CONFIAR NA DEMOCRACIA: O SER, O PARECER E A SEPARAÇÃO DE PODERES
Este Congresso fica marcado por diversos incidentes reveladores de certas disfuncionalidades existentes nos partidos e no nosso sistema democrático. Em momentos de crise como os que vivemos na nossa instituição distrital (embora possamos alargar ao espectro generalizado da nossa sociedade), é preciso parar, reflectir e regressar aos primórdios da sua fundação. Como os chineses definem, a crise tem dois lados: a ameaça e a oportunidade. Segundo algumas definições de democracia, esta "é uma forma de governo em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente - directamente ou através de seus representantes eleitos - na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder de governação através do sufrágio universal". É por isso que em democracia se associam as questões públicas como pertencentes a uma população inteira. O conceito de soberania está associado à sua nação e à escolha dos seus cidadãos, contrariamente a outros sistemas de governação em que o poder é detido por uma ou algumas pessoas. Os partidos são pilares da democracia. É através dos partidos que os cidadãos se fazem representar e "participam igualmente" na governação de um território e de um país. Assim, a democracia inicia uma das suas etapas através dos vários processos internos dos partidos. Os órgãos de soberania e toda a arquitectura institucional da "Res Publica" dependem do processo de recrutamento, formação, selecção e decisão dos seus agentes e programas. Há outro elemento que distingue a democracia de outros sistemas e como referiu Churchil "A democracia é a pior de todas as formas de governo, excetuando-se as demais." Um dos princípios em que assenta a democracia é aquilo que Montesquieu definiu como a separação de poderes, como forma de ultrapassar os receios existentes e como forma de controlo de exercício do poder governamental de tal modo que não lhe fosse possível destruir os valores para o qual este tipo de sistema foi instituído. Assim, como todos sabemos a democracia defende a separação do poder executivo, legislativo e judicial. Para melhor enquadramento da aplicação deste principio nada melhor do que relembrar uma parte do texto escrita pelo Montesquieu "...tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercessem esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos."
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Por causa deste princípio, Karl Popper definiu "a democracia em contraste com a ditadura ou a tirania, privilegiando, assim, oportunidades para as pessoas controlar seus líderes e tirá-los do cargo sem a necessidade de uma revolução". É por isso, que nos sistemas em que existe esta separação de poderes, há alternância de governantes e os cidadãos que não vêem a sua escolha vencedora, aceitam e entendem o resultado como legítimo. Quando se duvida que este princípio não é respeitado as partes manifestam-se e em alguns casos desencadeiam-se autênticas guerras civis. Ou seja, não chega a aplicação formal, mas exige-se a aplicação substancial. Há outros autores que sustentam que "a democracia exige três princípios: 1) a soberania reside nos níveis mais baixos de autoridade; 2) a igualdade política e 3) as normas sociais pelas quais os indivíduos e as instituições só consideram aceitáveis atos que refletem os dois primeiros princípios citados". Aqui podemos entender que a democracia só é legitimada se praticada na base das instituições e pelos próprios cidadãos. A democracia inicia-se em todos os actos e quotidiano dos partidos e instituições. Importante, assim, garantir-se a igualdade política dos cidadãos elegíveis (e de todos os candidatos) nos vários processos eleitorais. Cada cidadão tem o direito de livremente, e em igualdade, candidatar-se. Por fim, os seus actores têm que ter comportamentos e condutas que façam jus a estes princípios. Mais do que apregoar é "Ser" e "Fazer". Em suma, a democracia como regime imperfeito que acaba por ser (embora o melhor comparativamente com os anteriores), só é legitimado pelos seus cidadãos. A alternância de poder faz-se sem a necessidade de uma revolução, pelas seguintes principais razões: a) Separação de poderes que permite um regime de autocontrole e impede o poder absoluto; b) Igualdade dos seus cidadãos nas condições de elegibilidade; c) Soberania reside na base dos sistemas, pronunciando-se individualmente (e em liberdade) cada cidadão; d) Os actores e intervenientes orientarem a sua conduta e os seus comportamentos segundo os princípios democratas, quer num processo eleitoral, numa votação e/ou decisão.
REALIDADE PARTIDÁRIA VS SISTEMA DEMOCRÁTICO: IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS A nosso ver, a democracia portuguesa está a sofrer um conjunto de problemas, de desconfiança, de descrédito e impopularidade da classe política. Uma parte dos problemas, a nosso ver, é provocada pelas várias disfuncionalidades das instituições pilares da democracia e que deveriam representar a vontade dos cidadãos. Também entendemos que outras das razões poderão ser apontadas ao desinteresse generalizados dos cidadãos pela causa pública, embora possamos considerar a causa e a consequência do actual estado de crise das instituições. Não iremos explorar com profundidade esta dimensão (muito importante e relevante), embora entendamos que o 2/6
sistema educativo e outras acções poderão ter um papel importante para a mobilização da participação dos cidadãos. Como reforço da importância desta última dimensão, queremos relevar uma afirmação de Roger Scruton em que considera "a democracia por si só não pode proporcionar liberdade pessoal e política, a menos que as instituições da sociedade civil também estejam presentes. Ou seja, é revelador de que uma democracia para funcionar tem que privilegiar o contributo da base, em detrimento de regimes hierárquicos, como acontece em Portugal. Voltando à dimensão da disfuncionalidade partidária. Os últimos acontecimentos no PS/ Braga, decorrentes deste processo eleitoral (e exemplos semelhantes em todos os partidos), são reveladores das nossas deficiências como instituições democráticas e coloca em risco, por contágio, toda a nossa democracia. Vamos identificar agora alguns das disfunções e deficiências sentidas ao longo da nossa experiência partidária, para no final deste documento propormos medidas e soluções. Não pretendemos de forma alguma, acusar nem criticar ninguém nem nenhum dirigente do partido. É nosso entendimento que um dos problemas sentidos dentro dos partidos está relacionado com a dificuldade de separação de poderes. Por regra, a constituição dos órgãos disciplinares e políticos são constituídos em exclusivo por militantes. Os militantes por natureza têm uma vocação de intervenção política, faltando a integração de elementos independentes e mais distanciados nos órgãos disciplinares. Ou seja, nos processos decisórios em que as partes estão envolvidas e têm elementos que possam ser identificados como afectos a uma das partes, mesmo sendo pessoas idóneas e sérias nas suas condutas, é fácil lançar a suspeição de falta de justiça e imparcialidade de decisão. Isto corrói as instituições, todo o universo de pessoas envolvidas no partido, e contagia toda a credibilidade na democracia. Os processos disciplinares, onde por vezes se gera e se explora a dúvida e a desconfiança, acontecem nas decisões das Comissões Jurisdicionais e nas Comissões Eleitorais. Quantas vezes assistimos a casos mediatizados, que transmitem para a opinião pública a desconfiança nas decisões tomadas pelos membros destes órgãos? Umas justamente, outras injustamente. Independentemente da circunstância, o problema é que danifica a credibilidade dos partidos e por conseguinte da Democracia. Alguém é responsabilizado pelos actos incorrectos? Não sentimos uma certa impunidade? O pagamento generalizado de quotas, como infelizmente tem sido prática corrente ao longo da nossa jovem democracia, é outro dos problemas que urge resolver. Esta situação é grave, não porque se está a pagar a quota a um militante sem recursos financeiros que quer participar, mas na maioria das situações está-se a limitar de certo modo a liberdade individual de decisão do mesmo e criar uma relação de dependência entre as partes. Vicia-se o sistema, mantendo teoricamente o princípio "um homem, um voto", mas está-se a limitar a liberdade individual de escolha e a provocar desigualdades na elegibilidade de cada candidato. Ao mesmo tempo, o pagamento de quotas massificado, 3/6
coloca desde muito cedo a dependência dos partidos a interesses externos que financiam estes processos, definindo contrapartidas aos financiadores que irão influenciar inevitavelmente o projecto político dos seus militantes, desvirtuando-o. A este fenómeno, normalmente associa-se aquilo que se denomina "sindicância de votos” (ou mais conhecido, como “caciquismo”). As causas e consequências são semelhantes ao pagamento de quotas. Ou seja, estamos a contrariar vários dos princípios democráticos acima referidos. Desde a soberania na base por parte dos militantes na decisão dos seus representantes e projetos políticos. Reduzir a liberdade de voto de cada eleitor e a igualdade de condições de elegibilidade. Também é revelador de uma conduta e comportamento não condizente com os princípios democráticos. Em suma, o pagamento de quotas massificado e a "sindicância de votos", está para a democracia como o “doping” está para o desporto. Há outro fenómeno que tem vindo a crescer no funcionamento interno do PS: a blindagem de candidaturas, a obrigatoriedade do aparecimento de grandes blocos de apoio à partida. Na nossa opinião isto limita a pluralidade de expressão, identitária do Partido Socialista, e impede o surgimento de terceiras escolhas benéficas para o PS, para o debate democrático e a retenção de militantes em processos de extremos radicalismo. Um reflexo desta blindagem, é a quase inexistência de mais do que duas candidaturas em qualquer processo eleitoral. Esta blindagem existente e em crescendo, torna-se evidente e emblemático nas restrições criadas para as Primárias de candidatos à Câmara, no número de assinaturas, apoios mínimos da Comissão Política. Sabendo que os partidos neste momento sofrem de práticas associadas a pagamento de quotas, "sindicância de voto", e que o número de militantes inscritos está muito longe dos militantes que participam no dia-a-dia do partido, vemos que esta blindagem é também uma blindagem à renovação de qualidade, mas ainda mais importante à regeneração dos actores políticos. A blindagem de que falamos, muitas vezes existe para limitar o perigo que "qualquer" militante possa apresentar uma candidatura, desestabilizar o partido. Contudo, o perigo maior com esta prática é limitar as alternativas e as escolhas dos militantes, limitando a renovação qualitativa, o plurarismo democrático e saudável. Não podemos esquecer que o PS é um dos partidos génese da democracia e internamente temos de promover esse espírito na prática e como vivência. Por último, outras das disfuncionalidades acontece durante as disputas internas. Transpomos a forma de defender projectos e de fazer campanha à semelhança do que se faz nas disputas interpartidárias. Teoricamente as diferenças não serão tantas, pois a base ideológica e princípios deverão ser similares, mas também a base de eleitorado é a mesma. Ora havendo como é óbvio algumas diferenças programáticas, de perfis de liderança e de equipa, no cômputo geral a tentativa de desgaste dos adversários, de relevar até à exaustão as diferenças e os 4/6
ataques pessoais e de carácter normalmente usados, não fazem sentido e em vez de somarem eleitorado, retiram. Esta situação é aqui relevada, pois acreditamos ser importante alterar este comportamento de militantes e candidatos. Este processo, desta forma é destrutivo, internamente e externamente. Descredibiliza a militância, os candidatos, o PS e a democracia. A política não é só maledicência. Desengane-se quem pensa que normalmente há um lado bom e outro mau. Não há verdades absolutas e a relatividade de Einstein deve ser aqui aplicada. CREDIBILIZAR A DEMOCRACIA: MELHORES PARTIDOS, MELHORES ELEIÇÕES E MELHORES PRÁTICAS Face aos problemas enunciados e às suas consequências na descredibilização da democracia, das suas instituições, dos partidos e do PS, entendemos que este Congresso deve refletir profundamente e manifestar uma vontade expressa de alterar este quadro. Não encontrando todas as soluções para os problemas enunciados, mas querendo com este gesto permitir que se possa iniciar uma ampla reflexão para esta problemática neste distrito e dentro do PS. Uma reflexão que permita, no futuro, encontrar outras soluções e medidas que permitam, por um lado estabelecer a “paz” entre as várias candidaturas de forma a criar um contexto de uma Federação Distrital Unida na Pluralidade de Ideias, mas também manifestar a vontade dos militantes socialistas que querem credibilizar o sistema democrático e dignificar a actividade política, sem ignorar os problemas actualmente existentes. O nosso modesto contributo para aumentar a Confiança, a Credibilidade e Pacificar as divergências entre socialistas. Defendemos neste Congresso que a Federação deverá defender nos órgãos nacionais dos Partido (Comissão Nacional e Secretariado Nacional) as seguintes medidas e princípios: 1) A necessidade de existir um “Código de Conduta e Ética” do Militante, dos Candidatos, dos Dirigentes, dos Eleitos Socialistas e dos Simpatizantes” que possa melhor orientar os comportamentos e estabelecer um quadro moral aos militantes nas várias circunstâncias, de forma a prevenir comportamentos que prejudicam o bom relacionamento entre os militantes e simpatizantes. 2) Manifestarmos que somos contra o pagamento de quotas massificado e a existência de “sindicâncias de votos”. Enunciar esta situação no “Código de Conduta e Ética” acima referido. Deve ser o próprio militante e individualmente a pagar as quotas por multibanco.
3) Nos vários processos eleitorais e decisões jurisdicionais do Partido deveriam ser integrados por pessoas com formação técnica, independentes do partido e imparciais de forma a fortalecer os princípios de separação de 5/6
poderes que qualquer sistema democrático defende. Os processos eleitorais internos deveriam ser acompanhados e certificados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de forma a impedir que pairasse (ou houvesse tentativas de) qualquer dúvida acerca da legitimidade destes processos. Normalmente, estes casos acabam por gerar um sentimento de impunidade e dúvidas. 4) Defendemos que deverão haver esforços para desblindar e aligeirar as condições mínimas impostas para as candidaturas aos órgãos dos partidos e às Primárias dos Candidatos às Câmaras Municipais (e a outras instituições que se possam entretanto optar por este sistema), de forma a fomentar as alternativas de escolha dos militantes, a disputa e a democraticidade interna.
Terminamos, referindo que foi o nosso esforço, sobre toda ameaça gerada no ambiente pré-eleitoral para as eleições do Presidente da Federação Distrital, Congresso Distrital e Primárias do Candidato a Primeiro-Ministro do PS, apontar novos caminhos e oportunidades para o Futuro. Falando de futuro, apelamos à saudável e civilizada discussão em Congresso, que depois deste dia se possam iniciar o processo de “paz” e de construção entre as várias candidaturas para que tenhamos um PS/BRAGA CREDÍVEL, UNIDO NA PLURALIDADE E DEMOCRÁTICO
Os subscritores: Jorge Miguel Corais (Concelhia de Braga) Luís Amaro Cerqueira (Concelhia de Braga) Pedro Basto (Concelhia de Braga)
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