O romance de Pompeu e Ana, libertos dos currais de D. Senhorinha JoĂŁo Bosco Bezerra Bonfim O cordel brasileiro consiste em uma histĂłria em versos, tal como esta aqui, - O romance de Pompeu e Ana, libertos dos currais de D. Senhorinha narrado porJoĂŁo Bosco Bezerra Bonfim.
Bonfim, João Bosco Bezerra O romance de Pompeu e Ana, libertos dos currais de D. Senhorinha/ João Bosco Bezerra Bonfim – Brasília : João Bosco Bezerra Bonfim, 2013
O romance de Pompeu e Ana, libertos dos currais de D. Senhorinha
xx p. il. 1.
Poesia-Brasil
CDU 82-1 www.joaoboscobezerrabonfim.com.br jbbbonfim@gmail.com
João Bosco Bezerra Bonfim
Do amor mais encantado Como água de cacimba Caiu o Vaqueiro Pompeu Pelos olhos de Aninha Aia prendada e cheirosa Das câmaras de Senhorinha
Sendo escasso o leite Nessas eras dos três setes Por seca que infestasse A hoje terra do Nordeste Regrada era a colheita Trancados queijo e azeite
Toda fina madrugada
Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Aia prendada e cheirosa
Juntos, os negros e os forros
Das câmaras de Senhorinha
Ao curral, junto à cozinha,
Pelos
olhos
de Aninha
Faziam correr o jorro Tão branco quanto privado Aos que pediam socorro Aia prendada e cheirosa
Um pouco vai para o queijo Outro tanto para a nata Mas só senhores e filhos Desfrutam dessa mamata Os escravos que comessem Os mocós vindos da mata
Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha Pelos olhos de Aninha
Um pouco vai para o queijo Outro tanto para a nata Mas sรณ senhores e filhos Os escravos que comessem Os mocรณs vindos da mata
Desfrutam dessa mamata
Mas sob a rede de Ana Nunca faltava moringa Em vez de รกgua era leite Como vindo de cacimba Pois Pompeu a presenteava Com esse mimo todo dia
Porém, redemunho escuro Rodopiou no terreiro
E não é que ele põe olhos
Com esporas de prata e espada Se apeou um cavaleiro Vindo do alto sertão Indo à serra, a seus chiqueiros
Na amada de Pompeu Propõe compra da mulher Por cobres que ali estendeu Em troca da aia formosa Que Senhorinha vendeu
Nas madrugadas seguintes Junto com a cruviana Que era o frio mais pesado Para uma alma humana A Pompeu vinha outro gelo: O de saudade tirana
A dez lĂŠguas de seu Riacho Seco estava sua Ana LĂĄ pelo alto da Serra Servindo a uma fina dama Mas sem de Pompeu os beijos Sem o leite sob a cama
Deixa que não foi dito
Dez léguas o separavam
O quanto ele era afoito
Da amada e de suas coxas
Sendo grande corredor
Mostradas ao lavar roupa
Vencia trote e chouto
Beira rio, atrás das moitas
De cavalo corredor
Onde em amor abrasado
Fosse dia ou fosse noite
Leites jorravam em coito
Mas nem raiava o dia Já de volta, o Pompeu Tirava o leite das vacas Cumpria com o que era seu Ninguém dava por falta Tomou, pois, resolução Pompeu, cativo, mas louco De amor por sua Ana Executou sem sobroço: Tiraria o leite mais cedo Sem dar qualquer alvoroço
Da escapulida que deu
Depois, moringa Ă s costas Vencia campina e serra: Levar leite a Aninha Uma cabrita que berra Pelo leite de Pompeu Exilada de sua terra.
Conta o povo que, até hoje, Se ouve a carreira danada De Pompeu indo e voltando Levando leite à amada Por isso, se andas de noite Vai encontrá-lo na estrada:
Um amante que bem valha Nem sob a peia malvada Das correntes da senzala É vencido por lambada Dá asas a pés e fala Faz no amor sua morada.
nasceu em Novo Oriente (CE), em 1961. Mas desde 1972 reside em Brasília, para
O romance de Pompeu e Ana, libertos dos currais de D. Senhorinha
onde migrou com a família, fugindo da estiagem, mas também em busca de escola e
João Bosco Bezerra Bonfim
João Bosco Bezerra Bonfim, poeta, pesquisador de artes verbais e servidor público,
outros benefícios que, então, não existiam em sua terra natal. Em Brasília, fez sua escolarização regular, cursou Letras (UnB, 1986), fez mestrado em Linguística (UnB, 2000) e também doutorado na mesma área (UnB/Universidade de Lisboa, 2009). Dos versos de cordel ouvidos na infância veio seu gosto pela leitura, que aperfeiçoou na escola regular, e depois como professor de literatura em cursos do Ensino Médio e para pré-vestibulares. Em 2001, publicou seu primeiro livro de poesia, amador amador (Ed. do Autor). Logo em seguida, o livro resultante da tese – A fome que não sai no jornal (Ed. Plano, 2002)– inaugurariam uma série que já passou de vinte livros. Além de ensaios, como Palavra de Presidente – discursos de Posse de Deodoro a Lula, (Ed. LGE, 2004), e de poesia lírica – teoria do beijo (Ed. do autor, 2003); pirenópolis pedras janelas quintais (Ed. Plano, 2002), passagens terrâneas e subterrâneas (Ed. FAC, 2004), in feito (FAC, 2009) – tem-se destacado como cordelista, com livros como Romance do Vaqueiro Voador (Ed. Callis, 2010) e LoboGuará de Hotel (Callis, 2009), e mais uma dezena de títulos, com adaptações de clássicos de Andersen ou narrativas poéticas de sua criação, como O Jipe Cangaceiro na Chapada dos Veadeiros. O Romance do Vaqueiro Voador (LGE, 2004/Callis, 2010) recebeu o prêmio Max Feffer de Design Gráfico para Wagner Alves. Adaptado para longa-metragem pelo
cineasta Manfredo Caldas, recebeu patrocínio da Petrobrás e foi apresentado na abertura do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2006. Em 2008, no Festival Latinoamericano de Cinema, em Toulouse, recebeu o Prêmio Signis, de Direitos Humanos. Para o Catálogo de Bolonha, da Fundação Nacional do Livro Infantojuvenil (FNLIJ), foram selecionadas as obras: São Chiquinho ou o rio quando menino (Ed. Biruta, 2009); No reino dos preás, o Rei Carcará (Ed. Elementar, 2010); O soldadinho de chumbo em cordel (Ed. Prumo, 2010); e Romance do Vaqueiro Voador (LGE, 2004/Callis, 2010). Pelo Fundo de Apoio à Arte e Cultura (FAC) do Distrito Federal, foram aprovadas as edições de Chronica de D. Maria Quitéria dos Inhamuns (2005); Passagens terrâneas e subterrâneas (2003); O Jipe Cangaceiro na Chapada dos Veadeiros (2004); e in feito - poesia (2009). Pelo Instituto Oi (Telemar)/Lei de Incentivo à Cultura, recebeu patrocínio para a edição de Palavra de Presidente – discursos de posse de Deodoro a Lula (LGE, 2004). Atualmente, paralelamente ao seu ofício de escrivinhador, que exerce no Senado Federal, faz palestras e ministra oficinas para educadores e outros mediadores de leitura. Sua tese de doutorado versa sobre o cordel como gênero. E com base nisso, elaborou o Guia do Mediador de Leitura, um jogo com pouco mais de dez cartas. Com instruções de atuação e dicas para interpretação dos textos, garante que – de posse de um bom livro – qualquer um pode se tornar um qualificado mediador de leitura.