Despacho 8590/2010 Art. 9, 1b

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- Vista geral da exposição “Drawer”, Galeria Appleton Square, Lisboa 2010.


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Desde a minha primeira exposição individual “Design Clinic” em 1999, tenho vindo a testar várias estratégias de apresentação pública dos meus projectos. Foi uma preocupação encontrar espaços onde pudesse apresentar o meu trabalho, locais onde tivesse a oportunidade de apresentar a minha metodologia projectual e que simultaneamente servissem de laboratório de pesquisa, bem como plataforma de lançamento de novos objectos. Ou seja, locais onde fosse possível contar uma história sem interferências ou imposições preexistentes. As poucas oportunidades para desenvolver este tipo de projectos de carácter mais autoral com empresas nacionais e a dificuldade competitiva para desenvolver projectos com empresas estrangeiras levaram-me a optar por este tipo de estratégia. Penso que a maioria dos meus projectos nascem da tradição funcionalista e passível de produção industrial, no entanto, foram poucas as oportunidades de serem industrializados. Por altura do final dos anos 90, começavam a surgir espaços dedicados à exposição e divulgação exclusiva de design de produto, como a Galerie Kreo em Paris, que trabalha ainda de forma muito idêntica a uma galeria de arte, propondo aos designers a apresentação de peças únicas ou de edições limitadas. A minha decisão não surge desta tendência mas sim de uma necessidade real de apresentar projectos com regularidade e de ir estruturando de forma disciplinada uma carreira que passasse pela autoprodução de objectos. A falta de um circuito comercial de apresentação de design, nessa epoca, levou-me a procurar locais, instituições ou eventos onde fosse possível apresentar o meu trabalho. A regularidade com que fui programando estas iniciativas esteve, por uma questão de eficiência de promoção e divulgação, muito ligada ao início da realização da bienal Experimentadesign, evento especializado que reúne em Lisboa: público geral, agentes culturais, jornalistas, designers nacionais e estrangeiros.

Em 1999 a escolha da loja de roupa Fashion Clinic como local para a exposição “Design Clinic” foi determinada pelo que a loja representava na altura tanto no circuito comercial bem como espaço cosmopolita para a cidade de Lisboa mas também pelo projecto arquitectónico. Esta exposição permitiu-me fazer um primeiro e importante ensaio na organização de um conjunto de objectos a expor, que dialogassem com a arquitectura existente mas também com os vários objectos à venda na loja. A minha segunda exposição individual “MVB” foi realizada na Lojadatalaia em Lisboa, um espaço icónico que desde 1982 até meados dos anos 90 desenvolveu parte da produção vanguardista do design de autor. Uma das poucas editoras de produto a nível nacional e que em 2003 permanece com uma relevância incontestável na cultura do design em Portugal. Esta editora teve sempre um formato e abordagem muito semelhante à das galerias de arte, pelo tipo de colecções que produzia, relacionamento que mantinha com os designers, trabalho realizado durante o processo expositivo, trabalho comercial e de divulgação que fazia. Por essa altura percebi que as galerias de arte de Lisboa estavam receptivas à divulgação de design. Havia uma predisposição para a diversificação programática e um sinal de que a disciplina se vinha a legitimar no contexto cultural. Neste contexto em 2005 iniciei com a exposição “97” realizada na Cristina Guerra Contemporary Art, um percurso de várias exposições em galerias: em 2009 na Marz Galeria com a exposição “Sótão”, em 2010 na galeria Appleton Square com a exposição “Drawer”, em 2011 na Lojadatalaia com a exposição “From A to C” e mais recentemente, em 2014, a exposição “Aula de Ginástica” integrada no projecto Empty Cube na galeria Appleton Square.


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É sobre a exposição “Drawer” que centro esta apresentação por ser um exemplo bastante completo e revelador da minha metodologia global de trabalho. A galeria de arte, como espaço genérico, transporta consigo um capital histórico e cultural que tem a capacidade de sacralizar os objectos expostos, permitindo ao visitante uma maior disponibilidade e tempo para os perceber e fruir. Esta disponibilidade permite transformar uma exposição de design não só numa mostra de objectos mas num momento de revelação de um conceito global. Este período de tempo permite confrontar o visitante não só com questões ligadas à cultura material, mas sobretudo com questões ligadas à disciplina do design e à sua prática projectual, que através das peças expostas demonstra a metodologia que se inicia em atelier que passa pelo fornecedor e acaba no utilizador.

Este trabalho só é possível pela parceria construída ao longo dos anos com uma rede de fornecedores de qualidade e flexibilidade compatível com o desenvolvimento de protótipos ou de séries limitadas. Para que a exposição seja coerente é necessário definir o conceito expositivo e pensar no conjunto de objectos a expor de modo a que estes dialoguem entre si. Relacionar esta etapa com o espaço expositivo é, para mim, tão importante quanto o desenvolvimento dos conteúdos a expor. O processo de desenvolvimento da exposição não estaria concluído sem o trabalho de divulgação. Este passa por um envolvimento profundo com quem faz a contextualização teórica da exposição, através textos de apoio, fundamentais para uma boa promoção e divulgação, bem como a equipa da galeria.

Na “Drawer”, assim como na maioria das minhas exposições, existe um núcleo central de “objectos únicos” com os quais se pode demonstrar a extensão de uma lógica de colecção. Nem sempre todos os objectos são projectados ao mesmo tempo para a exposição em curso, por analogia conceptual são muitas vezes repescados projectos antigos que por alguma razão não tinham sido apresentados mas que fazem sentido nessa selecção. O próprio nome da exposição faz referência a essa decisão de recuperar projectos que ficaram na “gaveta”.

A exposição “Drawer” dá continuidade ao meu interesse em testar várias lógicas de como expor design. Exemplo disso foi a exposição “Dieter Rams Haus” que comissariei em 2001 no Centro Cultural de Belém, e na qual os objectos do designer alemão Dieter Rams estavam contextualizados em locais lógicos do percurso num ambiente doméstico simulado. Na exposição “Drawer” há um regresso à ideia de contextualização doméstica através da proximidade física das peças que em certos casos foram colocadas em cima umas das outras e intencionalmente encostadas a um dos cantos da galeria, intensificando a sensação de um espaço preenchido e ocupado por elementos, como seria expectável encontrar num ambiente doméstico.

Conceber uma exposição é um processo complexo e não linear. Cada exposição segue um processo de produção dinâmico e com características particulares. Ao mesmo tempo que se desenvolve o processo criativo dos objectos pensa-se no conceito unificador da exposição, acabando por misturá-los. O processo criativo dos objectos passa por várias fases: desenhos exploratórios, maquetes de diferentes escalas e modelação 3d utilizando ferramentas digitais, com base nos quais se resolvem questões técnicas e construtivas, proporções e os desenhos finais das peças para produção. É necessário acompanhar todo o processo de produção dos objectos. Por vezes têm de ser feitos ajustes no decorrer da produção, garantido assim que se atinge o nível de qualidade pretendida.

A proximidade dos objectos concentrados no canto oposto à entrada da galeria deixa o restante espaço completamente vazio e livre para que os visitantes percorram a exposição com cuidado, observando detalhes e descobrindo relações entre os vários objectos.

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- Desenho de estudo com ensaio da montagem da exposição no canto da galeria.


- Início da montagem da exposição.

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“47kg” Betão armado / 550x300x300mm / Ed. 1/12 + 1 A.P. - A mesa com 47kg é o resultado da adaptação de uma peça de mobiliário urbano que foi dimensionada à escala e ao peso de um objecto doméstico. A forma da peça contraria a materialidade esperada de uma peça construída em betão armado. A técnica de construção por cofragem, permite que no processo de modelação se inscreva em baixo relevo o seu peso que relembra o material da peça.


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- Desenhos de estudo realizados em 2002 para projecto de mobiliário urbano para a empresa Prégaia, que não chegou a ser construído.


- Desenhos de estudo da peça 47kg, que partem de uma secção de uma das peças de mobiliário urbano do projecto para a Prégaia.

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- Construção da maquete em cartolina à escala real.


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- Utilização da maquete para ensaio de escala.


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“Carril” 1 e 2 MDF e aço pintado / 550x400x460mm, 700x500x260mm / Protótipo + Ed. indefinida - Estas caixas de arrumação por terem um tampo de correr permitem aceder ao interior ao mesmo tempo que o tampo é utilizado. Entre o tampo e as caixas está incorporado um sistema de corrediças técnicas, normalmente utilizadas em gavetas, que permite o deslizamento do tampo construído numa peça única quinada, para resolver tanto a fixação da corrediça como as pegas que servem para puxar/empurrar o tampo.

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- Para a exposição foram produzidas duas peças com dimensões diferentes. Posteriormente foi feita uma actualização para quatro versões ampliando a versatilidade da sua utilização.

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- Desenhos de estudo com detalhe tĂŠcnico do sistema do tampo de correr.


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- Desenhos técnicos para produção.


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- Modelação 3D utilizando ferramentas digitais.

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“Gaveta” Grafite e lápis de cor sobre papel /1000x700mm / Peça única - Este desenho é uma representação rigorosa e ampliada de um esquiço feito em 1998.


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- Esquiço que representa uma perspectiva de vários elementos arquitectónicos que se relacionam geometricamente, como gavetas que são puxadas de um armário deixando perceber o espaço negativo que ocupam.

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“Gémeo Falso” Grafite sobre papel / 500x350mm / Peça única - Este desenho foi feito com auxílio a materiais de desenho rigoroso como réguas, esquadro e compasso. Faz referência ao processo analógico que é pratica projectual recorrente no atelier.


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“Comporta” Pinho de Riga / 850x530x250mm / Ed. 1/21 + 2 A.P. - A Comporta é um módulo de parede construído em pranchas de madeira, no qual ficou registado o movimento de abertura de uma porta. O plano que inclui a “porta” é o plano de fixação deste objecto à parede fazendo com que a abertura do módulo fique inesperadamente escondida de lado, criando uma certa estranheza na leitura da sua forma.


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- Acabamentos finais.


- Desenhos de estudo.

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- Desenhos de estudo.


“Gémeos Falsos” Aço pintado / d200 x a240mm, d200 x a240mm / Ed. 1/3 + 2 A.P. - Esta peça é a mais experimental da exposição distanciando-se do que seria expectável numa peça utilitária. É constituída por dois cilindros que na instalação final da peça são colocados numa prateleira de parede, lado a lado, com afastamento rigoroso de 5cm. Estes cilindros são constituídos por 20 elementos de chapa metálica, cortada a laser e posteriormente soldados, que aparentam ser iguais por fora mas quando observado o seu interior percebemos que têm geometrias diferentes. No fundo, trata-se de um exercício de desenho geométrico que se materializa tridimensionalmente, numa referência à prática projectual de atelier e que coloca no visitante a tarefa de o descobrir.

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- Ilustração sobre fotografia do interior da peça.


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- Mapa de materiais. Amostras e acabamentos.


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- Maquetes de estudo Ă escala real feitas em cartolina.


- Desenhos técnicos para produção.

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- Preparação para pintura.


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“Vezes” 1 e 2 Aço pintado e vidro espelhado / 300x140x400mm, 700x140x1000mm / Ed. 1/5 + 1 A.P. - Estes espelhos surgem de um programa comercial no qual foi pensado incorporar uma prateleira a um espelho de parede, mas que evoluiu num sentido bastante experimental. Cada espelho é constituído por três planos de chapa metálica que juntos se assemelham a um quadro com moldura inacabada. A estes planos são posteriormente colados planos espelhados permitindo a multiplicação da imagem reflectida.


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- Maquete de estudo de soluçþes construtivas e acabamentos.


- Desenhos de estudo.

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- Desenhos de estudo.


“Terrier” Aço pintado / 150x250x330mm / Protótipo + Ed. indefinida.

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- Maquete funcional feita em cartolina na qual se testou a iluminação.


- Preparação para montagem.

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- Desenhos técnicos para produção.


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- Este candeeiro de mesa tem a fonte de luz oculta que apesar de ser completamente opaco projecta a luz para o tampo da mesa e também para a sua estrutura, difundindo essa luz noutras direcções. É constituído por um único corpo que engloba o abat-jour, a estrutura e a base, feito num só material: chapa metálica. O equilíbrio da sua forma em consola é conseguido pelo aumento da espessura utilizada na base que lhe dá lastro.


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Miguel Vieira Baptista Drawer

Tendencialmente o objecto de design é visto como um produto funcional e superficial. Com o objectivo de desmistificar os estereótipos em relação a esta disciplina, o presente projecto inserese numa tendência internacional de retirar o objecto de design da loja e trazê-lo para o contexto galerístico, não no sentido apenas de descontextualizar o objecto, de o isolar de um discurso meramente comercial, mas com o principal propósito de desvendar o processo de pensamento que o antecede. Assim tem sido a aposta de Miguel Vieira Baptista (Lisboa, 1968), interessado na legitimação da própria disciplina do design valorizando o discurso da experimentação e a lógica do atelier, e não apenas na relação com a industria. A sua estratégia dicotómica iniciou-se com uma exposição na Loja da Atalaia em 2001, e teve continuação na Galeria Cristina Guerra em 2005 e na Marz Galeria já em 2009. E é exactamente na sequência deste percurso que ocorre a presente exposição “Drawer” na Appleton Square. O título da exposição referencia duas dimensões das obras apresentadas: por um lado drawer no sentido de gaveta, das ideias que ficam guardadas no atelier à espera do momento certo para ganharem vida. Por outro, drawer como aquele que desenha, que pensa através do desenho. O desenho é uma ferramenta central no desenvolvimento das obras deste designer e, por esta razão, apresenta vários projectos alguns realizados, outros não, outros ainda, impossíveis de serem concretizados. Simultaneamente expõe duas esculturas que se assemelham a volumes para a aprendizagem de geometria. No interior de um cilindro, aparece vazado um hexágono que dá origem, em cada uma das obras, a uma forma geométrica diferente. Se no exterior as estruturas parecem iguais, num olhar mais atendo se percebe que são, como afirma o titulo, gémeos falsos. De geometria e ilusão, tratam também dois espelhos que incorporam no mesmo material duas prateleiras (uma lateral e outra horizontal por debaixo do espelho) as quais criam uma espécie de semi-moldura e que multiplicam a imagem. Quis Miguel Vieira Baptista também explorar nos objectos que apresenta a materialidade de uma forma pura. Como a mesa feita em cimento em forma de ‘i’, que se assemelha a uma viga cortada e que tem inscrito o peso em relevo - 47kg. A inclusão do peso torna mais presente o material em que é construída. A disposição das obras no espaço da galeria salienta a dimensão da gaveta, dando vida à expressão: “guardados a um canto”, e é exactamente a um canto do espaço expositivo que quase se amontoam as peças. Filipa Oliveira


Miguel Vieira Baptista Drawer

Miguel Vieira Baptista deixou a um canto da galeria Appleton Square uma dúzia de objectos por si projectados. Ao fazê-lo, prescindiu de plintos e legendas, mas também de teorias, metáforas, narrativas e de outros grandes gestos que uma galeria de arte lhe poderia exigir. Por isso é que “Drawer” é uma exemplar exposição de design. Deixados entre o chão e duas paredes da galeria, estes doze objectos ocupam menos de um quarto da sala de exposição. O espaço por eles definido parece inicialmente apertado, ou comprimido, mas rapidamente ficamos com a impressão de não estar mais numa galeria de arte, mas num daqueles interiores domésticos simulados que só os fabricantes e comerciantes de mobiliário sabem criar. Não quer isso dizer que com esta exposição o estabelecimento comercial Appleton Square se tenha tornado numa loja de móveis, ou mesmo numa loja “de design.” Num dos cantos do quarto de sala está um pequeno “perfil I” em betão cofrado. Não é um bruto elemento de construção deixado no chão da sala a fazer de mesa. Não é um readymade (os “perfis I” são em geral feitos em aço ou ferro fundido); as delicadas curvas em suspensão do tampo e pé, o fino acabamento, até mesmo os caracteres gravados no cimento com o seu nome e peso (47Kg) mostram que esta é uma bem pesada, mas também bem pensada peça de mobiliário. É, como os outros objectos em seu redor, o resultado de um refinado estudo formal. E resultado, como indica o título da exposição, do trabalho de um designer enquanto alguém que tem no desenho um meio para chegar a um fim. “Terrier” está mais perto da mesa ao seu lado do que do candeeiro “Snoopy” de Achille e Pier Giacomo Castiglioni, a que o seu canino nome presta homenagem. À semelhança de projectos anteriores de Vieira Baptista (como o Livro Mesa de 2005), tanto um como outro têm na curva suspensa em cantilever a mesma origem formal e projectual. Com a tampa da caixa-mesa “Carril” em que está assente, “Terrier” partilha o material que lhes dá a forma. A chapa de aço lacado tem vindo a ser repetidamente usada por Vieira Baptista, ao longo da sua carreira, como uma espécie de folha de papel endurecida, a qual ele corta, recorta e dobra consoante as necessidades e intenções dos seus projectos. Igualmente em chapa de aço, cada um dos espelhos de parede “Vezes” é composto por três planos perpendiculares entre si. São ao mesmo tempo representações do desenho geométrico como construção da tridimensionalidade (a partir dos eixos x, y e z) e multiplicadores do mundo real em reflexos que se cruzam e encontram em linhas de terra imaginárias. A julgar pelo seu obsessivo grau de detalhe e precisão construtiva, fazem parte de um mundo idealizado, que não se compadece com erros humanos, imperfeições de materiais, vicissitudes da manufactura ou exigências de mercado – não admira que a sua edição seja limitada a cinco exemplares e uma prova de artista. “Comporta” é mais do que uma gaveta de parede – é um encontro de cinco planos de madeira suspensos no espaço. Nesta prateleira, nem sequer a natureza escapa ao domínio do mundo pelo projecto: ao longo da afiada aresta resultante da intersecção de dois destes planos, os veios da madeira foram feitos coincidir, milimetricamente, entre uma tábua e a outra. É cativante, o efeito criado por esta artificial continuidade (ou será rebatimento?) de um desenho natural entre duas faces do mesmo volume geométrico.

Ao chegarmos perto de “Gémeos Falsos”, o nosso olhar é cativado de outra forma. A estes dois cilindros de aço pintado de negro mate, aparentemente iguais, foram extraídos, pela acção do desenho, dois vazios geométricos diferentes. Poderíamos estar a olhar para dentro de duas jarras – já que nos encontramos num interior doméstico simulado, ou numa exposição de design, é difícil não associarmos o que nos rodeia a “coisas para a casa.” Mas quem os desenhou puxa-nos o tapete e diz-nos se tratarem apenas de “objectos geométricos.” Entre os objectos acima descritos e o termo escolhido, Vieira Baptista define o tipo de design de produto que lhe interessa explorar e mostrar nesta exposição. Não se trata de design enquanto promessa de progresso ou sofisticação tecnológicos – os objectos expostos foram manufacturados, ou seja, feitos à mão, por pequenos fornecedores e artífices utilizando técnicas e materiais rudimentares. Nem do design como uma profissão preocupada em resolver ou mitigar questões sociais ou ambientais – não sabemos onde, como, nem por quem são feitos estes objectos, a lâmpada de “Terrier” é incandescente e nada nos diz se o pinho de Riga das 22 caixas da edição limitada de “Comporta” vem de florestas sustentáveis. Ou do design enquanto criação de produtos exclusivos ou de luxo – apesar de Vieira Baptista ter definido particularmente bem a (re)produção destes objectos e, por conseguinte, a sua escassez; enquanto os seus preços variam entre 300 e 1500 euros + IVA, uns são peças únicas, outros múltiplos de edição limitada e “Terrier”, bem como as caixas “Carril”, têm edições indefinidas (ou seja, é deixada em aberto a possibilidade do seu fabrico em série ad aeternum). Também não se trata do design enquanto disciplina colocada à mercê de uma estratégia de marketing promovida por uma marca, empresa, instituição ou governo. O design de produto também não é aqui mostrado, e este será talvez o aspecto mais importante a salientar, enquanto actividade produtora de objectos funcionais (nem sempre “para a casa”) de alto valor acrescentado, com destino aos vários circuitos artísticos – das galerias, dos museus, das leiloeiras, da imprensa. Os praticantes desta actividade, frequentemente chamada de design-arte, recorrem muitas vezes a teorias, metáforas, narrativas e outros grandes gestos da arte (como o muito abusado termo instalação) para acrescentar sentido e significado ao seu trabalho, mesmo que nem sempre sejam capazes de os articular ou defender. “Drawer” é uma exposição bem menos ambiciosa. Mas o que a torna exemplar é porque tanto Miguel Vieira Baptista como a Appleton Square souberam utilizar o espaço e contexto de uma galeria de arte para que, liberto de muitas das coisas que são hoje exigidas a um designer de produto – inclusive o que uma galeria de arte poderia exigir – ele se pudesse concentrar naquilo que é um dos elementos fundamentais do seu trabalho: a demanda, pessoal e obsessiva, pela adequada resolução de um objecto por si projectado. É disso que falam estes pequenos, mas determinados gestos deixados a um canto da galeria. Frederico Duarte

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Ficha Técnica

Drawer, Galeria Appleton Square, Lisboa, 2010

Texto e Legendas Miguel Vieira Baptista

Anexos Filipa Oliveira Folha de sala, Galeria Appleton Square Julho 2010 Frederico Duarte Artigo, Site Arte Capital Setembro 2010

Fotografia Marco Pires Capa, 3, 5, 7, 8, 11, 13, 15 Miguel Guerreiro - Flare Studio 19, 26, 33, 35, 41, 45, 47, 49, 55, 57, 59, 67, 71, 77 Vanessa Domingues 17, 28-29, 50, 61, 64-65, 73 Joana Soda e Ivo Oliveira Rodrigues 22-23, 25, 39, 62, 68, 72

O documento não foi escrito segundo o novo Acordo Ortográfico.

© Copyright Miguel Vieira Baptista, 2014


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