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Índice
Índice de Imagens .............................................................................................. 4 Introdução .......................................................................................................... 6 01.Contextualização em Portugal ....................................................................... 8 01.1.Histórica e Política ................................................................................... 8 01.2.Habitação Social ................................................................................... 11 01.3.Programas Habitacionais ...................................................................... 13 01.3.1.Programa das Casas Económicas .................................................. 13 01.3.2.Programa das Casas Desmontáveis ............................................... 15 01.3.3.Programa das Casas de Renda Económica .................................... 15 02. Contextualização na cidade do Porto.......................................................... 17 02.1. O desenvolvimento da cidade .............................................................. 17 02.2. Estrutura urbana e localização das Ilhas ............................................... 20 03. A habitação da classe trabalhadora no Porto do séc.XIX ............................ 22 03.1. As características da procura ............................................................... 22 03.2. As condições de oferta ......................................................................... 24 03.3. As determinantes espaciais .................................................................. 27 04. As características das Ilhas do Porto .......................................................... 30 04.1. A especificidade das Ilhas do Porto ...................................................... 30 04.2. As características morfológicas das ilhas ............................................. 36 04.3. Localização das Ilhas ........................................................................... 40
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05. O desenvolvimento das Ilhas do Porto ........................................................ 44 05.1. O desenvolvimento de ilhas de pequena dimensão (estudo de caso) .. 45 05.2. O desenvolvimento de ilhas de grande dimensão (estudo de caso) ..... 53 Considerações Finais ....................................................................................... 62 Bibliografia........................................................................................................ 63
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Índice de Imagens Fig. 1 Cidade Alemã destruída pela Segunda Guerra Mundial……..8 Fig. 2 Cartaz do Estado Novo………9 Fig. 3 Capa do Guia oficial da Exposição……….9 Fig. 4 As migrações internas em Portugal……….10 Fig. 5 Morfologia Básica das ilhas……….11 Fig. 6 Bairro do Ramalde, Porto……….16 Fig. 7 Ilha próxima da Rua da Constituição……….20 Fig. 8 Ilha no Bairro de Herculano – Porto……….21 Fig. 9 Rua Alexandre Herculano. Prédios burgueses ocupados pelas classes médias baixas e por pequenos estabelecimentos comerciais……….22 Fig. 10 Ambiente industrial do Porto……….23 Fig. 11 Na segunda metade do século as ilhas foram construídas nas traseiras destas antigas habitações das classes médias………24 Fig. 12 O antigo e sobreocupado centro histórico da cidade……….26 Fig. 13 Plano de urbanização da Quinta do Cirne. Loteamento do solo em lotes regulares de 25 palmos (5,5 metros) de largura. Plano não datado, princípio do século XIX……….27 Fig. 14 Muralhas da cidade do Porto – traçado do Dr. Carlos de Passos – 1839……….28 Fig. 15 Mapa de Localização das Ilhas da cidade do Porto……….45 Fig. 16 Área da Rua das Antas em 1892……….47 Fig.17 Inquérito 1914, nº 106 da Rua das Antas……….49 Fig. 18 Inquérito 1939, nº 106 da Rua das Antas……….50
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Fig.19
Desenvolvimento dos terrenos para construção do Monte das
Antas……….51 Fig. 20 Ilha nº 106 da Rua das Antas, 1892……….51 Fig.21 – Rua das Antas……….51 Fig.22 Entrada Ilha nº1……….51 Fig.23 Interior Ilha nº106……….51 Fig. 24
Projecto de extensão da Rua Duqueza de Bragança, 1843.
Pormenor……….53 Fig. 25 Projecto para a construção de 4 casas de dois pisos na Rua da Duqueza de Bragança……….55 Fig. 26 Projecto para a construção de 5 casas de dois pisos na Rua Duqueza de Bragança……….56 Fig.27 Ilha nº 874 da Rua Duqueza de Bragança, 1892……….56 Fig.28 Ilha da Bela Vista……….57 Fig.29 Acesso Ilha Bela Vista……….57 Fig.30 Ilha Bela Vista……….57 Fig.31 Ilha nº 775 da Rua da Duqueza de Bragança, 1892……….57 Fig.32 Entrada Ilha nº 874
……….58
Fig.33 Ilha nº852 da Rua Duqueza de Bragança……….58 Fig.34 Entrada Ilha 852……….58 Fig. 35 Interior Ilha 852……….58 Fig.36 Ilha nº 631 da Rua Duqueza de Bragança………59
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Introdução No âmbito da disciplina de Recuperação do Património e Requalificação Urbana foi-nos proposta a realização de um trabalho teórico, pelo que após uma pesquisa e análise dos diversos temas, preferimos abordar o tema das ilhas do Porto, a sua morfologia e desenvolvimento e funcionamento. Desta forma, optámos, numa fase posterior, por realizar um estudo de caso, relativamente a uma ilha de pequena dimensão e uma de grande dimensão, ambas situadas em zonas diferentes da cidade do Porto. Pudemos, assim, apreender e compreender um pouco melhor a história e o funcionamento de toda esta área de estudo, desenvolvendo, de uma forma compreensível os conceitos básicos da habitação social, e associá-los a um contexto histórico, político e económico. Assim, foi necessário realizar uma pesquisa mais aprofundada, primeiramente a um nível geral, relativamente ao enquadramento histórico e político explicitando alguns factos históricos, de modo a contextualizar a origem dos bairros sociais a nível histórico, económico e sociológico em Portugal, bem como a fornecer uma melhor percepção e compreensão do funcionamento das habitações sociais, passando posteriormente a uma análise mais pormenorizada acerca da cidade do Porto, ao nível do seu desenvolvimento e estrutura urbana, bem como a caracterização das classes sociais que da cidade faziam parte. Para além disso, foram estudadas as características das ilhas, ao nível da sua morfologia e funcionamento e condições/qualidade propensas a este tipo de construção. Como base fundamentada do trabalho tivemos alguns livros e textos, apoiandonos também em documentários e entrevistas. Desta forma foi-nos possível aprender um pouco mais acerca da história, origens e vivências na cidade do Porto, o modo como a população pertencente
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às classes operárias e trabalhadoras viveram e ainda vivem, esclarecendo algumas questões relacionadas com o tema.
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01.Contextualização em Portugal 01.1.Histórica e Política Uma
vez
iniciada
a
Segunda Guerra Mundial, em 1939, com a invasão do exército
alemão
ao
território da Polónia, vindo a terminar apenas em 1945 com
a
Alemanha,
rendição
da
Itália,
e,
Fig. 1 Cidade Alemã destruída pela Segunda Guerra Mundial
posteriormente, do Japão, na Europa surgiu uma necessidade extrema de reabitar as cidades que haviam sido destruídas. A origem desta guerra esteve numa crise atravessada pela Europa nos anos 30, que acabou por retirar emprego grande parte da população.
Desta
forma,
a
solução
apresentada,
pelos
governos,
principalmente, italiano de Mussolini e alemão de Hitler, com o fim de combater essa grande taxa de desemprego, seria a industrialização. Mas, como estes governos europeus, tanto o italiano como o alemão, tinham o objectivo de expandir os territórios, as indústrias produziram fundamentalmente armamento militar de modo a facilitar essas conquistas. Assim, Portugal atravessava uma grave crise económica que punha em causa o governo monárquico. Para além disso, havia uma agravante que passava pela capacidade da monarquia governar o país, seguindo-se então, o ultimato inglês a Portugal. A queda da monarquia ocorreu a 5 de Outubro de 1910, dando lugar à Primeira República Portuguesa. As maiores dificuldades com que a esta Primeira República se deparou, relativamente a questões de acção governativa, 8
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foram essencialmente, a participação na Primeira Guerra Mundial, o descontentamento por parte dos católicos (que estão contra a laicização do Estado) e por parte dos operários que não detêm benefícios. Paralelamente a estas dificuldades de
governo,
permanecia
ainda
a
crise
económica que já vinha desde o governo monárquico. A revolta de 28 de Maio de 1926 põe fim à Primeira República, fundando o regime denominado de Ditadura Militar. Assim, o país deparava-se com uma Segunda República, dividida em duas partes, a primeira, como foi mencionado anteriormente, a Ditadura Militar,
Fig. 2 Cartaz do Estado Novo
que se inicia em 1926. No entanto, já em 1928, este novo regime não conseguira deter a crise económica em relação à Europa, e por isso, o Professor Oliveira Salazar é eleito para o posto de Ministro das Finanças pelos militares, como resposta à dificuldade financeira do país. A segunda parte desta Segunda República começa em 1932, com um novo regime político, denominado de Estado Novo, com Óscar Carmona na presidência da República e Salazar na presidência do Concelho de Ministros. O conceito de família, de trabalho, de religião, Fig. 3 Capa do Guia oficial da Exposição
autoridade e culto do nacionalismo funcionavam como a base deste novo governo.
Em 1939, como foi acima referido, inicia-se a Segunda Guerra Mundial, mas Portugal manteve-se neutro em relação à guerra. 9
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A seguir à Segunda Guerra, a década de 40 é marcada pela Exposição do Mundo Português, inaugurada a 23 de Julho de 1940, importante para o país a nível da arquitectura, mostrando aquilo que de melhor se fazia em Portugal, abordando temas como a História, a Etnografia e o Mundo Colonial, encerrando a 2 de Dezembro do mesmo ano. Portugal, ainda no final da guerra, continuava a ser um país pouco desenvolvido, tendo como principal actividade a agricultura. A indústria não tinha ainda grande produtividade. A economia do país começou a melhorar com a exportação de matérias-primas e produtos industriais durante a guerra, mas como o governo não fazia grandes investimentos, a economia mantinha-se paralisada. Por volta da década de 60, assiste-se a uma migração das populações rurais para os grandes centros das cidades. Grande parte da população saiu do meio rural para o meio urbano, à procura de melhores condições de vida. A este movimento populacional dá-se o nome de “êxodo rural”. Na década de 70, a 25 de Abril de 1974, devido à crise económica que se fazia sentir a nível mundial e à insatisfação da população, os militares, acabaram com o governo de Salazar,
marcando assim
queda do Estado Novo.
a Fig. 4 As migrações internas em Portugal
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01.2.Habitação Social Como foi acima referido, no final do século XIX, a industrialização surgiu em Portugal, em parte devido às exportações feitas durante a guerra. O aumento desta actividade trouxe consequências a nível da população, como a fuga de famílias inteiras para os novos centros industriais, em busca de melhores empregos e condições de vida. Um facto relevante é que entre 1864 e 1900 a população de Portugal aumentou 29%, sendo que a sua população urbana aumentou 75%. Devido a este crescimento, a classe operária necessitava de soluções em relação à habitação, uma vez que as cidades não estavam preparadas para este crescimento urbano em tão pouco tempo. Desta forma, muitas das famílias operárias eram alojadas em pequenos lugares por vezes com condições precárias, sem abastecimento de água. Duas soluções de construção que surgiram nas cidades do Porto e Lisboa, destinadas à classe operária,
as
“ilhas”
e
os
pátios,
respectivamente. Assim, “As “ilhas” na cidade do Porto, consistiam em filas de pequenas casas de um único piso, geralmente com áreas que não ultrapassavam os 16m², construídas Fig. 5 Morfologia Básica das ilhas
nos quintais de antigas habitações burguesas. Nestas casas pequenas e sem condições
viviam famílias inteiras. Os pátios, em Lisboa, formavam-se num espaço geralmente regular, disposto no interior de um quarteirão, com pequenas casas edificadas em torno de um espaço livre comum. Eram, portanto, espaços extremamente pequenos, insalubres e chegavam a alojar famílias inteiras de operários. 11
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Posteriormente surgiram as “vilas”, constituídas por “grupos pequenos de edifícios construídos em volta de um espaço comum, geralmente uma rua privada e progressivamente menos segregadas e melhor integradas na estrutura urbana”, TEIXEIRA, Manuel (1992). No entanto, estas vilas apresentavam uma renda mais elevada, pelo facto de possuírem uma área superior e melhores condições.
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01.3.Programas Habitacionais No final do século XIX, as Câmaras Municipais e o Governo ignoravam qualquer responsabilidade em relação à construção de habitação social. Apenas incentivavam os construtores privados a construírem habitação de baixo custo, controlando sempre essa actividade. Mas, mesmo com esses incentivos dados aos construtores privados para a edificação de habitações com o mínimo de condições, a situação permaneceu igual, já que havia falta de terrenos urbanizados relativamente baratos para a construção de baixo custo, obtendo sempre maiores lucros na construção de habitação para o mercado livre. Com o início do século XX, o Governo torna-se o principal responsável pela construção deste tipo de habitações, alterando a situação vivida anteriormente. Surgiram entidades como a Caixa de Providência e os denominados programas habitacionais, nomeadamente, o Programa das Casas Económicas, o Programa das Casas Desmontáveis e, posteriormente, o Programa das Casas de Renda Económica.
01.3.1.Programa das Casas Económicas Este foi o primeiro dos três programas a ser criado pelo governo de Salazar, pretendendo dar solução à falta de habitação das famílias com rendimentos económicos mais baixos. Uma das soluções encontrada pelo governo para a construção das Casas Económicas, passou pela movimentação das classes operárias do centro para as periferias das cidades, colocando-os em terrenos expropriados de baixo 13
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custo. Ainda assim, houve a preocupação de servir a população com uma boa rede de transportes. Este esquema permitia ao governo a criação de habitações a baixo custo. Em vários pontos do país foram criadas habitações para as famílias mais carenciadas, segundo este programa das casas económicas, aplicando-as em aglomerados urbanos em crescimento, tal como os que se seguem abaixo.
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01.3.2.Programa das Casas Desmontáveis Mesmo com as novas políticas de habitação e a criação do primeiro programa das casas económicas, a existência de um elevado número de famílias com poucos recursos permanecia, sendo estes incapazes de obter uma habitação. Por vezes o número de habitações construídas não era suficiente para o grande número da procura. Desta forma, o governo viu-se forçado a criar um novo programa de modo a solucionar esta situação. Assim, em 1938, é criado o Programa das Casas Desmontáveis, caracterizado pelo alojamento provisório de famílias, ou seja, as famílias moravam em casas desmontáveis enquanto não obtinham uma habitação ao abrigo do programa das casas económicas. Torna-se ainda necessário reforçar que com o final da Segunda Guerra Mundial, a política habitacional sofreu uma reformulação, devido às consequências económicas e sociais motivadas pela guerra. No entanto, estas habitações desmontáveis passaram de um carácter provisório a definitivo, pelo facto de que este modelo de habitação permitia alojar economicamente um maior número de pessoas. 01.3.3.Programa das Casas de Renda Económica Tal como foi referido em cima, o final da guerra e a crise que esta acarretou veio influenciar o programa das casas económicas. Tanto os terrenos deliberados para expropriação, como o processo de construção das habitações e os materiais de construção, tornaram-se mais caros, devido à crise económica que se fez sentir então.
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Desta forma, o governo cria um novo programa, o Programa das Casas de Renda Económica que, juntamente com o Programa das Casas Desmontáveis visava (contrariamente ao Programa das Casas Económicas) a obtenção de uma habitação segundo o pagamento de uma renda. No entanto, o morador não obtinha título de proprietário como acontecia no programa anterior. Outra diferença, em relação ao Programa das Casas Económicas, foi o abandono do módulo unifamiliar com o terreno destinado à horta, passando para o módulo plurifamiliar (com o máximo até três pisos).
Fig. 6 Bairro do Ramalde, Porto
Por exemplo, na cidade do Porto salientar-se o Bairro de Ramalde da autoria de Fernando Távora. Citando António Baptista Coelho, “Em Ramalde valorizaramse excelentes blocos multifamiliares, que foram objecto de um projecto extremamente bem pormenorizado, num amplo jardim urbano pouco formal; e revelou-se, entre nós, uma nova forma de fazer cidade em íntima relação com o verde urbano, bem dentro da ligação com a doutrina modernista, mas atenção, com uma escala humana fortíssima”. Este programa de renda económica prolonga-se até aos anos 60.
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02. Contextualização na cidade do Porto 02.1. O desenvolvimento da cidade Até meados do séc. XVIII, a cidade do Porto encontrava-se restrita por muralhas, sendo uma pequena cidade de comércio, principalmente de vinho do Porto. A partir de 1718, o desenvolvimento fora das muralhas foi iniciado pela Diocese, detentora dos terrenos do Campo das Hortas. Em 1755, o terramoto de Lisboa e o desenvolvimento do comércio do vinho do Porto levou a um aumento da população de 30.024 para 61.462. Com este aumento e movidos pela crença de um maior desenvolvimento do comércio do vinho, João de Almada, governador da cidade, e mais tarde o seu filho, Francisco de Almada e Mendonça, planearam a expansão da cidade do Porto para fora das muralhas. Foram construídas quatro ruas que irradiavam do velho centro e as transversais que as ligavam. No início do séc. XIX, as invasões francesas e a guerra civil tiveram um grande impacto na estagnação do desenvolvimento desta cidade. Na segunda metade deste século verificou-se um rápido crescimento e desenvolvimento do país, graças à construção de novas estradas e caminhosde-ferro, reformas legais e educacionais. A população aumentou cerca de 46%. A migração rural de habitantes para a cidade, tendo como base o desenvolvimento industrial, contribuiu para a sobrepopulação dos bairros antigos da cidade e dos bairros periféricos em Bonfim e Campanhã. A partir de 1864 existiu uma alteração da estrutura urbana do Porto visivelmente mais drástica com um acréscimo de 81.000 habitantes em 36 anos. A burguesia começava a abandonar as áreas mais antigas do Porto e a instalar-se na 17
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periferia nos novos bairros nas freguesias de Sto. Ildefonso, Massarelos e Cedofeita. Nesta década, os velhos bairros do centro da cidade estavam superlotados. Começaram a aparecer as primeiras ilhas, novas habitações de baixo custo, devido à saturação das zonas habitacionais mais pobres e degradadas. Este aumento da procura de habitação de baixo custo e a construção de novas formas de habitação operária tiveram implicações na expansão urbana e na estrutura do Porto. Com o decorrer do tempo, a periferia da cidade ia recebendo cada vez mais construção e habitantes, formando anéis de expansão. As zonas mais antigas eram desocupadas pela burguesia, que se mudava para as áreas mais periféricas, e passavam a ser ocupadas pela população mais pobre. Nas freguesias de Bonfim, Campanhã e Paranhos foram construídas muitas habitações para a classe trabalhadora que evidenciaram ainda mais o aspecto industrial dos bairros orientais. Assim, foi-se formando um novo centro em torno da Praça Nova. Aqui e nas ruas circundantes encontravam-se as sedes de bancos e empresas, os jornais, grandes edifícios de escritório, hotéis, restaurantes e a zona mais importante do Porto. O desenvolvimento dos transportes e principalmente a construção de pontes sobre o rio Douro tiveram também consequências directas na estrutura urbana da cidade. Em 1886, a construção da Ponte D. Luís com dois níveis, para veículos e pedestres, permitiu, com o seu nível superior, a ligação directa entre as zonas altas de Vila Nova de Gaia e do Porto, contribuindo assim também para a expansão para a zona norte da cidade.
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A expansão da cidade do Porto para o exterior e a sucessão de usos de solo diferentes nas áreas mais antigas foram responsáveis pelo desenvolvimento da cidade nos finais do séc. XVIII e durante o séc. XIX. O crescimento urbano para além das muralhas, a construção de novos bairros para a burguesia, o aumento da densidade populacional de estratos sociais mais pobres no centro histórico da cidade e a deslocação do centro da cidade da zona ribeirinha para a parte alta constituíram os principais fenómenos do crescimento urbano do Porto. Várias são as formulações teóricas que tentam explicar este fenómeno e as transformações sofridas pela estrutura da cidade durante esta época, nomeadamente, a teoria criada por Burgess, em 1925, também conhecida pela teoria das zonas concêntricas explica o desenvolvimento da cidade como um fenómeno de expansão em círculos concêntrico que representam as sucessivas fases, zonas de crescimento urbano e as áreas diferenciadas por este processo. O suporte deste fenómeno é o chamado processo de filtragem, segundo o qual, à medida que a cidade cresce, os ricos deslocam-se para a periferia e a classe mais pobre ocupa as habitações abandonadas. Niethammer e Bruggemeir, referindo-se ao desenvolvimento das cidades alemãs no séc. XIX: “a parte antiga das cidades perdeu gradualmente a sua função residencial para a burguesia, que se mudou para as avenidas e para as zonas elegantes. (…) Este processo de transferência conduziu a uma redefinição da função da cidade antiga (….) Grandes residências foram divididas em várias habitações mais pequenas e alugadas àquele sector da população que precisava de viver no centro, devido à instabilidade das suas condições de trabalho.” Explicando desta forma a estrutura e crescimentos de muitas cidades europeias, esta teoria embarca também o desenvolvimento do Porto.
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Uma outra teoria foi a de Muth, uma teoria alternativa, explica que a causa fundamental dos bairros pobres a pobreza dos habitantes e não o contrário. Assim, “a localização das famílias de baixos rendimentos é determinada, essencialmente, por outras forças, e que a qualidade da habitação nos bairros que as famílias de baixos rendimentos escolhem habitar é adaptada às suas circunstâncias”. Esta teoria aborda o problema da localização por uma perspectiva económica.
02.2. Estrutura urbana e localização das Ilhas As ilhas foram o tipo de alojamento operário construído nas antigas áreas residenciais da classe média, envelhecidas. Os lotes urbanos do séc. XIX eram bastante longos e estreitos. As casas dos burgueses ocupavam a zona fronteiriça destes lotes e deixavam de vago nas suas traseiras 60 a 70 metros de terreno. Aqui, seriam construídas as ilhas, longas filas de casas estreitas de um só Fig. 7 Ilha próxima da Rua da Constituição
andar cujas portas abriam para corredores laterais
de acesso construídos ao longo desses quintais. Surgiram como uma resposta ao aumento da procura de habitação de baixo custo. As zonas de expansão da cidade nos meados do séc. XIX acolheram a construção das ilhas. Foram edificadas quer no interior dos antigos quarteirões da burguesia, quer nos terrenos vagos situados entre a rede viária principal. As ilhas constituíam uma nova forma de habitação, construída especificamente para a classe trabalhadora. Contudo, as áreas residenciais de finais do séc. 20
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XVIII não foram utilizadas para a construção de ilhas, não sendo ocupadas pela classe trabalhadora. A localização das ilhas nas áreas centrais do Porto pode ser explicada como resultado de uma procura específica de habitação de baixo custo que precisava de se encontrar nestas zonas centrais. Uma outra explicação será de que a localização das ilhas deve ser vista como consequência das decisões das classes médias, que optaram por viver Fig. 8 Ilha no Herculano – Porto
Bairro
de
em determinadas áreas e abandonar outras. Tendo em conta as teorias para a explicação da
localização anteriormente descritas, a localização das ilhas no Porto seria determinada pela procura de habitação em locais centrais por famílias de baixos recursos, ou
então pela consequência da existência da áreas residenciais
degradadas da classe média, onde os especuladores imobiliários viram condições adequadas à sua construção. Na cidade do Porto, a localização das ilhas em antigos bairros da burguesia, cinquenta ou sessenta anos depois destas áreas terem sido abandonadas, só podem ser entendidas pela explicação dada pela segunda teoria. Deve-se fazer uma distinção entre as ilhas construídas no centro da cidade nas traseiras das habitações da burguesia, que foi fruto de um declínio na procura deste tipo de habitação e da degradação física e social destes bairros, e aquelas que foram construídas em terrenos vagos, produto da inexequibilidade desses locais para a construção de habitação para a classe média.
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03. A habitação da classe trabalhadora no Porto do séc.XIX 03.1. As características da procura O desenvolvimento industrial no Porto caracterizava-se pela sua debilidade no sector produtivo e pelo seu arranque tardio, por volta início do século XIX, mas apenas se fez notar após a segunda metade desse mesmo século. E, ao contrário do que se via nas outras cidades mais industrializadas,
não
surgiu
nenhuma classe industrial mais
Fig. 9 Rua Alexandre Herculano. Prédios burgueses ocupados pelas classes médias baixas e por pequenos estabelecimentos comerciais
forte na cidade do Porto. A classe de industriais burgueses e pequenos fabricantes nunca foi capaz de substituir a grande classe de comerciantes que dominava toda a estrutura social da cidade do Porto. Aliás, as actividades mercantis sempre estiveram na base do poder económico da cidade ao longo do século XIX. Todas as classes trabalhadoras tinham em comum os salários muito baixos que não lhes permitiam as devidas condições de vida. Uma das situações onde se verificava esta situação era na procura de habitação, pois os trabalhadores apenas conseguiam pagar os tipos de habitação mais modestos e baratos disponíveis. Assim, as ilhas surgiam como uma resposta mais adequada à procura de habitações de baixo custo. 22
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Por volta de 1914, as ilhas do Porto eram habitadas por trabalhadores industriais – artífices, operários fabris, assalariados ao domicílio, que representavam 68 por cento da população trabalhadora e, os restantes 32 por cento eram habitados por polícias, soldados, bombeiros, empregados no comércio, empregados de escritórios, lavadeiras, vendedores ambulantes e carregadores. Assim se percebia que além dos trabalhadores industriais, que apesar de representavam uma maioria da população das ilhas não eram os únicos mal remunerados, também operários fabris (que representavam apenas cerca de 6,5 por cento das população das ilhas), trabalhadores do comércio e dos serviços. Ao contrário daquilo que se via noutras cidades mais industrializadas, o facto da localização das ilhas estar em não constituiu um facto de maior importância na procura pelas habitações de baixo custo, mas sim pelo declínio da procura de habitações por parte da classe média em áreas envelhecidas da cidade. Fig. 10 Ambiente industrial do Porto
Fazendo uma rápida comparação com a cidade de Lisboa, esta era industrialmente mais desenvolvida, tinha níveis salariais mais elevados e a procura da habitação por parte da classe trabalhadora era mais sofisticada, isto é, os modelos para a construção de habitações de baixo custo, os chamados “pátios”, foram substituídos por formas de habitação mais elaboradas, denominadas de “vilas”, com maior qualidade. Como se viu no Porto, também em Lisboa, nem só o operário industrial aderiu a este tipo de habitação, mas também outros estratos da população. Assim, as vilas, abrigavam não só 23
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trabalhadores industriais como outros grupos da população que pertenciam às classes laboriosas, tais como pequenos comerciantes, polícias, militares de baixa patente e funcionários subalternos. Tal como acontecia na cidade do Porto.
03.2. As condições de oferta As ilhas surgiram na cidade do Porto como resultado de um investimento de capitais por parte de pequenos comerciantes, retalhistas, artífices e pequenos industriais. O desenvolvimento destas habitações para a classe trabalhadora caracterizava-se por necessitar apenas de um investimento inicial de baixo nível, a obtenção de rendimentos a curto prazo do capital investido e quase não existiam quaisquer custos de manutenção. Assim, a construção destas ilhas podia ser exequível apenas com um capital reduzido. No que toca ao investimento de construção eram mantidos a um nível muito
baixo
devido
às
pequenas
dimensões das casas, os baixos níveis de qualidade da construção e até mesmo às próprias formas das ilhas. Além disso, a construção das ilhas era feita gradualmente, ao longo dos anos, dependendo
da
disponibilidade
recursos dos seus construtores.
de
Fig. 11 Na segunda metade do século as ilhas foram construídas nas traseiras destas antigas habitações das classes médias
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No Porto, quando a procura de habitação aumentou, não existia qualquer razão espacial que impedisse a construção de novos bairros/blocos de habitação colectiva para a classe trabalhadora. A principal razão pela qual se construíra ilhas e não outro tipo de habitação, resume-se à capacidade de pagamento de renda por parte dos trabalhadores. Isto é, seriam necessários grandes recursos económicos e elevado nível de investimento para a construção de blocos de apartamentos, ou seja, maiores recursos económicos do que aqueles que seriam usados na construção das ilhas. Como foi dito no ponto anterior, o que dava origem a uma procura de uma habitação de baixos custos era o reduzido nível de desenvolvimento industrial na cidade do Porto e, consequentemente, os baixos salários pagos aos trabalhadores. As principais características da oferta de habitação que mais se adaptavam à procura existente resumiam-se numa pequena escala muito pequena de investimentos para a classe de trabalhadores e uma estrutura artesanal da indústria da construção envolvida na produção de habitação económica. A construção das ilhas era feita gradualmente e com pouca qualidade devido à baixa capacidade de investimento dos promotores. Em Lisboa, a oferta de habitação foi de melhor qualidade e com melhores condições, devido aos salários dos trabalhadores serem mais elevados e ao maior desenvolvimento da economia, o que significava uma maior capacidade por parte da classe trabalhadora de obter a uma habitação melhor. Ao contrário do Porto, aumentou o investimento na habitação, desenvolvendo-se uma oferta de habitação mais variada e de melhor qualidade. Assim, podemos afirmar que, a procura e oferta de habitação dependia das formas de habitação popular desenvolvidas de acordo com as diferentes cidades.
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Enquanto na cidade de Lisboa, o pátio foi substituído por formas de habitação mais evoluídas (vilas) para a classe trabalhadora, na cidade do Porto as ilhas prevaleceram até ao virar do século e posteriormente. No início do século XX, contrariamente ao que se passava na cidade do Porto, a maior parte da população trabalhadora de Lisboa habitava em apartamentos com condições de habitação muito mais favoráveis daquelas que habitavam as ilhas. No Porto, a que teve início no século XIX e a construção de habitação nova (as ilhas) que teve início no final da década de 50. Assim, aqueles que recorreram aos edifícios antigos revelaram-se quer em termos sociais, quer em termos de empregabilidade, mais instáveis que aqueles que optaram as ilhas, que estavam mais integrados na cidade, mantendo uma estrutura familiar e possuindo empregos mais estáveis, isto é, os dois tipos de habitação tinham
uma
grande
influência
nas
Fig. 12 O antigo e sobreocupado centro histórico da cidade
questões
sociais
e
profissionais,
correspondendo a um estatuto económico diferente destes dois tipos de população. Mas, apesar destes dois tipos de população, não existiram na cidade do Porto diferentes tipos de ilhas. A diferença entre o tipo de ilhas apenas variava consoante a necessidade de adaptação a situações referentes aos diferentes espaços onde estavam situadas, fugindo à regra, ilhas de maior dimensão com o intuito de alojar uma certa elite da classe trabalhadora, mas que não teve sucesso, pois na cidade do Porto não existiam lugares para tais hierarquias nem para esses tais diferentes tipos de ilhas. Daí que a maioria das habitações em ilhas eram análogas quer em dimensão quer em padrões, mantendo-se inalterados durante todo o século. 26
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03.3. As determinantes espaciais A localização e exclusão da habitação operária e a adopção de determinadas formas de habitação não podem apenas ser explicadas através das condições de procura e oferta que observámos anteriormente, isto é, não existe uma relação directa entre a forma da habitação e a lógica económica implícita ao seu desenvolvimento. Existem outros factores de ordem espacial importantes para a compreensão da forma particular de habitação. Dois desses factores importantes que explicam a forma das ilhas, na cidade do Porto foram o parcelamento regular, normalmente utilizado a partir do século XVIII e a demolição dos muros da cidade ainda no século XVIII. O loteamento regular dos solos a urbanizar tornou-se um dos instrumentos das reformas urbanas com o objectivo de estruturar o crescimento do Porto para além dos seus antigos limites. A dimensão e forma dos lotes (estreitos e muito compridos) originou o tipo usual das ilhas, ou seja, uma série de pequenas habitações construídas lado a lado ao logo dos muros de cada lote, deixando um corredor lateral muito estreito para o acesso às habitações, e filas sucessivas de casas construídas costas com costas permitindo uma redução das áreas essenciais à circulação.
Fig. 13 Plano de urbanização da Quinta do Cirne. Loteamento do solo em lotes regulares de 25 palmos (5,5 metros) de largura. Plano não datado, princípio do século XIX
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Como as muralhas perderam o seu significado na cidade do Porto, procedeu-se à sua demolição, permitindo expansões urbanas. Existiam dois tipos de pressões que contribuíram para a demolição dos muros da cidade, as primeiras, foram fruto da expansão comercial pela qual passava a cidade do Porto no século XVIII, levando à construção de novas áreas de residência que serviam comerciantes ricos e as suas famílias. As segundas, tinham a ver com a mudança na estratégia militar e na arquitectura das fortificações, isto é, as muralhas perderam o seu papel defensivo, passando a ser consideradas obsoletas.
Fig. 14 Muralhas da cidade do Porto – traçado do Dr. Carlos de Passos - 1839
Assim, na cidade do Porto, aquando o início da industrialização e o crescimento da população urbano, a cidade já não se encontrava entre os velhos muros, devido à grande procura de alojamento operário que necessitava de uma 28
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resposta. Para isso havia um grande leque de solos disponíveis e preços acessíveis, pelo que a construção de habitações individuais, de baixa altura era mais lucrativa do que noutras cidades. Outro aspecto importante a ter em conta era a acessibilidade, isto é, a necessidade da classe trabalhadora viver perto dos locais de trabalho. Assim, os meios de transporte dispendiosos e pouco frequentes, e o mercado de trabalho instável eram razões de peso que levavam os trabalhadores a procurar alojamento em locais centrais. Portanto, aqueles que viviam relativamente perto do local onde se sabia existir mais procura de emprego, tinha mais hipóteses de conseguir trabalho, o que levou à tendência para viver perto das zonas centrais, mesmo que implicasse viver em condições de sobreocupação, sabendo que nos subúrbios existiam melhores condições de habitabilidade e mais baratas. Para concluir, as ilhas consistiam no método de utilização dos terrenos mais racional e mais rentável, situadas nos quintais das traseiras das habitações da classe média. Sendo a forma de alojamento que melhor se adequava aos meios económicos, tanto dos construtores como dos seus futuros habitantes da classe trabalhadora.
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04. As características das Ilhas do Porto
04.1. A especificidade das Ilhas do Porto A forma de alojamento das classes trabalhadoras no Porto era muito diferente dos tipos de habitação desenvolvidos noutras cidades. Tanto nas cidades industriais do Sul da Europa como nas Britânicas, as origens das formas de alojamento operário encontravam-se, quer na adopção de tipos de habitação pré-industriais e rurais, quer na adaptação das formas de habitação da classe média. No Porto, as ilhas não possuíam qualquer relação com tipos de habitação anteriores e a habitação da classe trabalhadora era, em muitos aspectos, diferente da habitação da classe média. A forma das ilhas foi fruto das atitudes racionais dos seus construtores, mais do que o produto da tradição. O pátio de Lisboa tinha raízes óbvias nas formas de alojamento pré-industriais de habitação rural. Contudo, as ilhas não tiveram origem nos tipos de habitação rurais. Nem poderia ter havido qualquer transferência de pátio lisboeta para o Porto, até porque a construção das primeiras ilhas antecedeu a dos pátios. A origem da tipologia das ilhas é inteiramente urbana e ditada pela lógica do seu contexto urbano e particular. No Porto, ao contrário da maior parte das cidades industriais, as formas de habitação da classe trabalhadora e da burguesia eram profundamente diferentes. Nessas cidades, os dois tipos de habitação partilhavam, frequentemente, origens formais semelhantes e diferenciavam-se apenas pela qualidade e tamanho das habitações. Nas cidades Sul-Europeias do inicio do séc. XIX existia até, por vezes, uma mistura de classes sociais nos mesmos edifícios, sendo que as classes médias ocupavam os andares mais baixos e as 30
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classes trabalhadoras nos andares superiores, de construção mais frágil, estabelecendo-se, assim, uma segregação vertical dos estratos sociais. Mais tarde, verificou-se a tendência para os diferentes grupos sociais se localizarem em áreas específicas da cidade, criando uma forma de segregação por bairros. No Porto, a situação era muito diferente. Aqui, as formas de habitação não eram semelhantes, e a segregação social no interior da cidade operou-se de forma diferente. As casas das ilhas não só diferiam das casas da burguesia em forma e dimensão como na sua relação com a estrutura da cidade. Eram, em regra geral, pequenas casas com um único andar, com áreas que não excediam os 16m², construídas em fileiras sucessivas, muitas das vezes costas com costas, nas traseiras de casas de classe média que davam para a rua. As casas de classe média eram habitações unifamiliares construídas em banda, com quatro ou cinco andares, em que o piso térreo era frequentemente ocupado por uma loja ou por instalações onde o proprietário da casa desenvolvia a sua actividade. Estas habitações eram construídas em lotes estreitos, com seis metros de largura, e as suas áreas variavam consideravelmente, dependendo da profundidade do edifício e do número de pisos. Em muitos casos, cada andar tinha uma área de cerca de 100m². A relação dos dois tipos de habitação com a rua era muito diferente. Enquanto as casas da burguesia se situavam à face da rua,
as
habitações
das
classes
trabalhadoras
eram
contraídas
predominantemente no interior dos quarteirões, nas traseiras dessas casas. Assim, embora a habitação da classe trabalhadora tendesse a concentrar-se em áreas específicas, emprestando a certos bairros do Porto um cariz marcadamente proletário, a segregação social no Porto estabeleceu-se, essencialmente, em termos do contraste entre o interior e o exterior dos quarteirões. 31
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De uma forma geral, à medida que as condições de vida melhoravam nas cidades da Europa meridional e da Grã-Bretanha, as formas de habitação das classes trabalhadoras da classe média tenderam a assemelhar-se. A evolução dos tipos de habitação operária nunca ocorreu no Porto. Embora algumas ilhas de melhor qualidade e padrões mais elevados tenham sido construídas no final do século. No entanto, continuavam a ser muito diferentes dos tipos de habitação da burguesia, e o enorme fosso entre as ilhas permaneceu inalterado. A forma básica das ilhas manteve-se igual e continuou a ser utilizada até às primeiras décadas do nosso século. As ilhas eram uma forma racional de construir habitação barata para a classe trabalhadora, do modo mais lucrativa possível. As ilhas não mostraram sinais de melhoramento no decurso da sua história, até ao princípio dos anos 40, quando se iniciou a sua demolição. A total ausência de alterações nestas formas arcaicas de habitação operária e a incapacidade de desenvolver novas e mais elaboradas formas de habitação para os trabalhadores foram características que distinguiram o Porto da maior parte das outras cidades industriais oitocentistas. Antes do final do séc. XIX, não foram propostas quaisquer medidas políticas ou práticas para a melhoria ou erradicação das ilhas. O programa de melhoramentos sanitários lançado no Porto no final do século teve consequências mínimas nas ilhas. Posteriores esforços, no sentido de controlar as suas condições sanitárias, obtiveram igualmente um sucesso limitado. Na verdade, o mesmo se pode dizer em relação a toda a cidade: nem a municipalidade, nem a burguesia do Porto foram capazes de modernizar a cidade, quer através de reformas do tecido urbano existente quer pela construção de novas expansões.
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Na maior parte das cidades industriais, o receio de agitação social e o medo de epidemias, que periodicamente assolavam as zonas de habitação operária e, por vezes, também as zonas mais abastadas, levaram a reconhecer a necessidade de resolver o problema das condições de vida das classes trabalhadoras. Por outro lado, a necessidade de tornar a cidade mais funcional, mais adequada ao seu papel de centro comercial, industrial e financeiro, levou também a que a burguesia de muitas cidades procedesse a muitos melhoramentos no decurso do séc. XIX. Os seus objectivos comuns eram a implantação de sistemas de comunicações eficientes no interior das cidades, a criação de condições eficazes para a manutenção da ordem pública, a segregação espacial das diferentes funções e usos do solo da cidade, bem como o estabelecimento de formas de controlo sanitário apropriadas e mais rigorosas, quer para a habitação, quer para os espaços públicos da cidade. Estes melhoramentos verificaram-se, principalmente, na segunda metade do séc. XIX e corresponderam, em geral, ao estádio específico do desenvolvimento económico e industrial marcado pela grande concentração de capital. Para além de serem centros de produção industrial, as cidades tornavam-se, agora, centros financeiros. Política e socialmente, esta fase de desenvolvimento urbano pode ser ligada à crescente influência da burguesia industrial e financeira nas questões económicas. Na segunda metade do séc. XIX, o conceito de cidade desenvolvida através da simples adição de fragmentos autónomos, a que correspondiam projectos parcelares de melhoramentos, deu lugar ao conceito de reestruturação global da cidade.
Para
além
disso,
demolidos
os
muros
que
separavam
administrativamente a cidade dessas zonas agrícolas circundantes, os limites da cidade já não eram definidos: teoricamente, se não administrativamente, a cidade podia ser considerada infinita. Esta nova fase de expansão urbana e as 33
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maiores possibilidades de desenvolvimento e investimento assim criadas para as classes médias, esteve, porém, sujeita a um controlo global. O Estado, defendendo frequentemente os interesses dos elementos dominantes dessa burguesia em ascensão, tornou-se árbitro e gestor do desenvolvimento de toda a cidade. A estrutura urbana básica da cidade do Porto permaneceu inalterada durante todo o século XIX. Novas ruas continuaram a ser abertas segundo os impulsos de interesses puramente especulativos, com o mais completo desprezo pela estrutura global da cidade. No Porto, o planeamento urbanístico nunca foi além das iniciativas tímidas e isoladas representadas pelos Planos de Melhoramento. Ainda em 1881, a Câmara Municipal do Porto aprovava o Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto, que consistia numa série de trabalhos isolados a executar por toda a cidade, nomeadamente, a abertura de novas ruas, a extensão e alargamento de outras, a construção de mercados públicos e de alguns colectores principais de esgotos. Estes trabalhos destinavam-se a resolver determinados problemas em áreas específicas do Porto e não continham qualquer ideia de mudança global da cidade. Alguns dos trabalhos propostos representavam apenas a satisfação dos interesses privados de alguns proprietários. As sucessivas administrações municipais do Porto nunca foram capazes de se elevar acima dos pequenos interesses privados e subordinar a um plano global de crescimento urbano. Os interesses dos proprietários urbanos eram dominantes dentro da municipalidade, e a influência deste grupo social sobre o desenvolvimento da cidade manteve-se durante todo o século XIX. Se as mudanças fundamentais que ocorrem em muitas cidades deste século, corresponderam à ascensão ao poder da burguesia industrial e financeira, não é de admirar que, no Porto, o atraso do seu desenvolvimento industrial tenha correspondido ao contínuo domínio dos proprietários dos solos 34
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urbanos sobre a direcção do crescimento da cidade. Isto explica, em larga medida, a fragmentação da estrutura urbana e a falta de um plano coerente para o desenvolvimento da cidade. A partir de 1852, a Câmara Municipal do Porto começou a contrair avultados empréstimos públicos para o financiamento de obras municipais, contando com o crescimento económico da cidade, que esperava que fosse estimulado por estes melhoramentos, de forma a ser possível pagar os juros e amortizações da dívida. No Porto, o reduzido poder económico das classes trabalhadoras e a incapacidade do mercado legal de habitação para providenciar o seu alojamento resultaram na manutenção das ilhas como única forma de habitação que satisfazia a procura de alojamento por parte de largos estratos da população. Por outro lado, a falta de capacidade empresarial da burguesia e o lento desenvolvimento económico da cidade nunca impuseram um planeamento urbanístico racional que libertasse as zonas centrais da cidade da ocupação da classe trabalhadora, disponibilizando-as para utilizações mais rendíveis dos solos. Na década de 30 vários estudos de Plano Director Municipal foram iniciados em Lisboa. No que respeita à cidade do Porto, não dispôs do tipo de plano coerente, que teria resultado na diferenciação de zonas urbanas para as diferentes classes. Em consequência, registou-se uma segregação social sob a forma de ilhas. A separação das classes sociais processou-se em termos de interior e exterior, mais do que em diferentes áreas da cidade. As classes médias viviam na periferia dos quarteirões e as classes trabalhadoras no seu interior, nas ilhas.
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A demolição das ilhas e o programa de renovação urbana levado a cabo no Porto a partir de 1940 fez deslocar muitos habitantes das ilhas para os bairros camarários construídos em localizações periféricas. Contudo em muitas ilhas, esta forma de segregação interior prolongou-se até aos dias de hoje e constitui uma das mais importantes características urbanas e formais do Porto.
04.2. As características morfológicas das ilhas No inicio da segunda metade do séc. XIX, o Porto era uma cidade de dimensão média, com cerca de 80 mil habitantes, na sua economia predominavam as actividades mercantis, no entanto, seria a industria, embora retrógrada e dominada por pequenas oficinas e modos artesanais de produção, que viria a marcar mais decisivamente a economia, a estrutura social e a organização espacial do Porto no final deste mesmo século. A imigração maciça, para o Porto de população rural, que atingiu o se máximo entre 1878 e 1890, gerou uma enorme procura de habitação. Cerca de 1/3 da população populaça consistia em pessoas de origem rural que tinham vindo trabalhar nas indústrias. A procura de habitação era bastante específica devido aos salários baixos, deste modo levou a sobreocupação dos edifícios existentes, de pequena escala e de muita baixa qualidade. As ilhas foram assim uma consequência da industrialização e da necessidade de alojar vagas crescentes de imigrantes que vinham fixar-se nas cidades. Estas foram igualmente as razões da sua localização nas proximidades das principais áreas industriais. No entanto, a dimensão reduzida da maior parte das ilhas e a
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sua morfologia tiveram a ver com as características sociais e o poder económico dos estratos sociais que promoveram o seu desenvolvimento. Para além do tipo de promotores e do modo como a habitação operária era desenvolvida, os factores espaciais desempenharam também um papel crucial na definição da forma das ilhas. Particularmente importante foi a adopção generalizada, na maior parte dos desenvolvimentos urbanos do séc. XIX, de um parcelamento regular dos solos em lotes urbanos com 5,5 ou 6m de frente. A tipologia mais simples de ilha consistia numa fila de pequenas casas de um só andar, dispostas lado a lado ao longo de uma estreita parcela de terreno, que chegavam a atingir 100m de Comprimento. Todas as casas da ilha davam para um caminho estreito, com uma função exclusivamente de acesso. A largura deste caminho não excedia habitualmente 1,5 a 2m, sendo em alguns casos de apenas 1m. Por elas se acedia também a um conjunto de latrinas construídas ao fundo da ilha e comuns a todos os habitantes. Noutros casos a ilha era construída em dois lotes. As casas dispunham-se dos dois lados do terreno e davam para um corredor central comum a ambas as filas de casas. A junção de dois lotes permitia reservar uma área maior para os corredores de acesso, que então chegavam a ter 4m de largura. Em ambos os casos, as ilhas eram construídas num ou dois lotes, em que as casas dispunham apenas de uma fachada livre. A parte de trás de casa era encostada ao muro que delimitava o lote ou paredes às paredes do fundo de outra fila de casas pertencentes a outra ilha construída no lote vizinho. Estes eram os tipos básicos de ilhas desenvolvidos a partir do lote urbano de 6m de largura. O desenvolvimento destes tipos levou à sua adopção generalizada em situações que não apresentavam estas limitações espaciais. Eram as soluções mais racionais em termos de utilização intensiva dos solos, redução 37
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dos custos de construção, portanto, em termos de eficiência económica. Quando se construía habitação operária em terrenos maiores, a solução mais usual continuava a ser a construção de filas sucessivas de casas construídas costas com costas, utilizando os tipo básicos das ilhas e as suas dimensões. A relação entre a ilha e a rua podia assumir várias formas. Na maior parte dos casos, as ilhas eram construídas nos quintais das traseiras de antigas habitações burguesas construídas à face das rua. Quando a casa ocupava completamente a frente do lote, o acesso à ilha era realizado pelas traseiras, por meio de um corredor estreito que atravessava este edifício. A casa que dava para a rua era, habitualmente, uma habitação de vários andares, onde, em alguns casos, residia o proprietário da ilha. Uma outra situação que podemos considerar, é a ilha construída no interior de um quarteirão mas sem qualquer relação com os edifícios da frente. Neste caso, a ilha era construída em terrenos traseiros correspondentes a vários lotes, mas desenvolvida independentemente destes. Enquanto a frente da rua se destinava à construção de habitação burguesa, o interior do quarteirão era desenvolvido separadamente para habitação operária, sendo previstas, no loteamento do terreno, passagens de acesso a este espaço interior. Mesmo nestas situações, em que as ilhas eram independentes dos edifícios da frente e não estavam condicionadas pela dimensão dos lotes, continuavam a ser adoptados os modelos básicos das ilhas. De um modo geral, a área das habitações das ilhas raramente excedia os 16m², reduzindo-se mesmo, nalguns casos, a apenas 9m². No tipo de casa mais comum, a frente da casa media 4m e tinha somente uma porta e uma janela. A profundidade era igualmente de 4m. Com um único piso e uma área e uma área reduzida, o interior da casa compunha-se por uma sala comum que servia 38
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também de quarto de dormir, por um pequeno quarto de cama ou alcova e por uma cozinha. Eram raras as casas com um maior número de divisões. Nalguns casos, improvisava-se um pequeno quarto no sótão, a que conduzia uma escada estreita e íngreme. As casas eram muitas vezes baixas, variando a sua altura entre 2 metros no ponto mais baixo e 2,5m sob a cumeeira do telhado. Consequentemente, o volume total da casa não chegava a atingir, por vezes, os 30m³. Estas condições eram agravadas pela ausência de ventilação cruzada. Para além disso, as janelas eram muito pequenas em relação ao espaço que deveriam iluminar: cada possuía uma única janela, embora em alguns casos a iluminação fosse aumentada por meio de telhas de vidro. O tecto da casa era normalmente constituído pela própria estrutura do telhado, sem qualquer forro. As paredes exteriores eram habitualmente de pedra, e as divisórias interiores de madeira. Estas divisórias raramente isolavam completamente. A qualidade de construção era muito baixa, levando a sua degradação muito rápida, devido também à humidade da própria cidade. Tanto as infra-estruturas como os equipamentos das ilhas eram deficientes. A maior parte delas não possuía nem esgotos nem rede de abastecimento de água. Mesmo após a construção, em 1905, de uma nova rede de esgotos da cidade, somente 7% das ilhas foram ligadas ao sistema. Todas as outras continuaram a usar fossas sépticas. As latrinas eram comuns a todos os habitantes da ilha, e a média era apenas de uma ara 5 casas, isto é, para cerca de 25 pessoas. O abastecimento de água canalizada, apesar de instalado no Porto em 1882, era inexistente nas ilhas. Em alguns casos, as ilhas dispunham de poços, mas a proximidade das pessoas tornava a água imprópria para consumo, de acordo com análises feitas. Os espaços livres eram normalmente escassos e, na maior parte dos casos, limitados aos estreitos corredores que
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davam acesso às casas da ilha. Embora raras, algumas ilhas dispunham de espaço suficiente para uma pequena horta.
04.3. Localização das Ilhas A maior parte das ilhas localizava--se em torno do núcleo antigo da cidade, em zonas de expansão urbana da primeira metade do séc. XIX que se apoiavam ainda na malha urbana. Apesar de localizados no interior dessa malha urbana, exceptuando situações muito raras, as ilhas não se desenvolveram em nenhuma das principais ruas construídas no séc. XVIII, nomeadamente, a Rua do Almada, Rua de Cedofeita, Rua de Santa Catarina, Rua de Stº Ildefonso, Rua de Stº António, Rua dos Clérigos, e das suas transversais. O mesmo não se aplica a elementos anteriores da estrutura urbana. Há casos de ilhas construídas em estradas antigas que conduziam à cidade ou em antigos caminhos rurais incorporados na cidade no decurso do seu desenvolvimento. Por outro lado, as razoes já anteriormente apontadas, só num pequeno número de casos foram construídas ilhas nas ruas principais abertas no Porto depois de 1865. Em termos de localização, existiam dois grandes tipos de ilhas: as que foram construídas em áreas urbanas consolidadas nas primeiras décadas do séc. XIX; e as que se construíram em áreas da cidade que, por qualquer motivo, se encontravam ainda por desenvolver na segunda metade do século. No primeiro caso, que constituía a maioria, as ilhas eram predominantemente construídas nos quintais e jardins das traseiras de habitações da classe média; no segundo caso, a construção das ilhas constituíram o primeiro elemento de urbanização, conferindo assim, a essas áreas um inconfundível carácter operário.
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Nas freguesias de Stº Ildefonso, Bonfim, Campanhã, Paranhos e Cedofeita, situava-se a maior parte das ilhas. No seu conjunto, estas freguesias possuíam cerca de 75% das ilhas do Porto. Maçarelos e Lordelo tinham 14% das ilhas. Foram estas as freguesias que maiores crescimentos populacionais registaram entre 1878 e 1890, período em que também foi construída a maior parte das ilhas. As freguesias de Bomfim, Campanhã, Stº Ildefonso, Cedofeita e Maçarelos, só por si, registaram aumentos de população neste período correspondentes a cerca de 2/3 do crescimento total da cidade. Nas quatro freguesias que integravam o centro histórico do Porto - Sé, Victoria, S. Nicolau e Miragaia - localizavam-se somente 7% das ilhas. Os restantes 4% situavam-se nas freguesias periféricas de Aldoar, Nevogilde e Foz. As concentrações mais importantes de ilhas registavam-se nos seguintes locais: na zona ocidental da cidade, nos quarteirões delimitados pela Rua do Campo Pequeno, Rua da Torrinha, Rua do Breyner, Rua do Príncipe e Rua do Triunfo e pelas transversais, Rua do Pombal e Rua do Rosário. Esta área, onde se situava a ilha da Rua do Príncipe, foi desenvolvida como zona de habitação burguesa a partir de 1805. Outra importante área de ilhas, localizada nas imediações, era a zona de antigas quintas de maiores dimensões, entre as quais o Bairro do Vilar. Este é um exemplo de uma zona urbana desenvolvida no quadro de uma antiga zona rural que foi depois absorvida pela cidade. O resultado foi uma miscelânea de quintas antigas, fábricas e bairros operários. Na zona Norte do Porto existiam alguns grupos importantes de ilhas numa área limitada por duas estradas antigas que iam dar á cidade - Rua da Rainha e Rua do Bomjardim - e limitada a Norte pela Rua da Constituição e a Sul pela Rua de Gonçalo Cristóvão. As ilhas foram construídas no interior dos quarteirões definidos por estas ruas e pela Rua de Camões, Rua de S. Brás e Rua do Duque do Porto e pela Rua de Faria Guimarães, Rua do Paraíso, Travessa de S. Brás e Travessa da Rainha. Estes 41
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quarteirões eram atravessados por antigos caminhos rurais - Travessa da Senhora da Conceição, travessa dos Campos, Travessa Germaldo -, ao longo dos quais foram construídas numerosas ilhas. Adjacentes a esta zona, havia mais duas grandes áreas de ilhas: a área de Leal - Fontinha, onde se incluía o bairro da fábrica social da Fontinha, e a Oeste, a área da Lapa. No seu conjunto, este grupo de ilhas constituíam a maior aglomeração de habitação operária na cidade. Também na zona a norte da cidade existiam ilhas na Rua da Duqueza de Bragança, na secção a Norte da Rua de Moreira. Mais a norte, existiam outros grupos de ilhas no Monte dos Congregados. (Ver Fig.15)
Fig. 15 Mapa de Localização das Ilhas da cidade do Porto
A relação entre a localização de actividades industriais e a implantação de habitação operária, e as consequências da localização das indústrias no desenvolvimento das ilhas em determinadas área do Porto já foram analisadas.
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Como vimos, a localização de habitação operária nas imediações das principais zonas industriais do Porto não resultou de um aumento da procura de habitação barata nesses locais, mas o facto da implantação das indústrias ter provocado uma quebra no estatuto social e económico desses bairros, reduzindo a procura de habitação burguesa e gerando, portanto, um conjunto de circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento das ilhas.
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05. O desenvolvimento das Ilhas do Porto Dada a Revolução Industrial em Portugal, a segunda metade do século XIX, na cidade do Porto, é marcada pelo êxodo rural, do campo para a cidade que se fez sentir. Imediatamente deu-se uma enorme afluência à cidade, verificandose, consequentemente, um aumento substancial da população. O Porto passa então a ser considerado uma cidade de média dimensão com cerca de 80 mil habitantes, sendo as actividades mercantis e a indústria em desenvolvimento, umas das principais responsáveis por esta elevada afluência. Ainda que pouco industrial, a cidade do Porto tornou-se uma atracção para a população rural, a nível de emprego e de condições de vida, pelo que a procura de habitações aumentou significativamente. A contrapartida implicada na procura de habitação recaia apenas sobre as rendas de baixo custo, devido aos também baixos salários que recebiam. Desta forma, uma vez que a procura foi elevada, as habitações disponíveis na parte antiga da cidade ficaram rapidamente lotadas, pelo que foi necessário construir novas formas de habitação, as ilhas, de modo a conseguir albergar o maior número de pessoas num espaço limitado. Estas ilhas, não eram mais do que habitações de baixa qualidade, já que se destinavam ao operariado e o interesse de investimento neste tipo de habitações era quase nulo. Assim, optaram por localizar estas habitações no interior de antigos quarteirões de habitação burguesa, de modo a que os gastos implicados não fossem muito elevados.
Ainda
assim,
pessoas
com
algum
capital,
nomeadamente
comerciantes, ou capitalistas, optaram por investir na construção ilhas com mais qualidade e maiores áreas, pelo que não obtiveram sucesso, dado os baixos rendimentos da população que procurava habitação. No entanto, estes
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capitalistas mostraram-se presentes noutras áreas de desenvolvimento da habitação operária, nomeadamente, no controlo do desenvolvimento urbano do Porto, na localização dos diversos tipos de habitação na cidade, na construção das habitações operárias, estando directamente envolvidos na urbanização e loteamento do solo das mesmas. As ilhas no Porto surgem então como uma consequência da industrialização, em que o seu principal objectivo incidia em albergar as crescentes vagas de imigrantes rurais que se fixavam na cidade. Por este motivo as ilhas localizamse perto das zonas industriais. No entanto, o facto de terem pequenas dimensões e poucas condições de salubridade prendem-se com as características sociais que se viviam na altura, bem como com o poder dos estratos sociais que promoveram o desenvolvimento deste tipo de habitação. Com o passar dos anos, e apesar dos baixos rendimentos, a população das ilhas do Porto foi tentando remodelar os espaços, de forma a melhorar as condições de vida. No entanto, actualmente, nestas habitações vivem ainda, maioritariamente, pessoas idosas em condições precárias, sem que haja qualquer tipo de intervenção nestes locais.
05.1. O desenvolvimento de ilhas de pequena dimensão (estudo de caso) Para uma melhor compreensão e percepção das ilhas da cidade do Porto, optou-se por estudar um caso real de uma ilha de pequena dimensão – Ilha nº 106 da Rua das Antas. Entre as ilhas de pequena dimensão destacam-se a ilha da Rua do Príncipe, a da Rua das Antas, sobre a qual incidirá o estudo, as três
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ilhas da Rua de S. Vítor, a ilha da Fábrica Social da Fontinha, as ilhas da Rua de S. Jerónimo e a ilha da Rua de Vila Meã. A ilha da Rua das Antas apresenta-se como um dos primeiros exemplos de ilhas na cidade do Porto que demonstra o processo de desenvolvimento das ilhas de pequena dimensão. Esta foi construída em 1880, sendo a Câmara Municipal o seu proprietário e insere-se numa zona da cidade onde o carácter operário se evidenciou desde o inicio do fenómeno do êxodo rural vivido na época de industrialização. Nesta ilha será possível analisar as condições de vida vividas até então, assim como as características da população que a habita. Desta forma, segundo uma análise realizada em 1914, por António Gomes Ferreira, “Contribuição para o estudo da higiene do Porto – Ilhas”, a entrada para a ilha realizava-se através da passagem por uma habitação construída à face da rua, medindo cerca de um metro de largura, em que o pavimento é composto por pedra. Tanto o pavimento como as paredes encontravam-se em mau estado de conservação e limpeza. Aquando da entrada, do lado direito era possível visualizar uma fila de pequenas casas, e do lado esquerdo um muro responsável pela separação da ilha do quintal contíguo. O corredor para o qual as habitações estavam orientadas tinha apenas 5 metros de largura, sendo que esta largura diminuía conforme a extensão do corredor aumentava, acabando num pequeno largo. Cada habitação com 2,5 metros de altura, apenas usufruía de um piso, excepto uma ou outra que apresentava um pequeno sótão, utilizado para dormir. Tanto as paredes como os telhados apresentavam patologias, encontrando-se assim em mau estado de conservação.
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A nível do interior, as habitações eram compostas por sala (3,5m x 2,5m), alcova (1,5m x 2,3m) e uma pequena cozinha (1,5m x 1,2m). Quer a renovação do ar, quer a iluminação eram deficientes nas habitações desta ilha, uma vez que apenas existia uma janela e uma telha de vidro na cobertura. O principal objectivo da ilha da Rua das Antas seria o desenvolvimento daquela área, tendo como adjuvante a proximidade com a linha de caminhos-de-ferro. A estação de caminhos-de-ferro da Campanhã, inaugurada em 1875, fez com que a
indústria
se
começasse
a
concentrar
ainda
mais
nesta
área.
Consequentemente, o número de empregados operários das fábricas e unidades fabris situadas perto da Rua das Antas aumentou significativamente, levando à necessidade extrema de construir habitações para que esta área pudesse albergar a crescente população fabril. A nível burocrático, a construção das ilhas não implicava qualquer licença de construção, uma vez que eram construídas dentro dos quintais nas traseiras dos edifícios. Por volta de 1892, a cidade do Porto apresentava-se consideravelmente desenvolvida (ver Fig. 16), sendo que todas as ilhas da Rua das Antas já se encontravam construídas e quase lotadas. Relativamente à ilha nº 106 desta mesma rua, averiguámos que era composta por 16 habitações, sendo esta a ilha mais imunda daquela zona.
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Fig. 16 Área da Rua das Antas em 1892
Segundo um inquérito realizado no ano de 1914 (ver Fig.17) a ilha tinha agora 18 fogos, mais duas habitações em relação ao ano de 1892. Eram então habitadas por cerca de 72 pessoas, vivendo em média, 4,2 pessoas por fogo. Ainda assim, o agregado familiar, e consequentemente, a dimensão das famílias apresentavam
uma
variedade
considerável,
nomeadamente,
famílias
monoparentais, casais sem filhos e casais com filhos. Para além disso, a maioria desta população eram trabalhadores industriais, tal como foi referido anteriormente, sendo portanto pessoas com baixos rendimentos e que, consequentemente, optaram por viver em locais de rendas baixas. No nº 106 da Rua das Antas, as rendas variavam entre 1$00 e 1$80 mensais, representando, 48
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em alguns casos, cerca de 10% do rendimento familiar. Em contrapartida, a manutenção realizada na ilha era quase nula, sendo que ainda em 1914 não existiam esgotos ou água canalizada, sendo necessário recorrer a uma fonte pública, localizada no fundo da rua, sendo este o único meio de fornecimento de água. Conforme a análise de António Lemos (1914) as habitações encontravamse em péssimo estado de conservação, com grandes quantidades de patologias, nomeadamente, soalhos de madeira apodrecidos, telhas velhas e partidas, bem como paredes enegrecidas pelo fumo, portas e janelas em mau estado e até vidros partidos substituídos por papéis e cartões. Para além disso apenas existiam duas latrinas para os 72 habitantes da ilha. Desta forma tornouse mais fácil a explicação da elevada taxa de mortalidade vivida nesta época na cidade do Porto.
Fig.17 Inquérito 1914, nº 106 da Rua das Antas
No ano de 1939, passados 25 anos foi realizado um novo inquérito na mesma ilha nº106 da Rua das Antas. Daqui foi possível apurar que a salubridade e condições de vida continuavam muito abaixo do desejável, sendo que a rede de 49
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esgotos era ainda inexistente nesta altura. Agora a ilha era composta por 19 habitações e 74 habitantes, com uma média de 3,8 pessoas por fogo (ver Fig.18). Aferiu-se que a estrutura familiar é relativamente idêntica à do inquérito anterior, que a ocupação profissional dominante, continuava a ser de carácter operário, sendo que agora as rendas variavam entre os 10$00 e os 50$00, cerca de 2,2% dos rendimentos.
Fig. 18 Inquérito 1939, nº 106 da Rua das Antas
Apesar das análises em cima descritas terem sido realizadas em 1914 e 1939, o estado actual da ilha não difere muito. Actualmente os residentes vivem ainda em condições precárias. Uma residente, já idosa, tal como a maioria dos moradores da ilha, afirmou que à cerca de 50 anos, quando foi para lá viver, não
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havia sequer água canalizada ou casa de banho na própria habitação, sendo que apenas havia uma para cada três inquilinos. Posteriormente a residente optou por construir uma casa de banho fora da habitação, investindo o seu dinheiro, de modo a melhorar as condições de vida dos filhos. Este caso representa claramente a classe social que habita esta ilha, sendo que desde o inicio, apenas a população de baixos rendimentos ocupou este espaço, adaptando-se a ele. A condição era a renda de baixo valor, consequência da falta de qualidade das habitações e do pouco investimento por parte do seu proprietário. Desta forma, os inquilinos adaptaram-se às habitações, sendo eles os responsáveis pela realização de obras, caso desejassem.
Fig.19 Desenvolvimento dos terrenos para construção do Monte das Antas
Fig. 20 Ilha nº 106 da Rua das Antas, 1892
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Fig.21 – Rua das Antas
Fig.22 Entrada Ilha nº1
Fig.23 Interior Ilha nº106
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05.2. O desenvolvimento de ilhas de grande dimensão (estudo de caso) Numa segunda fase optámos por estudar um caso real relativamente ao desenvolvimento de ilhas de grande dimensão. Para uma melhor compreensão e clareza, fez se um breve enquadramento das ilhas de grande dimensão. Desta forma podemos afirmar que, na cidade do Porto, as ilhas de grande dimensão que se destacam são o Bairro do Vilar, o Bairro Herculano, a ilha da Bela Vista e as ilhas da Rua da Duqueza de Bragança. Esta análise recairá, então, sobre as ilhas da Rua da Duqueza de Bragança, dando uma maior relevância à morfologia da mesma. A partir de cerca de 1843, que começaram a ser desenvolvidas as ilhas da Rua da Duqueza de Bragança, altura do primeiro projecto para esta rua. A rua Duqueza de Bragança apresentava, no projecto de então, um comprimento de cerca de 1700 metros (ver Fig.24), tendo inicio no Jardim de São Lázaro até à periferia da cidade do Porto em direcção a Norte. No século XIX, esta era uma das ruas de maior importância na rede viária urbana do Porto, uma vez que integrava a estrutura radial traçada anteriormente para a expansão e desenvolvimento da cidade do Porto.
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Fig. 24 Projecto de extensão da Rua Duqueza de Bragança, 1843. Pormenor
O plano realizado em 1843, previa já a divisão dos terrenos agrícolas e das propriedades destinadas à expropriação, de forma a ser possível construir naquele local, quer a rua, quer as habitações. Relativamente ao troço entre a Rua da Firmeza e a Rua da Moreira aparecia já representada no plano como estando totalmente loteada, apresentando, a Este 30 lotes, cada um com cerca de 5,5 metros de largura, e um comprimento variável entre 77 e 110 metros, ocupando, cada lote todo o comprimento da propriedade. A Oeste estavam representados lotes com cerca de 11 metros de largura, aproximadamente o dobro do que era habitual, para que se pudessem edificar habitações com maiores áreas. Relativamente ao comprimento dos lotes, ocupavam cerca de 71,5 metros. O terreno situado perpendicularmente à Rua da Duqueza de Bragança foi também loteado uniformemente com 11 metros de largura e 71,5 de comprimento. Estas eram as medidas padrão para a configuração dos lotes na grande maioria dos desenvolvimentos urbanos do século XIX na cidade do Porto. No entanto, esta tipologia de lotes estreitos e compridos, remonta para o final do século XVIII.
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Ainda assim, o facto da estrutura dos lotes ser estreita, com cerca de 5,5 metros de largura, devia-se ao facto de este ser o comprimento máximo de uma viga de madeira apoiada nas paredes-mestras, levando assim a uma tipologia generalizada relativamente à dimensão dos lotes urbanos. Desta forma tornavase possível conseguir um número de lotes consideráveis numa mesma frente de rua, levando assim a uma redução no que tocava aos custos de pavimentação e instalação de serviços básicos e de construção por cada habitação. A Rua da Duqueza de Bragança era um exemplo deste tipo de construção. Ainda que esta fosse considerada uma rua essencialmente burguesa, esse facto não se mostrou relevante aquando da construção de ilhas nesta rua, implicando, este facto, grande variedade no que toca às características da rua, pelo facto da qualidade de vida e de habitação ir diminuindo conforme a rua se afastava do centro da cidade. Apesar disto, a maior parte das ilhas foram até construídas nas zonas traseiras das habitações burguesas localizadas à face da rua, sendo esta uma das principais características das ilhas da Rua da Duqueza de Bragança. Ao contrário das restantes ilhas, estas foram construídas em simultâneo com as habitações burguesas, situação que não se verificava nas restantes ilhas da cidade, visto que normalmente apenas eram construídas em antigas zonas burguesas, quando estas se encontravam já em fase de decadência, ou nos quintais das habitações pertencentes a classes médias, ou ainda em bairros exclusivamente operários construídos em áreas da cidade não propensas à habitação burguesa. Uns anos mais tarde, em 1873, foi apresentado à Câmara Municipal um projecto de habitações para a Rua da Duqueza de Bragança, constituído por quatro casas de dois pisos. (ver Fig.25) Ainda que aprovado, não fora construído, pelo
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que, em 1874 um novo projecto foi apresentado à Câmara, com habitações apenas de um piso.
Fig. 25 Projecto para a construção de 4 casas de dois pisos na Rua da Duqueza de Bragança.
No ano de 1878 o proprietário do terreno optou por maximizar o uso do terreno, pelo que uma parte do terreno que se encontrava orientado para a rua foi dividida em cinco lotes, de larguras que compreendiam os 6 a 6,5 metros de largura e aproximadamente 25 metros de profundidade. Nas traseiras destes lotes eram destinados à construção de uma ilha. (ver Fig. 27) A entrada para esta ilha era feita através de um acesso independente a partir da rua com a configuração de um estreito corredor a céu aberto, com o comprimento equivalente a um dos limites da propriedade e menos de dois metros de largura. Relativamente aos cinco lotes à face da rua, destinaram-se a habitação burguesa com dois pisos e de boa qualidade, enquanto que nas traseiras foi construída uma ilha composta por 43 habitações, algumas com dois pisos, todas elas agrupadas em quatro filas paralelas. Para alem disso, torna-se importante 56
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referir que duas das quatro bandas de habitações foram edificadas encostadas aos muros laterais da propriedade, enquanto as outras duas encontravam-se viradas de costas uma para a outra, alinhadas ao centro da propriedade, criando, desta fora dois estreitos corredores entre as quatro bandas de habitações. (ver Fig. 27, Fig.28, Fig.29 e Fig. 30)
Fig. 26 Projecto para a construção de 5 casas de dois pisos na Rua Duqueza de Bragança
Fig.27 Ilha nº 874 da Rua Duqueza de Bragança, 1892
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Fig.28 Ilha da Bela Vista
Fig.29 Acesso Ilha Bela Vista
Fig.30 Ilha Bela Vista
Na mesma rua, em frente à ilha anterior foi construída uma outra, a ilha nº 775 da Rua da Duqueza de Bragança. (ver Fig. 31) Esta ilha, construída entre as décadas de 1850 e 1860, possuía uma parcela de terreno com 11 metros de largura, onde foi construído um edifício de habitação com dois pisos e nas suas traseiras, a ilha composta por quatro casas cuja entrada era feita pela Rua do Moreira. Por volta de 1894 foram acrescentadas duas habitações, no entanto, em 1959 esta ilha viria a ser demolida.
Fig.31 Ilha nº 775 da Rua da Duqueza de Bragança, 1892
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Ainda na década de 1860, uma outra ilha fora construída na Rua da Duqueza de Bragança, a nº 874, integrando onze habitações. (ver Fig.27 e Fig.32) O terreno inicial possuía 15 metros de largura. Torna-se importante referir que esta ilha foi edificada ainda antes das casas burguesas que supostamente se situariam em frente aos lotes que da ilha faziam parte. Posteriormente, o número de fogos da ilha aumentou para dezoito.
Fig.32 Entrada Ilha nº 874
Fig.34 Entrada Ilha 852
Fig.33 Ilha nº852 da Rua Duqueza de Bragança
Fig. 35 Interior Ilha 852
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Mais tarde, por volta de 1885 foi edificada a ilha nº 852, inicialmente composta por 8 fogos, tendo sido acrescentada, em 1887, mais uma habitação, e em 1935, a ilha era então integrada por doze habitações. (ver Fig.27, Fig.33, Fig.34 e Fig.35) Caracterizava-se por uma única fila de casas e um corredor de acesso à rua. Posteriormente, em 1868, surgiu a ilha nº 631. (ver Fig. 31 e Fig.36) No entanto, ainda em 1869 a propriedade era considerada terreno agrícola, apesar de, na altura, o desenvolvimento a nível da construção habitacional estar em constante crescente ao longo de toda a Rua da Duqueza de Bragança. Só por volta de 1898 se deu inicio à construção, sendo que, em 1920 a ilha apresentava 18 pequenas casas com um único piso térreo.
Fig.36 Ilha nº 631 da Rua Duqueza de Bragança
Analisando agora as ilhas da Rua da Duqueza de Bragança de um modo geral, torna-se evidente que o facto da maior parte dos lotes possuir uma métrica regular de 5,5 a 6 metros de largura e uma grande extensão a nível do
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comprimento,
cerca
de
100
metros,
influenciou
consideravelmente
o
desenvolvimento das características morfológicas das ilhas. Esta grande extensão do comprimento dos lotes, permitiu que nos quintais ou traseiras dos lotes pudessem ser construídas pequenas habitações de baixo custo destinadas às classes operárias e trabalhadoras. O facto da largura dos lotes ser bastante curta, determinou a posição das casas que compunham as ilhas, pelo que a sua configuração assentava então em filas de pequenas casas térreas edificadas ao longo do grande comprimento dos estreitos lotes. Assim sendo, podemos concluir que as habitações destas classes operárias se adaptaram à configuração dos lotes iniciais. Desta forma, as dimensões de cada casa variava, uma vez que em algumas ilhas as habitações podiam ser construídas numa única fila, enquanto que noutros casos eram construídas em duas fileiras de casas, orientadas para um corredor comum central, variando a sua largura entre s 3 e os 4,5 metros. No caso de lotes maiores, havia a possibilidade de maiores áreas, e portanto os corredores eram mais largos, com cerca de 4,5 metros. Normalmente, em lotes maiores eram construídas sucessivas bandas de habitações ligadas por corredores, já que esta aparentava ser a solução mais económica, pelo facto do solo ser utilizado intensivamente.
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Considerações Finais Após a realização do estudo e análise das principais características das ilhas do Porto, da habitação social, a sua contextualização histórica, política e económica, tanto em Portugal como no Porto, o modo como as classes operárias e trabalhadoras interagiam entre si e com as outras, com a cidade e com as habitações, bem como as consequências geradas pela implementação da habitação social, chegámos à conclusão que este foi um exercício pluridisciplinar, que nos servirá de base para exercícios e trabalhos futuros. Assim sendo, este trabalho teve uma componente essencial para nós, como arquitectos, para que tenhamos uma visão mais aprofundada de como funcionam, efectivamente, os bairros sociais e ilhas, e como influenciam, directa e/ou indirectamente a sociedade, consciencializando-nos para questões importantes aquando a projecção de edifícios de habitação, quer em termos económicos, de segurança ou sociais. Desta forma, serviu-nos de alerta para situações problemáticas que dependem, muitas vezes, da arquitectura utilizada, e que, quando desprezadas, podem comprometer o bom funcionamento e segurança das edificações e da sociedade. De um modo geral, podemos então afirmar que este foi um trabalho importante que nos sensibilizou para alguns factores associados à habitação social e os seus efeitos na sociedade. Adquirimos também algumas noções básicas acerca destes temas, do seu mecanismo e funcionamento que se aplica a qualquer edifício, permitindo-nos, assim, prever e antecipar algumas situações que geralmente nos passam despercebidas.
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