Cemitério dos pianos - José Luís Peixoto Dossier

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José Luís Peixoto | Cemitério de pianos



Introdução

Morte / Vida Decomposição Condição efémera Prosa lírica Materialização de uma sonoridade visual Atemporalidade

Key — words

Palavras-chave

“A Motim é uma nova editora. Foi fundada por um grupo de pessoas que acredita ser possível levar as obras e os autores mais significativos da literatura a um número de leitores mais alargado. Quer investir numa divulgação credível e imaginativa e na publicação de livros que aliem qualidade gráfica a um custo acessível para o leitor. Um dos primeiros wprojectos é o de publicar uma colecção de livros essenciais da história da literatura dos últimos cem anos, em formato de livro de bolso. Segundo a editora, estes devem ser ‘gráficamente sedutores, confortáveis e despoluídos. Uma das ideias principais é a de dar um forte contributo para que se torne mais normal ver pessoas a ler livros, por exemplo, nos transportes públicos’.”

Objectivo : Design editorial : Livro de bolso O projecto consiste no desenvolvimento de uma proposta gráfica para um livro de bolso ou de viagem e de capa mole, adoptando como modelo, nesta “fase inicial do projecto editorial desta nova companhia” , um livro escolhido pelo aluno (Cemitério de Pianos de José Luís Peixoto) a partir da lista de livros fornecida anteriormente.


Resumo_

Pesquisa_ Recolha de dados, análise & confronto

Parte fulcral de todo o processo, recolha exaustiva de informação, referências, pontos de partida, análise e confronto (termos de comparação), com principal interesse em elementos diferenciadores (excepções).

Conclusões — Narrativa

A narrativa começa por encarar a morte e acaba com ela. A morte está sempre presente. As conversas sobre quem iria morrer primeiro. Chega a ser sinistramente deliciosa a forma como o autor a coloca. A história de uma família contada por três gerações faz com que o livro seja especial. O processo contínuo, da morte a dar lugar à vida, apresenta-nos a morte como um processo de ambiguidades. A tristeza da morte, a simplicidade da morte, a sua condição efémera, que retrata o poder da continuação, quase de um jeito perpétuo, que perdura no próximo quando fisicamente já não lhe é permitido. A única constante é o cemitério de pianos. Existe e testemunha os acontecimentos mais importantes da obra. É o epicentro de todos os momentos. É o local onde uma menina de três anos personifica a consciência do avô. As duas conversas protagonizadas entre Íris e o seu avô são um reflexo do que se passou, dos sentimentos que não foram ditos ou sentidos, é se quisermos, uma consciencialização dos acontecimentos que não podiam ter sido admitidos. O livro faz sobressair o papel da família dentro das suas peculiaridades, de pessoas simples, mundanas, dentro dos seus casulos de adjectivações diversas. Dá-nos o passado, o presente, e o futuro num único e poderoso agora.

fig.1_ Exceções:

fig.2_ Exceções:

fig.3_ Exceções:

fig.4_ Exceções:

Largura das margens | Identação da primeira linha do parágrafo

Mancha de texto extensa, numeração de páginas nas margens, cabeçalho em Small Caps

Numeração de páginas lateral (Margens exteriores)

Introdução com três tipos de hierarquias (itálico, serifa, sans-serif)


Design tipográfico_

Tipografia escolhida_

Estudos & testes

a. testes_ Body text : Serif / Adobe jenson pro (final) / Linux libertine display / Lusitana / Fanwoodtext / Agfa Rotis Serif

A tipografia é a arte e o processo de criação na composição de um texto, física ou digitalmente. Assim como no design gráfico em geral, o objectivo principal da tipografia é dar ordem estrutural e forma à comunicação escrita. A tipografia utilizada para o corpo de texto no miolo do livro foi a Adobe Jenson Pro, visto que houve uma procura de uma tipografia de fácil legibilidade, que permite uma leitura fácil e corrida e uma mancha gráfica coerente. Esta escolha vai de encontro a estas características, é uma família tipográfica criada pela Adobe, desenhada por Robert Slimbach, é uma fonte tradicional, mas com um ‘update’. Em 1996, foi lançada a primeira versão que combina a força e a beleza de dois ícones da época Renascentista (os tipos romanos do século XV de Nicolas Jenson e os itálicos do século XVI de Ludovico degli Arrighi). Trata-se de uma fonte elegante e adapta-se a um amplo espectro de aplicações. A nova versão atualizada foi composta em 2010, com 32 estilos diferentes, quatro pesos, correções ópticas, Small Caps, numeração old style, etc.

Aa Adobe Jenson Pro (Display) Aa Adobe Jenson Pro (regular) Aa Adobe Jenson Pro (bold caption)

Tipografia — Miolo

Testes — Ajustes

Adobe Jenson Pro | (Miolo)


Pesquisa_Autor

Kaleko 205 | (Capa)

_Capas | Editoras

Work sans | (contracapa)

_Linguas | Culturas

Para a capa, visto que a mancha de texto não necessita de obedecer aos mesmos critérios que o miolo do livro, a fonte escolhida para a capa do livro foi a Kaleko 205, criada pela Talbot type. Esta fonte é uma fonte atual, de 2012, é inspirada pela Gill Sans, e com proximidades com a Proxima Nova, clássica, geométrica sans-serif, mas tem ascendentes rasas e descendentes mais compactas. É uma sans-serif bem equilibrada, neutra, versátil, moderna, altamente legível para uma fonte de texto e com um visual limpo e elegante, bem como, para tamanhos maiores, inclusive têm pontuação específica para idiomas da Europa Central. A família Kaleko 205 é composta por cinco pesos e está intimamente relacionada com Kaleko 105. As diferenças mais notáveis entre as duas variações são as minúsculas ‘a’ e ‘g’. Na contracapa a tipografia utilizada foi a work sans, uma fonte neutra e legível. Tem como características: 9 pesos diferentes, é uma Opentype da google, criada por Wei Huang, é baseada nas grotescas de Stephenson Blake, Miller & Richard and Bauerschen Giesserei.

Aa Kaleko 205 (bold) Aa Kaleko 205 (heavy) Aa Work Sans (regular)

Tipografia — Capa | Lombada | Contracapa

Tipografia escolhida_


Referências_ Ronan Kelly | 2013

Referências_ Ronan Kelly | 2013

visuais | gráficas | monochrome

Tipografia | monochrome


Referências_Choi Kim Hung | 2014

Referências_ studio another day | 2013

Comunicação visual | modelagem | grafismo | monocromático

Monocromático | caixa de música | caracteres | padrão


3 7

Tony Takitani Filme Ideia de efemeridade Sundance award*

2005

Erik Nitsche Poster The Dreyfus Company Publicidade

1908 - 1998

KAROLGADZALA.COMPROMOTIONAL POSTERS Posters Design gráfico| Ilustração| Karol Gadzala

2015

4

Conceito — Nulo | Efémero | Destruição | Invisível | Fugaz | Familiar

Quadro Seeing the Unseen V 87 x 106 cm

6 YOONJIN JUNG

2010

Referências — Editorial | Visual

JOY DIVISION UNKNOWN PLEASURES Vinyl Edition Peter Saville

1979

5

JULIUSZ ŁUCIUK CD cover Polish contemporary Music Editora: Polskie Nagrania

2005

Electronic - Abstract

Good Evening Mrs Magpie (Modeselektor RMX) / Bloom (Objekt RMX)

2 Museion Prize 1 Editorial Design: Studio Mut, Martin Kerschbaumer, Thomas Kronbichler

2016

1

RADIOHEAD Vinyl

2011

0


11 2014 Technoir Poster Design gráfico | Tipografia Gyssler Felix / Bräunig Niggi Schweizerisches Tonkünstlerfest Poster Cores| Grafismo

14

1975

The merchant of venice Peter Bankov Poster Lettering | Cores Exploração gestual

2015

ABYSSSSYBA: INVISIBILITY OF THE EYES Rick Meyers material-poetic Nieves Books

Effect and Affect Studio Mut Posters Thomas Kronbichler

Guide to getting lost Flaneur society Editorial Design: Ellen Keith

Referências — Editorial | Visual

The Fabric of Architecture © Poster | Berlim studio: CDLX / Codeluxe

2015

10 2015

9

2014

12

Inspirações — Relevantes

2015

8

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Sépia | Cinza | Cru | Branco | Preto

CORES

Referências_ Capas

Aspecto Visual | Gráficos | Abstracção | Conceito

— MOODBOARD

“O tempo era um lago estagnado de água cinzenta que, devagar, crescia dentro de cada um deles; (...) olhar o mundo, como se existisse. E existia: invisível, sem sentido. Não podiam fazer nada senão esperar. Nada: o vazio, o vácuo, ausência única, nenhuma resposta. É desnecessário fazer perguntas a sombras.” - pag. 282

Quadro referêncial

“(...) Eram manhãs em que, verão ou inverno, a janela era sempre atravessada pela mesma luz, o mesmo tom acastanhado, sujo.” p.256

— MOODBOARD

“... Era o último instante de claridade. (...) A partir daí, a luz começou a transformar-se na sombra que era a cor do ceú e das ruas, na sombra que havia de tornar-se negra e entrar pela noite. Eu já tinha chegado da oficina. Abri a porta.” p.242 (citação)

Quadro referêncial

Moodboard


Formato_ A questão da dimensão do livro, do formato e da capacidade de caracteres por página, foi feita criteriosamente, devido á dimensão do livro original, do número de caracteres por página, o número de palavras por linha e o número de linhas por página. Tendo isto em conta, resolvi escolher estas medidas de acordo com as regras pré-definidas para uma boa leitura. A dimensão final é de 180x110mm, que dá uma proporção de 1,63.

Grelha_ A grelha do livro foi calculada de acordo com o número de palavras

por linha e linhas por página. A medida optada tanto para a margem superior como inferior é de 15mm. A margem exterior inicialmente era 10mm, mas houve um aumento para 12,5mm derivado a ajustes, para o leitor colocar o dedo na página durante a leitura. Na margem interior também houve algum cuidado para não perder largura na encadernação (14mm) e o elevado número de páginas. Para além das margens, foram criadas guias para o cabeçalho e numeração de página de páginas com 5mm. 15 mm

1 8 0 x 11 0 m m Pro p o rçã o : 1 ,63

— Proporção

— Grelha

Formato

Formato

15

5 mm

Cemitério de Pianos

janela. Tentava não ver. Tentava não saber não saber aquilo que sabia. Tentava ser um homem. Depois, sério, aproximou-se de mim. No tempo eterno e concreto, pousou-me festas no rosto e pousou a mão sobre a minha mão. Na mesinha-de-cabeçeira, sobre o tampo de ferro cinzento, descobriu um copo de água e um pau que tinha um pedaço de algodão na ponta. Molhou o algodão na água e assentou-mo na boca seca e aberta. Mordi-o com toda a força que tinha, e o Francisco surpreendeu-se por sentir pela última vez a minha força. Retirou o algodão. Olhou-me, e chorou também, porque já não o conseguia aguentar. A Maria abraçou-o e tratou como quando era pequeno: -Não tenhas medo, menino, que a gente não te vai deixar sozinho. A gente vai tratar de ti. Toda a minha força. Usei toda a minha força e só consegui fazer um som horrível de moribundo. Queria dizer ao Francisco e à Maria que eu também nunca os deixaria sozinhos, queria dizer-lhes que eu era o maior amigo que tinham na vida, que nunca os deixaria sozinhos e que nunca deixaria de ser o seu pai, e de tratar deles, e de protegê-los. Em vez disso, usei toda a minha força e só consegui fazer um som horrível de moribundo. O som de uma voz que já não conseguia falar, o som de uma voz que, usando toda a sua força, só conseguia fazer um barulho rouco com a garganta, um som horrível, um som de moribundo. Olharam para mim, e choraram mais, e sentiram no peito todo o vazio terrível, negro: profundo profundo: que eu também teria sentido se algum dia tivesse perdido um deles. Foram para casa da

15 mm

14 mm

1 2 ,5 m m


Experiências_

Experiências_

Capas

Capas

Exploração gestual : referência Peter Bankov : monocromático

Exploração contextual : disposições : enquadramento

Cemitério de Pianos

— MOODBOARD

— MOODBOARD

Quadro referêncial

Quadro referêncial

José Luís Peixoto


Interior_Livro (miolo) Página título

No desenvolvimento do miolo, foi desenvolvida uma necessidade de a página de rosto se conectar com a capa, deste modo, a tipografia usada teve os mesmos critérios, os pesos e o tracking, no entanto existiu uma redução da escala. Para manter coerência com o restante livro. Quanto a disposição, a mancha ficou um pouco acima do resto, com o texto justificado a esquerda, visto que no interior da capa têm fotografia, visualmente fica menos poluído.

José Luís Peixoto Cemitério de Pianos

Romance


Interior_Livro (miolo)

tenho de ir ao encontro do meu pai.

o tempo passa em Benfica, o silêncio passa sobre o cemitério de pianos

Romance caio sobre mim próprio: pedras: a minha face assente sobre a estrada, o mundo turvo a partir dos meus olhos, a minha boca a sorver pó, as minhas pernas queimadas, brasas, os meus braços queimados, o meu coração, o meu peito a respirar

Quilómetro trinta:

Na página introdutória, o autor criou um conjunto de citações de diversos momentos do livro, juntamente com uma fotografia, tornando a página introdutória numa dupla página, para situar o leitor, quase líricamente, mas, contextualmente sobre o conteúdo do livro. Resolvi manter para refletir e servir de inspiração para os restantes parâmetros, para não me esquecer que era a gênese do livro, tanto a citação dos “quilómetros”, como as restantes “quotes”, de várias partesdo texto corrido, introduzindo uma pequena parte do todo. Para esta página os critérios foram colocar uma imagem contextual e localizar a mancha tipográfica centrada, como se tratasse de um livro de poesia. A tipografia foi a Adobe jenson pro com o estilo Bold caption, e existiu um crescendo no tamanho para acentuar a importância da página.

José Luís Peixoto Cemitério de Pianos

Página introdução


Interior_Livro (miolo)

José Luís Peixoto

Na página de rosto introduziu-se uma dupla página com a mesma tipografia da capa, incluindo os pesos, para existir uma coerência visual, com o nome do autor, a obra, e o logotipo. Disposição centrada, com corpo 24pt, leading 28pt bold e heavy para maior destaque na leitura.

Cemitério de Pianos

Página de rosto


Interior_Livro (miolo) Ficha técnica

A ficha técnica, caracteriza-se como uma folha de créditos. Os elementos são de menor importância para o conteúdo da história, comparativamente com as páginas iniciais. Por isso, a disposição ficou alinhada á esquerda, a escolha tipográfica foi a Adobe jenson pro, peso regular, estilo display, corpo 9pt para as legendas, e para os subtítulos peso bold, estilo display, corpo 9pt, estas diferenças são para distinguir as hierarquias. Inclui o título da obra, o autor, a execução gráfica, e elementos da editora, bem como o logotipo.

Título Cemitério de Pianos Autor José Luís Peixoto Design da capa Joana Sousa Execução gráfica: Southspirit Edifício Península Praça do Bom sucesso, 119 4150-144 Porto ISBN 978-972-564-823-0 Depósito Legal: 359 705/13 Editora : Motim Avenida Calouste Gulbenkian 4460-268 Senhora da Hora Matosinhos, Portugal


Interior_Livro (miolo) Página epígrafo

No epígrafo o autor retirou e inspirou-se numa quote do autor Kazuo Ishiguro “when we were orphans”, dado o caracter pessoal do conteúdo a escolha tipográfica e a disposição na página ficaram centradas, com a adobe jenson pro, peso regular corpo 11pt, entrelinhamento 13, e para a citação do livro estilo italic display.

But for those like us, our fate is to face the world as orphans, chasing through long years the shadows of vanished parents. There is nothing for it but to try and see through our missions to the end, as best we can, for until we do so, we will be permitted no calm.

Kazuo Ishiguro, When we were orphans


Interior_Livro (miolo) Página epígrafo II No epígrafo, o autor retirou e inspirou-se numa citação da Biblía, dado o caracter pessoal do conteúdo, a escolha tipográfica e a disposição na página ficaram centradas, bem como no primeiro epígrafo, na página anterior com a adobe jenson pro, a mancha de texto corrido, justificada á esquerda, com peso regular, corpo 11pt, entrelinhamento 13, e para a citação contextual, corpo 11pt, entrelinhamento 13pt, peso italic, estilo display. Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em Mim, para que todos sejam como um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste. Dei-lhes a glória que Tu Me deste, para que sejam um como Nós somos Um. Eu neles e Tu em Mim, para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu Me enviaste e os amaste, como Me amaste a Mim. Pai, quero que aqueles que Me deste, onde Eu estiver, também eles estejam Comigo, para que vejam a minha glória, a glória que Tu Me deste; porque Tu me amaste antes da fundação do mundo. Pai justo, se o mundo não Te conheceu, eu conheci-Te, e estes conheceram que Tu Me enviaste. Dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles também. João, 17, 20-26


Interior_Livro (miolo) Página_ primeiro capítulo

Para a página de entrada de capítulo, o primeiro elemento é um elemento gráfico para assinalar isso mesmo, o que no segundo capítulo terá a mesma sucessão, até ao fim do livro, etc. A primeira linha do parágrafo, segue com identação, visto a sua importância (4mm). A mancha gráfica é justificada a esquerda, começa numa altura mediana relativamente á proporção do livro, sem elementos de numeração de página por opção, sendo esse critério para todas as entradas de capítulo. A tipografia é a Adobe jenson pro, regular, corpo 11pt, entrelinhamento 13pt.

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Quando começei a ficar doente, soube logo que ia morrer. Nos últimos meses da minha vida, quando ainda conseguia fazer a pé o caminho entre a nossa casa e a oficina, sentava-me numa pilha de tábuas e, sem ser capaz de ajudar nas coisas mais simples: aplainar o aro de uma porta, pregar um prego: ficava a ver o Francisco a trabalhar compenetrado, dentro de uma névoa de pontos de serradura. Em novo, também eu tinha sido assim. Nessas tardes, tanto tempo impossível depois de ter sido novo, certificava-me de que não estava a ver-me e, quando não aguentava mais, pousava a cabeça dentro das mãos. Segurava o peso imenso da minha cabeça: mundo: tapava os olhos com as mãos para sofrer dentro da escuridão, dentro de um silêncio que fingia. Depois, nas últimas semanas da minha vida, fui parar ao hospital. A Marta nunca me foi visitar ao hospital. Estava grávida do Hermes. Estava nos últimos meses, e a Marta, com a natureza que tem, precisou de muitos cuidados durante o tempo da gravidez. De repente, lembro-me de quando era pequena e tão feliz na trotinete que lhe comprei em segunda mão, lembro-me de quando ia para a escola, lembro-me de tanto. Enquanto eu estava no hospital, não demasiado longe, á espera que o Hermes nascesse.


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- Como é que está o meu pai? - perguntava a Marta, deitada, mal penteada, com os lençóis da cama de hospital a taparem-lhe a barriga. - Lá está na mesma - respondia alguém mentindo. Alguém que não era nem a minha mulher, nem a Maria, nem o Francisco, porque nenhum deles tinha forças para lhe mentir. Na última tarde em que estive vivo, a minha mulher, a Maria e o Francisco foram ver-me. Durante toda a doença, o Simão nunca me quis visitar. Era domingo. Eu estava apartado dos outros doentes, porque ia morrer. Tentava respirar e a minha respiração era um zumbido grosso, rouco, que enchia o quarto. Ao fundo da cama, a minah mulher chorava, engasgada pelas lágrimas, pelo rosto contorcido e pela dor: o sofrimento. Sem escolher as palavras, dizia-as dentro de uivos estendidos, esticados, longos, interrompidos apenas por tomadas sôfregas de fôlego. Eram palavras que ardiam dentro do seu corpo emagrecido, vestido com um casaco de malha, uma saia estimada, sapatos engraxados: — Ai meu rico homem amigo que és o maior amigo e eu fico sem ti meu rico homem meu companheiro meu amigo tão grande tão grande. A Maria chorava e tentava abraçar a mãe, consolá-la, porque, no peito, sentiam as duas o mesmo vazio definitivo e terrível que eu também teria sentido se algum dia tivesse perdido uma delas. O Francisco olhava pela janela. Tentava não ver. Tentava não saber não saber aquilo que sabia. Tentava ser um homem. Depois, sério, aproximou-se de mim. No tempo eterno e concreto, pou-

Cemitério de Pianos

sou-me festas no rosto e pousou a mão sobre a minha mão. Na mesinha-de-cabeçeira, sobre o tampo de ferro cinzento, descobriu um copo de água e um pau que tinha um pedaço de algodão na ponta. Molhou o algodão na água e assentou-mo na boca seca e aberta. Mordi-o com toda a força que tinha, e o Francisco surpreendeu-se por sentir pela última vez a minha força. Retirou o algodão. Olhou-me, e chorou também, porque já não o conseguia aguentar. A Maria abraçou-o e tratou como quando era pequeno: -Não tenhas medo, menino, que a gente não te vai deixar sozinho. A gente vai tratar de ti. Toda a minha força. Usei toda a minha força e só consegui fazer um som horrível de moribundo. Queria dizer ao Francisco e à Maria que eu também nunca os deixaria sozinhos, queria dizer-lhes que eu era o maior amigo que tinham na vida, que nunca os deixaria sozinhos e que nunca deixaria de ser o seu pai, e de tratar deles, e de protegê-los. Em vez disso, usei toda a minha força e só consegui fazer um som horrível de moribundo. O som de uma voz que já não conseguia falar, o som de uma voz que, usando toda a sua força, só conseguia fazer um barulho rouco com a garganta, um som horrível, um som de moribundo. Olharam para mim, e choraram mais, e sentiram no peito todo o vazio terrível, negro: profundo profundo: que eu também teria sentido se algum dia tivesse perdido um deles. Foram para casa da Maria e cada um ficou abandonado num canto dentro do sofrimento. Longe, protegida, a Ana tinha dois anos e estava na casa dos avós do lado do pais. Desprotegidos,

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Nas restantes páginas do livro, o critério inícial para a numeração era lateral, portanto, fora da grelha e fora do contexto mancha de texto, em old style, visto o carácter do livro, visto que não era comum, e o cabeçalho em small caps e da mesma tipografia de texto corrido, mas passado várias tentativas e vários testes, a melhor solução foi alterar a tipografia para a mesma da capa, para existir uma melhor coesão e harmonia na relação capa/miolo. No entanto, com todos os testes, o final acabou por ficar com a mancha de texto justificada a esquerda, com identação de 4mm, nos parágrafos e discurso direto (travessão), corpo 11pt, entrelinhamento 13pt, regular, com a numeração no centro da mesma guia que o cabeçalho, mas justificada pelo texto. A numeração em old style manteve-se, e o título da obra e o nome do autor, no cabeçalho com a mesma tipografia da capa (kaleko 205), corpo 8pt, entrelinhamento 10pt, em peso bold e heavy. O texto corrido seguiu as regras da gramática portuguesa, com o menor número possível de hifenização, dentro dos limites, não descurando a legibilidade.

José Luís Peixoto

Interior_Livro (miolo)

Página_ texto



Inspiração_livro_efémero_confusão_perceção_poesia_sem vida Estas imagens são uma espécie de moodboard para situar a obra de José Luís Peixoto, é uma história intemporal, cheia de entrelaços e laços de família, relações impossíveis, o cemitério de pianos caracterizado por um local sujo e poeirento, mas ao mesmo tempo, perdido de poesia e palavras não ditas.


_inspirações_referências _testes_vs._final _layouts_

Posters — Cores | layout

_cores_

Capas — tipografia | | lettering

_pesquisa_investigação

Processo criativo — Análise

Processos criativos_




Livro_Final_Capa | contracapa Escolha final | Explicação

A escolha da paleta de cores foi quase imediata, devido às referências do livro ao cemitério de pianos e à importância deste. O preto simboliza a morte e a metamorfose, o branco a esperança e a vida, que é celebrada a partir da ideia de morte. Uma nova vida é transformada com a morte de um parente, toda a metafísica descrita pelo autor, é de, desconforto, perante um telefonema que viabiliza a morte de um parente, mas de seguida por um nascimento de uma criança, a alegria descrita e o sentimento linear de felicidade. Com o decorrer da história, as várias sitações do livro como “Corro e levo o tempo. Dou uma passada, agora, dou outra passada, outro agora, e continuo: agora, agora, agora. Já não tenho medo. Sou iluminado pelas minhas certezas. (...) Todo o tempo, anos e décadas que vivi, que não vivi, que viverei existem neste instante.” foram decisivas para transformar a capa deste livro. A importância do tempo, a veia poética, a intemporalidade, tempo de que não existe, tempo que se conta, tempo. A ilustração da capa simboliza todos os disturbios, as cordas do tempo puxadas ao limite, a anatomia do piano levada ao extremo em que as cordas do piano são completamente rasgadas, partidas mas no entanto continuam a pertencer a uma família. Daí que a ilustração tem cordas intactas, e outras partidas, uma descontrução informal, com terminações nada objectivas, mas sim livres, daí que as linhas da ilustração mostram o caráter naive propositadamente.

“Lentamente, passavam-me fios da noite anterior pela cabeça: vapores de álcool que se dissolviam, palavras ou imagens da minha mulher que surgiam de repente. (...) Olhava para os pianos mortos, lembrava-me de como havia peças que ressuscitavam dentro de outros pianos e acreditava que a vida toda poderia ser reconstruída dessa maneira.”

Logo desde cedo, a capa queria que tivesse uma ligação com a lombada e a contracapa, daí a ilustração ser na largura completa, e não apenas ocupar um lugar de destaque na capa. A criação deste tipo de obra, uma prosa lírica, o sentimento é um todo. Um sentimento de ambiguidades, um sentimento de individualidade e personalidade. Mas sobretudo a familiaridade que o autor pretende procurar, o novo que respira o antigo. Daí que, a capa têm uma forte inspiração do incontornável Peter Saville, com a capa de cd “unknown pleasures - Joy divison”, isto para criar esse conforto visual, criar essa ideia de familiar, algo visualmente gráfico e melancolia forte, mas dentro dos parâmetros.


Capa_Utilização do objecto_ relação | Contexto O Protótipo Volumétrico do Livro, ficou todo a preto e branco, a capa têm uma relação intrínseca com a lombada e a contracapa através da ilustração e justaposição da mesma tipografia, em tamanhos diferentes.




Livro_Final_contexto _Utilização com o leitor _Tamanho_Formato


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JOANA SOUSA | DESIGN DE COMUNICAÇÃO | 2’3 PROJECTO I | JOÃO FARIA | ANO LECTIVO 2016/17 N.2015178 | ESAD |

P2

dossier

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INFO &

Livro de bolso


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