John Huss - Vida e Legado

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JOHN HUSS Vida e legado


PREFÁCIO Ler biografias sempre é algo estimulante. É surpreendente aprender da vida de homens comuns que Deus soberanamente usou para proclamar o antigo evangelho. Neste livro o Rev. Jimmy nos presenteou com o relato da vida de John Huss, um texto em linguagem acessível e rico em detalhes, que revela a mão invisível da providência divina na vida deste servo do Senhor, através dos movimentos da história. Há poucas, e no caso de alguns personagens da história do período antecedente à Reforma, nenhuma biografia. Por isso, esta é bem recebida em seu pioneirismo. Desejo que outros destes textos venham aclarando a história, informando a riqueza do legado deixado por estes homens, e acima de tudo, nos desafiando a confiar no Deus que usa homens comuns, que desejam servir fielmente o seu reino. Infelizmente, por vezes historiadores e teólogos, mencionam Huss apenas como um personagem transitório de menor importância. Esse descuido é um prejuízo. O texto é proveitoso para leitores que apreciam história, e especificamente, o contexto preparatório para a Reforma protestante. Somente uma atenta pesquisa produz percepções de detalhes e das relações das ideias humanistas, que fomentaram o descontentamento naquele momento preparatório que culminaria na Reforma. A precisão descritiva

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dos fatos, bem como, a lucidez com que o autor expõe, ajuda-nos a entender a complexa situação dos dias de Huss. Lendo história, geralmente, cometemos o infortúnio de não entender as dificuldades enfrentadas, simplesmente por ignorarmos detalhes chaves, que movem todo o processo histórico. Nisto estamos em dívida com o autor. É com grata alegria que recomendo a leitura deste livro. Estudantes de teologia, entre eles pastores, seminaristas, historiadores, e leitores atentos, certamente terão proveito com as suas informações. Rev. Ewerton B. Tokashiki Pastor da IP de Porto Velho e Secretário do Supremo Concílio da IPB.

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Majestosamente edificado entre duas importantes igrejas católicas na cidade de Praga, hoje capital da República Tcheca, está um monumento erigido em 1915 em homenagem aos 500 anos da morte de John Huss. A estátua do homem que morreu na fogueira com a alcunha de ser um grande e perigoso ‘herege’ repousa à sombra da Catedral, de estilo gótico, e da Igreja de São Nicolau, de estilo barroco. 04


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A BOÊMIA NOS TEMPOS DE JOHN HUSS.

Os historiadores dizem que a condição moral da cidade de Praga era deplorável. E todos os habitantes, tanto reis, como nobres, o clero e os demais cidadãos gozavam de toda sorte de males como embriaguez, jogatina, prostituição, avareza e outros pecados. Por outro lado, o povo boêmio sempre teve um espírito livre e tradicionalmente buscou liberdade em sua expressão religiosa. Em 1375, alguns nobres apelaram ao Rei Carlos pedindo que este convocasse um Concílio para discutir abusos que haviam se introduzido na Igreja. O Rei, não sabendo como reagir, pediu conselho ao Papa, que respondeu determinando castigo severo aos ‘hereges’. A perseguição que se seguiu não foi capaz de apagar uma chama que estava apenas começando a arder naquele lugar. O drama da Reforma se iniciou na Boêmia e não na Alemanha, fazendo dessa região um lugar de heróis protestantes mesmo antes do século XVI. No final do século XIV, os escritos de Wycliffe entraram na região por vários meios, desencadeados pelo casamento do Rei Ricardo I, da Inglaterra, com Ana, irmã do Rei da Boêmia. Ela era uma mulher reconhecidamente piedosa, e estudava as Escrituras Sagradas com dedicação. Quando o referido Rei veio

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a falecer, a Rainha retornou não só com muitos serviçais, mas também com escritos do teólogo de Oxford na bagagem. Por volta de 1400, Jerônimo de Praga voltou da Inglaterra trazendo uma série de escritos de Wycliffe, que mais tarde se tornaria destacado líder reformista. A influência do pré-reformador inglês nas regiões da Boêmia e Morávia foi penetrante e muitos foram os seguidores entre o clero, os nobres e a população mais comum. Alguns historiadores chegam a dizer que tal influência foi até maior do que na Inglaterra. Dentro da igreja o impacto foi marcante no baixo clero, geralmente de origem eslava e mais ligado ao povo. Ao contrário dos bispos e poderosos abades, que eram germânicos, pomposos e contrários a ideias reformistas. E em 1404, dois teólogos vindos da Inglaterra chegaram em Praga causando grande comoção com seus sentimentos anti papais. Os seus nomes eram James e Conrad de Canterbury, que hospedados na casa de um homem chamado Lucas Welensky, pintaram um afresco representando a diferença entre a paixão de Cristo e a pompa da corte papal. A pintura mostrava Jesus entrando em Jerusalém montado em um jumentinho, em contraste com um Papa luxuosamente adornado e montado em um belo cavalo ajaezado, além de trombetas anunciando sua passagem e uma comitiva de bispos e cardeais o seguindo. Uma multidão foi atraída para ver a pintura, inclusive um jovem sarcedote e acadêmico já famoso, to próprio John Huss. Todas essas informações nos fazem ver que, longe de

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ser apenas um movimento de ‘hereges isolados’, a busca pela reforma na Boêmia era um movimento nacional onde territórios inteiros estavam envolvidos.

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A vida E MINISTério.

A data de nascimento de John Huss é incerta. Os historiadores a colocam entre os anos de 1368 e 1373, na cidade de Husinec. Não nasceu em uma família abastada e seu pai morreu quando ele ainda era jovem. Terminados os estudos na escola provincial, sua mãe o levou para Praga a fim de estudar na Universidade local, para garantir-lhe melhor futuro. Ainda nos primeiros anos de estudo, vemos um John Huss devoto ao papado, já que em 1393 compareceu à confissão na Igreja de São Pedro, no ano do jubileu de Praga. Lá deixou a última moeda que lhe restava na oportunidade ao confessor romano e seguiu a procissão que aconteceu em seguida. [John Huss, mais tarde, claramente disse no púlpito da igreja que se arrependia desse momento]. Sua vida acadêmica foi brilhante e sua sabedoria o fez vencer todos os que se colocaram contra ele. Em 1394 completou seus estudos em teologia e em 1396 recebeu o grau de mestre. Dois anos depois, começou a lecionar na Universidade com grande destaque. A atmosfera daquela universidade era favorável às mudanças na Igreja de Roma. Terminados os seus estudos e já como professor na Universidade de Praga, entrou na Igreja e foi ordenado no ano de 1400. Huss era enfático ao

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denunciar os abusos que prevaleciam na Igreja e na sociedade. Suas habilidades na oratória o fizeram pregador disputado. Tanto que sua fama chegou ao palácio real onde o Rei Venceslau e sua Rainha Sofia, muito o favoreciam. A Rainha, inclusive, o fez confessor particular. Em Praga havia uma capela construída em 1392 por um cidadão chamado Mulhamio, era a Capela de Belém. Ela tinha algumas distinções importantes: no púlpito se pregava na língua do povo, o próprio rei patrocinava a sua manutenção, e ela era livre da influência do arcebispo ou de qualquer ordem religiosa. Era livre para que da sua tribuna fossem lidos escritos reformistas de diversos pregadores. Huss assumiu a pregação na citada igreja no ano de 1402 e rapidamente entrou em conflito com todas as classes de pessoas que residiam em Praga. Ele pregava em tcheco utilizando as Escrituras Sagradas, e embora isso tenha desagradado a muitas pessoas, o casal real o privilegiava e lhe dava respaldo. Livre dos atos pastorais e das práticas litúrgicas, John Huss se envolvia no estudo da Bíblia e em ensiná-la, pregando praticamente todos os dias. Sua audiência crescia a cada dia e multidões vinham para escutá-lo. Ainda em 1402, assumiu a reitoria da Universidade, e já não escondia sua admiração aos escritos e ideias de Wycliffe. A Universidade veio a dividir-se em duas facções, uma formada por boêmios que apoiava os escritos de Wycliffe e outra alemã que os condenava. Anos mais tarde, os alemães saíram de Praga e criaram a Universidade de Leipzig, alegando que Huss havia corrompido a instituição. O que não

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deixava de retratar a realidade, porque em 1403, Huss protestou contra o Conselho da cidade, quando este condenou os “24 artigos de John Wycliffe”. A pregação de John Huss era clara com relação à autoridade das Escrituras Sagradas. Ele dizia claramente que o Papa ou os Concílios não tinham autoridade acima dela. Ao proferir tais palavras, ele passou a trilhar a estrada do protestantismo, mesmo um século antes dele surgir. Em 1405, o Papa Inocêncio VII (um dos três ‘papas’ que disputavam poder na época, no que ficou conhecido como “grande cisma ocidental) determinou que o bispo de Praga, Zbyněk, fizesse todo o possível para acabar com a “heresia de Wycliffe” na sua sé. Assim, o bom relacionamento entre o bispo e Huss acabou. Zbyněk havia feito de Huss pregador sinodal, mas, ao receber a ordem do Papa, o destituiu do cargo e o proibiu de pregar nas ruas e nos campos. Em 1409 o Papa Alexandre V ordenou ao arcebispo de Praga que queimasse os livros de Wycliffe que encontrasse. Mais de 200 volumes foram reunidos e queimados em praça pública enquanto os sinos das igrejas ressoavam. Os donos desses livros eram membros da nobreza e homens de alta posição. Ficava claro o quanto o os pensamentos do reformador inglês haviam se infiltrado no centro europeu. Além disso, Zbyněk informou ao Papa que Huss era “um pregador errôneo e escandaloso, contrário à Madre Igreja e desviante da fé”. Em 1410, o sucessor de Alexandre V, João XXIII (considerado pela Igreja Romana como um antipapa), também proibiu Huss de pregar. Nas

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duas ocasiões citadas acima o povo de Praga saiu às ruas em tumultos e protestos. Huss foi convocado para comparecer a uma audiência em Roma, para explicar suas posições. Mas ele não foi. O Rei, os nobres e os doutores da Universidade rogaram ao Papa que ele se fizesse representado por um advogado e assim se sucedeu. No entanto, Huss foi condenado e a cidade de Praga foi interditada. Na prática, isso significava que nenhum serviço religioso poderia ser celebrado pelos sacerdotes. Em 1411, o mesmo Papa João XXIII entrou em guerra (que ele chamou de cruzada) contra o Rei Ladislau, de Nápolis, e ofereceu perdão e indulgências a todos que se juntassem ao seu exército. Huss se posicionou fortemente contra tal atitude e pregou até que os enviados do papa à Boêmia para recrutar pessoas foram rechaçados. Isso enfureceu ainda mais o papa contra ele. Por esse tempo Huss já tinha outro inimigo declarado, agora dentro da Universidade de Praga, um certo Štěpán Pálěc, que, antes amigo e companheiro como professor, se tornou perseguidor e um dos acusadores durante o julgamento no Concílio de Constança. [nos últimos dias de vida de Huss, quando este já estava preso numa masmorra, eles se reconciliaram em meio a lágrimas e Pálěc implorou para que Huss voltasse atrás nas suas opiniões e se livrasse da fogueira]. Uma das mais fortes bandeiras de crítica do papado usadas por Huss foi o fato de que na sua época três “papas” advogavam direito à liderança da Igreja Romana ao mesmo tempo. Comentando sobre isso,

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Huss escreveu: “se temos que obedecer, a quem a nossa obediência deve ser paga? Temos que obedecer a Baltazar Cossa, chamado João XXIII, em Bolonha; Angelo Corario, chamado Gregório XII, que está em Rimini; ou a Pedro de Lune, que se chama Bento XII, e está em Aragão? Se todos os três são infalíveis, por que seu testemunho não concorda? Se apenas um deles é o Santíssimo Padre, por que é que não podemos distingui-lo do resto?”

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O julgamento e condenação.

John Huss foi convocado a comparecer ao Concílio de Constança e confiando se dirigiu aquela cidade em um salvo-conduto expedido pelo Imperador Sigismundo, soberano do Santo Império Romano-Germânico. Enquanto se encaminhava para Constança Huss era saudado pelas estradas e ruas das cidades, tamanha era a admiração do povo. Isso lhe causou tanto espanto que chegou a dizer: “Pensava eu que era um proscrito. Agora vejo que meus piores inimigos estão na Boêmia”. John Huss chegou na cidade de Constança em novembro de 1414 e estava acompanhado de alguns nobres amigos. O Concílio não reconheceu o salvoconduto, publicando um decreto dizendo que com hereges não se deveria guardar a palavra. De pronto foi preso e levado para o calabouço do mosteiro dos frades de capuz negro. Foi-lhe proibido ter advogado na causa, pois diziam que um herege não poderia ter um defensor. Pálěc (citado acima) e Miguel de Cassis foram seus acusadores e redigiram os artigos que foram apresentados aos prelados do Concílio. Formalmente, sua acusação consistia de dois crimes: o primeiro, de crer nas doutrinas de Wycliffe; e o segundo, de ter se infectado com a “lepra” dos valdenses. Huss ia ser julgado mesmo sem ser ouvido pelo Concílio, mas nobres da Boêmia

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e Polônia protestaram intensamente e conseguiram que pelo menos ele não fosse julgado de forma sumária. Quando foi dada a oportunidade de defender-se, apelou para as Escrituras Sagradas, mas foi interrompido por um tumulto de escárnios e zombarias. Em umas das sessões, Huss reconheceu que havia dito que Wycliffe era um verdadeiro crente e que gostaria de encontrar-se com ele na glória, onde o inglês já estaria. Os padres reagiram a essa afirmação com uma gargalhada. Durante a sua prisão, escreveu várias obras: Tratado sobre os 10 mandamentos, Oração do Pai Nosso, Os pecados mortais, e uma obra sobre o casamento. Em março de 1415 Huss foi transferido para o Convento Dominicano, onde ficou até o dia da sua morte. No dia 04 de maio de 1415, o Concílio condenou os escritos de Wycliffe como heresias e Huss, da mesma forma, foi citado porque seus erros e heresias eram praticamente os mesmos do inglês. Em 06 de julho do mesmo ano, o dia marcado para a sua morte, uma grande multidão de pessoas se aglomerava para testemunhar o espetáculo. O Arcebispo de Riga foi buscar Huss na prisão para trazer à presença do Conselho. Esta sessão derradeira se deu na Catedral. Quando chegaram, uma missa estava sendo celebrada e Huss foi obrigado a ficar de fora da Igreja, no pórtico, porque poderia profanar a celebração por ser um “herege”. Em seguida, Huss foi colocado em uma cadeira que estava elevada por um pedestal. O bispo de Lodi proferiu um sermão no texto de Paulo aos Romanos,

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“que o corpo do pecado seja destruído” (Rm. 6.6). As acusações, o depoimento das testemunhas e a sentença foram lidos novamente. Ao final, Huss se recusou a abjurar suas opiniões, e quando foi lhe dada à última oportunidade de falar na plenária lembrou que veio ao Concílio de livre e espontânea vontade e desviando o olhar diretamente para o Imperador disse: “vim para este Concílio confiando na boa vontade do Imperador”. Os historiadores dizem que nessa hora o Imperador ficou vermelho. O Concílio, então, vestiu Huss com roupas sacerdotais e foi-lhe entregue nas mãos um cálice, como se ele estivesse prestes a celebrar a missa. Nesse momento alguém o perguntou se estava disposto a renunciar, a que respondeu: “com que cara eu deveria contemplar os céus? Como devo olhar para a multidão de homens a quem tenho pregado o evangelho puro? Não! Estimo a salvação muito mais do que este corpo, que agora foi designado a morrer.” Com a resposta, alguém lhe tira das mãos o cálice e diz: “Ó maldito Judas, que tendo abandonado o conselho da paz, entraste no dos judeus. Nós tiramos de você o cálice de Cristo”. Huss respondeu: “Espero, pela misericórdia de Deus, que no dia de hoje eu possa beber do Seu próprio copo em Seu Reino; e em cem anos você deverá responder diante de Deus e diante de mim”. Os sete bispos que estavam presentes se puseram a tirar as roupas sacerdotais de Huss, representando seu despojamento. Por fim, colocaram uma mitra de papel, um tipo de chapéu em forma piramidal, com desenhos de demônios pintados e com as palavras

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“Arco-Heretic” (Líder dos Hereges) bem na frente. Um dos sacerdotes, então, o amaldiçoou, “Agora, nós entregamos sua alma ao Diabo”. Huss respondeu, “Agora entrego o meu espírito nas tuas mãos, ó Senhor Jesus, pois tu tens me remido”. O Concílio, entregando Huss ao poder civil, decretou: “Este homem, John Huss, que não tem mais qualquer negócio ou parte na Igreja de Deus, entregamos contigo, para julgamento civil”. Se dirigindo ao Rei Sigismundo, o bispo de Lodi disse: “pertence-vos o alto cargo de destruir as heresias e cismas, e com especialidade os obstinados hereges”. Uma comitiva de bispos, padres e soldados que chegava a quase 800 homens acompanhava John Huss no seu caminho à foqueira. Ao passar em frente ao palácio, viu seus livros e escritos sendo queimados em uma grande pilha. Um homem chamado Poggius Florentini, que entregou a intimação para que John Huss comparecesse ao Concílio de Constança, e foi um dos membros votantes do mesmo, escreveu duas cartas para um amigo onde detalhou os últimos momentos do pré-reformador boêmio. Poggius relatou o seguinte sobre esse momento: “ele chegou até a estaca olhando para ela sem medo. Ele subiu nela depois que dois assistentes do carrasco haviam rasgado suas roupas... Naquele momento, um dos eleitores, o príncipe Ludwin do Palatinado, subiu e implorou que Huss voltasse atrás, para que fosse poupado das chamas. Mas Huss respondeu: “De que erros eu devo renunciar, não me vejo culpado de nenhum. Invoco a Deus que tudo o

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que escrevi e preguei foi a fim de livrar as almas do inferno e da perdição”. E completou, já amarrado a estaca por cordas e correntes: “hoje vocês assarão um ganso magro, mas em cem anos ouvirão um cisne cantar. Não serão capazes de assá-lo e nenhuma armadilha ou rede poderá segurá-lo’. O príncipe voltou cheio de pena e muita admiração”. As testemunhas dizem que não houve um só momento de recuo por parte de Huss. Nenhum grito de dor, mesmo quando as chamas se levantaram e consumiram o nosso valente herói. Quando o fogo apagou, seus algozes viram que a parte de cima do seu corpo não havia sido totalmente queimada e tornaram a acender a fogueira pela segunda vez. Quando as chamas novamente cessaram, viram que seu coração ainda estava intacto. Por isso, colocaram fogo terceira vez até que não restasse nada de Huss. As cinzas foram cuidadosamente removidas junto com a terra ao redor, para que não restasse nada dele na terra, e tudo foi jogado no Rio Reno.

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O LEGADO.

O nome de John Huss está imortalizado na história do povo tcheco. A frase que está estampada na bandeira presidencial, “pravda vitězi” (“a verdade vence”), é atribuída aos seguidores de John Huss. E em uma enquete realizada pelo canal de televisão estatal sobre quem seria o “maior tcheco da história”, Huss ficou entre os dez mais lembrados. A sua cidade natal, Husinec, todos os anos, no dia 06 de julho, faz homenagem ao seu ilustre filho, depositando uma coroa de flores em um memorial. Imediatamente após a morte de John Huss, 452 nobres da Boêmia e Morávia se juntaram em congresso para saber como responder à decisão do Concílio de Constança. No ano seguinte, também em Constança, Jerônimo de Praga (outra figura importante no contexto reformista da Boêmia que foi queimado na fogueira), houve uma série de revoltas e os hussitas (assim chamados) se multiplicaram. Eles formavam dois grupos: os utraquistas, que eram mais moderados e os taboristas, com sentimentos milenistas e mais radicais em suas ideias. O Imperador Sigismundo recebeu consentimento do Concílio para invadir a Boêmia com o seu exército, mas foi derrotado por mais de uma vez. Em 1419, sob a liderança de Zizca, houve uma revolta em Praga que resultou na morte de membros do conselho da

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cidade. Em 1420, os hussitas propuseram um acordo chamado de ‘Artigos de Praga’, ou ‘Compacta’, com quatro exigências: que a comunhão fosse oferecida com pão e vinho, a liberdade de pregação, a privação das riquezas do clero, e os castigos pelos pecados públicos. O Rei Sigismundo recusou o acordo, em troca conseguiu o apoio do papa João XXIII para começar uma cruzada contra os boêmios. Em 1421 um exército de cem mil homens foi derrotado pelos hussitas, ainda sob a liderança de Zizca. As revoltas duraram pelo menos até 1436. Exatamente cem anos após a morte de John Huss, em 1515, Lutero começou a ensinar uma disciplina na Universidade de Witemberg sobre a epístola de Paulo aos Romanos. E em 1517, o monge alemão lançou as noventa e cinco teses que vieram a desencadear todo o movimento do que chamamos de Reforma Protestante. O próprio Martinho Lutero escreveu sobre a frase de John Huss ao comentar o edito imperial no ano de 1531. Leiamos as palavras que Lutero escreveu: “Eu, Dr. Martinho Lutero, fui chamado para esse ofício e fui compelido a me tornar um doutor, sem qualquer iniciativa minha, mas por pura obediência. Então eu tive que aceitar o ofício de doutor e fazer um juramento de que eu pregaria e ensinaria com fidelidade a minha tão amada Sagrada Escritura. Enquanto eu estava engajado no ensino, o Papa cruzou meu caminho e queria me impedir... Mas, não me impedirá. No nome e na vocação de Deus, eu andarei sobre o leão e sobre a víbora, pisarei com meus pés no filhote do leão e do dragão. E isso que

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começou durante a minha vida se completará após a minha morte. John Huss profetizou de mim... ‘Assarão um ganso agora, mas em cem anos ouvirão um cisne cantar e terão de aguentá-lo’. E assim será, se Deus quiser”. (Luther’s Works, vol. 34). Em 1536, por ocasião da convocação do Concílio de Trento pelo Papa Paulo III, Lutero publicou em Witemberg um apanhado de cartas de John Huss (quatro cartas traduzidas para o latim) juntamente com alguns outros documentos do Concílio de Constança. No ano seguinte, Lutero fez a publicação do corpo de cartas completo do nosso herói. No século XVI, os hussitas aderiram à Reforma Protestante e os taboristas mais ardorosos aderiram à Igreja Morávia, ou ‘Unitas Fratum’. Esse último grupo foi canal de influência para dois nomes notáveis da história da Igreja: primeiro, o renomado educador Comenius, dito como pai da didática moderna; e, depois, ao não menos célebre John Wesley, que passou por uma transformação ministerial e de vida quando viajava para os Estados Unidos e foi impactado pelo testemunho de alguns morávios que estavam com ele no barco. Sem falar no impacto que esses irmãos exerceram enviando missionários para todas as partes do mundo, quando ainda nem se falava em missões para os povos.

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