O Bairro Prenda em Luanda. Entre o formal e o informal _ Joana Venâncio

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O Bairro Prenda em Luanda ENTRE O FORMAL E O INFORMAL Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Realizada por: Joana Venâncio Orientada por: Prof. Doutor Rui Braz Afonso FAUP 2013


A presente dissertação de mestrado foi escrita conforme o antigo acordo ortogråfico.


AGRADECIMENTOS Aos meus pais, acima de tudo, pelo apoio ao longo de todo o curso de Arquitectura. Neste último trabalho académico em particular, ao meu pai por me ter despertado o interesse por Luanda e me ter proporcionado a viagem e à minha mãe pela revisão exaustiva e dedicada das minhas palavras. Ao Professor Rui Braz, meu orientador, pelo interesse constante e pelos desafios lançados. Ao Professor Ilídio do Amaral, pela amabilidade e dedicação com que me presenteou. Ao Arquitecto Simões de Carvalho, pela disponibilidade para me receber e pelo que aprendi com a sua obra. À Professora Isabel Martins, pela conversa que redireccionou o presente trabalho. À Anabela Cunha, por me guiar pelo Bairro Prenda, e aos seus familiares por gentilmente me abrirem as portas das suas casas. Aos Professores Victor Kajibanga e Paulo de Carvalho, por tornarem possível a minha viagem a Luanda. À RosaVasconcelos e ao Sr. Pedro Prazeres, por me guiarem, no seu duplo sentido, pelas ruas de Luanda. Ao Arquitecto Paulo Moreira e à Arquitecta Sílvia Viegas, pelo apoio e material disponibilizado. Aos meus amigos e colegas, pela partilha de ideias, frustrações e descobertas. Ao meu namorado, pelo apoio e conforto quando necessário.

Ao meu irmão Tomás.



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SUMÁRIO

Luanda é uma cidade dual. Tal como a maioria das cidades da África Subsaariana, é composta de uma área urbanizada, produto de planos e projectos formais de planeamento, mais ou menos gerais ou parciais, e áreas de génese informal, organizadas e construídas pelas mãos dos seus habitantes, perante um sistema formal incapaz de suprir as suas necessidades. Estas últimas, em Luanda designadas musseques, compõem-se sobretudo de habitações, de variadas qualidades construtivas, geralmente fruto de auto-construção e com grandes carências infra-estruturais. Contrastam com o centro urbanizado, área multifuncional, onde se localiza a maioria dos equipamentos e serviços urbanos, de edifícios de construção definitiva com acesso às redes municipais de saneamento, abastecimento de água e electricidade. A distinção entre cidade formal e informal, porém, não é tão simples como pode parecer à primeira vista, pois uma e outra vêm crescendo numa contínua relação de inter-dependência. O bairro Prenda encontra-se no “entre”, como exemplo do encontro e interacção entre cidade formal e informal. Nascido enquanto musseque periférico, logo foi alvo de uma intervenção urbana única em Luanda, que procurava a miscigenação ao invés de continuar a segregação espacial existente – e que ainda hoje é notória. Apenas uma parte do plano da Unidade de Vizinhança nº1 foi concluída, mas a construção do bairro foi continuada pelos seus habitantes em resposta às necessidades acentuadas pela guerra, como seja o défice habitacional. Materialização da combinação de processos de construção formais e informais, o bairro Prenda é, hoje, um bairro quase auto-suficiente, com uma vasta oferta de equipamentos urbanos, dotado de amplos espaços públicos com potencial de intervenção e que conjuga diferentes tipologias de habitação – desde as casas auto-construídas de materiais mais precários às grandes vivendas, passando por blocos de habitação colectiva que constituem exemplares da arquitectura moderna adaptada aos trópicos.



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ABSTRACT

Luanda is a dual city. Like most sub-Saharan African cities, it comprises an urbanized area, the result of more or less general or partial formal plans and projects, and areas of informal origin, organized and constructed by the hands of its inhabitants faced with a formal system unable to supply their needs. The latter, in Luanda called musseques, are formed mostly by dwellings, with a wide variety of constructive qualities, commonly self-constructed and lacking infrastructures. They contrast with the urbanized city center, a multifunctional area, where the majority of urban facilities and services are located, with buildings of permanent construction and access to the municipal sewage, water and electricity supply system. The distinction between formal and informal city, however, is not as simple as it might seem, since both have been growing in a continuous interdependent relation. Bairro Prenda is “in between”, as an example of the encounter and interaction between formal and informal city. Born as a musseque, soon it was the target of a unique urban intervention in Luanda that sought to miscegenate the population rather than to perpetuate the existent spatial segregation – which remains notorious even now. Only one part of the plan of Neighborhood Unit number 1 was completed, but the construction of the neighborhood was carried on by its inhabitants in response to needs increased by the war, such as the lack of housing. The materialization of formal and informal construction processes combined, present-day Prenda is an almost self-sufficient neighborhood that offers a wide range of urban facilities, has wide public spaces with an extensive scope for intervention and combines different housing typologies – from self-built housing made of precarious materials to large villas, as well as collective housing blocks that are examples of the modernist architecture adapted to the tropics.



CONTEÚDOS SUMÁRIO | ABSTRACT ............................................................................................................................................................................................... 5 | 7

1 2 3

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................................................................................... 11

CIDADE: PLANIFICAÇÃO E ESPONTANEIDADE •

CIDADE.............................................................................................................................................................................................................. 19

PROCESSO URBANO .........................................................................................................................................................................22

FORMAL, INFORMAL E SLUMS .................................................................................................................................................25

STANDARDS E LEGISLAÇÃO ..................................................................................................................................................30

LUANDA, ... •

... CIDADE COLONIAL ATLÂNTICA ...................................................................................................................................35 •

Fortaleza e Cidade Alta......................................................................................................................... 35

Porto e Cidade Baixa .................................................................................................................................41

Reformas e intervenções .................................................................................................................... 45

Os musseques ....................................................................................................................................................49

Planos de Urbanização ............................................................................................................................62

... CAPITAL AFRICANA SUBSAARIANA ..........................................................................................................................69

... CIDADE PÓS-COLONIAL: impressões ....................................................................................................................75

O BAIRRO PRENDA •

O LUGAR ........................................................................................................................................................................................................ 85

O MUSSEQUE PRENDA .....................................................................................................................................................................87

INTERVENÇÕES FORMAIS

O Arquitecto: Simões de Carvalho ........................................................................................ 93

Gabinete de Urbanização Municipal ......................................................................................98

O Plano Director [1961-64] .....................................................................................................................101

As Unidades de Vizinhança ..............................................................................................................105

Unidade de Vizinhança nº 1 .............................................................................................................. 109

Blocos de habitação colectiva PRECOL ..............................................................................117

A INFORMALIDADE TOMA CONTA DO BAIRRO ................................................................................................131 •

Habitação ................................................................................................................................................................137

Equipamentos ....................................................................................................................................................153

Espaço Público ...................................................................................................................................................160

UM FUTURO INCERTO ....................................................................................................................................................................... 170

NOTAS CONCLUSIVAS ................................................................................................................................................................172

CONSIDERAÇÕES (FINAIS) ................................................................................................................................................................................... 175 BIBLIOGRAFIA | Créditos das Imagens ....................................................................................................................................................181 ANEXOS .................................................................................................................................................................................................................................... 195



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INTRODUÇÃO

“Para enfrentar o súbito crescimento das aglomerações urbanas do Terceiro Mundo temos à nossa disposição os métodos do planeamento urbanístico e da moderna elaboração de projectos arquitectónicos [...] Mas os resultados globais desmentem clamorosamente os objectivos afirmados pela teoria moderna: os edifícios projectados por arquitectos de acordo com as normas, as cidades disciplinadas por planos urbanísticos e providas de serviços públicos, estradas, parques, etc., apenas atingem uma parte da população. A outra parte não tem possibilidade de os utilizar, instalando-se por sua iniciativa em outras casas, bairros e cidades desprovidas de ordenamento, ligadas às anteriores mas claramente clandestinas.” Leonardo Benevolo: O último capítulo da arquitectura moderna, 1985, p. 136

À medida que a população urbana a nível mundial cresce a um ritmo acelerado, verifica-se a sua concentração em cidades do Terceiro Mundo, mais concretamente nas suas áreas informais. O contraste entre estas e a cidade urbanizada, dita formal, é inquestionável, mas tem mais nuances do que aquelas que se percebem à primeira vista “A divisão entre as duas cidades é produzida por uma política de construção que define os padrões admissíveis com base em modelos convencionais europeus ou americanos que não correspondem à realidade local. Deste modo, as casas construídas pelos próprios habitantes com o seu trabalho são declaradas ‘clandestinas’ e os habitantes não recebem qualquer apoio para as construir melhor; em vez disso, insiste-se nas grandes empresas especializadas para construir alojamentos ‘modernos’ demasiado caros para a maioria da população e numa quantidade de longe insuficiente para satisfazer as necessidades” Idem, p. 153

O problema das áreas de génese informal de Luanda, os chamados musseques, consequência do elevado défice habitacional, é uma das preocupações do governo de Angola, expressa no Programa Nacional do Urbanismo e Habitação. Este previa a construção de um milhão de casas até 2012, 115 mil por iniciativa pública, 120 mil privada, 80 mil por cooperativas de habitação e ainda 685 mil através de auto-construção dirigida. Embora não tenha sido possível obter dados acerca dos resultados de todo o programa, destacam-se pela sua escala e mediatismo a construção da cidade-satélite do Kilamba Kiaxi e os bairros de reassentamento e realojamento, Zango e Panguila. São projectos top-down1 localizados a mais de 30 quilómetros de Luanda. O primeiro prevê a construção em várias fases de diferentes tipologias de habitação e equipamentos, embora continue com uma baixa taxa de ocupação devido aos elevados preços praticados; os segundos, para 1

Metodologia de planeamento em que este é imposto de cima para baixo, por oposição ao emergente bottom-up, ou seja, de baixo para cima, em que há um elevado nível de participação da comunidade.

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realojamentos, por vezes forçados, consistem de casas de piso térreo uniformizadas, de construção progressiva, com infra-estruturas deficitárias. São iniciativas que, juntamente com a requalificação do centro urbano, inegavelmente marcada pela tremenda pressão imobiliária, procuram resolver problemas derivados da informalidade urbana, como sejam a falta de higiene, deficientes condições de habitabilidade ou a ocupação irregular em solos de risco. As áreas informais são demolidas e os habitantes são realojados em novas áreas habitacionais, formais, construídas na periferia cada vez mais longínqua. Nega-se o direito à cidade a uma grande parte dos habitantes, geralmente as camadas mais pobres, e, frequentemente, intensificam-se os problemas que se pretendem inicialmente combater, entre os quais a pobreza, tendo sempre por base, mais ou menos subjacente, uma distinção entre cidade formal e informal – em que a última é indesejável para a imagem da nova Luanda. O Bairro Prenda apresenta-se, neste contexto, de difícil definição, pois constitui exemplo emblemático da relação controversa, mas também complementar, entre planeamento formal e construção informal. Foi palco de uma intervenção única em Luanda, que procurava acabar com os musseques, mas integrar a sua população no interior da cidade, em Unidades de Vizinhança constituídas por uma população heterogénea. No interromper da construção do projecto formal, a informalidade urbana assume o comando e encarrega-se da evolução do bairro, tanto da sua área de génese informal, o musseque Prenda, como da área de génese formal. OBJECTIVO

Procura-se, com a presente dissertação, estudar a complexa realidade urbana de Luanda como o resultado influenciado por um conjunto de factores, uns do nível formal de construção da cidade, como sejam o planeamento ou o projecto de arquitectura, outros do nível informal, das práticas sociais, económicas e culturais não reguladas que se traduzem num sem-número de micro-processos de construção partilhada. Através do estudo de um caso que está no “entre”, questiona-se a aplicação da dicotomia formal/informal como argumento justificativo de determinadas intervenções urbanas que, ao invés de promover o desenvolvimento, levam constantemente a uma deterioração da qualidade de vida da população.

Joana Venâncio


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MOTIVAÇÃO

Encantada com Zanzibar, local do meu último projecto académico prático de arquitectura e onde tive contacto com o chamado “urbanismo informal”, queria continuar a estudar um contexto diferente. Mais quente, mais informal, mais livre, mais criativo, mais tropical – mais África. Mais pobre e mais complexo também, e por isso mesmo desafiador. O interesse específico em Luanda prende-se com esta procura do desafio e ao mesmo tempo curiosidade – terra do meu pai, da minha avó e de uma grande parte da minha família, mas não a minha. Já a tinha visitado, mas não a conhecia. A dissertação de mestrado deu-me essa possibilidade e levou-me a encará-la com o espírito aberto de quem observa uma realidade de fora, mas ao mesmo tempo crítico, marcado pelos anos de estudo sobre a arquitectura e a cidade.

METODOLOGIA Dentre as numerosas fontes bibliográficas, assumem relevância as que se referem especificamente à cidade de Luanda pela individualidade que o contexto requer. De salientar a importância de três delas, ainda do tempo colonial: “Luanda (Estudo de Geografia Urbana)” de Ilídio do Amaral, “A Família nos Musseques de Luanda: subsídios para o seu estudo” de Ramiro Ladeiro Monteiro e “A

habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução” de José Redinha; e, de publicação mais recente, as teses de doutoramento “Luanda: a cidade e a arquitectura” de Isabel Martins e “Urbanis-

mo e Arquitectura em Angola: de Norton de Matos à Revolução” de Maria Manuela da Fonte, além do texto “Luanda no Futuro: O Bairro Prenda” de Ana Vaz Milheiro. Também importantes, inclusivamente pelo espírito crítico sobre o contexto actual, foram as conversas com o Prof. e geógrafo Ilídio do Amaral, com a Prof.ª e arquitecta Isabel Martins e com o autor do plano e projecto para o Bairro Prenda, o Prof. arquitecto e urbanista Simões de Carvalho. De valor inestimável é a viagem a Luanda, de 18 a 25 de Maio de 2013. Embora curta, permitiu pela observação e vivência registar alguns aspectos da cidade no seu todo e opiniões dos seus habitantes. Quanto ao caso de estudo, foi feita uma observação atenta em cinco visitas ao Bairro Prenda com diferentes tipos de aproximação, desde a passagem de carro com poucos momentos de paragem até à “visita guiada” enriquecida pelas visitas a casas particulares, possibilitadas pela historiadora Anabela Cunha. Passando, claro, pelos passeios a pé onde também foi possível o contacto com alguns moradores que se dispuseram a responder a algumas perguntas.

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Gostaríamos de deixar aqui os pêsames pelo falecimento recente do Sr. André Rosa, proprietário de uma das casas visitadas, e os sentimentos à família, que tão amavelmente nos recebeu.

Como não podia deixar de ser num trabalho de arquitectura, a imagem adquire um valor substancial. Procurou-se fazer, sempre que possível, uma análise gráfica, cruzando os elementos gráficos disponíveis com a bibliografia, os registos de observação e as informações fornecidas oralmente.

ESTRUTURA O presente trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro faz uma introdução aos conceitos essenciais da dissertação. Começa-se pelo de cidade e pelo seu processo de formação e crescimento para, de seguida, chegar ao binómio formal/ informal. Assim, fica imediatamente implicado o conceito de slum, tal como é definido pelas Nações Unidas, mas levanta-se o problema da contextualização das definições. Contexto este que, neste trabalho, corresponde a Luanda, tema do segundo capítulo. Aqui, procura-se compreender o processo de urbanização da cidade, tendo em conta, primeiro, a sua condição de cidade colonial atlântica e, seguidamente, de capital africana, cidade pós-colonial. Ou seja, entender de que modo os aspectos decorrentes de uma e outra condição se espelham na dimensão física, urbana e arquitectónica da cidade. O terceiro capítulo foca-se no Bairro Prenda, desde as primeiras referências ao musseque Prenda até aos dias de hoje ou, pelo menos, de Maio último. Pretende-se indagar a relação entre os processos formais e informais de construção do Bairro que resultaram na sua forma actual. Para tal, faz-se uma leitura da habitação, dos equipamentos e dos espaços públicos. Nas considerações finais, procura-se fechar um ciclo. Parte-se do caso particular do presente trabalho para questionar o papel dos diferentes actores na construção do espaço urbano, nomeadamente, o papel do arquitecto. Em anexo encontram-se alguns elementos de apoio à elaboração do trabalho, como sejam apontamentos de conversas e cartografia recolhida.

Joana Venâncio


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Fotografia da autora, publicidade angolana, 2013

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CIDADE: PLANIFICAÇÃO E ESPONTANEIDADE “A cidade é uma criação humana, onde a arquitectura é gerada pela sociedade através da criação de lugares pela natureza, sendo esta a base do estabelecimento dos primeiros assentamentos. A tentativa de fazer arquitectura é sempre acompanhada pelo traçado da cidade como parte integrante do desenvolvimento, como factor permanente, universal e necessário. Ela nasce como uma resposta directa aos problemas humanos na base de sistemas políticos, sociais e económicos ou como uma estrutura espacial onde a geografia e a topografia dos lugares joga um papel de suma importância. O tempo passa e a cidade cresce por si mesma, adquirindo uma consciência e uma memória” Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 87

A primeira parte desta dissertação procura clarificar os conceitos formal e informal, em particular quando aplicados à cidade – pelo que se revela igualmente necessário falar de cidade e de processo urbano.


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“engenhos de desenvolvimento económico, nacional, regional e global porque são os centros de produção e consumo e áreas alvo para hípermobilidade das migrações” “lugar fixo, construções resistentes e Ilídio do Amaral, 2012 equipamenos permanentes para a montagem, troca e armazenamento” ECONÓMICA Mumford, 1937

Joana Venâncio

“(...) povoado organizado institucionalmente como uma unidade local de governo de carácter Municipal ou Metropolitano” Carta Mundial do Direio à Cidade

POLÍTICA E

FÍSICA

INSTITUCIONAL

CIDADE

CULTURAL “espaço colectivo culturalmente rico e diversificado, a cultura urbana contemporânea é híbrida e ambígua” (Ilídio do Amaral, sobre) Sharon Zukin, 1995 e 2010

SIMBÓLICA

SOCIAL

ECOLÓGICA TEMPORAL “sistema interactivo entre dois conjuntos constituídos por um ou mais sócio-sistemas e um ou mais ecossistemas naturais e/ ou artificiais” Muxart, Vivien, Villaba e Burnouf, 2003

1. UM “MAPA” DE CIDADE | combinação de ideias de vários autores, tendo por base “As Cidades: Símbolos da Associação de Política, Economia & Cultura. (Bases para uma Sessão com debate)”, de Ilídio do Amaral. (traduções pela autora).

“divisão social do trabalho, que serve não só a vida económica como os processos culturais” Mumford 1937

“A cidade é uma reunião relacional de grupos primários e associações funcionais: os primeiros, como família e vizinhança, são comuns a todas as comunidades, enquanto os segundos são característicos da vida urbana” Mumford, 1937


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Cidade: planificação e espontaneidade

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CIDADE

Foquemo-nos, primeiramente, no objecto de estudo desta dissertação. Não Luanda especificamente, mas a cidade, o conceito em si mesmo. Revela-se essencial para entender porque nos referimos a cidade formal e informal, ou crescimento espontâneo e planificado. Segundo o Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, cidade é um “aglomerado popu-

Dicionário

lacional de importância superior à de vila, com determinadas infra-estruturas necessárias a essa condição, e no qual a maior parte dos habitantes se dedica ao comércio, à indústria, ou trabalha nos serviços.” 1 Daqui se retiram imediatamente três importantes factores para a sua definição: a dimensão populacional, a presença de determinadas infra-estruturas e as actividades económicas predominantes. No entanto, a anterior definição não tem em conta todas as dimensões da cidade, nomeadamente a sua dimensão política e institucional, convalidada pela dimensão social, tal como as dimensões cultural, simbólica e ecológica. Em 1937, Lewis Mumford2 define a cidade no seu completo sentido como “um encadeamento

geográfico, uma organização económica, um processo institucional, um teatro da acção social, e Dimensão Social

um símbolo estético de unidade colectiva”3. Salienta, sobretudo, a primazia da dimensão social, defendendo que a organização física da cidade deve ser subserviente às suas necessidades sociais. Nesse sentido, o limitar da sua dimensão populacional, área e densidade deve ser usado como instrumento de planeamento com vista à eficaz interacção social. Os textos de Mumford têm sido revisitados nos últimos tempos pelos especialistas do planeamento ambiental, interessados na dimensão ecológica da cidade.4 Em Introducción a la arquitectura. Conceptos fundamentales (2000), cabe a Jordi Oliveras

Concentração

abordar o conceito de cidade, no qual enfatiza a concentração, “de poder, de cultura de uma comu-

nidade, de actividades, de indivíduos”5. Ressalta também a importância dos edifícios públicos, cuja presença distingue cidades de extensões residenciais, ou seja, expressão do seu valor simbólico, político e institucional. 1 2 3 4 5

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001 [1895-1990] historiador, escritor e crítico literário nascido nos EUA, dedicado ao estudo das cidades e planeamento urbano. Trad. própria (pr.): “a geographic plexus, an economic organization, an institutional process, a theater of social action, and an aesthetic symbol of collective unity”, Lewis Mumford: What is a city? 1937 Ilídio do Amaral: As Cidades: Símbolos da Associação de Política, Economia & Cultura. (Bases para uma Sessão com debate). Curso de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Católica Portuguesa, 2012, p. 9 Trad. pr.:“de poder, de cultura de una comunidad, de actividades, de individuos” . Jordi Oliveras: Ciudad in SOLÀ-MORALES, Ignasi de; LLORENTE, Marta; MONTANER, Josep M.; RAMON, Antoni; OLIVERAS, Jordi: Introducción a la arquitectura. Conceptos fundamentales. Barcelona: Edicion UPC, 2000, p 141


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“A cidade tem como fim principal atender a uma função social, garantindo a todas as pessoas o usufruto pleno da economia e da cultura da cidade, a utilização dos recursos e a realização de projetos e investimentos em seus benefícios e de seus habitantes, dentro de critérios de equidade distributiva, complementaridade económica, e respeito a cultura e sustentabilidade ecológica; o bem estar de todos seus habitantes em harmonia com a natureza, hoje e para as futuras gerações.” Carta Mundial do Direito à Cidade, 2004, 2005

2. CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL, URBANA E RURAL. 1950-2030.

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Cidade: planificação e espontaneidade

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Juntar-lhes-emos também os espaços públicos, aqueles que, segundo Sharon Zukin, são “uma

Espaços públicos

janela para a cidade”. Estes,“presumidamente acessíveis a todos e que permitem práticas de interactividade social através das quais os habitantes se tornam cidadãos” 6, serão por excelência o lugar da cidadania, palco da vida social e da expressão cultural. Em 2004 e 2005, a Carta Mundial de Direito à Cidade estabelece uma definição mais ampla

Direito à Cidade

enquanto espaço físico, que lhe retira constrangimentos de escala, “toda vila, aldeia, capital, loca-

lidade, subúrbio, município, povoado”, salienta a dimensão política, “organizado institucionalmente como uma unidade local de governo de caráter Municipal ou Metropolitano”, e abrange todo o território de influência da mesma, “e que inclui as proporções urbanas, rural ou semi rural de seu

território.” 7 Enquanto espaço político, o mesmo documento define a cidade como “o conjunto de instituições e atores que intervém na sua gestão, como as autoridades governamentais, legislativas e judiciárias, as instâncias de participação social institucionalizadas, os movimentos e organizações sociais e a comunidade em geral”.8 As cidades têm uma relação de interdependência com o seu território de influência, ao mes-

Sistema urbano

mo tempo que se relacionam entre si, formando um sistema hierárquico urbano. Se antes este sistema se regia pela proximidade geográfica, dentro do paradigma cidade-região-nação, com a globalização a “cidade é agora muito mais dependente de uma rede mundial em que ela existe”9. Explosão demográfica urbana

A população mundial urbana vem aumentando drasticamente, concentrando-se preferencialmente em megacidades, as denominadas cidades globais. Os limites de cada cidade vão-se esbatendo e vão desaparecendo as fronteiras entre urbano e rural. Se no início do século XX era estimado que 13% da população mundial habitava em áreas urbanas, esse número cresce para aproximadamente 29% em 1950 e atinge os 49% em 2005. As previsões são de que venha a chegar aos 60% já em 203010 e aos 70% em 205011. Prevê-se que o crescimento se concentre nos países em desenvolvimento.

Ilídio do Amaral, As Cidades: Símbolos da Associação de Política, Economia & Cultura, p. 52 Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Quito: Fórum Social das Américas; Barcelona: Fórum Mundial Urbano, 2004 | Porto Alegre: V Fórum Social Mundial, 2005 8 Idem 9 Ilídio do Amaral: As Cidades: Símbolos da Associação de Política, Economia & Cultura, p. 41 10 UN Department of Economic and Social Affairs, Population Division: World Urbanization Prospects: the 2005 Revision 11 UN-Habitat: UN-Habitat and POST-2015 6 7

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PROCESSO URBANO

Se cidade equivale à urbe [do latim, cidade muralhada], então urbano é aquilo “que é rela-

tivo à cidade” 12. Deste modo, poder-se-á concluir que aquilo que Roberto Fernández designa por construção da cidade será o mesmo que Jordi Oliveras denomina de processo urbano 13, ou seja, o processo acumulativo que ao longo do tempo constrói a cidade. Este compõe-se não apenas de práticas técnicas do saber arquitectónico ou urbanístico, mas também de “práticas sociais da infor-

Dimensão temporal

malidade urbana, práticas económicas da especulação imobiliária ou práticas políticas das acções das diferentes jurisdições locais e territoriais do Estado” 14. “práticas técnicas do saber arquitectónico”

PROCESSO URBANO “práticas sociais da informalidade urbana, práticas económicas da especulação imobiliária ou práticas políticas das acções das diferentes jurisdições locais e territoriais do Estado”

Assim, apesar de se distinguir entre cidades criadas e cidades espontâneas, ou seja, umas planificadas de raiz, frequentemente com um traçado geométrico definido, e outras que surgem sem

3. PROCESSO URBANO Planificação e espontaneidade

desenho prévio, crescendo organicamente, a diferença entre umas e outras dilui-se com o decorrer do tempo. Os vários actores - arquitectos, urbanistas, governo, habitantes, etc. - intervêm no cres-

Actores

cimento da cidade, de modo que o processo urbano é sempre uma coexistência entre planificação e espontaneidade. Esta coexistência tem sempre associada uma tensão entre o nível formal, ou seja, das “ins-

tâncias institucionais, normativas legais e administrativas e aparatos de controlo e convalidação cultural”15, e o nível informal, da “multiplicidade de ‘miniprocessos’ sociais que determinam um fazer cidade [...] ‘magmático’, ‘desordenado’ e cheio de pequenos acontecimentos não regulados” 16. Esta

12 13 14

15 16

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001 Trad. pr.:“Construcción de la ciudad”; “proceso urbano” Trad. pr.: “las práticas sociales de la informalidad urbana, las práticas económicas de la especulación inmobiliária o las práticas políticas de las acciones de las diferentes jurisdicciones locales y territoriales des Estado”. Roberto Fernández: Modos de hacer ciudad: Proyecto y Plan, Revista Ciudades, nº 3. Valladolid: Instituto Universitario de Urbanística de la Universidad, 1996, p. 111 Trad. pr.:“instancias institucionales, normativas legales y administrativas y aparatos de control y convalidación cultural”. Idem, p. 114 Trad. pr.:“multiplicidad de ‘miniprocesos’ sociales que determinan un hacer ciudad [...] ‘magmático’, ‘desordenado’ y plagado de pequeños acontecimientos des-regulados”Idem, p. 114

Níveis formal e informal


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Plano e projecto

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Cidade: planificação e espontaneidade

manifesta-se no processo urbano através das variações que provoca nos instrumentos próprios da arquitectura e do urbanismo: projecto e plano, respectivamente.

Plano

Real

Virtual

FORMAL

.....

.....

INFORMAL

Projecto Disciplinar Extra-disciplinar

4.. FORMAL/INFORMAL; PROJECTO/ PLANO

Roberto Fernández17 classifica-os de acordo com o quadro anterior, isto é, como projecto disciplinar e plano real, caso se encontrem dentro da esfera formal, e projecto extra-disciplinar e plano Interacção plano / projecto; formal / informal

virtual, dentro da esfera informal. Não quer dizer, todavia, que esta classificação seja estanque. O plano real, embora dentro da esfera formal, adopta ao longo do tempo elementos do plano virtual, fruto dos processos informais. O projecto disciplinar, por seu lado, pode igualmente formalizar produtos do projecto extra-disciplinar, como, por exemplo, quando o arquitecto recorre a soluções da arquitectura popular. Pela análise do quadro, percebe-se que nas relações cruzadas, i.e., entre plano formal e projecto informal e vice-versa, a interacção é ainda maior. Este tem sido o caso ao longo da História, onde características e relações entre eles foram variando. Se no Pré-Moderno havia uma relação interactiva entre plano e projecto, apesar de o segundo ser deduzido do primeiro, o que resultava numa arquitectura de tecido, no movimento Moderno é o próprio projecto que procura ser fundador de tipologias.18 Concluindo, formal e informal não podem ser entendidos “a preto e branco”, pois, pela constante interacção dos dois, o resultado é sempre um diferente “tom de cinzento”, consoante seja maior a presença da formalidade ou da informalidade.

5.. DO FORMAL AO INFORMAL

FORMAL 17 18

INFORMAL

Arquitecto e professor em Buenos Aires, Argentina, dedicado à História da Arquitectura e Urbanismo e Gestão Ambiental Metropolitana. cf. Roberto Fernández: Modos de hacer ciudad: Proyecto y Plan, pp. 115-120


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E porque a cidade não é só a dimensão física, o construído, mas também a sua função, as ideias e os valores dos seus habitantes, considere-se ainda aquilo que Fernández classifica como experiência da cidade, ou seja, a acumulação dos materiais da memória urbana. Produto da experiência do habitar urbano e expressão da sua cultura serão então os registos e testemunhos como livros, filmes, imprensa, teatro, folclore, costumes, hábitos sociais, etc. Esta relaciona-se com a construção de modo cíclico, já que a primeira constrói os cenários em que a segunda acontece, enquanto a experiência ensina a repensar a construção, ou a pensar a reconstrução. Na interacção das duas, faz-se cidade.

Construção práticas técnicas +

Experiência conhecimento

= FAZER CIDADE

6.. CONSTRUÇÃO E EXPERIÊNCIA DA CIDADE

Rahul Mehrotra19 complexifica ainda a dimensão temporal da cidade ao entender a sua construção a dois tempos: distingue a cidade estática da cidade cinética. Enquanto a primeira será aquela representada a duas dimensões nos mapas da cidade, entendida como formal e permanente, a segunda consiste na cidade de fluxos, temporária e móvel por natureza, que constantemente se reinventa. Desta última fazem parte as construções temporárias, com materiais reciclados, e todas as estratégias informais de sobrevivência. As duas cidades ocupam o mesmo espaço, numa relação complexa em que a cidade cinética faz uso dos espaços e infra-estruturas da cidade estática, inovando e levando a sua função para além da inicialmente pensada.20

CIDADE ESTÁTICA arquitectura e malha urbana materiais permanentes

CIDADE CINÉTICA fluxos: pessoas, transportes, mercados, eventos, materiais improvisados

19 20

Arquitecto, urbanista e professor, com vários estudos publicados referentes à cidade de Mumbai/Bombaim, Índia. Rahul Mehrotra: Negotiating the Static and Kinetic Cities - The emergent urbanism of Mumbai in HUYSSEN, Andreas (ed.): Other Cities, Other Worlds: Urban Imaginaries in a Globalizing Age. Duke University Press: 2008, p.205-218

7. CIDADE ESTÁTICA E CIDADE CINÉTICA


FAUP 2012/13

Cidade: planificação e espontaneidade

FORMAL, INFORMAL E SLUMS

Se é possível concluir que a cidade se constrói sempre numa interacção entre a esfera formal e informal, é imperativo perguntar porquê, e como, se distingue entre cidade formal e cidade informal. Tal como antes, recorreremos ao significado primeiro das palavras. Formal prende-se com a Dicionário

forma, clareza e evidência, além de se referir a algo “que obedece a determinadas convenções”21, neste caso, às já referidas normas institucionais, legais, administrativas e culturais. Informal existe por oposição, referindo-se àquilo “que é destituído de formalidades” 22, ou seja, que não cumpre as regras comummente aceites. O termo informal, todavia, nem sempre foi associado à cidade ou ao Urbanismo. Foi inicialmen-

Informal

te aplicado ao desenvolvimento económico na década de 1970, como oposto daquilo que podia ser identificado, medido e regulado. Já no final da década, o termo foi adoptado a outros sectores de desenvolvimento. No desenvolvimento urbano, teve um importante papel no debate dos anos 70 e 80 sobre a auto-construção (self-help housing debate), para o qual contribuíram John Turner, Charles Abrams e Otto Koenigsberger, contestados pelos neo-Marxistas como Rod Burgess23. Informal é, então, desde os anos de 1980, o termo dominante no urbanismo para designar “o

Definição

que não está de acordo com a legislação, regulação ou registo governamental em 3 factores: •

uso do solo (como avaliado no planeamento – cobrindo aspectos de uso e/ou densidades

apropriados, tal como posse de terra), •

padrões construtivos (tal como avaliados no regulamento da construção) e

infra-estrutura (tal como avaliada em termos de saúde pública e geralmente incorporada

nos dois anteriores regulamentos)” 24.

21 22 23 24

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001 Idem. Paul Jenkins; Jørgen Eskemose Andersen: Developing Cities in between the Formal and Informal, . 4th European Conference on African Studies, Panel 85. Uppsala, Sweden, 2011, p. 2 Trad. pr.:“For physical urban development, essentially the „informal is that which does not comply with government legislation, regulation and/or registration in terms of 3 factors: land use (as assessed by planning activity – covering aspects of appropriate uses and /or densities, as well as tenure), construction standards (as assessed by construction regulations) and infrastructure (as assessed in terms of public health risks and generally embedded in the former two sets of regulation)” . Idem, p. 2

25


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

INFORMAL planeamento e construção 8. SQUATTER, INFORMAL

SQUATTER posse de terra

SLUM qualidade habitacional e condições de vida

“Squatter – establishing housing in other people’s land Slum – quality of housing and living conditions Informal settlement – planning, building”

E SLUM. Notas da apresentação do Prof. Wolfgang Scholz [urbanista e professor em Dortmund, Alemanha, especializado em desenvolvimento urbano informal], no âmbito do projecto

Zanzibar: Beyond Tourism, Universidade de Estugarda, Abril 2012

Deste modo, o conceito de informal relaciona-se com o planeamento e a construção, tratando-se de um conceito diverso, embora por vezes coincidente, do de squatter, relacionado com a invasão de propriedade alheia, ou o de slum, que, desde o lançamento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio25 em 2001, oficialmente se refere às condições de vida. Este último representa uma grande preocupação a nível mundial, a da pobreza intensificada pela rápida urbanização, e que se traduz na denominada urbanização da pobreza, i.e., urbanização de

slums. Se a população urbana mundial aumentou exponencialmente, este aumento tem sido par-

Slums, urbanização da pobreza

ticularmente brusco nos países em desenvolvimento. Em 1950, estimava-se que apenas 18% da sua população vivia em cidades, número que subiu para 40% em 2000, e que se prevê chegar aos 56% em 203026. Da população urbana dos países em desenvolvimento, estima-se que 43% residam em

slums, número que sobe para 78,2% nos menos desenvolvidos. A nível mundial, estimavam-se, em 2001, 924 milhões de habitantes de slums, cerca de 32% do total da população urbana.27 Ora, os slums são o resultado da falta de capacidade do Estado e do mercado formal de trabalho de absorver o brutal aumento de habitantes, os quais recorrem aos seus próprios meios para 25

26 27

Os Millenium Development Goals são oito objectivos de desenvolvimento internacional, estabelecidos na Cimeira do Milénio das Nações Unidas, entre todos os estados membros e algumas organizações internacionais. Ver: http://www.un.org/millenniumgoals/ UN-Habitat: The challenge of slums: global report on human settlements 2003, [1º Capítulo revisto, 2010] p. xxxi Idem, p. vi

Causas


Cidade: planificação e espontaneidade

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se estabelecerem na cidade. São o “produto de políticas falhadas, má governança, corrupção, le-

gislação inapropriada, mercados fundiários disfuncionais, sistemas financeiros sem capacidade de resposta e uma fundamental falta de vontade política” 28. O termo em si surge pela primeira vez na Inglaterra do início do séc. XIX para identificar as

Origem do termo

zonas residenciais mais pobres, com piores condições de higiene e frequentemente associadas ao crime, ao vício e à origem de epidemias. Com a reforma habitacional inglesa no final desse século, o que era um termo popular passou para a linguagem oficial, definindo-se, com fins de planeamento, “áreas de slum”, de “casas materialmente inapropriadas para habitação”. O termo difundiu-se igualmente para outros países de língua inglesa.29 No século XX, novos termos mais específicos começaram a ser usados, quer por necessidade de maior rigor, quer pela conotação negativa da palavra slum, mas também os eufemismos vêm a ganhar o mesmo significado. Nas várias partes do mundo, encontram-se igualmente diversos terRegionalismos

mos regionais (shanty towns, bidonvilles, bairros de lata, favelas, barrios ou, em Angola, musseques) para descrever um fenómeno em tudo semelhante — e, no entanto, deveras distinto.

Millenium Development Goals

Em 2001, com o lançamento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, o termo slum volta a ser usado oficialmente no Objectivo 7D30: “Até 2020, atingir um melhoramento significativo nas

vidas de pelo menos 100 milhões de habitantes de slums” 31. A UN-Habitat não descura, no entanto, a diversidade do fenómeno a nível mundial e, por vezes, dentro do mesmo país. Recorrendo a legislaCaracterísticas

ções nacionais e locais, associa-o a determinadas características, como a “falta de serviços básicos”,

“casas abaixo dos padrões ou com estruturas inadequadas”, “superlotação e alta densidade”, “condições de vida insalubres e localizações perigosas”, “insegurança na posse de terra, assentamentos irregulares ou ilegais”, “pobreza e exclusão social”, ou mesmo a necessidade de uma “dimensão de assentamento mínima”32 para a sua identificação. 28 29 30 31

32

Trad. pr.: “slums are the products of failed policies, bad governance, corruption, inappropriate regulation, dysfunctional land markets, unresponsive financial systems and a fundamental lack of political will“. Idem, p. xxxii Trad. pr.: “slum areas”; “‘a house materially unfit for human habitation”. Idem, p 11 No documento inicial seria o Objectivo 11, passando com a revisão de 2008 a estar incluído no Objectivo 7, “Garantir a Sustentabilidade Ambiental” [trad. pr.: “Ensure Environmental Sustainability”] Trad. pr.: “By 2020, to have achieved a significant improvement in the lives of at least 100 millions slum dwellers”. UN-Habitat: The challenge of slums, p. 6. Este objectivo foi cumprido muito antes do tempo: em 2012 as vidas de 200 milhões de habitantes de slums tinham já melhorado significativamente – mas outros 100 milhões haviam-se instalado em slums. A UN-Habitat afirma que o objectivo deveria ter sido formulado em valores proporcionais ao total, em vez de valores absolutos in UN-Habitat: UN-Habitat and the Millennium Development Goals Trad. pr.: “Lack of basic services”, “Substandard housing or illegal and inadequate building structures”, “Overcrowding and high density”, “Unhealthy living conditions and hazardous locations”, “Insecure tenure; irregular or informal settlements”, “Poverty and social exclusion”, “Minimum settlement size”. UN-Habitat: The challenge of slums, p. 14

27


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

9. DIFERENTES NOMES PARA UM FENÓMENO SIMILAR

Joana Venâncio


Cidade: planificação e espontaneidade

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Não obstante, estabelece uma definição operativa de slum para a sua efectiva identificação e tentativa de erradicação a nível mundial: “uma habitação de slum é definida como uma habitação Definição

onde falte uma das seguintes condições: •

[acesso a] fonte de água melhorada;

saneamento melhorado;

área de habitação suficiente;

durabilidade da habitação;

segurança de posse de terra.”33

Deste modo, nem sempre as áreas de slum correspondem a áreas urbanisticamente informais, já que se pode verificar a falta destas condições de habitabilidade em centros urbanos formais degradados, por exemplo, tal como se pode verificar o inverso, ou seja, a existência de todas as condições em áreas não planeadas.34 Pela sua definição, os slums são associados essencialmente à pobreza, tanto dos seus habitan-

Habitantes de slums

tes como das respectivas habitações. No geral, quando comparados com outros habitantes urbanos, têm em geral menor acesso a infra-estruturas, à educação, serviços sociais e oportunidades várias, menores rendimentos, maiores problemas de saúde e baixo nível de integração na comunidade. Porém, é igualmente possível encontrar nos slums alguns habitantes que não são pobres. Nos países em desenvolvimento, estes consistem nas áreas residenciais da maioria da classe trabalhadora, pelo que a relação entre os slums e o resto da cidade é constante. Fazem parte da cidade, à qual fornecem mão-de-obra e um sem-número de serviços, e não podem ser vistos como elementos estranhos ou desnecessários.

33 34

Trad. pr.: “A slum household is defined as a household lacking one or more of the following: Improved water; Improved sanitation; Sufficient living area; Durable housing; and Secure tenure.”, UN-Habitat: The challenge of slums, p. 16 Ilídio do Amaral defende, no entanto, que embora estes centros urbanos pudessem ser inicialmente formais, ao transformarem-se em slums também se tornam de certo modo informais, já que estão frequentemente ligados a actividades da economia informal.

29


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

STANDARDS E LEGISLAÇÃO Tanto a definição de informal como a de slum deixam em aberto uma importante questão: a de quem estabelece os standards que desenham a linha abaixo da qual uma área se enquadra nessa definição. Aplicando os factores anteriormente descritos, por exemplo, há duas centenas de anos atrás em Portugal, com certeza classificariam a maioria do país como informal ou slum, pois não havia as

Contextualização: temporal e espacial

condições de habitação ou higiene actuais. Ou seja, os standards têm indiscutivelmente um contexto temporal – e terão também um contexto espacial. Aqueles que são definidos por organizações internacionais, como é o caso da ONU, procuram

Padrões gerais

obter um resultado geral, aplicável a nível mundial e, consequentemente, não contextualizado. Outros, definidos na legislação de cada país, também nem sempre se adequam à realidade. Em muitos países africanos, continua vigente uma grande parte da antiga legislação colonial, a qual beneficiava

Legislação colonial

os colonos e não a maioria da população colonizada. O contexto africano, ou do hemisfério Sul no geral, é consideravelmente diferente do contex-

Leis do planeamento

to do Norte, no qual se desenvolveram os princípios das correntes leis do planeamento. Segundo Jenkins35, a legislação do planeamento deriva essencialmente da legislação da terra conjugada com a legislação da saúde pública, na qual se enquadram as leis da construção. E todas elas estão enquadradas no contexto cultural, político e económico do Norte, onde o papel do Estado em combater os resultados da actividade não regulada nas áreas urbanas se foi fortalecendo ao longo do século XX. Actualmente, na “modernidade do capitalismo tardio”, a ordem formal institucional caracteriza-se pelo discurso da democracia liberal que coordena as entidades sociedade, Estado

Sistema da Democracia Liberal

e mercado. Individualismo, cidadania e racionalismo utilitário são pilares deste sistema. O primeiro, como a base das relações sociais, nomeadamente com o declínio da família nuclear como unidade elementar; o segundo, como base das relações políticas numa democracia representativa; o terceiro, como base das relações económicas num sistema de produção e troca de produtos.36 Apesar da ideia generalizada de que este bom exemplo se deveria reproduzir no hemisfério Sul, ele nem sempre foi aceite, muitas vezes associado à opressão colonial. Outras normas, instituições e hierarquias pré-coloniais mantiveram-se durante o regime colonial e prevalecem agora, convivendo com as ditas formais. Deste modo, Jenkins defende que as bases para um sistema formal adequado ao Sul deveriam ser outras: o parentesco e a comunidade nas relações sociais, 35 36

Arquitecto, urbanista, cientista social e professor em Edimburgo, Escócia. Especializado em urbanismo emergente e na dimensão social do design, no contexto da África Subsaariana. Paul Jenkins; Jørgen Eskemose Andersen: Developing Cities in between the Formal and Informal, pp. 3-4

Bases para um sistema formal adequado ao Sul


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31

Cidade: planificação e espontaneidade

o autoritarismo aceite ou clientelismo negociado nas relações políticas, a redistribuição social ou

da de cie So

Redistribuição Reciprocidade

Parentesco e

NORTE

comunidade

Mercado Racionalismo Utilitário

Cidadania

10. SISTEMA FORMAL NO NORTE E IDEIAS DE UMA POSSÍVEL ADAPTAÇÃO AO SUL

Individualismo

Mercado

Autoritarismo clientelismo

cie So

o

o

DEMOCRACIA LIBERAL

ad Est

ad Est

da de

reciprocidade nas relações económicas.37

SUL

Estes são, na verdade, os pilares do sistema em vigor, dito informal, através do qual a sociedade se relaciona, a política se faz, ou a economia opera. Questiona-se, então, se a aplicação de

standards não contextualizados, os quais enquadram uma grande fatia da realidade no informal, serão construtivos ou, pelo contrário, destrutivos. Relatividade dos standards

Por exemplo, os habitantes de uma casa consideram-na bastante apropriada e orgulham-se pelos melhoramentos que, com esforço, conseguiram. No entanto, não compraram a terra no mercado formal; ou o espaço da habitação fica aquém do valor standard; ou a qualidade da construção não é a desejada pelo governo. Os próprios habitantes não são capazes, nem têm verdadeira intenção de atingir os standards. Mas a habitação é considerada informal, ou a área é classificada como slum e, no caso de um projecto de renovação urbana, será certamente demolida e a zona reconstruída. “o que nalguns países é um lar, composto por uma determinada combinação de objectos e possibilidades, em outro pode não ser bem assim, uma vez que, humanamente, nos mais variados continentes, é a força do hábito que dita as circunstâncias que cada cidadão acata como aceitáveis, coletivamente insuportáveis ou democraticamente justas” Ondjaki: Os transparentes, p. 252 37

Trad. pr.:“kinship and community-based“; “accepted authoritarianism or negotiated patronage”; “social redistribution or reciprocity” . Paul Jenkins; Jørgen Eskemose Andersen: Developing Cities in between the Formal and Informal, p. 4


ŠGoogle Earth, 2012


2

LUANDA, ... “embora deva ser classificada como uma cidade espontânea, Luanda apresenta na sua história, como aliás quase todas as cidades, uma parte de ‘vontade’ e uma parte de ‘espontaneidade’” Vasco Vieira da Costa: Plano para a Cidade Satélite nº3, p. 27

Luanda é a capital de um país africano em desenvolvimento do hemisfério Sul. É também uma cidade atlântica, com uma história de colonização que durou 500 anos, seguidos de quase três décadas de guerra civil. Sob um regime pós-colonial e no actual contexto de urbanismo liberal1, procura reconstruir-se. Todas estas características contribuem para o seu carácter actual. Tendo em conta as várias dimensões da cidade, da política à económica, passando pela social, simbólica e cultural, propõe-se no presente capítulo interpretar a influência de cada uma na dimensão física da cidade de Luanda, nomeadamente no resultado do seu processo urbano. 1

Conceito de Alain Bourdin, cf. O Urbanismo depois da Crise , 2010


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

1. LOCALIZAÇÃO. ANGOLA E LUANDA.

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Luanda, ...

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CIDADE COLONIAL ATLÂNTICA

Luanda é a cidade de fundação europeia mais antiga na costa ocidental africana a sul do equador. O seu desenvolvimento urbano, a sua história e a sua situação geográfica estão intrinsecamente ligados, pelo que não é possível falar de um aspecto sem referir os outros. Localiza-se a 8º 48’ de latitude sul e 13º 13’ de longitude este, debruçada sobre o oceano Atlânti-

O lugar

co, entre os rios Bengo e Kwanza. Do mar e das suas intempéries está protegida pela ilha do mesmo nome, parte de uma restinga de dimensões e formas variáveis que começa na foz do Kwanza e cria na Baía de Luanda um porto natural de águas calmas. Entre a baía e o planalto que se estende para o Interior forma-se uma abrupta linha de barrocas com cerca de 50 a 60 metros, a qual desenha o morro de S. Miguel1, promontório sobranceiro à baía e onde vai nascer a cidade.

FORTALEZA E CIDADE ALTA “‘Dentro de dez anos’ Paulo Dias de Novais teria de construir ‘três castelos de pedra e cal entre os rios Zenza’ (ou Bengo) ‘e Cuanza, e um deles /.../, no porto onde parecer que podem ir armadas de estrangeiros’, não poderia ser ‘de menos que de quarenta braças de quadra e doze palmos de grossura e quarenta de altura, com dois baluartes em dois cantos /.../, em travezes singelos de todo o muro’ [...] [...] logo que desembarcasse, o capitão e governador teria de mandar fazer fortificações provisórias ‘de taipa e madeira, para se segurar dos negros’ e para ir ‘domando a terra’.” Ilídio do Amaral: O Consulado de Paulo Dias de Novais, p.66 (citando a Carta de Doação)

Localização e topografia ditaram a implantação da Fortaleza de S. Miguel e a fundação da povoação de S. Paulo de Luanda em 1576 por Paulo Dias de Novais. Era a sua segunda viagem a Angola, Carta de Doação

e desta vez trazia consigo uma carta donatária2 do rei D. Sebastião, onde se impunha a construção de três castelos, o maior onde fossem armadas de estrangeiros, ou seja, para deles se defender.3 1 2

3

Inicialmente chamado Morro de S. Paulo. O sistema de donatarias/capitanias hereditárias foi usado pela Coroa portuguesa na colonização; nos capitães donatários se depositavam o dever de colonizar e direitos de soberania. No caso de Angola, no entanto, a carta donatária foi entregue a Paulo Dias de Novais antes da conquista do território e sem um conhecimento aprofundado sobre as características do mesmo. Na carta se ditava a doação de 35 léguas de costa, desde a foz do Kwanza para norte, e até onde chegasse em direcção ao interior; Ilídio do Amaral: Luanda e Maputo: de capitais de Províncias Ultramarinas a capitais de Estados Independentes. Conferência, Guimarães, Dezembro 2012, p. 1


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

2. PLANTA DA CIDADE DE S. PAULO DE LUANDA EM 1665 | por Johannes Vingboons, Arquivo Nacional, Holanda. Contém sensivelmente a mesma informação que a de 1647

3. PLANTA SETECENTISTA DAS FORTIFICAÇÕES DE LUANDA

Joana Venâncio


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À chegada ter-se-ão os portugueses instalado na Ilha, território dos Axiluanda e feudo do rei do Congo que dali retirava o zimbo, pequenos búzios usados como moeda no reino. Só em 1576 se mudam para o continente, para a encosta do Morro de S. Paulo voltada para a actual praia do Bispo, Primeiras construções

onde constroem a fortificação “de taipa e madeira” para acampamento militar, cumprindo as ordens régias. Para tal, faziam parte da armada pedreiros, cabouqueiros e taipeiros. A técnica da taipa seria bastante importante na expansão portuguesa pela sua fácil e rápida execução, dominada pelos portugueses e desconhecida dos povos não europeus.4 São igualmente construídos barracões provisórios para a administração, a primeira capela, dedicada a S. Sebastião, e o primeiro palácio do Bispo. Destes, nada terá ficado.5

Defesa

A primeira preocupação prende-se com a construção de um castelo para defesa da terra conquistada e continuar tal conquista para o Interior em busca das famosas minas de prata através do rio Kwanza, cuja foz era relativamente perto. Luanda funciona, assim, como ponto de partida para a expansão e ocupação do território dos reinos do Congo, Angola e Benguela. Fazer uma cidade não era prioridade ou vontade do rei. Este havia apenas dado autorização para fazerem ou elevarem à categoria de “vilas todas quaisquer povoações que se na dita terra fizerem e lhe a eles

parecer que o devem de ser” 6 – tal como Luanda, que em pouco tempo passou a vila. Fundação da Cidade

Em 1605, um ano após se ter a certeza da inexistência das minas de prata de Cambambe, mas quando o negócio esclavagista se afigura como fonte inesgotável de rendimento, Luanda recebe

Clima

foros de cidade. Não obstante a circunstância do clima ser agreste, com elevadas temperaturas e humidade excessiva, das chuvas serem poucas mas intensas, da falta de água potável, da pouca vegetação e dos solos arenosos impróprios para a agricultura. E sem qualquer plano, contrariamente ao que acontecia na colonização espanhola, onde as Ordenações descreviam pormenorizadamente como estruturar as cidades por eles fundadas7, muito embora a soberania portuguesa tenha pertencido aos reis espanhóis entre 1581 e 1640. Luanda é fundada para ser nada mais que “uma

base de rapina, um acampamento de trânsito” 8. Crescimento

Vai então crescendo espontaneamente em dois planos, à semelhança das cidades marítimas portuguesas: a Cidade Alta, pólo militar, administrativo e religioso, que parte da Fortaleza e segue 4 Segundo Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura. (Dissertação de Doutoramento). Porto: FAUP, 2000, p. 156 5 Pepetela: Luandando. Porto: E.L.F. Aquitaine Angola, 1990, p. 17 6 Carta de Doação, citada por Ilídio do Amaral: O Consulado de Paulo Dias de Novais. Angola no último quartel do século XVI e primeiro do século XVII. Lisboa: MCT-IICT, 2000, p. 66 7 Ilídio do Amaral: Luanda e Maputo: de capitais de Províncias Ultramarinas a capitais de Estados Independentes, p. 2 8 Pepetela: Luandando, p. 18

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

para sul pelo planalto, e a Cidade Baixa, zona comercial ligada ao porto. As ligações entre as duas cotas fazem-se por íngremes caminhos e calçadas. A Alta desenvolve-se em planta linear ao longo do espigão que parte da esplanada da Forta-

Estrutura física

leza até ao Convento de S. José9. Ao longo deste eixo, que em 1647 é a única rua da cidade, constroem-se os edifícios administrativos, religiosos e também civis, como as residências dos governadores, dos conquistadores importantes e da sua criadagem. A população da Cidade Alta consistia não só de aristocracia e clero, como também dos seus criados ou escravos, com os quais havia estreita convivência. Na construção dos palácios e casas apalaçadas incluíam-se, como acontece na casa colonial brasileira, as acomodações para os escravos domésticos. As construções civis, porém, eram executadas com materiais rudimentares como adobe e ramadas, tanto pela falta de interesse como pela falta de materiais, que iam chegando aos poucos de

Materiais construtivos

Portugal e do Brasil, mas destinados às construções religiosas, inicialmente construídas em madeira. Só no final do século XVII, com a descoberta das primeiras pedreiras10, se começa a usar pedra nas construções civis, resultando a Cidade Alta num conjunto de edifícios importantes “rodeados por

várias casas de alvenaria e algumas de pau-a-pique11 ou de taipa” 12. “naõ tem a Villa de S. Paulo fortificaçaõ alguã, & huã casa que tem pera feitoria hé tal que nem se lhe pode por este nome, porque são huãs taipas cuberta[s] de palha, estas mui desbaratadas. E posto que ao longo da praya se fizerão alguns repairos e trincheiras que elles chamaõ fortes, nada disto tem, porque são de taipas muito fracas e sem artilharia, nem presidio, nem capitaõ. Mas os moradores vaõ fabricando as suas casas e a povoação vai em muito crescimento e poderá ter até trezentos vizinhos portug[u]eses.” Autor Anónimo, 1607 13

O forte de taipa havia começado a ser modificado cerca de 1638. Quando os holandeses ocupam Luanda em 1641, acabam os próprios por o restaurar e reforçar com barro14. O tráfico de escravos para o Brasil é interrompido até que a armada de Salvador Correia recupera a cidade em 1648,

9 10 11

Estabelecido pelos Franciscanos em 1604, actualmente Hospital Josina Machel. Terá ocorrido durante o governo de Francisco Távora (1669-1676). Técnica construtiva, também denominada taipa de mão, que consiste em entrelaçar madeiras verticais, presas no solo, com vigas horizontais e preencher depois a estrutura com barro. A parede pode ser ou não rebocada. 12 Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana). Colecção Memórias da Junta de Investigações do Ultramar, nº53. Lisboa: 1968, p. 39, segundo o testemunho de Cadornega [1623-1690], militar e historiador português que viveu em Angola a partir de 1939. 13 Citado por Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 37 14 Pepetela: Luandando, p. 31

Luanda 1607 Ocupação Holandesa


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Centralização

enviado pelos colonos brasileiros, já que à Coroa portuguesa faltavam meios militares e financeiros15. A partir de 1648 dá-se a Refundação de Luanda, em que a administração é centralizada na Cidade Alta para mais facilmente se defenderem das ameaças vindas do mar.16 Durante a ocupação, as defesas rudimentares haviam ficado bastante danificadas, pelo que são construídos fortins e

Arquitectura Militar

baluartes na linha de costa, a norte, além de baluartes e trincheiras na linha das barrocas do lado de terra devido às “constantes guerras no sertão” 17. A Fortaleza de S. Miguel recebe este nome quando é reconstruída em alvenaria e aumentada em 167018, mas o processo de substituição das construções defensivas primitivas por outras de alvenaria só termina em meados do séc. XVIII. Juntamente com as campanhas militares de conquista, resultam num orçamento militar avultado, ao contrário do civil para investimento na cidade19.

15 16

A Restauração Portuguesa havia-se dado em 1640 e decorria no momento a Guerra da Restauração [1640-1668]. José C. Venâncio (Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII. [Sep. da Revista de História Económica e Social, nº14] Lisboa: 1984) considera esta a primeira reforma urbanística da cidade, mas Isabel Martins discorda, uma vez que a maioria dos edifícios se concentravam já na Cidade Alta, com excepção do Palácio do Bispo. 17 Pepetela: Luandando, p. 25; cf. José C. Venâncio: Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII, p. 68, que afirma que o único perigo provinha do mar, já que no Interior os povos estavam sob domínio português. 18 Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p.149. Informa a autora, mais detalhadamente, que as obras terão acontecido sob o governo de Francisco Távora (1669-1676); foram decorrendo continuamente obras de melhoramentos até ao fim do governo de Sousa Coutinho (1764-1772), pp.182-184. 19 José C. Venâncio: Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII, p. 68

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4. PLANTA DA CIDADE DE LUANDA EM 1755 A vermelho encontram-se as construções de pedra e cal, enquanto a amarelo estão as cubatas. É nítida a concentração das primeiras mais perto da costa, enquanto as segundas ficam relegadas para um segundo plano.

5. TELHADOS MÚLTIPLOS | Sobrados da Baixa e o antigo porto, ao fundo

6. SOBRADO DO SÉC. XVIII NA RUA DIREITA DO BUNGO


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PORTO E CIDADE BAIXA “De acampamento militar, Luanda vai transformar-se em cidade-feitoria, ponto de apoio para a captura das ‘peças’ [...], e local de guarda e embarque dos escravos para o Brasil.” Pepetela: Luandando, p. 21

Apesar das condições agrestes, a intensa actividade portuária, facilitada pelo excelente anActividade portuária

coradouro natural, permite a permanência e crescimento da cidade de Luanda. O comércio esclavagista acontecia já antes da chegada de Paulo Dias de Novais, mas é a partir daí que tem um aumento considerável, legal e clandestinamente. Por ano, são exportados entre 8.000 e 10.000 escravos20 para o Brasil e para as Índias de Castela, onde vão trabalhar nos engenhos de açúcar. Ao porto chegam também mercadorias várias, desde água doce a mantimentos e materiais de construção, vindas do Brasil ou de outros pontos de Angola. O tráfico de escravos é o motor da economia e do crescimento urbano de Luanda, o que se reflecte na população que a habita e nas construções por ela levadas a cabo. Deste modo, confor-

Mudança do porto

me o porto muda da Barra da Corimba, a sul, para a Baía,21 devido ao assoreamento da barra e à substituição de navios, também o crescimento da Cidade Baixa, inicialmente na vertente sudoeste do morro de S. Paulo, se transfere para norte, nomeadamente para aquele que será o futuro Bairro dos Coqueiros. A população que aí se estabelece consiste essencialmente de traficantes de escravos e outros

População

comerciantes, de mareantes e dos próprios escravos enquanto aguardam embarque. A maioria dos colonos, tal como os soldados e habitantes dos presídios no Interior, são degredados, criminosos de delito comum ou “religioso”22, o que resulta em baixos princípios morais e analfabetismo. Trata-se de uma população flutuante, em busca de riqueza rápida e sem intenções de permanência. O desequilíbrio entre sexos é enorme, tanto entre colonos, onde os homens são em número consideravelmente maior, como entre autóctones, onde são as mulheres que acabam por ficar na cidade. Assim, a população mestiça vai aumentando gradualmente até ao século XIX, tornando-se uma característica típica da sociedade luandense, em que estes começam a ocupar cargos públicos, civis e militares. Aquela que vem a ser a família dominante, além de mestiça, era igualmente patriarcal poligâmica, já que um homem, geralmente europeu ou mestiço, tinha várias mulheres. 20 21 22

Segundo Cadornega (1680) in Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 41 Desde 1620 que a entrada entre a ponta da Ilha e o Farol das Lagostas é utilizada e a mudança torna-se definitiva em 1648. Inclui judeus, simpatizantes da Reforma e outros acusados da prática de heresias.


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

Este facto simbolizava a capacidade financeira do homem e era motivo de ostentação pública, para desagrado da Igreja cristã.23 Sem plano ou controlo, “os habitantes de Luanda construíam as suas casas onde bem

Estrutura física

entendiam”24, resultando numa planta desordenada e sem alinhamentos, com baixa densidade construtiva, onde casas de alvenaria e pau-a-pique coexistiam lado a lado. Nem sempre as primeiras correspondiam a europeus e as segundas a africanos. A maioria da população europeia não tinha qualquer intenção de se fixar, pelo que não investiam na habitação e preferiam muitas vezes arrendar.25 Quanto à população africana, os que residiam nestas casas seriam homens livres, já que os escravos ficavam instalados em cubatas e armazéns nos grandes quintais das casas senhoriais.26 Com a expansão da Baixa, proliferava também o número de “tabernas, bodegas e casas

de diversão”27. Exemplo concreto deste crescimento urbano é o Bairro dos Coqueiros, primeiro assentamen-

Bairro dos Coqueiros

to português na Baixa que vai ocupar o local de um aglomerado populacional autóctone. Aqui se situa o edifício mais antigo da Baixa, datado de 1636.28 Ao longo do séc. XVII, torna-se na zona mais populosa, com maior densidade construtiva, onde se desenham ruas tortuosas entre “as mais ricas

construções de carácter nobre, de pedra e cal e algumas de adobe” e “as habitações precárias e insalubres dos africanos que se erguiam nos interstícios”29. De salientar a concentração das primeiras junto à orla costeira, perceptível na planta de 1755. Em estreita ligação com o porto, aqui podem encontrar-se mercados, tabernas, casas de pasto, oficinas e lojas. As duas últimas localizam-se geralmente no rés-do-chão de sobrados de dois ou três pisos30, sendo os restantes destinados à habitação. As casas seguiam modelos e tipologias portugueses, adaptados ao clima e aos materiais disponíveis31. Os lotes tinham grandes frentes e semelhante profundidade, ao invés de pequenas frentes e grande profundidade. As paredes espes23 Pepetela: Luandando, pp. 57-58 24 Elias Corrêa (1792), historiador brasileiro que terá vivido em Luanda entre 1782 (?) e 1789; nas palavras de José C. Venâncio in Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII, p. 72 25 Os Jesuítas seriam os maiores proprietários de casas, tendo investido na construção com o propósito de arrendar. Idem, p. 72 26 Pepetela: Luandando, p. 33 27 Idem, p. 34. 28 Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 154 29 Idem, p 154 30 Os primeiros sobrados na Baixa surgem no governo de Salvador Correia, que incentiva a construção de melhores casas in Pepetela: Luandando, p. 33 31 A pedra só terá começado a ser usada aquando da descoberta das pedreiras; o tijolo e a telha ter-se-ão começado a cozer quando foi encontrada argila adequada; a cal utilizada obtinha-se queimando, juntamente com lenha, a concha de um molusco apanhado na Ilha, mabanga.

Arquitectura civil


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sas funcionavam como isolante térmico, a cobertura era em telha, com forro em madeira ou outro material para isolar. Pela escassez de madeira, era frequente a cobertura a quatro águas em cada compartimento, resultando em telhados múltiplos. Para uma boa ventilação, era comum o uso de janelas altas e um pátio interior, ao redor do qual corriam varandas cobertas que, juntamente com os beirados salientes, protegiam da insolação.32 Na fachada térrea, as janelas passavam a portas para passagem da mercadoria. Nos vastos quintais murados ficavam os armazéns de escravos enquanto estes esperavam o embarque. Outra tipologia frequente é a casa térrea, um tipo de habitação popular modesta típica luandense.33 Uma planta rectangular divide-se em três divisões, sala e quartos, dispostas ao longo da fachada e correspondendo respectivamente a uma porta e duas janelas. Da sala, divisão central e mais pequena, comunica-se com o quintal. Infra-estruturas

Apesar da intensa actividade comercial, o investimento na cidade e suas infra-estruturas era diminuto. Com o curto orçamento civil, não havia investimento na limpeza ou conservação da cidade, em sistema de esgotos ou abastecimento de água. “A maior parte da água que se bebe em

Loanda vem do Bengo em barcos com tanques”34. No plano político, era o Senado da Câmara que representava os interesses dos cidadãos, da burguesia da Baixa, mas este estava em constante conflito com o Governador, representante do poder central “aristocrático e decadente, longínquo

e desinteressado”35.

Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 158-159 Idem, p.159 Lopes de Lima: Ensaio sobre a statitica d’Angola e Benguella e suas dependências na costa occidental d’Africa ao sul do Equador. Lisboa: 1846 in Isabel Martis: Luanda: a cidade e a arquitectura, pp. 113-114 35 Pepetela: Luandando, p. 36 32 33 34

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

7. PERSPECTIVA DE LUANDA EM 1816

4,9% das importações de Angola

Escravos (98,6% em 1818), marfim, cera, sementes

Colonização do interior

95,1% das importações de Angola Mercadorias: aguardente de cana, roupas, alimentos, açúcar, tabaco, quinquilharias, ferragens, etc. Governadores, funcionários civis 8. RELAÇÕES ECONÓMICAS E DE INFLUÊNCIA NO “TRIÂNGULO COMERCIAL DO ATLÂNTICO”

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REFORMAS E INTERVENÇÕES A urbanização de Angola começa a ser pensada no seu todo com o governador Sousa Coutinho (1764-72), nomeado pelo Marquês de Pombal36. Este procurou levar a cabo uma reforma estrutural de todo o território com vista ao seu desenvolvimento através de uma descentralização Reformas Pombalinas

administrativa, muito embora o centro de decisão tenha permanecido na Cidade Alta. Entre outras medidas, estimulou a agricultura e a indústria e reformulou o comércio. Em Luanda, a reforma urbana reflecte-se na Baixa com a construção de edifícios públicos ligados ao comércio, como é o caso dos edifícios da Alfândega (1770), da Junta da Fazenda Real (1770) e do Terreiro Público37 (1765). De salientar igualmente a construção do Passeio Público38 (1771), resposta urbanística a modificações na vida social, que assim tem novo espaço de encontro, passeio, reunião e diversão39. Não houve, porém, continuidade de políticas após o seu governo e, “para além destas construções [...], desen-

volveu-se a cidade ‘civil’ ao longo do século XVIII, alheia a qualquer planeamento, o que era mais notório na zona comercial que na administrativa”40. Corrêa descreve a Luanda de finais deste século como uma cidade em ruínas, sem ordem urbana, social ou moral e sem condições de higiene, prováveis causas das epidemias de que é alvo. Contrastando, descreve uma grande ostentação de luxo.41 Para a Metrópole, Angola continuava a ser apenas fonte de mão-de-obra escrava e “depósito

penal para degredados da Metrópole e do Brasil”42. Este cenário modifica-se com a independência Século XIX

do Brasil (1821), do qual dependia económica e até politicamente,43 e a abolição da escravatura (1836), negócio no qual assentava toda a economia44. A crise económica e social agravou-se, mas esta foi igualmente a oportunidade de uma reestruturação da política colonial. Novos núcleos urbanos são criados e procura-se transformar Angola numa colónia de fixação, o que resulta num aumento da população europeia. A época coincide também com uma mudança no urbanismo, até aí prático e intuitivo, que entra “numa fase de ma36 37 38 39 40 41

42 43 44

Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 88 Centro de recolha e conserva de alimentos cultivados em Angola, que só aí podiam ser vendidos para evitar a especulação. Localizar-se-ia entre a Igreja da Nazaré e a Fortaleza do Penedo, ladeado de árvores frondosas; redefinido em 1779, para mais longe da costa, e mandado reconstruir em 1819 pelo Governador Motta Fêo. Fernando Batalha: Urbanização de Angola, 1950 in Angola: arquitectura e história. Lisboa: Vega, 2006 pp. 148-149 José C. Venâncio: Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII, p. 72 Corrêa, Elias A. da Silva: História de Angola, Lisboa, 1937, vol I, referido por Ilídio do Amaral [Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 47], José C. Venâncio [Espaço e Dinâmica Populacional em Luanda no Século XVIII , p.72] e Pepetela [Luandando, pp. 44-48] Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 42 Idem, pp. 42-52 O volume mais representativo era, no entanto, o do comércio ilícito, o qual continua a decorrer até ao último quartel do séc. XIX. Idem, p. 58

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9. PLANTA DA CIDADE DE LUANDA EM 1862 | por F. Dutra

turidade, pela sua organização em bases científicas e regras artísticas próprias.”45 Exemplo prático é a portaria régia de 1843, para o Lobito, em que são apresentadas soluções para os principais problemas de uma cidade colonial, com orientações concretas quanto ao modo de edificar e ao zoneamento - em que, além de funções, se separam também as “habitações dos brancos ou dos

homens civilizados” das “sanzalas dos negros moradores”46. Em 1848 tomavam-se em Luanda medidas de saneamento47, limpavam-se as ruas, numeravam-se as portas e publicava-se a toponímia da cidade48. Procurava-se estimular novas actividades urbanas, aumentava o número de trabalhadores das “artes e ofícios” e o comércio da borracha. 45 46 47 48

Fernando Batalha: A Urbanização de Angola, p.157 Portaria de 28 de Março de 1843, decretada pela rainha D. Maria II, sobre a potencial transferência da cidade de Benguela para o Lobito in BATALHA, Fernando: A Urbanização em Angola, p. 157 Não haveria até à data, em Luanda, qualquer sistema de despejos de dejectos e águas, pluviais ou das habitações; uma das principais causas da sua insalubridade. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 55

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Apesar do esforço, em 1876 o governador Caetano Almeida e Albuquerque refere uma cidade que continua pobre e descuidada, com edifícios públicos, militares e religiosos degradados, quase sem iluminação pública49, onde faltam caminhos desenhados e calcetados, com fracas condições de higiene e fraco acesso a água potável.50 Conferência de Berlim

A Conferência de Berlim51 em 1884-85 veio dar o empurrão final na transformação de Luanda. Obrigando à efectiva ocupação do território, implicou investimentos que fixassem os colonos: é iniciada a iluminação a petróleo (1876), instalado o serviço de telefones urbanos (1884) e o cabo submarino (1886), construído o caminho-de-ferro através de Luanda em direcção ao Interior (1888), construída a rede de fornecimento de água vinda do Bengo (1889). A vida social e cultural é igualmente agitada, mas a crise económica mantém-se.52 No final do século XIX, Luanda mantinha-se dentro dos mesmos limites de dois séculos antes.

Estrutura física

A Cidade Alta tornara-se apenas um bairro, mantendo a importância simbólica, e a Baixa havia já rapidamente crescido até onde a topografia o permitia. As ligações entre as duas apenas foram calcetadas entre 1888 e 1889, até lá eram caminhos de pé posto e calçadas em areia.53 O traçado urbano da Baixa havia começado a definir-se no século XVIII54, de um modo irregular mas com ortogonalidade, seguindo a curva da baía. Desenhavam-se também numerosas praças e largos que contribuíam para a ventilação desta zona da cidade. Alguns elementos denotavam um paralelismo com a cidade portuguesa, presente igualmente noutras cidades coloniais. É o caso do Passeio Público, da rua Direita e da Praça de Desembarque, “praça nobre de recepção à cidade”55 . Esta última, denominada Praça Pedro Alexandrino e localizada frente às Portas do Mar, lembrava o Terreiro do Paço, em Lisboa. Na planta de 1862 por F. Dutra, fora dos ditos limites da cidade, marcados por uma linha de doze guaritas, encontram-se apenas as maiangas56 e alguns musseques, que aqui pela primeira vez são referidos e representados. 49 50 51

52 53 54 55 56

Instalada em 1839, dispendiosamente alimentada a óleo de ginguba (amendoim), mas com poucos benefícios. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 58 Esta reuniu vários países europeus com o objectivo de fixar as zonas de influência de cada país em África. Após a Conferência, Portugal apresenta o projecto do Mapa Cor-de-Rosa, que propunha ligar Angola a Moçambique, com o qual todos concordaram excepto a Inglaterra; em 1890, apresenta a Portugal o Ultimato Inglês, obrigando o país a desistir das suas pretensões. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), pp.58-59 Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 233 Isabel Martins, p. 154 Fernando Batalha, p. 148 A palavra vem do kimbundo mazanga (“lagoas”), significando um local anteriormente submerso por águas pluviais. Neste caso eram os locais dos poços de onde a população retirava a água para consumo, antes de esta ser canalizada. Havia igualmente hortas e eram lugares de veraneio.

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Meados séc. XIX (planta 1862)

Área urbanizada até cerca de 1900

Coqueiros

Bairro Indígena da Viúva Rocha

Sangamdombe

provavelmente 1º bairro social construido pelo estado segundo IM, p. 277 até 1950

Ingombota de Vandunem de S. Torres do Flôres

de Massi Magalhães Silva Musseques Aglomerações de cubatas

10. MUSSEQUES E AGLOMERAÇÕES DE CUBATAS EM MEADOS DO SÉC. XIX | Planta de 1862 sobre planta de 1964 Segundo Isabel Martins, o Bairro Indígena representado poderá ser o primeiro bairro social construído pelo Estado. Musseques e aglomerações de cubatas (Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 277) (Planta1862 sobre planta de 1968) Planta Loanda Capital de Angola, levantada por F. Dutra em 1861 e litografada em 1862

1881

1898 11. HABITAÇÃO DE MUSSEQUE, LUANDA, SÉC. XIX Colecção Bilhetes postais de João Loureiro

12. EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE LUANDA ENTRE 1881 E 1898 | africanos e europeus; cidade e musseques


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OS MUSSEQUES A palavra musseque57, que em kimbundo58 significa terra vermelha, é a designação utilizada na Luanda colonial para as áreas caracterizadas pela “ausência de organização urbanística, a

precariedade e a insalubridade do povoamento, o amontoamento das populações miseráveis” 59, maioritariamente de origem africana. Ou seja, trata-se do termo regional para slum, com todas as características a ele associadas, e outras específicas do contexto em que se insere. A sua conotação colonial, juntamente com o sentido depreciativo e a evolução que estas áreas entretanto sofreram, geram polémica à volta do conceito, que hoje em dia não é comummente empregue pelos habitantes de Luanda. Oficialmente representados pela primeira vez em 1862, os musseques surgiram, na verdade, Quintais , bairros e sanzalas

com a fundação da própria cidade. Nos grandes quintais dos comerciantes da Baixa acumulavam-se as cubatas dos escravos. Nos interstícios das implantações anárquicas de casas de pedra e cal, construíam as suas cubatas os africanos livres, principalmente nos bairros dos Coqueiros, Bungo, Ingombotas e Maianga. Aqui eram, no entanto, designados de bairros ou sanzalas e, até ao século XVII, o termo musseque estava reservado para as casas de campo dos altos funcionários, localizadas em férteis terrenos de terra vermelha ao redor da cidade.60

Gentrificação e segregação

É com a abolição da escravatura que começa a segregação espacial da população negra “nunca expressamente admitida e talvez nunca absolutamente realizada”61. Os grandes quintais desaparecem e, escreve um ensaísta em meados do século XIX, a cidade já não tem “ruas de imun-

dices, impregnadas de exalações mephiticas, quitaes atulhados de negros cobertos de molestias contagiosas, agrupamentos de miseraveis negros dentro expluncas chamadas cubatas”.62 A cidade colonial, agora lugar de fixação, começa finalmente a ter regras de ordenamento segundo novas preocupações sanitárias e urbanísticas. A abertura e regularização de várias ruas, porém, é motivo para expropriações63. As cubatas são vistas como o foco de todas as doenças, e as que existem nos Coqueiros são demolidas em 1864 em consequência de uma epidemia de varíola64. Em nome da “estética ou sanidade urbanas”65, a população africana é empurrada para a periferia – ocorre 57

Deriva da conjugação entre o prefixo “mu” (lugar) e “seke” (areia). Aparece igualmente escrito “muceque”, embora Oscar Ribas afirme que a grafia correcta é musseque. in Ramiro Ladeiro Monteiro, p. 53 58 Língua de origem Banto falada no noroeste de Angola, o que inclui a Província de Luanda. 59 Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 67 60 Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 233 61 Pepetela: Luandando, p. 69 62 Citado por Fernando Batalha: A Urbanização de Angola, p. 154 63 Foi o caso na travessa Pereira Forjaz, nos Coqueiros, no Pelourinho e nas Ingombotas – neste último, Isabel Martins refere especificamente a “expropriação de bastantes cubatas” (Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 231) 64 Pepetela: Luandando, p. 79 65 Idem, p. 80


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Primeiro quartel séc. XX (planta 1926) (algumas das) propriedades campestres da burguesia!

Área urbanizada até cerca de 1930

Bungo

Coqueiros

do Burity

Viúva Rocha Ingombotas

Mora

Viúva Leal Arnauld do Assis Marçal

Prenda

13. MUSSEQUES E AGLOMERAÇÕES DE CUBATAS NO FINAL DO 1º QUARTEL DO SÉC. XX | Planta de 1926 sobre planta de 1964 Os musseques seriam ainda “propriedades campestres da burguesia”, segundo Isabel Martins (Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 233). DO SÉRGIO DO VOTO DO FONTES

Próximo Campo Golf

Bairro Popular nº2

Zona do Campo de GOlf

1846/47

1847/48 14. CASA NO MUSSEQUE | Por C. Ferreira 15. TIPOLOGIAS: 1846/47 E 1847/48 nas ruas e bairros não incluiu a Ilha


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a gentrificação do centro. Havia começado o processo de segregação espacial que dura até hoje. Processo de formação

A população expulsa organiza-se então de “forma marginal à cidade baixa”66, em bairros de habitações de materiais não definitivos, mais densos que as sanzalas, que ganham a designação de musseques. Ocupam os terrenos periféricos pertencentes à burguesia, alguns constituindo arimos67, e adoptam frequentemente o nome do proprietário. O exponencial aumento do número de cubatas no espaço de um ano, entre 1846/47 e 1847/48, exemplifica o crescimento que os musseques sofrem nesta altura. No total da cidade, as cubatas passam a representar 70,3% das habitações, com a sua localização claramente periférica relativamente às outras tipologias.68 As melhorias conhecidas pela Luanda de final do século XIX não beneficiam toda a população. O défice habitacional era já motivo de preocupação69 e a cidade, que

Centro / musseques

progressivamente se urbaniza, rodeia-se de uma crescente auréola de musseques. Embora nos primeiros anos do século XX Luanda tenha voltado ao marasmo que a caracterizava, a partir da década de 40 verifica-se um grande crescimento económico, fruto de investimentos de uma Metrópole com novas políticas de colonização70, da subida das cotações do café e consequente impulso da construção civil71. A nova prosperidade atrai população tanto da Metrópo-

Crescimento urbano acelerado

le como do Interior rural de Angola. A área urbanizada ultrapassa os limites que manteve durante séculos e conhece um crescimento do tipo mancha de óleo, com tentáculos que, a partir da baía, se projectam de modo radial em direcção ao Interior, penetrando no tecido dos musseques e “ocu-

pando indistintamente todas as áreas, indiferente ao que lá existe”.72 Em simultâneo, os musseques crescem, densificam-se e movem-se, único refúgio para a população imigrante de fracos recursos, incapaz de habitar na área urbanizada. Entre 1928 e 1960, a área ocupada aumentou cerca de seis vezes.73 66 67 68 69

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71 72 73

Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 243 Terreno agrícola, em Angola, perto das casas ou povoações. Verifica-se também uma hierarquia entre sobrados e casas térreas, já que a última raramente se encontra perto do eixo central. Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 243 Em 1848 é criada uma comissão para estudar em que escala se deverão construir casas para os funcionários públicos, “fixar o plano de edificações e o local preferível para as mesmas”, segundo o Boletim Oficial do Governo Geral da província de Angola, nº 171, Janeiro 1848. Idem, p. 244 Investiu-se na colonização do mundo rural, nomeadamente com a criação de colonatos; na exploração agrícola, do café, sisal e outros produtos tropicais; na exploração mineira; na construção do novo porto comercial; nas indústrias; na energia hidroelétrica; nos transportes e vias de comunicação, etc. Ilídio do Amaral: Luanda e os seus “muceques”. Problemas de Geografia Urbana. Finisterra, vol. XVIII, nº36, Lisboa: CEGUL, 1983, pp. 299-300 cf. Ramiro Ladeiro Monteiro (A Família nos Musseques de Luanda: subsídios para o seu estudo. (Dissertação de licenciatura). Luanda: FASTA, 1973, p. 61) sobre o boom da construção civil em Luanda, nomeadamente de 1955 a 1970. Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 279 Idem, p. 263

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Anos 50 Área urbanizada até cerca de 1950 Bungo Burity

Ingombotas

Sambizanga

Viúva Leal Maculusso Braga

Cabeça Cayate ?

Mota

Lixeira

Pedrosa

Marçal

Bananeira Rangel Catambor Prenda

Caputo

Extintos Começam a desaparecer na década de 1950

Cassequel

Terra Nova Calemba

Mantém-se, por vezes absorvendo outros

16. MUSSEQUES NA DÉCADA DE 1950 | Planta de 1964 Alguns nomes não conseguimos localizar, como Kamama, Makulú, Malênvu, Caldeira e Ramalho.

“(...) o tractor veio com os serventes e deitou abaixo as casas, alisando o terreno. E as pessoas que não tinham acreditado no papel tiravam as suas coisas nas cubatas, nas corridas, na hora dos serventes despregarem as chapas de zinco e, ainda quentes dos moradores, as paredes resistiam na faca do tractor, para depois, duma vez só, a máquina entrar por cima de tudo, no meio da poeirada vermelha do barro desfeito. Homens de sombrinha e óculo para espreitar punham sinais com os braços e monangambas andavam com umas tábuas riscadas. Camionetas começavam a carregar burgau e areia do Bungo. Luandino Vieira: Nosso Musseque, p. 72


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“A cada fase de urbanização correspondia o desaparecimento de dezenas ou centenas de cubatas. A população destas foi engrossando os musseques sobreviventes ou criando outros em áreas excêntricas ao núcleo urbano. Deste modo, os musseques estiveram e estão sempre em constante movimento. A sua fisionomia renova-se ou altera-se de ano para ano, o seu casario afasta-se, sucessivamente, do centro da Cidade. É, afinal, o chamado fenómeno ecológico da invasão e sucessão, frequente nos grandes centros urbanos.” Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 59

A cidade não tem capacidade para absorver os novos habitantes, a maioria jovem, do género masculino e com baixas qualificações profissionais. Aumenta o desemprego, a desigualdade entre salários e custo de vida74 e o défice habitacional. Sobra a solução de construir a própria casa no Urbanização da pobreza

musseque com os materiais disponíveis, ou procurar alugar uma cubata75, enquanto esperam por melhores oportunidades, seduzidos pela vida urbana. Nesta espera, recorrem geralmente a familiares, amigos ou conhecidos, apoiando-se na solidariedade tradicional africana. Mas enquanto para os recém-chegados esta é a sua salvação, para os citadinos pode transformar-se em “parasitismo

familiar”, um pesado encargo económico.76 Proprietários dos terrenos

As cubatas são construídas em terrenos até aí abandonados ou subaproveitados, pertencentes a entidades privadas ou públicas. No caso de proprietários particulares, a ocupação pode ter sido abusiva ou com autorização. Por vezes cobram uma renda pelo terreno, o que em 1973 acontecia maioritariamente nos musseques Mota, Lixeira, Marçal e, sem excepção, no Golfe77. Uma grande parte dos africanos, no entanto, acabados de chegar do mundo rural, não se encontram familiarizados com o conceito de propriedade privada, e custa perceber porque se deve pagar por um ter-

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Em 1964, o custo de vida em Luanda seria cerca de 18% mais elevado que em Lisboa. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 79 Em 1973, apenas 51,4% dos moradores seriam proprietários das próprias cubatas, geralmente construídas com materiais obtidos a crédito. Construir para alugar revela-se um negócio muito atractivo, tanto para nativos mais ou menos instruídos, como para os comerciantes instalados no musseque ou habitantes brancos ou mestiços de mais baixa condição social – 9,2% dos senhorios são europeus e 90,8% são africanos ou euro-africanos. Trata-se de pequenos investimentos que garantem grandes rendimentos não sujeitos ao fisco. José de Almeida Santos: Para a contenção e a erradicação dos musseques de Angola. Luanda: CM, 1973, pp. 5-6 e Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, pp. 251-254 Esta solidariedade tem origem numa vida comunitária em que todos partilham o mesmo nível de vida. No caso das famílias que vivem na cidade, quanto mais desafogada for a sua condição económica, mais procuradas são, tanto por parentes da família extensa como por amigos e simples conhecidos. Estes podem permanecer ao seu encargo por um ano ou mais, o que consiste num entrave à sua própria promoção económica. Por esta razão se nota o enfraquecimento dos laços de solidariedade, principalmente no aumento do número de famílias constituídas apenas pela família nuclear, pais e filhos. Noutros aspectos, como a ajuda para encontrar emprego, apoio nos óbitos ou frequentes reuniões de convívio, a solidariedade tradicional mantém-se. in Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, pp. 162-170 Idem, p. 253

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

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1968 (dimensão populacional)

Área urbanizada até 1950

Sambizanga

Lixeira Mota

Coreia do Norte

Marçal

Zangala

Samba Pequena Bananeira S. Paulo

Catambor Prenda

Rangel

S. Paulo Bairro Indígena

Caputo Terra Nova

Cassequel Cemitério Novo Calemba 17. MUSSEQUES EM 1964: DIMENSÕES POPULACIONAIS COMPARADAS | Planta de 1964 O musseque Cassequel terá sido desalojado em 1968, para construção de um bairro popular.

“Virou os olhos para o seu mundo. Do outro lado da rua asfaltada não havia passeio. Nem árvores de flores violeta. A terra era vermelha. Piteiras. Casas de pau-a-pique à sombra de mulembas. As ruas de areia eram sinuosas. Uma ténue nuvem de poeira que o vento levantava, cobria tudo. A casa dele ficava ao fundo. Via-se do sítio donde estava. Amarela. Duas portas, três janelas. Um cercado de aduelas e arcos de barril.” Luandino Vieira: A fronteira de asfalto in A cidade e a infância, 1997 Segundo confissão do autor, a rua seria a que divide o bairro do Cruzeiro do bairro Operário


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reno desocupado78. No caso de terrenos do Estado ou do Município, as autoridades são tolerantes, já que também não conseguem solucionar o problema da habitação. A tolerância acaba quando o terreno se revela interessante em termos imobiliários. População

A grande distinção entre Angola e outros países vizinhos, igualmente colonizados por europeus, é a ausência de leis que impusessem uma segregação racial. Existia de certo modo enquanto segregação económica e social, assumindo aspectos de segregação racial, na medida em que a maioria da população de menos recursos era negra ou mestiça. A população do musseque é, assim, claramente heterogénea, associando habitantes de origens diversas, desde as várias etnias79 presentes no território de Angola80, a pessoas oriundas de São Tomé, Cabo Verde, Brasil e Portugal. O número de europeus, maioritariamente portugueses, que habitam nos musseques aumenta claramente a partir dos anos 1960. Estes têm tendência a preferir localizar-se junto às vias principais ou junto às áreas urbanizadas, tal como outros habitantes mais ocidentalizados.81 Em termos profissionais, encontram-se nos musseques desde pequenos assalariados, pequenos comerciantes ou industriais a desempregados, alguns dos quais procuram ganhar o possível através de “biscates”.

Limites

E tal como a segregação populacional não é nítida, também não o é a segregação espacial. Isto é, a distinção entre área urbanizada e musseques nem sempre é óbvia. Até cerca de 192682, a rua Brito Godins (actual Av. Lenine) actuava enquanto “fronteira de asfalto” e posteriormente a rua D. João II assumiu a mesma função. Mas estes limites físicos foram apenas temporários, tendo-se diluído ao longo do tempo, no processo de construção de casas definitivas nas vias circundantes dos musseques, e de casas semidefinitivas e cubatas nos interstícios dos bairros urbanizados. Também o avanço da área urbanizada deixa por vezes “ilhas” de musseque no seu interior83.

Construções definitivas

Sobretudo a partir dos anos 50, aumentam as construções definitivas em transgressão, costume levado pelos imigrantes brancos. Agrava-se o problema da falta de ordenamento e infra-estruturas e a Câmara Municipal vê-se obrigada a incluí-los nos seus planos em fase de estudo ou 78 Ramiro ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 253 79 “Etnia ou grupo étnico é um grupo de indivíduos que pertencem e são portadores da mesma cultura e que se reconhecem entuanto tal”. Augusto Trindade: O Fenómeno Urbano na África Subsahariana: O caso de Luanda. Lisboa: ISCSP, 2000, p. 394. Segundo o autor, a etnicidade é reforçada pela vida urbana, já que é o contacto com outros grupos dentro da mesma sociedade que intensifica a auto-consciência de grupo. 80 Em 1960, a maioria da população que cabia na designação oficial de “indígena” habitava nos musseques e provinha do grupo etnolinguístico Mbundu, em cuja área cultural se situa Luanda. Havia também uma representação relativa dos grupos Ovimbundu e Bakongo. Ilídio do Amaral: Luanda e os seus “muceques”, p. 307 81 Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 83 82 Segundo José Manuel Fernandes: Angola no século XX: cidades, território e arquitecturas, 1925-1975. Lisboa: FCT, 2010, p. 61 83 Tal acontece em 1973 com a maioria dos que estão representados na planta de 1964.

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18. CASAS E QUINTAIS DE UM MUSSEQUE

1970 1964

19. CRESCIMENTO DE ALGUNS MUSSEQUES ENTRE 1964 E 1970

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elaboração.84 A pobreza nos musseques acarreta outros problemas frequentes, como sejam a prostituição,

Problemas

a delinquência, a subalimentação, o sobrepovoamento e a degradação. Mas, por outro lado, são também um importante foco cultural, com uma vida social intensa entre uma população heterogénea. Vários movimentos da literatura e da música angolanos têm origem nos musseques, onde igualmente surge e é planeada a resistência ao regime colonial. Nele se combinam as culturas e hábitos do mundo rural africano com a cultura urbana lu-

Aspectos sociológicos

andense, largamente influenciada pelo modo de vida europeu. O musseque constitui o lugar de transição entre o rural e a cidade, um movimento geralmente unidireccional. São características do musseque o sincretismo religioso, determinadas formas de poligamia e mesmo uma vida social dupla dos habitantes, que se comportam de modo diferente dentro e fora do musseque. Também da família extensa rural, que actua enquanto unidade de produção, se dá uma transição progressiva para a família nuclear, unidade de consumo.85 A transformação social espelha-se na organização do espaço. Enquanto o mundo rural se ca-

Estrutura física

racteriza por “uma vida comunitária de economia agrícola e de permuta”, fazendo uso de dependências comuns “de natureza colectiva, por razões de ordem tradicional e familiar”86, o cenário urbano é caracterizado por um maior individualismo, tanto do habitante como da respectiva casa. O espaço exterior é privatizado na forma de quintal87 e as dependências transformam-se em anexos. O conjunto casa-quintal, tipologia dominante no musseque, corresponde ao ambiente urbano, ao regime de salariato e à família nuclear. Quintal

O quintal é essencial “no conceito funcional, social e, em certa medida, moral de casa”88. É neste espaço exterior, geralmente no lado posterior da casa, que os habitantes cozinham, lavam a louça, tomam banho, fazem as refeições e repousam à sombra de uma árvore, que idealmente será uma mulemba89 ou, na falta desta, uma mandioqueira plantada. Aqui se recebem os amigos e familiares, se improvisam oficinas ou se criam galinhas ou porcos para um rendimento extra. Para garantir privacidade, o espaço é encerrado num mínimo de 1,5 ou 2 metros de altura, por meio de tábuas,

84 85 86 87 88 89

Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p.118 Ilídio do Amaral: Luanda e os seus “muceques”. Problemas de Geografia Urbana, p. 318 José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução. Luanda: C.I.T.A., 1964, p.15 “Lumbu, na língua de Luanda, e também itari (decerto aculturação do português quintal)”. Idem, p. 32 Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 269 Figueira africana, apreciada pela sombra e utilidades medicinais, que em Angola cresce naturalmente.

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Redonda sem divisória (cama no chão)

Quadrada com divisória (cama sobre tarimba)

20. EVOLUÇÃO DA HABITAÇÃO TRADICIONAL ANGOLANA

3º CICLO DE CONSTRUÇÃO Formas anteriores e outras generalizadas. Fixação da forma rectangular. Aculturação de exemplos europeus. Estruturas: pau-a-pique; paramentos granulosos e alisados; alvenaria; madeiramentos. Nas zonas suburbanas – pau-a-pique, com paramentos aperfeiçoados e caiação. Materiais: Caniços, ramadas, varas, esteiras, troncos ligeiros, colmos, papiros, folhas, troncos, argila amassada e outras argamassas, madeiras aparelhadas, alvenaria, ferragens, chapa metálica, cimento. ZONAS SUBURBANAS: • desaparece completamente a casa redonda. • tende a desaparecer totalmente o uso de colmos. apontamentos a partir de REDINHA, José: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução

21. CASA NO MUSSEQUE | esquisso, in José Almeida Santos

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troncos, chapas zincadas, esteiras de luando90, aduelas ou arcos de ferro de barris. Muito embora o clima tropical para isso contribua, os autores consideram este “gosto atávico pelo ar livre”91 o “resul-

tado do saudosismo da vida campestre”92 e um impedimento à integração urbana. No quintal situam-se também os anexos, quando os há. No estudo de 1973, 22,2% das casas inquiridas possuíam cozinha, embora fosse novidade e por vezes consistisse apenas num alpendre que abrigava da chuva e do vento, 9,9% teriam casa de banho, para o banho da mulher e dos filhos, e 61,1% teriam latrina, cujo uso entretanto se vulgarizava. Seria geralmente um buraco no terreno do quintal, com um assento – a chamada fossa rota, que poderá ser prejudicial à saúde pública. A casa-tipo do musseque é o resultado funcional de uma aculturação urbana da habitação

Casa-tipo

tradicional angolana. Predominam as habitações de planta rectangular, com dois ou três compartimentos, de pé direito geralmente baixo e coberturas de duas ou quatro águas. As janelas adquirem um aspecto decorativo. “A história da casa angolana, a partir da modesta cubata, é uma história de

movimento, de forma, até de cor.” A sua migração para a cidade tira-lhe a personalidade e deixa-a a aguardar “a sua promoção a casa de materiais definitivos, em moldes de aglomerado urbano”93. Manteve-se constante, porém, o aspecto da auto-construção. Trata-se de uma questão de “digni-

dade do homem construir e reparar a sua casa”, com a mulher a ajudar. As características construtivas étnicas tradicionais desaparecem em detrimento de um modelo comum, sóbrio e utilitário. Associam-se os materiais tradicionais aos da construção europeia e, a par da individualização da habitação, é neste caso que melhor se entende a evolução da casa rural para a casa suburbana.94 Os materiais utilizados dependem grandemente da disponibilidade de materiais e do clima.

Materiais

Em Luanda, o adobe é pouco usado, já que nas zonas arenosas é pouco resistente e sofre com as fortes chuvas e ataques de térmitas, e as coberturas de colmo rareiam, pois é difícil encontrar capim apropriado. Encontram-se desde as mais pobres construções provisórias às casas de materiais definitivos ao modo europeu, com paredes de tijolo e cobertura de telha. A tipologia dominante em 1973 tem paredes de pau-a-pique, barreadas ou rebocadas no interior e, por vezes, no exterior, cobertura de folha de ferro zincada e pavimento de cimento (46% das casas de pau-a-pique) ou 90 91 92 93 94

Espécie de junco grosso, da espessura de um dedo ou mais, com dois ou mais metros de altura; Luandos são esteiras grossas de papiro. José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução, p. 27 Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 269 José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução, pp. 35-36 José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução , p. 33

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Limites do forais 1884 | 1909

1930

Área urbanizada 1900

Mota Sambizanga

Burity Viúva Leal

1930

Maculusso Coreia do Norte

Braga

1950

Lixeira

Cabeça Cayate ?

Pedrosa Zangado Adriano Moreira

Samba Pequena Bananeira S. Paulo

Catambor

Rangel

S. Paulo Bairro Indígena

Prenda

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Cassequel Calemba Cemitério novo

Golfe

22. LUANDA E OS MUSSEQUES, CRESCIMENTO EM SIMULTÂNEO | síntese

Cazenga

1947


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terra batida.95 São poucos os casos de pisos sobrelevados do terreno. Construções de pedra e cal, ou em blocos de cimento pré-fabricados, são ainda raras. Apesar do pouco elevado custo das segundas, implicam uma permanência estranha à cultura nómada da tribo e em discordância com a constante mobilidade do musseque na cidade, sempre à espera da nova vaga de urbanização – que para ele significa demolição. O costume da construção definitiva é trazido pelos imigrantes brancos, mas é indesejável para o proprietário do terreno e para o habitante do musseque, já que o fisco logo cobra a respectiva tributação. Existe, nesta altura, uma preferência pelas casas de madeira pré-fabricadas, construídas com caixas de automóveis e desmontáveis no caso de mudança.96 Em termos de infra-estruturas, havia começado em 1960 a instalação de fontanários públicos,

Infra-estruturas

que em 1970 eram já em número de 101, embora mal distribuídos pela cidade e pela população. Em 1973 é raro o acesso a água canalizada (5,1%), independentemente da qualidade construtiva da habitação, pois a Câmara havia proibido o seu fornecimento a construções clandestinas. A generalidade das famílias recorre, mais ou menos regularmente, ao abastecimento de água junto dos comerciantes. A iluminação em casa faz-se essencialmente à base de petróleo e a iluminação pública encontra-se claramente mal distribuída, não atingindo os musseques mais periféricos. A recolha de lixo é feita apenas nas vias principais de alguns musseques e persiste o hábito de o atirar para terrenos devolutos, ou enterrar no quintal. A ausência de sistema de esgotos e drenagem de águas pluviais, conjugada com os terrenos argilosos, cria inúmeros perigos para a saúde pública, principalmente na estação das chuvas. Concluindo, “no conjunto dos problemas urbanos eles [os musseques] representam, sem dúvi-

da, o de maior gravidade e o de solução praticamente impossível.”97

95 96 97

Ramiro ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 257 José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução p. 21 Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 317

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PLANOS DE URBANIZAÇÃO “O processo de crescimento urbano decorreu de uma maneira de tal modo vertiginosa e desordenada, que a acumulação de problemas de organização urbana sempre preteriu a capacidade de aplicação de medidas (sobretudo as audaciosas e enérgicas) para se dotar Luanda de um plano de urbanização à escala das suas realidades actuais e necessidades futuras, com a maleabilidade suficiente para se adaptar a certas situações transitórias.” Ilídio do Amaral: Luanda e os seus “muceques”, p. 296

O planeamento da cidade de Luanda ocorreu sempre a posteriori, na tentativa de resolver os problemas já criados e aumentados pelo crescimento espontâneo da cidade ao sabor da política, da economia e da sociedade. Foram-se, sim, fazendo intervenções pontuais e investimentos em

Obras públicas

obras públicas, como é o caso do aterro da Baía (anos 1920) e posterior construção da Avenida Marginal98 (anos 1950), do Porto Comercial (1945) ou da abertura de novos eixos estruturantes. Estas intervenções vão sendo representadas nas várias plantas publicadas. O primeiro Plano de Urbanização data de 1942 e, a partir daí, vários são elaborados até à Independência. Os primeiros planos, até ao Plano Regulador de 1957, de modo exógeno. O primeiro é

Planos de Urbanização e Planos Parciais

encomendado a um reconhecido técnico estrangeiro e o de 1949 é desenvolvido por João Aguiar99 em Lisboa, dentro do Gabinete de Urbanização Colonial, fundado em 1944. Um dos principais programas do gabinete seria elaborar os planos urbanos, deste modo seguramente planeados de acordo com o regime. O modo de intervir na cidade altera-se com o Plano Director de 1961-64, não só pelo diferente pensamento urbanístico, mas também porque Luanda passa a ter um gabinete de urbanização municipal, onde os planos são elaborados por quem garantidamente conhece o lugar100. No entremeio, encontra-se o plano da Cidade Satélite nº3 de Vieira da Costa: por um lado, desenvolve-se a partir do plano geral de 1942, por outro, é pensada por um arquitecto angolano e conhecedor da cidade. É nestes três planos que nos iremos focar de seguida, aos quais achamos fazer sentido contrapor, no próximo capítulo, o Plano Director de Simões de Carvalho: um geral, definidor de uma linha de pensamento; um parcial e académico, que dele deriva, mas que introduz conceitos próprios; e um terceiro, que segue aspectos dum e doutro ao confrontar-se com o contexto real de Luanda.

98 Primeiro nomeada Av. Paulo Dias de Novais, depois Av. Marginal e agora Av. 4 de Fevereiro. 99 [1906-1974] Arquitecto e urbanista, autor de vários planos de urbanização para Angola e figura mais influente do GUC. 100 Tinha já existido, entre 1950 e 1955, a Delegação de Angola do GUC a operar em Luanda, sob responsabilidade de Fernando Batalha, mas desta altura não data nenhum Plano de Urbanização para Luanda.

Proximidade do contexto


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23. PLANO DE URBANIZAÇÃO DE 1942 | por Etienne de Gröer e David Moreira da Silva, região e cidade

O primeiro Plano de Urbanização para Luanda é encomendado pela Câmara Municipal101 a Etienne de Gröer102 e com ele colabora David Moreira da Silva103, tal como no plano para Coimbra. Cidade-jardim

De Gröer segue a teoria da cidade-jardim de Ebenezer Howard e, no caso de Luanda, aproxima-se claramente do plano teórico da cidade policêntrica: propõe um sistema radial de 5 cidades-satélite com cerca de 50.000 habitantes cada, ligadas entre si por uma circunvalação. Cada satélite tem a sua própria zona rural circundante, de modo a garantir limites, e da zona central separa-as uma faixa rural de 2 quilómetros. O objectivo do plano é controlar o crescimento de Luanda e impedir o congestionamento, propondo que a população excedentária se mude para as cidades-satélite. A curta distância entre estas e o centro, porém, faz delas cidades-dormitório, mais próximas da “visão redutora da cidade-

-jardim adoptada em França”104, i.e., subúrbios-jardim ao invés de cidades-satélite com uma certa autonomia, como proposto por Howard. O plano apresentado implica um movimento pendular diário e consequente congestionamento do tráfego. 101 102

103 104

Os municípios estavam encarregues do seu próprio Plano de Urbanização desde a legislação dos Planos Gerais de 1934. Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 262 [1882-1952] Arquitecto, urbanista e professor em Paris. Diplomado em arquitectura na Academia Imperial de Belas Artes de S. Petersburgo, cidade onde trabalha depois no Gabinete Municipal de Urbanismo. Lecciona a teoria da cidade-jardim no Instituto de Urbanismo de Paris até 1940, quando a França é invadida pela Alemanha e ele se refugia em Portugal. Convidado por Duarte Pacheco, desenvolve planos para Coimbra, Luanda, a Costa do Sol, Lisboa e Évora. Arquitecto pela Escola do Porto e urbanista pelo Instituto de Paris; genro do arquitecto José Marques da Silva. Margarida Sousa Lôbo: Planos de urbanização: a época de Duarte Pacheco. Porto: FAUP, 1995, p. 75

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A numeração prende-se com a ordem de importância e probabilidade de formação. A escolha da nº3 deve-se à falta de planta topográfica das duas primeiras. ESQUEMA DE ZONEAMENTO

Residências colectivas para solteiros

Vivendas individuais para casais com mais de um filho Centro Cívico e Social: estabelecimentos comerciais, escritórios, centro administrativo, gare central, igreja, restaurantes, cafés, etc. dispersos num parque, com uma praça BAIRRO E HABITAÇÕES INDÍGENAS

24. PLANO PARA A CIDADE SATÉLITE Nº3, 1948 | CODA de Vasco Vieira da Costa

Residências colectivas para casais sem filhos ou com um filho


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Como tema para o seu Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto (CODA), Vasco Vieira da Costa105 opta por desenvolver uma das cidades-satélite propostas por de Gröer, nomeadamente a nº3, servida pelo caminho-de-ferro de Malange e pela Estrada de Catete. Reduz o número de habitantes, entre 25.000 civilizados e 15.000 não civilizados106, e propõe uma alteração significativa: a presença de indústria de uma certa importância, o que lhe confere um carácter mais autónomo que o de cidade-dormitório. Sendo um conhecedor dos trópicos, denota no plano apresentado preocupações específicas do contexto, como sejam os meandros da sociedade colonial e as vicissitudes do clima. “só a ‘intuição’ poderá substituir a falta de princípios. Por isso se torna absolutamente necessário ser verdadeiro colonial para se poder ser urbanista colonial” Vasco Vieira da Costa: Plano para a Cidade Satélite nº3, p. 48

Influenciado por Le Corbusier, com quem estagiou em Paris [1946-1948], divide a cidade em Zoneamento

zonas claramente definidas, separando igualmente as diferentes tipologias de habitação. A cada núcleo europeu corresponde uma zona de habitação indígena que lhe fornece mão-de-obra, mas dela separada por uma zona rural. Imbuído de espírito colonial, considera responsabilidade do europeu aproximar-se, de modo a “criar no indígena necessidades de conforto e de uma vida mais

elevada”107, mas mantendo uma “distância de segurança” devido aos perigos para a saúde que estas aglomerações representam. Opta pela tipologia da cubata, que considera mais adequada aos indígenas do que as casas económicas propostas em algumas experiências falhadas. Os alicerces seriam construídos pela Câmara e o resto fica a cargo dos residentes. Propõe uma circulação viária que separa completamente os peões da circulação mecânica e

Circulação

que evite cruzamentos, numa lógica fractal da mais rápida à mais lenta. A circulação rápida, como é o caso da Estrada de Catete, seria isolada por faixas verdes. Sempre que possível, os caminhos do peão são sombreados. Critica, tal como Le Corbusier, a “rua corredor” por servir três funções, habitação, comércio e circulação, e prefere vias especializadas. O facto de ser um trabalho puramente académico, e uma tábua rasa onde as únicas condicionantes são as vias de comunicação existentes, permite-lhe ser radical nos princípios que defende. 105

[1911-1982] Nascido ainda em Portugal, mas crescido em Angola, Luanda. Forma-se arquitecto na Escola de Belas Artes do Porto com a apresentação da CODA: Cidade Satélite nº3. Estagia com Le Corbusier em Paris e é um dos arquitectos da geração africana que leva o movimento moderno para Angola, onde constrói vasta obra. 106 Nos primeiros incluem-se os europeus e assimilados, nos segundos os indígenas (Designação atribuída, nas colónias portuguesas, aos nativos não assimilados na cultura ocidental. Foi abolida em 1961). 107 Vasco Vieira da Costa: Luanda plano para a cidade satélite nº 3. (CODA, 1948). Porto: ESBAP, 1984, pp. 49-50

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25. PLANO DE URBANIZAÇÃO DE 1949 | por João António Aguiar, Gabinete de Urbanização Colonial Sobrepondo o plano de 1942 verifica-se a coincidência do traçado principal.

26. CRESCIMENTO POPULACIONAL DE LUANDA ENTRE 1810 E 1970

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O Plano de Urbanização de 1949 por João António Aguiar, por outro lado, lida com o contexto real da cidade de Luanda, pelo que assume o resultado do seu processo urbano. Define também Zoneamento

claramente um zoneamento, distinguindo as zonas já consolidadas de outras para expansão, zonas industriais e zonas rurais, as duas últimas de localização periférica. Os eixos de expansão que define seguem o plano de Etienne de Gröer, embora proponha um tipo de traçado diferente, mais ortogonal. Faz igualmente uma hierarquização da circulação, recorrendo a circulações interiores a cada área definida pelos eixos estruturantes. É perceptível, assim, uma maior semelhança aos conceitos preconizados por Vieira da Costa, seguindo os eixos definidos por Etienne de Gröer, acrescentando-lhe, contudo, uma monumentalidade estranha aos ideais da cidade-jardim.108

Plano director 1961-64

Simões de Carvalho, por seu lado, critica severamente a cidade radial do plano de 1942. É igualmente influenciado por Le Corbusier, com quem estagiou cerca de dez anos depois de Vieira da Costa. Se no sistema viário segue igualmente a hierarquização proposta por Le Corbusier, no que diz respeito ao zoneamento faz exactamente o oposto. No entanto, estes e todos os planos elaborados sob o regime colonial ficaram no papel devido à falta de aval jurídico, instrumentos legais para os aprovar ou técnicos capazes de os executar. Apenas o último, o Master Plan apresentado em 1973 pela empresa francesa Omnium Technique, foi aprovado, pouco antes da independência. Não obstante, de cada um há aspectos que são concre-

Planos parciais

tizados no crescimento da cidade por serem tidos em conta nos planos parciais postos em prática, estes geralmente à escala do bairro109. Tal é o caso, por exemplo, dos Bairros Operários110, dos Bairros Populares111 ou das Unidades de Vizinhança112. “Em todas as épocas alguém, vendo Fedora tal como era, imaginara o modo de fazer dela a cidade ideal, mas enquanto construía o seu modelo em miniatura já Fedora não era a mesma de antes” Italo Calvino: As Cidades Invisíveis, p. 35

108 Ana Vaz Milheiro: Fazer Escola: a arquitectura pública do Gabinete de Urbanização Colonial para Luanda, p.118 109 Acontece igualmente à escala do edifício, como no caso do Edifício da Mutamba (1968). O arquitecto, Vieira da Costa, dirigiu-se a Simões de Carvalho para obter as informações sobre o edifício, que estava previsto no Plano Director de 1961-64 - testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013. 110 O primeiro é construído em 1926 nos terrenos do musseque Burity, que dá depois também origem ao Bairro do Cruzeiro. Para o Bairro Operário é forçadamente transferida uma parte da população das Ingombotas, local para onde fora a população expulsa dos Coqueiros. Torna-se o bairro da elite africana e berço de movimentos culturais, como é o caso dos N’Gola Ritmos. De arruamentos regulares não pavimentados, é um musseque no sentido sociológico, mas nunca assim denominado. 111 Destinados a população de média ou baixa renda. De arruamentos regulares e vivendas em tijolo. 112 Desenvolvidas no capítulo seguinte, ver página 101.

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27. LUANDA NA ÁFRICA SUBSAARIANA

28. URBANIZAÇÃO ACELERADA E TARDIA NAS CIDADES A SUL DO SAHARA


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CAPITAL AFRICANA SUBSAARIANA

Luanda é, antes de mais, uma cidade atlântica e, até 1975, definida pela sua condição colonial. Integrada no mesmo sistema que S. Salvador da Baía, sendo que Luanda era porto de exportação e aquela de importação, tem semelhante organização do território, historicamente dividida entre Alta e Baixa, tal como as cidades atlânticas portuguesas e brasileiras. Tal facto não exclui a condição de Luanda enquanto capital africana, mas situa-a no grupo de Fundação europeia

cidades de fundação europeia, por oposição às de fundação pré-colonial, como é o caso de M’Banza Congo em Angola, Abomey na República do Benim ou Kumasi no Gana. Dentre as de fundação europeia, que com a independência passaram a capital do respectivo país, Luanda destaca-se pela sua antiguidade, já que a maioria remonta ao final do século XIX113. Têm em comum a herança colonial, fortemente marcada na segregação entre cidade branca e cidade negra, embora em Luanda não fosse extrema como noutros países. Fernando Mourão (1997) denomina-a “cidade mestiça”, por oposição às de colonização inglesa ou francesa114. No geral, são cidades desenvolvidas com base em factores como as redes ferroviárias, a indústria, os movimentos migratórios e o crescimento natural da população. Conquanto o desenvolvimento de Luanda se tenha apoiado essencialmente no tráfico de escravos e depois na exportação de produtos agrícolas por via marítima, a rede ferroviária e a indústria impulsionaram igualmente o crescimento económico da cidade. São os consequentes movimentos migratórios, e posterior crescimento natural, que contribuem fortemente para o exponencial crescimento urbano a partir dos anos 1940, aumentados pela guerra colonial e, principalmente, pela guerra civil que durou até 2002. As migrações em África eram um fenómeno comum já antes da ocupação europeia, muitas

Migrações

vezes devido a conflitos étnicos ou calamidades naturais como secas prolongadas, cheias, etc. No caso angolano, as tribos tradicionais são essencialmente nómadas e é frequente o abandono de determinada povoação por motivos supersticiosos, devido a mortes repetidas ou mal esclarecidas115. Durante o regime colonial, passa-se de uma migração forçada, com a sua expressão máxima no tráfico de escravos, para um movimento espontâneo e maciço, devido a razões económicas e ao apelo da vida urbana. Após a independência, este movimento ganha novos contornos. Apesar 113

114 115

Acra, Gana (1876); Brazzaville, Congo (1881); Joanesburgo, África do Sul (1886); Yaoundé, Camarões (1889); Kampala, Uganda (1890); Nairobi, Quénia (1899); Abidjan, Costa do Marfim (1903), entre outras. Augusto Trindade: O Fenómeno Urbano na África Subsahariana: O caso de Luanda, p. 194 José C. Venâncio: O Fato Africano. Elementos para uma sociologia da África. Recife: Fundação Joaquim Nambuco, Editora Massangana, 2009 (1ª edição 2000), p. 137 José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução, p. 28

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29. CRESCIMENTO POPULACIONAL DE LUANDA PÓS-INDEPENDÊNCIA [ESTIMATIVAS]

8.000.000

6.000.000

4.000.000

Colgaço (2004) UN

2.000.000

Outros

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da saída em massa dos portugueses, com o início da guerra civil chegam à cidade novos contingentes de todo o país à procura de refúgio – e acontece o mesmo nos conflitos armados de outros países, em que as cidades de fundação europeia se revelam mais atractivas, por oferecerem protecção estatal, pela simbologia subjacente ao seu desempenho político-administrativo e pela maior heterogeneidade étnica116. A atracção exercida por Luanda deve-se igualmente ao seu carácter de cidade macrocéfala, com uma forte concentração de actividades, sem concorrência de outros

Cidade macrocéfala

centros urbanos. “Luanda, [...] não tendo gerado uma região urbana próxima, todavia sujeitou à sua influência uma vasta área, o que lhe dá, sem dúvida, um dos seus traços mais originais e delicados” Ilídio do Amaral: Luanda e os seus “muceques”, p. 298

O elevado crescimento natural da população contribui igualmente para o crescimento urbano acelerado que se testemunha na África Subsaariana a partir da década de 1950. Para Angola, estimou-se em 2008/09 uma média de 6,4 filhos por mulher e um agregado familiar médio de 5,2 nas zonas urbanas, além de uma população bastante jovem – em idade reprodutiva –, com a idade média nos 15 anos117. Acresce a questão cultural, já que ter muitos filhos significa prestígio social, tal como ter mais que uma mulher – a poligamia adaptou-se ao mundo urbano, e de cada relação haverá idealmente pelo menos um filho. E se, no mundo rural, os filhos são a segurança na velhice, tal 116 117

José C. Venâncio: O Fato Africano. Elementos para um sociologia de África, p. 138 IBEP 2008-09, vol. I, p. iii

Crescimento natural


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facto mantém-se nas famílias que recorrem ao trabalho na economia informal, onde os filhos são igualmente um sustento.118 A importância do sector informal da economia é outro tema indispensável para compreender

Economia informal

o fenómeno urbano em Luanda, pois só assim se entende a sobrevivência de uma população estimada em quase 6 milhões de habitantes. O sistema informal surge nos vários sectores da economia, dos transportes à educação, passando pelos serviços de abastecimento de água, mercado imobiliário, mercado informal de terras, construção, mercado de emprego, etc., para colmatar as “falhas e

lacunas do sistema formal”119, as quais se multiplicaram no período da guerra. Trata-se de “actividades económicas legais realizadas por agentes económicos ilegais”, que não incluem as “actividades ilícitas (contrabando, tráficos, furto, etc.) ”120. Em 1995, Mário Adauta de Sousa estimava que 54,1% das famílias luandenses usufruíam de rendimentos do sector informal.121 “Sector formal e sector informal constituem assim os dois subsistemas de um sistema mais amplo [...] que se organiza ele próprio (como acontece em relação a cada um dos subsistemas) em termos de uma lógica de hierarquia e inter-dependência e cujas fronteiras são difusas, fluidas, flexíveis e dependentes do contexto e da conjuntura.” Carlos M. Lopes: Luanda, cidade informal? Estudo de caso sobre o Bairro Rocha Pinto. Sistema financeiro informal

Suporte de todas estas actividades é o sistema informal financeiro que, em Angola, não esquecendo as associações de poupança e crédito122 e os microcréditos123, tem a sua expressão mais visível nas kinguilas e doleiros124 de Luanda. A actividade cambial, à semelhança de uma grande Luiekakio Afonso: Mudanças na dinâmica da população angolana (1992-2002) e sua repercussão no processo de planificação do desenvolvimento social e económico. Conferência, Sociedade de Geografia de Lisboa, Outubro 2012 119 Carlos Manuel Lopes: Luanda, Cidade Informal? Estudo de caso sobre o Bairro Rocha Pinto. VI Congresso Luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais. FLUP, Porto, Setembro 2000 120 Carlos Manuel Lopes: Luanda, Cidade Informal? Estudo de caso sobre o Bairro Rocha Pinto 121 Destas, 41,8% dependem exclusivamente do sector informal, enquanto 12,3% têm chefes de agregado que, empregados no sistema formal, recorrem ao informal como fonte de rendimento extra. in Mário Adauta de Sousa: Contribuição para o Conhecimento do Sector Informal - Luanda, 1995, pp. 19-20 122 Instituições informais que existem em toda a África e em várias regiões do mundo, denominadas ROSCAs (Rotating Savings and Credit Associations), cada uma com o seu regulamento próprio. Assentam em três pilares: confiança mútua, fundos reunidos exclusivamente por cotizações e sua distribuição equitativa (p. 25). São expressão de solidariedade, mas desempenham também a “função de ajustamento dos excessos e défices de liquidez” criados pelos bancos e são um seguro contra vários riscos (p. 42). Ilídio do Amaral: Operações financeiras no sector informal das cidades da África Subsaariana. Lisboa, 2007 123 A Development Workshop foi pioneira na aplicação do sistema de microfinanciamento em Angola. O modelo, originalmente desenvolvido pelo Grameen Bank no Bangladesh, foi primeiro aplicado numa experiência piloto no início da década de 1990 e aumentado para a escala nacional em 1999 através do Sustainable Livelihoods Programme (SLP), numa colaboração entre ONG’s, bancos locais e o governo. Desde 2006 que o KixiCrédito é sustentável enquanto instituição autónoma e em 2005 foi também criada a KixiCasa. 124 Cambistas de rua estrategicamente posicionados nos centros de actividade económica que assinalam a sua presença aos clientes agitando um punhado de notas estrangeiras. Na sua maioria seriam, na verdade, assalariados do sector financeiro formal, que lucrava assim directamente com o sector informal. O seu número diminuiu com a “liberalização 118

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fatia do comércio informal, decorre no espaço público: tanto nos mercados informais, entre os quais se destaca o já encerrado Roque Santeiro, como na via pública, da qual se apropriam de diferentes modos consoante os produtos, os vendedores e o público-alvo. Por exemplo, as mulheres que vendem fruta ou artigos de vestuário e calçado localizam o seu ponto de venda fixo no passeio ou mesmo à porta de casa, vendendo a quem passa a pé; os rapazes jovens que vendem aos automóveis presos no tráfego todo o tipo de artigos imagináveis, alguns para um público-alvo com maior capacidade financeira, fazem-no frequentemente a partir da faixa divisória central por uma questão de mobilidade. Cabe aqui referir ainda os musseques, expressão máxima da informalidade urbana luandense,

Culturas e etnias

além de espaço de simbiose entre as expressões culturais e sociais africana e europeia.125 Com a independência, uma grande parte da população que habitava nos musseques mudou-se para a cidade urbanizada, o que leva a que muitos dos seus aspectos, como sejam a diversidade étnica e cultural, a família extensiva e as redes de solidariedade, se apliquem agora à cidade no seu todo. A pobreza, a precariedade habitacional e a degradação das infra-estruturas também aumentaram e estenderam-se a toda a cidade. Em 2008/09, o Instituto Nacional de Estatística (INE) esta-

Pobreza e crescimento económico

beleceu a linha de pobreza total nos 4.793 kwanzas por adulto por mês e estimou que cerca de 37% da população angolana vivia abaixo desta linha126, com uma incidência três vezes maior nas áreas rurais que nas urbanas127. Não obstante, Angola detém um dos maiores índices de crescimento a nível global, com uma economia assente maioritariamente na produção e exportação de petróleo128, além de Luanda ter sido, em 2013, novamente classificada como cidade mais cara do mundo129. O que nos leva a questionar até que ponto se pode chamar “desenvolvimento” ao crescimento económico, se os problemas centrais de pobreza, desemprego e desigualdade continuam a piorar.130 Os modelos económicos têm igualmente influenciado a forma urbana de Luanda. Após 1975, com base numa economia “planificada e centralizada, de inspiração socialista”131, nacionalizou-se a do comércio de divisas e o aumento do número de bancos e casas bancárias”. in Ilídio do Amaral: Operações Financeiras no Sector Informal das Cidades da África Subsariana, pp. 23-24 125 Ver página 49: Os musseques. 126 John Friedmann complexifica o conceito de pobreza ao defini-la também como “falta de acesso às bases do poder social”, ou seja, mais que a mera incapacidade de suprir as necessidades básicas. cf. FRIEDMANN, John: Empowerment: uma política de desenvolvimento alternativo. Oeiras: Celta Editora, 1996 (1ª ed. 1992), p. 72 127 IBEP 2008-09, vol. I, p. iv 128 É o segundo país produtor de petróleo da África Subsaariana, ultrapassado apenas pela Nigéria, mas com tendência para ocupar a primeira posição já no próximo ano de 2014; é igualmente o quinto produtor mundial de diamantes. 129 Marisa Soares: Luanda volta a ser a cidade mais cara do mundo, Público, 23 Julho 2013 130 John Friedmann: Empowerment: uma política de desenvolvimento alternativo, p. 1 131 Isabel Raposo: Instrumentos e práticas de planeamento e gestão dos bairros peri-urbanos de Luanda e Maputo, p. 221

Modelos económicos


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terra e os prédios de rendimento e construíram-se numerosos blocos de habitação colectiva com a assistência cubana.132 Procura-se acelerar o desenvolvimento e reduzir desigualdades e, reconhecendo a sua incapacidade de dar resposta ao défice habitacional, o Estado promove a auto-construção dirigida133. Nos finais dos anos 80 e inícios de 90, dá-se uma mudança política e económica; passa-se do partido único para o multipartidarismo, diminui o poder de intervenção do Estado, e há uma “abertura à economia de mercado de cunho neo-liberal”, o que resulta num crescimento económico desigual que acentua a pobreza urbana. Ao mesmo tempo, surgem novos actores no cenário urbano, como é o caso dos investidores privados, das organizações da sociedade civil e das ONG’s.134 Com o fim da guerra, em 2002, surgem novas iniciativas públicas, privadas e mistas que vi-

Novas intervenções

sam renovar a cidade, tanto o centro urbanizado, alvo preferido da especulação imobiliária, como algumas áreas de assentamentos informais. Procura-se resolver o problema habitacional através de dois modos de intervenção dominantes: a construção de condomínios, expressão da “expansão

urbana mercantilizada”, e de “habitações de piso único de desenvolvimento extensivo”, frequentemente para reassentamentos em áreas periféricas.135

132 133 134

135

in RAPOSO, Isabel; OPPENHEIMER, Jochen (coord.): Subúrbios de Luanda e Maputo. Lisboa: Edições Colibri, 2007 Entre 1977 e 87 são construídos cerca de 25.000 blocos, de 4 a 6 pisos, seguindo modelos cubanos. in JENKINS, P.; ROBSON, P. e CAIN, A.: Luanda city profile. Angola: Development Workshop, 2003, p. 5 O programa previa espaços para serviços sociais e providenciava materiais de construção a preços subsidiados. A enorme procura levou-o ao colapso, e os terrenos foram ocupados por mais assentamentos informais. Entre as quais se destaca a já referida Development Workshop, a primeira a operar em Angola, desde 1981, com intervenções de referência em parceria com o governo a nível de planeamento participativo e da reforma da posse de terra, entre outras. Sílvia Viegas e Vanessa Melo: Habitação de iniciativa pública em Luanda e Maputo: modelos de intervenção e impactes sócio-territoriais no novo milénio. CIHEL, 2013, p. 3

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A Baía de Luanda, vista da Fortaleza para oeste. A Fortaleza foi reabilitada e abriu como museu das Forças Armadas em Abril de 2013.

O bairro da Chicala, vista da Fortaleza para leste.

Quitandeiras, Avenida Marginal.

Rua no bairro Mártires de Kifandongo e arranha-céus em construção.

Edifícios baixos da Marginal coroados por uma montanha de edifícios.


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LUANDA, CIDADE PÓS-COLONIAL IMPRESSÕES “Constituem assim circunstância da organização do espaço, [...] para além das formas pré-existentes – naturais ou humanas [...] – factores tão variados como o pensamento científico ou a religião, a economia ou a sensibilidade, a política ou a filosofia, [...] sendo certo que todos, mais ou menos, estão na base de qualquer forma e estão de tal modo que a compreensão total de uma forma será tanto mais perfeita quanto mais se transforme em vivência, na medida em que se identifiquem forma e observador, pois que um processo intelectual de pura análise não é o suficiente para a obtenção total do espírito de qualquer forma, ainda que possa constituir veículo de aproximação.” Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 22

Para conhecer uma cidade, não há, pois, bibliografia que substitua o simples andar e ver – ver, não olhar. Ver com os cinco sentidos, experienciar. As próximas páginas pretendem registar alguns aspectos dessa experiência, das impressões retidas da visita à Luanda pós-colonial numa curta semana de Maio de 2013.

CONTRASTES Planeado e espontâneo. Novo e velho. Rico e pobre. Alto e baixo. Alcatrão e terra batida. Perene e efémero. Luxo e lixo. Luanda é uma cidade de contrastes. Imediatamente notório, ao chegar por via aérea, é o contraste entre os infinitos assentamentos informais, de repetição de pequenas casas de piso térreo, e o núcleo urbanizado que parte da Baía “Ficou míudo!” Sr. Pedro Prazeres, sobre o Banco Comercial de Angola, o arranha-céus de Luanda nos anos 1950, hoje perdido entre edifícios muito mais altos.

através de largas avenidas ladeadas de prédios. Outros, mais subtis, são perceptíveis ao percorrer as ruas da cidade. São os edifícios baixos remanescentes da Baixa e os novos arranha-céus de fachadas envidraçadas. Os reluzentes jipes importados com ar condicionado, que transportam um passageiro e o seu motorista, e os velhos candongueiros,136 onde os passageiros se encolhem para deixar entrar mais um. Os sapatos engraxados e o pé descalço. O fato da marca europeia mais conceituada do homem de negócios e o pano de padrões tradicionais que faz a saia da quitandeira. Entre os extremos, vários níveis intermédios. Não é pela apresentação ou pelo veículo que se sabe onde uma pessoa vive – estima-se que nos musseques viva 76% da população de Luanda137, e também a grande maioria dos edifícios de habitação apresentam sinais de degradação. Heranças das guerras.

136 137

Nome dado aos táxis colectivos em Angola, geralmente vans azuis e brancas, que enchem as ruas de Luanda. Allan Cain: Monitoria Participativa da Pobreza Urbana in MOREIRA, Paulo (ed.): A Chicala não é um Bairro Pequeno. Porto: Edição do autor, 2012, p. 44


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Alçado da zona norte da Avenida Marginal.

Remate norte da Marginal: o Hotel Presidente remodelado

Em construção, Avenida Marginal.

Alterações à arquitectura moderna. Estaleiro de obras, Baixa.

Fachada, rua Major Kahangulo, Baixa.


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ARQUITECTURA MODERNA Aspecto que atrai imediatamente qualquer estudante de arquitectura, é a abundância de exemplos de arquitectura moderna, melhor ou pior conseguidos, mais ou menos alterados pelo tempo. Parece que se entrou numa enorme exposição de arquitectura que não teve manutenção durante quarenta anos. Apesar de tudo, fachadas moduladas, grelhagens e brise-soleils marcam o carácter de várias ruas e avenidas de Luanda, geralmente pontuadas de aparelhos de ar condicionado, com vãos encerrados por meio de vidros ou paredes sem acabamentos. Também o alçado da Avenida Marginal não é excepção. Na sua parte mais a norte, mantém uma unidade de conjunto semelhante à das frentes marítimas ou fluviais europeias. Mas ao invés das casas tradicionais de frentes estreitas, é a arquitectura moderna que se assume enquanto modelo tipológico dominante, destituída da rigidez que a caracteriza pelas pequenas alterações de que foi alvo.

RENOVAÇÃO URBANA: ESPECULAÇÃO VS. PATRIMÓNIO Algum tempo antes da viagem, li que Luanda parecia um estaleiro de obras – e parece mesmo. Não exclusivamente, mas principalmente na Baixa – que está sobre terrenos de argila expansiva e tem o nível freático aproximadamente 1,5 ou 2 metros abaixo do solo – onde estão a construir inúmeros arranha-céus com pisos subterrâneos para estacionamento. Um dos maiores shoppings de África está a nascer onde era o Mercado do Kinaxixe, obra emblemática da arquitectura moderna tropical, por Vieira da Costa. Uma das demolições mais controversas, mas uma entre muitas. Apaga-se continuamente o património construído de Luanda, sejam sobrados ou exemplares da arquitectura moderna. Há leis, mas as leis são contornadas, e, a partir do momento em que um “acidente” destrói um edifício, já se pode construir uma torre. É a tremenda pressão imobiliária num país que atrai o investimento do petróleo e dos diamantes. Expulsa da cidade os seus milhões de habitantes, começando pelos mais pobres, e constrói não se sabe para quem.

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“o Carteiro entrava no seu musseque, cruzava várias casas, curvava por becos de chão irregular e molhado por águas imundas, e antes de chegar a casa atravessava a enorme montanha de lixo que dividia, na realidade, dois musseques, um riozinho de água escura desenhava no chão curvas que imitavam, com muito boa vontade, um enorme mapa de Angola”

Joana Venâncio

“um agradável cheiro de peixe grelhado invadia a casa vindo do corredor, prática comum dos vizinhos de Paulo, sentados a horas tardias no corredos do terceiro andar, a grelhar peixe e a confraternizar com a família, chegando mesmo a convidar quem estivesse de passagem a juntar-se a eles”

Ondjaki: Os transparentes, p.397

Ondjaki: Os transparentes, p.128

Lixeira, bairro Prenda.

Lixo acumulado, Baixa.

Jogo de futebol, balizas amovíveis. Bairro Mártires do Kifandongo.

Nova baía de Luanda.

Cozinha ao ar livre, Avenida 21 de Janeiro.


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INFRA-ESTRUTURAS: FALTA ÁGUA E ELECTRICIDADE, SOBRA LIXO “Estão a fazer um outro Dubai, mas aqui esqueceram o saneamento” Fernanda Lopes Do outro lado da rua onde vive, perto do cemitério do Alto das Cruzes, a Teixeira Duarte está a construir quatro edifícios de escritórios com quase 20 pisos.

Os problemas de infra-estruturas são vários, e são frequentes os cortes de luz e água no sistema de abastecimento municipal que, desde logo, não chega a muitas áreas da cidade. Além disso, bastante perceptível do espaço público através do olfacto: falta de saneamento e recolha de lixo deficitária. Ao contrário do que quem não conhece pode pensar, estes problemas não são exclusivos das áreas de génese informal. O lixo acumula-se na rua junto a edifícios recém-construídos com os materiais mais luxuosos e com segurança armado à porta. Nas áreas não urbanizadas, seja pela dificuldade em fazer a recolha ou pela falta de vontade, as lixeiras são frequentes, por vezes junto das habitações. Mas a culpa não pode ser posta somente no Município: muitas pessoas atiram o lixo de sua casa para a rua. Aliás, são de frisar as operações de limpeza que decorriam em várias zonas da cidade – testemunhadas na Baía, na Baixa e no Prenda.

ESPAÇO PÚBLICO: A RUA “O vizinho entra em casa do outro porque sim. Se tu tens parabólica, a tua vizinha vai lá assistir a novela todos os dias. E tu não vais dizer nada, porque aqui é assim.” Rosa Vasconcelos

Várias ruas da cidade foram alvo de obras de remodelação nos últimos anos. A diferença entre 2009138 e 2013 é uma significativa diminuição do número de buracos. À parte o melhor ou pior estado em que se encontra, a rua é o palco de um sem-número de vivências. Na rua, no passeio, nos terraços dianteiros e à porta de casa, homens, mulheres e crianças, novos, velhos, sentados em cadeiras, nos muretes, no chão, na soleira da porta, a conversar, a jogar futebol, a vender, a comprar, a entrançar o cabelo, a lavar loiça, a cozinhar, crianças a brincar, pessoas a caminhar. Movimento, vida. Uma utilização intensiva do espaço público e semi-público, também

Os noivas agora tiram as fotos do casamento na Baía. Antes, ou tiravam nos pequenos largos da cidade, ou mesmo no shopping. Jerusa Gaspar

para actividades do foro privado e doméstico. Diluem-se os limites e o privado tem também uma parte de uso colectivo. Apesar de não planeada, a apropriação do espaço da rua supera a sua condição de via de circulação. Por contraste, a Baía, com uma histórica e acentuada função de representação, foi transformada num novo espaço público de desenho cuidado e provido de mobiliário urbano.

138

Altura em que a autora visitou Luanda pela primeira vez, na última semana de Agosto.

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“na avenida o trânsito era intenso, motas de fabrico chinês circulavam por entre os carros enormes, jipes de marca americana, japonesa e coreana, muitos hiace na candonga de transportar o povo que realmente só se podia deslocar de candongueiro, muitos toyota starlet, também conhecidos como gira-bairro, também no serviço de candonga mas este ilegal e mais arriscado” Ondjaki: Os transparentes, p.70

“a cidade era mais simples vista dali. sentia-se menos na pele e nos olhos o peso doloroso dos seus problemas, dos seus dramas - o que é bonito nesta cidade, Odonato... são as pessoas. as festas, o ritmo, até os enterros - passámos muitos anos, Xilisbaba, em busca do que é bonito para suportarmos o que é feio. e não estou a falar dos prédios, dos buracos na estrada, dos canos rebentados. já é hora de encararmos o que não está bem” Ondjaki: Os transparentes, p.53

Estabelecimentos comerciais, estrada da Samba.


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TRÁFEGO AUTOMÓVEL “E há dias em que o trânsito é tal, que há pessoas que não chegam a Luanda. Telefonam para os chefes a dizer, olhe, estou aqui encravado no trânsito, vou para casa. Aquilo é parado, anda um metro, pára, anda um metro, pára...” Ilídio do Amaral

O aumento exponencial da população e da área urbana não foi acompanhado por adequados investimentos em vias de circulação, muito menos em transportes públicos. A maioria das actividades continuam a concentrar-se no centro de Luanda, de localização periférica quanto ao total da área urbana, e a população que nelas trabalha vive cada vez mais longe. O carro e o candongueiro são as únicas hipóteses de circulação e os movimentos pendulares ocupam uma parte considerável do tempo dos luandenses. Para chegar ao trabalho às 8 horas, quem vive no bairro da Petrangol, aproximadamente 10 quilómetros a norte, tem de sair por volta das 6 horas da manhã. Já quem vive no novo empreendimento do Kilamba Kiaxi, a 30 quilómetros, tem de sair às 4 horas da manhã! Decorrentes do intenso tráfego automóvel, enfrentam-se também os consequentes problemas de estacionamento e de circulação de veículos de emergência. Essa mesma intensidade do tráfego leva ainda à transformação das vias em local privilegiado de venda ambulante, muitas das quais seriam supostamente de trânsito rápido. De jornais e óculos de sol até tapetes ou mobiliário, são geralmente rapazes jovens que vendem de tudo ao trânsito quase parado. Proliferam igualmente estabelecimentos comerciais focados nos automobilistas, sobretudo informais, que, com grandes letreiros e cores chamativas, surgem na beira das estradas que saem de Luanda.

TRADIÇÕES: VELÓRIOS A cerimónia realiza-se, se possível, em casa e dura vários dias. A fotografia do falecido é posta sobre uma mesa à entrada e comparece toda a gente. As casas são pequenas, portanto os convidados ficam à porta. Decorria um velório na larga Av. Ho Chi Minh. Duas grandes tendas para proteger do sol ocupavam toda a largura do passeio; debaixo, cadeiras de plástico onde se sentavam os mais-velhos. A maioria ia visitar a família já à noite. Muitas ruas, menos largas, tornam-se intransitáveis. Nas áreas de génese informal, os becos são demasiado estreitos para permitir a passagem do caixão – e é preciso engenho para o tirar por cima.

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ŠGoogle Earth, 2013


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O BAIRRO PRENDA O próximo capítulo foca-se numa zona específica da cidade de Luanda, o Bairro Prenda, procurando evidenciar a difusa relação entre os níveis formal e informal na evolução do bairro. No seu modo particular, o Prenda conta a história da construção da cidade de Luanda ao longo das últimas décadas. De zona rural a musseque, de musseque a bairro modernista e daí à actualidade: as casas, ruas e infra-estruturas que sobreviveram a quarenta anos de guerra, evoluindo numa constante interacção entre processos formais e informais.


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

B. Coreia

B. Margoso (Chabá)

B. Catambor

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B. Samba Pequena

A maioria dos bairros da envolvente são de génese informal, originalmente formados enquanto musseques com os mesmos Bairro Alvalade nomes.

Rio Seco / Vala de drenagem B. Azul

Joana Venâncio

de o

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B. Samba Grande

R. do Laboratório de Engenharia Vala de drenagem

B. Cassenda Bairro Sagrada Esperança

1. BAIRRO PRENDA: LIMITES | desenho da autora sobre imagem de satélite, 2013 10

20

30

40

50 60

Areias Vermelhas Alternância entre argila e areia

2. TOPOGRAFIA | relevo e tipo de solo (fronteira aproximada), desenho da autora, esc. 1/5000


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O Bairro Prenda

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O LUGAR

O Bairro Prenda pertence ao Distrito Urbano da Maianga, um dos seis que constituem o Município de Luanda1, e abriga inclusivamente a sede de distrito. Oficialmente, a sua área é definida pela rua Comandante Arguelles a norte, pela Avenida Revolução de Outubro a nordeste, pela rua do Laboratório de Engenharia a leste, pela Estrada da Samba a oeste e, a sul, pela vala de drenagem que divide os bairros Prenda e Sagrada Esperança.2 Os seus limites, no entanto, nem sempre foram os mesmos. Embora actualmente seja um bairro de localização quase central e envolvido por áreas urbanas, em 1973 continuava a pertencer à periferia sudoeste da cidade. Situa-se nesta altura na “encosta sul do Rio Seco e, para além da Rua

D. João III, espalha-se por entre a Avenida do Aeroporto e Estrada da Samba, até próximo da Base Aérea Militar”3. Ainda hoje se utiliza a expressão Baixo Prenda referente ao Bairro Margoso / Chabá. Existe, na verdade, uma grande dose de indefinição relativamente aos nomes e respectivos limites dos bairros4, em tudo consequente da génese informal da maioria. As fronteiras são geralmente definidas por vias de circulação, cursos de água ou valas de drenagem. De um modo geral, a topografia do bairro consiste numa vertente, cuja inclinação se torna mais abrupta, aproximadamente, a partir da rua Eng. Frederico dos Santos. Do mesmo modo, dá-se a transição de solos de argilas vermelhas do planalto para solos mais arenosos na descida para a Samba e para o rio Seco. Para efeitos deste trabalho, iremos focar-nos com maior atenção na área que foi alvo do plano e projecto formais e nas zonas adjacentes, fruto de auto-construção. Não obstante, nalguns aspectos iremos alargar a um campo de visão que permita uma ideia geral mais precisa.

1

2 3 4

Na actual divisão urbana do Município de Luanda, legislada em Diário da República a 22 de Março de 2012, a cidade está dividida em seis Distritos Urbanos: Ingombota, Maianga, Rangel, Kilamba Kiaxi e Sambizanga. Cada um destes incorpora vários Bairros. Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luana (IPGUL) website. Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 72 Notícias de periódicos, testemunhos de habitantes e limites oficiais nem sempre coincidem.


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

1862

1926

Musseque Magalhães Silva

1942

Musseque e Maianga de Massi

Maianga do Rei

Maianga do Povo Casa da Guarda

3. A ÁREA DO BAIRRO PRENDA NAS DIFERENTES PLANTAS E PLANOS DE URBANIZAÇÃO | análise da autora

4. MUSSEQUE PRENDA | fotogragia antiga

Joana Venâncio

1949


O Bairro Prenda

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MUSSEQUE PRENDA

A história do musseque Prenda é semelhante à de muitos outros musseques. O seu nome, deve-o a um europeu cujo arimo5 aí se localizava, à volta do qual se concentrou o primeiro núcleo de cubatas. A planta de 1862 por F. Dutra, a primeira onde são representados musseques, deixa supor que esta fosse uma área rural. Dentro do actual perímetro do bairro, encontravam-se a Maianga do Rei e a Casa da Guarda. Considerando que Ramiro Ladeiro Monteiro situa o Prenda na encosta sul do rio Seco, e que faria sentido a localização de um arimo relativamente perto de um curso de água apesar da pobreza dos solos, poderemos supor que o musseque Prenda tenha surgido relativamente perto, se não no próprio local, do Musseque e Maianga de Massi. Nas plantas posteriores da cidade, nomeadamente nas de 1900, 1926 e 1939, a área não aparece de todo representada. Rural ou musseque, não era parte da cidade propriamente dita, i.e., da sua zona urbana. Segundo Isabel Martins, o Prenda existirá já no final do primeiro quartel do século XX6, mas ainda enquanto propriedade campestre da burguesia. Ramiro Ladeiro Monteiro situa o Prenda na segunda fase de formação dos musseques existentes em 1973, juntamente com o Rangel, Calemba, Catambor, Lixeira e Caputo. Será posterior aos musseques Sambizanga, Mota e Marçal, mas ainda anterior ao Cemitério Novo, Cazenga ou Golfe7. No primeiro plano de urbanização para Luanda, iniciado em 1942 por Etienne de Gröer e David Moreira da Silva, prevê-se a urbanização da área. O traçado de ruas curvilíneas nunca chega, porém, a concretizar-se e em 1948 Castro Lopo refere-se ainda ao musseque Prenda. “Mais para sul, há outros musseques hoje raras vezes nomeados, mas entre os quais sobressai o musseque Prenda, que era constituído por arimo de europeus, tendo por vizinhança alguns condenados pretos do Depósito de Degredados de Angola, que estava instalado na histórica Fortaleza de San-Miguel.” Júlio de Castro Lopo: Alguns Aspectos dos Musseques de Luanda, 1948 8

Já no plano de urbanização de 1949, pelo Gabinete de Urbanização Colonial, é planeada a abertura de dois conjuntos de ruas, sensivelmente paralelas à rua de D. João III. O conjunto mais a leste é efectivamente construído e as suas ruas ladeadas de vivendas são integradas nos planos 5 6 7 8

Terreno agrícola, em Angola, perto das casas ou povoações. Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 233 O musseque Golfe ter-se-á formado com população proveniente do Prenda, em 1968, tal como mais tarde o Rocha Pinto, em 1979. Citado por Ramiro Ladeiro Monteiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 75

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

1973 (fases de formação dos existentes) 2ª fase 1ª fase

Mota Lixeira

Sambizanga

3ª fase Marçal Zangado Adriano Moreira Rangel

Catambor Prenda

Cazenga Caputo

Calemba Cemitério novo

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Golfe

5. MUSSEQUES DE LUANDA | fases de formação segundo Ramiro Ladeiro Monteiro, sobre planta de 1964


O Bairro Prenda

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posteriores. Em 1964, o musseque Prenda tem uma população estimada em 13.000 indivíduos. Num estudo comparativo entre musseques9, é o segundo mais populoso e aquele que tem maior número de habitantes da Metrópole e Ilhas Adjacentes, 212, principalmente das regiões do Porto e Viseu. Entre os chefes de família da população africana, cerca de 27,8% são naturais da Província de Luanda, seguidos de 27,3% do Kwanza Sul e 18,9% de Malanje.10 Embora em 1965 não existisse qualquer estabelecimento comercial11 ou industrial12 registado na área, havia, em 1964, 99 estabelecimentos não legalizados, ou seja, incapazes de apresentar todos os documentos legais exigidos. Estes dividiam-se entre 84 estabelecimentos de comércio misto, 3 botequins e 12 quitandas. A maioria era pertencente a europeus, 95%, e 5% a africanos, principalmente mestiços, muitos deles cabo-verdianos.13 Em 1970, segundo Ramiro Ladeiro Monteiro, a população terá aumentado para 21.092 indivíduos, divididos por 3.835 fogos, numa densidade média de 5,5 habitantes por fogo14. Possui uma densidade populacional claramente inferior à dos outros musseques estudados, de 6.340 habitantes por quilómetro quadrado.15 Tal como outros musseques, também o Prenda viu, a partir de 1960, instalados alguns fontanários públicos de uso gratuito. Verificava-se, em 1973, uma média de 7,43 hectares e 1.318 habitantes por cada fontanário. Em termos de iluminação pública, juntamente com o Rangel, Marçal e Zangado, é dos mais bem servidos, com 158 pontos de luz ou lâmpadas. Pela sua localização, a urbanização da área do Prenda não poderia deixar de suscitar interesse. Os terrenos nos quais se situa o musseque terão sido comprados pela Câmara Municipal aquando da presidência do Eng. Câncio Martins16. Além da construção da Unidade de Vizinhança nº1 a partir de 1963, sobre a qual nos debruçaremos de seguida, existia igualmente o projecto de uma Cidade 9

10 11 12 13 14 15

16

Inclui os musseques Coreia do Norte, Samba Pequena, Prenda, Catambor, Bananeira, Sambizanga, Mota, Lixeira e Prenda O estudo baseia-se nas informações recolhidas acerca dos ‘chefes de família’ e ‘donos de casas’, cerca de 10% da população total. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), fig. 13, quadros IX e X Entre necessidades correntes, especial e de luxo, hotéis, restaurantes ou lugares de distracções. Idem,, fig. 15 Idem, fig. 16 Idem, p. 119 A média de 2008/09 para as zonas urbanas de Angola é de 5,2 hab./fogo. IBEP 2008-09, vol. II, p. 11 São estudados os musseques representados na planta; exceptuando o Catambor, os valores de densidade populacional dos outros variam entre 17.720 e 54.180 hab./km2. Tal facto poderá dever-se à inclusão, no cálculo, da área urbanizada. Segundo testemunho de Simões de Carvalho (10/9/2013), era o pai do Engenheiro José Câncio Martins, especialista em estruturas de pontes, vencedor do prémio Secil em 1995.

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6. AUTO-CONSTRUÇÃO DIRIGIDA: Hipóteses de localização | pormenores da planta de 1970, esc. 1/5000 Apesar da ausência de informação, parece-nos oportuno apontar possíveis locais de localização da experiência de auto-construção dirigida. Nos dois primeiros casos a implantação dos volumes é dispersa e obedece à topografia. Nos dois últimos, em terreno de menor declive, a construção é feita criando alinhamentos e os volumes implantam-se perpendicularmente às curvas de nível – o que poderá significar o respeito por regras urbanísticas impostas.


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O Bairro Prenda

Universitária. Uma parte do terreno, escolhido “justamente pela sua posição topográfica, recebendo

as brisas marítimas e tendo a vista para o mar” 17, foi oferecida à Universidade de Luanda18 para construção das futuras instalações. A falta de verbas, porém, não permitiu a sua construção imediata e intensifica-se a ocupação informal dos terrenos com o início da guerra colonial, em 1961.19 Quando as verbas necessárias se encontravam reunidas, já os terrenos estavam completamente ocupados, entre casas de carácter temporário e outras de construção definitiva. Os militares são, então, chamados a intervir. “Chegaram os militares com os tractores, começaram a destruir algumas das casas. Casas que eram com materiais perecíveis, cubatas. E então chegou a uma, já era uma casa semi, de tijolo, de blocos de cimento. Tinha um varandim e, sentada no varandim, estava a família toda. Bandeira portuguesa, o retrato do Salazar e o retrato do Américo Tomás. [...] – Passam por cima de nós. Nós daqui não saímos, somos portugueses. [...] Acabaram os militares por recolher, porque ninguém teve coragem de retirar aquela família. E depois foram avançando.” Testemunho de Ilídio do Amaral, 9/8/2013

Os militares acabam por deslocar uma parte da população, mas a Cidade Universitária nunca começou a ser construída e o musseque persistiu. E é nesta área de génese informal que se dá aquela que é, provavelmente, a primeira experiência de auto-construção dirigida em Luanda. Terá ocorrido nas décadas de 1960 e 1970, certamente após 1967, já que Simões de Carvalho20 não tem conhecimento da mesma. A Câmara estava encarregue de fornecer os materiais e, em troca, os moradores deveriam respeitar os alinhamentos das ruas, para que estas mais tarde pudessem ser dotadas de infra-estruturas. Os resultados estariam a ser positivos, mas a falta de capital ditou o fim do projecto.21 O musseque continuou então a construir-se segundo as regras ditadas pelos habitantes na implantação e auto-construção da sua própria casa. Simultaneamente, no centro do aglomerado, surgiam vivendas e blocos de habitação colectiva cuja construção era ditada por outros padrões urbanísticos, legais e económicos. 17 18

19 20 21

Testemunho de Ilídio do Amaral, 9/8/2013. Primeiro criada, em 1962, enquanto Estudos Gerais Universitários de Angola, integrados na Universidade Portuguesa, e só em 1968 se transformou em Universidade de Luanda. Após a independência, adoptou o nome do primeiro presidente de Angola e primeiro reitor da instituição, Agostinho Neto. Para tal facto contribuem a sua formalização ainda dispersa e a localização próxima ao aeroporto, já que uma grande parte da população recém-chegada vem de avião. Chefe do Gabinete de Urbanização Municipal de Luanda, de 1961-1966; ver página... Testemunho de Ilídio do Amaral, 9/8/2013.

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DADOS BIOGRÁFICOS Nasce em Luanda

1929

Muda-se para Lisboa

1944

Estágio com Manolo Poitier e Lima Franco

1954

Termina o curso superior de Arquitectura na ESBAL

1955

Estágio no Gabinete de Urbanização do Ultramar

1956

Colaboração com Le Corbusier e Wogensky e Curso do Instituto de Urbanismo Paris-Sorbonne Regresso a Luanda

1959

Docente de Geometria Descritiva no Liceu Salvador Correia

1960

Torna-se chefe do Gabinete de Urbanização da

1961

Câmara Municipal de Luanda

PLANOS E PROJECTOS EM ANGOLA Aldeamento da Quilunda

Plano de Urbanização do Futungo de Belas

Plano Director de Luanda Mercado do Caputo, capela e cunjunto assistencial

1962

Bairro dos Pescadores na Ilha de Luanda

1963 1964 Tese final de Urbanismo sobre o Bairro dos Pescadores da Ilha Regresso a Lisboa para o Gabinete Técnico de Habitação da Câmara

Fábrica de Refrigerantes Sofanco

1965 1966

1967 1968 1969

1977 Trabalha no Brasil como urbanista Professor na FAUTL

7. DADOS BIOGRÁFICOS DE SIMÕES DE CARVALHO

1979 1995

Vivenda própria no Bairro Prenda Blocos de Habitação Colectiva para os funcionários dos CTT de Luanda

Construção da Unidade de Vizinhança nº1 (Bairro Prenda)

Hospital Regional de Sá da Bandeira / Lubango

Centro de Radiodifusão de Angola


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INTERVENÇÕES FORMAIS O ARQUITECTO: SIMÕES DE CARVALHO A intervenção no Bairro Prenda consiste num entre poucos exemplares em que plano urbanístico e projecto arquitectónico coincidem na mesma pessoa. Simões de Carvalho, à data chefe do Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal de Luanda, é o autor não só dos blocos de habitação colectiva da PRECOL, como também dos Planos Parciais das Unidades de Vizinhança e do próprio Plano Director de Luanda [1961-1964].

8. SIMÕES DE CARVALHO, 2011

AS ORIGENS Filho de pais portugueses, oriundos de Carregal do Sal, Fernão Simões de Carvalho nasce em 1929 em Luanda, na freguesia dos Remédios. Com apenas 14 anos, depois de três anos no Liceu Salvador Correia, vai para Lisboa para aí acabar os estudos. Numa entrevista conduzida por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí, o próprio assinala a diferença sentida entre viver na Colónia ou na Metrópole: “a vida em Angola era uma vida não tão fechada como aqui. (...) Lá as pessoas tinham

as portas sempre abertas. Entravam os amigos, os colegas brancos, entravam pretos, íamos lanchar, visitávamo-nos uns aos outros livremente.”22 Mantém sempre o contacto com a sua terra natal, onde passa todas as férias. Acompanha,

22

Simões de Carvalho, entrevistado por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí (Abril 2011) in PRADO, Roberto Goycoolea, MARTÍ, Paz Núñez (dir.): La modernidad ignorada: arquitectura moderna de Luanda, 2011, p. 230

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desse modo, as mudanças da cidade, nomeadamente o aumentar de uma segregação que lhe desagrada, traduzida na maior separação entre a cidade europeia e a população indígena.

A FORMAÇÃO Ingressa no curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Cedo toma

Belas Artes

consciência da limitação do ensino na área do Urbanismo – o que na verdade se ensinava era Urbanologia. Estudava autonomamente através de livros de Gaston Bardet23, entre outros, com o intuito de compensar a sua ausência das aulas devido ao serviço militar. Durante o curso, o qual termina em 1955, estagia com Lima Franco e Manolo Poitier. Segue-se o tirocínio no Gabinete de Urbanização do Ultramar24, com João Aguiar e Lucínio Cruz, entre outros. No primeiro, Lima Franco era responsável por muitos planos de urbanização em Lisboa. No segundo, elaboravam-se todos os planos de urbanização para as colónias. Porém, Simões de Carvalho afirma

Lima Franco e Manolo Poitier Gabinete de Urbanização do Ultramar

que, tanto num como noutro, ”quem fazia urbanismo era um desenhador, que fazia só loteamentos”.25 Quanto aos planos do Gabinete de Urbanização do Ultramar, “eram feitos no Ministério do Ultramar,

eram mais desenhos que outra coisa, que no final de contas não eram concretizados porque não tinham uma base que deve existir no urbanismo, que é resultado dos estudos preliminares dos inquéritos à população, os inquéritos ao clima, ao terreno, tudo isto tem que ser feito”26. Procura então aprender mais, e com o melhor – pretende fazer o curso de Urbanismo no Instituto Paris-Sorbonne e trabalhar com Le Corbusier. Tenta obter uma bolsa de estudos do Instituto de Alta Cultura, a qual lhe é recusada por ainda não deter o diploma. Dirige-se então à embaixada francesa que, apesar da boa vontade, não lha podia conceder nesse mesmo ano por já ter passado o fim do prazo de inscrição. Está, no entanto, decido a partir imediatamente. Em Paris, apesar das dificuldades, o destino leva-o a Wogenscky, com o qual vai trabalhar directamente nos quatro anos e meio seguintes, no atelier de Le Corbusier. Torna-se no terceiro arquitecto português a estagiar com o mestre, o primeiro da Escola de Lisboa. Wogenscky havia estudado arquitectura, ao contrário de Le Corbusier, pelo que era ele quem dirigia os projectos de execução. Era exactamente nesta área que Simões de Carvalho também pretendia aperfeiçoar-se, por considerar que lhe havia faltado a formação na escola. Afirma, igualmente, que “mesmo hoje 23 24 25 26

Arquitecto, urbanista e escritor francês [1907-1989]. Assim se passou a chamar o Gabinete de Urbanização Colonial com a revisão constitucional de 1951. Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013. Simões de Carvalho, entrevistado por Cláudio Fortuna, Semanário Angolense (Junho 2011)

Le Corbusier e Wogenscky


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ainda não se ensina muito sobre execução, aqui nas nossas escolas”27. No primeiro ano em Paris, sem bolsa de estudo e com um volume avantajado de trabalho no

atelier onde começa do princípio o desenho da Unidade de Habitação de Berlim, anula a matrícula Instituto de Urbanismo Paris-Sorbonne Auzelle

no Instituto de Urbanismo de Paris-Sorbonne. Ao longo dos anos seguintes, divide o seu tempo entre trabalho e estudo. Na Sorbonne, dominavam na altura as ideias de Robert Auzelle, que vêm a influenciar grandemente a sua obra. Numa perspectiva menos artística que Le Corbusier, Auzelle “propõe a contextualização de diversos factores socioeconómicos numa visão mais integrada e

técnica”28. Com Le Corbusier e Wogenscky, colabora ainda nos projectos do Pavilhão do Brasil na Cidade Universitária de Paris, no qual é nomeado Arquitecto de Obra; no projecto de obra do mosteiro de La Tourette e na Unidade de Habitação de Briey-en-Fôret. Este período coincide com o aperfeiçoamento de Le Corbusier no trabalhar do betão à vista29, influência que se percebe na obra de Simões Unidades de Habitação e o Modulor

de Carvalho, tal como o explorar das Unidades de Habitação e do Modulor: “Esboço (sempre) de

acordo com o Modulor. Tudo o que fica de acordo com o Modulor sai certo... Sai sempre proporcionado, sempre agradável”30. Simões de Carvalho considera-o igualmente um vantajoso instrumento na passagem dos croquis para o desenho rigoroso, pois, como os desenhadores já o conheciam, não era preciso cotar os esboços.

O Modulor associa as dimensões humanas e as geométricas através da secção áurea. A partir das duas séries obtidas, vermelha e azul, permite proporcionar a arquitectura numa escala humana. 9. O MODULOR 27 28 29 30

10. UNIDADES DE HABITAÇÃO DE BERLIM

E BRIEY-EN-FÔRET

Simões de Carvalho, entrevistado por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí (Abril 2011), p. 236 Ana Vaz Milheiro: Luanda no Futuro: O Bairro Prenda. Exposição África/Brasil: A Cidade Popular. Trienal de Arquitectura de Lisboa, 2010, p.310 Ana Vaz Milheiro: Luanda no Futuro: O Bairro Prenda, p.310 Simões de Carvalho, testemunho (Junho 2008) in MILHEIRO, Ana Vaz; NUNES, Jorge: Le Corbusier e os Portugueses, Revista arq./a, Julho/Agosto 2008, p. 44


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Defende a sua tese final do curso de Arquitectura em 1958 em Lisboa, sobre um Centro de Televisão, estudado em Paris e Londres31. Teve, porém, problemas de reconhecimento do seu período de estágio com Le Corbusier, pois Cristino da Silva, à data o grande mestre em Lisboa, não o considerava arquitecto.

AS IDEIAS Em 1959, regressa para junto da família, a Luanda. Era sua intenção utilizar os conhecimentos

Segregação

adquiridos em prol da sua cidade, pela qual tinha uma paixão: “Fui tirar o curso de Urbanismo para

ver se salvava Luanda, se acabava com a segregação rácica e com as segregações sociais que senti.”32 Mesmo antes de fazer o curso, já sentia que a segregação não podia acontecer. A formação que recebeu confirmou essa ideia: “A história do urbanismo mostra-nos que onde há qualquer tipo

de segregação económica, social ou de raça, há sempre desequilíbrios, há sempre revoltas, há sempre crimes”33. Deste modo, é um defensor convicto da miscigenação. A segregação que hoje se verifica, dos condomínios fechados procurados pelas classes económicas mais desafogadas, não deixa de ser uma segregação. É justificada pela questão da segurança, contudo, o arquitecto considera que “a segurança consegue-se por uma convivência e respeito

de uns pelos outros. É preciso começar a ensinar isto nas creches, nos jardins-escola”34. Tal como é necessário misturar habitação para vários tipos de população, pois “os vizinhos nunca atacam

os vizinhos, porque sentem apoio neles, as raízes são estas. É a convivência social que é preciso promover.”35 Acreditava, assim, que a solução deveria passar essencialmente pela educação, porque os valores são incutidos desde tenra idade. Tanto para combater a segregação como para dar educa-

ção cívica e elevar dentro da cultura,36 elabora o projecto de um jardim-escola, o qual oferece aos serviços de instrução pública para que possa ser construído por toda a Província.37 Com o mesmo propósito, projecta igualmente no Bairro S. Paulo uma creche, um jardim-escola, um centro elementar de saúde, uma igreja e centro social e comunitário – além de um centro de emprego. Pretende 31 32 33 34

35 36 37

Simões de Carvalho, entrevistado por Cláudio Fortuna (Junho 2011) Simões de Carvalho, entrevistado por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí (Abril 2011), p. 238 Idem, p. 230 Simões de Carvalho, entrevistado por Diogo Cruz (Outubro 2011) in CRUZ, Diogo: Memórias de um Mercado Tropical. O Mercado do Kinaxixe e Vasco Vieira da Costa.Vol. II - Anexos. (Dissertação de Mestrado Integrado). Coimbra: FCTUC, 2012, pág. 19 Simões de Carvalho, entrevistado por Cláudio Fortuna (Junho 2011) Idem. Chegou a ser construído em Novo Redondo e na Gabela.

Educação


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“melhorar não só o nível social e cultural, como o nível económico das populações”38. A educação passa também pelos modos de apropriação e uso do espaço, para evitar a degradação dos equipamentos devido ao seu uso desadequado. Aconteceu, em Portugal, banheiras serem usadas como celeiros e corrimãos serem vendidos devido ao valor de mercado do seu material. É por esta razão que, antes de viverem nos novos bairros, prevê a passagem da população vinda do musseque por bairros-escola, “onde aprendiam a usar a casa de banho, a sanita, a

banheira”39. Lutou sempre contra a corrupção – a razão que o obrigou a abandonar Luanda em 1967, mas

Corrupção

que veio encontrar igualmente em Lisboa. Acreditava que “um plano de urbanização só é valido se

promover o desenvolvimento económico, social e cultural das populações”40. Isto porque tinha fé na capacidade do Urbanismo de melhorar a vida das pessoas. Trata-se, portanto, de “uma ciência política, económica e social com uma feição de arte na ela-

Urbanismo

boração dos planos, porque o belo é uma componente na vida das pessoas”.41 Esta ampla dimensão impede o urbanista de tomar decisões sozinho. Precisa obrigatoriamente da colaboração de uma equipa multidisciplinar. Considera igualmente indispensável conhecer “todas as realidades da pró-

pria população”42, “as suas aspirações, o seu modo de vida, o seu desenvolvimento cultural, as suas raízes”43, tal como saber de que infra-estruturas beneficia ou as necessidades que tem.

38 39 40 41 42 43

Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013. Simões de Carvalho, entrevistado por Cláudio Fortuna (Junho 2011) Idem Simões de Carvalho, em Conferência na FAUTL (Maio 2004) in FONTE, Maria Manuela: Urbanismo e Arquitectura em Angola: de Norton de Matos à Revolução. (Dissertação de Doutoramento). Lisboa: Caleidoscópio & FAUTL, 2012, p. 125 Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013 Simões de Carvalho, entrevistado por Cláudio Fortuna (Junho 2011)

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GABINETE DE URBANIZAÇÃO MUNICIPAL A altura em que Simões de Carvalho chega a Luanda coincide com a vontade política de criar um Gabinete de Urbanização Municipal em Luanda. Em 1958, o Gabinete de Urbanização do Ultramar transforma-se na Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (DSUH-DGOPC), ao mesmo tempo que se criam estruturas locais. É então aberto um concurso para montar o Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal de Luanda44, decisão que se prende com a crescente pressão do investimento imobiliário na Baixa, a qual exige decisões urbanísticas urgentes. Simões de Carvalho concorre sem ter o Diploma de Urbanismo, mas com uma declaração do director da Sorbonne, confirmando que estava apto. Após um conflito de influências entre a Câmara e o Ministério do Ultramar, que o levam a dar aulas no Liceu Salvador Correia por um ano, em 1961 torna-se arquitecto-urbanista da Câmara de Luanda e chefe do Gabinete. O Gabinete instala-se num primeiro andar de um dos edifícios de arcadas na Marginal. Uma parte da equipa terá sido cedida pela Câmara, outros houve que procuravam pessoalmente Simões de Carvalho, “primeiro porque queriam saber urbanismo, segundo porque tinha estado com o

Corbusier”45. Foi constituída uma equipa multidisciplinar: mais de seis arquitectos (entre eles António Campino, Domingos Silva, Luís Taquelim da Cruz, Fernando Alfredo Pereira, Rosas da Silva e Vasco Morais Soares), três engenheiros (Manuel Travassos Valdez, João Tavares Guerreiro, Aníbal Fernandes de Figueiredo), dez desenhadores, um topógrafo (José Paz Olimpo), um maquetista e um pintor (José Pinto). Simões de Carvalho, além de trabalhar a partir de Luanda, tem uma formação diferente dos que antes haviam estado à frente das decisões urbanísticas da cidade, diferenças que se fazem notar. As ideias de Auzelle sentiam-se na prática do Gabinete. Uma das primeiras medidas tomadas foi recolher dados sobre a cidade através de inquéritos: acerca da habitação, da indústria, do comércio, do tráfego automóvel, da densidade populacional, etc. Fizeram-se igualmente estudos no musseque Prenda e outros bairros em transgressão.46 Simões de Carvalho afirma no seu currículo que esta foi uma escola prática de urbanismo, “Porque eu ensinava-lhes, dizia-lhes como é que era. [...] Todos os dias eu estava no estirador de

44 45 46

É criado pelo Presidente da Câmara Câncio Martins, engenheiro. O primeiro convite teria sido feito a Keil do Amaral, mas nenhum projecto terá daí resultado. in MILHEIRO, Ana Vaz: Luanda no Futuro: O Bairro Prenda, p. 310 Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013. José Manuel da Nóbrega: “Ora se me dão licença...”, Notícia, 1969, p. 19/21 in MILHEIRO, Ana Vaz: Luanda no Futuro: o Bairro Prenda,, p. 311

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cada um deles.”47 Segundo José Manuel Fernandes, ele “realizou a introdução do urbanismo e da arquitectura moderna em Luanda, com uma compreensão de conjunto e uma ideia de intervenção na dinâmica dessa cidade” 48. O Gabinete foi extinto em 1966, após a demissão de Simões de Carvalho, por falta de especialistas em urbanismo. Só em 1969 é criado o Departamento de Planeamento Urbanístico da Câmara de Luanda.

47 48

Simões de Carvalho, entrevistado por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí (Abril 2011), p. 240 José Manuel Fernandes: Arquitectos do século XX: da tradição à modernidade. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2006, p.178

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O Bairro Prenda

O PLANO DIRECTOR [1961-64] A elaboração do novo plano para Luanda fica à responsabilidade do recém-criado Gabinete de Urbanização Municipal. Segundo testemunho de Simões de Carvalho, a ideia da Câmara seria fazer apenas o plano da Baixa, que continuava a ter terrenos vagos e edifícios de poucos pisos. Foi o próprio que decidiu fazer “um plano como deve ser”49, o Plano Director da cidade. Por um lado, queria evitar a ocupação intensiva da Baixa, alvo de grande pressão imobiliária. Por outro, provavelmente dada a sua concepção de Urbanismo, não terá sido possível ao arquitecto-urbanista conceber um plano parcial sem encarar a cidade em toda a sua dimensão, ou seja, tanto a área Escala territorial

urbana como a região de influência: “Observando a nossa capital Provincial – Luanda – a sua zona

de influência, a sua região – sentimos que ela tem de ser estudada como parte de um todo, como influenciadora e influenciada.”50 Esta visão do conjunto numa escala territorial é uma das características mais notórias do plano. Este será elaborado entre 1961 e 1964 pela equipa multidisciplinar já referida. Em 1963, estando o plano em estudo, Simões de Carvalho publica um artigo intitulado “Luanda do Futuro”, no qual esclarece o seu propósito e algumas das realizações previstas. Antes de mais, analisa a cidade à luz A doença

dos ensinamentos de Le Corbusier e Auzelle, a cujas palavras recorre para descrever os males de Luanda. A Penúria (má qualidade da habitação, falta de higiene, de sol e ar puro, etc.) e o Supérfluo (aumento das distâncias e excesso de mecanização, prejudiciais à vida familiar) são os causadores de Desperdícios (de vidas, de trabalho, de terreno). O legado deixado pela cidade radial do plano de 1942 leva a que a cidade “com os seus tentáculos” alastre desmesuradamente, “provocando,

como diria Corbusier, ‘a apoplexia do centro e a paralisia nas extremidades’ ”51. Reconhece que a cidade está “doente”, tal como a Carta de Atenas começa por reconhecer a “doença” das cidades: o caos, provocado pela nova era da máquina num ambiente físico a ela deA cura

sadequado. O remédio para esta “doença” será então só um: planos, a várias escalas. Prever como será Luanda no futuro, nomeadamente num horizonte temporal de 20 anos. Com aproximadamente 300 mil habitantes à data, estimava-se que em 1980 a cidade viesse a ter mais de 500.000 e em 1990 talvez mais de 1 milhão. O plano é elaborado a pensar nesta futura dimensão populacional. Procura substituir o modelo da cidade radial pelo da cidade linear, que será “a extensão da cidade

naturalmente, um crescimento dirigido e com cabeça”52, em direcção a sul. Estabelece uma zona 49 50 51 52

Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013. Simões de Carvalho: Luanda do Futuro, in Ronda pelo Ultramar, Angola terra de Portugal, Edições Tapete Mágico, Lisboa, Dezembro 1963 Simões de Carvalho: Luanda do Futuro Simões de Carvalho, entrevistado por Diogo Cruz (Outubro 2011), pág. 21

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verde com cerca de 1,5 quilómetros de largura, onde se localizariam serviços gerais, como hospitais, para limitar o crescimento em direcção a Catete. Respondendo à escala regional, propõe um sistema viário rápido baseado na regra dos 7V’s

Sistema viário

de Le Corbusier. Une a cidade ao interior da província através de dois grandes eixos (V1) nos sentidos Norte-Sul e Este-Oeste, lembrando o Cardus e o Decumanus, os quais seriam “tratados como

auto-estradas”53. Cruzando-os, quatro vias rápidas em cintura (V2). A primeira “começava no Largo Baleizão, su-

bia pelo Palácio, cruzava-se com a Av. Álvaro Ferreira que ia ter ao hospital, descia a Maianga, subia o Liceu Salvador Correia, ia ao Kinaxixe, descia pela Pinheiro Chagas e ia até à igreja da Nazaré”54. A via deveria ser alargada e o estacionamento proibido; deveria continuar ladeada por moradias, o que lhe conferia a baixa densidade aí pretendida.55 A segunda correspondia em parte à actual Avenida Ho Chi Minh, prolongando-a para sudoeste, passando a sul da Unidade de Vizinhança nº1. A terceira segue parcialmente o traçado das actuais rua Deluji Ankonda e rua Soba Mandume, seguindo depois pela actual Avenida 21 de Janeiro. Ainda complementando a rede viária principal, surgem as vias envolventes das Unidades de Vizinhança (V3), unidades nas quais se divide todo o tecido urbano. Estas serão também vias rápidas, com poucos cruzamentos, que dificultam a circulação. Dentro das Unidades, impera uma lógica de proximidade, pelo que não serão atravessadas por vias de tráfego rápido. Três grandes parques

de estacionamento em altura na zona central procuram resolver os problemas de estacionamento56 e contribuem para o sucesso da transição do sistema viário rápido para o dos pequenos percursos. O Centro Ferroviário será transferido da Baixa, onde está encravado, para o planalto do Cazenga, até aí definido como zona industrial mas sem qualquer construção. Deve transformar-se numa Estação Metropolitana Intermodal, destinada tanto a passageiros como a mercadorias, com ligação aos transportes rodoviários extra-urbanos assim como ligação directa ao porto e à zona industrial a sul. O plano divide todo o tecido urbano em Unidades de Vizinhança, usando como referência as 53 54 55 56

Simões de Carvalho: Luanda do Futuro Simões de Carvalho entrevistado por Diogo Cruz (Outubro 2011), pág. 25. Provável erro de transcrição, no original surge “Av. Alongo Ferreira”; tomou-se a liberdade de fazer a correcção para “Av. Álvaro Ferreira”. Idem, pág. 25 Já na altura se verificava o problema e estimava-se, para 1980, um aumento exponencial para 84.000 automóveis ligeiros, 129.000 camiões e 62.000 bicicletas e scooters. Simões de Carvalho: Luanda do Futuro

Caminhos-de-ferro


O Bairro Prenda

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vias principais e os equipamentos já existentes. O resultado são Unidades de dimensões variadas Funções urbanas

que, agrupadas a três ou quatro, formam um Bairro. As funções devem distribuir-se por todos os bairros, inclusive as zonas industriais condicionadas. Cada um terá equipamento próprio de proximidade, de comércio, educação e lazer. Outros deverão servir áreas mais vastas, como é o caso dos estabelecimentos de ensino secundário que se dispersam por toda a cidade, ou do Parque

Desportivo Provincial, que deveria ter uma localização central. As zonas consolidadas não são deixadas de parte. Na Cidade Alta, entre o actual Palácio do

Capitólio e Fórum

Governo e Hospital Josina Machel, propõe o Capitólio, centro governativo. Seria constituído por vários edifícios, um para cada ministério existente na Metrópole57. Na Baixa, projecta o Fórum, centro cívico da cidade. Teria duas grandes praças, implicando para isso a demolição de quarteirões antigos. Uma será a Praça das Portas do Mar, virada para a baía, em homenagem ao cais de desembarque com o mesmo nome que ali havia antes da construção do porto de Luanda. “Na praia, na frente do Largo de Pedro Alexandrino, ficavam as ‘Portas do Mar’, verdadeira ‘sala de visitas da cidade. A chegada de um navio da Metrópole era um acontecimento social que reunia as pessoas nas ‘Portas do Mar’. [...] Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p. 27

A outra seria entre a Mutamba e o antigo largo D. Afonso Henriques, onde estariam os serviços públicos de maior afluência. Tal como nas outras Unidades de Vizinhança, previa uma miscigenação, pelo que, ao projectar, “ia pondo habitação indígena à volta dos coqueiros”58. A Baixa não deveria ser local de arranha-céus, como era pretendido pela Câmara, ideia que Simões de Carvalho condenava. Uma das primeiras medidas do Gabinete foi pedir um estudo dos solos, com o intuito de saber onde seria possível construir em altura. Os resultados demonstraram que só depois da rua Brito Godins “se pode escavar sem encontrar água”59, pelo que esta seria a fronteira entre a baixa e a alta densidade construtiva. Na Baixa, onde o nível freático é de cerca de 1,5 ou 2 metros e nem a topografia nem a estrutura viária permitem um fácil escoamento do trânsito, construir edifícios muito altos seria impensável. Propõe também uma ponte elevada de acesso à Ilha, para possibilitar tanto a passagem dos 57 58 59

Simões de Carvalho defendia que o governo da Colónia deveria ser constituído por tantos representantes quantos os ministérios existentes na Nação. Fernão Simões de Carvalho entrevistado por Diogo Cruz (Outubro 2011), pág. 25 Idem, pág. 25

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barcos por baixo como da corrente de Benguela, que impede o assoreamento da baía.60 Contudo, em 1961 começa a Guerra Colonial em Angola. Um verdadeiro Plano Director, aprovado pela Câmara, nunca foi elaborado, pois não define a construção. Medidas mais pragmáticas foram necessárias, pelo que se passou directamente aos Planos Parciais de algumas Unidades de Vizinhança – mais de cem são apresentados. No entanto, “as directrizes principais [do Plano Director] respeitantes aos grandes eixos estruturantes da cidade”61 foram respeitadas e a cidade, efectivamente, cresceu em direcção a sul.

Edifício da Mutamba (actual Ministério das Obras Públicas), projectado por Vieira da Costa segundo o plano Serviços Públicos Novo Cinema Nacional (meio enterrado)

12. PLANO DA BAIXA | Fotografias da maquete e localização das duas grandes praças

60 61

No princípio dos anos 20, a antiga ponte de madeira havia sido substituída por uma de betão. Isabel Martins: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 259 Maria Manuela da Fonte: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 128


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AS UNIDADES DE VIZINHANÇA Unidade elementar geradora da cidade, corresponde à Unité de Voisinage definida por Auzelle. Com um número de habitantes entre 3.000 e 10.000, cada Unidade de Vizinhança teria “equiEscala de proximidade

pamento próprio – escolas primárias, jardins escolas, creches, centro elementar de saúde, cinema, capela, comércio e artezanato para as necessidades quotidianas, espaços livres e arborizados, campos de jogos, etc.”62. Esta proximidade possibilita a redução das distâncias e, consequentemente, do tempo entre as várias funções da vida urbana. Pretende-se que sejam “lugares em que ‘o Espaço, o

Sol e a Verdura’ dominarão, provocando a calma, e ajudando ao equilíbrio psíquico do indivíduo”63. Função social

São também as geradoras do sistema social, ao basear-se em três princípios: “hierarquiza-

ção, nuclearização e miscelanização”64. Seriam constituídas por diferentes tipologias de habitação, destinadas a famílias económica e socialmente diversas. “É importante entender que as casas não

são nem podem ser peças autónomas sobre um tabuleiro de jogo”65, mas acima de tudo peças que, correctamente interligadas entre si e através de outros equipamentos, possibilitam a criação de relações sociais e do sentido de comunidade. Sendo a sociedade luandense, à data, constituída por 2/3 de população indígena e 1/3 europeia,

Miscigenação

a ideia era planear cada Unidade de Vizinhança na mesma proporção. O objectivo é a integração social, de modo a acabar com os musseques e com a segregação. Tratava-se, no entanto, de uma estratégia sensível, procurando melhorar as condições de vida da população economicamente débil, mas respeitando as suas características. A adaptação a um estilo de vida urbanizado deveria ser gradual, através da passagem por um bairro-escola. Construções em transgressão

Escreve Nóbrega, em 1969, que Simões de Carvalho “não concordava com a destruição pura e

simples”, antes considerava que “em áreas ocupadas por bairros em transgressão, era de aproveitar a urbanização já existente”66, e confirma-se a integração nos seus planos de estruturas já edificadas. Não obstante, o arquitecto dizia exactamente o contrário, para desencorajar a construção em transgressão promovida pelos proprietários dos terrenos. Era a reacção comum ao saberem que havia um plano de urbanização da Câmara, já que as Unidades de Vizinhança não lhes davam os lucros que poderiam obter com uma urbanização mais intensiva, destinada sobretudo a classes de média e alta renda. 62 63 64

65 66

Simões de Carvalho: Luanda do Futuro, 1963 Idem Simões de Carvalho, entrevistado por Inês Lima (Julho 2011), Quando a Habitação Colectiva fez cidade. O caso de Luanda Moderna in PRADO, Roberto Goycoolea, MARTÍ, Paz Núñez (dir.): La modernidad ignorada: arquitectura moderna de Luanda, 2011, p. 146 Inês Lima: Quando a Habitação Colectiva fez cidade. O caso de Luanda Moderna, p. 146 José Manuel da Nóbrega: “Ora se me dão licença...”

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14. CARACTERIZAÇÃO ACTUAL DA ÁREA

13. MAQUETE DA UNIDADE DE VIZINHANÇA Nº3

) to or bro u op er Out oA e .d od Av luçã vo

(Re

Unidade de Vizinhança nº 1

Unidade de Vizinhança nº 3

AEROPORTO 15. UNIDADES DE VIZINHANÇA 1 e 3, LOCALIZAÇÃO | maquetes planificadas sobre Plano Director, esc. 1/35 000

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Contraria igualmente os interesses do mercado imobiliário ao desenvolver o plano da Baixa segundo interesses públicos. Como moeda de troca, permite a construção em altura nas zonas de expansão para sul, nomeadamente nas Unidades de Vizinhança 1, 2 e 3. Undiades de Vizinhança nº1, 2 e 3

A Unidade de Vizinhança nº1 é planeada e construída sobre o musseque Prenda. A nº3 é planeada para a zona do actual Bairro Cassenda, em parceria com Domingos da Silva. Terá sido em parte construída, como se percebe pela implantação de seis edifícios de habitação colectiva na zona norte, ou ainda na direcção do traçado actual, embora com projectos que não da sua autoria. A Unidade nº2 devia localizar-se entre as outras duas, mas nunca foi elaborado o seu plano. Foram planeadas outras Unidades de Vizinhança nas zonas dos musseques S. Paulo e Marçal.

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N VIVENDAS PRÉ-EXISTENTES

BLOCOS MAIS BAIXOS BLOCOS MAIS ALTOS

VIVENDAS GEMINADAS

CASAS TÉRREAS

16. HABITAÇÃO : TIPOLOGIAS | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000

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VIVENDAS INDIVIDUAIS


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UNIDADE DE VIZINHANÇA Nº 1 O plano parcial da Unidade de Vizinhança nº1 foi elaborado por Simões de Carvalho em parceria com Luiz Taquelim da Cruz, entre 1961 e 1963. Previa a acomodação de uma população entre 5.000 e 10.000 habitantes numa área de aproximadamente 27 hectares.67

HABITAÇÃO A Unidade coordenava quatro diferentes tipologias, consoante a capacidade económica dos habitantes: vivendas para a classe alta, habitação colectiva para a classe média, e habitação térrea para as classes “mais desfavorecidas, ligadas às raízes populares do musseque”68. As vivendas individuais, destinadas aos mais desafogados, localizar-se-iam a oeste e as vi-

Vivendas

vendas em banda, onde predominam as casas geminadas, destinam-se aos não tão desafogados e localizam-se a leste. É ainda integrado no plano o conjunto de ruas paralelas à rua D. João III (actual Comandante Arguelles), provenientes do plano de 1949, onde existem principalmente vivendas em banda e alguns lotes livres.69 Blocos de Habitação Colectiva

Os blocos de habitação colectiva, destinados à classe média, implantam-se no centro do plano segundo orientações da Carta de Atenas. Assentam sobre pilotis, libertando assim o espaço público e possibilitando a interpenetração entre verde e construído.70 Os edifícios mais altos, de tipo A, 67 68 69 70

Não considerando a área definida pelas ruas já existentes a norte ou a área para ensino secundário a sul. Ana Vaz Milheiro: Luanda no Futuro: O Bairro Prenda, p.313 É num terreno destes, comprado por um seu desenhador, que Simões de Carvalho projecta e constrói, em 1966, quatro moradias em banda, ficando com a de gaveto para si. Testemunho do arquitecto, 10/9/2013 Maria Manuela da Fonte: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 306

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TIPO A

TIPO B

TIPO C

TIPO D 17. BAIRRO DOS PESCADORES DA ILHA DE LUANDA | plano do Aldeamento 2 e quatro tipologias de habitação

Pinto da Cunha era quem defendia a implantação de modo paralelo, dando prevalência aos ventos dominantes. Simões de Carvalho queria antes criar pequenos espaços de convivência e que os habitantes “se pudessem ver uns aos outros, dentro das próprias casas”. (Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013) Todas as tipologias dispõem dois volumes, um para a zona social e intíma e outro para os serviços. A relação entre os dois é feita através do pátio.


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dispõem-se perpendicularmente à rua comercial, tipo V4, larga e provida de largos passeios. Três deles combinam habitação e escritórios e assentam sobre uma base comercial que faz a frente da rua. Nos extremos norte e sul da via, implantam-se conjuntos habitacionais mais baixos, tipos B e D. Os diferentes conjuntos estão dimensionados em função de uma densidade populacional relativamente pouco elevada71. Os mais altos implantam-se espaçadamente, respondendo a espaços públicos mais amplos, enquanto os mais baixos se relacionam mais proximamente entre si, desenhando “pracetas de convivencialidade”72. Habitações para a população economicamente débil

No extremo este do plano, localizar-se-iam as habitações térreas para a população economicamente débil73. O esquema de implantação seria fornecido pelo arquitecto e devia respeitar as características sociológicas da população: “tinha de ser projectado de acordo com eles, se pos-

sível construído com a cooperação deles”74. É possível criar uma ideia de como seria planeada a zona considerando o Plano para os Bairros de Pescadores da Ilha de Luanda, de autoria conjunta de Simões de Carvalho e Pinto da Cunha. Além da presença de equipamentos e espaços públicos cuidadosamente situados, alguns em resposta a pedidos específicos dos habitantes, as próprias habitações resultam de uma apropriação do modelo tipológico tradicional dos pescadores por parte dos arquitectos.75 Podemos igualmente conjecturar que seriam agrupadas em núcleos e de modo a facilitar a relação visual e a criação de espaços colectivos, tal como existem nos musseques mais antigos. Apesar da ideia de miscigenação, que propunha que a Unidade fosse habitada por 2/3 de população indígena e 1/3 europeia, esta proporção não foi permitida pelas autoridades, com o argumento de que “os europeus não iam querer viver nesses ambientes, tão ‘fracos’”76. Conseguiu-se apenas a proporção oposta, ou seja, 2/3 europeus e 1/3 indígenas. “[Esperávamos que] com o tempo se fosse evoluindo até chegar à verdadeira percentagem [apropriada]. Era uma verdadeira sociedade multirracial que se estava a projectar e que eu queria projectar.” Simões de Carvalho in La Modernidad Ignorada, p. 242

71 72 73 74 75 76

“Simões de Carvalho trabalhava habitualmente com uma densidade de 220 habitantes por hectare” . Ana Vaz Milheiro: Luanda no Futuro: O Bairro Prenda, p. 315 Idem, p. 314 A representação usada na maquete e que procurámos redesenhar é puramente conceptual, já que o projecto de implantação não foi elaborado. Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013 Simões de Carvalho e Pinto da Cunha: Memória descritiva do Plano Director de Urbanização da Ilha de Luanda, 1963 Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013

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ESCOLA PRIMÁRIA

ESCRITÓRIOS

COMÉRCIO

MERCADO

CINEMA

BIBLIOTECA CAPELA

ENSINO SECUNDÁRIO Liceu, Escola Técnica, Escola Industrial

18. EQUIPAMENTOS | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000

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N


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EQUIPAMENTOS Os equipamentos surgem, essencialmente, associados à rua comercial e aos edifícios de habitação colectiva. Tiram proveito dos espaços livres entre estes, implantando-se enquanto objectos independentes que organizam o vasto espaço verde, cruzado por pequenos percursos. São planeados um mercado, cinema, uma igreja, uma galeria comercial, creches, escolas e um centro elementar de saúde que, contudo, nunca foram construídos. A área a sul da Unidade é reservada para estabelecimentos de ensino secundário.

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V7 V8 V6 V5

V4

V3

V1

V2 19. SISTEMA VIÁRIO | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000

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N


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SISTEMA VIÁRIO A Unidade de Habitação encontra-se ladeada a oeste pela artéria norte-sul da cidade, tipo Tráfego rápido

V1, sem cruzamentos de nível e com aproximadamente 30m de largura, e a sul por uma das vias circulares, tipo V2, de largura semelhante. A norte é delimitada pela rua D. João III, e, no plano, o seu traçado continua no lado este. Consiste esta numa via com cerca de 20m de largura, do tipo V3,

“vias semi-rápidas que envolviam a unidade de vizinhança”77. Segundo Le Corbusier, as V3 seriam reservadas à circulação mecânica, sem passeios, e através delas não se deveria aceder a qualquer edifício. As vivendas voltadas para a rua D. João III resultam da integração de estruturas edificadas pré-existentes. A rua comercial, tipo V4, organiza toda a Unidade. Com cerca de 15m de largura e passeios

Rua comercial

igualmente largos, serpenteia pelo centro da área no sentido norte-sul e deveria continuar para a Unidade de Vizinhança seguinte. Simões de Carvalho define-a como “o sítio onde o homem tinha

um bonito automóvel, o mostrava e dava uma voltinha, podia andar ali onde havia o comércio, onde havia o cinema, onde havia tudo.”78 Vias do tipo V5, com 6 ou 7m de largura, são de distribuição interna da unidade. Desenham-se

Acesso local

paralelas a vias de tráfego rápido a oeste e no canto nordeste, duplicação que permite o acesso às zonas residenciais. Por elas se chega às V6, impasses de acesso às habitações e espaços públicos adjacentes. Vários percursos pedonais, V7, e de bicicletas, V8, cruzam toda a unidade, geralmente ladeados de árvores que protegem o transeunte da insolação.

77 78

Simões de Carvalho, entrevistado por Roberto Goycoolea Prado e Paz Núñez Martí (Abril 2011), p. 240 Idem, p. 240

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ESTACIONAMENTO

MORADIAS PARA VELHOS

20. PLANTAS DE IMPLANTAÇÃO | re-desenho próprio a partir da montagem das plantas de implantação, esc. 1/2000


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BLOCOS DE HABITAÇÃO COLECTIVA PRECOL PROJECTO E CONSTRUÇÃO “Foi a própria Câmara Municipal quem me convidou para fazer os projectos. [...] Eles tinham a consciência de que aquilo, entregue a qualquer arquitecto, não ia dar o que eu tinha pensado. E que eu tinha exigido. Então convidaram-me.” Simões de Carvalho, in La Modernidad Ignorada, p.242

A construção dos blocos de habitação colectiva foi adjudicada, em concurso público, à companhia de construção PRECOL, Predial Económica Ultramarina, a qual encarregou Simões de Carvalho de elaborar igualmente os projectos de arquitectura. Para tal, o arquitecto trabalhou em cooperação com Fernando Alfredo Pereira e José Augusto Pinto da Cunha. O projecto arquitectónico segue, assim, os mesmos princípios orientadores do plano urbano, detalhando-o.

21. Plantas de implantação originais sobre desenho da autora, esc. 1/500

IMPLANTAÇÃO Através dos planos de implantação dos lotes 11, 17 e 18, é possível verificar que, no geral, se mantêm as directrizes do plano da unidade. Existem também alterações, nomeadamente na orientaEdifícios

ção do lote 18, que gira 90º, e na implantação das vivendas em banda a oeste deste, as quais surgem assinaladas como moradias para velhos.

Espaços colectivos

Os espaços colectivos entre lotes são igualmente detalhados, percebendo-se claramente a zona de estacionamento entre os lotes 10 e 11. Supõe-se que se destine não só aos moradores dos lotes vizinhos, como também aos utilizadores dos equipamentos, já que se desenha como um acesso a esta área central. Os campos de jogos adjacentes aos lotes 17 e 18, em maior ligação com os respectivos blocos de habitação, possuem um carácter mais residencial.


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PROJECTO

TIPO D2

TIPO A

TIPO B1

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TIPO A 2?

TIPO X

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CONSTRUÇÃO

22. TIPOLOGIAS DOS BLOCOS DE HABITAÇÃO: PROJECTO E CONSTRUÇÃO | esc. 1/7000 Na imagem do projecto estão identificados os edifícios aos quais foi possível atribuir uma tipologia. Na da construção são identificadas como A2? e A3? as tipologias que têm semelhanças com o tipo A. São usadas as numerações actuais dos lotes – a negro aquelas das quais há certezas, a cinzento as que são subentendidas.

23. Fotografia do Bairro publicada em 1969 no Notícia, por José Manuel da Nóbrega

Construção inacabada

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TIPO D1

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ARQUITECTURA As diferenças entre as tipologias de edifícios assentam sobretudo na implantação e altura, condicionadas pela localização no plano, e na dimensão dos apartamentos. Apesar da diversidade, os blocos de habitação denotam os mesmos princípios de composição e construção, resultando numa materialidade semelhante que confere unidade ao conjunto. Princípios da arquitectura moderna

Projectados segundo princípios da arquitectura moderna adaptados ao clima tropical de Luanda, não poderia faltar a composição modular, transmitida na fachada, os terraços na cobertura, preferencialmente verdes, a aplicação do betón brut, ou ainda os pilotis que libertam o piso térreo e o transformam em espaço público sombreado. A função dos pilotis encontrava-se, porém, já presente em Luanda, obviamente com diferente materialização. Desde o século XVIII que o tema da separação entre o edifício e o solo para facilitar a ventilação era abordado no manual do colono79 e uma portaria de 1843 para o Lobito obrigava a levantar os edifícios um mínimo de quatro palmos e abrir os muros de modo a permitir a circulação de ar sob o pavimento.80

Organização interior

A organização interior dos blocos de habitação estrutura-se através de uma galeria interior de acesso, a chamada rua interior, à semelhança das Unidades de Habitação de Le Corbusier, nas quais Simões de Carvalho trabalhou. Todavia, desnivelando os pisos entre uma e outra fachada, obtém uma metamorfose do duplex de Le Corbusier, que vem a ser chamado de semi-duplex ou

triplex. Tal tipologia permite duas frentes para cada apartamento, tirando assim proveito da brisa de Luanda. A fachada reflecte igualmente preocupações com o clima, fazendo uso de brise soleils, siste-

Fachada

mas de persianas, varandas e pisos projectados, na procura de protecção solar ao mesmo tempo que permite a ventilação natural. A fachada traduz claramente o interior do edifício. Por exemplo, o piso projectado corresponde sempre ao simplex do piso da rua interior, e esta é sempre rematada no topo por uma abertura com grelhagens. Todos os edifícios possuem elevador, embora na maioria nunca tenha funcionado, e noutros apenas nos primeiros tempos. Foram feitos planos completos de saneamento e outras especialidades, mas na prática ter-se-á recorrido ao uso de fossas.81 Nas próximas páginas iremos debruçar-nos sobre algumas diferenças entre os projectos conhecidos e a construção.

79 80 81

Inês Lima: Quando a Habitação Colectiva fez cidade. O caso de Luanda Moderna, p. 140 Portaria decretada por D. Maria II aquando da possibilidade de mudar a cidade de Benguela para o Lobito, in BATALHA, Fernando: A Urbanização de Angola, p. 158 Testemunho de Anabela Cunha, 23/5/2013

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ALÇADO T1 semi-duplex superior

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CORTE AB

Volume de acessos verticais 4,25m (aprox.)

17m (aprox.)

PLANTA 2 T1 semi-duplex inferior acesso ao semi-duplex superior

D

B

P2 P1

40m (aprox.) CORTE CD “rua interior” acesso horizontal T1 simplex PLANTA 1

C

A

24. TIPO A: ALÇADO, PLANTAS E CORTES TRANSVERSAIS | análise e desenho da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500


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TIPO A PROJECTO Segundo os desenhos disponíveis, esta tipologia corresponde aos edifícios de maior altura, com

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12 pisos, incluindo o piso térreo livre e o terraço na cobertura. A planta do edifício encontra-se dividida em 9 módulos, constituindo excepção o volume dos acessos verticais, ligeiramente saliente. A partir do corte transversal AB, percebem-se quatro módulos na vertical, cada um agrupando dois apartamentos T1 semi-duplex, isto é, com duas frentes desfasadas, e ainda um apartamento T1 simplex de uma só frente. Lotes 10 e 11

Quarto T1 SEMI-DUPLEX

T1 SIMPLEX

Sala com kitchnette

RUA INTERIOR

Sala com kitchnette MÓDULO |

Quarto

Corte transversal, esc. 1/200

CONSTRUÇÃO Os lotes 10 e 11 seriam construídos segundo o tipo A. Existem porém algumas alterações na obra concluída, nomeadamente nas varandas dos topos que não foram construídas, tal como a “segunda fachada” que iria sombrear os vãos. O piso da rua interior e a platibanda são assim os únicos elementos salientes, já que o volume da caixa de escada se encontra recuado em relação ao plano da fachada. O lote 11 é o último a ser construído.

Lotes 10 e 11

LOTE 10 | fachada norte, e lote 11 atrás

LOTE 11 | “lote dos cooperantes”, fachada norte

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TIPO A2 ? CONSTRUÇÃO Segundo testemunho de Simões de Carvalho, os lotes 7, 8 e 9 combinavam habitação e escritórios e estariam assentes sobre a galeria comercial. Apesar da falta de dados, é possível especular se a tipologia será uma variação do tipo A. A questão põe-se devido à altura dos edifícios, de 16 pisos, portanto ainda superior à dos lotes 10 e 11, e ao alçado dos topos. A disposição das pequenas varandas, numa lógica semelhante à projectada para o tipo A, e as semelhantes aberturas com grelhagens à cota do piso projectado permitem pressupor o mesmo tipo de organização interna. Seguindo este raciocínio, aceder-se-á aos semi-duplex através das zonas comuns, às quais

Lotes 7, 8 e 9

correspondem a varanda e a fachada ventilada, e daí para os quartos, subindo ou descendo consoante o apartamento. A modelação, mais larga do que no exemplo anterior, permite apartamentos mais amplos, provavelmente T3, pelo número de janelas. A caixa de escada encontra-se no centro da planta.

SIMPLEX T3 SEMI-DUPLEX

s

rto

qua as zon uns com

LOTES 7, 8 E 9 | fachadas norte

MÓDULO | desenho sobre fotografia, fachada norte do lote 9

os

quart

LOTE 7 | topo este


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TIPO A3 ? CONSTRUÇÃO O lote 22 foi o único completamente construído do conjunto mais a leste. Pela observação, questiona-se a possibilidade de se tratar de outra variação do tipo A: é semelhante em largura, alçados e lógica compositiva, perceptível no topo. Notam-se, porém, algumas diferenças: tem grelhagens nas fachadas principais e uma modelação mais larga que possibilita apartamentos mais espaçosos e com mais quartos – é constituído por, ou pelo menos inclui, T4’s.82 É também mais alto que o tipo A, pois é composto pelo encaixe de Lote 22

seis módulos em vez de quatro.

Divisão de módulos

TOPO SUL | fotografia 1969 SEMI-DUPLEX (fachada quartos) SIMPLEX

SEMI-DUPLEX (fachada quartos)

MÓDULO | desenho sobre fotografia, fachada oeste 82

Um tio da historiadora Anabela Cunha vive num T4 neste mesmo bloco.

FACHADA ESTE


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PLANTA 5EDUCATIONAL PRODUCT AN AUTODESK

PLANTA RÉS-DO-CHÃO

acesso ao semi-duplex inferior

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B

E

C

T2 semi-duplex superior

PRODUCED BY AN AUTODESK EDUCATIONAL PRODUCT 25. TIPO B1: ALÇADO, PLANTAS E CORTES TRANSVERSAIS | análise da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500


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O Bairro Prenda

TIPO B1 PROJECTO O tipo B1 segue a mesma lógica compositiva que os anteriores, mas tem apenas sete pisos, conseguidos pelo encaixe de dois módulos. Os semi-duplex são T2 e a modelação é consequentemente mais larga. A caixa de escada situa-se ao centro de uma planta simétrica.

Quartos

Lotes 1, 2, 3, 4, 5 e 6 T2 SEMI-DUPLEX

Zonas comuns

T2 SIMPLEX

Zonas comuns MÓDULO | Corte transversal, esc. 1/200

Quartos

CONSTRUÇÃO Esta tipologia foi materializada somente nos lotes 1, 2 e 3, os primeiros a serem construídos. Pelo que é perceptível através do exterior, não terá havido diferenças notáveis entre o projecto e a construção. Os lotes 4, 5 e 6 foram construídos segundo outro projecto.

Lotes 1, 2 e 3

LOTE 3 | fachada este

LOTE 1 | fachada este


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

PLANTA 2 ALÇADO DO TOPO NORTE

PLANTA 1

CORTE AB

T4 SEMI-DUPLEX

PLANTA RÉS-DO-CHÃO

T2 SIMPLEX CORTE EF

26. TIPO D2: PLANTAS, CORTES TRANSVERSAIS E ALÇADO DE TOPO | análise da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500

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FAUP 2012/13

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O Bairro Prenda

TIPOS D1 E D2 PROJECTO O tipo D é constituído, em corte transversal, por apenas dois módulos compositivos, o que resulta num total de 7 pisos, tal como o tipo B1. Além da altura, também a modelação da planta e da fachada são similares nos tipos D1 e D2. A grande diferença encontra-se na posição da caixa de escadas: enquanto no D1 está centrada na planta, o tipo D2 possui um volume de acessos verticais independente. D1 | 12, 14, 16 e 19

Apenas tivemos acesso aos desenhos do tipo D2. Em planta, o edifício engloba três amplos apartamentos T4. Estes, em sistema de meios-pisos, são acessíveis através das zonas comuns, sempre com varanda, a partir das quais se sobe ou desce para os quartos, que usufruem da frente oposta. Cada piso projectado incorpora dois T2 simplex.

D2 | 13, 15, 17 e 18

CONSTRUÇÃO O tipo D1 é construído apenas nos lotes 12 e 14 e o lote 13 é o único construído com o tipo D2. Conquanto a ampla dimensão dos apartamentos pudesse agradar a famílias numerosas, o custo da construção, agravado no tipo D2 pelo volume independente da caixa de escadas, terá sido a razão da sua substituição por outra tipologia.

D1 | Lotes 12 e 14

D2 | Lote 13

27. LOTES 12 E 13 | fotografia antiga

LOTE 13

LOTE 14


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Lote 4, fachada oeste Lotes 5 e 6 ao fundo

Lote 17, fachada oeste Lote 15, topo norte

Lote 15, fachada oeste Lote e 16, fachada norte TIPO X | fotografias de alguns edifĂ­cios onde foi modificado o projecto

Joana Venâncio


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O Bairro Prenda

TIPO X | alterações ao projecto inicial A meio do processo de construção83, devido a razões económicas84, a construtora contrata um arquitecto para modificar os projectos. Simões de Carvalho não estaria mais em Luanda e Pinto da Cunha, que era o responsável pela assistência na obra, escreve-lhe, obviamente desagradado, contando o sucedido. O novo arquitecto vinha de Lisboa, onde trabalhava com Conceição da Silva, convencido de que o contratavam para desenhar projectos de origem – pelo que também não lhe terá agradado a situação. Lotes 4, 5, 6, 15, 16, 17, 18, 19

Assim se explica o projecto construído nos edifícios assinalados, que não se organizam em meios-pisos. O material de construção, a altura e profundidade são semelhantes, pelo que, à primeira vista, as diferenças não são óbvias. Após a análise das outras tipologias propostas, contudo, tornam-se contrastantes. A ausência de desfasamento entre pisos leva à perda do encaixe de módulos compositivos em sentido oposto, que conferia variedade à fachada; dos pisos projectados, e consequente protecção solar; da ventilação transversal, etc. Segundo testemunho de Simões de Carvalho, os apartamentos terão passado a duplex e simplex, mas a fachada não traduz claramente a organização interior, por conseguinte abstemo-nos de tecer considerações sobre o tema. “É o que eu digo, eu vim-me embora e aquilo morreu. Se eu estivesse lá, podia lá o homem pôr alguém a mudar projectos? Não punha, que eu levantava-lhe um processo. Estava aprovado na Câmara...” Simões de Carvalho, testemunho 10/9/2013

83

84

Simões de Carvalho afirma que, quando se veio embora (1967), ainda decorria a construção da Unidade de Vizinhança. Também a consulta de cartografia de 1970 e fotografias, como a publicada no “Notícia” em 1969 (da qual, porém, desconhecemos a data), levam-nos a crer que a construção se terá prolongado. Em muitas das fotografias, o lote 17 surge incompleto, não aparece o lote 11 e muito menos os que ficaram incompletos – isto apesar da indicação por José Manuel Fernandes, de que a construção terá decorrido entre 1963 e 1965. Estimava-se que o custo da urbanização ultrapassasse os 14.000 contos. Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), p.121

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

28. Casa do Arq. Simões de Carvalho, terminada em 1966, onde nunca habitou.

29. Fotografia antiga, tirada entre os lotes 2 e 3. O piso está pavimentado e a iluminação pública está instalada. Em grande plano, o lote 7 já pronto. Os lotes 8 e 9 ainda em construção.

30. Casa de musseque com cobertura em telha. De salientar a dimensão do quintal, cerca de duas vezes a da casa, a utilização de materiais efémeros nos anexos e vedação do quintal, e a presença forte das árvores. Em fundo, o lote 7 concluído, e outros dois em construção. AS DIFERENTES TIPOLOGIAS HABITACIONAIS | fotografias dos anos 60


O Bairro Prenda

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A INFORMALIDADE TOMA CONTA DO PRENDA Com a independência de Angola, em 1975, e o início da guerra civil, a construção do projecto nunca chega a ser concluída. No entanto, segundo Inês Lima, a sua formalização dispersa deve-se igualmente à falta de sistematização na construção85. Dos 28 blocos de habitação planeados, apenas 20 foram acabados e 3 ficaram incompletos. Muitas das vivendas terão sido construídas no mesmo período, tal como a casa do arquitecto Simões de Carvalho, de 1966. Os equipamentos colectivos, porém, não saíram do papel e no seu lugar encontram-se habitações auto-construídas. As casas para a população economicamente débil nunca chegaram a ser projectadas e o musseque manteve-se onde a construção não chegou. Apesar de ter perdido uma parte dos seus habitantes86, continuou a crescer e a assumir-se como a lógica dominante. São os altos edifícios de habitação colectiva que surgem quais elementos estranhos ao tecido do musseque. “É comovente ver em fotografias da época, a presença, a um tempo ingénua e poderosa, das formas arquitectónicas modernas e geométricas, de grande escala, no meio do infindo e raso ‘musseque’ indígena”. José Manuel Fernandes: Arquitectos do Século XX: da tradição à modernidade, p.181

Com a chegada de milhares de refugiados devido à guerra, agrava-se mais ainda a carência habitacional de Luanda. Os blocos de habitação colectiva e várias vivendas do Prenda foram confiscados e nacionalizados87 e ganharam novos donos. A cidade estende-se em direcção à periferia e as zonas centrais densificam-se. Os refugiados procuram, numa primeira instância, o abrigo de familiares e, posteriormente, adquirir ou construir a sua própria casa, se possível perto dos mesmos. O Bairro Prenda apresenta-se como uma área atractiva, dotado de infra-estruturas, bons acessos, relativamente perto do centro e generoso em terrenos livres. Assim se densifica e estende o musseque Prenda, penetrando os amplos espaços públicos entre os blocos de habitação, tal como os edifícios cuja construção não havia sido concluída. Nas plantas apresentadas de seguida, é possível ver esta densificação exponencial: se, em 1970, as cubatas com os seus respectivos quintais e anexos pontuam o terreno, espaçadas entre si e percebendo-se o desenho de algumas vias bastante largas, já em 2013 deixa de ser perceptível onde acaba uma casa e começa outra. O tecido 85 86 87

Inês Lima: Quando a Habitação Colectiva fez cidade. O caso de Luanda Moderna, p. 146 O musseque Golfe ter-se-á formado por volta de 1968 com uma grande parte da população originária do Prenda, provavelmente aquando da construção dos blocos de habitação colectiva. Ao abrigo da lei nº 43/76, de 19 de Junho, o Estado tornou-se proprietário de uma grande parte do património imobiliário ao confiscar bens de cidadãos que se tenham ausentado do país por 45 dias ou mais. Os lotes do Prenda, tal como outros imóveis, pertencem, ou pertenciam pelo menos até 2007, à Secretaria de Estado da Habitação, entidade à qual os inquilos pagam uma renda. Com a Lei nº 19/91, o Estado passa a poder vender o seu parque habitacional, dando preferência aos inquilinos.

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

O novo bairro Prenda, de agradáveis moradias e edifícios modernos

O tecido raso do musseque interrompido pelos altos edifícios de habitação colectiva 31. O MESMO BAIRRO, DOIS PONTOS DE VISTA | fotografias dos anos 60 ou 70


O Bairro Prenda

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traduz-se num emaranhado de becos e apenas as vias principais, agora mais estreitas, permitem perceber uma certa estrutura. A ocupação e construção informais são as soluções encontradas na tentativa de superar as dificuldades, intensificadas pela guerra e prolongadas nos anos seguintes. As páginas seguintes procuram entender como se deu o entrosar da informalidade na área de génese formal – quanto existe de justaposição, sobreposição ou interpenetração? – e o seu papel na evolução de todo o bairro até aos dias de hoje. Para tal, são observados diferentes aspectos: habitação, equipamentos e espaço público. No caso da habitação, é feita uma distinção entre as tipologias, vivendas, blocos de habitação colectiva e casas auto-construídas, já que cada uma tem diferentes necessidades e consequentes modificações. O presente estudo não pretende tirar conclusões gerais, ou sequer assumir-se como absoluto, já que não provém de uma análise global e exaustiva. Baseia-se, sim, numa observação atenta do Bairro em cinco visitas ao mesmo88, tal como em visitas a algumas habitações em particular – uma vivenda colonial e uma casa auto-construída –, e ainda em pequenas entrevistas ou conversas com moradores, quer das casas visitadas quer outros. Deste modo, a indicação de determinados equipamentos, por exemplo, não significa que sejam os únicos ou os mais importantes – são os que se conhecem, e um pretexto para pensar a relação destes com o bairro. De salientar, novamente, que as visitas e as entrevistas mais aprofundadas não teriam sido possíveis sem o apoio e a disponibilidade da historiadora Anabela Cunha, pois foram familiares seus que nos abriram as portas.

88

Em Maio de 2013, entre os dias 21 e 25.

133


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

1989 esc. 1/10.000 PRODUCED BY AN AUTODESK EDUCATIONAL PRODUCT

1970 esc. 1/10.000

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32. EVOLUÇÃO DO CONSTRUÍDO NA ÁREA EM FOCO | Plantas a preto-e-branco, desenho da autora sobre cartografia e imagens de satélite


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O Bairro Prenda

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2013 ESC. 1/5.000

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2013

esc. 1/5000


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

1 2

1. Casa do arquitecto Simões de Carvalho, pouco depois da construção e hoje. O betão à vista foi pintado, o pequeno muro de vedação transformou-se numa barreira opaca.

2. Vivendas em banda

3. Restaurante

4. Vista a partir da ponte sobre a Rua Comandante Arguelles: vivenda colonial modificada e nova construção da empresa OPS

4 3


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O Bairro Prenda

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HABITAÇÃO

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1970

VIVENDAS

1/5000

1989

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esc. 1/10.000

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2013

No caso das vivendas, unifamiliares e em banda, as alterações observadas prendem-se com

a procura de segurança, com o aumento do agregado familiar e novas necessidades do habitar. Os muros e portões dos quintais subiram, janelas e alpendres foram gradeados. No geral, a arquitectura mantém a integridade do projecto inicial, apesar de se verificar a construção de anexos, no quintal ou na cobertura, geralmente com materiais precários e nem sempre com os mesmos cuidados estéticos. A densidade construtiva de cada lote aumentou, pois, consideravelmente, resultando numa escassez de solo permeável. Nem todas as vivendas mantêm a função de habitação e algumas terão sido mesmo demo-

lidas para dar lugar a novas construções, como é o caso do edifício dos Serviços de Produção de

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Petróleos, Ltd89, ou do restaurante um pouco acima deste.

89

“OPS”, uma joint-venture entre SBM Offshore Group e a Sonangol.


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1 3

2

Pátio frontal

4

Sala

Cozinha antiga

WC

Nova cozinha

1. Fachada principal | A casa geminada desta encontra-de desabitada – uma vivenda de localização priveligiada numa cidade com forte pressão imobiliária. A família mudou-se após dois incêndios cujas causas não foram apuradas e não parece interessada em vender a casa. Nem todos os fenómenos urbanos de Luanda se explicam com base em aspectos objectivos.

antigo acesso ao lugar de estacionamento

Esquisso da planta do rés-do-chão. A azul, as áreas descobertas.

2. O Sr. André Rosa e a D. Maria Rosa. Alpendre gradeado.

4. Sala de estar. A nova porta de ligação à cozinha à direita.

3. Tanque de água no pátio frontal.


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O Bairro Prenda

esc. 1/10.000

CASO DE ESTUDO

1970

1989

2013

A casa visitada, uma vivenda em banda, pertence à D. Maria da Cunha Rosa e ao Sr. André Rosa, respectivamente, professora e enfermeiro aposentados. A D. Maria Rosa, natural de Malanje, residia no Uíge com o marido e seis filhos. Durante a guerra colonial, procurou refúgio em Luanda, juntamente com mais oito pessoas que o Estado terá apoiado na fuga. Ao chegar à cidade, um irmão acolheu-os no seu apartamento, à data no lote 6 do Bairro Prenda. Uma vez que era pequeno para tantas pessoas, mudaram-se para uma casa no largo da Maianga. Após o fim da guerra colonial, regressou ao Uíge, procurando retomar o trabalho e reaver os seus bens. No entanto, a guerra civil levou-a novamente para Luanda, já que a província do Uíge estava sob influência da FNLA, e quem não era desse partido teve de abandonar a região. Entre 1975 e 1976, o casal mudou-se definitivamente para Luanda, desta vez para a moradia actual, que pertencia a um irmão do Sr. André Rosa. Muitos familiares habitavam igualmente no Bairro Prenda, maioritariamente nas vivendas ou nas casas de auto-construção. Devido à grande dimensão da vivenda, esta assumiu-se como o “ninho dos meninos”, já que possibilitava acolher as crianças da família. Muitas chegaram mesmo a viver na casa durante algum tempo, e todos passavam lá o dia. O quintal nas traseiras, recinto aberto mas protegido, tornou-se espaço de brincadeiras ao ar livre. Actualmente, nove pessoas habitam na casa, entre o casal mais-velho90, filhos, netos e mais uma menina que está ao cuidado. No geral, a construção conserva a integridade do projecto inicial, verificando-se apenas algumas alterações. Na fachada principal, a varanda do primeiro piso foi encerrada e o alpendre gradeado. No interior, no piso térreo, aquela que seria uma sala de jantar onde as crianças lanchavam foi transformada num quarto. Criou-se uma ligação directa entre a sala e a cozinha original através de uma nova porta. A cozinha do tempo colonial, de dimensões reduzidas91, não se coadunava com a importância do acto de cozinhar e das refeições em família. Por esta razão, nos últimos anos o quintal foi transformado numa ampla cozinha, que contém também espaço de refeições e espaço de estar. Este acrescento, construído em materiais leves, denota um claro cuidado estrutural. Uma única zona permanece não encerrada no pátio traseiro, por onde se tem acesso à casa de banho e que é usada como zona de lavandaria e arrumos. Aqui, o cuidado na construção é outro - madeira e chapas de 90 91

Em Angola, o tratamento por “mais-velho” é sinal de respeito e reconhecido prestígio social. Arriscamos estimar que o espaço terá cerca de 2,5m por 3m.


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Joana Venâncio

Pátio frontal

Sala Cozinha antiga

WC

Nova cozinha

7

5 6

antigo acesso ao lugar de estacionamento

Esquisso da planta do rés-do-chão. A azul, as áreas descobertas.

5. O antigo quintal agora transformado em cozinha.

6. Espaço exterior coberto: arrumos

7. Espaço exterior descoberto: acesso à casa de banho.


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O Bairro Prenda

zinco procuram remediar uma cobertura e levantar o muro que divide a casa do lote vizinho. Quanto ao grau de satisfação, a mais-velha não identifica problemas na habitação, “se houves-

se problemas, já não estaria aqui”. Está ligada ao abastecimento municipal de água, EPAL, através do qual enchem o tanque que está no pátio de entrada, e de electricidade, não possuindo sequer gerador. As compras são feitas tanto no mercado, a chamada Praça do Prenda, como nos malianos92. O casal mais-velho sente-se bem naquela casa e não preferia viver noutro sítio. Segundo D. Maria, muitas vizinhas que viviam na rua dos Militares, ao lado, alugaram ou venderam as suas casas - sem, no entanto, terem ido para lugares melhores. Possuem também uma lavra na Funda, onde antes a mais-velha passava a semana, só vindo a Luanda aos fins-de-semana. Quanto aos filhos e membros mais jovens da família, estes, sim, procuram casa noutro local, preferencialmente no novo empreendimento do Kilamba Kiaxi. Uma filha tem já um apartamento no rés-do-chão, onde vai apenas ao fim de semana. Uma neta vive num sétimo piso. A preferência, porém, recai sobre as vivendas que estarão planeadas, pois o quintal permite ter um gerador.

92

Mercearias comuns em Luanda, também chamadas cantinas, geralmente geridas por comerciantes naturais do Mali, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, etc., muito raramente por angolanos.

141


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

5

4

1

2 3

1. Lote 4, fachada oeste. Ocupação diversa do rés-do-chão.

2. Lote 11, o “lote dos cooperantes”.

4. Geradores junto ao lote 3.

3. Lote 22: aspecto exterior menos cuidado.

5. Piso térreo livre no lote 1.


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1970

1/5000

1989

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esc. 1/10.000

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BLOCOS DE HABITAÇÃO COLECTIVA

2013

Antes de tudo, existe uma distinção clara entre os edifícios concluídos e aqueles cuja constru-

ção ficou a meio. O registo seguinte resulta de uma observação apenas pelo exterior. Nos EDIFÍCIOS CONCLUÍDOS, as fachadas demonstram a passagem do tempo no envelheci-

mento dos materiais construtivos e na modificação das aberturas - vãos com grelhagens foram tapados, varandas foram envidraçadas ou encerradas com materiais pesados, caixilhos foram trocados. Aparelhos de ar condicionado e antenas de satélite pontuam as fachadas. Fios de electricidade ligam os apartamentos aos geradores que se encontram no solo junto aos edifícios, geralmente dentro de pequenas gaiolas, e tanques de água são colocados na cobertura. Juntamente com as diferenças de materiais e a roupa estendida, todos estes elementos conferem às fachadas, inicial-

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mente geométricas e rígidas, uma nova diversidade de cores e formas. A maioria dos pisos térreos em pilotis foram ocupados, sobretudo por estabelecimentos co-

merciais, que adicionaram novos materiais e publicidade em cores garridas. Constitui excepção o lote 1, por exemplo. O piso térreo permanece livre, mas sem qualidade de espaço público – não é verde ou pavimentado, consiste essencialmente em terra batida e acumulação de lixo. O estado de conservação varia entre edifícios. O lote 11, antigo “lote dos cooperantes” e o último a ser construído, será aquele em melhores condições. O elevador terá funcionado durante mais tempo e possui parque de estacionamento privativo, murado e com cancela. Sobre o lote 9, por exemplo, mas não será o único, desde 1975 que não teve manutenção do sistema de esgotos, de distribuição de água ou de electricidade.93 Um tio de Anabela Cunha vive no primeiro piso do lote 22 que, segundo a mesma, se trata de um T4 semi-duplex. Não pretende mudar de casa, pois é quase impossível encontrar a mesma qualidade habitacional em Luanda, principalmente perto do centro. A própria Anabela ainda viveu no Prenda, em casa do pai, um apartamento T1 no lote 10. Porém, a casa era muito pequena para ela e para os irmãos, nomeadamente comparada com a vivenda da mãe, onde já haviam vivido. 93

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Facto reportado em Administrador da Maianga acusado de arrendar terraço de prédio. Folha 8, 9 Junho 2007


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Joana Venâncio

1

1. Edifício inacabado perpendicular ao lote 22. Vários aspectos da fachada auto-constuída.

2. Ocupação informal do edifício inacabado e indicação de obra futura.

2


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1970

1/5000

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esc. 1/10.000

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2013 Quanto aos EDIFÍCIOS INACABADOS, aquando da interrupção da construção, estes permane-

ceram como esqueletos de lajes, pilares e escadas em betão armado. Todos os acabamentos agora visíveis são fruto de auto-construção: paredes, janelas, varandas, portas, guardas, canalizações, instalações eléctricas, etc. Por esta razão, a sua materialidade é mais próxima daquela das casas auto-construídas que dos restantes blocos de habitação colectiva. Caracterizam-se, no geral, por paredes em alvenaria de blocos de betão ou tijolo vazado, não rebocadas, deixando visível uma clara marcação da estrutura. As aberturas são normalmente mais pequenas do que nos edifícios concluídos, muitas não envidraçadas. Aqui e ali encontram-se equipamentos de ar condicionado e antenas de satélite. Vários tubos

de saneamento e fios de electricidade brotam dos apartamentos, através de janelas ou de pequenos buracos na parede, alguns soltos, outros agrupados e presos ao longo da fachada. No rés-do-

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-chão há igualmente pequenas gaiolas que abrigam geradores. A ocupação do piso térreo é em geral mais anárquica e com materiais mais precários que no exemplo anterior. Quando entrevistado, o representante dos moradores de um destes lotes não quis dar o seu

nome. Chegou a Luanda em 1997 para estudar e desde 1998 que vive neste edifício. Era militar e terá sido transferido do Interior para Luanda. Construiu o seu próprio apartamento quando os primeiros pisos ainda eram os únicos pisos ocupados. Não tem água nem luz, excepto através de puxadas clandestinas. Segundo o mesmo, “a EDEL

está a perder dinheiro também, porque, se o prédio estivesse pronto, as pessoas usavam e pagavam”. No apartamento vivem cerca de dez pessoas e este terá três quartos, sem garantia de haver um consenso no conceito de quarto. O grau de satisfação é bastante reduzido. Foi a casa possível num tempo de crise, o lugar que encontrou quando chegou sozinho a Luanda, mas gostaria de ter um sítio melhor agora. Além da falta de infra-estruturas, o edifício também não oferece segurança – não há, por exemplo, corrimãos nas escadas, num prédio em que, como por toda a cidade, o número de crianças é elevado.

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1

1. Vistas a partir do terraço da casa visitada. Tipologia dominante: fachadas, coberturas, etc.

2. Uma das vias principais. Fachadas adaptadas ao comércio.


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1989

AUTO-CONSTRUÇÃO

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1970

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2013

A área de génese informal do Bairro forma hoje um tecido urbano heterogéneo, com uma

grande variedade de materiais construtivos e de qualidade habitacional. A tipologia dominante é a casa de piso térreo, com paredes em alvenaria, seja de blocos de

betão ou tijolo vazado, por vezes rebocadas e pintadas – este cuidado no acabamento é mais notório junto às vias principais. São escassas e pequenas as janelas para o exterior, e por vezes gradeadas. Constituem excepção aquelas que têm comércio na fachada frontal, geralmente virada para uma via principal, com aberturas maiores e montras. Em muitas casas, paredes e coberturas são independentes. Através de uma abertura, gradeada, faz-se a ventilação.94 As coberturas são, na maioria, de uma só água, geralmente em chapa de zinco ou lusalite.

Sobre ela, variados objectos, mais ou menos pesados, procuram impedir o vento de a levantar. Antenas de satélite e alguns equipamentos de ar condicionado pontuam o mar de coberturas, onde, aqui e ali, se eleva a copa de uma árvore.

94

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2

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Esta separação entre paredes e cobertura deriva já da construção tradicional, tendo sido igualmente adoptada pelos arquitectos modernos.


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2 3

1. Muros altos. Rua Sagrada Esperança.

2. Acabamentos cuidados. Junto aos blocos de habitação.

4

3. Fachada encerrada.

4. Prédio de rendimento entre o tecido de casas auto-construídas

5. Detalhes na arquitectura.

6. Contraste: exemplo de construções mais precárias. Embora os casos sejam menos frequentes, pelo menos junto às vias principais, é possível encontrar uma casa onde se pensa à primeira vista ser um espaço abandonado ou um anexo.

5


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O Bairro Prenda

Para além desta tipologia dominante, convivem também lado a lado construções precárias, com paredes instáveis em chapa de zinco, por exemplo, e novas construções com mais de um piso, com estrutura em betão, rebocadas e pintadas, cobertas de telha. Estas últimas têm tendência a concentrar-se junto às vias alcatroadas, como as que dão acesso aos lotes de habitação colectiva

2

ou as que delimitam o Bairro, embora haja igualmente exemplos junto às vias principais da área auto-construída. Esta preferência na localização prende-se com o intenso e quase indispensável uso do automóvel em Luanda. Aqueles que têm capacidade para fazer tal investimento na habita6 5

ção pretendem igualmente aceder a ela com o seu veículo e, desde que possível, ter espaço para o guardar. Do mesmo modo, estão geralmente cercadas de muros ou portões altos e patenteiam janelas gradeadas. Muitas destas casas não serão já fruto de auto-construção. Incluímo-las nesta categoria devido à sua localização e implantação, ambas fruto da falta de ordenamento urbanístico. As casas mais precárias contrastam fortemente com estas últimas. A D. Isabel Joaquim vive numa casa construída pelo marido, marceneiro, cujas paredes são constituídas por chapas de zinco, numa área adjacente ao rés-do-chão de um dos lotes inacabados. Vivem seis pessoas na casa que, segundo a mesma, terá seis quartos. A dimensão reduzida da mesma leva à incerteza quanto ao conceito de quarto. Não tem acesso a água ou luz da rede, não tem tanque nem gerador. Acaba por fazer puxadas clandestinas. O grau de satisfação é notoriamente baixo e mudar-se-ia imediatamente se lhe fosse dada uma casa, dentro ou fora de Luanda.

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

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Terraço

4

3

WC Qua.

?

Coz. Qua.

1. Fachada frontal.

2. Garagem, porta de entrada e escadas para o terraço.

5 Sala

Garagem

2 1

Esquissos das plantas da cobertura e rés-do-chão

3. Terraço.

5. Sala de estar e de jantar.

4. Materiais de construção e vista do terraço.


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O Bairro Prenda

CASO DE ESTUDO A casa visitada pertence a Cristóvão Diogo João, primo de Anabela Cunha, e foi construída por um irmão do mesmo. A construção, progressiva, terá sido iniciada em 1998, e há 13 anos que aí residem. Antes, aquando da vinda para Luanda e enquanto a casa estava em construção, terão vivido nas redondezas em casa de outro familiar. A escolha do local ter-se-á prendido com a proximidade da família extensiva, uma vez que vários parentes viviam já no Prenda. A casa desenvolve-se no piso térreo e tira proveito da cobertura praticável. A estrutura é em betão armado, com enchimento de alvenaria – provavelmente em tijolo vazado, pelos materiais que se encontram no terraço. A fachada frontal, rebocada, mas não pintada, tem uma espécie de alpendre, estreito e à cota da rua, gradeado e tapado por dentro. Ao lado, o portão da garagem, possivelmente onde antes seria o pátio. Por aí entra-se na sala, a partir de onde um corredor dá acesso aos dois quartos, à casa de banho e à cozinha. Esta última contacta ainda com a sala através de um passa-pratos. O acesso à cobertura faz-se pelas escadas ao fundo da garagem. Desembocam num pequeno espaço encerrado, cuja cobertura abriga também a máquina de lavar roupa. A partir do terraço, é possível ter uma vista abrangente não só do bairro, como de toda a envolvente. Vê-se claramente o mar a oeste e, a sul, distinguem-se os altos edifícios do município de Belas. Actualmente vivem seis pessoas na casa, os pais e quatro filhos, uma vez que o quinto filho está na província do Moxico a fazer tropa. Em termos de infra-estruturas, a casa é fornecida pela rede municipal de electricidade. Existe um gerador, embora, de momento, não esteja operacional, e um tanque de água. Não está ligada à rede de saneamento, pelo que este se faz através de uma “fossa rota” sob o chão da garagem. A entrevistada foi Jurelma Patrícia da Cunha, uma das filhas, estudante, de 16 anos. Vive no Prenda desde os quatro anos. Afirma que gosta bastante de viver no Bairro, embora também não se lembre de viver noutro sítio, pois mudou-se para ali em pequena. Gostaria de mudar ao ir para a faculdade, para o Huambo ou Portugal, e não se importava de morar num apartamento.

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Ensino Saúde Religião Segurança Atendimento público Comércio Restauração Desporto Esc. 1/7000


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O Bairro Prenda

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS Embora os equipamentos previstos não tenham sido construídos, o Prenda apresenta-se hoje como um bairro quase auto-suficiente. Encontram-se estabelecimentos dos vários níveis de ensino, unidades de saúde várias, esquadra, serviço de atendimento ao cidadão, equipamentos desportivos, mercados e todo o tipo de comércio e restauração. Quanto aos dois últimos, a maioria será do tipo informal e localizam-se junto às principais vias de comunicação.

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO Encontram-se na zona pelo menos cinco escolas e ainda vários centros infantis. De acordo com o plano, foram efectivamente construídas a escola primária nº 2011 e o Instituto Médio Industrial, e ainda outra escola primária na zona reservada ao ensino secundário. Estas e outras funcionam em espaços próprios para o efeito, principalmente junto à zona urbanizada, enquanto outras adaptaram antigas construções. O seu estado de conservação não é uniforme. Se o Instituto Médio apresenta cuidados de manutenção, já a Escola Primária nº 2011 parece, a uma primeira vista, abandonada. Edifícios e espaço envolvente encontram-se degradados e, com o muro envolvente partido a oeste, é “invadido” pelas crianças da vizinhança nas suas brincadeiras, fora do calendário lectivo.

Escola Primária nº 2011

Escola Primária

Instituto Médio Industrial Simione Mucune

Escola Primária nº 1040


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UNIDADES DE SAÚDE Fazem parte do Bairro instalações médicas ou unidades de saúde a várias escalas, desde o Hospital do Prenda, passando pelo Centro de Saúde, até aos Centros Médicos. O primeiro, complexo edificado de grandes dimensões e destinado a toda a cidade, localiza-se do lado oposto da Rua Comandante Arguelles, acessível, pois, através de uma das principais artérias da cidade. O Centro de Saúde, por seu lado, situa-se na rua que delimita as zonas urbanizada e auto-construída, num edifício de arquitectura moderna já alterada. Nas construções em frente, é possível encontrar serviços que complementam as valências do Centro, nomeadamente farmácias. O Centro Médico Nova Vida funciona numa construção pequena, já numa via não pavimentada do Bairro, que conecta com o Instituto de Engenharia.

Hospital do Prenda

Centro de Saúde

Centro Médico Nova Vida


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O Bairro Prenda

RELIGIÃO Em termos de edifícios religiosos ou instalações relacionadas, um verdadeiro inventário seria bastante mais extenso e complexo. Os exemplos apresentados permitem apenas uma ideia geral da variedade de instalações, respectivas localizações, e ainda de religiões professadas.

Local ligado à IURD

Assembleia Internacional da Paz

Sede da IURD no Bairro Prenda

SEGURANÇA 8a Esquadra

A 8a Esquadra de Luanda situa-se exactamente no meio do antigo musseque Prenda. Junto a uma das vias principais, numa zona de alargamento, surge um edifício de maiores dimensões, com quintal frontal bem cuidado. Um polícia sentado à sombra guarda o edifício.

SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO No rés-do-chão de uma das vivendas coloniais na rua Comandante Arguelles, localiza-se um dos estabelecimentos onde é possível fazer o Cartão de Identidade. Uma multidão espera à porta pela sua vez. Apesar de ser possível ir a outros pontos da cidade onde a fila é menor, preferem o local perto da residência – sinal da densidade populacional da zona.


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Comércio de rua nas vias perpendiculares à Rua do Laboratório de Engenharia

Supermercado Poupalá

Vários estabelecimentos ao longo das ruas que definem os limites do Bairro

“Barateiro do Prenda”, loja de mobiliário

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O Bairro Prenda

MERCADO E COMÉRCIO VARIADO O Mercado do Prenda, comummente chamado “Praça do Prenda”, continua em funcionamento e é nestas instalações que a maioria dos entrevistados faz as suas compras diárias. Claro que mercado, em Luanda, implica não só o edifício em si, como todas as ruas adjacentes por onde os produtos em exposição se propagam. Este comércio informal de rua é igualmente intenso junto às grandes vias de comunicação, como é o caso da rua Comandante Arguelles, como também nas principais vias não urbanizadas do bairro, onde as pessoas expõem os seus produtos à porta de casa. A própria habitação é por vezes modificada para servir este fim, abrindo uma pequena montra, por exemplo. A maioria das construções cuja frente dá para uma rua larga, alcatroada ou com maior movimento, alberga estabelecimentos comerciais. As fachadas são coloridas e chamativas, frequentemente com slogans ou desenhos dos produtos, tal como nas mercearias dos malianos. Encontram-se também, embora em pequeno número, serviços e estabelecimentos claramente formais, como é o caso do Banco Millenium na Avenida Comandante Arguelles, do Supermercado Poupa Lá junto ao lote 13, ou do Barateiro do Prenda, no rés-do-chão do lote 19. Saliente-se, no entanto, a sua clara preferência por localizações junto às vias pavimentadas e, igualmente, a preferência dos moradores pela “Praça do Prenda” em detrimento do novo supermercado, o qual alguns nem sabiam que existia. Entre comércio ao ar livre ou no interior de um estabelecimento, formal, informal ou uma combinação de ambos, é possível encontrar de tudo dentro do Bairro. Este facto levanta uma vez mais a questão da urbanidade das zonas ditas não-urbanizadas, já que a multi-funcionalidade encontrada e a diversidade de oferta lembram a dos centros das grandes cidades europeias, por exemplo.

Praça do Prenda, exterior e interior

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

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RESTAURAÇÃO Os restaurantes, do tipo formal, não são fáceis de encontrar em Luanda e, não obstante, existe um na área do Prenda. O restaurante, entre as vivendas coloniais, afigura-se especializado em grandes eventos. Locais onde almoçar, no entanto, não faltam. O cheiro de carne a assar invade as vias não pavimentadas, a partir dos vários assadores entre bancas de fruta e legumes, nas ruas, ou vindo de dentro de alguns estabelecimentos onde “há sopa e almoço”.

Restaurante, vivendas

Comida cozinhada e vendida à beira da rua

Restaurante, área informal

Esplanada, lote 4


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O Bairro Prenda

DESPORTIVOS Em termos de equipamentos desportivos fixos, dentro do bairro e nas imediações, contam-se pelo menos dois distintos. No espaço vedado adjacente aos lotes 4, 5 e 6, encontra-se um campo de basquetebol, acompanhado de outros elementos de mobiliário urbano. Já junto à rua Sagrada Esperança, um grande campo de futebol em terra batida, com edifício associado. Qualquer rua pode, porém, transformar-se igualmente num campo improvisado. À semelhança de outras zonas da cidade, pequenas balizas transportáveis são posicionadas por crianças e jovens de forma a criar um campo temporário – e a cortar o trânsito viário. São estas algumas das implicações da falta de espaço derivada da alta densidade construtiva das zonas centrais, já que, apesar de notoriamente desejados, não são em grande número os espaços para a prática desportiva. Consequentemente, separadores centrais, triângulos de tráfego e outras áreas sobrantes do traçado viário são transformados em campos desportivos, para miúdos e graúdos, com instalação de tabelas de basquetebol e balizas fixas. Por vezes vedados, mas outras vezes abertos, tornam-se perigosos devido às bolas que invadem as vias de trânsito automóvel.

Recinto desportivo vedado junto aos lotes 4 e 5

Outros espaços com equipamentos desportivos fixos.

Campo de futebol junto à rua Sagrada Esperança


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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

ESPAÇO PÚBLICO Os mais visíveis sinais de evolução do Bairro encontram-se no espaço público e na relação deste com o espaço privado, ou semi-privado. A alteração da sua dimensão, dos seus limites, da função que lhe é atribuída ou a diferente apropriação de que é alvo conferem-lhe imediatamente um outro carácter. Encontram-se no Bairro Prenda tanto espaços desenhados, os quais, segundo o plano, teriam diferentes características, dependendo do tipo de habitação associada, como espaços públicos espontâneos, resultado de espaços sobrantes do tecido auto-construído – os largos dos musseques, que constituem a sua estrutura de espaços de convivência colectiva. O espaço público adquire uma especial importância em Luanda, para a qual dois factores

Importância do Espaço Público Densidade

contribuem substancialmente. Primeiro, a alta densidade construída, que continua a aumentar. No crescimento exponencial da cidade, foram desenhados alguns novos espaços, mas outros tantos, remanescentes do antigo tecido urbano colonial, foram sendo ocupados com novas construções. No caso do Prenda, essa ocupação é nítida na área central entre os blocos de habitação colectiva, para onde estava planeado um amplo espaço verde público dotado de equipamentos colectivos. A necessidade imediata, porém, era de habitação. Em segundo, devido ao clima e à cultura própria dos luandenses, os espaços ao ar livre, sombreados, apresentam-se como os mais apetecíveis, tanto para os tempos livres como para exercer um sem-número de actividades profissionais ou domésticas. Se antes esta preferência, que José Redinha apelida de “gosto atávico pelo ar livre”95, tinha grandes ligações à herança rural, actualmente esta ligação à terra será mais ténue, pois as últimas gerações nasceram já na cidade. No entanto, se a maioria das casas são pequenas, escuras e, no caso de não possuírem ar condicionado, quentes, não é difícil imaginar o quão mais agradável será um espaço ao ar livre, à sombra e usufruindo da brisa de Luanda. Era este espaço que se encontrava no quintal, o qual fazia parte da casa típica do musseque e a completava, já que “casa sem quintal, não é casa de gente que se preze”96. Mas o seu número e dimensão diminuíram com a densificação do construído. Percebem-se hoje simplesmente alguns pátios, geralmente na lateral da habitação, os quais não cobrem as mesmas funções. Este estar ao ar livre muda-se então para fora do espaço privado, para a via de acesso à habitação, a qual adquire um significado mais complexo que o da simples circulação, seja beco, rua 95 96

José Redinha: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução, p. 27 Idem, p. 32

Gosto pelo ar livre


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O Bairro Prenda

ou estrada, de desenho formal ou construção espontânea. São, na verdade, escassos os espaços de estar públicos desenhados para o efeito, embora se tenha investido em tal questão nos últimos tempos97, e mais raros ainda nas zonas residenciais. Nestas, encontram-se sobretudo espaços públicos de proximidade informais, com uma grande multiplicidade de usos. Neles decorrem um sem-número de actividades quotidianas, entre vender, comprar, cozinhar, lavar a louça, conversar, passear, brincar ou entrançar cabelos. As funções sociais decorrem assim na rua, que consiste no

“tecido vivo” da cidade98. Nela nem sempre é nítido onde acaba o público e começa o privado, ou sequer se existe um espaço intermédio, semi-privado, colectivo ou semi-público. Com a sua escala humana e quase doméstica, ganha uma importância fulcral – e em tudo distinta do espaço público à escala da cidade, que concentra principalmente as funções representativa e recreativa. Nas próximas páginas procura-se, assim, perceber a hierarquia de escalas entre os vários es-

paços públicos do Bairro Prenda a partir de alguns exemplos, desde as ruas que se podem considerar principais artérias da cidade até aos becos quase privados de acesso às habitações. Esta sistematização procura perceber o uso e o carácter de cada espaço e a relação destas características com o seu desenho, seja este formal ou informalmente constituído.

O QUASE DESAPARECIMENTO DOS QUINTAIS COM A DENSIFICAÇÃO DO BAIRRO exemplo a partir de uma amostra da planta do bairro, esc. 1/5000

97 98

São o caso das obras da baía ou da marginal da Ilha de Luanda. “Living tissue”. Stacy Passmore: The Social Life of Public Space in West Africa. Planning Pool, 16 Fevereiro 2011

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Rua dos Funantes

CIDADE Artérias principais

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ÁREA URBANIZADA Ruas interiores “Ruas fronteira” ÁREA INFORMAL

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Artérias secundárias

Vias principais Vias secundárias Becos

Entre blocos Impasses de acesso/ “Largos dos generais” Rua Sagrada Esperança

“Centro” Esc. 1/7000


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O Bairro Prenda

PRINCIPAIS ARTÉRIAS DA CIDADE Comecemos, pois, pelas vias de circulação e, dentro destas, pelas ruas de maior dimensão e importância à escala da cidade. Se aqui o automóvel é o actor por excelência, na prática não deixa de se verificar o seu intenso uso pelos pedestres. Os estreitos passeios que ladeiam a rua, alargada há poucos anos, são palco constante de comércio, principalmente junto às áreas informais. Acontece não só nos estabelecimentos cuja fachada desenha a rua, como também no próprio passeio, onde as vendedoras expõem os seus podutos sobre panos, de maneira que o espaço de circulação pedonal se torna ainda mais escasso. O recurso dos peões à faixa de rodagem, além de desaconselhável pela frequência do tráfego, torna-se dificultoso devido à altura do passeio, entre 60 e 80cm. Considerando que o veículo mais comum em Luanda continua a ser o jipe, esta é a altura necessária para impedir a invasão do espaço do peão. A transição da rua movimentada da cidade para o espaço quase privado do bairro é abrupta e imediata, através dos becos que desembocam no estreito passeio da rua principal.

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Na rua Comandante Arguelles, na zona das vivendas, verifica-se um recuo da linha de fachada

que possibilita o estacionamento em espinha e respectiva faixa de acesso.

Rua Comandante Arguelles

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ARTÉRIAS SECUNDÁRIAS DA CIDADE

De menor largura que as anteriores, mas igualmente à escala da cidade. Têm geralmente apenas uma faixa em cada sentido e são ladeadas de passeios, por vezes também bastante altos. Existe algum comércio, mas não tem tanta presença como noutras vias.

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

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É nestas ruas que se encontra maior número de casas novas em áreas sem desenho urbanístico, com materiais definitivos, muros altos e entrada para o automóvel. Quando as rampas de acesso dos veículos se juntam com a elevada altura do passeio, transformam o percurso numa autêntica “montanha-russa” – razão pela qual os peões continuam a circular na faixa de rodagem.

R. Laboratório de Engenharia

RUAS INTERIORES DA ÁREA URBANIZADA

Rua Sagrada Esperança

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O acesso ao interior do bairro faz-se, essencialmente, por dois pontos na rua Comandante Arguelles, pelo que as ruas interiores são de distribuição interna e não de atravessamento – são as V5 do plano de Simões de Carvalho. Estas ruas foram alvo de obras de reparação e alcatroadas em 2011, embora o seu desenho cuidado, atento, por exemplo, a pequenas diferenças de cota, descenda já da época de construção do Bairro.

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Pela sua função de distribuição, adquirem um carácter bastante residencial, embora não cons-

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tituam continuidade do espaço privado – são ladeadas de edifícios em altura e vivendas de muros altos. Verifica-se o seu uso por crianças em brincadeiras e desportos, é raro o comércio de rua e o trânsito automóvel é escasso.

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UCT

Rua dos Sertanejos


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O Bairro Prenda

RUAS “FRONTEIRA” Sob a forma de sub-categoria das anteriores, a designação atribuída prende-se com o facto de estas fazerem a fronteira entre o espaço urbanizado, onde as ruas são formalmente desenhadas, e o espaço informal, de auto-construção espontânea e sem planeamento urbanístico.

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São elas a “fronteira de asfalto” entre o cuidado urbanístico – com diferenciação de pisos, guia de passeio e escoamento de águas com grade protectora – e a zona de musseque, ou seja, em terra vermelha, onde o contacto da via com a porta da casa não é mediado pela presença do passeio. É nestas ruas “fronteira” que se sente mais fortemente a diferença de atitude em relação às duas

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áreas. Enquanto estas e outras ruas da área de génese formal foram alvo de obras de recuperação, já aquelas do bairro auto-construído continuam em terra batida.

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Rua dos Funantes

Rua Eng. Frederico dos Santos

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VIAS PRINCIPAIS DA ÁREA INFORMAL

Aqui assim designadas devido à sua largura, claramente superior à das outras vias não pavimentadas. Apesar da sua constante variação, com construções que se projectam sobre o espaço público, possibilita a circulação de veículos nos dois sentidos. São estas vias principais que permitem, a quem não conhece o bairro, perceber minimamente a sua estrutura, de modo a percorrê-lo. Tomando como exemplo a rua da 8a Esquadra, não está dotada de infra-estruturas como escoamento de águas, exceptuando uma vala rudimentar nalguns pontos, repleta de lixos e que culmina numa lixeira a céu aberto no centro do bairro. Encontra-se bastante comércio, tanto em estabelecimentos comerciais com montras cuida-


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das como produtos expostos nos degraus à porta das casas, e alguns locais de restauração. Cozinha-se na rua com recurso a assadores e alguns moradores sentam-se a conversar em pequenas esplanadas, em tendas ou pátios sobranceiros às casas. É a rua comercial por excelência, partilhada por peões e veículos. Embora sem distinção entre o espaço do peão e o do veículo, sem desenho cuidado ou infra-estruturas, a qualidade do seu uso assemelha-se àquela pretendida para a V4 da Unidade de Vizinhança.

Rua da 8a Esquadra. Lixeira a meio da via é alvo de operação de limpeza.

VIAS SECUNDÁRIAS DA ÁREA INFORMAL Bastante mais estreitas do que as anteriores, têm um carácter mais residencial e privado e o comércio é mais raro. Impera o cheiro a comida, que nalguns locais será para venda, mas noutros para consumo próprio, ou seja, é a cozinha que se prolonga para o espaço público. A única serventia destas vias será o acesso a habitações, portanto destinadas a moradores ou visitantes, e os estranhos são olhados com curiosidade. Constituem excepção aquelas que acedem à Praça do Prenda e por onde se prolonga o mercado. Aqui o movimento é intenso, mulheres expõem sobre panos no chão os seus produtos para venda, formando estreitos corredores que vão desembocar no mercado. O lixo vai-se acumulando nas vias próximas, mas não só. Nota-se, porém, que nalgumas zonas o piso está mais limpo, quase arranjado, junto às portas das habitações. Em termos de escoamento de águas, nota-se uma diferença considerável entre as vias que ficam perto de zonas urbanizadas e as mais interiores. Começamos o percurso seguindo as águas negras – o outro petróleo de Luanda... – por um canal de pré-fabricados de betão, situado exacta-

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mente no meio da via. Um pouco mais no interior do bairro, o canal desaparece – as águas, sempre negras, correm agora por um sulco na terra.


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Vias secundárias do bairro.

BECOS A largura destes é notoriamente reduzida, chegando a ter menos de 1 metro. São eles que possibilitam o acesso às zonas mais interiores da área informal, desenhando um autêntico labirinto. Deste modo, seja por não necessitar, desconhecimento ou mesmo receio, não são geralmente percorridos por quem não conhece o bairro. Constituem então um espaço semi-privado, essencialmente de uso colectivo para os que o usam para aceder à sua habitação. Tanto pode sentir-se como espaço de insegurança para os que lhe são estranhos, pois pode ser facilitador de um assalto, como de segurança para aqueles que dele se apropriam, já que crianças pequenas podem assim brincar à porta de casa sem correrem o risco de serem atropeladas.

No terceiro exemplo, é ainda espaço público, ou já é privado?


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ESPAÇOS ENTRE BLOCOS DE HABITAÇÃO COLECTIVA As maiores manchas não construídas do bairro localizam-se junto aos blocos de habitação e consistem, sobretudo, em parques de estacionamento, possuindo, porém, características bem diferentes entre eles. Junto aos lotes 1 a 6, constituem formas quadrangulares contidas, são alcatroados e com cuidadoso desenho na diferença de cotas. Nos dois espaços entre os lotes 2 e 4, onde a construção informal chegou, esta respeitou aquele que era o limite sul, inclusive controlando o espaço e desenhando as pracetas de convivencialidade, como fariam os blocos que para ali estavam planeados. Por oposição, os espaços adjacentes aos restantes blocos de habitação não se podem, no geral, definir segundo uma forma geométrica reconhecível nem se encontram pavimentados. Constituem estacionamentos desordenados, onde são BY PRODUCED

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executadas igualmente outras tarefas como lavagem ou arranjo de carros, pontuados por algumas construções, sucata e lixo. Cumprem a função que no espaço adjacente ao lote 11 é controlada e pertence à esfera privada: o estacionamento, ali murado e encerrado com cancela. O automóvel é, assim, o principal actor de qualquer um dos espaços referenciados, os quais não constituem agradáveis espaços de estar. No plano proposto, os pisos térreos dos blocos de habitação eram livres, possibilitando um amplo espaço público contínuo a que os equipamentos

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davam sentido – mas estes não foram construídos. Deste modo, no local que deveria ocupar, os espaços públicos resultam em fragmentos perdidos, sobras do processo de construção formal e informal. Não obstante, constituem respiros face à elevada cota dos blocos de habitação e ao tecido apertado das áreas auto-construídas.

Espaço indefinido, entre os lotes 8 e 9

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Espaço controlado, entre os lotes 2 e 3

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IMPASSES DE ACESSO A VIVENDAS / “LARGOS DOS GENERAIS”

Segundo o plano, estes deveriam apenas fornecer acesso às vivendas que a circundam, que seriam as mais luxuosas, e sem atravessamento possível. Como diz Simões de Carvalho, “Quando

há luxo, não há grande convivência a não ser em casa das pessoas”99. A materialização do espaço não foge do projectado, pois, apesar de ser possível, nalguns pontos, atravessar a pé para a zona dos blocos de habitação, esta ligação não é constante nem óbvia e também não se verifica um uso do espaço que não tenha sido o pensado. É de salientar a atribuição de toponímia informal a

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espaços de génese formal.

“CENTRO”

Quando procurávamos indicações, foi assim que uma moradora se referiu ao alargamento no culminar sul da rua da 8ª Esquadra, onde um cruzamento permite aceder a duas outras vias, relativamente largas, que dão acesso à Estrada da Samba. Surge aqui como pretexto de reflexão acerca da toponímia e relativo significado atribuído ao espaço público nas áreas de génese informal. A rua, à qual demos a importância de via principal, torna-se mais estreita após o grande largo da esquadra, pouco antes de desembocar no centro. Existe algum comércio, embora em menor quantidade, comparado com outros pontos da via. Se não será pela sua dimensão ou uso, que razão leva este largo a ser chamado de centro? Podemos pôr a hipótese de ser pela sua localização central na área limitada por vias urbanizadas, excluindo nessa consideração a área urbanizada do Prenda e incluindo uma parte do bairro Sagrada Esperança? E / ou antes, o facto de ser um intrinsecar de vias que quase directamente conectam com os limites do bairro?

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Testemunho de Simões de Carvalho, 10/9/2013

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FUTURO INCERTO

Ao longo dos últimos anos, têm surgido algumas publicações de imprensa acerca de intervenções futuras no bairro Prenda, enquadradas na requalificação urbana da cidade de Luanda, necessidade premente após décadas de guerra em que não houve manutenção. Em 2008 surge a notícia de que a “Área dos Lotes do Prenda será reurbanizada”, implicando para isso a demolição dos blocos de habitação colectiva. Tal medida é justificada com os riscos decorrentes da “má utilização dos edifícios”. O projecto seria responsabilidade de uma parceria público-privada, que se encarregaria da relocalização dos residentes, na estrada Camama/Viana, a cerca de 15 quilómetros do centro de Luanda. Se fosse sua vontade, estes poderiam também recorrer a outros mecanismos.100 O projecto, já “autorizado administrativamente”, teve início em 2009, começando pela construção das habitações para relocalização – mas as notícias sobre a intervenção no Prenda mudaram. Os blocos de habitação colectiva, afinal, deveriam ser reabilitados. A estrutura seria mantida, as fachadas e a “qualidade da arquitectura” melhoradas, sem esquecer os pisos térreos degradados. Contudo, esperando-se o aumento do valor das habitações, os residentes que não tivessem capacidade económica para nelas se manterem seriam realojados no Município de Viana, juntamente com “os que promovem a ocupação anárquica nos largos e espaços verdes”.101 Ou seja, era esperada uma gentrificação da área. Todavia, em 2010, o projecto parou. Segundo o arquitecto Hélder José, director do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda, a empresa de construção civil responsável, Pidi Urbana e Tanix, previa a simples relocalização dos moradores nos edifícios por ela construídos em Viana e tornava-se necessária a criação de outros mecanismos que diversificassem as opções dos residentes. Contudo, segundo o mesmo, os habitantes não deviam apoiar-se apenas no Estado – o qual tem de recorrer a parcerias com particulares por não ter capacidade financeira para dar resposta a todas as necessidades.102 Efectivamente levada a cabo, foi a renovação do espaço público, em 2011 e 2012. Sucata e veículos abandonados na via pública foram retirados, após o que algumas ruas do Prenda foram pavimentadas, nomeadamente aquelas que fazem parte da sua zona urbanizada.103 As vias princi-

100 Área dos Lotes do Prenda será reurbanizada. ANGOP [Agência Angola Press], 5 Agosto 2008 101 Paulo Sérgio: Prenda pode ser desocupado brevemente. O País, Edição 39, 10 Abril 2009; Paulo Sérgio: Sambizanga, Prenda e outros projectos no papel. O País, Edição 22, 13 Agosto 2009 102 Paulo Sérgio: Moradores do bairro Baixo Prenda sem destino à vista. O País, Edição 79, 14 Maio 2010 103 Administração da Maianga recolhe sucatas e viaturas da via pública. ANGOP [Agência Angola Press], 24 Março 2011

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pais da área informal, não obstante a sua função na organização do espaço e a largura que permite a passagem de mais de um veículo, continuam sem sofrer intervenções de alinhamentos, instalação de infra-estruturas ou pavimentação. Paralelamente ao projecto para a área dos blocos de habitação colectiva, decorre um projecto de renovação urbana para o Baixo Prenda, ou seja, o Bairro Margoso/ Chabá, do lado oposto da rua Comandante Arguelles. Excepto por alguns equipamentos, a área em causa é integralmente fruto de ocupação informal e enfrenta grandes problemas de saúde pública devido à proximidade do rio Seco, actualmente transformado em canal de drenagem, depósito de lixo e foco de doenças. Porém, as notícias mais recentes, de Agosto passado, dão conta de manifestações da população contra as expropriações, alegando que o local de realojamento, no Zango IV, não oferece melhores condições. Além de se localizar a 20 quilómetros de distância, “as chamadas ‘casas evolutivas”’[...]

são edificações de dimensões exíguas, sem acabamentos”104. Segundo um dos moradores, a zona de realojamento não possui água, energia eléctrica, escolas ou postos médicos. Tais manifestações terão sido bem sucedidas e a demolição, pelo menos por agora, foi adiada.105

104 Rafael Marques de Morais: Margoso: Urbanização para os Ricos, Despojo para os Pobres. Maka Angola, 17 Agosto 2013. in http://makaangola.org/2013/08/17/margoso-urbanizacao-para-os-ricos-despojo-para-os-pobres/ 105 Manuel José: Angola: Autoridades suspendem demolições no Margoso. Voz da América: VOA Português, 14 Agosto 2013

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NOTAS CONCLUSIVAS

Área de localização privilegiada, beneficiando da brisa de Luanda e de vistas abrangentes, a ocupação da área do Bairro Prenda nunca deixou de suscitar interesse. No início são apenas algumas cubatas que se agrupam perto de um arimo, mas logo o seu número vai aumentando, construídas por aqueles que se vão afastando, ou são afastados, do centro urbano. Forma-se o musseque Prenda, na periferia de Luanda. Com o crescimento da cidade, a área começa a ser representada nos planos – passou a ser uma zona de expansão e pretende-se transformá-la em área formal. Só que há mais de intenção que de intervenção, até ao plano da Unidade de Vizinhança nº1. Derivado do plano director de 1961-64, este pretende tornar o Prenda numa área habitacional para uma população heterogénea, dotada de infra-estruturas urbanas que lhe garantiriam igualmente outras funções, como a comercial, cultural e de serviços. É um plano que pretende contrariar a contínua segregação social da população, iniciada com a urbanização da Baixa, que “empurrou” as cubatas para a periferia, e perpetuada até essa altura com o planeamento parcelado de áreas residenciais consoante a população-alvo, desde os bairros de moradias mais luxuosas aos bairros indígenas. Na prática, deu-se a construção integral de 20 edifícios de habitação colectiva e algumas vivendas. As habitações para a população economicamente débil não foram projectadas, muito menos construídas. Faziam parte do bairro, no entanto, habitações térreas auto-construídas de acordo com as condições sociológicas dos seus habitantes, algumas inclusivamente fruto da experiência de auto-construção dirigida – as casas do musseque, que entretanto se foram transformando tipologicamente e construtivamente. Com o início da guerra civil, a suspensão da construção do plano da Unidade de Vizinhança deixa espaço para que a espontaneidade do informal tome lugar e continue a construção do bairro no seu todo. À medida que os habitantes adicionam anexos às suas casas, os recém-chegados constroem outras tantas. O tecido urbano densifica-se através de micro-acontecimentos, micro-

-planeados ou não, levados a cabo por inúmeros autores e actores da organização do espaço. Diluem-se os limites entre formas, espaços e edifícios originalmente formais ou informais. Da apropriação temporária à construção com materiais permanentes, a informalidade urbana dá resposta às necessidades e vontades dos habitantes do bairro – e de toda a cidade de Luanda. A Unidade de Vizinhança nº1 não se materializou como planeado. Contém em si edifícios de-

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gradados e espaços públicos descaracterizados. Pressupostos de uma arquitectura moderna tropical foram destruídos. Primeiro, por razões de ordem económica que levaram ao abandono da tipologia semi-duplex, depois, por habitantes que necessitavam do espaço do rés-do-chão numa cidade que carecia de espaços livres, ou que preferiam o ar condicionado à ventilação natural para fazer frente ao clima de Luanda. Não obstante, tal como pretendido pelo plano formal, o Bairro Prenda consiste duma área de miscigenação social rica em espaços públicos. Dispõe no seu interior de vários equipamentos, além de gozar de uma localização central na cidade, com fácil acesso a outros serviços urbanos. Enfrenta problemas de pobreza, degradação e insuficiência de infra-estruturas – como toda a cidade de Luanda. No âmbito da requalificação de Luanda, arriscamos dizer que é o carácter “híbrido” do Prenda que suscita dúvidas quanto à abordagem a ter. O plano de que foi alvo ainda hoje o (in)define. Possui qualidades arquitectónicas e de espaço urbano que, apesar da falta de manutenção, são notáveis. Combinação – se não única em Luanda, pelo menos rara – de boas moradias, modernos edifícios de habitação colectiva e casas auto-construídas com várias qualidades construtivas. Atente-se: combinação, no mesmo bairro, de habitantes que, qualquer que seja a sua casa, “são do Prenda” – em tudo distinto de habitar na Maianga ou no Catambor, apesar de estes dois bairros serem contíguos. O Prenda não se encaixa nem na “categoria” de outros bairros formais, como a Maianga ou o Alvalade, nem na das áreas informais sem qualquer ordenamento urbanístico e destituídas de infra-estruturas. Está no “entre”, e, portanto, suscita dúvidas. Se, primeiro, a intenção era a de demolir os lotes, por alguma razão se abandonou a ideia. Propõe-se então a requalificação dos edifícios – sinal do valor reconhecido aos mesmos – mas de maneira que resultaria na gentrificação da área e consequente realojamento da população na periferia, tal como vem acontecendo noutras áreas centrais. Não será este tipo de intervenção – cujo resultado conhecido é a segregação social e económica da população mais desfavorecida e consequente intensificação da pobreza – um regredir relativamente às Unidades de Vizinhança propostas na década de 1960? Não deveria a Luanda pós-colonial caminhar na direcção de um espaço de miscigenação, não só de culturas e religiões, como de estratos sociais e económicos, onde todos têm o mesmo direito ao espaço público, aos serviços e equipamentos urbanos – em suma, o mesmo direito à cidade? E, devemo-nos perguntar a nós próprios, qual o nosso papel para alterar a situação?

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CONSIDERAÇÕES (FINAIS)

Antes de mais, não se pretende finalizar ou encerrar. O presente trabalho foi encarado como um início, um possível estudo preliminar de uma realidade, actuando como pretexto para pensar a intervenção. Por conseguinte, procurou-se conhecer a circunstância “intensamente, tão intensa-

mente que conhecer e ser se confundem”1. E, na necessidade de fechar um ciclo – não apenas o deste trabalho, mas também aquele que foi iniciado há seis anos –, iremos socorrer-nos das palavras de Fernando Távora e “Da Organização

do Espaço”2 para reflectir sobre a organização do espaço urbano, o papel de diferentes actores que nele intervêm e a relação entre eles, partindo do caso específico de Luanda. “[...] a organização do espaço como actividade pertence a todos os homens e não apenas a alguns , [...] é obra de participação de todos os homens, em graus diferentes de intensidade e até de responsabilidade, mas, de qualquer modo, obra de que nenhum homem pode eximir-se.” Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 19

É ponto assente que todo o homem organiza o espaço – vivendo, através das suas actividades constrói formas, define o espaço – e todo o homem é responsável pelo espaço que organiza. Espaço este que é contínuo nas suas dimensões física e temporal, tal como no processo da sua organização. Uma cidade é um aglomerado de homens – homens estes que, no decorrer do tempo, constroem o espaço urbano. Alguns movem-se ou posicionam temporariamente objectos de acordo com as suas vontades – constroem a cidade cinética. Outros há, que igualmente constroem paredes e tectos e janelas e portas. As formas resultantes são o prolongamento de si próprios, condicionadas pela circunstância que os envolve e condicionantes de formas futuras. Luanda, especificamente, foi sendo construída numa autoria partilhada entre os seus habitantes, condicionados por dinâmicas económicas, sociais e políticas – de modo espontâneo, pois fora fundada sem plano, nem plano para ser cidade. Chamar-lhe-emos espontânea, pois suporta a sua construção “uma parte de ‘vontade’”3 dos agentes políticos. Porém, o modo como progressivamente se construiu até ao século XIX é em tudo semelhante ao modo de crescimento dos musseques que hoje se classificam de informais: na ausência de planeamento físico, em que a organização do espaço é ditada por vontades pessoais;

1 2 3

Fernando Távora: Da Organização do Espaço, FAUP, 2006 (1ª ed. 1962), p. 74 É o primeiro livro cuja leitura é indicada a todos os estudantes de primeiro ano na FAUP. Vasco Vieira da Costa: Luanda plano para a cidade satélite nº 3, p. 27

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na efemeridade dos materiais, pelas mesmas razões de falta de recursos e de ausência de perspectivas de permanência; e no défice de infra-estruturas, que em Luanda estavam muito aquém do seu tempo, devido à falta de investimento consequente do desinteresse da Metrópole. Serão estes os factores que diferenciam o espaço urbano formal do informal: o planeamento, os padrões construtivos e as infra-estruturas, tal como regulados pelas “instâncias institucionais,

normativas legais e administrativas e aparatos de controlo e convalidação cultural”4. No entanto, informal apenas existe em oposição àquilo que é formal – e, deste modo, só se começa a falar de cidade informal em Luanda quando o centro se assume enquanto espaço urbano formal. Isto é, quando este se começa a urbanizar, com investimentos na regularização dos quarteirões e ruas, na melhoria das infra-estruturas e dos serviços – recorre-se a um planeamento a posteriori, com o intuito de tornar Luanda uma cidade no completo sentido do termo, não mais apenas um porto comercial de escravos. Enquanto isso, a população que não é “convidada“ a fazer parte desta renovação urbana continua a construir a “sua“ cidade do mesmo modo que até aí, mas agora considerada informal e cada vez mais periférica. Havia começado na Luanda colonial a distinção entre formal e informal, constantemente associada a uma segregação social e, em parte, racial. Enquanto na cidade formal se começa a obedecer a normas urbanísticas, a planear e a intervir mais ou menos pontualmente, recorrendo para isso a profissionais da organização do espaço, os autores-actores da cidade informal organizam informalmente o espaço, construindo, sobretudo, as próprias habitações, primeira necessidade do homem e, por conseguinte, função primária da cidade. As casas, pensadas e construídas pelos próprios moradores, são, assim, expressão das suas vontades e ideias, criadas à “escala das suas necessidades e das possibilidades, quer como indivíduo,

quer como elemento de um grupo social”.5 São formas construídas com ou sem saber especializado, com maior ou menor sensibilidade na criação de lógica e beleza, geralmente sem cumprir as regras urbanísticas que vigoram na cidade formal, seja por desconhecimento, incapacidade ou falta de vontade. São formas que, tanto como aquelas criadas pelos actores do espaço formal, se irão tornar condicionantes da experiência da cidade por todos os homens. E porque o espaço é contínuo, não se podem isolar as formas umas das outras; irá haver uma relação constante de influência entre as de génese formal e as de génese informal, sem nunca ha4 5

Roberto Fernández: Modos de hacer ciudad: Proyecto y Plan, p. 114 Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 56

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ver mais do que a ilusão de um limite entre o espaço que umas e outras organizam. Assim, por mais que exista uma “fronteira de asfalto”, esta nunca impedirá a relação de inter-dependência entre as duas zonas que “separa” – a qual acontece a várias dimensões, desde a económica, à política, à social ou à cultural, e, invariavelmente, na dimensão física. Existem igualmente relações de inter-dependência entre todas as dimensões que a cidade incorpora, das quais destacamos o espaço

físico, assim condicionado e condicionante. Considerada esta influência das formas na vida dos homens, é dever do arquitecto e do urbanista, enquanto profissionais da organização do espaço, procurar “encontrar a forma que realiza

com eficiência e beleza a síntese entre o necessário e o possível”6. A eles é-lhes atribuída, pela sua profissão, especial responsabilidade na organização do espaço, que deverá ser precedida de uma profunda consciência da importância que as suas escolhas poderão ter na sociedade. Para que exerça sabiamente o seu papel, é necessário um conhecimento íntimo da circunstância em que intervém, pois que da circunstância deverá discernir os aspectos positivos e os aspectos negativos, para enaltecer os primeiros e combater os segundos. Em face da circunstância da cidade de Luanda, conhecidos os seus problemas, “seria uma po-

sição cobarde cultivar tais aspectos em lugar de os combater”.7 E destes teremos que salientar, enquanto pertencentes ao campo de acção do arquitecto, a informalidade urbana quando esta se reflecte em débeis condições de vida, além da segregação espacial que a origina, decorrente de uma segregação social e económica, Se o seu dever moral é intervir, torna-se igualmente necessário que tenha a humildade de reconhecer as suas limitações, e que, sendo a organização do espaço uma actividade partilhada, saiba ser aluno e educador. Isto é, que saiba escutar os outros actores do espaço urbano, nomeadamente os construtores da cidade informal, de modo a que a participação equivalha a uma colaboração enquanto usa a sua obra de modo pedagógico. “Ora este aspecto pedagógico do espaço organizado não pode, de modo nenhum, ser esquecido, sobretudo em sociedades com fortes contrastes entre os seus níveis culturais e em que os menos evoluídos, por ausência de estruturas próprias ou por alteração de estruturas pré-existentes olham para as formas dos evoluídos como o último grito a seguir.” Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 26

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Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 74 Fernando Távora: Da Organização do Espaço, p. 24

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Outros actores há que, embora não profissionais da organização do espaço ou seus construtores, adquirem igual ou maior importância nas formas resultantes do espaço organizado. Referimo-nos, aqui, aos tomadores de decisões: os políticos, os administradores, os agentes do mercado imobiliário, etc., cujas decisões influenciam inevitavelmente os restantes criadores de formas. Geralmente são também eles, pelo poder que detêm, quem decide as intervenções a tomar – se demolir as formas informais e substitui-las por outras formais; se manter as informais e formalizar o espaço entre elas; se ignorar as informais e organizar formalmente, afastado, todo um outro espaço, etc. Ao arquitecto, pelo seu conhecimento e formação, impõe-se que favoreça o diálogo e a colaboração entre os restantes actores do espaço urbano, especialmente entre os tomadores de decisões e os construtores, e que eduque uns e outros. Impõe-se que use os instrumentos de que dispõe, plano e projecto, ou outros, ao serviço da sociedade após estudo aprofundado da circunstância que o envolve. O que nem sempre acontece. “[...] um plano urbano é feito por quem? Pelo homem. Infelizmente, na maior parte dos países, o plano urbano é feito por tecnocratas que ignoram por absoluto as condições humanas. No seu gabinete, um plano estruturado, com normas estabelecidas universalmente. Como quem faz um fato ou um vestido, que depois tem que vestir assim à força. Logo, é aconselhável que o plano urbano esteja próximo, seja realizado democraticamente. Isto é, ouvindo as explicações, conhecendo as populações. “ Ilídio do Amaral, em conversa com a autora, 9/8/2013

Lamentavelmente, além do “profundo e indispensável humanismo”8, necessário nos profissionais da organização do espaço, falta igualmente a vontade política, irremediavelmente arrastada pelos interesses económicos e, ambos, de costas voltadas para as necessidades sociais, que raramente são verdadeiramente indagadas. Enquanto interesses económicos e especulação imobiliária se sobrepuserem aos interesses comuns, o planeamento da cidade não trará mais desenvolvimento que a espontaneidade da construção informal – muito pelo contrário. “Eu sou urbanista! É a minha política. E tenho para mim um apostolado. Que é fazer o bem e a paz. Construir para as pessoas se sentirem felizes. Esta é a minha política. Elevar o rendimento das pessoas graças ao Urbanismo. Desenvolver os territórios em face do Urbanismo. O Urbanismo promove. O Urbanismo só é válido se promover o desenvolvimento.” Simões de Carvalho, in La Modernidad Ignorada, p. 242 8

Fernando Távora, Da Organização do Espaço, p. 75

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LIMA, Inês: Quando a Habitação Colectiva fez cidade. O caso de Luanda Moderna, pp. 133-161; RAPOSO, Isabel: Sinais de modernidade na arquitectura popular em Luanda, pp. 175-191; SIMÕES DE CARVALHO, entrevistado por Roberto Goycoolea e Paz Nuñez, FAUTL, Abril 2011, pp. 227-243; VAZ MILHEIRO, Ana: Fazer Escola: a arquitectura pública do Gabinete de Urbanização Colonial para Luanda, pp. 99-131; SANTOS, Heliana dos; MOTA, Domingas; SEBASTIÃO, Ilda (red.): Extractos da Imprensa Angolana sobre questões sociais e de desenvolvimento. Habitação e Urbanismo 2007/08/09. Angola: Centro de Documentação da Development Workshop, 2009; in http://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/40331/1/128833.pdf

SIMÕES DE CARVALHO, entrevistado por Cláudio Fortuna. Semanário Angolense, Junho 2011; in http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=8280:exclusivo-fernao-de-carvalho-projectou-gabinete-de-urbanizacao-de-angola-em-nos-primordios-do-anos-60-&catid=14:entrevistas&Itemid=149, consultado a 5/6/2013

SIMÕES DE CARVALHO; PINTO DA CUNHA: Memória descritiva do Plano Director de Urbanização da Ilha de Luanda. Comissão Administrativa do Fundo dos Bairros Populares de Angola, Luanda, 1963. (arquivo Simões de Carvalho); TUNGARE, Amit: Le Corbusier’s principles of city planning and their application in virtual environments. (Dissertação de Mestrado). Otava (Canadá): School of Architecture, Carleton University, 2001; in http://www.collectionscanada.gc.ca/obj/s4/f2/dsk3/ftp04/MQ61319.pdf, consultado a 8/7/2013

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

PERIÓDICOS SOBRE O PRENDA Administração da Maianga recolhe sucatas e viaturas da via pública. ANGOP [Agência Angola Press], 24 Março 2011; in http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/sociedade/2011/2/12/Administracao-Maianga-recolhe-sucatas-viaturas-via-publica,84b2b43b-3eb3-4e1d-9668-410095b93ca1.html, consultado a 12/6/2013

JOSÉ, Manuel: Angola: Autoridades suspendem demolições no Margoso. Voz da América: VOA Português, 14 Agosto 2013 http://www.voaportugues.com/content/angola-autoridades-suspendem-demolicoes-no-margoso/1729578.html, consultado a 20/9/2013

MORAIS, Rafael Marques de: Margoso: Urbanização para os Ricos, Despojo para os Pobres. Maka Angola, 17 Agosto 2013. in http://makaangola.org/2013/08/17/margoso-urbanizacao-para-os-ricos-despojo-para-os-pobres/, consultado a 20/9/2013

SÉRGIO, Paulo: Moradores do bairro Baixo Prenda sem destino à vista. O País, Edição 79, 14 Maio 2010; in http://issuu.com/o_pais/docs/o_pais_79_completo, consultado a 12/6/2013

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Área dos Lotes do Prenda será reurbanizada. ANGOP [Agência Angola Press], 5 Agosto 2008; in http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/especiais/reconstrucao-nacional/2008/7/32/Area-dos-Lotes-Prenda-sera-reurbanizada,6af4512b-2e86-4862-b72c-f9a36340c981.html, consultado a 12/6/2013

OUTRAS CARDOSO, Ricardo: Pela cidade que já o é: as (des)inscrições da África urbana no mundo. BUALA – cultura contemporânea africana , Cidade; 14 Setembro 2011; in http://www.buala.org/pt/cidade/pela-cidade-que-ja-o-e-as-desinscricoes-da-africa-urbana-no-mundo, consultado a 2/10/2012

COMARMOND, Cécile de: Luanda, virada para o futuro negligencia o seu passado. BUALA – cultura contemporânea africana, Cidade; 1 Outubro 2010; in http://www.buala.org/pt/cidade/luanda-virada-para-o-futuro-negligencia-o-seu-passado~, consultado a 4/10/2012

Development Workshop website; http://www.dw.angonet.org/

FATHY, Hassan: Arquitectura para os pobres: uma experiência no Egipto rural. Trad. de Joana Pedroso Correia. Lisboa: Argumentum, 2009;

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FRIEDMANN, John: Empowerment: uma política de desenvolvimento alternativo. Trad. Carlos Silva Pereira. Oeiras: Celta Editora, 1996 (1ª edição 1992); LOURO, Margarida; OLIVEIRA, Francisco (coord.): Casas para um planeta pequeno - projecto Angola Habitar XXI. Modelos Habitacionais em Territórios de Macro Povoamento Informal. Lisboa: Pandora, 2009; MINGAS, Ângela: Centro Histórico de Luanda. BUALA – cultura contemporânea africana, Cidade; 15 Junho 2011; in http://www.buala.org/pt/cidade/centro-historico-de-luanda, consultado a 4/10/2013

MOREIRA, Paulo (ed.): A Chicala não é um bairro pequeno. Porto: Edição do autor, 2012; RUDOFSKY, Bernard: Architecture without architects: a short introduction to non-pedigreed architecture. Albuquerque: University of New Mexico, 1995 (1ª edição 1964); SERAGELDIN, Ismaïl (ed.): The architecture of empowerment: people, shelter and livable cities. London: Academy Press, 1997; TÁVORA, Fernando: Da Organização do Espaço, FAUP, 2006 (1ª ed. 1962);

CONFERÊNCIAS E CONGRESSOS African dynamics in a multipolar World. 5th European Conference on African Studies. ISCTE-IUL, Lisboa. 2629 de Junho de 2013 (com comunicação própria, intitulada “Informality as an important feature of Luanda’s urban process. A closer look at Bairro Prenda”); Angola: Leituras de um país em mudança. Sociedade de Geografia de Lisboa, Comissão Africana. 25 e 26 de Outubro de 2012; Habitação, Cidade, Território e Desenvolvimento. 2º CIHEL (Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono), LNEC, Lisboa. 13-15 de Março de 2013.

LITERATURA LUANDINO VIEIRA, José: A Cidade e a Infância. Lisboa: Edições 70, 1997 (1ª edição: Lisboa, 1960); LUANDINO VIEIRA, José: Luuanda – estórias. Lisboa: Edições 70 (1ª edição: Luanda, 1963); LUANDINO VIEIRA, José: Nosso Musseque. Lisboa: Editorial Caminho, 2003; ONDJAKI, Os transparentes. Lisboa: Editorial Caminho, 2012;

PERIÓDICOS Angola pode liderar produção de petróleo em África em 2014, Fonte: Lusa, 12/7/2013; in http://www.angonoticias.com/Artigos/item/39155/angola-pode-liderar-producao-de-petroleo-em-africa-em-2014, consultado a 13/09/2013

CORDEIRO, Ana Dias: Angola é o país onde diferenças entre riqueza natural e bem-estar social são mais

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visíveis, Público, Secção Mundo, 11 Maio 2013; in http://www.publico.pt/mundo/noticia/angola-e-o-pais-onde-riqueza-natural-e-pobreza-social-estao-mais-distantes-1594089, consultado a 29/5/2013

SOARES, Marisa: Luanda volta a ser a cidade mais cara do mundo, Público, 23 Julho 2013; in http://www.publico.pt/economia/noticia/luanda-volta-a-ser-a-cidade-mais-cara-do-mundo-1601025, consultado a 24/7/2013

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CRÉDITOS DAS IMAGENS A generalidade das imagens foi editada digitalmente pela autora.

CIDADE: PLANIFICAÇÃO E ESPONTANEIDADE 1. Um “mapa” de cidade Autora, a partir de citações de (e em) AMARAL, Ilídio do: As Cidades: Símbolos da Associação de Política, Economia & Cultura; MUMFORD, Lewis: What is a city? 2. Crescimento da população mundial: urbana e rural. 1950-2030 UN Population Division, in http://www.un.org/esa/population/publications/WUP2005/2005wup.htm 3. Processo Urbano Autora, a partir de FERNÁNDEZ, Roberto: Modos de hacer ciudad: Proyecto y Plan. 4. Formal/ informal; Projecto/Plano Redesenho do quadro de Roberto Fernández in Modos de hacer ciudad: Proyecto y Plan., p. 114 5. Do Formal ao Informal | autora. 6. Construção e experiência da cidade | autora. 7. Cidade estática e cidade cinética | autora, a partir de MEHROTRA, Rahul: Negotiating the Static and Kinitec Cities - The emergent urbanism of Mumbai. 8. Squatter, informal e slum Autora, a partir das notas da apresentação do Prof. Wolfgang no âmbito do projecto Zanzibar: Beyond Tourism, Universidade de Estugarda, Abril 2012 9. Diferentes nomes para um fenómeno similar Autora, sobre www.vectortemplates.com/raster/maps-world-map-02.png 10. Sistema da ordem formal institucional no Norte e ideias de uma possível adaptação ao Sul Autora, a partir de JENKINS, Paul; ANDERSEN, Jørgen Eskemose: Developing Cities in between the Formal and Informal, pp. 3-4

LUANDA, ... 1. Localização: Angola e Luanda. Autora sobre www.vectortemplates.com/raster/maps-world-map-02.png http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/69/Angola_Map.jpg

2. Planta da Cidade de S. Paulo de Luanda em 1665. Por Johannes Vingboons, Arquivo Nacional, Holanda, in http://proxy.handle.net/10648/af87d0f4-d0b4102d-bcf8-003048976d84 , consultado a 25/09/2013

3. Planta setecentista das fortificações de Luanda. PAULINO, Francisco Faria (coord.): A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1994, p. 118 4. Planta da Cidade de Luanda em 1755. AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 6

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5. Telhados múltiplos. Sobrados da Baixa e o antigo porto, ao fundo Pepetela: Luandando, p. 42-43 6. Sobrado do séc. XVIII na rua direita do Bungo Por Alipio Brandão, in Pepetela: Luandando, p. 54 7. Perspectiva de Luanda em 1816 AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 24 8. Relações económicas económicas e de influência no “triângulo comercial do Atlântico” Autora, a partir de: Ilídio do Amaral: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), pp. 55, 51; Pepetela: Luandando, p. 65; sobre www.vectortemplates.com/raster/maps-world-map-02.png 9. Planta da Cidade de Luanda em 1862 Levantada por F. Dutra em 1861 e litografada em 1862, in AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig.7 10. Musseques e aglomerações de cubatas em meados do séc. XIX Autora, planta de 1862 sobre planta de 1964, in AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Figs. 7 (1862), 22 (área urbanizada) e 24 (base) 11. Habitação de musseque, Luanda, séc. XIX Colecção Bilhetes Postais de João Loureiro, in FERNANDES, José Manuel [et. al]: Angola no século XIX: cidades, território e arquitecturas, p. 86 12. Evolução da população de Luanda entre 1881 e 1898. Africanos e europeus; cidade e musseques Gráficos da autora, a partir de: AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, p. 59; Pepetela: Luandando, p. 80 13. Musseques e aglomerações de cubatas no final do 1º quartel do séc. XX Autora , planta de 1926 sobre planta de 1964, in AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Figs. 8 (1926), 22 (área urbanizada) e 24 (base); nomes e localizações in MARTINS, Isabel: Luanda: a cidade e a arquitectura, p. 233 14. Casa no musseque Por C. Ferreira, in Pepetela: Luandando, p. 79 15. Tipologias:1846/47 E 1847/48 Gráficos da autora, a partir de MARTINS, Isabel: Luanda: a cidade e a arquitectura, p . 243 16. Musseques na década de 1950 Autora, sobre planta de 1964, in AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Figs. 22 (área urbanizada) e 24 (base); musseques segundo Castro Lopo e Ramiro Ladeiro Monteiro in MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: A Família nos Musseques de Luanda, pp. 61-78, e Isabel Martins in MARTINS, Isabel: Luanda: a cidade e a arquitectura, p . 279 17. Musseques em 1964: dimensões populacionais comparadas Redesenho da autora, a partir de AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 12; área urbanizada assinalada na Fig. 22 da mesma obra 18. Casas e quintais de um musseque AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 64 19. Crescimento de alguns musseques entre 1964 e 1970 Gráfico da autora, a partir de AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana), Quadro X e XI; MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: A Família nos Musseques de Luanda

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20. Evolução da habitação tradicional angolana REDINHA, José: A habitação tradicional Angolana: aspectos da sua evolução, p. 49 21. Casa no musseque. Esquisso ALMEIDA SANTOS, José de: Para a contenção e a erradicação dos musseques de Angola, p. 63 22. Luanda e os musseques, crescimento em simultâneo. Síntese Autora. Base bibliográfica referida anteriormente. 23. Plano de urbanização de 1942, por Etienne de Gröer e David Moreira da Silva, região e cidade LÔBO, Margarida Souza: Planos de urbanização: a época de Duarte Pacheco, p. 78; CRUZ, Diogo: Memórias de um Mercado Tropical. O Mercado do Kinaxixe e Vasco Vieira da Costa. Vol. I, p. 56 24. Plano para a cidade satélite nº3, 1948 | CODA de Vasco Vieira da Costa COSTA, Vasco Vieira da: Luanda plano para a cidade satélite nº 3 25. Plano de urbanização de 1949, por João António Aguiar, Gabinete de Urbanização Colonial SILVEIRA: Luís: Ensaio de Iconografia das Cidades Portuguesas do Ultramar.(vol. 2), [Africa Ocidental e Africa Oriental], 2, 1956, In http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/EICPU/EICPU-2&p=89; sobreposição pela autora, fontes já referidas. 26. Crescimento populacional de Luanda entre 1810 e 1970 A partir dos censos dos referidos anos, dados em MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 58 27. Luanda na África Subsaariana Autora, sobre www.vectortemplates.com/raster/maps-world-map-02.png 28. Urbanização acelerada e tardia nas cidades a sul do Sahara MEDEIROS, Isabel M.: Tendências recentes da urbanização na África ao sul do Sahara: notas de Leitura. Finisterra, p. 193 29. Crescimento populacional de Luanda pós-independência [estimativas]. Autora, a partir de fontes várias. Colgaço (2004) in LUKOMBO, João Baptista: Crescimento da População em Angola: Um olhar sobre a situação e dinâmica populacional da cidade de Luanda; UN in http://esa.un.org/wpp/; Outros: AICEP portugal, Mário Adauta de Sousa, Boletim Demográfico INE, Lusomonitor.net, (2012) Instituto Nacional de Estatístiica, República de Angola (web), etc. [As fotografias do subcapítulo Luanda, cidade pós-colonial são de autoria própria, em Maio de 2013]

O BAIRRO PRENDA 1. Bairro prenda: limites | desenho da autora sobre imagem de satélite, 2013 Dados de IPGUL website. 2. Topografia | relevo e tipo de solo (fronteira aproximada), desenho da autora, esc. 1/5000 Curvas de nível: levantamento Aerofotogramétrico, esc. 1/1000, 1970, Instituto Nacional de Geodesia e Cartografia de Angola. Solos: JULANTE, Ana; QUIRIMBA, Weba: Impactos da variação climática sobre inundações e escoamento pluvial em Luanda. (Apresentação) Development Workshop, 24/7/2013 in http://www. slideshare.net/DevelopmentWorkshopAngola/ana-julante-e-weba-quirimba-impactos-da-variao-climtica-sobre-inundaes-e-escoamento-pluvial-em-luanda-19-julho-2013, consultado a 19/9/2013

3. A área do bairro prenda nas diferentes plantas e planos de urbanização | análise da autora

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Fontes dos originais anteriormente referidas. 4. Musseque prenda | fotografia antiga in http://www.panoramio.com/photo/60817333

5. Musseques de Luanda | fases de formação segundo Ramiro Ladeiro Monteiro MONTEIRO, Ramiro Ladeiro: A Família nos Musseques de Luanda, p. 65, sobre planta de 1964, in AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 24 6. Auto-construção dirigida: Hipóteses de localização | pormenores da planta de 1970, esc. 1/5000 Levantamento cartográfico de 1970. 7. Dados biográficos de Simões de Carvalho | autora 8. Simões de Carvalho, 2011 | fotografia PRADO, Roberto Goycoolea, MARTÍ, Paz Núñez (dir.): La modernidad ignorada, p. 229 9. O modulor http://blogs.unlp.edu.ar/matear/files/2013/05/modulor.jpg

10. Unidades de Habitação de BERLIM e BRIEY-EN-FÔRET BOESIGER, Willy: Le Corbusier: 1910-65. Barcelona : Gustavo Gili, 2001, pp. 153, 185 11. Plano director 1961-64 | Redesenho pela autora, esc. 1/70.000 Original in FONTE, Maria Manuela da: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 126 12. Plano da Baixa | Fotografias da maquete e localização das duas grandes praças Idem, p. 127 13. Maquete da Unidade de Vizinhança nº3 Idem, p. 128 14. Caracterização actual da área Autora, sobre imagem satélite, Google Earth, 2013 15. Unidades de vizinhança 1 e 3, localização | maquetes planificadas sobre Plano Director, esc. 1/35 000 Originais in FONTE, Maria Manuela da: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 128 16. Habitação: tipologias | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000 Original da maquete in Idem, p. 128 17. Bairro dos Pescadores da Ilha de Luanda | plano do Aldeamento 2 e quatro tipologias de habitação http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Barrio-de-los-pescadoresFernao-Simoes-de-Carvalho-y-Jose-Pinto-da

18. Equipamentos | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000 19. Sistema Viário | desenho próprio sobre planificação da maquete, esc. 1/5000 20. Plantas de implantação | re-desenho próprio a partir da montagem das plantas de implantação, esc. 1/2000 21. Plantas de implantação originais sobre desenho do autor, esc. 1/500 Originais in FONTE, Maria Manuela da: Urbanismo e Arquitectura em Angola, pp. 308-309 22. Tipologias dos blocos de habitação: projecto e construção | esc. 1/7000 Autora. 23. Fotografia do Bairro publicada em 1969 no Notícia, por José Manuel da Nóbrega http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Bloques-residenciales-de-PrecolFernao-

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O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

-Simoes-de-Carvalho-y-Jose-Pinto [as fotografias não marcadas do subcapítulo Arquitectura são de autoria própria, Maio 2013]

24. Tipo A: alçados, plantas e cortes transversais | análise e desenho da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500 Originais in FONTE, Maria Manuela da: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 308 25. Tipo B1: alçado, plantas e cortes transversais | análise da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500 Originais in http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Bloques-residenciales-de-PrecolFernao-Simoes-de-Carvalho-y-Jose-Pinto

26. Tipo D2: plantas, cortes transversais e alçado de topo | análise da autora sobre originais, esc. (aprox.) 1/500 Originais in FONTE, Maria Manuela da: Urbanismo e Arquitectura em Angola, p. 309 27. Lotes 12 e 13 | fotografia antiga http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Bloques-residenciales-de-PrecolFernao-Simoes-de-Carvalho-y-Jose-Pinto

28. Casa do Arq. Simões de Carvalho http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Casa-del-arquitecto-en-el-barrio-de-PrendaFernao-Simoes-de-Carvalho

29. Fotografia antiga, tirada entre os lotes 2 e 3 | Idem. 30. Casa de musseque com cobertura em telha. AMARAL, Ilídio do: Luanda (Estudo de Geografia Urbana, Fig. 77 31. O mesmo bairro, dois pontos de vista | fotografias dos anos 60 ou 70 http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Bloques-residenciales-de-PrecolFernao-Simoes-de-Carvalho-y-Jose-Pinto ; AMARAL, Ilídio do: Contribuição para o conhecimento do fenómeno de urbanização em Angola, 1978, Est. 11

32. Evolução do construído na área em foco | Plantas a preto-e-branco, desenho da autora sobre cartografia e imagens de satélite Levantamento Aerofotogramétrico, esc. 1/1000, 1970, Instituto Nacional de Geodesia e Cartografia de Angola; Levantamento cartográfico de 1989, cedido pela Faculdade de Arquitectura da UAN; Levantamento de 1989 em CAD, cedido pelo Arq. Paulo Moreira; imagem satélite, 2013 [Nos subcapítulos Habitação, Equipamentos e Espaço Público, a cartografia utilizada é a anteriormente referida; os desenhos são de autoria própria, tal como as fotografias, excepto:

P. 136 - Casa do arquitecto Simões de Carvalho, pouco depois da construção http://cargocollective.com/arquitecturamodernaluanda/filter/Obras/Casa-del-arquitecto-en-el-barrio-de-PrendaFernao-Simoes-de-Carvalho

P. 155 - Sede da IURD no Bairro Prenda http://www.panoramio.com/photo/86688322

P. 157 - Praça do Prenda, exterior e interior, Imagens do vídeo Praça do Prenda, in http://youtu.be/S7D9iQkyJrQ

193



ANEXOS Elementos gráficos base sobre a área do Prenda

Cartografia de 1970, esc. 1/3000 ........................................................................................ 196

Cartografia de 1989, esc. 1/3000........................................................................................... 198

Imagem de satélite, esc. 1/3000 ........................................................................................ 200

Between formal and informal: Bairro Prenda ...................................................... 202



1970

esc. 1/3000 Levantamento AerofotogramĂŠtrico, esc. 1/1000 (no original), Instituto Nacional de Geodesia e Cartografia de Angola.



esc. 1/3000

1989

Levantamento cartogrรกfico de 1989, cedido pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Agostinho Neto Levantamento de 1989 em CAD, cedido pelo Arq. Paulo Moreira



2013

esc. 1/3000 Imagem de satĂŠlite, Google Earth


202

O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

ARTIGO PUBLICADO EM URBANISTICATRE, JORNAL DE URBANISTICA ONLINE, 24 JULHO 2013

Between formal and informal: Bairro Prenda

BETWEEN FORMAL AND INFORMAL: BAIRRO PRENDA Joana Venâncio, Integrated Master Student, Faculty of Architecture of Oporto University

1.

[imagine icona] Apartment buildings and self-constructed houses in Bairro Prenda. © author, May 2013

Part of my master dissertation and based on the paper written for the 5th European Congress on African Studies, 26-29th June 2013, within the panel “Writing the world from another African metropolis: Luanda and the urban question”.

ABSTRACT Although when observing the city of Luanda one usually distinguishes its formal and urbanized areas from its musseques (informal settlements), it is necessary to see beyond this simplistic dichotomy in order to truly understand its urban process. Without any previous formal city plan, the capital of Angola has always been growing in a spontaneous way, mostly due to micro-scale social and economic dynamics. The attempts to “formalize” some areas usually resulted in social and economic segregation, as the poor people living near the centre are expropriated and pushed towards the periphery. The present text focuses on Bairro Prenda, particularly on the subject housing, as a closer approach to the city's urban process. From farmland to musseque, from musseque to modern new neighborhood and then to now: the houses, streets and infrastructures that survived forty years of war, a melting pot of formal and informal urban and architectural processes.

KEYWORDS Urban informality, Luanda, Prenda


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1.

203

Anexos

URBAN INFORMALITY

overcrowding of miserable population” (Amaral 1968, p. 67).1

The term informal as applied to urbanism has come

They were traditionally constructed with local materials like wood,

into vogue in the last decades to describe a phenomenon that

adobe and straw (capim). The courtyard was the most important

has been occurring worldwide. When the formal city does not

room/space of the dwelling, with high fences that allow privacy

have the capacity to absorb its new citizens, they find their own

for several activities.

informal ways to establish themselves, resulting in the spreading

Nowadays, however, the walls are usually built of

informal settlements. Their name varies from country to country,

cement blocks and have zinc or fiber cement roofings. The

so as do their characteristics.

population, too, changed considerably. It is estimated that the

In the English language, however, it is important to clarify that slum and informal are not the same, although they

majority of Luanda’s inhabitants, around 80%, now live in these informal areas.

sometimes coincide. In 2001 the Millennium Development Goals stated that the definition of slum was related to living conditions.

A CLOSER LOOK AT BAIRRO PRENDA

For its part, informal refers to what is not in accordance with certain requirements or rules. In the urban development field,

3.1.

these relate to three factors: land use, construction standards and infrastructure (Jenkins and Andersen, 2011, p. 2). Therefore, standards draw the line that divides the two realities. But who draws the standards? Much of the legislation of African countries remains from the colonial period.

It is not easy to define when the area of Prenda was first occupied. Probably it was a rural area in the 19th century. It is, however, certain that there was an arimo (farmland) belonging to a European named Prenda, around which the first nucleus of cubatas (musseque’s house units) formed.

The principles used to define planning legislation originated from the Northern societies and do not always take the environmental, cultural and sociological particularities into account. In addition, the UN try to define worldwide standards, but the results are not contextualized. The particularities shaping the so-called informal city are precisely the values ignored when defining the standards line.

Musseque Prenda

Luanda’s first urban plan (1942) planned a series of curvilinear streets for the area, which were never built, and in 1948 Prenda was referred as a musseque. The plan by the Colonial Urbanization Office (1949) reveals two groups of parallel streets, one of which was actually built and remains until present time. In 1964, the Musseque Prenda had an estimated

2.

LUANDA AND ITS MUSSEQUES In Luanda, this phenomenon of urban informality was

population of 13.000 inhabitants. In a comparative study of musseques2, Prenda was the most populous and the one with more non-African population (Amaral 1968, charts IX, X, fig.13).

given the name musseques, meaning “red sand” in kimbundo,

There was no official commercial establishment in the area,

referring to non-urbanized streets. They were born with the city,

though there were 99 informal (not legalized) establishments, 84

developing from downtown backyards, where slaves awaited

mixed trade shops, 3 bars, 12 groceries.3 (Idem, p.119)

shipping, to nuclei of huts of the African population and then to dense peri-urban settlements.

2.2.

Although they were traditionally inhabited by Africans, in the

20th

century the increasingly European population also

started to establish itself there. This fact distinguishes Luanda

Neighborhood Unit no.1

In 1961, Simões de Carvalho and his multidisciplinary team of the Municipal Urbanization Office were put in charge of

from other African capital cities, inasmuch as segregation was not clearly racial, but mostly economic and social. Also, the distinction between urbanized city and musseques has never been clear. They characterize themselves by their “absence of urban organization, precariousness,

1 Author’s

translation: “ausência de organização urbanística, a precariedade e a insalubridade do povoamento, o amontoamento das populações miseráveis”

2 Which included Coreia do Norte, Samba Pequena, Prenda, Catambor, Bananeira, Sambizanga, Mota and Lixeira 3 Author’s

translation. Comércio misto, botequins, quitandas.


204

O Bairro Prenda em Luanda: entre o formal e o informal

Joana Venâncio

Between formal and informal: Bairro Prenda

Joana Venâncio, FAUP

2.3.

the new Master Plan of Luanda. Within the logic of linear city, he

Informality takes over and continues the formal project

divides the total urban area into Neighborhood Units, combining dwelling, working and leisure, allowing the city to grow naturally

Owing to the beginning of the Civil War, the

albeit in a controlled manner. Each Unit should have its own

construction of the neighborhood was never completed. The area

facilities within a walkable distance. The 7Vs hierarchy of Le

of the musseque continued to grow and penetrated the open

Corbusier is applied to the city’s road system.

spaces of the formal plan, in the same way as in the unfinished

Although the Master Plan was never approved or finished, the ideas behind it were applied through Partial Plans

buildings. Concerning housing, most of the detached houses or

for Neighborhood Units as is the case of Prenda, Neighborhood

townhouses are well preserved and seem to maintain the

Unit no. 1.

integrity of the original project. Perceptible modifications lie in the The Unit consisted of a combination of four different

search for safety, with bars in the windows and higher walls and

typologies of housing, depending on the economic capacity.

fences. In addition, the open space of the courtyard was once

There were detached houses for the richer, townhouses (casas

important for the extended family to gather during the day, as the

em banda) for the less rich, apartment buildings for the middle

scale of the house allows many family relatives to find a

class and “houses with a courtyard” for the indigenous, which

temporary home there.

were to be self-constructed. The idea was to promote

About the apartment buildings, one must distinguish

miscegenation, with the proposal for it to be inhabited by 2/3 of

between fully constructed and unfinished buildings, which

indigenous and 1/3 Europeans. This was not allowed, but they

remained as skeletons of concrete slabs, columns and stairs.

still succeeded in allotting the opposite proportion.

The former exhibit different states of conservation. All over the

The location of the buildings is in accordance with the

façade, one can see many satellite dishes, as well as air-

Charter of Athens. The commercial street crosses and organizes

conditioning equipments and closed balconies, which disrupt the

the whole unit: along this street were the highest buildings and

projected effect of natural ventilation. There is wiring coming out

on both ends sequences of lower buildings. A cinema, a church,

of windows, connecting to generators next to the buildings, or to

a shopping gallery, schools and a health care center were

houses in the vicinity. In the need of space, the pilotis of the

projected in association with this street, but they were never built.

ground floors have been occupied, mostly by commercial

Simões de Carvalho was also awarded to design the apartment buildings, making the project somehow a detail of the plan. Different typologies were combined in each building, from T1 to T4. Most of them were semi-duplexes4, accessible by an “interior street”, which allowed the air to circulate through the apartment. They were designed with modernist concepts and elements adapted to the tropical climate. The façade design protects the interior from sun exposure with protruded stories and screens (grelhagens). The pilotis in the ground floor also allowed air to circulate and created shaded public space. Twenty of the twenty-eight projected buildings were fully constructed and three were not concluded.

premises. Whereas the T1 typology does not suit the common large Angolan family needs, the semi-duplex T4, by contrast, offers adequate and proportionate accommodation – and is located near the center, nowadays a most unusual housing offer in Luanda. As to the unfinished apartment buildings, newcomers progressively occupied them. In the 90’s, only the lower floors were occupied but now almost all of the building look inhabited. A great variety of materials and openings make up the design of the façade, since walls, windows and all other elements were built in by every single resident. Many wires and pipes connect with the electricity source or with the ground. Even though the unfinished buildings represented an opportunity to obtain a dwelling in a time of need, at present they do not offer desirable living conditions, considering they lack all infrastructures and are unsafe for young children, for instance.

4 Also

called triplex. They take advantage of a difference of height between floors in opposite façades.

3|

p a g e


205

Anexos

FAUP 2012/13

Between formal and informal: Bairro Prenda

Joana Venâncio, FAUP

The self-constructed houses form a heterogeneous

Luanda is becoming more and more a city of

urban tissue, with a great variety of materials, population and

segregation, between gated communities for those who want to

house qualities. The courtyard lost its significance owing to the

find safety and poor resettlement neighborhoods for those

need for housing and densification took place. Side by side, one

without a choice. Should we not learn a lesson from the

can find a two-storey house with permanent materials and a

Neighborhood Units? Although the project for Prenda never

precarious construction with walls of zinc and almost no

reached completion, the result today is an almost self-sufficient

divisions. The first one invested in infrastructures, like water

bairro, where different housing typologies coexist and there is a

tanks, generators and pit latrines, the same way dwellers of

sense of neighborliness. Should a city not provide for the

detached houses or apartment buildings had to do on account of

miscegenation of cultures and religions, social and economic

the lack of quality of public supply.

strata, who all have the same right to public spaces and to share

In the second case, people strive to live without any infrastructures, except for “stolen” water and electricity. Although the temporality of the construction is similar to that of the old musseque, living conditions cannot be compared, given, for instance, there is no courtyard to assure privacy in open space and so fulfill family needs. 3.4 Doubts for the future The future of the neighborhood remains uncertain, as the press reports referring it are not clear. If in 2008 the apartment buildings were to be demolished and the area reurbanized, in 2009 the buildings were then to be rehabilitated – and gentrification would occur. The project stopped, however, because of problems with the relocations. In 2011 and 2012, the streets that provide access to the formal buildings were paved.

4.

CONCLUSIONS The case of Prenda allows us to see that informal

processes have been shaping not only self-constructed areas, but also the so-called formal areas. Over time, the distinction between formal and informal has become ever less clear. The distinction that can be done is between acceptable and insecure living conditions, and both can happen in all typologies. Informality is often associated with poverty and for that matter being fought. Isn’t it more of a response to poverty and the result of a big effort by Luanda’s inhabitants? The destruction of informal settlements can mean a step back rather than forward. Instead of classifying them as informal, which often leads to their demolition, a more sensitive analysis should be made. When intervening in the city, this informality should be considered as the context and guiding principle.

4|

p a g e

the same facilities?


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