jornalista, já transformado em autêntico guerreiro da luz com vistas a tirar-nos da escuridão política, ocupando, ele, lugar de vanguarda na FRENTE AMPLA – (históricas oposições coligadas) contra o revoltante sistema – EU QUERO, EU MANDO, então dominante. Claro, nós outros, moços puros, idealistas sonhadores de um mundo mais justo, sem desigualdades sociais, embarcamos, de corpo e alma na canoa que navegava, de vento em polpa, com destemidos remeiros que só enxergavam um porto, aquele capaz de proporcionar ao povo – um nível de vida compatível com a dignidade humana e cristã. SAUDOSA ÉPOCA – quando, parafraseando o poeta cearense pa. Antonio Thomás – os desenganos, ainda não iam a nossa frente… Foi, sim, marcante época, tão bem enfocada pelos, também guerreiro da luz, – José Mário Santos (ex-vereador, prof. Universitário) e Benedito Buzar, ex-deputado, intelectual de peso, presidente da AML.
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Vejamos pedaços iluminados dos dois companheiros de lutas ideológicas: *** Na vida política do Maranhão, desde o predomínio da aristocracia rural, na época do império e começo da República, passando por certo período caracterizado pela presença de algumas individualidades de notável valor intelectual, no comando de facções políticas, mas distanciadas da realidade cotidiana do povo. …sobressai, distintamente, a figura de NEIVA MOREIRA como elemento renovador desse processo, na medida em que colocou sua rara inteligência em consonância com as expectativas da sociedade urbana, notadamente na Capital do Estado. A importância política de NM, em termos maranhenses, surge claramente quando se constata que sua atuação esteve sempre voltada para substituir a visão e comportamento oficiais então dominantes. (Uma presença transformadora, – Neiva Moreira, o Jornalista do Povo). (José Mario Santos). *** Em outubro de 1997, quando completou 80 anos de vida, resolvi homenageá-lo com a publicação de um livro, cuja material prima era a sua produção jornalística…
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Nessa garimpagem de 15 anos de seu trabalho jornalístico, selecionei 100 artigos que me parecem os mais adequados à realidade maranhense e invariavelmente escritor com discernimento, competência e paixão pela terra em que nasceu. – RODA VIVA, B. Buzar/ Est. do Maranhão/ Ed. 20.05.12. *** Este livro convém salientar, não contem apenas artigos de natureza política. Fizemos questão de escolher tantos outros de teor econômico, social e cultural, nos quais Neiva Moreira revelava a sua preocupação permanente com relação ao desenvolvimento e ao progresso material e espiritual do Maranhão. (B. Buzar – Neiva Moreira – O Jornalista do Povo, pag. 10). TERCEIRO CLICHÊ: Foi bem, aí, quando maior era a presença dele, como homem de pensamento e o homem de ação (rara combinação, talvez só possível no autodidata de formação erudita, político aguerrido, líder de ponta que cimentamos uma militância política – de laços bem estreitos e firmes como a altaneira aroeira dos nossos sertões: verga, mas não quebra).
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Pois bem. Naqueles tumultuados dias de 64, creio, fomos pegos de surpresa… na luta obstinada de bem servir ao Maranhão e a sua gente. Não fomos bem compreendidos e o resultado: fomos cassados, presos e exilados, com pequeno viés: ele exilado pra além-fronteira e eu, pras barrancas do Tocantins, (voluntariamente) após ser posto em liberdade e, onde, até hoje, tenho meu habitat outonal. E, as águas passaram sob a ponte! Ele passou a ter o seu tempo e eu o meu. Como até as pedras se encontram, tempos atrás nos encontramos, como nunca tínhamos nos encontrado, depois da quartelada de 64. Foi numa viagem de Brasília a São Luís, pela TAM. Sentamos Juntos. E tome conversa… Relembramos bons e maus momentos de atribulada vida pública. Havia uma passagem que vivia engasgada em minha garganta. Vejamo-la, após 48 anos do acontecido. Quando do meu interrogatório queriam os inquisidores que eu, confessasse – “quantas, que tipo, donde tinham vindo as armas remetidas pelo deputado comunista Neiva Moreira para nós, da subversão do Tocantins”. Em tão boa hora, só nós dois conversando a uns três mil ou mais metros, acima do chão, achei por bem, botar os pés no passado abrilino.
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Pedi-lhe esclarecimentos a respeito, com riqueza de detalhes. Então, ele, disse-me sorrindo: “Isso e outros lances vêm do imaginário militar. Queriam a qualquer preço me pegar. O cunhado do Brizola – não queria nada…” E, logo mudando de assunto: “O que tu andas escrevendo? É preciso que as novas gerações tenham uma visão exata dos acontecimentos de 64…” E as águas passando pela ponte do tempo! Agora, pelos jornais tive conhecimento de sua morte no leito de um hospital, em São Luís BRAVO NEIVA MOREIRA! Quem sabe, talvez o futuro fará melhor julgamento de sua passagem terrena. Sim. Outro autêntico cavaleiro da esperança de melhores destinos para nossa gente. Não, não sei mais o que dizer. Sinto filetes d´lágrimas descendo pelo meu rosto. Só me vem à mente, o doloroso encontro de Franklin de Oliveira, também, num hospital com o notável Otto Maria Carpeaux. Já dando os últimos suspiros de vida, a grande “enciclopédia viva”, “com uma lágrima no canto de seu olho” (Franklin), exclamou: TUDO PARA ACABAR ASSIM.
ANEXOS | JORNAIS DO ACERVO DO INSTITUTO JACKSON LAGO
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“Q
uero dizer que a melhor contribuição que podemos dar a este País, neste momento, é procurar revitalizar a instituição parlamentar, fazer com que este Plenário, que em muitos momentos da nossa história fez estremecer o País mobilizando a opinião nacional, possa ser de novo expressão das profundas inquietações que dominam o povo brasileiro e também sua esperança no futuro. Não sinto a menor amargura. Esses anos de ausência do Parlamento e da Pátria não foram perdidos. Quando o exílio me levou à África, às margens do Rio Congo, sentia que os problemas que ali se verificavam, que faziam padecer o seu povo, eram iguais aos que vivíamos no Rio São Francisco e no Parnaíba. Eu achava que as novas ideias, as novas realidades, o novo conhecimento que incorporava através do sacrifício e da luta, poderiam permitir melhores, mais profundas e mais tranquilas contribuições no sentido de solucionar nossos problemas.“ Neiva Moreira, discurso ao assumir na Câmara dos Deputados, dia 15 de setembro de 1993.
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