Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

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Augusto Caires, Daniel Barbosa, Francisco Lelis, Iuri Soares, João Andrade e Pedro Costa

Motion Comics: Recriando as histórias em quadrinhos e a animação

Projeto Experimental apresentado à Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais para graduação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Carolina Marinho

Belo Horizonte 2010 1


Resumo O projeto pretende discutir os chamados Motion Comics do ponto de vista da linguagem referenciada nos quadrinhos e na animação e investigar de que modo eles acompanham as tendências contemporâneas de hibridação nos meios audiovisuais. A pesquisa pretende investigar a relação entre as linguagens dos quadrinhos e da animação e a linguagem dos Motion Comics além de averiguar se há algo de exclusivo na linguagem dos últimos, de forma a descobrir os potenciais desta forma de expressão. A percepção do público internauta será avaliada na intenção de melhor compreender os achados da pesquisa, que conduzirão à produção, como experimentação, de um Motion Comic ao final da pesquisa, colocando em prática os achados de pesquisa referentes À linguagem dos mesmos. Palavras-chave: quadrinhos, animação, motion comic

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Abstract The research project aims to discuss what is called Motion Comics, from the point of view of language referenced in comics and animation, and investigate how they follow the contemporary trends of hybridization in audiovisual media. The research aims to investigate the relationship between the language of comics and animation and the language of Motion Comics, and whether there is something exclusive in the language of those last ones, in order to discover the potential of this form of expression. Perception by internet audiences will be assessed with the intent of better understanding the research’s findings, which will lead to the production, as an experimentation, of a Motion Comic at the end of the research, allowing for its findings related to the language of Motion Comics to be put into practice.

Key-words: comics, animation, motion comic

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Lista de figuras

Pรกgina

Figura 1

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Figura 2

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Figura 3

21

Figura 4

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Figura 5

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Figura 6

27

Figura 7

40

Figura 8

44

Figura 9

50

Figura 10

51

Figura 11

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Sumário

Página

1

Introdução

7

2

Capítulo 1 – Uma História dos Quadrinhos

9

2.1

A Adjetivação das Histórias em Quadrinhos

9

2.2

A linguagem dos Quadrinhos

16

2.3

Principais Vertentes das Histórias em Quadrinhos

18

2.3.1

Histórias Instrutivas

19

2.3.2

Histórias do Tipo Como-Fazer

19

2.3.3

Histórias Sem Trama

19

2.3.4

História Ilustrada

19

2.3.5

História Simbolista

20

2.3.6

História de Um Trecho-Da-Vida

20

2.3.7

História de Vida

20

2.3.8

Estética dos Quadrinhos

20

2.3.9

Mangá

26

2.3.10 Principais Gêneros

30

2.4

A influência da linguagem das Histórias em Quadrinhos sobre os Desenhos Animados 33

2.5

Animação Digital

38

2.5.1

Concepção

38

2.5.2

Evolução

39

2.5.3

Características

41

3

Capítulo 2 – A linguagem dos Motion Comics

44

3.1

O que são os Motion Comics

46

3.2

Caracterização dos Motion Comics

46

3.2.1

Técnicas de Produção dos Motion Comics

51

5


3.2.2 A Estética dos Motion Comics

54

3.2.3 Temáticas dos Motion Comics

55

3.3

Quando e onde surgiram

55

3.4

Circulação dos Motion Comics

59

3.5

Relação Quadrinho e Motion Comics

60

4.0

Conclusão

64

Referências

68

Anexos

71

6


1 Introdução Os Motion Comics, espécie de híbridos entre quadrinhos e animação, representam um importante exemplo em matéria de hibridação de linguagens, surgindo como uma nova forma de mídia produzida através da combinação de elementos das histórias em quadrinhos e da animação. Embora possam ser considerados uma forma de desenho animado, eles possuem características que os diferenciam das formas tradicionais, e que deixam claro seu vínculo com as HQs. Seu principal veículo é a internet, o que acompanha a tendência de migração das narrativas gráficas para o meio digital. A presente monografia tem por objetivo discutir a relação dos Motion Comics com as mídias pré-existentes que lhe servem de origem, assim como as potencialidades oferecidas pela transposição da arte sequencial do meio impresso para uma forma digital híbrida. Também inclui-se no projeto a produção, com o objetivo de experimentar as diversas características apresentadas ao longo da pesquisa, de um exemplar desta mídia, algo que está dentro das capacidades técnicas do grupo e que permite colocar em prática a estética e a linguagem dos Motion Comics. Devido à escassez de material acadêmico tratando especificamente dos Motion Comics, este trabalho deve utilizar como referência a bibliografia mais ampla já existente acerca das principais linguagens originárias dos MCs, especificamente a animação e os quadrinhos. Sobre a produção do Motion Comics é importante ressaltar os problemas em adequar a produção a sua devida mídia, expondo o material na internet temos de ter o cuidado em não haver um plágio de roteiro ou uso indevido de sons e músicas, dando assim, um caráter totalmente experimental ao projeto que é utilizado por recurso dos próprios criadores. A construção do trabalho inicia-se com o historia dos quadrinhos: suas origens, suas variações, seus desenvolvimentos, sua linguagem, estética, tipos narrativos e suas principais características em seus diversos estilos. Após conceituar as histórias em quadrinhos, passamos para a animação, fazendo uma análise de seu passado, influências dos quadrinhos na animação, as animações digitais, suas concepções, características e evoluções. 7


O segundo capítulo é voltado inteiramente ao Motion Comics, nesse momento procuramos conceituá-lo em seus aspectos mais gerais e procuramos investigar sua estética e suas características, suas temáticas, as origens, sua veiculação e finalmente relacionamos o paralelo dos Motion Comics com a animação e quadrinhos, sem perder suas próprias e únicas características. O trabalho apresentado justifica-se primeiramente no interesse dos autores sobre o tema, tanto quanto histórias em quadrinhos quanto as animações, filmes e outras mídias em que esta arte se apresenta. Outro fator essencial para a construção do trabalho, como já foi dito, é a falta de materiais acadêmicos sobre o assunto. Motion Comics é uma arte tão recente que até as próprias empresas que utilizam deste recurso não o definem com exata precisão. É importante lembrar que os Motion Comics ainda estão em processo de construção. Ao longo do trabalho, o utilizaram de diversas maneiras e já o modificaram e aprimoraram, mostrando que o próprio conceito ainda está em fase experimental. Com este projeto propomos um início ao estudo deste tema, sendo este apenas o começo da identificação e utilização desta linguagem em diversos meios.

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2 Capítulo 1 - Uma História dos Quadrinhos

2.1 A Adjetivação das Histórias em Quadrinhos. Mais de um século depois de sua criação as histórias em quadrinhos continuam fazendo parte da vida de milhões de crianças, jovens, adultos e idosos. Pode ser considerada como uma forma de arte consagrada devido a sua longevidade e sua capacidade se reinventar, sendo considerada uma arte tanto Pop quanto Cult. Mais do que simples desenhos enquadrados em um pedaço de papel, os quadrinhos conseguiram se diversificar e migrar para diversos formatos e enredos. Existem várias divisões de formato no mundo dos quadrinhos como por exemplo charge, Tira, Revista em Quadrinhos, Graphic Novel, Webcomic, Story Board e Fanzine. Todos possuem sua singularidade e vêm contribuindo para o desenvolvimento da linguagem quadrinizada na medida em que introduzem novos elementos significativos dotados de grande relevância expressiva. A charge é um formato de arte sequencial. Embora composto de uma única imagem, ele combina tanto palavras quanto imagens dotadas de grande valor comunicativo que tem como objetivo o humor, a crítica espirituosa e a ludicidade. Os traços dos desenhos são simplificados e as caricaturas são um recurso frequente. O humor se destaca como uma característica extremamente frequente entre as charges. Originadas entre os jornais impressos, elas normalmente produzem um humor crítico através do uso de notícias recentes de alguma importância. Embora tenham começado no jornal impresso, existem versões animadas disponíveis em alguns veículos, como TV e internet. Nestes casos os chargistas fazem uso de recursos simples de animação para adequálas à transmissão audiovisual, sendo que as limitações técnicas da animação nestes casos será conseqüência dos curtos prazos, comuns ao mercado jornalístico. A tira, também conhecida como tira diária, é uma sequência de imagens. O termo é atualmente mais usado para definir as tiras curtas publicadas em 9


jornais, mas historicamente o termo foi designado para definir qualquer espécie de tira, não havendo limite máximo de quadros, embora o mais freqüente sejam três

(o

que

permite

narrar

princípio,

meio

e

fim

com

facilidade).

Frequentemente possuem conteúdo humorístico, seja de teor adulto ou infantl. Seu traço também é em geral simplificado, embora existam casos importantes de histórias voltadas para o público infanto-juvenil que adotem uma estética realista, como Flash Gordon, Tarzan, Jim das Selvas, entre outros. A revista em quadrinhos, como é chamada no Brasil, ou comic book como é (predominantemente) conhecida nos Estados Unidos, é o formato comumente usado para a publicação de histórias do gênero, desde séries românticas aos populares super-heróis. Trata-se da mais importante mídia onde se veiculam HQ1. Originalmente, as revistas tinham como propósito reunir coleções de tiras previamente publicadas em jornal, mas foram ganhando notoriedade e passaram a ser um importante veículo para publicação de material inédito. Ainda assim, não são sempre produzidas com um acabamento gráfico de qualidade, vide o fato de se adotarem até hoje papéis de qualidade questionável para publicação de muitos títulos, e no mercado brasileiro, o fato de o chamado formatinho (formato fechado 14,8 x 21 cm, as mesmas medidas de uma folha de papel formato A5) ser ainda hoje o formato de revistas mais associado com a HQ. Já a Graphic novel é um termo para um formato de revista em quadrinhos

que

geralmente

trazem

enredos

longos

e

complexos,

frequentemente direcionados ao público adulto. Embora o termo seja alvo de críticas por conta de sua aplicação ou não a determinadas obras, chama a atenção o fato de que para ser considerada como tal, a publicação deve ser dotada de um tratamento gráfico diferenciado, como por exemplo maior número de páginas, papel de boa qualidade e páginas com dimensões especiais, maiores que a média das revistas tradicionais.

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Para evitar redundância e tornar o texto menos cansativo, serão utilizadas as siglas DA, HQ e MC para designer respectivamente Desenho Animado, História em Quadrinho e Motion Comics.

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As webcomics, também conhecido como online comics, web comics ou digital comics são histórias em quadrinhos publicadas na internet. Muitas webcomics são divulgadas e vendidas exclusivamente na rede, enquanto outras são publicadas em papel mas mantendo um arquivo virtual por razões comerciais ou artísticas. Com a popularização da internet, o formato webcomic evoluiu, passando a tratar desde as tradicionais tiras diárias até graphic novels. Temos também os storyboards, que são ilustrações dispostas em sequência, com o propósito de prever uma cena animada ou real de um filme. Um storyboard é essencialmente uma versão em quadrinhos de um roteiro ou de uma seção específica de um filme, produzido previamente para auxiliar os diretores e cineastas a visualizar as cenas e encontrar potenciais problemas antes que eles aconteçam. Produzido em geral de maneira simples, os storyboards

são

uma

importante

ferramenta

para

a

elaboração

do

enquadramento das cenas. Existem aqueles produzidos exclusivamente para propósitos de produção, sem pretensões comerciais e, portanto, sem arte-final. Por outro lado, é comum que determinadas agências de publicidade de grande porte solicitem a produção de storyboards com uma notável qualidade de desenho e boa apresentação, quando o objetivo é convencer um cliente a aprovar a produção de um comercial. Nestes casos é comum que o tratamento gráfico deixe-os ainda mais parecidos com as HQs. As revistas em quadrinhos amadoras recebem o nome de fanzines, e são em geral feitas de forma artesanal a partir de fotocopiadoras. É uma alternativa barata àqueles que desejam produzir suas próprias revistas para um público específico, e conta com estratégias informais de distribuição. Diversos cartunistas começaram desta maneira antes de passarem para espécies mais tradicionais de publicação, enquanto outros artistas estabilizados continuam a produzir fanzines paralelamente à suas carreiras. Todos esses formatos abrem um leque de opções que facilitam o contato do leitor com a arte, pois cada uma tem seu estilo e seu meio de divulgação diferenciados, porém elas usam em sua grande maioria os mesmos artifícios para serem construídas, que basicamente se constituem de desenhos

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simplificados e a utilização de recursos gráficos para expressão e complementação de sentido. Todas elas necessitam de imagens para serem construídas, aquilo que nós vemos e interpretamos faz a mensagem ter sentido. A interpretação pode variar de pessoa para pessoa e para isso os autores fazem uso de outro recurso gráfico importantíssimo nas HQ’s: a combinação entre imagens e palavras, como aponta Will Eisner: “Na arte seqüencial, as duas funções estão irrevogavelmente entrelaçadas.” (EISNER, 2001, p.122). Eisner desenvolve seu argumento falando da importância das experiências do leitor para compreensão da obra: A compreensão de uma imagem requer uma comunidade de experiência. Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista seqüencial deverá ter uma compreensão da experiência de vida do leitor. É preciso que se desenvolva uma interação, porque o artista está evocando imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes. (EISNER, 2001, p.13)

Com isso o autor mostra que é necessário que autor e leitor compartilhem de um mesmo repertório para que as imagens sejam compreendidas. A escrita é um exemplo disso, as letras não passam de imagens, mas tanto quem escreve quanto quem lê sabe o que cada letra significa. O mesmo é feito com as imagens, nós criamos um banco de dados e a cada imagem nova que se vê, a associação com outra imagem já conhecida é imediata. Aqui temos a criação de código nas palavras e nos recursos gráficos dos quadrinhos. Quando uma narrativa ou diálogo não podem mais ser expressos apenas visualmente, o autor passa a utilizar as palavras em conjunto com as imagens e, dessa forma, a mensagem passa a ser mais do que apenas uma mensagem simples com interesse apenas ao essencial. “Quando a palavra e imagem se “misturam”, as palavras formam um amálgama com a imagem e já não servem para descrever, mas para fornecer som, diálogos e textos de ligação.”(EISNER, 2001, p.122)

Os balões de diálogo são usados para representar a fala ou pensamento de certo personagem. E essa representação pode ser feita com o uso de texto e ocasionalmente com o uso de imagens. A onomatopéia é um recurso semelhante ao usado nos balões, porém ela é usada para expressar 12


sons que não vêm apenas dos personagens em si, e sim de barulhos como portas batendo, telefones tocando, socos e pontapés. Como o texto é aplicado às ilustrações, os balões, a tipografia e as onomatopéias acabam se tornando parte

da

estética

dos

quadrinhos

também.

São

complementares

e

complexificam o sentido. Pode-se dizer que os recursos gráficos que são utilizados para criar uma história em quadrinhos são variados. O uso das cores é importante, pois cada uma pode nos remeter a uma idéia diferente. Há um conjunto de recursos gráficos e esses se juntam ao uso de cores, tipo de papel, quadrinização e diagramação das páginas que também vai produzir efeito de sentido criando assim uma estética própria dos quadrinhos, fruto da sua linguagem. O uso das cores na HQ acompanha o desenvolvimento da produção gráfica. A princípio vista ocasionalmente nas tirinhas de jornal com uma qualidade mediana, a cor se tornou frequente, sobretudo nos quadrinhos americanos, quando as revistas começaram a se difundir. No começo, elas eram chapadas e não havia um grande número de opções, o que fazia de seu uso um mero enfeite para a arte. Conforme a qualidade das técnicas de reprodução foi melhorando, as cores se tornaram mais variadas e abundantes nas revistas, e a partir do início dos anos 90 se viu uma profusão de títulos que utilizavam colorização digital, o que permitiu a um maior número de títulos utilizar efeitos de luz e sombra diretamente na cor através de recursos como o degradê. A despeito de sua qualidade ou disponibilidade técnica, a cor é para os quadrinhos o mesmo que é para o cinema, a fotografia e as artes plásticas: um signo por si só. Seus significados simbólicos e culturais são capazes de produzir sentido independentemente e podem complementar as narrativas visuais. Na HQ, as cores podem representar o estado de espírito de um personagem, a época em que a história se passa ou a situação em que os personagens se encontram. Em alguns casos ela merece atenção especial, como em Sin City, de Frank Miller. Nesta série há pouquíssimos elementos coloridos em meio a uma arte predominantemente monocromática. O resultado é uma atenção especial ao elemento colorido. A cor vermelha, por exemplo, 13


transmitirá em Sin City uma importante ideia de luxúria ou violência, que não passará despercebida já que todas as demais cores são eliminadas do desenho, exceto pelo preto e pelo branco, conforme demonstra a figura 1. Claro que não é um efeito exclusivo da obra de Miller, mas trata-se de um bom exemplo de como as cores são capazes de transmitir nas narrativas gráficas uma informação complementar importante, sendo signos por si próprias e enfatizando determinados sentidos que são extremamente relevantes no contexto narrativo.

Figura 1: capa de uma edição americana de Sin City. A presença de uma única cor reforça o impacto da ilustração. Fonte: MILLER, 1994

Quanto ao comportamento das personagens, a estética dos quadrinhos nos apresenta uma representação gráfica baseada na compreensão da linguagem corporal, tal como no teatro e no cinema também acontece. Através da representação dos gestos (muitas vezes exagerada para reforçar o sentido) a HQ consegue transmitir os sentimentos. Conforme comenta Eisner: O corpo humano, a estetização da sua forma, a codificação dos seus gestos de origem emocional e das suas posturas expressivas são acumulados e armazenados na memória, formando um vocabulário

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não verbal de gestos. Ao contrário do requadro nas histórias em quadrinhos, as posturas dos seres humanos não fazem parte da tecnologia dessa arte. Elas são mais exatamente um registro “... do movimento expressivo...uma descarga motora que pode ser um 2 veículo do processo expressivo”. Elas fazem parte do inventário do que o artista reteve a partir da observação. (EISNER, 2001, p.100)

A postura do corpo e os gestos têm primazia sobre o texto e o modo como são usados define e modifica o significado que se deseja para as palavras empregadas no texto. Por isso a maneira como os personagens se sentam, andam, gesticulam, falam, riem e choram é de grande importância e podem complementar aquilo que é transmitido através do texto. Uma gargalhada, por exemplo, será representada por um “Ha-ha-ha” no balão, mas caberá ao traço nos dizer se ela é sincera, irônica, maléfica ou inocente. Para a história em quadrinhos construir uma lógica, ela precisa funcionar de maneira que o leitor não se sinta perdido em um mundo de ideias soltas, ele precisa de um suporte que o diga qual é o melhor caminho a ser tomado e o enquadramento é a melhor ferramenta para tal. A maneira como os quadrinhos são dispostos na página faz com que a ação se desenvolva, criando uma dinâmica que cativa o leitor. Montando uma história com um enquadramento interessante e ao mesmo tempo funcional, de um jeito que o leitor tenha facilidade em ler, o criador tem total controle sobre a sua leitura, pois assim como os filmes hoje funcionam, quadro após quadro, a HQ tende seguir o mesmo exemplo e obtendo essa organização elas conseguem adquirir linearidade. Dada a complexidade do código da HQ é necessário ter em mente que para

ler

determinadas

obras

será

necessário

possuir

um

repertório

considerável, com um conhecimento prévio a respeito da lógica da disposição dos quadros nas páginas, a ordem e o significado específico de cada um dos balões e o significado de cada signo visual, como por exemplo, as linhas de movimento.

2

Hans Prinzhorn, Artistry of the Mentally III, a contribution to the psychology of configuration(springer Verlag,1972

15


2.2 A linguagem dos Quadrinhos A linguagem dos quadrinhos evoluiu muito desde seu surgimento. Enquanto as primeiras tirinhas se limitavam a uma pequena seqüência de ilustrações, os Comic Books de hoje apresentam recursos complexos que vão além dos visuais, permitindo ao leitor uma imersão completa em uma cena.

e

acordo com átima erreira de Oliveira (2008), a linguagem da (HQ) tem como principais ferramentas: enquadramento, o tipo de linguagem visual utilizada e o balão, além da onomatopéia - ferramenta sonora amplamente utilizada. Os enquadramentos dos quadrinhos se assemelham aos do cinema. Indicam a maneira como um quadro se apresenta ao leitor. São eles: plano geral, plano total, plano médio, plano americano e close-up. Cada um destes planos possibilita um diálogo diferente entre o quadrinho e o leitor. O close-up, por exemplo permite uma intensificação do contato do espectador com a personagem, enquanto o plano médio, por possibilitar uma clareza maior nos traços fisionômicos das personagens, é bastante utilizado em cenas de diálogos. Segundo Fátima Ferreira, a linguagem visual (icônica) pode dividida em três vertentes principais, ilustradas pela figura 2: 

Realista: quando as personagens são apresentadas com feições próximas às humanas.

Caricatural: as personagens tem as feições exageradas

Estilizada: Um traço intermediário entre o Caricatural e o Realista.

Figura 2: foto, desenhos realista, estilizado e caricatural baseados na foto, respectivamente. Fonte: McCloud, 1995

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O Balão é um recurso gráfico extremamente expressivo e relevante na narrativa quadrinizada. Ele se apresenta em vários formatos, cada qual fazendo referência a alguma forma expressiva. Uma das principais características criativas dos quadrinhos, o balão – de formato ligeiramente circular, retangular, etc., cujo interior encerra diálogos, idéias, pensamentos ou ruídos. (CIRNE 1970, p.15)

O balão foi utilizado pela primeira vez da maneira como conhecemos hoje por Richard Felton Outcaut, nos EUA, nas hist rias do Yellow Kid (1896). Seu surgimento possibilitou quadrinhos mais complexos ao passo que os personagens podiam dialogar e se expressar através dele. Com o tempo foram surgindo diversos tipos de balão, capazes de revelar ao leitor a maneira que o diálogo, seja ele entre personagens ou puramente reflexivo, era estabelecido. Robert

ena oun (1968) registra 72 esp cies de balões entre: censurado,

personalizado, mudo, atômico, sonolento, glacial, agressivo, onomatopaico, pop, tradutor, interrogativo, infantil, exibicionista, est ril etc. Os balões possuem algumas especificidades que valem ser destacadas: são a intersecção entre imagem e palavra, transmitem também um código auditivo, indica qual personagem está falando/pensando, ou onde o som tem origem. Eles também são indicadores da ordem dos falantes. Balões colocados na parte superior esquerda devem ser lidos primeiro. (FERREIRA, 2008, p.1)

A onomatopéia é outro recurso gráfico que traduz ruído e se difere do balão por retratar sons ambientes, como: portas batendo, tiros de revólver, tapas, sons de animais, etc. A onomatopéia, junto ao balão, são formas de visualização espacial do som. São solidificadores da palavra. Nas palavras de Moacy Cirne: O ruído, nos quadrinhos, mais do que sonoro, é visual. Isto porque, diante do papel em branco, os desenhistas estão sempre à procura de novas expressões gráficas, e o efeito de um buum ou de um crash – quando relacionado de modo conflitante com a imagem – é, antes de mais nada, plástico. (CIRNE 1970, p. 15)

As vinhetas, ou quadros, são a parte mínima de uma HQ. Cada história em quadrinhos é dividida em quadros, não necessariamente simétricos, que compreendem neles os objetos e ações de um instante específico ou de uma seqüência interligada de instantes. Desta forma, a disposição dos quadros acaba por controlar a maneira como a história será lida. Com o passar do 17


tempo autores descobriram nos quadros funcionalidades que iam além de simplesmente separar ações. Descobriram neles maneiras de expressão que possibilitavam uma interação mais rica com os leitores. Surgiram códigos como os do balão: quando o requadro é apresentado com o traçado sinuoso ou ondulado, é um indicativo de que a situação aconteceu no passado. Quando tem formato de nuvem, representa o pensamento de algum personagem. A ausência de qualquer demarcação, indica um espaço ilimitado na situação apresentada. As vinhetas, talvez por serem visualmente percebidas como o limite de cada cena, muitas vezes têm este suposto limite transgredido. É comum encontrar em revistinhas de super-heróis, personagens propositalmente representados extrapolando estes limites, como uma forma de ilustrar a imponência ou perigo.

2.3 Principais Vertentes das Histórias em Quadrinhos O autor Scott McCloud define os quadrinhos como “imagens pict ricas e outras

justapostas

em

sequência

deliberada

destinadas

a

transmitir

informações e/ou a produzir uma resposta no espectador” (McCLOU , 1995, p. 9). Dentro desta definição abrangente podem ser incluídas formas de arte e expressão tão diversas quanto as instruções de segurança de um avião comercial, que contêm imagens em sequência dos procedimentos de emergência, e os vitrais de uma igreja contendo cenas sucessivas da vida de Jesus. Mas para chegar a ela, o próprio autor destaca a importância da separação entre forma e conteúdo, dizendo que “o truque

nunca confundir a

mensagem com o mensageiro.” (McCLOU , 1995, p. 6). As principais vertentes dos quadrinhos podem, portanto, ser classificadas de acordo com seu conteúdo, com os temas abordados. Em “Narrativas Gráficas”, Will Eisner utiliza tal classificação, criando as seguintes categorias: 2.3.1 Histórias Instrutivas Se enquadram aqui as histórias que possuem a finalidade de ensinar um processo, pois como observa Eisner

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é mais fácil ensinar um processo quando ele está envolto em uma “embalagem” interessante... Uma hist ria, por exemplo. Quando demonstraram a capacidade de organizar elementos técnicos numa ordem disciplinada, os quadrinhos encontraram uma clientela pronta. (EISNER, 1996, p. 28)

2.3.2 Histórias do Tipo Como-Fazer Nesta categoria pode ser incluída qualquer forma de arte sequencial cujo objetivo seja demonstrar o funcionamento de um processo ou procedimento específico. Um manual de instruções em que os passos de uma dada operação são expostos através de imagens sequenciais, como as instruções de emergência dos aviões, são um exemplo deste gênero. Segundo Eisner, “Hist rias com o objetivo de ensinar alguma coisa são geralmente estruturadas para se concentrar no processo. As habilidades são aprendidas através da imitação” (EISNER, 1996, p. 29) 2.3.3 Histórias Sem Trama Will Eisner usa esta categoria para incluir quadrinhos em que a narrativa é um elemento simples e secundário, sendo o layout, os efeitos visuais e as características estilísticas os verdadeiros protagonistas. Segundo ele, quando o layout high-tech e a pirotecnia visual dominam uma história em quadrinhos, o resultado é quase sempre um enredo muito simples.(...) A arte torna-se a história, como numa tapeçaria. (EISNER, 1996, p. 30).

Neste tipo de estória, os enredos em geral revolvem em torno de um único problema central, como as perseguições ou atos de vingança, sendo qualquer nível maior de complexidade desnecessário ou até mesmo indesejável. 2.3.4 História Ilustrada Enquadram-se aqui a maior parte dos chamados livros ilustrados. Eisner observa que Nesta forma de narrativa gráfica, o escritor e o artista preservam sua soberania porque a história vem do texto e é embelezada pela arte. O ritmo vagaroso desse tipo de narrativa gráfica dá ao leitor mais tempo para observar melhor a arte. (EISNER, 1996, p. 31)

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2.3.5 História Simbolista Neste tipo de estória, os personagens e elementos gráficos são simbólicos, servindo para representar ideias cuja relevância se sobrepõe à da trama específica, que serve apenas para representar o conceito abstrato que se procura transmitir. Por exemplo, um homem velho que supera doenças e a reprovação de seus semelhantes para ir votar pode ser usado como símbolo da luta de um povo pela democracia. 2.3.6 História de Um Trecho-Da-Vida Este grupo abrange histórias biográficas, reais ou fictícias, como Eisner explica: Uma história de um pedaço-da-vida geralmente extrai um segmento interessante de uma experiência humana e o examina.(...) O narrador seleciona um evento de interesse que pode ser contado sozinho. O escritor conta com uma experiência de vida ou a imaginação do leitor para dar impacto à história. (Eisner, 1996, p. 40)

2.3.7 História de Vida Este gênero narra um evento revelador, a partir do qual várias deduções podem ser feitas acerca do protagonista. Sua atitude ao longo deste evento pode revelar seus traços físicos e psicológicos, enquanto flashbacks, por exemplo, podem ser usados para expor momentos chave de sua vida que o levaram até aquele momento. 2.3.8 Estética dos Quadrinhos As diferenças estéticas entre os vários meios de expressão da arte sequencial são óbvias e decorrentes de cada meio. Tendo em vista o vasto número de meios possíveis, não caberia aqui a análise de cada um deles. Considerando-se uma definição mais restrita das histórias em quadrinhos que limite-se ao meio impresso - especificamente as revistas em quadrinhos podem ser identificados alguns gêneros estéticos relevantes. McCloud (1995) sugere três vertentes principais das revistas em quadrinhos, divididas geograficamente entre Estados Unidos, Europa e Japão e, estilisticamente, por características que lhes são particulares. Um aspecto abordado é o nível de abstração ou realismo presente nos traços de cada estilo. Segundo ele, os 20


quadrinhos europeus tendem a combinar cenários mais realistas com personagens de linhas simples (figura 3): Em alguns quadrinhos, essa separação é bem mais pronunciada. O estilo Tintin de linhas simples combina personagens muito icônicos com cenários extremamente realistas. Essa combinação permite que os leitores se disfarcem num personagem e entrem num mundo sensorialmente estimulante. (...) Na Europa, o efeito pode ser encontrado em muitos quadrinhos, de Asterix a trabalhos de Jacques Tardi. (McCLOUD, 1995, p. 42, 43)

Figura: é possível notar a disparidade entre a simplicidade da personagem e os cenários. Fonte: McCLOUD, 1995

McCloud percebe que “nos quadrinhos americanos, esse efeito

usado

com muito menos freqüência” (McCLOU , 1995, p.43). Neles, a exemplo daqueles produzidos por empresas como Marvel e DC Comics, há uma tendência ao realismo tanto nos personagens quanto nos cenários, o que é particularmente evidente nos quadrinhos que têm como tema os super-heróis e a ficção científica. Apesar disso, vale ressaltar que

“quando fazem o rosto e a

figura, quase todos os desenhistas de quadrinhos usam uma pequena dose de cartum. Até os desenhos mais realistas...estão longe do foto-realismo.” (McCLOUD, 1995, p. 42) . Isto implica no fato de mesmo os desenhistas dotados de um estilo mais próximo do realismo fotográfico fazerem uso de distorções, seja de expressões faciais, de movimentos ou de perspectiva, como a intenção de aumentar a expressividade de suas obras. Segundo o autor, na vertente japonesa ocorre a hibridação do realismo, usado para objetificar certos elementos da cena ou personagens, com traços icônicos, destinados a produzir o efeito oposto além de uma certa familiaridade

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e identificação (figura 4). Como ele mesmo diz, “...os quadrinhos japoneses têm uma longa e rica hist ria de personagens icônicos.” (McCLOU , 1995, p. 43). Ele argumenta: Como em décadas recentes, os fãs japoneses também desenvolveram um gosto pela arte foto-realista...os estilos híbridos resultantes mostraram uma tremenda variação icônica, com personagens muito cartunizados e fundos quase fotográficos. Mas os desenhistas japoneses deram um passo a mais. Logo, alguns viram que o poder objetificante da arte realista podia ter outros usos. Por exemplo, enquanto a maioria dos personagens era desenhada com simplicidade, pra melhor identificação do leitor...outros eram feitos de forma mais realista, pra serem objetificados, enfatizando sua “infamiliaridade” pro leitor. (McCLOUD, 1995, p. 43, 44)

Da mesma forma um objeto, como uma espada no exemplo usado pelo autor, pode ser, em um quadro, retratada de forma icônica, por ser uma extensão da identidade de um personagem que a empunhe e, no seguinte, aparecer de forma realista, “não s para mostrar os detalhes, mas pra gente se conscientizar dela como objeto, uma coisa com peso, textura e complexidade física.” (McCLOU , 1995, p. 44)

Figura 4: a personagem é retratada de forma icônica enquanto os demais elementos da cena recebem tratamento realista. Fonte: McCLOUD, 1995

Outra característica estudada é o tipo predominante de transição entre quadros. Nas HQs ocidentais há uma maciça predominância do tipo identificado por McCloud como de ação-pra-ação, ou seja, “transições que apresentam um único tema em progressão distinta de ação-pra-ação.” (McCLOUD, 1995, p. 70) Tal predominância é comum às vertentes americana e

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européia, embora seja mais acentuada na primeira. Há também forte presença de outros dois tipos de transição. Ainda segundo McCloud, o primeiro é o que nos leva de tema-pra-tema, permanecendo dentro de uma cena ou ideia” (...) e o outro o das transições “cena-a-cena, que nos levam através de distâncias significativas de tempo e espaço. (McCLOUD, 1995, p.71).

No Japão estas proporções se alteram de forma significativa. Há uma ocorrência maior do tipo tema-pra-tema e também do momento-a-momento, que retrata as etapas sucessivas de uma única ação e, portanto, exige muito pouco esforço de dedução. Há tamb m a presença maciça do “aspecto-praaspecto, (que) supera o tempo em grande parte e estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia ou atmosfera.” (McCLOUD, 1995, p. 72), usada para levar o leitor a “compor um único momento usando fragmentos dispersos” (McCLOU , 1995, p. 79). Os dois últimos tipos são quase inexistentes nos quadrinhos ocidentais. O autor atribui tal diferença a dois fatores principais: O tamanho pode ser um dos fatores responsáveis. Os quadrinhos japoneses são publicados como livros de antologia, onde a pressão sobre qualquer um dos capítulos pra mostrar muita coisa não é tão grande. (...) Com isso é possível dedicar muitos quadros pra mostrar um lento movimento cinematográfico ou estabelecer um clima. (...) A arte e a literatura do ocidente não divagam muito. Nós temos uma cultura muito orientada pelo objetivo. Já o oriente, tem uma tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas. Os quadrinhos japoneses parecem herdar essa tradição, enfatizando mais o estar lá do que o chegar lá.” (McCLOU , 1995, p. 80, 81)

McCloud também aponta o uso de quadros sangrados para dar a uma cena o aspecto da atemporalidade, como um recurso de origem japonesa apenas recentemente adotado no Ocidente. O uso de figuras expressionistas para representar emoções ou estados mentais, por sua vez, é mais característico dos quadrinhos europeus e japoneses, como diz McCloud: esse princípio é evidente em muitos quadrinhos europeus e em quadrinhos românticos japoneses, onde foram criados efeitos expressionistas pra quase qualquer emoção imaginável! (1995, p. 133) .

23


A arte expressionista tem como principal característica a ênfase no turbilhão emocional interno do artista e a transmissão destes sentimentos e estados mentais através das imagens. Seu traço mais perceptível é: A deformação das imagens visuais. Pelo teor violento e explosivo da emoção, o pintor expressionista sente-se coagido pela verdade visual das formas e cores. Torna-se sistemático deformador das imagens visuais, para traduzir, espontânea e diretamente, os seus sentimentos (Enciclopédia Delta Larrousse: 1970, p. 2640)

A relação mais clara deste estilo com as HQs é o uso da imagem para transmitir emoções e, num sentido mais amplo, representar num meio exclusivamente visual aquilo que não pode ser visto com os olhos. No caso dos quadrinhos, este efeito pode ser atingido através de inúmeros mecanismos além das expressões faciais dos personagens. Um deles são as figuras de natureza simbólica, como linhas onduladas para um odor forte, caso em que um mecanismo visual supre a ausência de outro sentido, o olfato. Da mesma maneira, uma gota de suor na testa pode representar uma emoção, o nervosismo. E segundo McCloud: os fundos podem ser outra ferramenta valiosa para indicar idéias invisíveis...sobretudo, o mundo das emoções. Mesmo quando há pouca ou nenhuma distorção de personagens numa cena, um fundo distorcido ou expressionista pode afetar nossa “leitura” dos estados interiores do personagem. (McCLOUD, 1995, p. 132)

O uso das chamadas linhas de movimento é um exemplo de expressionismo nos quadrinhos que merece destaque e que também serve para diferenciar suas principais vertentes. Segundo McCLOUD, elas se encontram “em algum lugar entre o movimento dinâmico dos futuristas e o conceito de movimento de Duchamp... (McCLOUD: 1995, p. 110), ou seja, entre a decomposição do movimento em etapas e sua abstração total na forma de, por exemplo, uma única linha reta. Segundo o autor Devido à habilidade deles em representar ação com drama, as linhas de movimento destacadas se tornaram uma especialidade americana. Nesta abordagem, tanto o objeto em movimento quanto os cenários são desenhados num estilo claro, e o caminho do movimento é imposto sobre a cena. (McCLOUD, 1995, p. 112)

Já na Europa, as linhas de movimento são, historicamente, pouco utilizadas. No Japão, por outro lado, elas são empregadas de maneira distinta. 24


Em uma fotografia em que o obturador é lento demais para congelar a imagem, objetos que se movem em relação à câmera ficam borrados. Mas se a câmera acompanha o objeto, é o fundo que fica desfocado. Este conceito deu origem à técnica que McCloud chama de Movimento Subjetivo (figura 5).

Figura 5: Linhas de movimento e movimento subjetivo na HQ Scott Pilgrim Vs The World onte: O’MALLEY, 2006

Adotada inicialmente no Japão e popularizada em outras regiões do mundo posteriormente, ela mostra a ação do ponto de vista do objeto que se move, aplicando as linhas ao cenário. Segundo o autor, a id ia

que “se a

observação de um objeto em movimento é envolvente, ser esse objeto deve ser mais ainda.” (McCLOU : 1995, p. 114) O uso da cor também distingue as principais vertentes de quadrinhos. Nos Estados Unidos, limitações técnicas levaram à predominância das cores primárias e planas, o que é evidenciado pelo colorido dos uniformes dos superheróis. Na Europa, onde técnicas de impressão superiores eram utilizadas, vários artistas “...como Claveloux, Caza e Moebius, viram nessa impressão superior uma oportunidade de se expressarem através de uma paleta subjetiva mais intensa.” (McCLOU , Scott: 1995, p. 190) enquanto outros, como Herg , 25


utilizavam as cores planas devido a uma opção estilística. Já no Japão a impressão monocromática, compatível com a maior extensão das revistas, é predominante. 2.3.9 Mangá Apesar da grande diferenciação que hoje toma o mangás dos comics, eles provêm de um passado comum e certas características dos mangás precisam ser estudadas e bem detalhadas para podemos compreender este grande fenômeno. Independente de estilos, os mangás devem ser vistos como uma forma de quadrinho em si exclusivo dos japoneses, como de acordo com a autora Helen McCarthy Manga é a palavra japonesa para quadrinhos e apenas quadrinhos japoneses devem ser chamados Manga. [...] Um trabalho de arte não é limitado pela cultura ou época que o produz; mas é enraizado nessa cultura ou época. [...] Se existe algum motivo para distinguir algum motivo para distinguir quadrinhos japoneses dos quadrinhos de outras nações por utilizar um termo japonês, manga,então esse termo deve ser somente usado para quadrinhos japoneses. (McCARTHY, 2006, p.7)

Sendo

assim,

como

um

quadrinho

específico

de

uma

região

culturalmente bem diferente da nossa, os recursos lingüísticos usados no mangá tem certas peculiaridades próprias. Começando pelo alfabeto que podemos dividir em: •

Hiragana e Katakana: Os dois alfabetos básicos japoneses e os mais

utilizados no mangá. Cada caractere representa uma sílaba, o hiragana é utilizado para escrever palavras japonesas enquanto katakana é usado para escrever palavras estrangeiras. •

Kanji: Tamb m conhecidos por ideogramas, são caracteres de origem

chinesa. Eles representam algo em específico (seja um objeto, idéia ou uma palavra) quando usada em um mangá, para facilitar a leitura já que existe um número muito elevado de kanji e são raros os japoneses que conhecem a grande maioria, a forma Kana (hiragana ou katakana) é escrita em cima do kanji. Outra grande diferenciação é na própria escrita, que ela pode ser feita verticalmente ou horizontalmente. Nos mangás é mais comum que ela seja 26


feita verticalmente, o que muda totalmente o estilo de diagramação das palavras de dentro do balão. A ordem de leitura Oriental também é diferenciada, ela é feita da direita para esquerda e de cima para baixo, conforme a figura 6:

Figura 6: Esquema exemplificando a forma lida em um mangá. Fonte: dados de pesquisa

A onomatopéia japonesa deve ser vista como algo bem a parte em um mangá, pois ela possui uma grande influência no mesmo. Além de sons que fazem na história, ela pode representar um estilo e pode gerar um impacto tão grande para a história como uma imagem ou mesmo um balão. Sônia Luyten explica muito bem a importância da onomatopéia no Japão. A grande diferença entre o estilo (a forma) ocidental de representar os sons e as formas japonesas é que no mangá a onomatopéia está tão integrada na estrutura do quadrinho que lhe dá um especial efeito visual harmônico e estético. (LUYTEN, 2002, p.181)

Eiichiro Oda , o criador de uma das maiores obras no ramo “One Piece”, revela em uma entrevista que um mangá de fantasia bom é aquele que está recheado de DON (uma onomatopéia japonesa que significa explosão) Os balões assim como nas HQ são uma extensão da linguagem corporal dos personagens, trazendo mais do que simplesmente as suas devidas falas , mas carregadas de emoções em si. As mais usadas são o balão normal, balão de grito, medo, narração , exaltação e pensamento. No entanto com o uso dos Kanas e ideogramas eles dão um ar mais estético aos balões, o mangaká muitas vezes estiliza de acordo com o sentimento do seu personagem. Sendo assim podemos ver diferenciações de dois sentimentos mesmo utilizando o mesmo tipo de balão. O pensamento também pode ser visto a parte, já que na

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maior parte do tempo os japoneses não o usam em um balão, mas sim no meio da imagem para mostrar uma forma de devaneio. Constatamos que a própria história da escrita japonesa tem essa tradição da abstração de traços de figuras reais, isto é, signos que representam e expressam visualmente a idéia das palavras, diferente da escrita alfabética, que não transmite sensorialmente nenhum sentido. (LUYTEN, 2001, p.32.)

Como já vimos, o estilo japonês é muito voltado para a imagem, não é de costume muita narração a não ser que seja algo muito necessário. Até em mudanças de cenários, quando já acostumados, mal se aparece o nome e sim uma imagem do lugar. Um recurso muito utilizado apenas em imagem é o flashback, neste recurso não se tem nenhuma narração que se voltou ao passado, no entanto a parte de fora dos quadros fica preta ao invés de branca, sinalizando a mudança temporal. A alteração das calhas (espaço entre os requadros) e do próprio contorno dos requadros pode ser utilizada como indício de que o que está sendo mostrado não se trata do tempo presente. Não é um recurso exclusivo dos mangás, mas destaca-se neles por conta de sua já mencionada omissão de narrações e informações textuais que indiquem a transição. Um recurso interessante de ser notado também é a falta de cores em mangás, principalmente nas suas versões finais para a vendagem. Com isso podemos ver que a estética no mangá é mais dedicada à forma e o traço. Isto certamente influi sobre a escolha de técnicas de luz e sombra adotadas pelos artistas. É muito comum entre os mangás a arte-final hachurada, que se combina às reticulas (texturas desenhadas em preto e branco) para compensar a ausência das cores e representar diferenças entre objetos e distâncias, além de ajudar na composição das páginas. O papel utilizado em mangás também chama a atenção por ser em geral de má qualidade devido aos modelos editoriais japoneses. Nestes papéis seria praticamente impensável a utilização de cores. O tempo em mangá é, talvez, a característica mais diferenciada em relação ao quadrinho ocidental. Na maioria dos mangás o tempo é fechado, os personagens crescem se desenvolvem e suas histórias terminam. Diferente do que acontece com a Marvel e a DC, onde diversos autores podem escrever 28


sobre um personagem, criando mundos totalmente diferentes para eles. Outra característica muito marcada pelo tempo nos mangás é a velocidade no mesmo. Linhas paralelas no decorrer dos mangás, causando um aumento de velocidade, sendo comparado com o aspecto de transição de quadro de McCloud do “momento-a-momento”, e em outras páginas grandes cenas detalhadas pedaço por pedaço caracterizam esta disfunção temporal, sendo usado tamb m a transição “aspecto-pra-aspecto”. Com isto, os mangás possuem muitas vezes uma narrativa mais lenta que a dos quadrinhos americanos e europeus. A metáfora é um recurso muito utilizado nos mangás, ganhando certas caracterizações próprias. A imagem em si, por muitas vezes, não consegue expor todo o ideal e sentimento dos personagens ou da situação e por isto estes recursos são utilizados para auxiliar no entendimento das cenas, tendo um certo tipo de mensagem icônica nos quadrinhos como podemos ver por Roland Barthes. Não existe uma natureza da cópia pictórica, e os códigos de transposição são históricos (sobretudo no que tange a perspectiva); em seguida a operação de desenhar (a codificação) obriga imediatamente a uma certa divisão entre significante e o insignificante: o desenho não reproduz tudo, freqüentemente reproduz muito pouca coisa (...) Já não é a relação entre uma natureza e uma cultura (como no caso da fotografia), é a relação entre duas culturas: a “moral” do desenho não a amoral da fotografia. (BARTHES, 1990, p.35)

Nos quadrinhos em geral temos estes recursos como estrelas na cabeça quando um personagem se machuca ou uma lâmpada quando se tem uma ideia. Os mangás também utilizam esses recursos, no entanto, têm alguns pr prios como uma esp cie de “gota gigante” ao lado da cabeça do personagem,

exemplificando

uma

situação

constrangedora

que

este

personagem ridiculariza a situação ou também quando o sangue escorre de seu nariz, significando que este está excitado com algo que viu (normalmente usado por homens, mas também pode aparecer em mulheres) ou o cair no chão quando algo inesperado acontece. Por fim, os últimos recursos de linguagem e pode se dizer os mais importantes são os próprios traços característicos do mangá. Olhos grandes para simbolizar mais as expressões, cabelos bastante espetados das mais 29


diferentes cores, fogem um pouco do traço realístico o tornando mais icônico. No entanto os cenários normalmente são mais reais e muitas vezes fotográfico, tornando assim um estilo “híbrido” falado por McCLOU anteriormente. 2.3.10 Principais Gêneros Embora os quadrinhos se adequem a uma variedade de gêneros, pode ser observada neles a predominância de certos temas. Tais padrões variaram muito ao longo da história, sendo que os tipos de histórias mais comuns atualmente em muito diferem daqueles mais presentes nas origens desta mídia. Estas podem ser traçadas até as charges humorísticas americanas do final do século 19, que buscavam abordar assuntos familiares ao seu público alvo, especialmente os imigrantes europeus. Seus principais objetivos eram ampliar a venda dos jornais e promover a inserção destes estrangeiros na sociedade dos Estados Unidos. Segundo Waldomiro Vergueiro: Eram baratas. Eram fáceis de compreender. Eram atrativas ao leitor com pouco conhecimento do idioma inglês. E, além de funcionarem muito bem em todos esses quesitos, atingiam em cheio o seu público e contribuíam para uniformizar as diversas etnias em torno de uma maneira única de encarar o mundo. (VERGUEIRO, 2001)

Da diversificação destas charges surgiram outros gêneros temáticos dignos de menção. Um deles são as Kids Strips, caracterizadas por ter como protagonistas personagens infantis, em geral garotos. Estas permitiam a seus autores abordar temas sociopolíticos controversos de forma inocente, sem ter de lidar com a tensão que o uso de personagens adultos traria. Assumindo o papel de contestadores da ordem estabelecida, as crianças tendem, nestes quadrinhos, a infernizar, seja de forma intencional ou acidental, os adultos. Outra vertente significativa são as Animal Strips, que têm como personagens centrais animais antropomorfizados. Estas, segundo Vergueiro, ...são descendentes diretas das fábulas e histórias infantis cultivadas durante séculos pelas mais diferentes civilizações. Por meio dos animais, os homens buscaram representar sentimentos e motivações humanos e torná-los mais assimiláveis aos leitores, uma atividade que normalmente tinha evidentes funções didáticas e educacionais. (VERGUEIRO, 2001)

As Animal Strips possuem também forte relação com o cinema, visto que inúmeros personagens são comuns aos desenhos animados e aos quadrinhos. 30


Exemplos disso são personagens como Mickey Mouse, Pato Donald, Pernalonga, Felix the Cat e Tom e Jerry. Embora seja predominantemente voltado para o público infantil, assim como as Kids Strips, este gênero foi também empregado com sucesso para abordar temas adultos, como em “Maus”, de Art Spiegelman, que representa os horrores do nazismo através de animais antropomórficos. Também recorrentes entre os quadrinhos de jornais eram as Family Strips, que enfocavam o ambiente familiar e especialmente o modo de vida e o cotidiano norte-americanos. Consequentemente, desfrutavam de boa aceitação popular, visto que ...traziam um ambiente com o qual todos os leitores se identificavam e não causavam, em princípio, reações contrárias (como poderia acontecer, por exemplo, com histórias que representassem graficamente as minorias ou reproduzissem estereótipos raciais).(VERGUEIRO, 2001)

Uma variante deste gênero são as Girl Strips, que: ...em geral narram as tribulações de jovens casadoiras em luta pela sobrevivência material, enquanto esperam pelo aparecimento de seu príncipe encantado. (VERGUEIRO, 2001)

Estas, surgidas na década de 1920 em resposta ao processo de emancipação

feminina,

tinham

protagonistas

de

atitudes

liberais

e

questionavam os valores conservadores da época. Mais tarde, nas décadas de 60 e 70, passaram também a manifestar as exigências do movimento feminista. Suas personagens, segundo o autor, Ainda que transpostas aos quadrinhos como objetos sexuais, personificavam as exigências do mundo feminino, que, em nível mundial, cobrava o direito de se manifestar e decidir sobre sua própria vida, incluindo o uso de seus próprios corpos – no que se incluía o direito ao aborto e a livre manifestação de sua sexualidade. (VERGUEIRO, 2001)

O gênero de Aventura, por sua vez, é o primeiro a se desvincular das origens humorísticas dos quadrinhos e a adotar um estilo de desenho mais próximo do realismo, além de uma continuidade narrativa que, em geral, não é encontrada nos quadrinhos de jornal. As histórias, neste caso, podem ser identificadas por certos elementos recorrentes, como os cenários pitorescos ou o conflito entre um herói e um vilão como ponto central da trama. Dentro desta 31


vertente pode ser incluída a ficção científica ou especulativa. Esta é em geral ambientada no espaço e em outros ambientes futuristas. Ela tende a concentrar-se na representação dos medos e esperanças de uma geração em relação ao seu futuro, especialmente às consequências do desenvolvimento tecnológico humano e da possibilidade da existência de vida extraterrestre. As histórias policiais são também um forte sub-gênero e descendente dos quadrinhos de aventuras, tendo como alguns de seus principais exemplos os quadrinhos do detetive Dick Tracy, criado na década de 1930 por Chester Gould, e The Spirit, de Will Eisner. Mas o tema mais fortemente vinculado à mídia dos quadrinhos são os super-heróis, que unem elementos de vários dos sub-gêneros já mencionados, como a ficção científica e as histórias de detetive, para criar o que Vergueiro chama de “...gênero mais característico com que a linguagem quadrinhística brindou

a sociedade contemporânea...” (VERGUEIRO, 2001). Tendo se

desenvolvido ao longo do século XX, estas narrativas tem no personagem Super-Homem um pioneiro, sendo que foi graças ao sucesso desta personagem que diversos derivados foram produzidos e lançados por inúmeras editoras de quadrinhos. As principais editoras americanas são especializadas justamente em super-heróis, o que faz deste gênero o mais comercialmente bem-sucedido na história dos quadrinhos ocidentais. Suas características estéticas são baseadas no impressionismo e no expressionismo, sendo que o traço cartunesco em geral não é utilizado. Isto se deve ao fato de que muitas vezes as histórias possuem uma forte carga dramática, o que deixa pouco espaço para o humor. Tipicamente, tratam-se de histórias de realismo fantástico, onde eventos extraordinários ocorrem num mundo mais ou menos pacato, parecido com a sociedade contemporânea na qual as histórias são produzidas. Temas como magia e ficção-científica servem como suspensão de descrença para que o leitor acredite que as capacidades especiais das personagens são viáveis. Em geral dirigidas ao público adolescente masculino, as histórias de super-heróis guardam diversas semelhanças estéticas e temáticas com gêneros já mencionados como aventura. São também muito marcadas por clichês que servem como recursos de roteiro, como por exemplo, identidades secretas e arqui-inimigos. Como o próprio nome já dá a entender, 32


os super-heróis são movidos por ideais heróicos, muitas vezes relacionados a um forte código de ética e algumas vezes marcado por posturas moralistas diretamente relacionadas à questões sociais relevantes no período de suas produções. Outra característica marcante é a presença de doses nem sempre moderadas de violência, reforçadas pelo fato de que muitas vezes os poderes especiais dos super-heróis se relacionam a atributos físicos, como força, velocidade e agilidade. Esta é inclusive uma crítica freqüente aos quadrinhos do gênero. 2.4 A influência da linguagem das Histórias em Quadrinhos sobre os Desenho Animados Para McCloud, o termo chave que traduz as Histórias em Quadrinhos é Arte Sequencial Visual e ela, de acordo com o autor, é uma definição também para os desenhos animados, porém ele assim os diferencia: ...a diferença básica é que a animação é seqüencial em tempo, mas não espacialmente justaposta como nos quadrinhos! Cada quadro de um filme é projetado no mesmo espaço-a tela. Enquanto nos quadrinhos eles ocupam espaços diferentes. O espaço é pros quadrinhos o que o tempo é pro filme. (McCLOUD, 1995, p. 7)

Daí podemos ver que a questão mais relevante na diferenciação de linguagens está sem dúvida nas limitações da mídia: os quadrinhos expressam o tempo através do espaço pois não há o controle sobre o tempo gasto pelo leitor para ler a história. Ainda assim, ambas as artes podem ser enquadradas neste mesmo grupo da arte seqüencial, pois compartilham uma série de características. Os quadrinhos e a animação padecem inclusive de preconceitos comuns. McCloud já havia observado que histórias em quadrinhos são encaradas pela sociedade como material infantil enquanto Alberto Lucena aponta para problemas semelhantes no cenário do cinema de animação. A relação entre estes preconceitos, pode-se apenas supor, está ligada à percepção da semelhança entre ambas as artes, suas linguagens e características estéticas, bem como seus gêneros mais comuns. Em inglês, as palavras que designam quadrinhos e desenho animado são respectivamente comics e cartoon, palavras cujo significado está associado à comédia e ao humor. Daí o fato de tais artes serem consideradas infantis, de acordo com as 33


ideias de Marcelo Tassara: "tudo indica que nossa sociedade, comandada por gente grande e muito séria, ainda sofre de uma espécie de adultismo." (TASSARA apud LUCENA, 2002, p.11). Não podemos ignorar, no entanto, que a percepção pública destas artes revela algo a seu respeito, isto é, a percepção da semelhança de linguagens, temas, estilos e possibilidades. A nítida relação entre desenhos animados e histórias em quadrinhos não é apenas icônica como também histórica. Carolina Marinho aponta para as origens dos desenhos animados e sua relação com os cartunistas: Os primeiros desenhos em animação eram executados por cartunistas que transportavam suas gags dos jornais para as telas. Inaugura-se aí as relações do DA com a HQ. Quer dizer, já em seu nascimento o DA é marcado por uma mesma procedência dos quadrinhos, cuja diferença se faz apenas nos distintos suportes onde cada um se veicula, ou seja, enquanto a HQ tem o papel como base, o DA tem a película.(...) Essa relação era tão estreita que o nome do DA em inglês ficou sendo Cartoon, ou seja, caricatura. (MARINHO, s/d, p. 11)

Ou seja, no início do DA, as diferenças de linguagem são apontadas por Marinho como dependendo apenas da diferença entre suportes. Naturalmente, o desenvolvimento das técnicas de animação conduziu à construção de uma linguagem específica adequada ao meio audiovisual e suas possibilidades, mas a princípio o DA nada mais era que a passagem das HQ para a película. E se é a HQ que antecede o DA, trata-se de uma questão técnica: ambas tentam representar o movimento, de forma que até as pinturas rupestres são consideradas por alguns autores como McCloud como ancestrais da HQ enquanto outros autores como Lucena as vê como ancestrais do desenho animado. No entanto a complexidade dos aspectos técnicos do DA fizeram com que seu desenvolvimento só se desse muito recentemente, como mostra Lucena: Para o desenho e a pintura, a natureza já oferecia os materiais básicos necessários à produção visual. A animação, entretanto, como ilusão do movimento através da rápida sucessão de imagens, requeria um elevado grau de desenvolvimento científico e técnico para ser viabilizada enquanto arte - o que só vai acontecer no início do século XX. (LUCENA, 2002, p.29)

A linguagem do DA possui elementos em comum tanto com a linguagem cinematográfica quanto com a HQ. A linguagem animada herdou muitos de

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seus elementos estéticos e formas de representação da HQ. Quanto à estética, a semelhança entre o traço mais utilizado nos quadrinhos e os desenhos animados é perceptível, como demonstra Marinho: Essas influências estão presentes na estética, ou seja, é traduzida fundamentalmente pelos traços dos desenhos, constituindo, nesse sentido, um estilo muito semelhante entre um e outro. (MARINHO, s/d, p.38)

Até mesmo os temas recorrentes no início de ambas as mídias são comuns, como as fábulas com animais antropomorfisados, as charges, os cartuns e as narrativas de realismo fantástico ou maravilhoso, plenamente de acordo com as possibilidades que somente o desenho podia oferecer, posto que outras artes como a literatura, a fotografia e o cinema tradicional não podiam mostrar, no caso da literatura por não oferecer imagens e no caso das outras duas por impossibilidade de realizar o que o desenho pode facilmente sugerir. Esta questão dos temas se observa em inúmeras produções, como Marinho também observa: Identificamos essa herança, digamos assim, na construção antropomorfisada dos personagens e em traços simplificados baseados em linhas de contorno, isentos da preocupação com detalhes e sombreamentos. A concepção narrativa de ambos também se assemelha produzindo histórias simplificadas, rápidas e dinâmicas. (MARINHO, s/d, p. 37)

Partindo deste cenário em que ambos possuem comuns possibilidades e técnicas semelhantes, é possível constatar que a relação entre a linguagem da animação e a linguagem da HQ conduziu a um cenário semelhante quanto ao tema das produções e sua estética predominante. Inclusive os signos visuais próprios das histórias em quadrinhos se viram muitas vezes sendo apropriados pelo DA. De maneira redundante, alguns dos signos presentes na HQ reaparecem no DA para reforçar idéias que o movimento por si só das animações já deveria bastar para sugerir, por exemplo, o movimento ou o som. Porém, percebemos a herança dos quadrinhos em diversos DA que optam por representar o movimento ainda com as linhas que os quadrinhos utilizavam, e reforçar a importância do som através da aplicação de onomatopéias, muitas vezes em busca de uma aproximação consciente com a HQ. 35


Dos quadrinhos, o DA herda o uso de elementos figurativos ou icônicos, retratado na visualização de metáforas como, por exemplo, ver estrelas, estar nas nuvens, etc...O story board ou o roteiro gráfico do DA , nada mais é do que, literalmente, quadrinizar a história, ou seja, as cenas do desenho são detalhadas em quadros sequenciais que é, digamos assim, uma espécie de esboçamento do Quadrinho. (MARINHO, s/d, p. 38)

Isto demonstra que a reprodutibilidade técnica é cada vez melhor ao passo que os recursos lingüísticos típicos que nasceram das limitações na reprodução são adotados como distinção de estilo, por opção dos diretores de arte. Assim a proximidade estética entre DA e HQ hoje não se deve necessariamente à comum origem dos profissionais, tampouco à limitações técnicas que influenciem o etilo de ambos, mas à opções ligadas geralmente à narrativa. De fato, a opção por reaproximar a estética de ambas as mídias pode se dever a um fator corriqueiro da indústria do entretenimento, que como observa Blackton (1914), citado por Lucena, se aplica também à animação: "uma vez que a novidade havia se esgotado, os filmes de efeito tornaram-se fatalmente monótonos para mentes amadurecidas"

(BLACKTON apud

LUCENA, 2002, p.45). Contudo, é válido ressaltar que a produção de um desenho animado requer conhecimentos técnicos muito mais avançados que a HQ. A tradicional animação quadro a quadro requer uma equipe maior e mais coordenada de desenhistas, divididos em cargos distintos e com enorme responsabilidade, já que a ilusão de movimento é garantida na animação pela continuidade da arte, o que por sua vez depende de um grande cuidado e perfeccionismo por parte da equipe. Isto contribuiu inclusive para que a linguagem do Desenho Animado se desenvolvesse numa direção diversa da linguagem dos quadrinhos, se aproximando da linguagem do cinema. Até mesmo a estética do DA, ainda hoje parecida com a HQ, mudou para se tornar mais viável para a indústria, como constata Lucena falando sobre o trabalho do famoso animador francês Émile Cohl: “simplificou o traço para agilizar a execução dos desenhos, mas sem abdicar da expressividade da linha” (LUCENA, 2002, p.50). Ainda mais revelador é o que Lucena diz sobre o trabalho de John Randolph Bray, que procurou aumentar a lucratividade do DA a partir das teorias administrativas de Frederick W. Taylor, chegando a alguns importantes pontos, como por exemplo "descartar ou modificar a maneira então vigente de produzir animação com 36


esforços em detalhes proibitivos” (LUCENA, 2002, p.63). Ou seja, Bray pretendia aumentar a produtividade através do uso de desenhos mais simples e animação mais limitada. Com isto, o animador pretendia viabilizar a produção em larga escala em um momento em que as técnicas de animação ainda eram muito limitadas e caras (no começo do século XX). Mas ao mesmo tempo em que passa a se afirmar como arte e desenvolver a própria linguagem, o DA é forçado a abandonar, por razões técnicas, a complexidade da arte dos quadrinhos, optando por uma arte menos detalhada ou pelo menos dotada de detalhes mais simples (como colorização e jogo de luz e sombra). Para permitir uma estética uniforme nos filmes de animação, as grandes equipes trabalharam ainda na intenção de imitar ao máximo o traço de um único artista, limitando com isto as diferenças entre si. Desta forma, o estilo de desenho torna-se além de tecnicamente mais simples também mais limitado, pois é necessário que um grande número de pessoas seja capaz de desenhar de uma só maneira. Isto conduziu ao quase abandono de algumas técnicas utilizadas na HQ, como o pontilhismo e as sombras hachuradas, que eram praticamente inviáveis para a animação tradicional quadro-a-quadro. O desenho animado compartilha de similaridades estéticas com a HQ, é verdade, mas padece de um moderado empobrecimento estético por conta de sua complexa produção. Isto se dá para que possa ser alcançado um equilíbrio entre a expressividade plástica e a cinética. Em geral, um estúdio de animação não poderá dar maior atenção a um destes aspectos sem que ocorra um prejuízo do outro. Isto se aplica na maior parte dos casos, ainda que o avanço das técnicas de animação, sobretudo a animação digital, tenha facilitado muito a preservação de ambos os aspectos nos desenhos. Mas há os casos em que é de interesse dos produtores dar maior atenção ao lado estético dos desenhos, inclusive através do uso de técnicas que dificultem a animação, como as já citadas técnicas de arte final. É o casos de produções como os Motion Comics, que sendo desenhos animados que utilizam a estética dos quadrinhos, sacrificam a fluidez da animação na intenção de preservar ao máximo os detalhes da arte quadrinizada. A expressão cinética nestes casos ficará sob a responsabilidade da expressão plástica: o desenho terá de capturar o momento certo do movimento que se deseja simular, para que o 37


espectador possa entender, por exemplo, que um personagem pulou, mesmo que o que ele veja seja um desenho estático se deslocar rigidamente pela tela. Estes recursos possuem um segundo efeito que pode se assumir que não é do interesse da maioria dos produtores e que pode ser visto como uma razão pela qual os grandes estúdios em geral preferem sacrificar a estética em prol da expressividade cinética: os Motion Comics possuem uma visível artificialidade, isto é, não se pode acreditar no movimento das personagens, o que pode afastar ou reduzir o efeito catártico. 2.5 Animação Digital 2.5.1 Concepção A década de 80 marcou uma corrida dos setores público e privado estadunidense atrás de novas tecnologias que tinham sido possibilitadas com a popularização do computador pessoal, da internet, e a criação de novos softwares que poderiam ajudar os animadores a automatizar o processo produtivo. No bojo desses descobrimentos, surgiram projetos destinados a estabelecer uma interface homem/máquina baseada na interação visual; uma interface que fosse “amigável” ao usuário e que o capacitasse a interagir com a máquina, sem que para isso fosse preciso operar a linguagem dos uns (1) e zeros (0). (CRUZ, 2006, p. 47)

Segundo Lucena (2005), depois da chegada da interface gráfica, criada em um laboratório da Xerox, no final dos anos 70, quando a computação gráfica ainda estava em sua fase experimental, uma parcela de cientistas, programadores e teóricos acharam que poderiam fazer do computador um instrumento de arte, por ser puramente matemática e racional. Tal teoria era frágil e não foi adiante, mas abriu um debate na mídia o que culminou também para na década seguinte uma profusão exagerada de computer art que dava a entender que qualquer um com o software necessário poderia ser um artista. (...) a computação gráfica era interesse do governo dos Estados Unidos devido à funcionalidade militar que ela poderia assumir.Isso fez com que o governo norte-americano financiasse maciçamente alguns centros de pesquisa universitários. Contudo, a iniciativa privada também estava atenta ao sucesso que a tecnologia fazia perante o público - sobretudo no sentido publicitário -, o que fez com

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que empresas, como Boeing, McDonnell Douglas, Lockheed, General Motors, General Electric, AT&T e IBM entrassem nesse promissor mercado.Nesse sentido, a imagem e a interação – dois conceitos presentes na expressão interface amigável – poderiam contar com todo o investimento possível para quebrar as barreiras entre o usuário comum – e artistas – e o mundo da computação. (CRUZ, 2006, p. 48)

Assim cada vez mais profissionais migravam para este campo buscando uma oportunidade de melhorar a sua condição, montando pequenos estúdios e fugindo ao controle de grandes conglomerados, como, por algum tempo, foi a história da Pixar, que foi criada como um braço da Lucasart, empresa criada por George Lucas da série Star Wars (1977), foi vendida para Steve Jobs por 10 milhões de dólares e em 2006 comprada pela Disney. Em sua jornada a Pixar começou ajudando a Lucasart em efeitos especiais, logo passando a fazer comerciais independentes, o que foi um estouro na década de 90 para fazer sua primeira obra-prima, Toy Story (1995) dirigido por Jhon Lasseter, hoje diretor de criação. O sucesso do filme deu espaço para outros marcando uma nova era no mercado da animação. A partir daí, foi deflagrada uma nova tendência de dominação no universo industrial do cinema animado, a exemplo de Shrek (2001) e Madagascar (2005), da Dreamworks Animation, A Era do Gelo (2002), do Blue Sky Studios, Procurando Nemo (2003), Os Incríveis (2004) e Carros (2006), da Pixar Animation Studios. Assim como o fenômeno Disney, na década de 1930, o cinema de animação vive atualmente seu segundo auge de popularidade.Embora esse processo tenha sido novamente acompanhado pela dominação do mercado internacional, os primeiros dez anos de produção apresentaram filmes de qualidade técnica refinada e valor artístico apurado. (CRUZ, 2006, p. 54)

Mesmo com os contínuos sucessos, a empresa ainda não conseguia gerar lucros suficientes para se sustentar e então a Pixar, em 2006, foi vendida para a Disney, no mesmo ano do lançamento da animação Carros. 2.5.2 Evolução Desde a criação da interface e do 3D (figura 7), houve uma corrida em busca de se tornar a programação digital, uma prática cada vez mais parecida com as ferramentas artísticas reais. Por exemplo, podemos mostrar a adaptação de curvas baseadas em equações da matemática (equações

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paramétricas, de terceiro grau) na programação para simular as réguas flexíveis usadas por desenhistas entre elas a Bezier curve, B-spline, e outras.

Figura 7: formas básicas em 3D Fonte: LUCENA, 2005

Mas a produção era sempre limitada pelos fracos recursos de hardware na

época

que

não

conseguiam

suprir

todas

as

necessidades

dos

pesquisadores e pelo fato de que o artista deveria saber também os difíceis códigos de programação para operar a máquina, o que foi mudado pelos pesquisadores canadenses Nester Burtnyk e Marceli Wein, que criaram as duas técnicas de maior repercussão na animação computadorizada, a animação por Keyframe e por esqueleto. Chama a atenção a preocupação de Burtnyk e Wein em ofrececer uma condição de trabalho o mais natural possível para o animador que pretende se aventurar no domínio digital. [...] O animador não tem que ser incomodado pela necessidade com a necessidade de saber programação (no sentido antiprodutivo da digitação de códigos alfanuméricos), mas há que se familiarizar com o sistema de produção digital. (BURTNYK e WEIN apud LUCENA, 2005)

A técnica de Keyframes, segundo Lucena (2005), consiste em uma adaptação do procedimento usado na animação clássica: um animador-chefe desenha as posições principais (key positions) de uma curta seqüência de ação, dando esta referência para que o animador-assistente preencha os intervalos com desenhos intermediários (inbetween frames). Esta técnica dá maior controle do movimento ao animador mas mesmo com a divisão de trabalho, a carga do mesmo dificulta melhorias estéticas. Nesta técnica o computador preenche os intervalos entre os desenhos criados por um processo chamado interpolação, aonde calcula as posições de um objeto no espaço fazendo as mudanças de acordo as posições dos keyframes. Este processo, contudo, era feito linearmente, com movimentos descontínuos e bruscos. Então Burtnyk e Wein propuseram uma interpolação 40


através de curvas (ou seja, considerando variações no movimento ao longo do tempo, em vez de velocidade constante) e propuseram o uso de esqueletos para diminuir o esforço criado sem ter que desenhar mais ou adicionar mais keyframes para se obter certos movimentos com uma estrutura que simula os ossos que sustentam a integridade do corpo dando flexibilidade local ou do desenho todo, misturando isso com a interpolação, que foram extremamente compatíveis. Obviamente o processo de realização desta técnica de animação foi gradativa ao longo que evoluções na capacidade dos hardwares foram possibilitando sua concepção. A computação gráfica dos dias de hoje existe graças aos esforços do NYIT (New York Institute of Technology) que reuniu artistas tradicionais e cientistas da computação para reunir o conhecimento existente e pesquisar sobre os usos da animação dentro do universo digital. George Lucas, recrutou os mais renomados integrantes deste instituto para a sua própria empresa a Lucasart,que tinha aberto uma ala de computação gráfica, para a continuação de seu filme (Star Wars V: The Empire Strikes Back, com seu nome traduzido para o português como, Guerra nas Estrelas: O Império Contra-Ataca). Diferentemente dos filmes criados com ajuda da computação gráfica anteriores, que usavam os recursos computacionais apenas como incremento aos filmes, que tinham certa magia e captavam o espectador, sem alguma qualidade artística, este time de nomes fortes da computação junto da capacidade artística de George Lucas prometia uma mudança no uso da computação em filmes. A animação também ganhou espaço quando empresários da televisão olharam para este campo como uma oportunidade de melhoria pois começou a ser usada em programas ao vivo, como é até os dias atuais, e assim financiando o crescimento da técnica. 2.5.3 Características Há vários pontos da animação digital em que podemos distinguir algumas diferenças e melhorias ou adaptações da animação clássica, como cita Cruz :

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Nesse sentido, de uma maneira geral, os filmes atuais são marcados por um ritmo dinâmico, acelerado, obtido através da grande quantidade de planos curtos, do uso constante de movimentos de câmera, da grande quantidade de viradas na trama, do movimento frenético dos personagens e suas personalidades histéricas. A esse respeito, o ritmo agitado dos filmes atuais estaria mais próximo das animações desenvolvidas pelos estúdios Warner Bros. e MGM, na década de 1940, do que dos primeiros filmes de Walt Disney, cujo ritmo evoca a contemplação e dá tempo ao espectador de primeiramente ver o que passa na tela, depois perceber o que acontece na história, e por fim, sentir os efeitos do encontro desses dois componentes (é claro que esse processo acontece da mesma forma na animação atual, contudo, dá-se de uma maneira mais veloz e descritiva).” (CRUZ, 2006, p. 87)

Um exemplo desta contraposição pode ser observado, segundo a autora, se compararmos os filmes Bambi (1942) e Procurando Nemo (2002), aonde vemos uma câmera mais suave no primeiro e uma montagem mais rápida e com planos mais curtos no segundo. O som também é uma característica importante de ambos os métodos sendo que nas animações Disney existe a predominância de narrações e o diálogo é usado poucas vezes para se dar continuidade a história. Já nas animações digitais modernas existe uma grande quantidade de diálogos irrequietos e músicas que contribuem para construir o ambiente irreverente das histórias. Também segundo Cruz, componentes de encenação são necessários para a criação de uma ambiente para os filmes: Os cenários, as formas das figuras, a iluminação e os efeitos visuais, tanto nos filmes tradicionais quanto nos digitais, dão credibilidade aos acontecimentos da história e viabilizam a imersão do espectador na narrativa, transportando-o ao universo representado na tela. Do ponto de vista formal, esse ponto é o que mais distancia os dois grupos de filmes, pois os resultados plásticos provenientes do uso do desenho e da pintura são essencialmente diferentes daqueles alcançados através da computação gráfica. Nesse sentido, a animação digital 3D estaria mais próxima da animação de bonecos, simulando, através do computador, o que na filmagem de bonecos é real. Nesse ponto, é a animação tradicional que tenta forjar o que é próprio da animação de bonecos e do 3D: a tridimensionalidade. As figuras de Disney almejam ser volumétricas e isso é atestado nos seus primeiros filmes: os personagens “saltam” da tela e, numa mesma imagem, é possível perceber os níveis de cenários que se localizam mais próximos e mais distantes da câmera, a exemplo da panorâmica de abertura de Bambi, em que a profundidade de campo (certamente forjada com auxílio da câmera de múltiplos planos) cria

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uma sensação de recolhimento da floresta, protegida por uma mata densa e dificilmente penetrável. (CRUZ, 2006, p 89)

Efeitos visuais também são usados desde os primeiros filmes Disney como chuva, sombra, silhueta e neblina para contribuir para a dramaticidade do filme assim como a animação digital também usa estes artifícios como textura de pelos, oceano e etc. O desenvolvimento da animação digital não poderia ser concretizado sem a ajuda de profissionais da animação clássica, do cinema, televisão e computação que levaram a pesquisa a sério e não deixaram o a arte fora de foco no desenvolvimento das tecnologias de hardware e software assim podendo alcançar o patamar que a animação digital chegou, saindo de apenas um auxílio estético para propagandas de empresas grandes e passando para um lugar de destaque na produção audiovisual contemporânea.

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Capítulo 2 – A linguagem dos Motion Comics 3.1.1 O que são os Motion Comics Nos últimos anos, estão se tornando cada vez mais comuns adaptações dos quadrinhos para outras mídias, seja em filmes, desenhos animados, videogames ou similares. O crescimento do número de produtos derivados não reflete no entanto um aumento significativo no número de vendas de revistas em quadrinhos. Ao contrário, as grandes editoras enfrentam vários desafios, como a perda de leitores para outras formas de entretenimento e a pirataria digital. Assim, adaptações do conteúdo dos quadrinhos começaram a ser cada vez mais exploradas e por isso estamos diante da profusão dos motion comics, animações simples e limitadas, em geral adaptações audiovisuais fiéis de material previamente publicado em quadrinhos. Com isto, as editoras parecem pretender atingir o público que perderam para a internet, e o fazem através de produções que se apropriam das possibilidades técnicas das novas mídias sem perder suas referências nas mídias tradicionais. Não se trata de um fato sem importância, já que esta mudança de mídia pela qual atravessam os quadrinhos está provocando transformações consideráveis em sua linguagem, através da adição de alguns elementos (como a própria animação) em detrimento do abandono de outros (as características específicas do material gráfico, como o tipo de papel, que não podem ser emuladas pelas narrativas audiovisuais) (figura 8).

Figura 8: screenshot de Broken Saints, série de animação com estética e recursos narrativos proveninentes dos quadrinhos, mas totalmente audiovisual. Nota-se o formato de tela e enquadramento widescreen, típico de vídeos, combinado com o balão de fala típico das HQs impressas. Fonte: Broken Saints

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Os chamados motion comics são uma forma de animação que compartilha semelhanças estéticas e linguísticas com as HQs e com o DA. Não se caracterizam como uma técnica específica de animação, posto que podem fazer uso de diversos recursos diferentes, nem como gênero, já que comportam todos os gêneros permissíveis aos quadrinhos. Apenas para tomarmos como exemplo, podemos mencionar a forma como Elaine Chow os definiu: “shows de slides semi-animados de gibis convencionais” (CHOW, 2009). As palavras de Chow demonstram a percepção da semelhança estética de tais produções com os quadrinhos, ao mesmo tempo em que demonstra o reconhecimento da distinção entre os MCs e os desenhos animados. Nas palavras de Cláudio Yuge, tratam-se de “uma esp cie de revista (em quadrinhos) em movimento, com a narrativa tradicional (dos quadrinhos) acrescida de efeitos de câmera e áudio” (YUGE, 2009). Yuge tamb m chamou a atenção para os suportes em que os MCs podem ocorrer: (...) você pode usar seu iPhone ou seu XBox, mesmo seu computador, para curtir as histórias em quadrinhos filmadas e dispostas em uma narrativa com closes de câmera, panorâmicas e recursos semelhantes em meio a onomatopéias e diálogos sonorizados. (YUGE, 2009)

Pelas palavras de Yuge percebe-se que ocorre nos MCs uma incomum união de elementos da linguagem estática da HQ e da linguagem da animação. Das HQs eles herdaram basicamente o grafismo, traços simplificados e signos como linhas de movimento, onomatopéias e outras representações gráficas para experiências sensoriais. Da animação herdaram o movimento, ainda que de forma incipiente e limitada (muitas vezes de forma intencional). Esta comunhão de características é notável, ao ponto de qualquer leigo perceber facilmente que os motion comics não são meros desenhos animados, ainda que suas diferenças específicas sejam de difícil apreensão. De que forma a linguagem dos MCs difere da HQ e da animação tradicional é a pergunta que deve ser respondida para que seja possível compreender a importância dos motion comics.

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3.2 Caracterização dos Motion Comics Os motion comics são uma mídia híbrida, uma combinação de elementos provenientes tanto da animação quanto dos quadrinhos. É necessário, portanto, identificar suas características estéticas, técnicas e narrativas, e determinar quais delas foram herdadas de suas mídias geradoras e quais lhes são próprias. Já é notável de antemão a herança estética das HQs de super-heróis, gênero mais bem-sucedido comercialmente e especialidade das principais editoras envolvidas com o mercado de MCs. Tanto os estilos de desenho quanto a colorização típicas deste gênero são visíveis em um grande número de motion comics. Dentre os MCs que adaptam material previamente publicado deste estilo, a narrativa serializada é a mais comum, o que faz com que a maioria das produções constitua sagas de vários episódios, sendo que em alguns casos é possível pensar até em várias temporadas. Quanto à duração, pode-se dizer que não há um padrão. Séries como Astonishing X-Men e Spider-Woman são constituídas de episódios de cerca de 10 minutos que adaptam cada um HQs de cerca de 22 páginas. Séries como Watchmen por sua vez, possuem episódios de cerca de 20 minutos, que adaptam direta e detalhadamente capítulos de cerca de 40 páginas da versão original em quadrinhos. Contudo, há casos que fogem deste padrão, como Superman: Red Son, cujas edições de cerca de 40 páginas, ainda que tenham sido adaptadas com fidelidade e sem cortes, foram desmembradas em vários episódios curtos, com cerca de um minuto e meio cada, cada um compreendendo poucas páginas da HQ original. 3.2.1 Técnicas de Produção dos Motion Comics Um dos aspectos mais visíveis dos motion comics que os diferem de outras mídias é o conjunto de métodos empregados na movimentação de seus componentes animados. Na animação tradicional, tais componentes são produzidos através de um conjunto de imagens desenhadas dispostas em sequência, o que cria a ilusão de movimento. Esta técnica não se faz presente em nenhum dos MCs atualmente disponíveis. Neste aspecto, eles possuem ligações mais visíveis com a animação digital. Nela, todos os elementos com 46


movimento são obtidos através da construção de modelos em três dimensões articulados. Alguns motion comics, especialmente aqueles produzidos pela empresa de quadrinhos Marvel como “Astonishing X-Men”, utilizam de alguma forma o método de animação tridimensional. A forma como ele é usado, entretanto, difere daquela presente nos desenhos. Enquanto estes são em geral feitos inteiramente em 3D, nos MCs a função da técnica é atribuir movimento espacial a imagens originalmente bidimensionais e estáticas. A combinação dos traços com o 3D pode, por exemplo, preencher a lacuna entre as imagens estáticas de um rosto visto de frente e este mesmo rosto visto de lado. Na animação tradicional, a imagem final é, normalmente, composta com a sobreposição de camadas desenhadas separadamente. Há uma para os elementos em primeiro plano, mais animados, e outra para os planos de fundo, predominantemente estáticos, sendo camadas intermediárias acrescentadas quando necessário. Os motion comics utilizam este recurso e ampliam sua função ao não apenas dividir uma cena entre protagonistas e cenário, mas também usar tal divisão para animar os elementos da cena. Combinada a técnicas de edição de vídeo e tratamento de imagens, este recorte das figuras em camadas pode ser usado para reproduzir vários movimentos que normalmente seriam obtidos com o processo quadro a quadro ou com o uso do 3D, como a articulação do corpo de um personagem ou o deslocamento de um veículo. Scott McCloud (2006), fala das potencialidades das mídias digitais para esta forma de arte. Sobre a produção de arte digital em geral, ele fala que: ...os elementos produzidos por programas de “desenho” são objetos matematicamente definidos, eles podem ser movidos, duplicados e transformados vezes e vezes seguidas, permanecendo sempre nítidos e precisos. Em contraste, os programas de “pintura” armazenam e processam imagens como mosaicos de minúsculos pixels, que alteram suas cores imperceptivelmente a cada mudança na imagem geral. O ato de “desenhar” foi associado ao uso de faixas elásticas mágicas... ...e o de “pintar” ao uso de uma caixa de areia inteligente, animada e multicolorida.

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Nos últimos anos, um dos santos graais da computação gráfica têm sido a combinação entre a precisão e a flexibilidade dos “desenhos” com o poder intuitivo e a sutileza da “pintura” (McCLOU , 2006, p. 149 e 150)

Os MCs são produzidos através de uma forma limitada desta combinação. A arte estática inicial em geral é produzida manualmente ou com programas de tratamento de imagens, a “pintura” a que se refere o autor. A animação de elementos desta arte, por outro lado, é feita através de processos vetoriais, de programas de edição de vídeo e modelagem tridimensional. Mas há um elemento comum que une as diversas técnicas de animação usadas nos MCs, distinguindo-as daquelas usadas em outras mídias. Nos desenhos animados, sejam eles analógicos ou digitais, o movimento é incorporado ao material desde o início do processo de produção. O desenho manual é feito quadro a quadro e o modelo tridimensional tem incorporado em si as articulações que permitirão sua posterior animação. No motion comic por outro lado, o material primário é um conjunto de desenhos estáticos e bidimensionais em cujo movimento é anexado através do uso de técnicas de animação digital variadas. Mesmo naqueles exemplos que não são adaptações, mas sim produzidos diretamente para esta mídia, os desenhos são produzidos em forma estática e posteriormente animados. Tais formas de animação são limitadas, uma característica que não passa desapercebida em artigos sobre o tema: Os curtas são um tipo de híbrido entre um quadrinho impresso e um desenho animado. A animação não é nem de perto tão rica quanto a de um desenho totalmente animado, havendo apenas uma movimentação limitada que vem na forma de tufos de fumaça, olhos se mexendo e coisas do tipo. Mas a estória progride com música e dublagens que falam os papéis dos personagens. (Tradução Livre) 3 (McBRIDE, 2008)

Como afirma a autora, o movimento na maioria dos MCs se restringe à animação de alguns elementos da cena, a adição de efeitos visuais como

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No original: The shorts are a kind of hybrid between a printed comic and a cartoon. The animation isn't nearly as rich as a fully animated cartoon, with only limited motion that comes in the form of wisps of smoke, darting eyeballs and the like. But the story is advanced with music and voiceovers that speak the characters' parts. (McBRIDE, 2008)

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fumaça e iluminação à imagem estática e ao uso de ângulos e movimentações de câmera. Em uma mídia em que a animação se faz presente, mas de forma reduzida, esta acaba por assumir um caráter minimalista, mostrando-se apenas quando preciso. Desta forma, a animação pode ser usada quando o movimento for necessário para transmitir alguma informação ou intensificar a carga emocional de uma cena. Um motion comic que faz uso de tal efeito é N, produzido pela Marvel tendo como base um conto escrito pelo autor Stephen King. Nele, alterações sutis no rosto do protagonista são mostradas, colaborando para transmitir ao espectador seu medo. Por outro lado, ações maiores, como alguém andando, são frequentemente exibidas quadro a quadro, de maneira estática. A própria ausência da animação em um contexto onde ela se faz presente pode servir para intensificar o impacto de uma cena. Um exemplo disso é alternar imagens estáticas de um personagem abrindo uma porta para sair e depois de uma sala vazia ao invés de mostrar todo o processo do personagem saindo da sala. Existem, por outro lado, MCs em que a animação é extensivamente aplicada. Nestes, procura-se obter um efeito semelhante ao dos desenhos animados tradicionais enquanto retendo os traços característicos das páginas de quadrinhos. Um exemplo dessa vertente é Astonishing X-Men, da Marvel, que chega ao extremo da sincronia labial das falas de seus personagens. Trata-se de um motion comic dinâmico e rico em movimentos, ainda que os movimentos não transmitam naturalidade na maior parte das vezes, justamente por se tratar de uma adaptação de material previamente desenhado para não ser animado. Contudo, a qualidade e quantidade de detalhes preservados da arte original compensa a falta de expressividade cinética dos desenhos. O uso dos ângulos de câmera, por sua vez, possui uma função adicional, a de dirigir o olhar do espectador. Este é um aspecto que atrai críticas aos MCs, como esta aqui apresentada: A primeira crítica dos leitores de quadrinhos com relação à novidade vai de encontro com duas das principais ferramentas de narrativa do mestre Will Eisner: a composição e o layout. Ou seja, a tela do computador ou de um iPhone, por exemplo, limitam a experiência de artistas e fãs. Enquanto os primeiros perdem a liberdade de criar linhas de ação amplas, os outros são obrigados a acompanhar a aventura de forma bem mais linear, especialmente quando o uso da sequência é vertical. (YUGE, 2009)

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Como afirma o autor, tal crítica vem principalmente dos fãs de quadrinhos. Nestes cabe à composição e layout de cada quadro dirigir o olhar do leitor aos elementos que o autor pretende destacar. E como cada interpretação do material difere das demais, o meio impresso permite ao leitor criar sua própria interpretação das sequências de imagens e falas. Nos motion comics que são adaptações de materiais impressos, a câmera concentra-se a cada instante no que seriam fragmentos de uma página, restringindo a possibilidade de leituras diversificadas desta como um todo. O artista, por sua vez, perde neste contexto a habilidade de produzir quadrinhos que permitam tais múltiplas interpretações. É necessário ressaltar, entretanto, que esta crítica implica em uma visão dos MCs como descendentes exclusivamente dos quadrinhos, ignorando sua relação com os desenhos animados, em que movimentos de câmera são em geral usados para dirigir o olhar do espectador (figuras 9 e 10).

Figura 9: página inicial da primeira edição de Watchmen: os autores fazem uso de muitos requadros convencionais na diagramação da página. Fonte: Watchmen Motion Comics

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Figura 10: screenshot do primeiro episódio de Watchmen Motion Comic: perde-se a diagramação original das páginas em quadrinhos, embora os balões sejam preservados, apesar da dublagem, por sua função estética. Fonte: GIBBONS, 2009

É notável também que os Motion Comics fazem, como a maioria dos desenhos animados, uso de efeitos sonoros, dublagem e trilha musical. Isto os distingue dos quadrinhos, que, pelas óbvias limitações do meio impresso em que são veiculados, fazem uso apenas de elementos visuais. A forma como o som é usado, entretanto, é diferente da animação tradicional. Nos MCs, os efeitos sonoros frequentemente coexistem com suas representações gráficas, originárias dos quadrinhos, como as onomatopéias e os balões de fala. Esta combinação

surge de

várias formas, podendo falas

e sons serem

representados de forma sonora, visual ou ambas simultaneamente. 3.2.2 A Estética dos Motion Comics A natureza de seus processos de desenho e animação reflete na estética dos motion comics. O primeiro sinal disso é o alto nível de detalhamento das imagens, independente destas fazerem parte do fundo ou do primeiro plano, que esta mídia possibilita e frequentemente utiliza. Esta característica pode ser observada ao compararem-se duas adaptações de uma mesma HQ da Marvel Comics. Uma

a s rie animada “X-Men”, lançada em

1992 e a outra o motion comic “Astonishing X-Men”, de 2009. Na primeira versão há uma quantidade menor de traços. Linhas finas são usadas apenas para dar contornos aos diversos elementos das cenas. Na segunda, por outro 51


lado, os traços são abundantes e pouco diferem daqueles nos quadrinhos. Isto é particularmente evidente nos cabelos, na anatomia e nas vestimentas dos personagens. No desenho animado, cabeleira e músculos são delineados de maneira simples. No MC, por outro lado, mechas individuais de cabelo, rugas de expressão e outras características anatômicas mais sutis podem ser observadas. Nas roupas, há na animação uma preferência por cores lisas ou padrões simples, enquanto no motion comic há ocorrências de estampas mais intrincadas, além de serem mais evidentes dobras e irregularidades no tecido. As técnicas de produção e as altas resoluções dos monitores atuais permitem inclusive uma utilização extensiva de texturas. Tal diferença no nível de detalhamento e abundância de traços é mais visível nos elementos móveis das cenas, como os personagens. Existe uma razão prática para isto, visto que nos MCs o movimento se faz menos presente que na animação e não requer a produção de inúmeras variações de cada elemento de cena. É necessário ressaltar, entretanto, que algumas animações tradicionais apresentam um grau de detalhes próximo ao dos motion comics. Mas tal característica em geral se restringe a produções de grande orçamento, sendo a maioria longas-metragens destinados a exibição nos cinemas, o que se justifica pela grande quantidade de trabalho manual necessária à combinação de traços detalhados com animação quadro a quadro. É dos quadrinhos que esta mídia herda grande parte de seus elementos estéticos. Isto é evidente na presença frequente de vários elementos comuns. Um deles são os balões de fala e onomatopéias. Estes podem parecer, a princípio, redundantes em um meio que permite e em geral usa efeitos sonoros e dublagem. Exceto naqueles MCs que optam pelo não uso total ou limitado da dublagem, tais elementos abandonam, portanto, sua função de transmitir informação. Suas outras qualidades, por outro lado, permanecem ou se intensificam. Nas HQs, os balões e onomatopéias participam na composição das imagens como elementos visuais. Isto é evidente, por exemplo, no modo como uma onomatopéia que representa o som de uma explosão acompanha seus traços ou compartilha de suas tonalidades alaranjadas. Este efeito se mantém nos motion comics, nos quais tal interação entre as representações gráfica e verbalizada de um evento pode ser intensificada pela adição do 52


movimento. No exemplo da explosão, a onomatopéia passa a poder expandirse juntamente com as labaredas. Naqueles que são baseados em HQs impressas, os balões servem ainda para preservar a composição visual do material original, visto que dela fazem parte. Contudo, embora em geral muito detalhados, os MCs frequentemente evidenciam a precariedade da arte do material de origem, ou seja, as HQs. Nos motion comics alguns aspectos da estética dos quadrinhos ganham um destaque maior, não pretendido pelos desenhistas e arte-finalistas. A ampliação de quadros que originalmente ocupariam pouco espaço, faz com que detalhes desenhados com menos cuidado se tornem mais evidentes. Assim, alguns aspectos de esboços e mesmo de artes finalizadas despreocupadamente aparecem mais nos motion comics que nas HQs. Esta estética mais suja e grosseira dos detalhes chama muita atenção em MCs, quer se tratem de adaptações de obras previamente publicadas - sobretudo obras não originalmente idealizadas para o formato audiovisual - ou de períodos em que a colorização digital não era largamente utilizada (o que ocasionava uma arte-final mais livre e uma escolha de cores mais descompromissada). É o caso de Watchmen, onde pequenos quadros da HQ foram ampliados e passaram a ocupar não só um grande espaço na tela, como também um tempo considerável nos MCs. É possível notar as falhas do desenho de Dave Gibbons na versão audiovisual da obra, provocadas não pela falta de talento do autor, mas pelo fato de que os originais eram pequenos e haviam sido idealizados apenas para publicação em tamanho reduzido. Os MCs que são adaptados diretamente de HQs também mantêm os demais traços do original, acrescentando apenas movimento e efeitos especiais. Mas mesmo aqueles que são desenhados diretamente para o formato digital mantêm esta estética. Uma das evidências mais visíveis disso é a presença de traços e contornos bem definidos, em especial o uso de traços finos para simular gradações de cor e de sombras opacas e recortadas, todas características das HQs. Há, entretanto, aspectos visuais dos MCs que são típicos da animação digital. Essas são as técnicas usadas principalmente para simular efeitos ambientais como chuva, fogo ou fontes de iluminação. Tais

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efeitos são em geral acrescentados digitalmente através de programas de pósprodução de vídeo. A maneira como elementos estáticos e animados se combinam também colabora para dar aos motion comics uma estética própria. A utilização de sequências de imagens estáticas para representar movimento é característica dos quadrinhos, enquanto na animação o movimento tende a ser sempre representado de forma contínua. Nos MCs, por outro lado, ocorre uma hibridação das duas formas de representação. O resultado disso é uma alteração do ritmo percebido dos eventos. Uma ação que ocorreria lentamente, como o crescimento de uma planta, pode ser mostrada por alguns quadros em rápida sucessão, enquanto uma ação mais dinâmica, como uma explosão, pode aparecer como uma animação continua e, consequentemente, dando uma impressão de ser mais longa. 3.2.3 Temáticas dos Motion Comics Como são produzidos através da adição de elementos animados e sonoros a uma arte estática preexistente é natural que a maioria dos motion comics sejam adaptações de materiais provenientes de outras mídias, uma tendência observável no mercado atual. A maioria deles é baseada em quadrinhos, sendo produzida por empresas deste ramo como a Marvel e a DC Comics. Nestes casos, a temática é a mesma que predomina no mercado de HQs. Vários dos principais exemplos deste gênero, como Astonishing X-Men e Watchmen, são transcrições para o meio digital de histórias cujo tema central traz de volta os super-heróis. Há também adaptações que não se justificam pela existência prévia de um material gráfico impresso a ser convertido para o novo formato. É o caso de N, que é baseado em uma obra literária puramente textual. Este último exemplo foi produzido como forma de divulgar o lançamento de um livro de contos. O MC de Watchmen, por sua vez, teve seu lançamento intimamente vinculado à produção de um filme também baseado nesta HQ. Ambos estes casos revelam o potencial do motion comic como mídia publicitária ou complementar a outras mídias. Os motion comics não são, entretanto, necessariamente adaptados de outras mídias, havendo material produzido diretamente para este meio. Além 54


disso, a produção de um MC é um processo mais simples que o de uma animação, seja ela feita por meios tradicionais ou digitais. Embora um exemplar mais tecnicamente complexo desta mídia exija um grau elevado de conhecimento das técnicas de produção por parte de seus criadores, um exemplar simples pode ser produzido de forma amadora com relativa facilidade. Sua veiculação, por sua vez, se dá predominantemente por meios digitais, como sites de compartilhamento de conteúdo, o que facilita a divulgação de produções independentes. Evidência disto é a grande quantidade de motion comics amadores disponíveis na internet. Grande parte destes é feita por fãs que acrescentam efeitos especiais e animação limitada a páginas de suas revistas em quadrinhos favoritas. Em suma, os motion comics possuem características herdadas dos quadrinhos, como a estética demarcada de seus traços e a presença de balões de fala e onomatopéias. A estes é acrescido, de forma limitada, movimento e efeitos de animação digital. A mídia torna-se distinta das HQs e da animação por possuir traços de ambas. É a maneira como ela combina tais traços que lhe atribui suas características próprias, como a combinação de imagens estáticas e animação minimalista para produzir efeitos narrativos, tornando os MCs uma forma distinta de ambas as suas mídias geradoras. 3.3 Quando e onde surgiram. É difícil precisar quando os motions comics foram lançados oficialmente. A ocorrência do termo é posterior ao surgimento das primeiras produções a utilizar esta linguagem, já que conforme foi discutido, as primeiras animações nada mais eram que uma transição de cartuns para os desenhos animados e como tal possuíam limitações estéticas muitas vezes semelhantes às limitações observadas nos MCs. Além disto, os motion comics compartilham semelhanças com alguns webcomics mais detalhados, que como os MCs fazem uso de efeitos de câmera e efeitos sonoros (com a diferença de que MCs não são interativos). Mesmo o temo webcomics não é unânime, já que Edgar Franco cunhou o termo HQtrônicas para se referir à sua obra Neomaso Prometeu, que compartilha diversas semelhanças com os MCs (mais uma vez, com exceção da interatividade). Entre aquelas experiências assumidamente

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interessadas em explorar o potencial dos quadrinhos animados, as primeiras são contemporâneas do lançamento de tecnologias de suportes midiáticos como o CD-Rom além é claro dos computadores com monitores dotados de imagens com resolução razoável. Isto fica claro através de McCloud: (...) pergunta - o que os quadrinhos podem fazer num ambiente digital? - foi considerada pela primeira vez pelos cartunistas durante o auge dos CD-ROMS de multimídia. Os CD-ROMS deram a muitos os primeiros vislumbres das possibilidades criativas da mídia digital. (McCLOUD, 2006, p. 208)

Quanto à questão da resolução dos monitores, McCloud observa que a princípio esta era uma importante limitação dos quadrinhos digitais: “infelizmente, para compensar a baixa resolução dos monitores, os quadrinhos muitas vezes apareciam na tela um de cada vez” (McCLOU , 2006, p. 209). Esta

questão

certamente

comprometia

a

experiência

ao

limitar

as

possibilidades da expressão como história em quadrinhos. Só recentemente, diante do surgimento de monitores com alta resolução, é que se pode pensar em produções mais aprimoradas neste sentido. Isto justifica, ao lado da expansão da internet e das mídias móveis, o fato dos motion comics começarem a crescer como forma de expressão e como mercado apenas recentemente. Logo, por si tratar de um fenômeno essencialmente atual e em formação, pode-se dizer que conceituar os motion comics é uma tarefa arriscada, posto que a especificidade de sua linguagem ainda está se desenvolvendo. No website de uma das principais produtoras envolvidas com os MCs, há uma curta cena experimental do que pode vir a ser uma tendência no futuro: um motion comic em 3D estereoscópico, para ser assistido com óculos apropriados. Durante a última década ele foi tomando forma e continua até hoje. Em 2005 a Lions Gate lançou uma versão animada da franquia de cinema Saw, no Brasil foi lançado com o nome de Jogos Mortais, com características claras de quadrinhos e pouquíssima animação. Não obteve uma grande recepção, pois ainda não se sabia o que era aquela nova arte e nem se sabia como classificála. Mas essa animação e muitas outras como Broken Saints, de produção independente, foram importantíssimas para que mais tarde a Warner Bros 56


lançasse oficialmente os seus primeiros motions comics: uma adaptação de Batman: Mad Love e Watchmen: Motion Comics, uma adaptação das histórias em quadrinhos que possuem o mesmo nome. Esses lançamentos obtiveram uma visibilidade maior porque na época ocorreu o lançamento dos filmes Batman: The Dark Knight e Watchmen o que acabou alavancando as vendas dos motions comics pela internet e assim ganhando uma fama maior. Com isto, a Warner Bros. pretendia apresentar tais obras a um público não habituado a ler quadrinhos, sobretudo no caso de Watchmen. Esta última obra foi marcada por grandes disputas entre o roteirista da HQ original, Alan Moore, que sempre se declarou contra qualquer adaptação de sua obra para um formato audiovisual, visto que o que ele pretendia era justamente explorar as possibilidades narrativas dos quadrinhos. Isto chamou uma atenção especial para a obra original durante a produção de sua adaptação cinematográfica. Muitos fãs e curiosos gostariam de saber o que havia na versão original, para poder comparar com o filme e chegar às próprias conclusões. Não é difícil compreender as motivações da Warner Bros. ao criar a versão audiovisual da HQ, já que o público contemporâneo está mais habituado à este tipo de conteúdo do que às habituais HQs impressas. No entanto, estas primeiras produções, embora tenham chamado a atenção da mídia, causaram certo estranhamento devido à dificuldade de definir a diferença entre estes MCs e os desenhos animados convencionais, além de trazer dúvidas quanto ao valor estético destas produções e sua contribuição para a linguagem e o mercado das HQs, conforme apontam Johanna Drapper e KC Carlson do Comics Worth Reading: Quando você adiciona truques de câmera e trilha sonora a uma história em quadrinhos, ela ainda é uma história em quadrinhos? Ou uma desculpa pobre para um cartum feito de forma barata? Estarão eles atingindo uma nova audiência, atraída por um novo formato em formas de venda mais modernas (que vêm com o novo formato)? Irão estes hipotéticos novos leitores eventualmente comprar revistas em quadrinhos? Poderia este ser apenas mais um jeito de fazer 4 dinheiro com o mesmo conteúdo pré-existente? (CARLSON; CARLSON, 2009)

4

No original: When you add camera tricks and a soundtrack to a comic, is it still a comic? Or just a poor excuse for a cartoon, done on the cheap? Are they reaching a new audience, attracted by a new format in more modern sales outlets (that come to them)? Will

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Os questionamentos da Comics Worth Reading foram e continuam sendo válidos. O impacto destas inovações na forma de consumir os motion comics foram analisados por Chris Albrecht: Esta primeira geração é assumidamente crua, mas há movimento suficiente nestes motion comics para manter a atenção do espectador, e até o momento, a música e a dublagem têm sido ótimos. Além disso, o nível de experimentação e sofisticação irão 5 crescer na medida em que mais forem produzidos. (ALBRECHT, 2008)

As palavras da NewTeeVee estão de acordo com o que veio a de fato acontecer. Trabalhando para rivalizar com as vendas pela internet, a Marvel Comics, concorrente da DC Comics, estava no processo de produção de mais motions comics. As adaptações de Astonishing X-Men e Spider-Woman acabaram sendo lançadas com um acabamento mais profissional e mais cuidadoso, pois alguns defeitos que ficaram claros no lançamento de Watchmen e Batman foram corrigidos. Spider-Woman, ao lado de N, marcou inclusive o início de uma nova tendência, uma vez que a série foi desenvolvida desde o princípio com a intenção de ser publicada tanto em quadrinhos impressos quanto em motion comics. Nada inédito, mas algo que ainda não havia sido tentado por nenhuma das grandes editoras do mercado. Isto deu aos autores a possibilidade de explorar as possibilidades narrativas de ambas as mídias de maneiras diferentes, o que é perceptível ao se analisar o layout das páginas da versão impressa, que nem sempre está de acordo com a versão motion comic. Ocorrem inclusive cenas alternativas, onde determinadas partes da arte foram usadas de maneiras diferentes conforme a mídia. As cores também variam entre as versões, o que cria uma distinção entre elas. Tudo isto graças ao fato de a história ter sido desde o início planejada para ser lançada

those hypothetical new readers eventually wind up buying traditional-format comics? Could this be just another way to try and make more money from the same, previously existing content?

5

No original: This first generation [of motion comics] is admittedly crude, but there is enough 'motion' in these motion comics to keep the viewer’s attention, and so far the music and voice acting have been great. Plus, the level of experimentation and sophistication will grow as more are produced.

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desta forma, ao contrário das adaptações lançadas anteriormente pela DC Comics. Por outro lado, Astonishing X-Men trata-se também de uma adaptação de material previamente publicado, assim como o recém-lançado Iron Man: Extremis em motion comic. Este último inclusive teve seu lançamento realizado próximo à estréia do filme Homem de Ferro 2, numa clara tentativa da Marvel de aproveitar a oportunidade para promover ao mesmo tempo tanto o filme como sua linha de MCs. Contudo, diante do fato de que a série pouco tem a oferecer e acrescentar em relação a sua versão original em quadrinhos ou os demais motion comics, novas críticas surgiram, colocando em foco a questão da relevância destas produções. 3.4 Circulação dos Motion Comics Os primeiros motion comics a fazerem sucesso foram distribuídos pela Warner (Time Warner Inc.), que apostou muito na confecção e divulgação dos mesmos por uma série de mídias, assim como mais tarde a Marvel Comics e outras. Lançando os episódios no iTunes, Xbox Live e Playstation Store, custando em média U$1,99, Marvel e Warner investiram para que a novidade fosse notada através de sites como o YouTube (neste caso a Marvel optou por lançar por tempo limitado os episódios piloto neste site para atrair atenção, além de lançar nele também teasers, trailers, entrevistas e making ofs) e similares. Hotsites também são utilizados, e em alguns casos, até a televisão, vide séries como Invincible, lançada na emissora americana MTV. A Time Warner também usou este meio para criar uma espécie de teaser para o filme Eu sou a Lenda (I am legend, no título original) que poderia ser visto online em um site ou também disponível no iTunes. Alguns acompanhantes do fenômeno levantam hipóteses interessantes para explicar o investimento em MCs. Apenas como exemplo, podemos citar o blog “ V s Worth Watching”, aonde a blogueira comenta os motion comics e sua entrada no mercado, já que considera os MCs uma solução barata para as empresas, um tipo de mídia que pode ser adaptada para um dispositivo móvel (iPhone, iPad, telefones em geral, entre outros) barata e com um grande buzz em sua volta.

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Além de circularem na TV, estarem disponíveis para downloads (gratuitos ou não) e poderem ser assistidos em mídias móveis, os motion comics podem também ser encontrados a venda no mercado de Home Vídeo, ou seja, DVDs e Blu-Ray. Watchmen e Broken Saints são exemplos de séries já lançadas neste formato. Isto demonstra que as produtoras possivelmente esperam que existam consumidores com vários perfis, dispostos desde a assistir em mídias móveis até os que preferem consumir os motion comics da mesma maneira que se consome um a animação tradicional. A recente adaptação cinematográfica da Graphic novel Kick Ass – Quebrando Tudo (simplesmente Kick Ass no original) fez uso de uma cena em flashback inteiramente desenvolvida como um MC, desenhado com estética semelhante à do desenhista original, John Romita Junior, indicando uma possível tendência para futuras adaptações de quadrinhos para cinema live action. 3.5 Relação Quadrinho e Motion Comics Conforme já foi apontado, os motion comics são uma hibridização destas duas formas de mídia, no entanto é interessante saber quais características usam e como são usadas, ou seja, o que existe de quadrinho e animação delimitando as motion comics. Uma das relações mais notórias entre o quadrinho e o motion comics é a utilização do traço das comics, a pintura, balões e onomatopéias dão esse caráter de “uma revista em quadrinho que se move”. É interessante notar a natureza da fusão entre HQs e animação, que nestes casos se assemelha aos primeiros experimentos deste tipo, que segundo McCloud: (...) eram de natureza aditiva... Combinando os estilos, gêneros e armadilhas dos quadrinhos impressos com a sacola interativa de truques associada aos jogos em multimídia e ao "infotainment" os produtores esperavam fazer com que os quadrinhos "ganhassem vida". Com este fim, dubladores foram usados para ler em voz alta os balões...uma animação limitada foi oferecida...(McCloud, 2006, p. 209)

Os Motion Comics utilizam da arte e da iconização dos quadrinhos como uma forma de aproximá-los do tal, e utilizam pobres recursos de animação com o mesmo afim. Temos que entender que os MCs têm mais como objetivo de 60


serem um novo estilo de quadrinho para as novas mídias interativas do que uma animação propriamente dita. A primeira idéia dos MCs era restaurar alguns heróis em quadrinhos e adaptá-los a uma nova forma de mídia (como aconteceu com a Spider-Woman e Astonishing X-Men), logo tivemos antigas histórias passadas para esse meio (Watchmen) e por fim séries que só existem no Motion Comics. A pintura nos motion comics normalmente vem com um estilo mais realista que acompanhamos nas HQs da DC e da Marvel. Principalmente porque eles re-utilizam exatamente as mesmas técnicas do quadrinho para nos dar a impressão de que são efetivamente um quadrinho em movimento. Essa pintura é feita pelos recursos de pintura digital. Apesar desse estilo ser usado para imagens estáticas devido à sombra e luz que refletem no personagem, nos motion comics eles utilizam desse recurso para dar uma quebra também na animação. Essa característica estática no meio do seu próprio dinamismo ressalta essa hibridização dos MCs e mostra a opacidade que essa forma usa ao romper com a ideia de luz e sombra, quase como um “bullet time” focado em um só detalhe enquanto o resto continua em pleno movimento. Em alguns casos, a utilização de balões chega a ser redundante, já que a dublagem não só reproduz aquilo que está escrito neles, como também indica de maneira por vezes muito mais forte as nuances da fala que os quadrinistas tentam representar através de variações na tipografia. No entanto, o uso dos balões pode ser justificado - principalmente no caso dos MCs que adaptam HQs previamente publicadas – como uma forma de preservar a composição, e com isso a experiência, das páginas originais dos quadrinhos. A utilização ou não de requadros pode se dar baseada nas mesmas justificativas, embora seja menos freqüente. Acontece que em boa parte dos motion comics não ocorre divisão da tela com várias cenas, por não haver necessidade ou interesse em mostrar vários acontecimentos ao mesmo tempo. A montagem paralela justificaria o uso de requadros, mas nos motion comics, ao contrário das HQs, o tempo não é representado, pelo menos na maioria das vezes, pelo espaço. As onomatopéias por sua vez constituem um ponto de importante reflexão. Como os balões, elas também são preservadas para manter a composição original, mas nem sempre os sons que elas representam são 61


utilizados nos MCs. Ora são omitidos, ora são trocados por sons que certamente não coincidem com o que elas representam, como é o caso de uma cena de explosão vista em um dos capítulos do MC de Superman: Red Son. Acontece que as dimensões, cores e tipografia utilizados nas onomatopéias possuem além da função de comunicar o som que se dá na história, um propósito estético. Estas duas coisas não entram em conflito na mídia impressa, mas no caso do MC do Superman um som tão intenso quanto sugerido pela onomatopéia (e pela própria cena, que envolvia a queda de um foguete) entraria em conflito com a narração da personagem principal, o que não contribuiria para a narrativa (figura 11).

Figura 11: screenshot do terceiro episódio de Superman: Red Son: a onomatopeia sugere um estrondo bem mais intenso do que a trilha Sonora que acompanha a cena utilizou. Fonte: Superman: Red Son

É interessante perceber que os quadrinhos criaram diversos recursos para simbolizar coisas das quais não temos como expressar totalmente em um desenho parado, nas MCs apesar do movimento, eles ainda resgatam esses recursos utilizados para jogar o leitor nesse universo de quadrinhos, no entanto, nada é perfeito e é difícil incorporar todo esse ideal nessa mídia e algumas características essenciais citadas pelo Will Eisner ainda não foram totalmente recriadas para esse novo meio, a tela do computador e do iPhone ainda pode limitar uma linearidade da forma de leitura. Por outro lado, parece interessar a vários autores preservar justamente estes signos visuais próprios 62


das HQs, mesmo que eles não sejam necessários. Esta redundância é muitas vezes visível, como os exemplos das onomatopéias e dos balões já deixam claro, o que demonstra que estes excessos fazem parte da proposta da narrativa dos motion comics. Desta forma, eles se diferenciam tanto das HQs quanto dos desenhos animados, rompendo com a estaticidade dos primeiros sem abraçar por completo a expressividade cinética dos últimos. Há casos em que os MCs procuram se distinguir dos desenhos animados através da auto-imposição de limitações por parte dos autores que certamente não se dão por conta de restrições orçamentárias ou técnicas. É o caso dos motion comics de Watchmen, onde todos os personagens foram dublados por um único ator. Além de anti-catártico, o resultado também carrega algumas semelhanças com a sensação de ler uma revista em voz baixa, ou ouvir uma pessoa lendo o texto dos balões apresentados na tela.

63


Conclusão Os motion comics são uma mídia de origem recente que tem como seu principal meio de veiculação a internet. Esta é também nova se comparada a outros meios como o cinema ou a televisão. Por isso, os MCs estão ainda em evolução, tendo apenas uma parcela de seus usos potenciais sido explorada pelos produtores. Consequentemente, é difícil chegar a uma caracterização definitiva tento como base a análise dos exemplares já produzidos. Um exemplo dessa evolução é o uso dos balões de fala e sua combinação com a dublagem. Nos primeiros MCs das grandes produtoras eles eram muito recorrentes, enquanto em alguns dos mais recentes eles sequer aparecem. As próprias definições oferecidas pelos profissionais envolvidos com a criação destes variam consideravelmente. Um exemplo é esta de Neil Adams, um dos criadores do motion comic de Astonishing X-Men. Uma história em quadrinhos que se mexe? Sim! Mas isso não é... animação? Na verdade, não. Animação, como se define hoje, são centenas de milhares de células de animação desenhadas por um estúdio de artistas de animação que adaptam o trabalho de UM criador para uma versão simplificada - que tenha o menor número possível de linhas. Se bem feito, pode ficar brilhante - porém, nunca será o trabalho original do artista. Até agora. O que nos traz à motion comic que será lançada no dia 28. (ADAMS, Neil. 2009)

Ele parece ver a mídia como uma extensão ou complemento das histórias em quadrinhos, uma visão justificada pelo fato de

que

a

maioria

dos

exemplares produzidos até agora é adaptada diretamente das páginas das HQs de super-heróis. Ao mesmo tempo, entretanto, ele aponta uma importante característica dos MCs que, por não ser herdada de nenhuma de suas mídias geradoras, os quadrinhos e a animação, parece ser fundamental para distinguilos das mesmas. Trata-se da forma como são animados, através do acréscimo do movimento a uma arte estática desenhada pré-existente. Adams aponta como principal benefício deste método a possibilidade de preservar inalterado o trabalho de desenho do quadrinista original e também as características estéticas do quadrinho, como seus traços abundantes e detalhados. Tais métodos de fato fazem com que os motion comics tenham uma vocação para a adaptação de materiais provenientes de outras mídias, em especial as HQs. Esta é, no entanto, apenas uma de suas possibilidades 64


temáticas e estéticas. A retenção dos traços típicos dos quadrinhos tem sido, até agora, comum a todos os MCs produzidos. Há também uma predileção quase absoluta pelas adaptações. Mas, como já foi falado, esta é uma mídia incipiente e, portanto, aberta à criação de inúmeras vertentes ainda não exploradas, o que significa que futuramente podem ser criados exemplares que utilizam outras vertentes estéticas. Já existem mesmo casos que fogem à regra das adaptações, como o motion comic Broken Saints. Em suma, o uso de outras temáticas ou traços estéticos por si só não é suficiente para descaracterizar um motion comic como tal. O mesmo pode ser dito da duração que, embora gire em torno de poucos minutos na maioria dos casos, pode facilmente se estender mais que isso. Através da análise de vários exemplares da mídia, podem ser identificadas algumas características que parecem ser fundamentais a todos os MCs, embora a mídia não se encontre ainda suficientemente bem estabelecida para que sejam alcançadas conclusões definitivas. Uma delas é o nível de detalhe dos traços, ou mais especificamente o potencial para tal. Embora não possa ser observada em todos os exemplos da mídia, fica evidente que esta permite um nível de detalhamento superior ao da animação tradicional com esforço comparativamente menor. Isto é possível graças ao segundo e mais definidor aspecto dos motion comics, a já mencionada forma como eles combinam a arte estática com elementos animados. Neles, o movimento é aplicado, através de efeitos de edição e animação digital, sobre um desenho pré-existente. É esta forma de produção que empresta a vários dos MCs parte de seus traços estéticos, como o ritmo pouco natural que o movimento neles frequentemente assume ou o uso narrativo de sua ausência. E é também isto que os distingue da animação, produzida através da exibição sucessiva de quadros individuais ou de métodos tridimensionais, e dos quadrinhos, que são detalhados porém totalmente estáticos, transformando-os em uma mídia genuinamente distinta das demais. Quanto ao motion comic produzido pelo grupo, cabe observar que foi utilizada uma estética rebuscada em vários momentos, se aproximando da estética de um esboço, com o fim de fazer uso da vocação dos MCs para

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explorarem os detalhes da arte estática que a animação tradicional deixa escapar ou coloca em segundo plano. Trata-se de um roteiro autoral e inédito e não de uma adaptação de obra previamente publicada. Nele, um jovem trabalhador que acorda todos os dias às sete horas e seis minutos (uma alusão ao número da besta, que é 666, aqui interpretado como equivalendo à seis horas e sessenta e seis minutos) encontra-se frustrado e desinteressado na própria vida, o que o motiva, após uma discussão com seu chefe, a se suicidar. Para sua surpresa, ele acorda novamente no mesmo dia, acreditando que tudo não passou de um sonho. Diante disso, ele insiste em se suicidar de outras maneiras, já que permanece insatisfeito com sua rotina. Como o resultado é sempre o mesmo, ele decide finalmente desistir de tentar e simplesmente viver sua vida, apenas para ser atropelado por um ônibus. Seu despertador aparece então de relance, revelando que desta vez, ele marca sete horas e sete minutos, cabendo ao espectador interpretar o verdadeiro significado desta tomada final. A escolha por um roteiro onde uma mesma rotina se repete não é gratuita. Na verdade, ela permitiu ao grupo contar uma história fazendo uso de poucos desenhos e reeditando várias vezes cenas muito parecidas. Com isto, pretendia-se transmitir a famigerada lentidão e congelamento de instantes típicos dos MCs. A inexistência de uma história em quadrinhos convencional em mídia impressa não prejudicou o trabalho do grupo e aparentemente não é um elemento de grande relevância na produção de MCs em geral, já que a diagramação própria das histórias em quadrinhos de dá em páginas com proporção

completamente

diferente

do

widescreen

adotado

no

meio

audiovisual. Isto é, a organização dos painéis num motion comic normalmente acompanha a mesma sucessão vista nas HQs, mas dificilmente os mesmos formatos e diagramação usados em páginas impressas. Também foi constatado que a decupagem de uma cena num MC pode ser feita através da disposição num mesmo frame de vários painéis retratando aspectos diferentes de um mesmo momento. O resultado é semelhante à experiência tradicional de uma HQ. 66


Uma trilha sonora foi especialmente criada para integrar o experimento. O compositor foi Vinícius Pereira da Fonseca, que recebeu uma cópia do roteiro e assistiu a uma primeira versão (inacabada e incompleta) do MC, além de receber recomendações dos membros do grupo para elaborar uma música carregada de “melancolia, amargura, tristeza, depressão e desilusão”. A música foi considerada de grande importância na hora da edição final, que buscou sincronizar cortes e movimentos de câmera com o ritmo da produção sonora. O grupo fez a opção por manter recordatórios com as falas do narradorpersonagem (único personagem que fala na produção). Estes recordatórios apresentam as falas (na verdade pensamentos, jamais proferidos em voz alta pelo protagonista) com uma tipografia que se assemelha bastante àquelas utilizadas pelas grandes editoras de HQs. Tais recordatórios são sincronizados com a narração feita por Aloísio Eustáquio Garcia Leal, que à pedido do grupo procurou interpretar o protagonista com uma voz carregada de pesar e tristeza. Com isto, o grupo acredita ter explorado de maneira satisfatória a especificidade desta forma de expressão, atingindo seus objetivos iniciais e exemplificando vários de seus achados de pesquisa.

67


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Motion Comic – 07:06 Plot Um homem que vive de sua rotina (acorda as 7:06, se arruma, vai trabalhar, almoça com os colegas, volta a trabalhar e assim retorna para sua casa) não controla sua vida, simplesmente segue o fluxo. Em uma maneira desesperada de ter o controle e acabar com o pouco sentido que sua vida possui, ele suicida. No entanto mesmo com sua morte, ele acorda novamente às 7:06. Ele tenta suicidar de novas formas até que finalmente, por não querer enfrentar todo o processo mais uma vez, decide seguir com sua vida. Neste momento, ele é atropelado por um ônibus descontrolado e acorda novamente às 7:07. Roteiro CENA 1 Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

Close do relógio de cabeceira do Som de despertador tocando 00:01 protagonista, que muda de 07:05 começa. para 07:06. Os números do mostrador digital são vermelhos. Corte seco.

Som de despertador pára.

00:07

Fade in. Plano aberto do teto do Som de ventilador começa. quarto visto da perspectiva do protagonista, ainda deitado. A pintura mostra sinais de descuido e desgaste. No centro há um ventilador ligado. As pás giram lentamente.

00:08

Plano aberto do protagonista deitado na cama, por cima do lençol, visto de cima. Sua mão está sobre o despertador, único item sobre sua mesa de cabeceira. A câmera se aproxima lentamente do rosto do protagonista.

00:20

Fade out.

00:28

Fim de cena.

Som de ventilador pára.

00:13

00:30

71


CENA 2 Vídeo (Preto e Branco) Tela preta.

Áudio Som de buzinas e motores de 00:30 carro começa em volume baixo, aumentando gradualmente.

Fade in. Plano aberto da silhueta de uma grande cidade de manhã. O céu e a luz do sol aparecem em suas cores naturais.

00:32

A câmera desce, em traveling, ao nível da rua, mostrando o protagonista dirigindo seu carro em meio a um engarrafamento. Ele veste uma camisa de mangas compridas com gravata.

00:34

Em plano fechado, uma pessoa de Som de buzinas alcança seu 00:44 camiseta e bermudas anda na volume máximo. calçada da rua em que está o carro do protagonista. Seu andar é mostrado por uma série de imagens estáticas ao invés de um movimento contínuo. A imagem do pedestre é borrada para simular a perda de foco devido a sua proximidade da câmera. Depois que o pedestre passa, a Som de buzinas imagem permanece a mesma por gradualmente. um momento.

pára 00:50

O carro à frente daquele do PROTAGONISTA: As pessoas protagonista move-se menos de um passam por mim como passam metro. Em seguida, o protagonista pelo nada. move o seu carro. .

00:53

Em traveling, a câmera sobe até Som de buzinas continua em alto 01:05 voltar a mostrar o céu. Fade out. volume. Fim de cena.

Som de buzinas pára.

01:15

72


CENA 3 Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

Fade in. Em plano aberto, é Trilha sonora sombria. mostrada uma sala repleta de cubículos idênticos, cada um ocupado por um empregado. A câmera se aproxima lentamente de um deles, em que está o protagonista.

01:15

Fade out.

01:23

Fade in. Em plano fechado, a PROTAGONISTA: Alguém ia 01:27 câmera mostra o protagonista, visto notar se eu parasse de de costas, sentado em frente a um trabalhar? computador cuja tela mostram gráficos de análise. A câmera se aproxima da tela do computador até mostrar apenas a tela. Na tela, o protagonista faz um PROTAGONISTA: Parece que não. movimento com o mouse.

01:35

Fade out.

01:43

Fade in. Em plano aberto, é PROTAGONISTA: Se eu não mostrada novamente, vista de viesse amanhã, alguém ia sentir cima, a sala repleta de cubículos. A a diferença? câmera se afasta lentamente.

01:45

Fade out. Fim de cena.

Trilha sonora pára gradualmente. 01:53 CENA 4

Vídeo (Preto e Branco) Fade in. Em plano fechado, é mostrada uma pequena e mal iluminada sala. No centro há uma mesa com uma cadeira deixada fora de lugar, como se alguém houvesse sentado nela recentemente. Em cima da mesa há um prato com sobras e uma embalagem vazia de comida pronta.

Áudio 01:55

73


As luzes se apagam.

Som de interruptor.

02:05

A câmera começa a se afastar, Som de porta se abrindo e 02:15 mostrando a imagem desta cena fechando com rangido. como um de vários quadros de uma HQ. A câmera continua a se afastar, Mesma trilha sonora da cena 2. 02:18 mostrando quatro quadros, cada Começa com volume baixo e um com uma parte de uma das aumenta gradualmente. cenas anteriores (plano aberto do protagonista deitado na cama, plano aberto dele no engarrafamento, plano fechado dele sentado em frente ao computador e plano fechado de sua mesa de jantar, respectivamente). A câmera se afasta mais, A música acelera. mostrando estes quatro quadros repetidos lado a lado inúmeras vezes. Em traveling, a câmera passa para um único quadro ao lado do conjunto de quadros menores repetidos. Nele, em plano fechado, aparece uma imagem estática do protagonista de frente para um homem de terno e aparência truculenta. O homem de terno está gritando com expressão enraivecida. O protagonista tem um semblante apático. O único elemento animado na cena é a saliva que voa, em câmera lenta, saindo da boca do homem de terno.

02:28

A música pára subitamente. 02:40 PROTAGONISTA: (pausa) Enquanto ele reclama, sinto o cuspe atingindo meu rosto. Ele diz que meu serviço é ruim. Ele deve estar certo.

Fade out. Fim de cena.

02:55

CENA 5 Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

Em plano fechado, o protagonista é Volta a tocar a música, porém 02:57 visto dentro de um elevador. mais lenta.

74


As portas do elevador se fecham.

03:00

Um quadro menor se sobrepõe à imagem principal. Nela, aparece em close o mostrador do elevador, no qual os números começam a subir a partir do 18 até chegar ao 36. Na imagem principal, a câmera se aproxima lentamente da porta do elevador.

03:03

Fade out.

A música pára gradualmente.

Fim de cena.

PROTAGONISTA: cansado.

03:23

Estou 03:25

CENA 6 Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

Em plano aberto, aparece uma Trilha sonora dramática. avenida vista de cima e margeada por altos edifícios, dentre eles o local de trabalho do protagonista. Em plano fechado, com expressão Música serena, o protagonista despenca de gradualmente. costas do topo do edifício, se afastando da câmera e caindo.

03:28

aumentando 03:38

O protagonista atinge a calçada. No Trilha sonora pára. momento do impacto a imagem é Som do impacto. substituída uma tela preta.

04:00

Subitamente a cena volta igual à Despertador começa a tocar cena 1. Porém de forma mais rápida.

04:02

Fade in. Zoom in no rosto do Despertador pára. 4:10 protagonista deitado na cama na PROTAGONISTA: Mas eu senti mesma posição. o vento em minha nuca, a aceleração da queda apertando minhas costas. Fade out. Fim de cena.

4:18

CENA 7 75


Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

A rotina dele se repete, de forma Trilha sonora dramática acelerada e mostrando apenas barulho de despertador. momentos chaves em forma de flashes até a cena 5. Fade out.

e 04:20

CENA 8 Vídeo (P/B e Vermelho)

Áudio

Fade in. Close de uma faca Trilha sonora sombria. 04:30 ensanguentada jogada no piso do PROTAGONISTA: Tento outros quarto. A câmera se afasta métodos. lentamente até mostrar a cena como um quadro de HQ. O sangue na faca aparece em vermelho. A câmera passa em traveling para PROTAGONISTA: um quadro ao lado do primeiro, que soluções. mostra em plano fechado os pés do protagonista balançando já sem vida.

Outras 04:33

A tela fica escura. Passa para um quadro abaixo do anterior, que mostra mais uma vez a cena do teto do quarto.

Barulho de despertador volume baixo.

Fade out. Fim de cena.

Barulho de despertador pára.

PROTAGONISTA: Mas resultado é sempre o mesmo.

em 04:36 o

04:37

CENA 9 Fade in. Protagonista está deitado Despertador tocando. Musica 04:38 na cama, o cotidiano se repete com com ritmo forte e pesado. imagens muito rápidas até a nova morte. PP em um revolver que dispara, Música continua. 04:50 fumaça sai do cano e sangue É ouvido um disparo de arma de espirra na parede. Tela fica preta fogo. abruptamente Em seguida abre uma nova Música continua. imagem de uma pia cheia de

04:57

76


frascos de comprimido com mais um sendo jogado na pilha. Tela preta novamente. Uma corda Música continua. com um laço para forca é preso no ventilador, tela preta.

05:00

Imagem some abruptamente. Fim Despertador pára. de cena.

05:05

CENA 10 Vídeo (Preto e Branco)

Áudio

Em plano aberto visto de frente, o Som de vento forte. protagonista aparece de pé no topo PROTAGONISTA: do edifício onde trabalha, como que cansado. prestes a saltar novamente. Sua expressão é de medo.

05:06 Estou

A câmera desce lentamente pela Trilha sonora animadora, que 05:10 fachada do edifício em traveling. começa em volume baixo e aumenta gradualmente. A câmera pára no nível da calçada. Em plano aberto, aparece o protagonista de pé em frente ao edifício com uma expressão confiante.

Trilha sonora chega ao volume 05:17 máximo. PROTAGONISTA: Talvez seja hora de continuar com minha vida.

As portas do edifício se fecham Trilha sonora pára abruptamente. 05:19 atrás dele. A câmera se aproxima Som de pneus derrapando ao lentamente do protagonista. longe. Um ônibus desgovernado atinge o Barulho de impacto. protagonista. No momento do impacto a tela fica subitamente branca.

05:22

Fade out.

05:25

Corte seco para close do mostrador Som de despertador tocando. do despertador, que marca 07:07 em vermelho.

05:27

Créditos são mostrados mostrador do relógio

no Som de despertador continua, 05:30 diminuindo lentamente de volume. Música final.

Fade out. Fim de cena.

05:40 FIM 77


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