Como fazer pontes manualmente

Page 1

Como fazer pontes manualmente



O que eu Gostaria de contribuir aqui com algumas observações sobre o processo de escrita de artista como elemento constituinte de um estatuto do artista. No decorrer de meu processo de formação passei a me interessar pelos registros escritos de artistas que não se detêm apenas em trabalhos ou conceitos, mas enunciam o ponto de vista do artista. Outro motivo para a escrita desse texto reside na separação entre a prática artística e prática textual, que infelizmente ainda parece existir. Acredito que ambas as práticas estão atreladas, e produzem mais do que objetos ou conceitos, produzem posicionamentos. Não quero me deter aqui no processo de migração das palavras para a imagem 1 , ou versar sobre os manifestos de vanguarda. Interessa-me discorrer sobre o atual panorama, sobre os modos de atuação que envolvem um posicionamento crítico frente ao circuito de arte, por exemplo. É necessário também pensar onde o artista atua hoje e qual é o espaço dessa postura. É estranho pensar em códigos de atuação para o artista (ou estatuto do artista) tendo como contexto a liberdade de atuação, conquistada na arte moderna e ampliada na arte contemporânea. E o próprio fazer do campo das artes quase sempre se entrincheirado na figura autônoma e solitária do artista como indivíduo produtor – lembrando que a idéia de coletivo carrega consigo a noção de indivíduos que abdicam de uma identidade para a constituição de uma identidade comum a todos, algo similar a idéia de codinome, mas não é a idéia de autoria que nos interessa aqui. Eis o desafio de tecer relações de atuação que sejam comuns a um grupo de indivíduos que aparentemente não tem nada em comum em sua prática, apenas uma nomenclatura. Thierry de Duve, no texto Quanto a forma se transformou em atitude - e além, aponta os problemas ligados ao modelo de ensino de arte firmado na tríade “atitude/prática/desconstrução”, apesar de deter elementos chaves para a analise produção artística atual. Pensemos termo atitude como um “regente” dos outros dois termos e como afirma Duve, uma possibilidade entre o artista talentoso (acadêmico) e o artista criativo (bauhausiano), o “artista atitude”. Atitude em relação ao que ou a quem? 1

Ver “Migração das palavras para a imagem”, Ricardo Basbaum. Rio de Janeiro: Revista Gávea nº 13, 1995.

1


Peter Plagens responde: em relação a nada, a atitude tornou-se um modelo de ensino, e o uso da ironia algo desprovido de sentido. “[...] a ironia penetrou tão completamente pelos poros de jovens artistas, que eles nem sabem mais (ou, se sabem, não se importam) que se trata de ironia. A ironia transformou-se, na arte atual, em qualidades que parecem, enganadoramente, não irônicas”. (PLAGENS) E, Plagens, complementa lançando mão do conceito de pós-artista. O pós-artista é uma figura relacionada a imagem do artista e seu “mito” – algo similar a imagem do artista romântico, porém o que está em questão aqui é o glamour que envolve a idéia de artista –, que abdica de uma atitude crítica frente a produção artística e justifica a sua existência enquanto artista através da auto-referência. Porém, a personagem descrita apresenta-se no contexto do circuito norte-americano de arte, esse incrivelmente superior no que diz respeito a circulação de capital, estrutura e etc. Entretanto, não descartemos o termo atitude esse ainda aparece relacionado a outras instâncias de atuação do artista. O artista como pesquisador, associado a universidade ou outra instituição, é uma delas. Esse modo de atuação tem aproximado as fronteiras da formação institucional com o próprio sistema de arte, o que tende a ir ao encontro da idéia de atitude crítica. Contudo há um risco nessa atuação, o artista deve estar atento a instituição. Essa, por sua vez, deve repensar-se constantemente para que sua estrutura não segmente a prática do artista do restante do circuito ou a tome como um modelo a ser seguido. Deve se lembrar que a prática do artista como pesquisador encontra um paralelo na atuação do artista como etnógrafo e nas implicações geradas pela mesma – inclusive o engessamento e a massificação dessa atuação. O que me interessa apontar aqui é que: em ambas as práticas há um conhecimento que existe de modo independente da obra de arte. No caso do artista associado a instituição esse conhecimento materializa-se ou converge-se em texto, publicação. Nesse ponto, é inegável o caráter difusor da instituição, principalmente, a universidade - que apesar do baixo volume de publicações, se compararmos a outros campos de conhecimento, abre espaço ao artista para o registro e difusão de seu pensamento através da publicação impressa, e recentemente virtual.

2


“Saiba ficar quieto Saiba não compor Não fale do deserto, nem metrifique a flor Saiba não dizer que o sol te dá calor Saiba nunca achar bonita a minha dor Não queira ser poeta Não queira ser cantor Pegar o violão como se fosse o amor Não faça melodias, melhor o próprio dia Azul irradiante levando adiante a minha dor A dor não vê e nem quer A dor é cega e vem dos olhos da mulher” (NUNO RAMOS)


Devemos ter dentro de nosso plano de visão, além da publicação impressa, a publicação virtual e as ferramentas e atitudes derivadas do uso da internet pelos artistas hoje. Algo que se dá de modo similar a “arte postal”, porém em outro fluxo de tempo e espaço. A prática postal – tal qual a internet antes da internet – criava redes de discussão e difusão de idéias e atitudes, deve ser lembrar que esta prática esteve ligada a questões de ordem política, durante o período da ditadura. No Brasil, por exemplo, redes de contato formadas por Paulo Bruscky denunciavam o desaparecimento de alguns de seus integrantes por conta da perseguição política do regime militar então estabelecido no país. Essa atitude, mais do que ligada a procedimentos de arte conceitual ou ativismo político, levanta a questão da circulação de informação como um ponto ligado a atitude do artista. Ao movimento de circulação deve-se observar também aos procedimentos e processos de apropriação e edição como mecanismos de presentes dentro desse movimento. Um exemplo é o famigerado guia de terrenos baldios de São Paulo, da artista Lara Almarcegui. Nessa publicação, Almarcegui apropria-se do formato guia e de informações da prefeitura e lista os terrenos vazios da cidade de São Paulo, ao listar esses terrenos e seus motivos de abandono expõe a especulação imobiliária da cidade e além. Outro ponto presente na idéia de rede é a noção de agenciamentos temporários. Diferente do coletivo, a rede possui um caráter de troca entre indivíduos, sejam esses artistas ou não, ao invés de uma dissolução do sujeito, o que está em questão aqui é o diálogo. Defendo a atuação por agenciamentos temporários – onde um interesse em comum pode fazer com que um artista possua mais afinidades com um pescador do que com outro artista – por conta de sua motivação inicial se firmar numa troca de interesses entre ambas as partes, diferentemente do pesquisador ou etnógrafo. Percebo entre os artistas (com que dialogo ou tenho como referência) uma motivação – dentro dessa atitude crítica de postura e troca – em como lidar com o outro com as diferenças, estabelecer diálogo. Observemos, por exemplo, as proposições das últimas três bienais de São Paulo (27ª – Como viver junto?; 28ª – Em vivo contato; 29ª – Há sempre um copo de mar para um homem navegar), onde a atitude descrevo aparece enunciada. Acredito que hoje o foco das intencionalidades do fazer artístico está voltado para essa relação interpessoal de diálogo e troca, a obra de arte tornou-se um dispositivo deflagrador dessas possibilidades. Um elemento visível nos trabalhos que lidam com essa lógica é o

3


tangenciar entre realidade e ficção, através dos procedimentos de apropriação e edição ou colagem 2 na semiótica. “A fórmula da arte crítica é marcada por essa tensão. A arte não produz conhecimentos ou representações para a política. Ela produz ficções ou dissensos, agenciamentos de relações de regimes heterogêneos de sensível. Ela produz não para a ação política, mas no seio de sua própria política [...].” (RANCIÈRE) Evoco a canção de Nuno Ramos, Saiba ficar quieto, como uma síntese deste “artista atitude”, interessado em tangenciar criticamente a realidade na qual está mergulhado – agenciando signos comuns para geração de novos signos (similar do conceito de desterritorialização dentro do contexto do caosmose de Félix Guatarri). A canção trás consigo a recusa por uma idéia de ofício e/ou criação, em prol de um procedimento ligado a percepção do sensível e vivência. Dentro desse processo o que se apresenta é uma constante apropriação e re-significação de elementos e coisas presentes no dia-a-dia. O que guia essa atuação são noções de ética e não de moral, pois ao enunciar que: a dor não vê, não quer ver e é cega; há um esvaziamento de uma finalidade moral ligada a dor, como um castigo. A dor aqui é o que se sente – independente de qualquer pré-conceito moral – numa relação com outro indivíduo (poderia ser qualquer outro sentimento). Ramos disserta acerca de um posicionamento muito próximo a idéia de atuação artística que gostaria de apresentar aqui.

Bibliografia PLAGENS, Peter. O pós-artista. Rio de Janeiro: Revista Arte ensaios, 2005. DUVE, Thierry de. Quando a forma se transformou em atitude – e além. Rio de Janeiro: Revista Arte ensaios, 2003. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; Ed. 34, 2005.

2

Pensar nesses conceitos enquanto procedimentos (modo de atuar) e não como prática (repetição de operação ligada a noção de profissão).

4


Uma pausa entre n贸s Uma ponte


O Artista como criador de pontes (!!!) (?) começa com o desejo de pungir o outro, o observador, o leitor, o ouvinte, o participante ... a pessoa que dorme ao meu lado no ônibus e não quer ser acordada. NÃO HÁ UM PONTO EXATO. o primeiro capítulo é um panorama, o segundo uma verbalização por espasmos ... no terceiro “fechamos” o texto. logo após a bibliografia vem o que?




ainda acho que andamos em circulos e voltamos ao começo, mas o circulo não tem começo, nem meio e tão pouco um fim...

concordamos eu duvido você ouve novo diálogo



Projetos para fazer pontes 1. Criar uma rede postal na qual duas pedras circulam entre os integrantes da mesma. As pedras são uma metáfora. Um dia as pedras se encontram. 2. Pelo correio desenhar com outra pessoa. 3. Convidar pessoas para realizarem qualquer atividade comigo (prestar atenção nas ações mais comuns).

O que guia o fazer artístico é a própria ética do artista.



Jimson Vilela Rio de Janeiro 2010


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.