Alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pós-Sarney

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Jhonatan Almada

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A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO

temas de um projeto político pós-Sarney


A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO, temas de um projeto político pós-Sarney

São Luís Jhonatan Uelson Pereira Sousa de Almada 2014


Capa Separation in the Evening, de Paul Klee (1922)


Jhonatan Almada

A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO, temas de um projeto político pós-Sarney

São Luís Jhonatan Uelson Pereira Sousa de Almada 2014


Para Ernesto Gael, meu filho, com a alegria dos primeiros passos


E lá na montanha deitado dormido Campeia o gigante! — nem pode acordar! Cruzados os braços de ferro fundido, A fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar!... Porém se algum dia fortuna inconstante Puder-nos a crença e a pátria acabar, Arroja-te às ondas, oh duro gigante, Inunda estes montes, desloca este mar! Gonçalves Dias

... deparei-me pela primeira vez com a generosidade pura, a solidariedade espontânea e desinteressada. No meio da chapada desabitada, ouvi longínquo batido de um pilão, varando a madrugada. Um tropeiro explicou-me o mistério. Três irmãs velhas, a intervalos curtos, faziam, noite após noite, como se pilassem arroz, para que algum viajante extraviado, ouvindo aqueles toques, soubesse que ali havia uma casa, onde poderia orientar-se. Neiva Moreira (1917-2012)


SUMÁRIO

8 PREFÁCIO – O MARANHÃO, AS MAIORIAS HETEROGÊNEAS E A SUA SAGA PELO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Elias Jabbour

13 APRESENTAÇÃO Lígia Teixeira

17 UMA INTRODUÇÃO ESTADO FORTE, SOCIEDADE DEPENDENTE

23 A RENOVAÇÃO DA ELITE POLÍTICA

43 O MARANHÃO NO EXTRAVIO

91 ESTAR NO ESTADO COMO PRIVILÉGIO DE POUCOS

112 ALÉM DO HORIZONTE, OUTRO MARANHÃO

119 POSFÁCIO – A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney Egberto Magno

125 O AUTOR


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PREFÁCIO - O MARANHÃO, AS MAIORIAS HETEROGÊNEAS E A SUA SAGA PELO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Elias Jabbour*

Foi com imensa honra, e uma ponta de orgulho, que recebi o convite de meu amigo Jhonatan Almada para prefaciar este livro. Existem coisas na toca na alma da gente. Escrever sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma unidade da federação como o Maranhão não é uma tarefa simples. Porém, a tendência ao simplismo é imensa. Não se trata do estado com péssimos índices econômicos e sociais, uma parte do Brasil condenada à Idade da Pedra. Prefiro não enxergar o processo desta forma. Tenho clareza que a primeira tarefa do novo governo é não tocar adiante o Maranhão partindo do que ele contém de atraso. Sim, existe atraso. Muito atraso. Mas. Existe dinamismo. Um dinamismo expressado, também nas urnas. Um povo capaz de eleger um Flavio Dino de Castro e Costa para *

Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado de Rio de Janeiro (FCE-UERJ) e membro do Comitê Central do PCdoB.

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comandar o seu destino não pode ser um povo qualquer. É um povo especial. Um povo que expressou nas urnas as leis econômicas capazes de transformar atraso em dinamismo. Capaz de construir uma difícil transição do velho ao novo. O destino de qualquer povo que expressa o exercício do direito ao desenvolvimento e de planificar este mesmo desenvolvimento em lugares com seus dramáticos contornos políticos. Com o Maranhão não será diferente. O velho pode cair de maduro. E sua resistência não será pequena. Neste cenário, o novo governo, ao maturar uma ampla aliança deu seu ―passo um‖ para ter êxito: acertar na política. Um quadro político numa teia de complexidades encerrada, tanto no Brasil quanto no Maranhão demanda compreender uma lei objetiva da política em formações sociais complexas. A base material deve ter expressão na superestrutura. Uma única força política não consegue levar adiante nem imediatos, nem tampouco estratégicos. Não tenho dúvidas que o Maranhão de Flávio Dino não é exceção do resto do Brasil. Compreender como as coisas funcionam, de fato, demanda uma visão de processo histórico. É saber que as chamadas maiorias heterogêneas e seu significado expressa a necessidade de nos colocarmos sempre acima de nossa condição de esquerda. Desta forma trocamos o abstrato (visão ideologizada) pela abstração (visão de processo histórico). É pensar grande exercendo em último grau o exercício da inteligência. Ou percebe-se isso ou nos condenaremos à morte política. Não é comum escolher a segunda opção. Inclusive por acreditar que a oligarquia está morta. O novo está condenado a conviver com o velho. A proscrever, na política, o velho que ainda sobreviverá – sobretudo na máquina feudal do estado maranhense. Daí a noção de construção de uma difícil transição. O povo do Maranhão

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está apenas começando sua saga pelo direito ao desenvolvimento. Não nos iludamos. Neste sentido, quis o Brasil que o Maranhão produzisse, na esteira do mais completo pensador brasileiro do século XX, o maranhense Ignacio Rangel, uma figura chamada Flavio Dino. Entre trabalhar com uma clara visão de processo histórico e a morte política por insuficiência de cérebro, escolheu o primeiro. Falar dele é uma honra ímpar. Trata-se de um amigo que já passou da esfera do pessoal. O conheci em minha primeira passagem por Brasília, na assessoria econômica da Presidência da Câmara dos Deputados. O que era comum a quem o conhecia há muito tempo, ficou claro a mim logo no primeiro apertar de mãos. O Dino é conhecido em seu meio. Pensamento rápido, uma impressionante capacidade de articular ideias e construir a unidade na heterogeneidade. Homem de humanismo límpido. Humanismo este expressado na sua habilidade de transformar a dialética em algo simples. Nunca sendo simplista. Sabia, após o nosso primeiro contato, que estava diante de um gigante político e pessoal. Ser-humano de estirpe diferenciada. Longe de ser alguém letal, típico do meio. Flávio Dino, 42 anos de idade. Juiz de direito, deputado federal Filho do nobre deputado Sálvio Dino, que teve seu mandato cassado pela ditadura militar. Ditadura esta, em cujos quadros de sustentação esteve o maior inimigo do progresso do Maranhão. Flávio Dino é um ―marxista cristão‖, no melhor sentido que o termo pode revelar. Com uma obstinação única, colocou em suas costas o desafio de livrar o Maranhão – de uma vez por todas – das raias da miséria e da degradação política e social. Flávio Dino encarna o mesmo espírito da geração de Ignacio Rangel. Um Brasil que começava a tomar o destino em suas mãos. Como Sérgio Buarque de

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Hollanda e Gilberto Freyre, Rangel era de uma geração fascinada pelo Brasil novo que nascia com a Revolução de 1930, encabeçada pelo patriota e estadista Getúlio Vargas. A única diferença está na historicidade: Flavio Dino é expressão da Revolução Democrática iniciada por Luís Inácio Lula da Silva em 2003. A Revolução Democrática no Maranhão começou. Li algo sobre a prioridade imediata do novo governo em trabalhar medidas profundas de corte social. Um outro golpe sobre a oligarquia, sem dúvidas. Isso deve ser apenas o começo. O Maranhão, como o próprio Brasil, necessita de um projeto estratégico capaz de ao mesmo tempo reunir toda inteligência humana possível, além de empolgar a todos com uma perspectiva mínima de futuro. E o futuro deverá ter como norte a paz, a paz social. E a paz não floresce na desigualdade e na pilhagem de uns poucos sobre a grande massa de trabalhadores. Não floresce em meio a ignorância generalizada. A paz é um imperativo do desenvolvimento e de nossa capacidade de lutar pelo direito a ter esse desenvolvimento. Por fim, algumas palavras sobre um projeto estratégico de desenvolvimento ao Maranhão. Em primeiro lugar, devemos perceber a base de poder da oligarquia. Trata-se de uma base de poder incrustrada no seio do aparelho de Estado. A batalha neste campo é mais tortuosa. Não se trata apenas de desalojar da noite para o dia essa gente do aparelho estatal. A oligarquia só é oligarquia por ter perdido completamente o sentido da separação entre o público, o privado e o papel da pessoalidade no trato entre o poder interno. O desenvolvimento deveria ser postergado ao infinito, pois o surgimento de um empresariado local corresponderia a uma grande ameaça ao status quo reinante. O desafio imediato é de criar condições objetivas à criação de condições ao surgimento de um ambiente propício ao investimento

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privado no Estado. Além disso, criar condições – também – ao surgimento de um empresário local, maranhense. E esse empresário a surgir nas entranhas da Revolução Democrática deverá ter amplo apoio de agências de fomento locais, um mínimo de crédito para tocar seus pequenos, médios e grandes negócios. O estado ao criar as condições propícias a isso, estará – na ponta do processo – dando o ―beijo da mulher aranha‖ na oligarquia. É, na prática, um poderoso exercício de GRANDE POLÍTICA, colocar no centro do processo a criação de um ambiente propício e capaz de gerar empregos suficientes para transformar o aparelho estatal em algo única e exclusivamente voltado à administração de grandes projetos de cunho social e inclusivo. Por fim, aqui pelas bandas cariocas, estarei torcendo pelo êxito absoluto deste novo governo. O Brasil nunca precisou de tanta luz, de ideias novas, inovações e certa contundência. A novidade sempre vem do Nordeste. E é nesta espetacular e dinâmica região do Brasil que cá estou a apostar todas as minhas fichas. ―A certeza é certa‖. Acredito piamente que as coisas devem se arranjar. Não partindo de uma ―rebelião do desejo‖. Mas, de uma ciência. Força a Flávio Dino e ao povo do Maranhão, a quem subscrevo este prefácio pela coragem e ousadia que vocês demonstraram no dia 5 de outubro último.

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APRESENTAÇÃO Lígia Teixeira*

O trabalho que o leitor terá acesso neste compêndio é um registro fundamental sem outro congênere produzido até o momento, para compreender o complexo cenário que gestou o longo, penoso e inédito processo de alternância de poder e superação de um regime oligárquico regional tão longevo quanto este que vigora, ainda que formalmente e com os dias contados, no Maranhão. Os historiadores da minha geração ainda devem à sociedade maranhense uma análise mais apurada das categorias que construíram a realidade política maranhense nos últimos anos. O ―roseanismo‖ vigente há duas décadas e subproduto mais nefasto do modelo ―sarneysista‖ de governar, foi ao mesmo tempo capaz de levar o estado à miséria e à manutenção da barbárie feudal, ao mesmo tempo em que esgotou junto à opinião pública o conceito de ―oligarquia‖, cujo uso extremo em discursos maniqueístas quase

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Historiadora, formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreve regularmente no Jornal Pequeno.

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sempre ignorou o fato de que lógicas oligárquicas são também frutos de uma cultura política aristocrática das instituições e não apenas vontades unilaterais de atores políticos. A oligarquia no Maranhão é um fenômeno histórico que se arrasta no Estado há mais de dois séculos. Não se trata, portanto, de um modelo político inventado pelo ―sarneysismo‖. O que torna José Sarney a face histórica mais cruel desse modelo, é o fato de que ele usurpou há meio século a vontade maranhense de superação da lógica oligárquica. Sarney prometeu ser o agente político a superá-la, mas tornou-se o agente político a aprofundá-la. O papel das instituições, a mentalidade hermética da aristocracia

política, a

dependência da máquina pública, as

contradições econômicas, o processo de unidade oposicionista, o papel da sociedade civil e das instituições maranhenses, são alguns dos temas tratados neste livro. Creio que a competência dissertativa de Jhonatan Almada para analisar esses processos será profundamente útil para a compreensão do sentido histórico de ―oligarquização‖ da política e por que este momento histórico da eleição de Flávio Dino aponta para sua superação definitiva. O estilo de Jhonatan Almada dispensa rebuscamentos terminológicos e esquematismos linguísticos tão comuns aos que se debruçam sobre a realidade do Estado na perspectiva intelectual. Nem por isso o autor abre mão do rigor e erudição ao analisar os fatos com elegância e clareza. Jhonatan Almada produz, enfatizo, um documento cujo conteúdo ainda é raro e por isso mesmo ousado. Neste livro encontraremos subsídios para compreender com nitidez o mais recente capítulo da história política do Maranhão, tão marcado por sutilezas e complexidades nem sempre lavadas à conhecimento do grande

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público. E se é verdade que os historiadores no mais das vezes precisam de distanciamento temporal dos fatos para melhor se debruçarem sobre eles - como é o meu caso - neste trabalho, Jhonatan Almada mostra que os historiadores, mais do que ―desengavetadores‖ de acontecimentos empoeirados e distantes no tempo, são mesmo fascinados pelo desafio de compreender a atualidade. Biógrafo de Ignácio Rangel, economista maranhense falecido há exatos 20 anos e reconhecido como pensador cuja estatura intelectual em sua área só é comparável no Brasil à de Celso Furtado, Jhonatan Almada é profundamente influenciado por preceitos econômicos e sociais defendidos pelo biografado. Sua vasta experiência no campo da consultoria e planejamento educacional dá a este documento o caráter de consulta preciosa aos que se interessam pelo tema, já que o autor dedica um tópico para analisar a realidade da educação do Estado, oferecendo a decantação de dados estatísticos reveladores. Como será perceptível ao leitor, a fala autorizada de Jhonatan Almada não é construída apenas pelo acúmulo de conhecimento teórico dos temas que ele narra. Longe de entregar-se ao ―silêncio dos intelectuais‖ refugiados nas muralhas da Academia, Almada é um militante ativo das causas nas quais acredita, colocando seus estudos à disposição dos agentes públicos. Tive o prazer de conviver com ele durante a tarefa de formulação e difusão do Programa de Governo de Flávio Dino. Suas anotações, ponderações e contribuições, sobretudo na área de educação, podem ser encontradas na versão final do Programa que encontra-se à disposição dos cidadãos maranhenses para consulta a qualquer tempo. Sou testemunha, portanto, do esforço intelectual de Jhonatan, não apenas para elaborar um mapeamento analítico sobre a realidade do Estado, mas, sobretudo na tarefa de colocar em prática o projeto de

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transformação da realidade maranhense, a que ele tem se dedicado com otimismo, disciplina, fé e a generosidade que lhe são peculiares. Por fim, a coletânea de análises compreendidas neste livro, narra a construção de um processo de alternância de poder cuja finalidade maior é resgatar dos porões da invisibilidade os sete milhões de maranhenses anônimos, até aqui condenados à pobreza, à humilhação e ao esquecimento. Almada chama a atenção para o fato de que este processo ainda exigirá o cumprimento de algumas etapas. Apesar de terem sido colocados nos estertores do poder, há ainda a permanência (infiltração) de agentes políticos oligárquicos em instituições do Estado, a exemplo do Parlamento Estadual, do Tribunal de Contas, do Tribunal de Justiça, das cadeiras senatoriais do Estado, com 2/3 ainda ocupados por membros do grupo Sarney e de tantas outras instituições maranhenses.

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UMA INTRODUÇÃO ESTADO FORTE, SOCIEDADE DEPENDENTE

O ano de 2014 foi eleitoral. Diferentes projetos foram confrontados na disputa pelo Governo do Estado no Maranhão. Somente um deles foi vitorioso, sendo que uma das urgências a ser enfrentada por esse projeto, a nosso ver, é a consolidação de outra economia para além dos grandes enclaves econômicos. O

Maranhão

experimentou

dezenas

de

projetos

inconsistentes sob a égide da oligarquia, nenhum o desenvolveu, apenas aumentou o patrimônio dos donos do poder e usurpou o sonho de uma vida próspera e digna de muitas gerações. É importante conjugar o fazer imediato com o erigir para as novas gerações, antecipar os problemas, não resolvê-los no afogadilho. A expansão da economia dos municípios, a dinamização dessa economia, a prevalência do local/regional, dos projetos locais/regionais é que darão o ritmo, sem perder a visão do todo. Essa perspectiva estava posta durante o Governo Jackson Lago (2007-2009) e, pela primeira vez, reorientou os investimentos públicos

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e privados para um maior espraiamento pelas diferentes regiões do estado, escapando da tradicional concentração em São Luís. O Fundo Maranhense de Combate à Pobreza (Fumacop) foi o instrumento criado no Governo José Reinaldo e reformulado no Governo Jackson que buscou servir a esse intento. Claramente, as bases da reformulação realizada estavam corretas: financiar projetos de base tecnológica, produtiva e social apoiado em um conselho de gestão partilhado com a sociedade civil. Tão corretas que o Governo Roseana Sarney as ignorou e passou a utilizar o Fundo sem critérios técnicos ou sociais1. A atual conjuntura demanda uma retomada desse instrumento, não mais como Fundo Maranhense de Combate à Pobreza, mas como Fundo Maranhense de Desenvolvimento Econômico e Social (FMDES), exercendo um papel duplo: elaborar e financiar projetos nos municípios com os indicadores sociais mais baixos, com o objetivo de superar o quadro crítico de miséria e pobreza que lhes caracterizam. É importante notar algo contraditório. Quando defendo o fortalecimento das economias locais sou consciente que isso implica em uma maior presença do Estado, quantitativa e qualitativa. Por outro lado, essa presença deve servir de preparação e estímulo para sua desnecessidade, sobretudo econômica. A administração pública, hoje, é a principal atividade econômica da maioria dos municípios maranhenses, conforme as inúmeras séries estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB), publicadas pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Cf. POLÍTICAS RELACIONADAS AO FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL: resultados de pesquisa avaliativa. Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, Cadernos de Pesquisa, Observatório Social e do Trabalho, n. 1, ano 2, junho 2014. 1

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Isso nos leva a compreender o alto grau de dependência das sociedades locais em relação às Prefeituras e ao Governo do Estado. Os dois são os maiores empregadores e consumidores. Daí que a disputa política e a oligarquização estão diretamente relacionadas à prevalência do Estado em sentido amplo como fiel da balança na vida da maioria dos maranhenses. Assim, quem controla o Estado tem enorme possibilidade de enriquecer e se manter no poder. É justamente pela progressiva redução da força econômica do Estado nos municípios que poderemos enfrentar a problemática da ausência de alternância no poder político de forma mais consistente e permanente. Paralelamente, apoiar de forma intensiva as iniciativas locais de empreendedorismo e autonomização econômica. Essa redução não significa que o Estado deixará de prover os serviços públicos, significa que estimulando a economia local criará condições para autonomia individual em relação ao seu peso econômico, preservando-se seu papel de provedor das políticas públicas. O Maranhão exporta milhares de trabalhadores para outras Unidades da Federação ou o exterior próximo (Guianas) em busca de uma vida mais digna ou de dinheiro suficiente para retornar ao torrão natal ao ponto de gastar tudo e necessitar voltar de novo. São muitas as trajetórias possíveis nascidas do ciclo da borracha, da construção de Brasília, da industrialização do eixo Rio-São Paulo, do ouro da Serra Pelada ou dos canaviais de São Paulo. Ainda não conseguimos oportunizar, mais do que convencer, aos maranhenses das novas gerações, da viabilidade do Maranhão. Não uma viabilidade midiática, mas material. O apelo do poeta Correia de Araújo ―Patrícios aqui mesmo se enriquece! Basta querer e ao final

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de qualquer lide há pedras preciosas...‖2, permanece em busca de comprovação. Tendo essa realidade desafiadora como pano de fundo, desenvolvemos neste livro, algumas reflexões sobre a alternância do poder no Maranhão, a partir de temas e questões concretas que foram emergindo ao longo da participação no projeto de mudança do campo oposicionista. Esse projeto foi materializado pela candidatura de Flávio Dino, eleito governador do Maranhão dia 5 de outubro de 2014, após campanha vitoriosa e acirrada, com 63,52% dos votos válidos, totalizando 1.877.064 de votos. As reflexões foram publicadas originalmente em nosso blog, mas escritas com a intencionalidade de comporem o presente livro, para tanto, foram organizadas em quatro capítulos. No primeiro, discorremos sobre a importância decisiva da unidade das oposições para a alternância do poder, garantindo a renovação da elite política estadual e a criação de quadros para sustentar o projeto de mudança. No segundo, apontamos alguns problemas a serem enfrentados no programa de governo desse projeto, destacando-se a problemática educacional. No terceiro, apontamos que o Estado foi transformado em privilégio de poucos tendo como principal meio de acesso, os vínculos com o grupo dominante local. No quarto, apontamos as perspectivas, expectativa e desafios para os próximos anos com a vitória de Flávio Dino nas eleições de 2014. O Maranhão iniciará nos próximos anos um processo de transição entre o modelo oligárquico de governar e o vitorioso projeto político pós-Sarney. A transição que separa o dia da noite, esboçada no quadro de Paul Klee, o qual veste a capa deste livro, apresenta duas forças antagônicas. Ainda que não tenhamos realidade tão dual no 2

CAMPOS, Humberto de. Carvalhos e Roseiras: figuras políticas e literárias. São Luís: Café & Lápis, 2009. p. 161.

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Maranhão, penso nossa transição com similar posicionamento de forças. Entendendo que a vitória da oposição nas eleições de 2014 sinaliza para a prevalência do dia republicano sobre a noite oligárquica, sou consciente que muitos anos serão necessários para reverter o quadro atual e consolidar nova situação. Nesse sentido, publico as reflexões deste livro enquanto contribuição ao debate por outro Maranhão.

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Eros (1923), Paul Klee

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RENOVAÇÃO DA ELITE POLÍTICA


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RENOVAÇÃO DA ELITE POLÍTICA Enquanto não compreendermos que uma das problemáticas que nos cinge e nos emperra é a dominância de um mesmo grupo político por décadas seguidas, se reproduzindo à custa da exclusão permanente de milhões de maranhenses, dificilmente poderemos mudar: de uma sociedade dependente com Estado forte para uma sociedade autônoma com Estado regulador. Isso passará pelo enfrentamento dos jogos de poder com a necessária renovação da elite política maranhense. De fato, se a população não compreender que o projeto liderado por esse grupo jamais responderá às questões do nosso tempo, por que implicaria em revelar o vazio dele mesmo, apenas simulacros de projetos pessoais de poder, a mudança demorará e a vitória de 2014 poderá ser revertida para derrota em 2018. Nada mais contraditório do que dizer que esse projeto do grupo dominante é pautado no planejamento, posto que a inexistência ou a efemeridade de planejamento mais lhes caracterize3. O que há é tão somente o ir fazendo e fazendo o que traz benefícios imediatos e Cf. SOUSA, Jhonatan Uelson Pereira. Dois equívocos sobre o planejamento público do Estado do Maranhão. Cadernos de Pesquisa - Universidade Federal do Maranhão, v. 18, p. 54-64, 2011. 3

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mediatos, tanto político-eleitorais, quanto garantidores da própria reprodução. A unidade das oposições foi o ponto nevrálgico. Existem duas posições no cenário político do Maranhão: se opor ao grupo dominante e sua perspectiva de continuar no poder ou submeter-se, aliar-se e apoiar esse grupo. O se opor abrange um complexo. Envolve forças de esquerda, de direita, de centro e muitos ex-integrantes do grupo dominante. E como se percebe o ―se opor‖ não possui uma organicidade ou unicidade. A chave é a especificidade política local: a oligarquia como grupo dominante politicamente hegemônico a ser vencido. Ainda que dentro dessa oligarquia tenhamos facções, a diretiva do oligarca impõe uma unidade de ação cuja força não se pode desprezar ou subavaliar. A ausência de generosidade das lideranças e a incapacidade de perceber a oportunidade histórica vindoura são duas limitações à unidade das oposições. Por um lado, há o ―purismo‖, vamos chamar assim. As categorias analíticas descontextualizadas ou desatualizadas (luta de classes, socialismo, comunismo, etc) impedem a firmatura de um compromisso básico de unidade política entre as forças desse complexo. Por outro lado, existem também projetos pessoais de poder nesse conjunto, incapazes de ceder frente a um projeto maior, generoso e diversificado. Isso não é um nó-cego4, a unidade das oposições ou a formação de frentes amplas não é uma novidade em política, nem na América Latina, nem na Europa. O ponto é como conferir unidade em áreas estratégicas (educação, saúde e segurança) na diversidade de interesses

e

compromissos

políticos

firmados,

garantindo

a

implementação majoritária do projeto vencedor. O contrário, a cegueira, Posição de parte da intelectualidade acadêmica, a exemplo do texto ―O nó-cego da política maranhense‖ In: REIS, Flávio. Guerrilhas: artigos. São Luís: Pitomba/Vias de Fato, 2011. 4

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está em esquecer as especificidades e as oportunidades de cada conjuntura política, imobilizando-a em uma estrutura atualizada, mas imutável. As mobilizações sociais que tomaram as ruas em 2013, no Maranhão, trouxeram essa especificidade na pauta de suas reivindicações: a oligarquia como inimigo número 1. O ―comum‖ das mobilizações locais tem esse elemento como convergência do descontentamento de classes e frações de classes, em geral, excluídas ou inconformadas com a situação social. A unidade política demanda liderança e projeto. A liderança é uma pessoalidade. Ao longo da história do Maranhão ela já foi o próprio José Sarney, Neiva Moreira, Jackson Lago, dentre outros – nem preciso dizer da diferença abissal entre os dois últimos e o primeiro. Os adeptos do ―purismo‖ querem um projeto sem liderança. Temem o nascimento de uma nova oligarquia. Projeto sem liderança constrói o debate político, levanta bandeiras dos movimentos sociais, critica a oligarquia e as práticas oligárquicas, entretanto, não alcança e não convence a maioria que vota. Construir esse projeto comum e aceitar uma liderança que o corporifique é e sempre será um risco e uma possibilidade. O risco da liderança não cumprir com plenitude os eixos centrais do projeto comum e a possibilidade de ser cumprido. Em relação ao risco o caminho é romper e recomeçar. Quanto à possibilidade o caminho é apoiá-la de forma efetiva, intensiva e consistente. Entendo ser fundante, nesse ―comum‖, a introdução de novos sujeitos políticos na arena de disputas pelo fundo público. O filme ―Uma história de amor e fúria‖, dirigido por Luiz Bolognesi e lançado no segundo semestre de 2013 apresenta a história do Brasil, passado e futuro, a partir da relação de um homem

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imortal e uma mulher que se reencontram ao longo dessa história. Um dos cenários é o Maranhão. O contexto é a Balaiada de 1838. O personagem é fabricante de balaio e oprimido pela classe dominante do Império. Ele e sua família sofrem nas mãos de um coronel da Guarda Nacional. A opressão o faz uma das lideranças da Balaiada. O amor o coloca na luta pela libertação dos oprimidos. Essa dualidade contraditória retratada pelo filme, amor e fúria, nos deve alimentar para a construção do diferente. Amor como incômodo quanto à realidade de imobilismo político (Amor como a pintura Eros, de Paul Klee, desejo de mudar) e corrupção generalizada e fúria para somar forças em prol da transformação dessa realidade. Ignacio Rangel em um de seus escritos chamaria isso de dualidade entre o antigo e o novo. Aquilo que tem sido a prática política histórica de nossa formação social e o que diverge diametralmente dessa prática. O antigo é a democracia restritiva do Império e das primeiras décadas da República, vivíssima na forma oligárquica de governar. A participação popular e a mudança regular dos governantes, características da democracia brasileira contemporânea lhe são avessas. O novo que não consegue nascer e se afirmar. Penso que apesar dos avanços, ainda é difícil contestar que o Maranhão não viva ―na democracia de mentira‖, conforme denúncia de Marcellino Machado do início do século XX5. O Balanço de Gestão Política, teorizado por Carlos Matus, é o primeiro elemento a ser considerado para uma mudança no Maranhão. Esse balanço sintetiza os resultados positivos e negativos em relação às demandas políticas dos atores sociais e da população em geral. A democracia está essencialmente vinculada à distribuição do poder político, fortalecê-la passa pela criação de novas instâncias consultivas, MACHADO, Marcellino Rodrigues. Na democracia de mentira: o pleito de 24 de fevereiro em Maranhão. Rio de Janeiro: Impressa Nacional, 1927. Disponível em http://www.cultura.ma.gov.br/portal/bpbl/acervodigital/. Acesso em 21/11/2013. 5

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deliberativas e decisórias, isto é, instâncias que materializem a descentralização e a desconcentração do poder. OS JOGOS DO PODER. Tenho minhas reservas quanto ao jogo do poder, sobretudo quando ignora o bem comum ou a construção de si com o outro. Contudo, sou consciente de que ele existe, sobejando ideologias e partidos, pessoas e grupos, real e imaginário, valores e práticas. Os recursos e os acúmulos para entrar na disputa e conquistar uma vitória, implicam em tempo, valores, alianças e muito trabalho aplicado, sobretudo para os little fishes. O Conselho Nacional de Educação (CNE) se reuniu entre os dias 5 e 8 de maio de 2014 na cidade de São Luís. Fui indicado para fazer uma palestra sobre a política e a gestão de ensino superior da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) na reunião do CNE. Horas antes do evento, desconvidaram-me com uma lisonja costumeira, incapaz de encobrir a deseducação do ato e expor sua motivação profunda. O fato me fez recordar que também estou sujeito às intricadas redes de poder e pequenez de espírito, mesmo nas instituições acadêmicas as quais pensava serem verdadeiros abrigos do saber desinteressado. Na série de livros ―As Crônicas de Gelo e Fogo‖, George R. R. Martin expõe o jogo cru do poder e da política que transcorre em época semelhante a idade medieval europeia. As famílias potentes escolhem símbolos nos seus brasões para lhes representar, os animais são os preferidos. Em um dos volumes, o autor ridiculariza essa prática ao afirmar pela voz de um dos personagens que os homens escolhem um leão, um dragão ou um lobo, acreditando de fato que são leões, dragões ou lobos, esquecendo-se de sua mortalidade e de quão temporais as pretensões humanas são neste mundo.

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Rememoro os estudos do historiador Marco Morel6 sobre a zoologia política na época do Império brasileiro. Ali frequentavam cabras, bodes, urubus, cães, dentre outros. Aliados e adversários se atacavam nominando-se de animais para ressaltar o caráter irracional do outro e desqualificá-lo na arena política. Ainda que ninguém saiba ser tão desumano como nós, não somos os animais imaginados, nem mesmo os dos signos do zodíaco ou os do horóscopo chinês. Os animais, portanto, servem para exaltar características que buscamos apresentar como nossas, bem como, irracionalizar o outro. Entretanto, o lobo parece gozar de certo consenso quanto a sua reputação, sobretudo nas fábulas de Esopo. A fábula sobre o lobo e o cabrito é emblemática a esse respeito. A cabra ao sair de casa recomendou ao cabrito não abrir a porta aos estranhos. No rastro de sua saída, o lobo chega carinhosamente imitando a voz da cabra, não fosse a fresta da porta o cabrito teria sua vida abreviada. No jogo do poder, a lisonja pode esconder a peçonha e o desejo de destruir ou impor pela força, a qual é o último recurso dos covardes, quando todos os métodos anteriores falham. Esopo talvez tenha escrito um dos primeiros espelhos de príncipe, gênero estudado pelo professor de filosofia política, Michell Senellart no seu livro ―As Artes de Governar‖ (Editora 34, 2006). Talvez ainda não se tenha feito uma apreciação de suas fábulas nesta perspectiva,

entretanto,

considerando

os

objetivos

morais

ou

moralizantes ali contidos, fundamental lê-las com cuidado. Dito isto, não se pode ignorar o quanto os valores no âmbito da política se quararam nos varais das denúncias, da corrupção e da impunidade. O PODER EM JOGO. Os jogos pelo poder estiveram em campo no Maranhão. De um lado, os que estavam interessados em continuar, os Cf. MOREL, Marco. Animais, monstros e disformidades: a "zoologia política" no processo de construção do Império do Brasil. Revista Estudos Históricos, v. 13, n. 24, 1999. 6

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lobos e os cangurus (José Sarney apelidado por Vitorino Freire) buscando a preservação de sua espécie, guardando as terras do Maranhão para si e seus descendentes. O vale-tudo imperou neste lado do campo, nada foi descartado, tudo foi feito em nome do poder pelo poder. O outro lado buscou a alternância do poder, iniciar uma mudança concreta no Maranhão. Dispensou os comparativos animalescos e tem no ser humano a medida de si e daquilo que busca conquistar para todos. O caráter plebiscitário das eleições fortaleceu esse lado, as opções ficaram cada vez mais claras: mudança progressista ou continuísmo conservador. O candidato Flávio Dino robusteceu suas alianças em prol da mudança progressista com as adesões de lideranças importantes como a deputada estadual Eliziane Gama e o prefeito de Imperatriz Sebastião Madeira. Somou-se ainda o apoio declarado de dois presidenciáveis, Eduardo Campos (e depois Marina Silva) e Aécio Neves. A defesa da transparência,

o

combate

à

corrupção

e

a

superação

das

desigualdades pautou sua candidatura. A busca pelo convencimento do eleitorado foi fundamental, sobretudo junto às faixas indecisas, nos municípios do interior e áreas periféricas de São Luís. As

estratégias

dos

capitães

hereditários

do

Maranhão

continuaram as mesmas: utilização de pesquisas manipuladas ou baseadas em universos que cabem em um ou dois bairros da capital; invenção de denúncias e irregularidades por parte dos adversários enquanto as praticam largamente; busca constante de novos Reis Pacheco7; tentativas de apagamento do passado pessoal e omissão dos sobrenomes; apresentação de mais um de seus filhos na disputa eleitoral como algo legítimo e imposto pelo destino genético; ausência Cf. MARINHO, Abdon. Baixaria e Reis Pacheco. Disponível no blog http://marrapa.com/baixaria-e-reis-pacheco-por-abdonmarinho/. 7

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de projeto e contra-argumentos consistentes substituindo-os por abstrações, falas vazias e falsas medidas de impacto; aparentar empolgação e apoio vindos não se sabe de onde; apresentação da quantidade de siglas partidárias como sinônimo de respaldo eleitoral; escamoteamento da realidade conjuntural de modo a torcê-la e torná-la favorável por mais improvável ou inacreditável que pareça; por fim, o desprezo em relação aos intelectuais de uma geração diferente daquela que até hoje lima os couros dos seus calcanhares, moços velhos ou velhos moços servis. Destaco dois casos que corroboraram com algumas dessas estratégias: o rompimento de contrato entre a TV Difusora (pertencente ao grupo do candidato Lobão Filho) e a retransmissora do município de Presidente Vargas, devido ao fato do empresário Herialdo Pelúcio ter declarado apoio ao candidato Flávio Dino e a censura às postagens de inúmeros blogs como o da historiadora Lígia Teixeira ou do jornalista Cunha Santos. A RENOVAÇÃO DA ELITE POLÍTICA. Mudar em política implica, ao mesmo tempo, em novas práticas e na ascensão de uma nova geração ao poder. Renovar a elite política maranhense na segunda década do século XXI tem sido tarefa difícil por estar entremeada em uma transição negociada entre os setores sobreviventes do antigo regime e as novas gerações que buscam afirmar-se em espaço próprio. Nesse aspecto, a velhice se apresenta lamentável e tola como a do senhor feudal Hidetora no filme Ran (lit. Caos, 1985), de Akira Kurosawa. Ali, o senhor que tudo conquistou com força e desamor tentava transmitir aos seus filhos um ensinamento contrário às suas práticas e história, caindo na tolice e na loucura. Os delírios do poder no Maranhão impedem que os velhos da política alcancem a sabedoria, esta chega com a experiência banhada

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do conhecimento de si e dos outros. O horror ao novo explica por que os representantes maranhenses no Senado fazem jus à palavra latina senex (homem velho), ligada à origem romana dessa instituição. Esses homens estão longe de ser ―velhos moços‖ de que nos falava o Padre João Mohana, cuja biografia o jornalista Manoel dos Santos Neto está a nos dever. O Maranhão se ressente de quadros novos na política e o eleitor necessita intervir, colocando ponto final naqueles que não sabem a hora de sair com honra, preferem agonizar pelo poder, enxergando Delgadinas na política ou mesmo trocando uma por outra. Delgadina é a personagem do romance ―Memórias de minhas putas tristes‖ de Gabriel García Márquez, no qual um ancião encontra nela um bálsamo para sua avançada idade. Estados como o Amapá e o Mato Grosso apostaram em jovens parlamentares para o Senado da República, tais como Randolfe Rodrigues e Pedro Taques (eleito governador de Mato Grosso), os dois tem se destacado de forma excepcional nos mandatos, a ponto de fazer sombra e tornar desconhecidos os titulares das outras duas vagas na representação de seus respectivos estados. Países como a Itália e a França têm oportunizado espaços concretos à frente das chefias de governo aos seus jovens políticos. A geração que esteve no poder durante a Ditadura Civil-Militar de 1964 e deve a ela suas carreiras, nunca se recuperou do despudor violento daqueles tempos e ainda se apresenta por debaixo de plásticas, tintura capilar e fotos devidamente tratadas, como se fossem a verdadeira mudança. Essa fórmula premiou José Sarney com um Estado Novo para si que já tem, de duração, 29 anos no Brasil e 50 anos no Maranhão8. 8

Cf. FAORO, Raymundo. A República Inacabada. São Paulo: Editora Globo, 2007.

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Recordo Jackson Lago, tão bem lembrado depois de morto, o qual soube combinar em seus governos, velhos e novos, com toda a contradição que isso gerou. No entanto, quantos secretários adjuntos e assessores seus estão hoje no cenário político contribuindo com a mudança no Maranhão? Bira do Pindaré, Márcio Jardim, Sílvio Bembem e Franklin Douglas são alguns nomes que me vem à lembrança. Lamentavelmente, essa prática levou Dr. Jackson a uma decisão de apoio que se revelou fatal nas eleições de 2010 para a Prefeitura de São Luís, o governo eleito lhe foi impiedoso e contribuiu sobremaneira para impedir que ele concluísse sua obra interrompida. Renovação na política se faz com a sabedoria de dosar bem as gerações na transição, sempre recordando o quão passageiros somos neste mundo, mesmo que alguns se vejam como algo mais que um castelo de areia na beira do mar, ecoando a bela interpretação da cantora paraguaio-brasileira Perla. Destaco os que podem ser considerados quadros relevantes para a sustentação de um governo que efetivamente materialize uma mudança na política do Estado do Maranhão. QUADROS DA MUDANÇA. Quanto ao Senado, sem dúvida que o candidato identificado com o projeto da oposição foi Roberto Rocha, eleito senador na única vaga em disputa. Seu mandato será fator dos mais determinantes para a mudança na relação entre o Governo do Estado e o Governo Federal, alterando minimamente a atual composição da bancada, cujos outros dois integrantes são João Alberto e Edison Lobão, a dupla dinâmica que ficará sem o colega José Sarney a partir de 2015. No que diz respeito aos candidatos a deputado federal é importante notar que a saída de alguns da disputa nessas eleições alterou as possibilidades em jogo. Por exemplo, Carlos Brandão (vice-

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governador na chapa do candidato Flávio Dino), Pinto Itamaraty (suplente de senador na chapa do candidato Roberto Rocha) e Ribamar Alves (prefeito de Santa Inês). Exceto Nice Lobão, pois ao não candidatar-se, contribuiu especificamente para retirar da bancada maranhense a nódoa de possuir a deputada mais faltosa e inoperante do Congresso Nacional em todo o Brasil. Entre os que tentaram a reeleição, Domingos Dutra é o nome a se destacar, ainda que não tenha sido eleito. Dutra é uma referência na luta da oposição contra os desmandos do grupo dominante. Por muito tempo, voz solitária que carregou essa bandeira por anos a fio. Presidiu a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados com atuação reconhecida. Resistiu o quanto pôde no Partido dos Trabalhadores (PT) para que o mesmo não se aliasse ao grupo dominante local, chegando a fazer greve de fome. Recentemente, renunciou a uma candidatura ao Senado em nome do projeto maior de união do campo oposicionista e se mantém firme no propósito de apoiar o projeto de mudança. Entre os que se candidataram nestas eleições para deputado federal, destacaram-se Eliziane Gama (eleita), Rubens Pereira Junior (eleito), Márcio Jardim, Simplício Araújo, Igor Lago, Deoclides Macedo e José Reinaldo (eleito). Existem outros candidatos vinculados ao projeto político da oposição, entretanto, conheço melhor esses que destaquei. Eliziane Gama se tornou uma das mais jovens deputadas estaduais, foi candidata à prefeita de São Luís e tem uma forte atuação em prol dos direitos humanos. Renunciou a candidatar-se ao Governo do Estado em nome do projeto da mudança. A deputada fez a gentileza de propor a inclusão de artigo de minha autoria nos Anais da Assembleia, entretanto, como o conteúdo era crítico ao Governo Roseana Sarney, a Mesa Diretora indeferiu seu requerimento, apesar

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de seus protestos. Registro esse fato e o agradecimento público pela sua coragem. Rubens Pereira Junior foi o principal deputado de oposição na Assembleia Legislativa, sobretudo pela pertinência e qualidade de suas intervenções e questionamentos. Em mais de uma oportunidade, elogiei a atuação de Rubens pela fundamentação de suas falas e pelo estudo dedicado do orçamento público, coisa rara entre deputados estaduais. Márcio Jardim é um dos jovens líderes da oposição no Maranhão, desde a política estudantil. Possui experiência no âmbito da gestão estadual e municipal com forte articulação política nacional. Quadro orgânico do PT ainda hoje persevera em ambiente hostil às suas escolhas e posições, visceralmente vinculado ao campo oposicionista e rigorosamente contrário à oligarquia. Simplício Araújo alcançou destaque considerável em sua atuação na Câmara de Deputados, ao assumir a suplência e depois ser titularizado na vaga de deputado federal, chegou a Vice-Líder da Minoria e atualmente é Vice-Líder do Solidariedade (SD). Seus pronunciamentos e atuação incisiva, posicionando-se contra os escândalos e irregularidades praticadas pelo grupo dominante do Maranhão, diferenciaram-no sobremaneira. Recordo que foi um dos únicos políticos a ir pessoalmente ao Instituto Jackson Lago assinar ficha de contribuição. Igor Lago é médico com qualificação acadêmica prestigiosa e arraigados valores democráticos a pautarem sua atuação política. Entra com mais intensidade na política maranhense pouco depois do falecimento de seu pai Jackson Lago, líder histórico da oposição maranhense e ex-governador do Estado, cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral no que passou à história como ―golpe pela via judiciária‖. Igor

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Lago se propõe continuar o legado de seu pai e tem como principais características a seriedade e o rigor nas suas assertivas e posições. Deoclides Macedo foi prefeito de Porto Franco e realizou uma gestão destacada no município, nacionalmente reconhecida pelo trabalho e inovação ali presentes. Quadro orgânico do Partido Democrático Trabalhista (PDT), atualmente uma de suas principais lideranças, sua experiência na gestão municipal e articulação intermunicipal é seu ponto forte. José Reinaldo é ex-governador do Maranhão e político com larga experiência administrativa estadual e nacional, pagou preço alto por seu rompimento com o grupo dominante local. Sagaz e atento expôs como ninguém as contradições do Governo Roseana Sarney. O conhecimento de como esse grupo funciona por dentro lhe valeu o ódio eterno de José Sarney e é um elemento estratégico de fundamental importância na sua atuação. Entre os que se candidatam para reeleição como deputado estadual, destaco Bira do Pindaré. Bira é um quadro político e técnico com competência no campo da formulação de políticas públicas e articulação social em defesa dos direitos humanos. Tem experiência administrativa estadual e federal, bem como, atuação decisiva contra o trabalho escravo no Maranhão aliada a capacidade de mobilização popular. Joaozinho Ribeiro se candidatou para um primeiro mandato de deputado estadual, sendo quadro político e técnico com experiência consolidada no campo da cultura, tanto no âmbito estadual, quanto federal. Cantor, poeta, funcionário público federal, advogado e professor universitário, Joaozinho teria muito a contribuir na Assembleia Legislativa, sobretudo na inovação e formulação de

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políticas culturais, bem como, na reconstrução das relações entre cultura e educação. Luiz Pedro é jornalista e conta com uma carreira profissional e política das mais destacadas. Organicamente vinculado ao campo da oposição e membro leal dos governos de Jackson Lago. Militante histórico, com experiência administrativa municipal e estadual, além de dois mandatos de deputado estadual. Outros nomes da oposição disputaram uma vaga de deputado federal na Câmara ou deputado estadual na Assembleia, poderíamos citar Júlio Pinheiro, Professor Haroldo, Gerson Pinheiro, Júlio Guterres, Yglésio Moysés, Américo de Sousa, Rose Sales, Pastor Porto, dentre outros. ELEITORADO MARANHENSE. A principal dificuldade da oposição em vencer as eleições, renovar as bancadas e construir maioria que assegure a governabilidade reside no eleitorado maranhense, o qual é constituído por 4,49 milhões de pessoas, conforme as estatísticas eleitorais de 2014, divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desse universo, 61% são totalmente analfabetos (13%) ou analfabetos funcionais (48%), 5% tem ensino fundamental completo, 27% tem ensino médio incompleto ou completo, 1,65% tem ensino superior incompleto e somente 2,79% tem ensino superior completo. Em 2004, dez anos atrás, a realidade era pior ainda, 75% de 3,7 milhões de eleitores era analfabeto funcional ou totalmente analfabeto. Desse total, somente 5,3% tinha ensino fundamental completo, 7% ensino médio completo e 10% ensino médio incompleto, 0,52% ensino superior incompleto e somente 0,74% possuíam ensino superior completo. Esses eleitores têm como principal fonte de informação a TV e o Rádio. Daí uma das principais dificuldades da oposição em quebrar o

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ciclo de dominação da oligarquia, pois essa escolaridade exige um trabalho de educação popular direto e pessoal, única forma de quebrar a frieza e a força da mídia. Contudo, o trabalho direto pode ser descontruído muito rapidamente pelo bombardeio diário veiculado por essas mídias. As fontes de informação mais acessadas pelos eleitores maranhenses são a TV Mirante, Rádio Mirante e Jornal ―O Estado do Maranhão‖, veículos de propriedade da família Sarney que influenciam fortemente a opinião pública. Isso não é só uma questão de escolaridade, pessoas com nível superior também deformam a opinião com o que é veiculado pelo grupo. Não conseguem estabelecer mínima análise crítica da informação, sempre enviesada e mais pesadamente manipulada quando se trata de ano eleitoral. O RISCO E A RÉGUA. O risco de derrota retumbante nas eleições de 2014 fez com que o grupo dominante acionasse essa máquina de moer reputações implacavelmente. Os partidos PSOL, PSTU, PCO, PCB e PPL funcionaram como coletivos ingênuos e úteis a esse esquema. Ao acreditar que sua teoria da farinha do mesmo saco contribuiria para esclarecer o eleitor, colaboraram com o fortalecimento da estratégia do grupo dominante de inviabilizar a alternância do poder. Soou forçado e confuso o ataque por eles dirigido, ao mesmo tempo, tanto ao candidato do grupo dominante (Lobão Filho), quanto ao candidato líder da oposição (Flávio Dino). O embotamento provocado por essa teoria e as limitações do eleitorado não conseguem tirá-los do puro desconhecimento. Isso impede de perceber que a razão do prefeito ou prefeita ser ruim não é a incapacidade financeira de resolver os problemas da cidade, o fato dos problemas virem de administrações anteriores, a impossibilidade de resolvê-los no curto prazo ou de atender todos os interesses que

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disputam o orçamento do município, mas o fato desse prefeito ou prefeita não pertencer ao grupo dominante local. Só isso, nada além. Nesse contexto, não importa a verdade ou o fato, mas como ele pode ser transformado em uma versão que apresente o gestor como incompetente ou corrupto para assim manter a dominação política do grupo. É nesse terreno que vicejaram figuras como a da propaganda do candidato Lobão Filho enquanto caricatura mais bem acabada desse eleitorado, despertando mais o riso do que a revolta em relação ao estereótipo. Também nesse terreno é que as abstrações sentimentais da consorte-apresentadora do candidato Lobão Filho encontraram a acolhida de um eleitor bestificado por décadas ao confundir assistencialismo

com

política

pública,

popularidade

com

responsabilidade, fanfarra com seriedade e consistência de propósitos ou dentadura com voto. Até uma candidata de ventríloquo se apresentou como a portadora da verdade sobre a saúde no Maranhão a ser por ela desenvolvida, mais uma que não tinha clareza do que de fato faz um deputado. A rigor, a maioria dos candidatos que se apresentou na disputa para deputado federal ou estadual, fora o fato de serem a segunda ou terceira geração de filhos de políticos a representarem nosso estado, não tinha a mais vaga ideia do que faz o Poder Legislativo ou do que farão com seu mandato. O candidato a senador do grupo dominante, por exemplo, me confundiu, pois apesar de sua larga experiência como quadro político e técnico do grupo, parece que pensava ser candidato a governador ou que o Senado Federal é o Poder Executivo. Conheço ruas de São Luís, Caxias, São José de Ribamar, Santa Inês, Timon, Balsas e outros municípios que estão do mesmo jeito há

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mais de 15 anos. Ora, não são problemas que começaram com os atuais prefeitos e não são problemas que serão resolvidos em 2 ou 4 anos de gestão. As prefeituras não têm condições financeiras para fazer tudo ou resolver todos os problemas. Governo algum tem essa condição, somente partidos que não tem qualquer experiência na gestão da coisa pública ou pessoas sem passagem pelo Estado, podem adotar o discurso confortável da crítica reivindicativa sem compromisso com a realidade orçamentária, o jogo de forças, a governança a se construir e a governabilidade a se manter. O mais curioso é que a régua dos Sarney a medir os prefeitos identificados com o projeto da oposição não se aplicou aos seus prefeitos. A cobrança por coerência se perde, vale somente para os outros. Por exemplo, prefeitos da Baixada Maranhense, do Centro-Sul ou do Litoral Ocidental, governam anos a fio sob a complacência solícita do grupo dominante, a blindá-los das operações policiais, da prisão, da celeridade da justiça ou das irregularidades nas prestações de contas. Lembram muito a relação entre os Estados Unidos e os ditadores por eles apoiados mundo afora. Ao serem questionados, respondem tangenciando que apesar de ―son of a bitch‖, são ―our sons of bitches‖. Chega a ser bisonho, insistir que o Governo do Estado na gestão de Roseana Sarney foi republicano, beneficiando aliados e adversários. O dinheiro de obras ou melhorias não foi repassado para as Prefeituras, mas para obras previamente definidas e realizadas pelo próprio Governo do Estado, exemplo claro é o da capital São Luís. Mais bisonho ainda foi acreditar que R$ 2 milhões ou R$ 2 bilhões fossem depositados nas contas das Prefeituras, magicamente, bastando firmar convênio, os quais estavam pacientemente esperando à mesa da Casa Civil para serem assinados.

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Por fim, a propósito da discussão sobre quadros, recordo de amiga fraterna, a quem respeito intelectualmente, que me perguntou onde eu iria trabalhar na Prefeitura de São Luís. A pergunta veio em função do apoio que explicitei a Edivaldo Holanda à época das eleições municipais, apoio que reitero. A resposta foi a seguinte: o apoio à sua eleição se deu no contexto de um projeto político maior, programático, nunca foi baseado na perspectiva de cargo. Esse tipo de barganha eu nunca farei. Não me submeti a isso nem mesmo quando o Governo Jackson foi derrubado e o grupo dominante local convidou-me a permanecer. A divergência de ordem ética e ideológica com a nova gestão de Roseana Sarney tornava impossível e aviltante aceitar tal convite, o qual foi prontamente recusado. Pouquíssimos resistiram. A análise da historiadora Lígia Teixeira, se mostrou precisa, boa parte da elite e da classe aquinhoada local depende dos favores e benesses do grupo Sarney, não causando qualquer constrangimento os apoiarem por milhões ou migalhas. Para eles vale o adágio dos políticos mexicanos, ―vivir fuera del presupuesto es vivir en el error‖. Optaram por assim conservar-se. É mais fácil do que empreender o próprio negócio na selva capitalista ou passar em concurso público, pois sempre fica a esperança de empregarem os filhos no Estado ou elegerem-nos para algum mandato.

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Affected Place (1922), Paul Klee

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O MARANHÃO NO EXTRAVIO


ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

O MARANHÃO NO EXTRAVIO

A renovação da elite política no seio da unidade das oposições é medida fundamental vinculada à especificidade maranhense e indispensável para o enfrentamento dos problemas pelo governo eleito. As ações definidas pelo programa de governo e as demandas da sociedade civil são muitas e nem sempre convergentes, contudo, destaco a educação como desafio número 1. A educação talvez seja dentre os direitos sociais, o mais estratégico para o usufruto dos direitos civis e políticos, bem como, para a consolidação da cidadania. Só assim retiraremos o Maranhão do extravio. Ignacio Rangel eximiu-se com maestria da teoria descolada da realidade, característica marcante de boa parte da intelectualidade brasileira até os dias de hoje. Preocupado com os problemas brasileiros e sua relação com o mundo, incessantemente buscou estudar e debater para produzir pensamento próprio, identificar caminhos, apontar e implementar soluções. Essa é a marca de sua originalidade em um cenário de pensamento colonizado, tanto a esquerda, quanto à

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direita, e mesmo entre os que não estão em nenhum dos dois extremos, sequer no meio. É necessário sair do insulamento da capital São Luís e conhecer a miríade Maranhão. É nos municípios que emerge uma realidade a ser analisada em suas relações regionais, nacionais e internacionais. Aí percebemos que os partidos quase sempre não traduzem no âmbito local posicionamentos ideológicos, os quais são quase exclusivos das discussões acadêmicas de pequenos círculos. O que reúne as pessoas no seio de um projeto é a capacidade que ele tem de responder assertivamente aos seus problemas. Problemas superados em muitas cidades e estados do Brasil ou países pelo mundo, mas teimosamente presentes em terras maranhotas, como verdadeiro lugar afetado (pintura de Paul Klee). A falta de abastecimento de água e a erosão no município de Bom Jesus das Selvas, a ausência de segurança pública em Buriticupu ou de educação do campo em Itinga e a precariedade da infraestrutura urbana de Cidelândia são exemplos disso, exemplos que pude testemunhar de perto. A partir desses problemas podemos identificar a corrupção a desviar o dinheiro destinado a resolvê-los, o abandono das obras públicas iniciadas, o cansaço em relação a promessas feitas em período eleitoral, a frustração com a política tradicional, a revolta com o grupo dominante, quase sempre pessoalizado pela governadora Roseana Sarney e o sentimento de que a hora da mudança chegou. Foi curioso ouvir o grupo dominante falar sobre a riqueza do Maranhão, pois seu senso comum ilustrado confunde propositalmente a própria riqueza com a do estado. O mais grave é que mesmo diante das problemáticas dos municípios apontadas aqui, esse grupo anunciou a oferta de internet gratuita para todos ou o asfaltamento de

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ruas em lugares que sequer água nas torneiras existe, menos ainda cabos de fibra ótica para transmissão de dados e acesso a internet. O simulacro das ordens de serviços, assinadas de forma intensiva e desesperadora em vários municípios do Maranhão, já foi identificado pela população como mais um engodo desse grupo. A maioria viu a atual governadora uma única vez, em 2010, quatro anos atrás, assinando ordens de serviços similares com pompa e circunstância. Em 2014, quatro anos depois, as obras previstas foram abandonadas ou nunca saíram do papel timbrado. Viveiros de morcegos e jardins de grama dançam no inacabado, caçoando da indignação das pessoas. Essa situação ocasionou dois constrangimentos à governadora Roseana Sarney, sinalizando para o cansaço e desgaste moral do seu grupo político. O primeiro quando um estudante do município de Governador Edson Lobão criticou a qualidade da educação do estado em frente a uma plateia significativa interpelando a governadora de forma assertiva. A segunda quando uma líder comunitária de povoado do município de Icatu questionou duramente a governadora sobre quando seriam atendidas as necessidades locais, como água encanada, posto de saúde, escola e asfaltamento. Paulo Freire nos ensinava que no processo de diálogo com os outros, os temas por eles levantados podiam não dar conta de articular uma explicação de conjunto ou não caracterizarem alguns aspectos ignorados naquele determinado contexto. O dever de quem se vê na coordenação do diálogo é introduzir temas que complementem e articulem esse conjunto, com toda a humildade de quem aprende enquanto ensina. O problema do planejamento participativo é fazer crer, tanto para os que participam, quanto para os que sistematizam, que tudo

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será resolvido. O fator tempo e recursos é limitado no Maranhão, o artigo de Abdelaziz Aboud Santos sobre a dívida pública explica bem isso ao abordar tema pouco analisado pela oposição – o endividamento pode ter sido a solução final do grupo dominante para inviabilizar um projeto de desenvolvimento para o Maranhão. A fulanização na política maranhense nos cega quanto à complexidade da oligarquia local. Acusar Roseana Sarney de incompetência, escondida nas estratégias de marketing e na estética da propaganda governamental, não é difícil. Taxar Luís Fernando (précandidato) ou Lobão Filho (candidato definitivo) qualquer outro que servisse para tal como um mero poste a serviço da permanência do grupo dominante também não é nada complicado. Ir além o é. Roseana é uma política que representa um grupo dominante constituído por inúmeras famílias poderosas e enriquecidas pelos cinquenta anos de mando. Esse grupo tem seu núcleo central e se articula com pequenas células de dominação em todos os municípios. Essa articulação instituiu uma prática de relação indireta com a população local baseada no vil metal e no favor. A mediação das lideranças que se mostrem fiéis ao grupo cumpre esse papel, sem que as próprias lideranças se vejam como integrantes dessa prática e sem que isso resulte no atendimento dos anseios mais pungentes daquela população. O ponto é oportunizar essa compreensão às lideranças existentes trazendo-as para uma nova perspectiva de cultura política no Maranhão,

possibilitar

a

emergência

de

novas

lideranças

e

potencializar a relação direta com a população local a partir de formas de comunicação e articulação política diferenciadas, alternativas. A questão não é contemplar todas as demandas que são verbalizadas, mas priorizar aquelas que mais afetam a dignidade dos munícipes. A

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permanência do grupo político dominante tornou algumas dessas demandas comuns a todos os municípios. A falta de água é um exemplo disso, este problema a pesar e a aleijar as costas dos cidadãos e cidadãs que precisam carregar seus baldes d´água se quiserem beber, foi ignorado plenamente por décadas, em uma terra com rios perenes e lençóis freáticos acessíveis. Respeitar essas lideranças e suas trajetórias, respeitar os adversários e aqueles que pensam diferente de nós ou se posicionam em diferentes campos, é fazer política no sentido popular, democrático e republicano. O enfrentamento se dá entre diferentes ideias, visões, leituras, convicções e posições sobre nossa realidade, não entre ―fulanizações‖ ou ilações de conflitos pessoais. O desafio maior é colocar o bem comum de todos e cada um no primeiro plano do nosso esforço coletivo para mudar o Maranhão. O que deve ser inegociável é a decisão dos que lideram a mudança de atender aquelas necessidades mais prementes dos cidadãos dos municípios, com prioridade e transparência na aplicação dos recursos públicos. O PROGRAMA DE GOVERNO. O intenso processo de consulta que precedeu a elaboração do Programa de Governo de Flávio Dino inaugurou uma prática democrática que mobilizou as lideranças e a sociedade civil organizada na análise das propostas e apresentação de sugestões, questionamentos e inquietações. Não recordo processo similar na história política recente do Maranhão, não antes das eleições e com tanta capilaridade nos municípios. Percebi um interesse e engajamento reais da população pela mudança. As discussões foram setoriais. Mesmo na elaboração de um Programa de Governo temos dificuldades em objetivar a integração das políticas públicas. A setorialidade é a regra. A integração é a exceção. A experiência do debate temático expõe um raciocínio usual ou comum:

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preciso escrever algo do meu setor dentro dessa temática de modo a evidenciar sua especificidade e garantir o destaque que ela merece frente a uma miríade de justificativas – conquista histórica, luta histórica, demanda popular, urgência social, dentre outras. Analisando alguns programas de governo dos últimos 25 anos, observo pontos comuns, não por que os políticos que os propuseram não fossem sinceros ou não pretendessem cumprir o prometido, mas pela dificuldade de desenvolver um pensamento mais criativo ou inovador. É claro que isso facilita o estelionato eleitoral também. Quem leu um programa de governo, por vezes, sente que as propostas são iguais, não se diferenciam entre candidatos de partidos ou concepções de mundo diametralmente opostas. Parece uma obra de óbvio: é preciso mais educação, mais saúde, mais segurança, mais obras; enfim, pelos acréscimos, resolvidos estão os problemas que a realidade impõe. O desafio de elaborar um Programa de Governo criativo, diferenciado e inovador é não vestir a camisa de força das ideias cristalizadas ou das contrapropostas que pretendem solucionar tudo por

intermédio

de

mais

debate,

mais

discussões,

mais

aprofundamento. Para vencer no debate, talvez a saída mais conhecida dessa perspectiva, seja dizer que o assunto deve ser mais debatido, desvalorizando o próprio debate em curso. O apego às ideias cristalizadas e aos temas pautados de fora para dentro (do âmbito nacional e internacional para o local) são sintomas de uma miopia analítica que supervaloriza o externo em detrimento do interno ou superestima o interno em detrimento do externo. Dialética na análise é fundamental. Pensar por acréscimo é o pensar burocrático e aritmético que nos desobriga de um pensar mais complexo voltado para resolver os

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enigmas do Maranhão, seus desafios e urgências. Exemplos desse pensar podem ser encontrados na área de educação, área estratégica para se consolidar a alternância do poder no longo prazo. As soluções vão sempre ao sentido de construir mais escolas, fazer mais concursos públicos, ampliar o investimento, criar setores, contemplar essa ou aquela temática. Essas frases não respondem aos problemas mais profundos da educação maranhense, entretanto, por serem pautadas pela lógica do simplismo, satisfazem sem informar nada, sem explicitar o como e o porquê. É compreensível que um Programa de Governo seja visto mais como algo político, que técnico. Velha separação teimosamente presente, a mesma que lima razão e emoção. Isso nos faz esquecer três elementos fundamentais: a gestão política, a gestão econômica e a gestão dos problemas. Pesar a mão em qualquer dessas áreas em detrimento da outra, perder o necessário equilíbrio, pode levar ao prometer tudo, gastar mal e não ter prioridades. Existe um horizonte temporal e um orçamento público a manejar. Ao lado disso, uma ausência de democratização do poder político e um acúmulo histórico de problemas nunca enfrentados. O Programa de Governo não é um documento que abrange todas as áreas e problemas. Mas, entre as áreas e problemas, prioriza o que efetivamente se buscará com afinco cumprir no horizonte de um mandato, deixando claro aquilo que será enfrentado depois. Planejar é discriminar o que vai ser contemplado agora e aquilo que será contemplado depois, discriminar positivamente o curto, o médio e o longo prazo. Em síntese, planejar é respeitar a inteligência alheia, evitando

as

frustrações

de

expectativas

pelo

permanente

esclarecimento do plano de voo traçado.

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Penso que a equipe de coordenação do Programa de Governo teve essas questões como importantes e as levou em conta. A dimensão política do Programa não se poderia reduzir à dimensão técnica, bem como, a dimensão técnica não poderia desiludir a política. Os sentimentos de esperança, confiança e mudança, a chamada subjetividade da mudança, também precisou ser constituída, sobretudo pelo líder do movimento. Flávio Dino pautou sua fala no chamamento e sensibilização das lideranças para o processo de mudança que está em curso. O

documento

―Propostas

para

um

Maranhão

com

desenvolvimento e justiça social – juntos, a gente faz a mudança‖, lançado por Flávio Dino dia 23 de abril de 2014, materializou o Programa de Governo em 65 propostas, quais sejam: 1. Programa Água para Todos. Garantir água e banheiro na casa de todos os maranhenses. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano 2013 (PNUD e IPEA), somente metade da população maranhense vive em casas com água encanada e banheiro. Para os municípios não atendidos pela CAEMA, serão feitos convênios com o governo do estado. Em todo o Estado, serão implementadas as ações previstas no Decreto Nº 7.535/2011 (Programa Água para Todos, do Governo Federal). 2. Programa ―Minha Casa, Meu Maranhão‖. Essa proposta transforma o governo do Estado em parceiro do Governo Federal também na construção de casas, com a meta de reformar ou construir 200 mil unidades habitacionais no Maranhão. 3. Programa Segurança para Todos. Dobrar o número de policiais e bombeiros disponíveis para atender aos cidadãos maranhenses. Aumentar o investimento em equipamentos, Polícia Científica e Inteligência. Motivar e comandar as equipes do sistema de

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segurança. Os novos policiais que forem contratados atuarão, prioritariamente,

em

programas

de

Policiamento

Comunitário,

conjugando planejamento, prevenção e repressão - sempre com a intensa participação das comunidades. 4. Implantar o Pacto Pela Vida. O programa estabelecerá um novo modelo de governança da segurança pública no Estado. Elaborado em Pernambuco, o Pacto é reconhecido como uma das políticas públicas mais bem sucedidas na área de segurança no País. No Maranhão, irá articular as políticas de prevenção e repressão ao crime, numa ação conjunta entre governo e comunidade. Trata-se de política pública transversal e integrada, construída de forma pactuada com a sociedade, em articulação permanente com o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Assembleia Legislativa, os municípios e a União. O Maranhão será dividido em Áreas Integradas de Segurança, que receberão recursos e efetivo policial de acordo com suas necessidades. Cada uma dessas áreas terá uma meta de redução de crimes, que será acompanhada diretamente pelo governador em reuniões mensais com as Polícias Civil e Militar, na presença de líderes políticos e comunitários de cada região. 5. Os direitos hoje negados aos policiais serão concedidos mediante negociação, abrangendo: critérios justos e transparentes para promoções; fim da aplicação do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE); aumentos de remuneração compatíveis com as necessidades; respeito à jornada de trabalho e demais direitos trabalhistas. 6. Aumentar a rede e as vagas nos estabelecimentos penais do Estado, executando convênios com o Ministério da Justiça, bem como investir em um sistema de apoio às penas alternativas e no método APAC para execução penal. Grande parte do enorme problema de

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insegurança que o Maranhão vive nasce da precariedade do seu sistema prisional. A finalidade das ações governamentais será assegurar o respeito aos direitos humanos e impedir que criminosos possam articular, de dentro dos presídios, a violência nas ruas. 7. Reestruturar todo o sistema administrativo de apoio e assistência técnica à agricultura familiar, com destaque à Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e de Extensão Rural do Maranhão – AGERP e ao ITERMA. O quadro técnico desses órgãos será ampliado e incentivado. Esses órgãos passarão a ser vinculados à Secretaria da Agricultura Familiar, que será criada e terá orçamento crescente ano a ano. 8. Aplicar os recursos do Fundo de Combate à Pobreza (FUMACOP) em ações específicas de inserção produtiva das famílias e em melhoria nas condições de habitação e saneamento, bem como na continuidade de programas em andamento que sejam avaliados positivamente pelos destinatários. O Fundo contará com um Conselho Gestor específico, com a participação das Universidades, Igrejas, entidades empresariais e da classe trabalhadora. O papel do Conselho é garantir mais probidade, transparência e eficácia nos gastos do Fundo, além de buscar parcerias com o setor empresarial e com a sociedade civil. 9. Desenvolver ações destinadas a, progressivamente, retirar da linha de pobreza extrema as famílias maranhenses. Faremos isso tendo como ferramenta o Cadastro Único dos Programas Sociais no Estado do Maranhão, o que permitirá ampliar e integrar os programas sociais dirigidos à erradicação da pobreza no Estado. Vamos estimular a economia solidária e o empreendedorismo para esses segmentos, visando à ampliação da renda familiar.

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10. Reestruturação do Órgão Gestor da Política de Assistência Social, de Comando Único no Estado, em conformidade com as ações propostas na Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social-NOB/SUAS; 11. Assegurar o cofinanciamento para implementação das ações dos Centros de Referência de Assistência Social-CRAS e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social- CREAS, fortalecendo essas unidades públicas estatais instituídas no âmbito do SUAS. Tais unidades possuem interface com as demais políticas públicas e articulam, coordenam e ofertam os serviços, programas, projetos e benefícios da Assistência Social; 12. Ampliação dos recursos de cofinanciamento para cobertura dos 217 municípios maranhenses no tocante aos Benefícios Eventuais, previstos na Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS, que são de caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública; 13. Reestruturar o atendimento da FUNAC, através do estabelecimento de parceria com os municípios, viabilizando os meios necessários para que crianças e adolescentes em conflito com a Lei e em medidas socioeducativas sejam atendidas no próprio município. Incluem-se ações junto à família, fortalecendo vínculos afetivos e familiares. 14. Criar o Programa ―Mais Médicos Maranhão‖. A finalidade é combater o déficit de profissionais no Estado, já que o Maranhão possui somente 0,7 médicos para cada 1.000 habitantes (a pior relação do país). O Programa vai complementar o Mais Médicos do Governo Federal, abrangendo as seguintes iniciativas:

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I. articulação e parceria com a Universidade Federal do Maranhão para que implante integralmente, com a qualidade e velocidade necessárias, os Cursos de Medicina de Imperatriz e Pinheiro; II. criar mais um curso de Medicina na Universidade Estadual do Maranhão, em região não atendida pelos cursos existentes; III. implantar progressivamente carreira de Estado para os médicos, similar a dos juízes, garantindo presença de profissionais em todas as regiões, estabilidade, remuneração adequada e promoções por mérito. 15. Instituir bolsas complementares ao Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), do Ministério da Saúde, visando à criação de mais vagas de médicos, enfermeiros e dentistas no Maranhão, priorizando as regiões mais carentes. 16. Fortalecimento da equipe técnica da Secretaria de Saúde para apoiar os municípios no desenvolvimento da Estratégia de Saúde da Família, de acordo com as Normas Nacionais. 17. Pagamento de complementação ao piso salarial dos agentes comunitários de saúde e de endemias, em atuação cooperada com os municípios. 18. Implantação de projeto de reestruturação regionalizada dos serviços assistenciais de referência nas especialidades de média e alta complexidade. 19. Redefinir as Regiões de Saúde formadas por municípios de fronteira

dos

Estados

do

Maranhão/Piauí,

Maranhão/Pará

e

Maranhão/Tocantins, possibilitando acesso universal aos usuários do sistema único de saúde, sem barreiras e constrangimentos atualmente existentes, em conformidade com o Ministério da Saúde.

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20. Implantação das Redes de Saúde em todas as Regiões: Cegonha, Atenção Psicossocial, Urgências e Emergências, Reabilitação de Danos, Oncologia e outras enfermidades crônicas. 21. Reorientação do Plano Diretor de Investimento (PDI) visando à implementação das Redes de Saúde nas regiões de saúde, com informações da realidade de todas as unidades de saúde, visando ao planejamento de investimentos em reformas, ampliações e aquisição de equipamentos. 22. Realização da nova Programação Geral de Ações e Serviços em Saúde, buscando garantir a assistência à saúde, o fortalecimento da Atenção Básica e a implantação da Vigilância em Saúde. 23. Restabelecer e manter o funcionamento de todas as unidades de saúde da rede estadual, com qualidade e eficiência, merecendo especial destaque os Hospitais Regionais (inclusive os financiados com recursos do BNDES – Governo Federal). 24. Criar e manter Centros Regionais de Reabilitação, com serviços de fisioterapia, medicina especializada em ortopedia, próteses, atendimentos em fonoaudiologia, terapia ocupacional e serviço social. Será buscada parceria com o Hospital Sarah, visando à obtenção de orientação técnica para o bom funcionamento do sistema. 25. Fortalecer e descentralizar o Instituto Oswaldo Cruz, para que seus serviços estejam mais acessíveis em todas as regiões do Estado. 26. Condicionar transferências voluntárias de recursos aos municípios à implantação de ações de atenção integral à saúde da mulher e de creches no território municipal. 27. Criar o programa permanente de valorização da docência, com a redefinição de faixas salariais para cada nível da carreira e os critérios de avanço mediante cursos de qualificação e tempo de

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serviço. Vamos garantir remuneração adequada para os professores e trabalhadores da educação da rede estadual. As melhores práticas nessa matéria mostram que para atrair novos talentos é preciso não apenas pagar melhor, mas também investir na qualificação contínua do docente e estabelecer uma carreira com estágios definidos que permitam a progressão por mérito. 28.

Criar

Universidades

estaduais

regionalizadas,

com

orçamento próprio e autonomia administrativa, visando dar maior velocidade às decisões administrativas, aproximar as instituições das comunidades e ampliar o número de vagas públicas e gratuitas. Sob a coordenação direta do Governador, implantar o Conselho Universitário do Maranhão, com a participação de representantes da UFMA, IFMA, UEMA e todas as instituições privadas existentes no território maranhense, de modo a integrar universidades e faculdades no esforço de universalização do ensino, bem como na produção de ciência e tecnologia adequadas ao novo projeto de desenvolvimento do Maranhão. 29. Promover a educação profissionalizante como prioridade do sistema e em direta conexão com as atividades do setor privado, incluindo-se a atualização profissional para inserir os trabalhadores nos novos mercados de trabalho. A rede estadual de educação profissional, que será criada, vai atuar em articulação com as unidades do Instituto Federal (IFMA) e do Sistema S, hoje em funcionamento em todas as regiões do Estado. Vamos transformar a UNIVIMA no Instituto Estadual de Educação, Ciência, Tecnologia do Maranhão-IEMA. Será o braço do Estado para o ensino profissionalizante. O Maranhão carece de uma entidade que execute a política estadual para educação profissional. Assim teremos o equivalente estadual do IFMA, como a UEMA é o equivalente estadual da UFMA.

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30. Criar um padrão estadual de ensino fundamental, em parceria com os municípios, com um currículo estruturado para cada série e que defina o que o aluno deve aprender em cada etapa. Daremos à UEMA o papel de centro coordenador do currículo estadual para o ensino fundamental e médio. O Programa Darcy Ribeiro será fortalecido e ampliado. 31. Aumentar a Rede de Ensino em Tempo Integral. Atualmente apenas 0,5% dos alunos do Ensino Médio estudam em período integral no Estado. Essa deficiência precisa ser sanada, pois as escolas de tempo integral são comprovadamente mais eficientes. Nossa meta de governo é criar novas vagas na rede estadual de tempo integral, possibilitando uma escola de mais qualidade, com reforço escolar, esporte e cultura. 32. Implantar, em parceria com os Municípios, com as Universidades, Igrejas e Entidades da Sociedade Civil o Programa Estadual de Combate ao Analfabetismo, de modo a superar os atuais indicadores que apontam a presença de cerca de 1 milhão de maranhenses analfabetos. 33. Promover a recuperação e a expansão da Rede Física Escolar garantindo a salubridade dos espaços de aprendizagem, visto que atualmente nem todos os municípios dispõem de prédios escolares adequados às atividades do ensino médio. Vamos reformar todas as escolas para que elas se transformem em espaços humanizados, confortáveis e dignos dos trabalhadores da educação e dos nossos jovens. 34. Adotar um Programa de Educação do Campo, em parceria com os movimentos sociais, com vistas à inserção da juventude nas atividades produtivas da Agricultura Familiar.

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35. Concretizar todas as ações necessárias para que a internet possa ser acessível a todos, com destaque para o Programa CIDADES DIGITAIS (parceria do Ministério das Comunicações, Ministério do Planejamento, da Telebras, do Inmetro e do BNDES). Vamos buscar a capacitação e inclusão digital da população por meio da instalação de laboratórios espalhados por todo Estado e com acesso à Internet. Eles fornecerão também internet gratuita para a população que estiver próxima de cada laboratório. 36. Criar a Secretaria de Transparência e Controle, sem que seja criado nenhum novo cargo comissionado. A estrutura da nova Secretaria será advinda do remanejamento de cargos do Gabinete do Governador e da Casa Civil. A Secretaria irá realizar o controle interno da administração, garantir o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, apurar denúncias e fiscalizar a execução das despesas públicas, inclusive as realizadas mediante convênios. A Corregedoria Geral do Estado e a Controladoria Geral do Estado serão integradas à nova Secretaria. Haverá concurso público para ampliação de quadro efetivo estável e independente. 37. Adotar ferramentas de planejamento participativo, em parceria com a Assembleia Legislativa, visando à elaboração do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). 38. Instituir o Programa de Assistência Técnica aos Municípios (PROMUNICIPIO), para viabilizar a apresentação de projetos adequados às exigências técnicas do Governo Federal e do próprio Governo do Estado, além de propiciar orientações para a célere e eficaz prestação de contas dos convênios executados. 39. Ampliar o benefício fiscal de dispensa parcial do pagamento do saldo devedor do ICMS, nos casos de indústrias classificadas como

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de alta relevância para o desenvolvimento do Maranhão (por exemplo, agroindústrias) ou estabelecidas em municípios com baixo IDH. 40. Alterar a legislação sobre cobrança do ICMS no tocante à diferença de alíquotas nas aquisições interestaduais relativas a microempresas e pequenas empresas optantes do SIMPLES. O objetivo é criar novas faixas de faturamento e percentuais para efeito de cobrança do citado imposto, no caso indicado, beneficiando mais de 100 mil empresas em todo o Estado. A medida trará mais capacidade de investimento, competitividade e empregos no segmento. 41. Implantar uma política industrial ousada, que aproveite a oferta de gás (com a construção de gasodutos), energia (inclusive eólica), água e matérias-primas, qualificando os trabalhadores maranhenses. Seja para exportações, seja para o crescente mercado interno do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o Maranhão tem uma localização geográfica que é um importante diferencial competitivo, que será adequadamente explorado. 42. Investir na estruturação e na promoção de todos os polos de turismo interno e internacional atualmente explorados no Maranhão. Os investimentos serão voltados prioritariamente aos seguintes segmentos: sol e praia; ecoturismo e turismo de aventura; cultura; negócios e eventos. 43. Investir na pesca e na aquicultura com assistência técnica, apoio

financeiro

e

estruturas

qualificadas

de

transporte

e

comercialização. 44. Concluir todas as estradas vinculadas aos recursos do BNDES (Governo Federal). Apoiar as prefeituras na recuperação permanente das estradas vicinais, especialmente as destinadas ao escoamento da produção, complementando o trabalho das máquinas entregues pelo PAC (Governo Federal) aos municípios em 2013 e

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2014. Vamos investir para que o asfalto chegue aos grandes povoados dos municípios. 45. Manter permanentemente uma Mesa de Negociação com as entidades representativas dos servidores públicos, visando ao encaminhamento e a soluções para reivindicações relativas à remuneração, planos de carreiras, programas de capacitação e condições de trabalho. 46. Adotar, sob a coordenação da Secretaria de Planejamento, um sistema de metas de desempenho para todas as áreas de governo. As metas serão públicas e fiscalizadas pela sociedade. As primeiras metas, que serão implantadas em fevereiro de 2015, irão se referir aos seguintes pontos: I. Melhoria dos indicadores da qualidade educacional; II. Redução da mortalidade infantil e materna; III. Redução de crimes, especialmente os violentos e o tráfico de drogas; IV. Número de novas habitações construídas; V. Quantidade de residências atendidas por sistemas de abastecimento d’água e por banheiros. 47. Criar a Empresa Estadual de Transportes Urbanos, para captar mais recursos federais, exercer articulação com os municípios de regiões metropolitanas e prestar assistência técnica, com foco prioritário na Ilha de São Luís e entorno (São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar, Raposa, Bacabeira, Rosário, Santa Rita, Baixada); na região de Imperatriz e municípios vizinhos; e no eixo Coroatá-Codó-Caxias-Timon-Teresina. 48. Implantar o Programa Maranhense de Biocombustíveis, desenvolvendo projetos de geração de energia renovável que se

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integrem ao mercado internacional e possam abrir mais oportunidades à agricultura familiar. 49. Cuidar de todas as Unidades de Conservação criadas no território maranhense, para que elas cumpram funções econômicas e ecológicas. O objetivo de preservação do meio ambiente não pode ser incompatível com investimentos e a geração de empregos. Será conferida especial ênfase às Áreas de Preservação Permanente (APPs), essenciais para que nossos rios não morram. 50. Concluir o Zoneamento Econômico-Ecológico do Maranhão. Implantar parâmetros transparentes e céleres para a concessão de Licenciamento Ambiental, nos termos da Lei Complementar nº 140/2011. 51. Cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos e prestar auxílio técnico aos municípios para a sua aplicação correta e célere no âmbito de cada cidade. 52. Em parceria com o Governo Federal e com o setor privado, implantar as ações do Programa ―Viver sem Limites‖, para pessoas com deficiência (Decreto nº 7.612/2011). 53. Apoiar as rádios comunitárias, os jornais regionais e os blogs noticiosos, a fim de garantir o direito humano à comunicação de modo universal. 54. Garantir que, até o fim do mandato, todas as cidades maranhenses disponham de estruturas adequadas para o esporte e atividades culturais. 55. Expandir, para todas as regiões maranhenses, o Programa Pontos de Cultura, do Governo Federal, assegurando apoio financeiro e técnico aos grupos culturais.

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ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

56.

Priorizar

as

políticas

públicas

para

a

juventude,

especialmente as relacionadas à formação profissional, geração de oportunidades e apoio ao empreendedorismo. 57. Apoiar projetos de expansão da economia solidária como estruturantes de um novo modelo de desenvolvimento. 58. Combater as violações de direitos humanos e promover a igualdade constitucional e legal em favor dos segmentos sociais discriminados. 59. Viabilizar, em parceria com o Governo Federal, que os Conselhos Tutelares recebam ―kits‖ de equipamentos para o exercício de sua missão de implementar o Estatuto da Criança e do Adolescente. 60. Implantar o Programa de Formação de Doutores, elevando o número de bolsas concedidas pela FAPEMA. Vamos também apoiar e fortalecer os Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu existentes no estado e incentivar a implantação de novos Programas. Aplicaremos uma política de descentralização para atingir todas as regiões do estado. 61. Programa ―INOVA MARANHÃO‖. É muito importante que as descobertas científicas e tecnológicas sejam transformadas em inovação, por meio de novos produtos, novos processos ou novos serviços. Um sistema vibrante de inovação é fundamental para a conversão dos ganhos, advindos da ciência e tecnologia, em ganhos sociais. O Programa ―Inova Maranhão‖ será composto por uma série de projetos: • Lei Estadual da Inovação. A Lei da Inovação será de suma importância, pois regulamentará o repasse de recursos públicos para que empresas invistam na inovação, tornando-se mais competitivas. • Fundo da Inovação. Será criado pela Lei da Inovação. É um ponto crucial da Lei, pois a criação do Fundo Estadual da Inovação irá assegurar recursos para investimentos na inovação.

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• Selo Empresa Inovadora. O projeto ―Empresa Inovadora‖ consistirá em uma estratégia de incentivo à Inovação no setor produtivo. Por meio deste projeto, busca-se estimular a capacidade de inovação nas empresas para que estas se tornem mais competitivas. • Prêmio de Inovação Tecnológica. A premiação é uma excelente estratégia para o reconhecimento, valorização e incentivo aos nossos jovens acadêmicos e empresários que investiram na inovação tecnológica. O prêmio ―Inova Maranhão‖ permitirá descobrir talentos e transformar muitas ideias inovadoras em oportunidades de negócio, gerando emprego e renda para os maranhenses. 62. Implantar a Rede Solidariedade, em parceria com as Igrejas, de modo a que elas auxiliem na implementação de políticas sociais nas comunidades em todo o Estado. 63. Implantar o Programa MAIS BOLSA-FAMÍLIA (13°), para que as famílias beneficiárias que tenham filhos em escola pública possam adquirir todo o MATERIAL ESCOLAR para uma adequada aprendizagem. O programa consistirá no pagamento de uma parcela a mais do benefício mediante Cartão Material Escolar. As micro e pequenas empresas em todo o território maranhense, do ramo de livrarias e papelarias, também serão beneficiadas com mais vendas propiciadas pelo Programa. 64. Criar um programa que garanta gratuitamente a primeira Habilitação para todos os jovens que não possam pagar as taxas atualmente cobradas no DETRAN e Autoescolas. 65. Levar os serviços de Proteção ao Consumidor (PROCON) a todas as regiões do Estado, visando inclusive à melhoria na prestação de serviços continuados (por exemplo, fornecimento de energia, telefonia celular e acesso à internet).

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PROPOSTAS DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA. Mudar a política no Maranhão e democratizar o Estado passa, necessariamente, por uma nova relação entre este e a sociedade civil. Uma dificuldade fundamental é a distância entre a retórica do discurso de luta e as formas concretas de implementação das políticas públicas, formas que nem sempre correspondem às reivindicações históricas da sociedade ou ao proposto pela sociedade civil. Recentemente, ocorreram duas experiências de consulta à sociedade civil: o Ciclo de Debates pós-SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) promovido pela Universidade Federal do Maranhão e a escuta de organizações da sociedade civil realizada pelo jornal ―Vias de Fato‖. A SOCIEDADE CIVIL E A UNIVERSIDADE. O Ciclo de Debates pósSBPC, rara ação da Universidade voltada diretamente à realidade onde está inserida, resultou na publicação de um caderno de proposições tendo

por

eixos

orientadores:

democracia,

desenvolvimento

sustentável, universalização de direitos e acesso à justiça e combate à violência. Dezenas de instituições públicas, privadas e da sociedade civil participaram. Em cada eixo foram identificados problemas, propostas de superação, ações que viabilizam essas propostas, responsáveis pela execução e prazo para a execução. Ainda que represente uma leitura dos problemas maranhenses a partir dos referidos eixos orientadores, como quase todo documento de

planejamento

participativo,

esbarra

na

identificação

dos

responsáveis, nos prazos para a execução e, especialmente, no financiamento das ações. Exemplo disso: o tratamento dado ao tema da educação. O primeiro problema apontado é a baixa oferta de vagas para os ensinos

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médio e técnico no Estado, cujas propostas de superação são as de criar mais vagas e expandir a oferta de cursos de formação inicial para professores em todo o Estado. Os responsáveis são o Ministério da Educação, o Governo do Estado e as Prefeituras Municipais. O ensino médio de formação geral foi expandido no Governo José Reinaldo, contudo essa expansão não se viu acompanhada, monitorada e avaliada. Assim, temos cidades com uma única escola de ensino médio ou cidades sem escola alguma. A qualidade do ensino é precaríssima. O ensino médio técnico foi expandido exclusivamente pela intervenção do Governo Federal com a criação de campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) em várias cidades. O Governo do Estado não tem qualquer participação na expansão do ensino técnico. A questão que se impõe em relação a esse ensino é se as pessoas formadas encontrarão trabalho ou deverão criar seu próprio trabalho em municípios economicamente deprimidos. Ora, tanto a expansão de vagas quanto a oferta de cursos de formação inicial ocorrem desde os anos de 1990 e 2000, com atuação da Universidade Estadual do Maranhão e Universidade Federal do Maranhão. Entretanto, essas iniciativas nunca passaram por um amplo processo de avaliação para a tomada de decisão. Existem pesquisas pontuais para consumo acadêmico, não para a decisão governamental. Um segundo problema apontado é que os sistemas de ensino são desarticulados. A proposta de superação é a criação de um sistema único de ensino sob a responsabilidade dos atores institucionais já mencionados. Talvez com a exceção do município de São Luís, não existem sistemas municipais de ensino, no máximo que o há, são redes de escolas mais ou menos geridas pelas Secretarias Municipais de Educação. Um sistema implica, no mínimo, em um Plano de Educação,

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um Plano de Carreira e Remuneração, um Conselho Municipal de Educação atuante, um Fundo Municipal de Educação, uma Secretaria Municipal que o coordene e uma Lei que o institua como tal. Conheço inúmeros municípios do Maranhão, ora atuando como consultor, ora como planejador, e em nenhum deles encontrei esses elementos, sequer do ponto de vista meramente formal. O terceiro problema apontado foi o desvio e desperdício de recursos públicos para a educação tendo como proposta de superação o fortalecimento dos conselhos municipais de controle e fiscalização e a implementação da lei de acesso à informação. A ação é regulamentar os conselhos em cada ente federado e os atores institucionais citados são a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público (MP), Instituições de Ensino Superior e Conselhos. É sabido que a maioria dos conselhos municipais é formal e não funciona na prática. Além de formais, são parentais, seus membros são ligadas a parentela do prefeito da vez. O principal meio de acesso à informação dos municípios ainda é o rádio e a televisão. A internet quando chega é via rádio e sua utilização se atém a geração mais jovem. A CGU, o TCE e o MP têm iniciativas pontuais no campo da fiscalização e controle, no entanto, essas iniciativas não são integradas e não tem densidade suficiente para superar os entraves corporativos ou os impedimentos advindos das relações de poder entre seus membros e a sociedade política local. O quarto problema é a gestão escolar ineficaz e ineficiente, cuja superação passa pela definição de critérios para a escolha e permanência dos gestores escolares, tendo como atores institucionais as Secretarias Municipais de Educação e a Secretaria Estadual.

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A gestão escolar ineficaz e ineficiente não é responsabilidade exclusiva do gestor. Existem escolas no Maranhão, reconhecidas e premiadas, que conseguem desenvolver um trabalho razoável a despeito das péssimas condições de trabalho que enfrentam. É fundamental definir os critérios de escolha do gestor, mas crer que após essa definição tudo se resolverá é ilusório. A permanência do gestor deve estar vinculada a implementação de um programa de gestão e, assim como ocorre na sociedade política, não pode ficar mais de dois mandatos no cargo. Fazer isso, sem transferir recursos suficientes às escolas e fiscalizar a sério as prestações de contas dos gestores também se mostrará ilusório. O quinto e último problema é a formação continuada ineficiente e insuficiente, cuja proposta de superação é a realização de programas de formação vinculados a uma política única de educação sob a liderança das Secretarias Municipais de Educação e Secretaria Estadual. Rios de dinheiro correram para a formação continuada de professores no Maranhão, empresas e consultorias foram contratadas, cursos foram ministrados, até palestras motivacionais. Nada disso surtiu efeito real na prática do professor na sala de aula. Existe uma quebra entre a formação e essa prática. A solução não é facilmente identificável,

pois

não

um

acompanhamento

efetivo

da

implementação do currículo pelo professor, seja por parte das coordenações pedagógicas, gestores escolares ou Secretarias. As explicações sobre os péssimos indicadores educacionais maranhenses não ultrapassam o plano macro. Quando muito incluem as escolas enquanto generalidade, mas omitem-se quanto às salas de aula, o professor e o aluno, ao aderir a soluções genéricas baseadas em tecnologia, sem metodologia de ensino.

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A SOCIEDADE CIVIL POR ELA MESMA. O jornal ―Vias de Fato‖ mantém uma linha editorial fora dos padrões dos veículos da mídia dominante no estado, publicando artigos e matérias posicionadas no espectro mais progressista, com fortes vínculos com a Universidade e a sociedade civil organizada. Propôs as seguintes perguntas a organizações da sociedade civil: 1) O que precisa ser feito para que haja, realmente, uma mudança social e política no Maranhão? 2) O que é fundamental, imprescindível e prioritário para que se vivencie, de fato, um processo de mudança? e 3) qual o papel da sociedade, dos setores ligados às causas populares, nesta conjuntura?. As organizações que responderam foram: a Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA), Cáritas Brasileira, Sociedade Maranhense dos Direitos

Humanos

Trabalhadoras

(SMDH),

Rurais

Sem

Movimento Terra

(MST),

dos

Trabalhadores

Conselho

e

Indigenista

Missionário (CIMI-MA), Grupo de Estudos Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas). A resposta da SMDH é das mais ilustrativas. Elege o modelo oligárquico e suas práticas de coronelismo e patrimonialismo como óbice a ser combatido e vencido, entende o voto como o início de um processo que não se esgotará em um mandato e entende que o papel da sociedade é mais que votar, fiscalizar, cobrar, reclamar. Concluem afirmando que sabem o caminho errado, mas não sabem o caminho certo. O MST argumenta que o Maranhão precisa de outro projeto de sociedade, o que ultrapassa o período eleitoral e implica em um modelo de desenvolvimento que invista na pequena agricultura e na reforma agrária. Entendem que derrotar a oligarquia Sarney é parte da mudança, mas não por si só. É fundamental um projeto político em que a sociedade seja protagonista.

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ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

A CPT entende que a mudança não virá por meio de um processo eleitoral e não acredita nas formas tradicionais de fazer política. A mudança virá pela mobilização e organização do povo, o qual deve lutar pela reforma agrária/regularização fundiária, contra a grilagem, a violência no campo e a impunidade dos agentes públicos. A CIMI-MA defende a ideia de um Estado Plurinacional que assegure o respeito aos povos indígenas e suas culturas. Compreende que somente pela maior participação popular é que as mudanças avançam. O desafio é criar novas formas e mecanismos de participação popular que sejam respeitadas pelos poderes instituídos, sobretudo na gestão de entidades como INCRA e ITERMA. A Cáritas entende que é pelo diálogo com a sociedade que se encontrarão as saídas para os problemas maranhenses, pois se a sociedade sabe o que não quer, ainda não tem clareza do que quer. Uma ampla mobilização social a partir dos territórios traria, pela construção coletiva, troca de experiências e conhecimentos, o caminho a seguir. Por isso, a organização não acredita na liderança de um para resolver as questões que nos desafiam a todos. A CSP-Conlutas compreende que a dominação da oligarquia Sarney é a principal responsável pela persistência dos problemas de exploração dos trabalhadores do campo e da cidade advindos com o latifúndio, a corrupção, o agronegócio e a violência sistemática, exemplificados na situação do Presídio de Pedrinhas a atingir especialmente negros e pobres. Critica as organizações da sociedade civil em geral, argumentam que foram cooptadas pelos governos e acreditam nas ilusões eleitorais. Entendem que é pela construção coletiva que as mudanças ocorrerão de fato. A resposta do GEDMMA critica a economia dos grandes projetos ou dos enclaves que excluem a maioria da população dos possíveis

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benefícios e fortalecem a concentração de riqueza. Defendem a valorização de uma economia sustentável em escala micro e não capitalista, preservando o ambiente, valorizando a cultura local, promovendo ampla reforma agrária e investindo em educação e saúde fora da lógica de mercado. Propõem a criação de fóruns permanentes constituídos por movimentos sociais e setores ligados às causas populares que possam superar os processos eleitorais e se situar no longo prazo. OS LIMITES DA SOCIEDADE CIVIL. O campo e a questão da terra são temas comuns a todas as respostas das organizações da sociedade civil. Entretanto, nenhuma dessas organizações mencionou formas concretas de garantir que a redistribuição de terras não se perca no caminho. Conheci inúmeros assentamentos abandonados na região tocantina, pois apesar de receberem apoio financeiro, nunca tiveram assistência técnica. Mais que reforma agrária, o desafio é garantir condições de permanência aos que vivem no campo e do campo. Isso não é uma questão de mais ou menos participação popular, mas de educação, convencimento, recursos e assistência técnica. Nada garante que as atuais gerações tenham interesse em permanecer no campo e não seguir para o canto da sereia das cidades. Salvo as propostas do GEDMMA, mesmo carentes de concretude, a maioria das organizações se resguarda na fórmula: mais participação igual à mudança. Enxergam na mobilização popular o caminho, o passe de mágica de onde irão brotar as saídas para os problemas maranhenses. Crer no povo, não nos pode omitir do processo educativo de longo prazo a ser realizado, com eles. Mais ainda, não podemos adotar um caminho de irracionalismo e de idealização, segundo o qual, basta o povo dizer o que quer e tudo será resolvido.

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Há uma confusão entre participação e educação política. A população maranhense foi consultada inúmeras vezes por vários governos e entidades da sociedade civil produzindo documentos com suas reivindicações e necessidades, ontem e hoje9. Os Diálogos pelo Maranhão, realizados por Flávio Dino foram uma forma de consulta. O não atendimento dessas reivindicações e necessidades ao longo do tempo as tornou quase publicamente conhecidas. Isso significa que criar e instituir novas instâncias de mediação entre Governo e Sociedade enquanto formas de verbalização das necessidades populares é uma medida necessária, mas não suficiente. Existe um trabalho de educação política por fazer. A retórica da participação popular adotada pelas organizações da sociedade civil revela o quanto essas entidades ainda adotam os mesmos termos do debate vigentes durante a Ditadura Militar de 1964 e a redemocratização dos 1980. Como diria Ignacio Rangel, não aprenderam e não esqueceram quase nada desde então. Retórica, por que essas organizações perderam o povo, sobretudo as novas gerações. O mundo não corresponde a dois lados claramente delineados como naquela conjuntura, bem e mal, bom e ruim. Exemplo disso, é que nem os jovens que tomaram as ruas, nem as pessoas dos protestos por melhorias nos serviços públicos, passaram ou passam por essas organizações, atuam sem elas e sob o risco de serem apropriados pelos conservadores mais a direita. Salvo o MST, a maioria dessas organizações se omitiu ou se posicionou contrariamente ao Governo Jackson (2007-2009), repetindo e acatando as interpretações academicistas que só veem mudanças intra-oligárquicas ou mudanças com práticas oligárquicas. Essa cegueira continua. Participei de experiências de planejamento participativo. Cf. ALMADA, Jhonatan Uelson Pereira Sousa de ; TSUJI, Tetsuo . Os caminhos da experiência de descentralização e regionalização do governo Jackson Lago (2007-09): o planejamento público a serviço da democratização do Estado. Cadernos do Desenvolvimento, v. 7, p. 87-106, 2012. 9

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O mais grave é a desvalorização das eleições na democracia representativa, presente em todas as propostas. Ora, os que estão no poder concorrem e ganham justamente essas eleições. Desvalorizá-las ou subavaliá-las como uma oportunidade para iniciar a mudança, abre espaço para a manutenção dos que já estão no poder e paralisam essas organizações em um trabalho de educação política que seria fundamental. Entendo que a relação entre Governo e Sociedade civil é importante para carrear mais forças progressistas em um contexto político conservador, mas não é pré-condição para se consolidar a alternância do poder. A sociedade civil organizada tem seus limites na explicação da realidade, na proposição de soluções para os problemas maranhenses e na articulação do conjunto da população. Ainda que ela seja o mais progressista que temos no Maranhão, não implica as opções mais corretas ou viáveis para a mudança da estrutura ou atuação na conjuntura. A EDUCAÇÃO COMO DESAFIO. O atual cenário educacional do Estado do Maranhão retratado nos indicadores de desempenho escolar e nos indicadores sociais confirmam que a Rede Estadual de Educação não garante, na idade certa, o acesso, a permanência, a aprendizagem e a conclusão aos maranhenses que nela estudam. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, nos permitem explicitar esse cenário em relação à educação infantil, ao ensino fundamental e ao ensino médio no Estado do Maranhão entre meados de 2000 e 2010, dados mais consolidados pelo Inep, perfazendo o balanço da primeira década do século XXI. Em

2000

as

matrículas

na

educação

infantil/creche

correspondiam a 20.010 para uma população de 0 a 3 anos de

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ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

551.985, ou seja, somente 3% das crianças pequenas eram atendidas no Maranhão, esse percentual era de 7% no Brasil. No ano de 2010, esse percentual passou para 10% de atendimento no Maranhão e 18% no Brasil. A educação infantil/pré-escola apresenta um cenário pouco melhor que a da creche. Em 2000, existiam 211.540 matrículas para uma população de 4 a 5 anos de 276.870, o que corresponde a um percentual de atendimento de 76%, pouco maior que os 65% do Brasil. Em 2010, esse percentual de atendimento alcançou 102% no Maranhão e 80% no Brasil. A educação infantil enfrentou um forte desfinanciamento ocasionado pela criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) em 1996, pois este Fundo privilegiou o ensino fundamental em detrimento da educação infantil e do ensino médio. Essa situação só foi alterada com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2006, que incluiu todos os níveis de ensino da educação básica. A educação infantil é de responsabilidade dos municípios, mas é papel do Governo do Estado enquanto coordenador da política pública de educação subsidiar, acompanhar e coordenador a universalização desse nível de ensino, cujo principal desafio hoje se refere a ampliação do número de vagas em creche. O ensino fundamental foi quase universalizado na década de 1990, o percentual de atendimento em 2000 no Maranhão era de 127% e no Brasil de 117%, passando a 107% no Maranhão e 106% no Brasil em 2010. Ainda existem crianças fora da escola, pois os dados não refletem aquelas que abandonam ou nunca foram contabilizadas

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nas estatísticas oficiais, estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)10 conclui que as crianças e adolescentes mais afetados são negros, indígenas ou portadores de algum tipo de deficiência, moradores do campo e originárias de famílias em situação de pobreza ou miséria. O ensino fundamental também é de responsabilidade dos municípios. O Governo do Estado não transferiu totalmente sua inserção nesse nível de ensino aos municípios, registrando em 2011 um total de 177.136 matrículas. Quando concluído esse processo de municipalização tardia deverá preservar o papel de indutor da qualidade desse nível de ensino, principal desafio atual. O ensino médio combina dois desafios, universalização e qualidade. Em 2000, o Maranhão possuía 206.623 matriculados para uma população de 15 a 17 anos de 443.375 pessoas, o que correspondia a um percentual de atendimento de 46%, bem abaixo dos 76% do Brasil. Em 2010, o Brasil alcança um percentual de atendimento de 80% e o Maranhão de 76%. Apesar do significativo crescimento não alcançamos a universalização. O ensino médio é responsabilidade prioritária do Governo do Estado, conforme a Lei nº 9.394/1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O problema da qualidade que afeta o ensino fundamental e o ensino médio, em parte, estão refletidos nas taxas de aprovação, reprovação e abandono. Em 2007, a taxa de aprovação era de 82,6% no ensino fundamental e 75% no ensino médio; a taxa de reprovação era de 11,2% no ensino fundamental e 7,5% no ensino médio; a taxa de abandono era de 6,2% no ensino fundamental e 17,5% no ensino médio. Se recuarmos para 1997, dez anos atrás, esses dados Iniciativa Global pelas Crianças fora da Escola – http://www.unicef.org/brazil/pt/br_oosc_ago12.pdf. Acesso em 23/01/2014. 10

Relatório

completo.

Disponível

em

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melhoraram timidamente no ensino fundamental e permaneceram estagnados no ensino médio. Em 2010, a taxa de aprovação era 86,7% no ensino fundamental e 76,8% no ensino médio; taxa de reprovação era de 9,2% no ensino fundamental e 8,5% no ensino médio; a taxa de abandono era de 4,1% no ensino fundamental e 14,7% no ensino médio. Ainda que essas taxas tenham melhorado, o problema da qualidade permanece, pois, por um lado, aprovação maior e reprovação menor não são sinônimas de aprendizagem, por outro, abandono é uma situação limite. As menores taxas de abandono na região Nordeste são observadas em Pernambuco (9,7%) e Ceará (7,4%) e as maiores em Alagoas (18,2%) e Piauí (16,9%). Os resultados da avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) de 2012 deixam claro o baixíssimo desempenho em matemática, leitura e ciências do Maranhão, penúltimo lugar no Brasil, corroborando com a não aprendizagem. A média nacional foi de 402, enquanto o Maranhão ficou com 357, penúltimo lugar, à frente apenas de Alagoas com 348. Na região Nordeste, as melhoras notas foram obtidas por Paraíba (406), Piauí (397) e Sergipe (392). A taxa de distorção idade-série em 2006 era de 33,1% no ensino fundamental e 66,6% no ensino médio; em 2010 essa taxa foi de 28,1% no ensino fundamental e 50,3% no ensino médio. A rede estadual apresentou um alto índice entre todas as dependências, tanto da rede federal quanto da privada, só perdendo para a rede municipal quanto ao ensino fundamental. As melhores taxas da região Nordeste no ensino médio pertencem aos estados da Paraíba (37,6%) e Ceará (31,1%) e as piores ao Piauí (48,4%) e Bahia (47,3%).

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A distorção idade/série expressa o percentual de estudantes em cada série com idade superior à recomendada. Nesse sentido, estes altos índices revelam que a rede estadual não está assegurando a permanência do estudante no período correspondente a sua escolarização, a fim de regularizar o fluxo escolar. Esse fato significa que a rede poderá ocasionar o não atendimento dos estudantes na faixa etária recomendada para o ensino médio, isto é, de 15 a 17 anos. A forma como a rede estadual tem resolvido o problema da não aprendizagem é reprovar o estudante indefinidamente, isso quando não o aprova automaticamente sem que ele tenha aprendido. A não aprendizagem combinada com a aprovação significa que os estudantes da rede pública vão sendo progredidos, do ensino fundamental ao ensino médio, alguns chegando ao ensino superior. O que implica, conforme o Índice de Analfabetismo Funcional (Inaf), do Instituto Paulo Montenegro11, que um percentual dos estudantes de nível médio e de nível superior não é plenamente alfabetizado, preservando um ciclo de baixa qualidade do ensino. O consequente insucesso escolar é comprovado pelo fato de apenas 57,9% dos jovens maranhenses até os 16 anos concluírem o ensino fundamental e somente 35% dos jovens até os 19 anos concluírem o ensino médio, em 2011. As melhoras taxas se encontram no Rio Grande do Norte (57,6%) e no Ceará (55,8%), as nossas atuais taxas, colocam-nos na companhia de Alagoas (33,7%) e Piauí (35,8%). Todos esses dados também convergem para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do Estado. Em 2005, o Ensino Médio observou um IDEB de 2,7, abaixo da média do Brasil que era de 3,0. Apesar dos índices de 2007 (3,0), 2009 (3,2) e 2011 (3,1)

Disponível em http://www.ipm.org.br/download/inf_resultados_inaf2011_ver_final_diagramado_2.pdf. Acesso em 25/01/2014. 11

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estarem acima da meta estabelecida, recuamos para 2,8 em 2014, indicando estagnação e retrocesso na política educacional estadual. O Maranhão, conforme dados do IBGE e DataSUS, em 2001, possuía uma população residente de 5.657.552 habitantes, uma População Economicamente Ativa (PEA) de 37,33% e um quantitativo de pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade na ordem de 2.612.000, apresentando os seguintes indicadores sociais: taxa de analfabetismo na faixa etária de 15 ou mais anos de idade na ordem de 23,4%; taxa de analfabetismo funcional de 44,8%, cujas pessoas não apresentam o domínio de habilidades em leitura, escrita, cálculos e ciências, em correspondência a uma escolaridade mínima de quatro séries completas do Ensino Fundamental; taxa de mortalidade infantil de 32,5%, correspondente à frequência com que ocorrem os óbitos infantis, em relação ao número de nascidos vivos; um rendimento médio mensal das pessoas ocupadas de R$ 176,00. Dez anos depois, conforme dados do IBGE e DataSUS, o Maranhão passou a ter uma população residente de 6.722.000, com uma PEA de 34,07% e um quantitativo de pessoas de 10 anos ou mais ocupadas de 2.937.000. Aqueles indicadores sociais se comportaram da seguinte forma: taxa de analfabetismo de 15 anos ou mais de idade de 20,9% (2010), taxa de analfabetismo funcional de 40,5% (2005); taxa de mortalidade infantil de 20,0% e um rendimento médio mensal de R$ 458,00. Analisando esses mesmos indicadores em relação ao Brasil e à Região Nordeste, vemos que eles apresentam as seguintes taxas respectivamente: no Brasil, o analfabetismo na faixa etária de 15 ou mais anos de idade de 12,38% (2001) passou para 20,4% (2010), no Nordeste, a taxa de analfabetismo de 24,25% (2001) passou para 30,9% (2010); a mortalidade infantil no Brasil passou de 26,3% (2001)

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para 15,3% (2011) e no Nordeste passou de 33,4% (2001) para 18% (2011); rendimento médio mensal das pessoas ocupadas no Brasil foi de R$ 366,00 (2001) para R$ 879 (2011), enquanto no Nordeste esse rendimento foi R$ 205,00 (2001) para R$ 557,00 (2011). Comparando essas taxas, constatamos que o Estado do Maranhão exibe taxas percentuais acima das médias apresentadas pelo Brasil e pela Região Nordeste. Por outro lado, o rendimento médio das pessoas ocupadas é inferior à média nacional e regional. Lançando um olhar para o cenário socioeconômico e político no Estado o qual exibe os mais baixos indicadores em relação aos apresentados em nível nacional e regional e considerando a permanência do mesmo grupo político no poder por décadas, encontramos fortes indícios do porquê da não efetivação de uma política pública de educação em nosso Estado que responda aos problemas educacionais maranhenses. Em geral, os problemas da educação básica são circunscritos às dificuldades de aprendizagem ou a não aprendizagem dos estudantes, a evasão escolar, ao analfabetismo, a invisibilidade da diversidade na escola, a necessidade de formação continuada dos professores, a importância da gestão democrática das escolas, a efetividade do plano de carreira e remuneração dos profissionais da educação e carências de infraestrutura escolar. Entretanto, reconhecendo a necessidade de enfrentamento de todos esses problemas, se quisermos apresentar uma proposta diferenciada, ela tem que ir além destes. Entendemos que o problema da educação básica maranhense é fundamentalmente pedagógico. Não há um projeto educativo, uma pedagogia ou uma política educacional explícita, delineada, planejada e avaliada. Existe uma multiplicidade de escolas, dispersas e mais ou menos administradas

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ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

pela Secretaria Estadual de Educação e Secretarias Municipais de Educação. Nesse sentido, precisamos produzir uma pedagogia coletiva com espaço para a especificidade, unidade na diversidade. Isso nos desafia a construir um projeto educacional com objetivos de curto, médio e longo prazo. Esse projeto estará materializado no Plano Estadual de Educação (PEE), não um plano com objetivos tímidos como o que foi enviado pelo Governo do Estado a Assembleia Legislativa em maio de 2014. O Estado deve atuar prioritariamente no ensino médio, garantindo coordenação pedagógica e assistência técnico-financeira aos municípios na oferta da educação infantil e ensino fundamental. O papel do Estado em relação à educação dos municípios deve ser de coordenação, indução, assistência e assessoramento. Essa medida possibilitará a implantação (no médio e longo prazo) da educação integral em tempo integral nas escolas do ensino médio, unificando ensino e trabalho. A ideia é que o ensino médio desenvolva nos estudantes o intelecto, o físico, a prática social e as tecnologias. Os municípios necessitam se fortalecer institucionalmente, realizar concursos para a carreira técnica e de apoio escolar, não só para professores. Captar recursos, gerir com mais eficiência os recursos disponíveis, em síntese, criar condições humanas e institucionais para o desenvolvimento de uma política pública de educação. É nesse veio que o Governo do Estado deve atuar de forma decisiva. A rede estadual de ensino médio poderia ser diferenciada em três tipos: colégios tecnológicos, colégios humanísticos e colégios de linguagens. Nos primeiros o foco seria as ciências exatas, naturais e da terra, nos segundos o foco seria as ciências humanas e sociais e nos

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últimos o foco seria as artes, os esportes e as linguagens. Isso implicaria em redenominar as atuais unidades escolares e redefinir seus projetos político-pedagógicos. Todos teriam um currículo comum (2 a 3 anos) e um currículo específico (1 a 2 anos). No currículo comum,

seria

previsto

um

semestre

para

o

trabalho

de

complementação da formação obtida no ensino fundamental, reforçando os conhecimentos e habilidades ligadas ao raciocínio lógicomatemático e a língua portuguesa. No currículo específico seria previsto o aprofundamento em um dos focos oferecidos com a realização de um curso técnico de nível médio e obrigatoriamente curso de língua estrangeira. As escolas elaborariam a cada 2 (dois) anos sua agenda de trabalho cuja execução está vinculada à permanência do gestor escolar. Este seria escolhido em um sistema misto, combinando prova de conhecimentos específicos na primeira etapa e eleição pela comunidade escolar na segunda etapa. A agenda de trabalho seria o documento de referência para acompanhamento da implementação da política educacional estadual na escola. Nessa perspectiva, não deveria ser consentida a permanência do mesmo gestor escolar por mais de 4 (quatro) anos. O Colegiado Escolar seria reformulado para garantir a paridade de representação e a criação de uma cultura de gestão democrática. Os membros do Colegiado Escolar também não poderiam permanecer por mais de 4 (quatro) anos. Essas duas restrições de tempo objetivam garantir a alternância do poder e a aprendizagem de gestão também no âmbito escolar, formando uma nova governança educacional. O coroamento dessa rede de ensino médio seria a mudança na realização de concursos públicos e no regime de trabalho do professor. Os concursos públicos seriam exclusivamente no regime de 40 horas

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semanais e a contratação apenas para cobrir as vagas abertas no caso de licenças ou afastamentos temporários dos efetivos. Além disso, a criação do regime de dedicação exclusiva com incentivo financeiro vinculado a produção intelectual do professor. Os professores efetivos em regime de 20 horas semanais seriam estimulados a migrarem para o regime de 40 horas semanais. Essas medidas materializariam a jornada única escolar, pois além desse regime de trabalho, os professores só poderiam atuar em uma única escola da rede. Essa nova estrutura organizacional da rede estadual propiciaria a ambiência para a construção e reconstrução de uma pedagogia, reflexo de um novo projeto educacional. Esse caminho é mais trabalhoso que simplesmente acrescer o que existe precariamente ou não existe, isto é, comprar e distribuir computadores, ônibus escolares, quadras

poliesportivas,

bibliotecas,

laboratórios,

jogos

e

kits

pedagógicos, dentre outros. Fazer isso, sem professores de educação física, bibliotecários, técnicos de multimeios, psicólogos e pedagogos é ineficaz. Ainda que isso seja importante e necessário, dispor de infraestrutura onde inexiste superestrutura é continuar oferecendo ensino transmissivo e descontextualizado, algo já praticado por anos a fio no Maranhão. É continuar como a ave da lenda chinesa12 que tenta encher o mar com pedras e galhos. Nosso trabalho seria mais significativo na superestrutura sem descuidar da infraestrutura, trabalho comparável a uma grande obra de engenharia hidráulica como a dos diques holandeses, o que não significa ser um engenheiro o profissional mais adequado para tal. O Estado do Maranhão atua no ensino superior com uma Universidade Estadual multicampi, a qual contribui com uma parte das Cf. Mitologia chinesa: [mitologia primitiva]: quatro mil anos de história através das lendas e dos mitos chineses/ [tradução Instituto de Línguas Estrangeiras de Pequim; seleção e apresentação de Antônio Daniel de Abreu]. São Paulo: Landy Editora, 2006. 12

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matrículas e dos concluintes do ensino superior no Estado, secundada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA). Essa instituição, originalmente era um conjunto de escolas de ensino superior que foram reorganizadas na forma de universidade. O Governo do Estado também deve atuar em caráter complementar ao Governo Federal quanto ao ensino superior. O Maranhão, conforme dados do MEC/Inep, registrava em 2001, 33.656 matrículas e 4.210 concluintes em cursos de graduação. Em 2011, esse número aumentou para 94.224 matrículas e 11.789 concluintes. Assim como o Brasil e o Nordeste, a maioria desses matriculados está em instituições privadas de ensino superior. Apesar do crescimento observado, advindo especialmente com a expansão da rede federal por intermédio do REUNI e os incentivos à rede privada por intermédio do PROUNI e FIES, o Maranhão tem uma população de 18 a 24 anos, faixa etária que deveria estar cursando o nível superior, de 921.628 habitantes, conforme IBGE/Censo 2010. Claramente, mais de 90% desses jovens não estão na Universidade. Isso é privilégio de uma minoria de 10%. O mais grave é que esse crescimento da década, nos legou apenas 189.918 pessoas com nível superior no Maranhão, cerca de 2,8% da população residente, o menor percentual entre todos os Estados da federação. Esses jovens que não estão no ensino médio por terem abandonado ou não estão na Universidade por não conseguirem o acesso, integram uma nova geração que nem trabalha, nem estuda. Em 2011, apenas 0,86% dos jovens maranhenses entre 18 e 19 anos e somente 6,19% dos jovens entre 20 e 24 anos trabalhavam. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) 2012 aponta que 31% dos jovens maranhenses entre 18 e 24 anos não trabalham,

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nem estudam, equivalendo, na região Nordeste, a Alagoas (31,1%) e Pernambuco (30,7%). As melhores taxas estão no Piauí (24,6%) e Sergipe (25,6%). Talvez novas Universidades estaduais pudessem entrar nesse cenário e fazer nascer uma nova formação cultural, ampliando qualitativamente a inserção do Governo do Estado no nível superior. A atual estrutura organizacional da Universidade Estadual do Maranhão (Uema)

não

corresponde

aos

desafios

educacionais

de

desenvolvimento que deverão ser enfrentados pelo Governo do Estado. A autonomia financeira da Uema deveria ser garantida, bem como, a autonomia das novas Universidades que seriam criadas. Elas formariam o Conselho Estadual de Desenvolvimento e Educação Superior, órgão responsável pela distribuição dos recursos fixados pela Constituição Estadual de 1989 entre as instituições. Os princípios orientadores dessas novas instituições deveriam ser o desenvolvimento regional, a inclusão social e a cooperação internacional. Sediadas em cidades de importância regional e localização estratégia, teriam áreas de conhecimento prioritárias e deveriam escolher um Patrono entre maranhenses já falecidos que tiveram grande destaque em sua contribuição política, social ou intelectual. As questões centrais que essas Universidades buscariam responder são: 1) como empreender uma formação que contribua para o processo de desenvolvimento econômico regional tornando-o socialmente inclusivo e politicamente emancipador? 2) como empreender uma formação que contribua para a humanização e a efetividade das políticas públicas articulando-a a um desenvolvimento socialmente inclusivo, politicamente emancipador e culturalmente rico? e 3) como empreender uma formação que reforce os laços de

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solidariedade internacional entre o Brasil e os países do Sul fazendo emergir um novo sentido de humanidade?. Essas seriam as questões mobilizadoras de sua comunidade acadêmica, inscritas na sua missão institucional e nos seus Estatutos fundadores. As cidades de Imperatriz, Balsas, Pedreiras, Pinheiro e Caxias poderiam sediar essas instituições com atuação na área de ciências tecnológicas, ciências da terra, ciências da saúde, ciências sociais aplicadas, ciências humanas e relações internacionais. O cenário educacional maranhense desenhado nos desafia. Enfrentar e superar seus problemas exige um Ensino Médio Reinventado, a criação de novas Universidades, o apoio aos municípios quanto à educação infantil e ensino fundamental, o reconhecimento e a valorização dos profissionais da educação e a criação de novas oportunidades de ensino e trabalho para os jovens maranhenses. É fundamental redirecionar a política educacional do Estado na perspectiva de oportunizar uma nova formação humana capaz de contribuir com um efetivo projeto de desenvolvimento para o Maranhão e a consolidação da cidadania. Entre as linhas programáticas possíveis para a área de educação em face desse cenário e com o objetivo de contribuir com esse redirecionamento, propus, no âmbito das plenárias sobre o Programa de Governo de Flávio Dino, as seguintes ações: 1. Implementar o Plano Estadual de Educação (PEE) como norteador da política pública de educação no Estado do Maranhão; 2. Implementar um Plano ―Paulo Freire‖ de Alfabetização Educadora de Jovens, Adultos e Idosos para tornar o Maranhão território livre de analfabetismo, com inserção dos estudantes estaduais de nível superior e servidores públicos;

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3. Reconhecer o mérito docente por intermédio de Programa Estadual de Valorização do Profissional da Educação, com premiações revertidas em bolsas de estudo, missões de estudo e investimento na carreira, garantindo os direitos trabalhistas, salariais, de formação e sindicais dos trabalhadores e trabalhadoras em educação; 4. Implantar Programa de Aprendizagem na Idade Certa em regime de urgência potencializando a utilização de turnos alternativos, fins de semana e férias para correção e complementação de estudos; 5. Implantar Programa de Reconhecimento de Experiências Educativas Exitosas para identificação, valorização, publicação e disseminação de experiências criativas e enriquecedoras desenvolvidas pelas escolas da rede; 6. Instituir sistema misto para escolha do gestor escolar, combinando etapa de seleção técnica e etapa de indicação pela comunidade escolar, com permanência no cargo por no máximo 4 anos, vinculada a implementação da agenda educativa de gestão; 7. Construir a agenda educativa de gestão em cada escola, articulando os projetos pedagógicos escolares aos objetivos do Plano Estadual de Educação; 8. Instituir uma nova governança educacional por intermédio dos Colegiados Escolares, paritários e democraticamente eleitos; do Conselho Estadual de Educação reorganizado com representação majoritária da educação pública e a renovação periódica dos conselheiros e do Conselho de Controle Social do Fundeb; 9. Criar Programa de Assistência Técnica aos Municípios, apoiando-os no fortalecimento de sua capacidade institucional, na formação de quadros, na captação de recursos e na implementação de políticas públicas municipais para educação infantil e ensino

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ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

fundamental, priorizando a elevação da qualidade do ensino oferecido no campo maranhense. 10.

Implantar

o

Programa

Ensino

Médio

Reinventado,

redefinindo o currículo e a estrutura organizacional da rede estadual de ensino médio, dotando-a de três tipologias: colégios tecnológicos, colégios humanísticos e colégios de linguagens, com dois ciclos de formação (comum generalista e específico profissionalizante); 11. Implantar escolas-piloto do Programa Ensino Médio Reinventado em regiões prioritárias do Estado, com professores em jornada única de trabalho; 12. Implantar o Programa Jovem Professor com bolsas de 12 (doze) meses para recém-formados em cursos de licenciaturas de instituições públicas para atuarem nos programas da educação; 13. Instituir Programa de Formação Continuada permanente incorporando os profissionais da educação que pertencem à rede no planejamento e execução, valorizando as trajetórias, conhecimentos e experiências acumuladas pelas diferentes gerações; 14. Determinar como nova missão institucional da Universidade Virtual do Estado do Maranhão (UNIVIMA), a implementação do Programa de Formação Continuada dos profissionais da educação da rede estadual de ensino médio, redenominando-a para Universidade Virtual do Estado do Maranhão ―Professora Rosa Mochel‖; 15. Instituir o Programa de Fortalecimento da Diversidade Educativa, com o objetivo de criar, equipar e regionalizar escolas familiares agrícolas, do mar, quilombolas e indígenas; 16. Instituir o Programa Educação sem Fronteiras que oportunizará que os estudantes de nível médio cursem parte de seus estudos no exterior por intermédio de missões, preferencialmente na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia;

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17. Instituir o Programa Jovens Educadores apoiando a tutoria no ensino médio por intermédio da concessão de bolsas aos estudantes mais avançados para apoiarem a aprendizagem dos colegas e auxiliarem o trabalho do professor, incentivando-os a seguirem a carreira docente; 18. Instituir o Programa Joaquim Gomes de Souza incentivando os participantes do Programa Jovens Educadores a cursarem licenciaturas em Matemática, Física e Química nas Universidades estaduais, oferecendo bolsas de estudo para a graduação; 19. Garantir a autonomia financeira da Universidade Estadual do Maranhão (Uema); 20. Criar 6 (seis) novas Universidades Estaduais por intermédio do Programa Sousândrade de Universidades para o Desenvolvimento Regional, em cidades estratégicas do Maranhão, tendo como foco o desenvolvimento

regional,

a

inclusão

social

e

a cooperação

internacional: •Universidade Regional do Sul Maranhense em Imperatriz com a área tecnológica, ciências da terra e sociais aplicadas; •Universidade Regional do Cerrado Maranhense em Balsas com a área de ciências da terra e sociais aplicadas; •Universidade Regional do Centro Maranhense em Pedreiras com a área de ciências da saúde e ciências sociais aplicadas; •Instituto de Relações Internacionais em São Luís com a área de ciências sociais aplicadas e relações internacionais; •Universidade Regional da Baixada Maranhense em Pinheiro com a área de ciências da terra e educação do campo; •Universidade Regional do Leste Maranhense em Caxias com a área de ciências humanas e ciências da saúde;

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21. Criar o Conselho Estadual de Desenvolvimento Regional e Educação Superior integrando as novas instituições, a Uema e a Univima; 22. Aprovar a Lei Estadual de Educação instituindo o Sistema Estadual de Ensino, Fundo Estadual de Educação, reorganizando o Conselho Estadual de Educação e delineando o regime de colaboração com os Sistemas Municipais e o Sistema Federal.

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Before the Lightning (1923), Paul Klee

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ESTAR NO ESTADO COMO PRIVILÉGIO DE POUCOS


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ESTAR NO ESTADO COMO PRIVILÉGIO DE POUCOS Renovar a elite política e retirar o Maranhão do extravio implica democratizar o Estado, recuperá-lo para todos. Não podemos aceitar que seja privilégio de uma minoria. A destruição do complexo de Pedrinhas como proposta de solução dos problemas da segurança pública maranhense foi uma demonstração inequívoca do quanto o grupo dominante local se descolou da realidade, vive em um limbo impenetrável. Somente discutiam e se preocupavam com a preservação do seu poder, projeção em carreiras e aboletamento dos cargos públicos. Isolaram-se do cotidiano do povo, nesse fulcro, percebemos o crepúsculo da oligarquia, onde o peso do nome e o domínio dos meios de comunicação se mostram em crise e visível definhamento. É como se para os problemas de educação pública, bastasse derrubar as escolas ou para os problemas de saúde pública, botar abaixo os grandes hospitais da capital e assim por diante.

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A grande virada de um governo da mudança será cortar radicalmente o conjunto de luxos e privilégios que beneficiam não só o alto escalão do Poder Executivo do Maranhão, mas os níveis intermediários também. Não recordo qualquer candidato ao posto de Governador do Estado que sequer tenha tocado nesse assunto. Alguns dos luxos e privilégios ficaram mais patentes com a divulgação das listas de compras das cozinhas do Palácio dos Leões, sem esquecer que o Vice-governador também tem uma residência oficial; o uso de helicóptero da Polícia Militar pelo senador José Sarney para visitar sua ilha particular; os carros oficiais a disposição dos Governadores, Assessores, Secretários de Estado e outros servidores com cargos de confiança ou comissão; o número inacreditável de privilegiados que sem concurso público trabalham por anos a fio em cargos de comissão, do auxiliar de serviços gerais aos secretários adjuntos; policiais servindo como seguranças particulares; os intermináveis aluguéis de prédios para órgãos públicos, sobretudo em áreas altamente valorizadas pelo mercado mobiliário; as festas e banquetes, dentre outros. Superar esse quadro demanda um trabalho de envergadura e a proposta de vender a Casa de São Marcos (Casa de Veraneio do Governador), feita por Flávio Dino, sinaliza um caminho positivo em um estado empobrecido, focar a atuação do Estado nas políticas de proteção e promoção social, retirando-o das políticas de apartheid social que criam verdadeiras cortes principescas a gastar os recursos públicos com o luxo pessoal. Os governadores, assim como todos os demais cidadãos, devem morar em suas casas, não em Palácios, símbolo mais cristalino da distância entre governantes e governados, governo e povo. Talvez a prédica e o exemplo do Papa Francisco ou do presidente uruguaio Pepe

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Mujica devam ser mais praticadas que ouvidas aqui no Maranhão. Assim como a Cúria Romana resiste ao novo modelo de governar a Igreja, esperemos comportamento similar por parte das elites maranhenses e seus apaniguados. O Maranhão guarda uma especificidade em relação à famosa pergunta de Roberto da Matta que intitula um de seus estudos ―Você sabe com quem está falando?‖. A pergunta que uma parcela dos maranhenses fazem é ―Onde você está agora?‖. Esse ―onde‖ geralmente é seguido pelo nome de uma repartição do Estado. Não estar no Estado é inconcebível para os nossos privilegiados ou dos que almejam isso. A sinalização de mudança no status quo, os deixa em apreensivo silêncio, como aquele que antecede o relâmpago (da pintura de Paul Klee). O CREPÚSCULO DA OLIGARQUIA SARNEY. A continuidade de Roseana Sarney no cargo de Governadora do Estado do Maranhão, recusando uma possível candidatura ao Senado e a ausência de candidato viável no seu grupo político (o primeiro foi Luís Fernando, o segundo foi Lobão Filho), tanto para a disputa de Governador, quanto de Senador são algumas das linhas que nos permitiriam vislumbrar o crepúsculo da oligarquia liderada por José Sarney. A tendência é que o inner circle ou círculo próximo da família fique sem mandato. A vitória da oposição sepultará no médio prazo as condições que ainda possibilitam a manutenção desses mandatos. Essa vitória, sabiamente frisou Manoel da Conceição, dependeu de uma campanha que por sua importância assumiu caráter humanitário. A aliança denominada "Partido do Maranhão", sob a liderança de Flávio Dino foi uma frente ampla cujo fundamento se assentou na necessidade imperiosa de vencer a oligarquia, virar a página da história

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e iniciar outro caminho para nosso estado. Se o hábito do raciocínio de curto prazo nos faz enxergar apenas 2014, o equívoco é grande. O horizonte é de no mínimo 10 anos. Aquilo que foi pacientemente destruído por décadas de dominação não se recupera em um quadriênio. A longa duração permitiu aos membros da oligarquia entrar na ossatura do Estado, verdadeiros cistos, cuja extração demandará tempo e ação cirúrgica. Tetsuo Tsuji, pioneiro dos estudos sobre o futuro no Maranhão publicou há 10 anos o livro "Cenários do Maranhão para o ano de 2007" (Edufma, 1993). Tetsuo vislumbrava que até 2007 nosso estado poderia ingressar em um círculo virtuoso de desenvolvimento se alguns óbices fossem removidos, entre eles, a política oligárquica. Os anos Roseana impediram que o vislumbre virasse realidade. Em 2008, Tetsuo publica o livro "O que o Maranhão quer ser quando for grande" (Imesc), no âmbito do planejamento do Governo Jackson. Projetava para 2017 que nosso desenvolvimento se concretizaria pela regionalização, descentralização e fortalecimento da economia dos municípios, sendo a educação o fator mais relevante para esse futuro. Ao professor Tetsuo Tsuji presto meu reconhecimento e respeito pelo pioneirismo. Dou testemunho de sua dedicação a causa do desenvolvimento, sobretudo pelos trabalhos que partilhamos. É indispensável pensar e planejar a política também no longo prazo. Existem dois espaços estratégicos em Brasília, cuja maioria obtida favorecerá a consolidação de um projeto de alternância do poder no Maranhão: o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. Roberto Rocha foi eleito na vaga em disputa para o Senado Federal, mas é importante lembrar que ainda temos dois mandatos sob o controle da oligarquia. Mandatos que pertencem hoje ao Senador

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Edson Lobão e ao Senador João Alberto. Apesar da cômica campanha realizada por essa dupla na eleição passada, serão os sobreviventes da oligarquia com os mandatos mais estratégicos, os quais só poderão ser retomados em 2019 pela oposição vitoriosa em 2014. Não será difícil obter uma maioria na Câmara dos Deputados nas próximas eleições. O fundamental é trabalhar pelo fortalecimento de bancada pró-Maranhão, preservando os aliados e reduzindo o espaço daqueles pertencentes aos quadros da oligarquia que lá estão ou que se elegeram deputados federais. A coordenação de bancada alinhada com o Governador do Estado poderá superar o atual quadro político que impede uma atuação conjunta voltada para atender aos interesses do Maranhão e respaldar um projeto de desenvolvimento em comum. Controlar a representação do Maranhão em Brasília, sobretudo no Senado, sempre foi um dos principais instrumentos de poder da oligarquia e arma de barganha mais letal. O Governo Federal depende de maioria segura em um ambiente político conturbado e radicalizado, por isso, se submete aos acordos mais paradoxais para preservar a governabilidade. Aí está uma das variáveis estratégicas do balanço da gestão política. O objetivo não é controlar para a barganha, mas recompor para uma nova relação em prol dos interesses dos maranhenses. A Assembleia Legislativa demanda um duplo trabalho para a oposição: formar maioria e reduzir ao inexpressivo o número de deputados vinculados à oligarquia. Durante o Governo Jackson Lago, ainda que poucos, as vestais da oligarquia se fizeram presentes e trabalharam dia-a-dia para o desgaste do Governo. Não basta eleger uma base forte, indispensável para aplainar os caminhos da mudança,

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mas é fundamental recuperar os mandatos políticos hoje fortemente vinculados à oligarquia. Existem mais três espaços estratégicos, sabidamente utilizados pela oligarquia: o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Tribunal de Justiça (TJ) e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Existe uma enorme necessidade de compor novas maiorias virtuosas nesses órgãos, ainda que saibamos do caráter transitório delas em alguns, a exemplo do TRE. O desafio é ampliar os quadros técnicos indicados para o TCE e o TJ, valorizando de fato a reputação ilibada e a idoneidade moral, critérios que ficaram um tanto frágeis nos últimos anos frente aos apetites dos donos do poder, vínculos familiares e até transmissão hereditária dos cargos. Nesses órgãos, o trabalho de recomposição se desdobrará até meados de 2024 em um cálculo otimista. Não se deve esquecer que no crepúsculo as coisas aparentemente ficam menos claras, turvam nossa vista, vemos lobos devoradores onde sequer cordeiros há. Isso não nos enganou. Nesse interlúdio, o golpe baixo, o jogo sujo, o ataque pessoal, o pugilato e o falso prestígio vicejaram com a intensidade de um desespero de náufrago. Apesar disso, a oligarquia encontrou seu crepúsculo, promessa de uma noite sem data para término. O Partido do Maranhão trabalhou com dedicação, afinco e cuidado para não ser engolido pela penumbra ou esquecer que a noite deles é promessa de outro amanhã para nós. Contudo, o amanhã só se levanta quando a esperança do dia o faz se erguer: um trabalho de muitas mãos em comunhão de sonhos, suor e luta. O major: Bem sei, mas a lei? A comadre: Ora, a lei... O que é a lei, se o Sr. Major quiser? (Memórias de um Sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida)

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O PESO DO NOME. A Lei Nº 6.454, de 24 de outubro de 1977 veda a atribuição de nome de pessoa viva em qualquer modalidade a bem público de qualquer natureza pertencente à União. Um raro avanço ocorrido na Ditadura Militar em terras onde singra o patrimonialismo e a pessoalização da coisa pública. Entretanto, esse avanço se restringiu ao âmbito da União, pois Estados e Municípios desrespeitam essa lei, a qual se harmoniza com os princípios constitucionais da impessoalidade e da legalidade da administração pública. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução Nº 58, de 8 de abril de 2008 interpretou a referida lei para burlá-la e encontrar exceções onde não as há. Onde se lia ―pessoas vivas‖ entenderam que isso não incluía os aposentados e inativos do Poder Judiciário. Para muitos o se aposentar pode significar a morte em vida, mas isso não é a regra e até para o mundo mineral existe diferença abissal entre vivos e mortos. O corporativismo imerso no patrimonialismo foi mais forte, a voz sedutora da comadre ainda toca profundamente em nossas instituições. Somente dia 29 de março de 2011, o CNJ revogou essa Resolução e não tratou mais do assunto. O Art. 19, parágrafo 9º da Constituição Estadual do Maranhão joga na contracorrente da lei ao abrir as tão conhecidas exceções. É vedada a denominação, exceto para ―pessoas consagradas notaria [sic] e internacionalmente como ilustres‖. Nessa contramão, entraram as denominações de municípios, obras e prédios públicos, tais como, pontes, escolas, hospitais, avenidas, passarelas, elevados, ruas e bairros com o nome de pessoas vivas. Entre as mais conhecidas estão Alcione, José Sarney, Roseana Sarney, Sarney Filho, Epitácio Cafeteira, João Castelo, João Alberto, Edson Lobão, Nice Lobão ou Lourenço Vieira

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da Silva, todos vivos. Por outro lado, aparecem Kiola Sarney, Sarney Costa, dentre outros. Ainda que se possa argumentar que essas pessoas tenham alguma contribuição para o Estado do Maranhão, seja política, biológica ou cultural, não se justifica homenageá-las, sobretudo, perante biografias tão questionáveis e questionadas. O problema não está no fato dessas pessoas estarem vivas ou mortas, mas na constatação do flagrante desrespeito quanto à legislação federal, mais ainda quando sabemos: a única coisa a justificar as homenagens é a proximidade ou não dessas pessoas ao grupo dominante local seja agora, seja antes, como parentes ou não. Isso nos recorda o período imperial em que os políticos poderosos mudavam seus nomes, recebiam títulos de nobreza que incorporava na designação as cidades ou províncias de importância para sua vida pública. Época dos Barões, Viscondes, Condes, Marqueses e Duques. O Barão de Alcântara, o Visconde de Arari, o Barão de Anajatuba, o Duque de Caxias, são exemplos dessa primeira apropriação do público pelo privado elevada a uma dimensão de domínio nominal e vital sobre o território e o povo. O tempo é fundamental para saber se tal homenagem se sustenta, sem isso, trata-se de deslavada autopromoção baseada no uso dos recursos públicos com alto risco para aqueles que homenageiam. Enquanto vivas essas pessoas estão sujeitas a reveses e juízos de valor sobre aquilo que fizerem. Discutindo essa questão nos Estados Unidos, Derek Alderman, geógrafo cultural da East Carolina University é taxativo: ―seu legado ainda sequer foi estabelecido‖, cita inúmeros casos de políticos ainda vivos que deram seus nomes a prédios públicos ou rodovias e ao serem investigados em escândalos

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de corrupção ou confessarem seu envolvimento, obrigaram as instituições que haviam proposto as homenagens a retirá-las. É importante compreender que esse problema não se restringe ao Brasil, países como Estados Unidos têm debates em curso sobre a questão, sem registrar, no entanto, uma legislação federal tão expressiva e avançada quanto a nossa. Não se discute as nomeações das Avenidas Getúlio Vargas ou do Aeroporto Juscelino Kubistchek, essas biografias já passaram pelo escrutínio da história, onde o peso das qualidades e de sua contribuição pública foi preponderante. Os legados desses políticos estão estabelecidos. A Lei Nº 11.597, de 29 de novembro de 2007 que dispõe sobre o Livro dos Heróis da Pátria estabelece o prazo de 50 (cinquenta) anos da morte do homenageado para que tal inscrição possa ser efetivada e isso por intermédio de um projeto de lei. É um prazo razoável e tranquilamente observável para que se façam propostas de tal envergadura histórica. O caráter impessoal da coisa pública experimentou nos últimos anos duas vitórias, a partir da ação de advogados locais ou do Ministério

Público

Federal,

identificados

no

combate

ao

patrimonialismo e ao ranço oligárquico do Maranhão. A primeira vitória foi a retirada do nome ―Governadora Roseana Sarney Murad‖ que batizava o prédio sede do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. A segunda vitória foi a determinação de retirar o nome ―José Sarney‖ do prédio sede do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. É fundamental registrar a atuação cívica e meritória dos advogados Josemar Pinheiro e Gilmar Pereira dos Santos que ingressaram com ações populares para obrigar o Estado a retirar esses nomes desses prédios e de todos os demais do Maranhão.

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Existe um peso simbólico desses nomes a abater a coisa pública, o presente e o futuro dos maranhenses. O deputado federal Domingos Dutra em suas publicações já se referiu de maneira incisiva quanto a esse fato. O nascer se dá na Maternidade Marly Sarney. O estudar se dá na Escola Roseana Sarney ou CINTRA – Fundação Nice Lobão, instituição mantida pelo Governo do Estado e praticamente autônoma até em relação à Secretaria de Educação. O ir e vir se dá na Avenida José Sarney. O julgar se dá no Fórum Sarney Costa. O morar se dá na Vila Kiola Sarney ou Sarney Filho. O viver se dá no município Presidente Sarney ou Governador Edson Lobão. Isso nos leva a compreender por que a imprensa nacional chama nosso estado de Sarneylândia. Jackson Lago em vida nunca permitiu que um prédio recebesse seu nome ou de algum parente seu, sua integridade política e valores públicos arraigados o afastaram dessa prática comum do Estado do Maranhão, um dos poucos governadores que não caíram na tentação da autopromoção ou autoperpetuação em vida. É lamentável que tenha sido uma exceção, não a regra. O desejo de ver seu nome em uma obra pública indica uma busca pelo consagrar-se, seja por ação própria ou de outrem. O político que lança mão desse expediente almeja extrair tudo que puder de sua passagem pela vida pública, prescindido até mesmo do julgamento dos seus contemporâneos, basta-lhe o assentido do entourage e o silêncio cúmplice da maioria. Eleito num sistema em que existem somente dois lados, no poder ou fora do poder, lhe é difícil acreditar que seus sucessores (ou algo abstrato como a história) lhe farão justiça pela atuação na vida pública, daí preferir homenagear a si mesmo. Um governo eleito na perspectiva da mudança não pode renunciar ao enfrentamento dessa questão. A remoção dos nomes de pessoas vivas daquilo que foi pago com o dinheiro público é ponto de

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honra e contribuirá sobremaneira para a construção de uma nova subjetividade política no Maranhão, expulsando das vistas uma triste memória e a mais visível herança simbólica do grupo dominante local. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. O monopólio de comunicação do grupo dominante local é um dos maiores óbices à democracia no Maranhão. O monopólio da verdade (que eles exercem) impossibilita e fragiliza o dissenso. É utilizado como arma de desconstrução de qualquer governo que lhes seja potencialmente ameaçador, vide as estratégias utilizadas contra José Reinaldo, Jackson Lago ou o atual prefeito de São Luís, Edvaldo Holanda Júnior. O cerne dessa estratégia foi e é apresentar os adversários como incompetentes, sem projeto, negativos, impopulares e equivocados, independentemente de o serem ou não. Cientes disso, contudo, não podemos confundir os donos das empresas de comunicação com os profissionais que lá trabalham. É importante respeitar aqueles e aquelas que vivem do trabalho nesses meios de comunicação, preservando a liberdade de imprensa e a dignidade do exercício da profissão de jornalista, sem descurar, no entanto, do combate ao uso desses meios como forma de destruir reputações. Acima dos donos está o fato desses meios serem concessões públicas com um papel social a ser cobrado pela cidadania organizada para garantir que atuem em prol do direito à informação. O Programa de Governo de Flávio Dino sinalizou um novo momento de relação entre um futuro governo da mudança e os meios de comunicação. Fui um dos que contribuíram com o documento, somando-me aos mais de 30 mil maranhenses que participaram dessa construção, durante os Diálogos pelo Maranhão. Um dos tópicos afirma explicitamente que o futuro governo apoiará as rádios comunitárias, os jornais regionais e os blogs

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noticiosos tendo como objetivo maior garantir o direito humano à comunicação. Pela primeira vez na história recente, um programa de governo contempla setores até então marginalizados pelos políticos, salvo quando lhes serviam de instrumento de exaltação de si ou combate aos adversários. A historiadora Lígia Teixeira já analisou muito bem que duas formas de relação entre o governo e os meios de comunicação do grupo dominante foram tentadas anteriormente. O Governo José Reinaldo suspendeu o financiamento vultoso que para lá corria dos cofres públicos. O Governo Jackson Lago retomou parcialmente esse financiamento, buscando democratizá-lo com os concorrentes do grupo dominante. Ainda assim, em ambas as situações, esse grupo atacou diariamente os governos, sem pausa e em temperatura crescente nas conjunturas eleitorais. Superar o monopólio e construir uma nova relação, demanda a elaboração de um marco regulatório que discipline a distribuição dos recursos para as empresas de comunicação locais com base em critérios técnicos e transparentes, bem como a criação de uma Rede Pública de Comunicação (RPC), agregando à Rádio Timbira, uma TV Pública, um Portal de Notícias Governamentais na internet (que não se confunde com o portal oficial do governo) e redes sociais. Essa Rede Pública produzirá e distribuirá informação governamental, além de desenvolver programação cultural relevante. Existem experiências similares nos Governos Estaduais de Pernambuco, Paraná e São Paulo. A Universidade Federal do Maranhão tem buscado implantar a TV UFMA, cuja liberação do canal por parte do Ministério de Comunicações enfrenta a morosidade do Governo Federal, aplicada quando o assunto não lhe é prioritário. A TV UFMA tem um potencial

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enorme para contribuir com a democratização das comunicações no nosso estado e também poderia integrar a RPC. A RPC poderia oportunizar uma interlocução direta entre o Governo e a sociedade. Ora na TV, ora nas rádios, ora na internet. Um momento ou um programa com o nome de ―Diálogos com o Governador‖ propiciaria resposta direta às demandas da sociedade, reduzindo assim o déficit de comunicação governamental e por fora da mídia dominante. O objetivo não é concorrer, mas democratizar. Entendo o conceito de rede pública para além dos componentes mencionados. Ela deverá constituir uma articulação com os meios de comunicação disponíveis em cada município, sobretudo, as rádios comunitárias. Já lembrou-nos o professor Carlos Agostinho13 quanto à imbricação entre Estado, mídia e oligarquia, reforçando a necessidade de construção dessa rede pública para romper com as atuais formas de relacionamento, caudatárias da herança maldita da oligarquia. REI MAL COROADO. Refletir sobre a alternância do poder, nos obriga a pensar sobre as consequências de quem nele permanece por mais tempo que o recomendável, se apequenando ante a História contemporânea, insaciável e desejoso de encarnar messianismos políticos. Quando me tornei pai, preocupava-me que meu filho crescesse em um Estado tal como eu, subjugado ao domínio de grupo político dirigido por uma família potente, a envergonhar nossa origem. Ninguém lembra que somos o Estado de Maria Aragão, Neiva Moreira, Jackson Lago, Manoel da Conceição, lembram apenas do Maranhão de Sarney, nisso não há orgulho possível. Em Repúblicas mais antigas ou democraticamente avançadas, os ex-presidentes exercem um papel de referência política e moral na sociedade, cuidam de suas fundações ou institutos, dão palestras, se Referimo-nos a tese ―Estado, mídia e oligarquia: poder público e meios de comunicação como suporte de um projeto político para o Maranhão‖, defendida no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e publicada na forma de livro. 13

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envolvem com organizações internacionais e adotam essa ou aquela bandeira relevante para a comunidade internacional ou para seus países de origem. Desconheço ex-presidentes que tenham persistido na arena política exercendo mandato como José Sarney. Casos equivalentes nos Estados Unidos, França, África do Sul ou mesmo na história recente do Brasil são raríssimos ou até inexistentes. A saída do mandato permite que a influência se mantenha pelo trabalho desenvolvido, pois os anos tendem a realçar o legado positivo do governo e o respeito à experiência também se consolida. A persistência, por outro lado, transforma a influência em apadrinhamento e tentativas de acobertar corrupção, os anos se tornam velhice decrépita e delirante, o legado negativo do governo aparece como marca indelével e referência permanente. O descrédito e os ataques crescem exponencialmente ao ponto de tornar o político uma figura andrajosa e repugnante a ser evitada. Ao se alcançar a mais alta magistratura pública (no sentido romano do termo), por coincidência, sorte ou voto popular, o foco não é mais permanecer indefinidamente no poder (escorregando para a ditadura), mas legar algo positivo que possa de fato ter contribuído para o enfrentamento e solução dos problemas do país. Após o mandato, o ex-presidente voltase para o trabalho de preservar a memória do feito, influir no debate público e representar a reserva moral do Estado-nação. A política com mandato não pode ser mais opção, há que se dar lugar para as novas gerações e assumir atuação mais livre das amarras dos partidos, das lealdades, paixões e jogos do poder. Aqueles quadros de José Sarney e família que os pintam em trajes monásticos ou sacerdotais não são mero capricho, como as veleidades artísticas de George Bush filho. Eles representam a visão particular do poder de seu titular, o poder como sacerdócio. Não o

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sacerdócio que religa as coisas terrestres às coisas celestes pelas chaves bíblicas, mas sim o sacerdócio egípcio, ou seja, aquele da mediação decisiva que escolhe os que exercerão ou não exercerão o poder naquela quadra histórica. A metáfora da política como casa de única porta, por onde se entra sem jamais vislumbrar saída se encaixa perfeitamente nessa concepção. Essa patologia do poder se explica pelo fato de José Sarney não ter sido eleito para a Presidência da República. Caiu ali por encarnar naquele momento a raposa maquiavélica como ninguém. Não ter sido eleito pesou para sempre em sua subjetividade, o que se materializou em luta infindável e infatigável por autoafirmação, reconhecimento e imortalidade, a qual o consumou em vida. Ignorou as consequências dessa busca como tão bem caracterizou Jorge Luís Borges no livro de contos ―O Aleph‖. José Sarney poderia ter sido registrado nos anais da História do Brasil como o homem da transição democrática, somente. Isso se aceitando a tradição de reconhecer o político por sua contribuição mais relevante no mais alto cargo exercido. Sua persistência patológica no poder, o fez ―um rei mal coroado‖, como na música de Geraldo Vandré e Geraldo Azevedo. Aquele rei cúpido prescinde do povo, o qual em última instância é quem decide delegar sua representação e poder original a outrem. Não é outra imagem, senão a daquele rei de SaintExupéry no livro ―O pequeno príncipe‖. Aquele que reina solitariamente sobre ninguém, mas se acredita governante universal. Alguém poderá arguir: apesar disso, rei. Roseana Sarney foi uma tentativa abortada e frustrada de sucessora. Sua frustração está no fato de que jamais obteve algo por mérito próprio, mas graças à intervenção paterna. Aquela resistência de Gilberto Gil a cantar Cálice pela opressão da figura paterna, nunca

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constrangeu Roseana. O caminho à Presidência da República virou picolé14, essa abortagem a fez descarregar sua patologia pelo poder no Palácio dos Leões, quatro mandatos arrancados a fogo dos maranhenses, dos adversários e das providências de nossa justiça eleitoral à la manière de Gregório de Matos. Essa patologia se exerceu sob as vistas impassíveis dos casebres no mangue em frente ao Palácio dos Leões, do outro lado do braço de mar. Foi o momento de maior delírio de José Sarney, se imaginou George Bush pai elegendo George Bush filho. Muitos estudos e pesquisas ainda necessitam ser produzidos para compreender a verdadeira consequência desse delírio para o Estado do Maranhão, sobretudo pelo tempo que durou, práticas incorporadas, despotismos instituídos e trajetórias ceifadas. Deixará saudades aos seus, especialmente aos que inventaram a anedota do visitante, contada a mim por amigo fraterno. O visitante chegado pela primeira vez a São Luís, olhando elevados e avenidas, dentre outras obras, pergunta ao seu anfitrião quem os fez. O anfitrião passeia por toda a cidade (Aeroporto ao Calhau) e a tudo responde: ―Roseana que fez!‖. O visitante pergunta se ela foi prefeita da cidade. O anfitrião mais orgulhoso ainda diz que não: ―Foi Governadora do Estado!‖. Essa realidade inventada e fantasiosa que fecha os olhos ao enriquecimento ilícito e ao localismo elitista do feito será seu legado desejado. O legado real deixa alguns rastros materiais e imateriais que são emblemáticos. Entre os materiais, a frase no Plenário da Assembleia Legislativa, a Fundação da Memória Republicana e a Fundação Nice Lobão. Entre os imateriais, a certeza da impunidade, a miséria dos intelectuais maranhenses e a história ensinada nas escolas.

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Cf. DÓRIA, Palmério. A candidata que virou picolé. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2002.

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A frase pertence a José Sarney ou a ele é atribuída: ―Não há democracia sem Parlamento livre‖. Fico pensando qual mente subserviente teve essa ideia. Gravar a frase de alguém que ainda vive, cujo poder se sustentou e se sustenta justamente nos jogos de bastidores, nas decisões de cúpula e no voto de cabresto. A frase é um acinte a própria Assembleia, sua permanência ali é testemunha muda, porém eloquente, do quanto à maioria de deputados estaduais bancada pelo grupo dominante local é obediente. São verdadeiros discípulos de Janjão que certamente não decepcionarão o pai, como no conto de Machado de Assis15. A

Fundação

da

Memória

Republicana

representou

a

transferência do patrimônio privado acumulado por José Sarney no exercício da Presidência e da vida pública (ninguém realmente sabe a natureza desse acervo) para o Governo do Estado. É como se Fernando Henrique Cardoso ou Lula da Silva transferissem seus Institutos ou Fundações aos Governos de São Paulo ou Pernambuco, se contassem com filhos governadores. A vergonhosa estatização significa que os Sarney não pensam em dispor de nenhum centavo de sua riqueza familiar acumulada ao longo de décadas ou depender do apoio de empresários. Essas opções foram descartadas ao passarem a conta para o povo maranhense pagar, a retirada do nome do Patrono da Fundação sequer os constrangeu. A Fundação Nice Lobão nasceu de um ato de inveja da então primeira dama do Governador Edson Lobão. Inveja da Fundação José Sarney e pequenez da busca por equiparação de uma sócia minoritária no jogo do poder. Em nome disso, criaram uma Escola sui generis no âmbito da rede estadual, cujo trabalho não pode ser acompanhado ou fiscalizado por ninguém, nem mesmo a Secretaria de Educação. A 15

Cf. Teoria do Medalhão In: ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.

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escola em si, o CINTRA, não representa qualquer inovação pedagógica ou curricular. É apenas um feudo a serviço de outra família potente, existe somente a dúvida de quem é o professor Raimundo da história. Nenhum dos Sarney, pai, filha e demais membros serão punidos. A impunidade é certa. Alguns questionarão a própria suposição de crime ou ilícito, afinal não existem provas, tão-só o fogo do ódio de seus adversários a alimentar calúnias. Os eventuais processos abertos ou arquivados não chegarão a termo, vide o processo de cassação de Roseana no Tribunal Regional Eleitoral. Vislumbro para José Sarney ou qualquer um dos seus, o mesmo fim do coronel Ramiro Bastos, de Jorge Amado16. Numa doce manhã de luz azulada não descerá para tomar a xícara de café. No dia seguinte, seu jornal e demais meios de comunicação convidarão para ―o enterro do inesquecível homem público, adversário leal e cidadão exemplar‖. Morrerá mandando, sem dúvida. Sua voz ainda ecoa no Tribunal de Contas da União (TCU), no Supremo Tribunal Federal (STF), no Senado Federal e nas urbes e campos do Maranhão e do Amapá, em uns de forma tênue e tremida, noutros com o mesmo tônus daquele jovem Governador que em 1965 prometeu libertar o Maranhão, escorando o medo em Alexandre Costa ou sendo justificado por Bandeira Tribuzi. Os intelectuais maranhenses estão imersos na miséria da oligarquia como categoria e única prática política local possível ou identificável. Se antes tudo se explicava por José Sarney, depois pela oligarquia e por último, pelas práticas oligárquicas, agora não há alternativa de organização política no Maranhão que não seja oligárquica ou tentativa de criar nova oligarquia. Os trabalhos publicados colocam isso em evidência, ruminam oligarquia e enxergam 16

Cf. AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela. São Paulo: Record, 2001.

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a história como repetição farsesca e infinita. O pensamento único só o é quando dos outros. Parece que a ―A lei de ferro da oligarquia‖ de Robert Michels assumiu caráter talmúdico para nossos intelectuais. Demorarão décadas para se recuperar da forçada saída de cena de José Sarney. Gerações de crianças maranhenses da rede pública foram ensinadas com o livro ―Terra das Palmeiras‖, ainda hoje em circulação. Nesse livro, só existem dois governadores: José Sarney e Roseana Sarney. Todas as décadas que separam 1965 e 1994 se resumem a poucas folhas sem atores políticos. Não há como reaver essas gerações ensinadas ou deseducadas, menos ainda, voltar atrás no tempo. Esse fato inoculou na alma maranhense a crença na superioridade, inteligência e prestígio dessa família, bem como, dos acertos de suas decisões com o consequente progresso que a elas seguiu-se. Mesmo sabendo que a baixíssima qualidade de nosso ensino público atrapalhou a eficácia desse livro, o ocorrido é inescapável. Reverter esse quadro levará no mínimo 12 anos, considerando-se o tempo da escolarização básica. Um governo eleito na perspectiva da mudança precisa catalogar e desconstruir de forma cuidadosa esse legado, não será tarefa fácil. Existem ações que para serem implementadas não necessitam estar inscritas no programa de governo, por serem verdadeiros imperativos éticos a se cumprir. Os herdeiros do grupo dominante tentarão impedir. Muitos deles concorreram nas eleições e foram eleitos. Nenhuma gota de constrangimento do peso desse legado evitará suas tentativas de atrapalhar o máximo que puderem a governabilidade estadual.

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Wavering Balance (1922), Paul Klee

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ALÉM DO HORIZONTE, OUTRO MARANHÃO


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ALÉM DO HORIZONTE, OUTRO MARANHÃO

Outubro foi o mês da esperança renovada, esperança rubra. Quem como eu, festejou a vitória de Jackson Lago dia 29 de outubro de 2006, um dos momentos cívicos mais emblemáticos da história do Maranhão, certamente, compreende em profundidade o significado da afirmação. Ainda hoje ouço depoimentos que testemunharam aquele dia como a libertação de um grito preso na garganta, milhares de vozes se soltaram como na canção de Gonzaguinha. Estávamos vivendo a libertação, a qual foi tão brutalmente interrompida dia 17 de abril de 2009 por um golpe pela via judiciária. Sonhos feneceram, realidades foram reinventadas. Passados cinco anos, a história continuou seu imprevisível curso. Eis que em 2014, uma nova conjuntura política favorece a candidatura do principal líder da oposição em detrimento das candidaturas do grupo dominante local. A estrutura implantada pelo domínio desse grupo deixou pesada herança, cujo preço finalmente lhe foi cobrado. A candidatura vitoriosa de Flávio Dino desde a largada da campanha eleitoral liderou em todas as pesquisas eleitorais. Construiu razoável consenso no campo da oposição e unificou os partidos mais importantes no seu apoio, carreando

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as lideranças mais expressivas. Pela primeira vez, o grupo dominante local se viu acossado por uma candidatura no front jurídico-eleitoral, na mobilização social, redes sociais, articulação política e na verbalização de um projeto político alternativo. Deixaram de pautar e passaram a ser pautados. Os direitos de resposta dessa candidatura obtidos da justiça eleitoral marcaram como brasa a arrogância da oligarquia liderada pelo senador José Sarney. A corrosão do governo de sua filha Roseana Sarney e a rejeição nacional a esse grupo foram verdadeira argamassa a tapar o sepulcro que cavaram para si. A derrota vindoura consumiu como câncer as entranhas desses podres poderes que se instalaram no aparelho de Estado, cuja voracidade lhes usurpou a sanidade e os escrúpulos. Nunca antes se expuseram e foram expostos como nessa conjuntura de 2014, suas contradições foram desnudadas pela violência dos fatos e pela incapacidade de governar para todos. Nem mesmo o Parvo no ―Auto da Barca do Inferno‖ de Gil Vicente teria feito trabalho similar. Aqueles que tanto pregaram o inferno dos outros, não alcançaram a graça de ninguém para lhes dar crédito pelos ditos e feitos. Ao colocarem as maiorias maranhenses sob a égide da miséria e da dependência dos favores políticos, obrigando-nos a optar entre eles ou a barbárie, acreditaram ter matado nossa esperança. Enganaram-se, a esperança é imortal. A eleição de 2014 tornou-se o julgamento final de suas culpas. A crermos no Sandman de Neil Gaiman, Desespero é uma senhora de pele fria e pegajosa que olha o mundo por detrás de cada espelho existente. Sua única atitude é autoflagelando-se, observar a agonia devorar a alma dos homens ante um presente desolador e inescapável, assassino do futuro. Desespero, impassível, acompanha os últimos dias da mais longeva oligarquia familiar do Brasil. Diariamente, como castelos de areia,

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se esboroam. Contudo, agonizar não significa morrer, jamais perderão toda e qualquer oportunidade de voltar ao poder, mesmo que queimem suas próprias almas para isso. Chamou-me a atenção durante essa campanha eleitoral, o quão empobrecido nosso estado se tornou. Espelho disso são os quadros políticos que se apresentaram; quase todos carregando em suas costas o fardo pesado de seus pais. Incapazes de legar um estado mais desenvolvido estavam explicitamente preocupados com a manutenção dos rendimentos familiares e a defesa dos próprios interesses. Lamentavelmente não temos cultura política suficientemente avançada, no sentido do exercício da cidadania, para vetar a eleição desses políticos. Muitos deles foram eleitos e funcionarão como verdadeiras âncoras a impedir que o navio do estado siga para porto mais próspero. Tive a satisfação de acompanhar a equipe dos Diálogos pelo Maranhão, semente-movimento da candidatura da oposição liderada por Flávio Dino, pequena contribuição, apesar do desejo de que ela fosse maior. Registro o trabalho da historiadora Lígia Teixeira, a quem acompanhei em alguns municípios do nosso estado. Colhemos subsídios para a elaboração do programa de governo dessa candidatura. Inúmeras reuniões, plenárias e debates seguiram-se até o dia da divulgação do programa, destaco também o trabalho de coordenação de Egberto Magno. O programa saiu antes dos demais candidatos, com qualidade e consistência incomuns. Milhares contribuíram e uma equipe excelente trabalhou de forma intensiva para que a campanha cumprisse com seu objetivo. O candidato vitorioso se comprometeu com metas concretas e claras, assumindo o enfrentamento de problemas cruciais do Estado, entre eles, o abastecimento de água, a segurança pública, o acesso à educação técnica e ao ensino superior, o combate à corrupção e o aumento do número de médicos. Não são promessas usuais em tempo quente de

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política, embaladas em invenções, abstrações e vazios verbais. Na verdade, o programa de governo apresentado é um conjunto de compromissos lastreados em dedicada análise conjuntural e estrutural do Maranhão. Flávio Dino se manteve firme catalisador da esperança dos maranhenses. Não se pode esquecer que acima ou para além dos cargos e das trajetórias está o humano, cuja completude e verdade se encontram no outro. Essa humanidade é que faz identificar-me, reconhecer-me no outro, confiar e caminhar junto. Não comungo da opinião dos vezeiros da mesmice que entendem não haver nada de novo sob o sol e que todos na política se tornam iguais. Esperanço que Flávio Dino como Governador do Estado do Maranhão iniciará o longo trabalho de abrir outro caminho para as gerações vindouras. A direção a ser tomada está clara, diferentemente da pintura de Paul Klee, não há indecisão ou confusão. Nesse horizonte, nossos filhos crescerão e poderão herdar terra diferente daquela que sobrevivemos hoje. A desigualdade terá se tornado insignificante. A educação será a chave das portas, não mais o sobrenome ou a corrupção. Não nos olharão com pena de ser o estado desta ou daquela família, enxergando-nos como escravos ou servos de alguns. Sairemos para voltar e plantar outros amanhãs, não mais cortar as canas da cachaça cotidiana e perder-se nas balas dos capitães-do-mato deste século. As procissões serão exclusivamente religiosas, não mais em busca de educação ou saúde. O interior se tornará a beleza realizada, não mais a escandalizada dos jornais ou a extraviada nas poeiras das passagens pelos exercícios de caos. O ó não será mais uma marca de sentada no chão, mas a letra nos papéis dos sujeitos da história que escreverão seu tempo. Não seremos somente a terra de Gonçalves Dias ou a Athenas de nunca, mas o lugar em que a ciência e a tecnologia superaram a pobreza e fizeram brotar mentes inventivas e inquietas na construção de um mundo melhor. As casas de taipa ou as palafitas das marés serão peças de exposições, não mais a

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afirmação frontal da ineficácia das políticas públicas e da indiferença dos governantes. O Maranhão precisa ser passado a limpo, só assim esse futuro augurado poderá concretizar-se. A figura jurídica da ―devassa‖ existente no direito colonial português faz todo o sentido na situação atual. É indispensável que o povo saiba se os atuais governantes exerceram bem suas funções, cumpriram prazos, zelaram pelos recursos públicos, praticaram corrupção, favoreceram grupos determinados, negligenciaram responsabilidades ou utilizaram-se do poder de maneira arbitrária. As contas públicas do atual governo são verdadeiro buraco negro, cujo acesso, auditoria e publicidade representarão o mais alto serviço público prestado ao povo nos últimos 50 anos, a ser editado, publicado e distribuído a todos os maranhenses. O outro Maranhão que está por se fazer demandará trabalho colossal. Rijos combates. Ignacio Rangel diria que somente bravura e inteligência poderão tornar-nos vencedores. O caminho dessa vitória, passa pela utilização de nossos recursos e pelo desenvolvimento do potencial existente, afirmaria Bandeira Tribuzi. Essa é a opção impositiva. Romper a contradição entre território rico e povo empobrecido será fruto do encontro prático com a realidade, Manoel da Conceição concluiria. A manhã precisa da noite para ser tecida. A noite do dia 5 de outubro de 2014 estava vestida de esperança viva. O amanhã deixou de ser tão distante. A manhã do dia 6 de outubro de 2014 foi de alegria, a alegria que outro caminho nos brinda, sentimento que só a Ode à Alegria de Beethoven pôde captar. Todos os homens e mulheres se irmanaram celebrando a mudança, com beijos e vinho, como o herói diante da vitória e ébrios desse fogo, se abraçaram. As perspectivas em relação ao Governo Flávio Dino (2015-2018) são muitas, a mais relevante é que cumpra o Programa de Governo delineado

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para os próximos 4 anos. A expectativa é que a concretização das ações previstas efetivamente contribua para reduzir a dependência dos maranhenses em relação ao Estado, renove a elite política local, resgate o Maranhão do extravio e fortaleça a cidadania pela gestação de outra cultura política que torne nosso Estado verdadeiramente republicano. Entre os desafios para cumprir essa expectativa estão: a criação de burocracia profissional no serviço público estadual; gerir o aparelho estatal, ainda baseado em cargos comissionados ou funcionários em desvio de função; gastar de forma eficiente, eficaz e efetiva os recursos disponíveis; instituir cultura de transparência no trato com a coisa pública; criar fontes alternativas para o financiamento das ações governamentais; estabelecer relação de parceria e apoio junto ao Governo Federal; estabelecer relação de parceria e apoio junto as Prefeituras e melhorar a qualidade de vida e seus indicadores mais relevantes nos municípios pior colocados nos rankings nacionais. Na quadra que inicia, mais do que nunca, aqueles que receberam a responsabilidade

de

governar

precisam

ter

generosidade

pura,

solidariedade espontânea e desinteressada, as quais nos falava Neiva Moreira. Só assim o Maranhão poderá ser reorientado para um caminho de desenvolvimento com justiça social ainda neste século, firmando-se como o gigante desperto de Gonçalves Dias.

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POSFÁCIO – A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney Egberto Magno*

Sob a primeira Constituição republicana brasileira (1891) se formou um modus operandi no sistema político brasileiro baseado no predomínio do governo central em relação aos governos estaduais. Por sua vez, cabia aos governos dos estados referendarem o poder central em suas decisões político-administrativas. A presidência da República significava o grande prêmio da política do país e a viabilização deste ou daquele nome em seu comando dependia, fundamentalmente, dos acordos entre as lideranças políticas situacionistas, cujo regente era o presidente no exercício do cargo. Desse modo, a cada quatro anos vivia-se intensa agitação política no Brasil, já que a eleição presidencial se dava nesse quadriênio. Feitos os acordos entre as elites políticas regionais, praticamente já estava selado o destino político da Nação, haja vista que os governos dos estados detinham força e poder para comandar as eleições, manipulando os resultados, para emoldurá-los aos planos traçados na fase pré-eleitoral. A contrapartida aos *

Bacharel em Direito e em História, foi da Coordenação do Programa de Governo de Flávio Dino e é dirigente do PCdoB/MA.

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chefes políticos estaduais se dava com a legitimação de sua política, vale dizer, de sua relativa autonomia em relação às contendas entre as elites políticas em cada estado. Foi assim que se conformou a chamada Política dos Governadores. O Brasil desse período é caracterizado, assim, pela força política dos latifundiários, ou seja, os chefes políticos nos estados. Essa dinâmica vai, ao longo das três primeiras décadas do século XX, conformando uma massa crítica no próprio seio das elites latifundiárias, pois se cristalizou o revezamento de presidentes originários de São Paulo e Minas Gerais, fase republicana conhecida como política do ―Café com leite‖. Mas essa insatisfação, se por um lado significava o esgotamento de um modelo que colocava as elites políticas do nordeste como subalternas à dobradinha São Paulo-Minas Gerais, por outro, garantia a essas elites a confortável situação de, estando com o controle da máquina política estadual, manejar, ao seu sabor, as forças políticas locais, principalmente os coronéis, líderes políticos dos municípios e vilas do interior do nordeste brasileiro. Portanto, a Política dos Governadores funcionava com base na triangulação poder central-poder estadual-poder local, lógica assentada numa dinâmica econômica cuja natureza era essencialmente conservadora, já que o país manteve inalterado, por todos esses anos, o modelo agroexportador, com domínio de grandes terras sob o manto dos latifundiários, travando o liberalismo econômico, exigência das classes produtoras mais desenvolvidas do ponto de vista produtivo, vale dizer, principalmente, da já relativamente avançada indústria paulista. É nesse contexto que aflora a necessidade de abertura burguesa na perspectiva de superação do modelo agroexportador, sendo, assim, uma exigência objetiva para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais em contraposição a um país atrasado sob o prisma econômico, já que o

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latifúndio era o elemento fundamental do motor econômico e social naquela quadra. Em boa monta, o Maranhão parou no tempo: as suas elites políticas não perceberam o quão importante era fazer com que o estado acompanhasse as mutações econômicas pós-30; a esperança de que isto viesse a ocorrer, com a eleição de José Sarney em 1965 se revelou uma furada: houve tão somente a substituição de oligarquias, mantendo-se a mesma dinâmica conservadora, patrimonialista, coronelista. Sem cair no determinismo que impede que enxerguemos as demais nuances dos processos sociais, é incontornável dizer que o componente econômico dessa discussão aflora como (o) aspecto central, pois, ―uma das urgências a ser enfrentada por esse projeto é a consolidação de outra economia para além dos grandes enclaves econômicos‖. Em grande sentido, o debate empreendido por Jhonatan Almada em ―A alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pósSarney‖ resgata essa trajetória da oligarquia em nosso estado. Refere-se ao grupo oligárquico como ―vazio dele mesmo‖, para constatar que ―Nada mais contraditório do que dizer que esse projeto é pautado no planejamento, posto que a inexistência ou a efemeridade de planejamento mais lhes caracterize‖. Por outro lado, Almada lança luzes à compreensão do atual momento histórico, sobretudo em relação ao que surge das urnas com a eleição de Flavio Dino governador na eleição de 2014, instante no qual coloca a conformação de aliança das forças oposicionistas heterogêneas como fator determinante à vitória anti-oligárquica. Como se pode perceber, Almada consegue transpor algo não muito comum no seio acadêmico, trazendo para o contexto da realidade o debate teórico: ―As estratégias dos capitães hereditários do Maranhão continuam as mesmas: utilização de pesquisas manipuladas (...); busca constante de novos Reis Pacheco (...); apresentação de mais um de seus filhos na disputa

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eleitoral como algo legítimo e imposto pelo destino genético (...)‖. Por isso a necessidade da renovação da ―elite política‖ com novos quadros, não para manter as coisas como estão, mas para subvertê-las. Não é exagero dizer que Michel Foucault compareceu ao texto, e o mais inusitado, ao lado de Victor Nunes Leal: depois de realçar o papel do Município como o elo central na constituição da cadeia de dominação oligárquica que impede o seu desenvolvimento social e econômico, Almada acentua que o poder da oligarquia tem no município o núcleo central a se articular com células de dominação (Aqui está Foucault e sua Microfísica do Poder). ―Essa articulação institui uma prática de relação indireta com a população local baseada no vil metal (olha o Nunes Leal com o Coronelismo, enxada e voto)‖. Transpor as barreiras a um novo padrão relacional entre os entes federativos, particularmente entre o Estado e os Municípios, e o deslocamento do olhar governamental para o adensamento das cadeias produtivas fora do eixo dos ―grandes projetos‖ na perspectiva de superação do modelo de dominação implica no envolvimento dos ―agentes sociais‖ e no empoderamento de ―novos atores‖. Esse envolvimento não pode de circunscrever à retórica, pura e simples, dos movimentos sociais. É necessário, antes de tudo, que haja o desencadeamento de um processo de educação política da população: eis aqui importante postulado do autor. No esforço por compreender a essência e o significado mais profundo que o Maranhão vive com a chegada das forças políticas antioligárquicas ao governo do estado, Jhonatan Almada critica certas visões que não percebem que vivemos, de fato, um agudizado momento de superação da política oligárquica e seu patrimonialismo, interpretações ―que só veem mudanças intraoligárquicas ou mudanças com práticas oligárquicas‖.

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Que semelhança há entre os brioches que a francesa rainha Maria Antonieta queria oferecer aos famintos que protestavam em frente ao palácio, o Baile oferecido pela Monarquia na Ilha Fiscal no Rio de Janeiro pouco antes da proclamação da República e as festas suntuosas na Casa de Veraneio e comidas requintadas do Palácio dos Leões? Revelam a insensibilidade de uma elite que, aferrada ao poder por tanto tempo, não consegue enxergar a realidade em sua volta: ―A grande virada de um governo da mudança é cortar radicalmente o conjunto de luxos e privilégios (...)‖. Dois episódios recentes ilustram bem duas situações/perspectivas diferentes: depois de ter jurado fidelidade canina à presidenta Dilma Rousseff, o senador José Sarney foi pego votando em Aécio Neves. Dias depois, em entrevista ao jornalista e blogueiro da Uol, Fernando Rodrigues, o governador eleito, Flávio Dino, disse pretender fazer a revolução burguesa no Maranhão. O ato vingativo do ex-presidente expressa o esgarçamento do tipo de relação que permitiu que a família Sarney dominasse a seara política maranhense por tanto tempo, ou seja, o real entrosamento entre o poder central e os coronéis estaduais. A Revolução de 1930 iniciou a superação desse padrão de relação, mas isso não chegou ao Maranhão, daí o caráter republicano do momento atual. A entrevista de Flávio Dino deixa claro que ele pretende superar o modelo econômico de nosso estado através do desenvolvimento das forças produtivas. Está ai a chave para que entendamos melhor o alcance do que Almada diz em ―A alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pós-Sarney‖, ao se reportar às benesses de que a oligarquia desfruta do poder público: ―É mais fácil do que empreender o próprio negócio na selva capitalista ou passar em concurso público, pois sempre fica a esperança de empregarem os seus filhos no Estado ou elegerem-nos para algum mandato‖. Até nisso Almada

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imerge em profundidade: a ética sobre a qual nos falava Max Weber, sobre o espírito do capitalismo.

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O AUTOR

Jhonatan Uelson Pereira Sousa de Almada (Jhonatan Almada) é Historiador e Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de carreira, atualmente trabalhando na Pró-Reitoria de Ensino da UFMA. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Especialista em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialista em Formação Política e Políticas Públicas pela EFG/MA e Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Licenciado em História pela Uema. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas de Políticas Educacionais do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMA. Integra o Fórum Internacional de Política e Administração da Educação (INTEREDUC). Secretário da seção Maranhão da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae). Sócio fundador e primeiro secretário do Instituto Jackson Lago (IJL). Foi Chefe de Gabinete do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (Imesc), órgão vinculado a Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado durante o Governo Jackson Lago (2007-2009), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), secretário do Conselho de Administração do Imesc e Chefe de Gabinete da Pró-Reitoria de Ensino da UFMA (2014). Publicou, como co-autor, os livros ―Governo Jackson: o legado‖ (Instituto Jackson Lago, 2014) e ―Aspirações da Sociedade no Maranhão nas 19 Regiões do Estado em 2007‖ (Imesc/Seplan, 2007); e como organizador e co-autor, os livros ―Ignacio Rangel, decifrador do Brasil‖ (Edufma, 2014), ―Palavra de Jackson‖ (Instituto Jackson Lago, 2014), ―Democratização e

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educação pública: sendas e veredas‖ (Edufma, 2011), ―Políticas Educacionais na América Latina e no Brasil contemporâneo: fundamentos, programas e pesquisas‖ (Edufma, 2011), ―Um Planejamento que Marca Caminhos‖ (Imesc, 2008) e ―A Singularidade do Pensamento de Ignacio Rangel‖ (Imesc, 2008). Tem experiência na área de Políticas Públicas, Planejamento e Educação, com ênfase em Política e Planejamento Educacional, Financiamento da Educação, Políticas Públicas de Educação e as relações entre Educação e Desenvolvimento.

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É, na prática, um poderoso exercício de GRANDE POLÍTICA, colocar no centro do processo a criação de um ambiente propício e capaz de gerar empregos suficientes para transformar o aparelho estatal em algo única e exclusivamente voltado à administração de grandes projetos de cunho social e inclusivo. Elias Jabbour (Professor Adjunto da UERJ)

Neste livro encontraremos subsídios para compreender com nitidez o mais recente capítulo da história política do Maranhão, tão marcado por sutilezas e complexidades nem sempre lavadas à conhecimento do grande público. Jhonatan Almada mostra que os historiadores, mais do que ―desengavetadores‖ de acontecimentos empoeirados e distantes no tempo, são mesmo fascinados pelo desafio de compreender a atualidade. Lígia Teixeira (Historiadora)

Almada lança luzes à compreensão do atual momento histórico, sobretudo em relação ao que surge das urnas com a eleição de Flavio Dino governador na eleição de 2014, instante no qual coloca a conformação de aliança das forças oposicionistas heterogêneas como fator determinante à vitória antioligárquica. Egberto Magno (Dirigente do PCdoB/MA)

As perspectivas são animadoras, livros como o seu, trazem a esperança de que a luta em torno da prevalência das ideias conseguirão demolir as velhas estruturas que serão substituídas por novas formas de participação, de controle e de fiscalização, do orçamento público, da dívida pública e sobretudo dos investimento que deverão vir para dar sustentabilidade a uma jeito inovado de gestão pública comprometido realmente com o desenvolvimento sustentável de nossa gente. Josemar Pinheiro (Advogado)

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