Dissertação de Mestrado em Arquitectura Joao Soares

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UNIVERSIDADE LUSÍADA - NORTE (PORTO)

Corpo, Espaço e Arquitectura: ferramentas de projecto para potenciar a experiência háptica. Proposta de intervenção em Matosinhos no Caminho de Santiago

João Guilherme de Oliveira Soares

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura, orientada pela Professora Doutora Maria Candela Suárez

Faculdade de Arquitectura e Artes Porto, 2016 I



Agradecimentos

À minha Mãe, por me ter acompanhado e apoiado ao longo deste percurso de 5 anos. Ao meu Pai, por ter introduzido a arquitectura na minha vida. À Professora Doutora Maria Candela Suárez, pela sua orientação e dedicação ao longo de todo este ano. Aos meus colegas e amigos de curso e de todas as horas que me acompanharam nesta etapa, acima de tudo à Sofia Costa, Carla Araújo, Manuel Coelho, Daniela Matos, Sílvia Faria e Joana Guimarães.

III



Índice

Resumo

VII

Abstract

IX

Introdução

p.1

Capítulo I – O Corpo no Centro da Experiência

p.9

1.1.Corpo Humano na Arquitectura

p.11

1.2.Experiência Háptica

p.15

1.3.Percepção e Sensação

p.27

Capítulo II – Reflexão sobre os Elementos Influentes na Percepção Arquitectónica

p.31

2.1.Constituição do Corpo da Arquitectura

p.33

2.2.Luz e Arquitectura

p.35

Capítulo III – Casos de Estudo, a Experiência que acompanha a Obra

p.47

3.1.Critérios da escolha dos casos de estudo

p.49

3.2.Igreja do Sagrado Coração de Jesus – Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas

p.51

3.3.Piscinas das Marés de Leça da Palmeira – Álvaro Siza Vieira

p.59

3.4.Museu de Arqueologia do Vale do Côa – Camilo Rebelo e Tiago Pimentel

p.65

3.5.Teleférico de Gaia (Estação Alta) – Cristina Guedes e Francisco Vieira Campos

p.71

3.6.Levantamento fotográfico dos percursos

p.74

3.7.Reflexões das experiências e análises das obras

p.83

Capítulo IV – Ensaio Projectual, Memória Descritiva e Justificativa

p.85

4.1.Componentes para a criação da proposta arquitectónica

p.87

4.2.Local escolhido

p.89

4.3.Criação de um sistema

p.91

4.3.1.Primeira fase

p.95

4.3.2.Segunda fase

p.97

4.3.3.Terceira fase

p.99

4.4.Experiência do ensaio projectual

p.103

Conclusões finais

p.109

Bibliografia

p.115

Anexos

p.123

V



Resumo Este trabalho propõe ser uma reflexão sobre a importância da experiência do corpo humano no espaço arquitectónico e como isso pode influenciar a maneira de pensar e projectar a arquitectura. Durante a interacção entre o corpo humano e a arquitectura, os sentidos sensoriais surgem como os principais instrumentos que possibilitam uma experiência háptica. Dentro desses sentidos destacam-se o tacto, o cinestésico, a visão e a audição que ajudam na percepção do espaço arquitectónico. No entanto a percepção arquitectónica é influenciada pelos elementos que constituem o corpo da arquitectura, em que a Luz surge como o principal material cuja sua manipulação com os restantes elementos (espaço, matéria, textura, cor e sombra) altera a percepção do espaço arquitectónico. O principal objectivo deste trabalho é perceber como os sentidos ajudam a produzir uma percepção arquitectónica, e como a experiência pode ser manipulada projectualmente. Para isso, será experienciado um conjunto de obras de arquitectura nacionais, para poder descrever e analisar as sensações hápticas do utilizador e o papel da luz no espaço. A teoria desenvolvida e as estratégias projectuais estudadas nos casos de estudo e obras visitadas serão aplicadas num ensaio projectual que servirá como ferramenta de verificação do conteúdo da dissertação. O ensaio consiste na projecção de dois edifícios, um Albergue e uma Capela para peregrinos dos Caminhos de Santiago de Compostela na cidade de Matosinhos.

Palavras-chaves: Corpo Humano, Experiência Háptica, Espaço Arquitectónico, Luz Natural

VII



Abstract This work aims to be a reflection on the importance of the experience of the human body in architectural space and how it can influence the way of thinking and designing the architecture. During the interaction between the human body and architecture, the sensory senses emerge as the main tools that enable haptic experience. Within these senses include the touch, kinesthetic, vision and hearing to help in the perception of architectural space. However, the perception is influenced by the architectural elements that constitute the body of architecture, in which the light emerges as the main material that by handling with other elements (space, material, texture, color and shade) alters the perception of the architectural space. The main objective of this work is to understand how the senses help producing an architectural perception, and how the experience can be manipulated in a projectual way. For this, it was experienced a set of national architectural works, to be able to describe and analyze the haptic sensations of the user and the role of light in the space. The developed theory and projective strategies studied in the study cases and visited works will be implemented on a project that will serve as a test verification tool of the dissertation content. The test consists in a projection of two buildings, a Hostel and a Chapel for pilgrims of the St. James’s Ways in the city of Matosinhos.

Keywords: Human Body, Haptic Experience, Architectural Space, Natural Light

IX



Introdução Objecto de estudo Objectivos gerais Objectivos específicos Estado da Arte Metodologia Estrutura da dissertação

Fig.1 Henry van de Velde Hall de entrada da Universidade Bauhaus de Weimar, 1911

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2


Objecto de estudo

A relação entre o corpo humano e a arquitectura é o objecto de estudo deste trabalho. Pretende ser uma ferramenta de reflexão activa sobre a utilização do corpo humano enquanto

referência

mentora

na

arquitectura,

observando

as

premissas

antropométricas mas abrindo à discussão a componente das questões sensoriais. Os sentidos são os instrumentos que possibilitam a produção de uma percepção sensorial do local quando o corpo humano interage dinamicamente com a envolvente em que está inserido. A visão acolhe as cores, as formas, os contornos e dimensões mensuráveis. Pelo tacto a percepção não se limita apenas às mãos. Por intermédio da pele que cobre o corpo inteiro a percepção abre-se ao que a envolve. Esta acepção permite ao homem realizar uma análise mais aprofundada nos detalhes da textura, temperatura, forma e tudo o que o olhar contempla. Através da audição captam-se os sons, permitindo um conhecimento mais imediato em comparação com a visão. Pela cinestésica estabelece-se uma relação directa entre o corpo e o espaço através dos movimentos corporais, ao estimular simultaneamente todos os sentidos. Partindo do raciocínio geralmente aceite que o utilizador depende dos sentidos para “conhecer” a totalidade de uma obra e o autor projecta algo pensando no que pretende despertar sensorialmente e como pretende que seja a interpretação da sua criação, toda esta dialéctica é pois importante para quem experimenta a arquitectura e quem a projecta. Curiosamente semelhante ao corpo humano, o corpo da arquitectura divide-se em diversos elementos que influenciam a percepção arquitectónica do utilizador: 1) elementos de formalização e 2) elementos materiais e elementos imateriais. Dentro destes últimos, o que se destaca em relação aos restantes, é a Luz. Ela revela o espaço, cria a cor, molda a sombra e manipula a textura, tornando-se no elemento mais impactante, cuja alteração muda a percepção arquitectónica do utilizador.

Objectivos gerais

Aprofundar a reflexão da relação entre o corpo humano e a arquitectura e a importância da dimensão háptica na percepção/experiência

Perceber a relação entre componentes e estimuladores hápticos e o seu papel na criação de uma experiência sensorial no espaço

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Reconhecer a importância que cada elemento formal - espaço, matéria, textura, cor e sombra - em geral, e a luz em particular, têm na constituição arquitectónica

Aplicar a teoria desenvolvida num ensaio projectual

Objectivos específicos

Estudar autores relevantes para a matéria, extraindo conceitos-chave e estratégias metodológicas

Analisar um conjunto de casos de estudo visitados pessoalmente para reconstruir objectivamente as experiências neles produzidas

Realizar um diagnóstico urbano no território a intervir para definir uma estratégia projectual a partir da detecção de pontos fracos e fortes e oportunidades

Elaborar um ensaio projectual de aplicação e verificação da teoria desenvolvida, previamente sistematizada num conjunto de categorias de análise e convertidas em estratégias de projecto

Aprofundar o conhecimento necessário para fundamentar o ensaio projectual proposto, através da realização pessoal do percurso português dos Caminhos de Santiago

Estruturar um programa projectual e o seu dimensionamento que responda às questões levantadas no diagnóstico urbano

Estado da Arte

No desenvolvimento do trabalho foram seleccionados autores cuja obra se mostrou relevante para o aprofundamento na pesquisa do objecto de estudo. Edward Hall, antropologista americano conhecido pelos seus trabalhos sobre o estudo do ser humano em relação aos sentidos. A sua obra “Dimensão Oculta” tornou-se a base inicial durante o progresso do conteúdo teórico. James Gibson aparece como orientador para a aproximação a uma definição directa sobre a Experiência Háptica através de pesquisas por si elaboradas. Ashley Montagu, também antropologista, cuja obra se centra na importância do tacto é referido também. É necessário referenciar outros criadores apontados neste trabalho que se centram na questão dos sentidos, e explicam a sua relação com a arquitectura. Entre as obras mais cativantes nesse sentido, está a de Juhani Pallasmaa, conhecido pelos 4


trabalhos teóricos sobre os sentidos humanos na arquitectura. A partir do livro “Os Olhos da Pele” foram referenciados outros autores que publicaram sobre o mesmo tema. Curiosamente um dos autores referidos por Pallasmaa é Edward Hall, juntamente com Ashley Montagu e James Gibson. De Bruno Zevi, “Saber Ver a Arquitectura”, e de Steen Eiler Rasmussen, “Viver a Arquitectura”, reconhecidas como as primeiras publicações que apresentam diversos entendimentos da arquitectura através da sua própria experiência. Os restantes criadores citados, são os portugueses Henrique Muga na sua abordagem psicológica da arquitectura, e Sérgio Rodrigues. Estes, através de crónicas e referenciando alguns dos autores anteriores propõem várias formas de olhar para a arquitectura. As duas dissertações, “Sentido na Arquitectura – caso de estudo: Estância Termal – Sergirel|Chaves” de Sofia Godinho, e “Uma lógica sensível: para uma arquitectura sensual e sensorial” de Ana Silva, também mostraram ser de utilidade para o presente trabalho. Ambas articulam a importância dos sentidos na arquitectura e em particular o papel do homem na experimentação das obras. De notar que os autores eleitos são referenciados pelas suas obras sobre os sentidos e pela sua contribuição enquanto criadores de uma percepção.

Metodologia

A metodologia aplicada desenvolveu-se em três fases distintas: 1) enquadramento teórico; 2) casos de estudo; 3) diagnóstico urbano e ensaio projectual. A primeira fase do trabalho consiste na recolha e análise de informação para a realização do enquadramento teórico em análise na dissertação. Efectuou-se uma pesquisa bibliográfica recorrendo a livros e dissertações, e procedeu-se ao tratamento da informação para contextualizar o tema e definir conceitos e interpretações sobre os sentidos na arquitectura, de modo a compreender a sua influência na elaboração e experiência de uma obra. Seguidamente, elaborou-se outra pesquisa bibliográfica para perceber os elementos mais influentes na constituição da arquitectura. Entre eles surgiu a Luz com o seu papel fundamental na criação arquitectónica. Para a recolha de dados sobre o elemento Luz, foram seleccionados autores cuja obra reflecte o papel deste componente. Apesar de a arquitectura ser constituída por diversos elementos foram seleccionados apenas os que têm uma relação directa com a Luz, pois parece ser através dessas relações que se cria e manipula a atmosfera de um espaço. 5


Numa segunda fase procedeu-se à selecção de um conjunto de obras arquitectónicas, todas elas portuguesas, para possibilitar a deslocação pessoal até cada uma, de maneira a elaborar e relatar a análise da experiência háptica que ocorre. A pesquisa consiste em percorrer todos os espaços e caminhos, tomando nota - a partir de apontamentos e fotografias - das várias sensações visuais, auditivas, tácteis e cinestésicas que ocorreram durante a experiência, e das várias maneiras que a luz interage no interior, da sua constante alteração durante o dia, e como influência a percepção espacial. Toda a informação recolhida da pesquisa serve para perceber de que forma o enquadramento teórico se aplica no componente prático. Também toda a experiência e os elementos arquitectónicos que a influenciam servirão como fundamento à fase seguinte – o ensaio projectual. O ensaio projectual é procedido pelo desenvolvimento de um diagnóstico urbano e a criação de uma estratégia programática para a cidade de Matosinhos. Consiste no levamento, sistematização e análise de dados de forma a serem interpretados e utilizados como ferramentas de projecto. Entre os dados obtidos no diagnóstico, os Caminhos de Santiago de Compostela são aplicados como ferramenta fundamental do desenvolvimento projectual de um albergue e capela para peregrinos. Uma vez que nos caminhos os sentidos sensoriais são utilizados pelos caminhantes durante as várias etapas, o ensaio proposto torna-se no laboratório onde se experimenta e aplica o conteúdo teórico. Também se consegue responder à necessidade urbana da criação de um estabelecimento de hospedagem de forma a aproveitar e acolher o enorme fluxo de peregrinos que se têm deslocado à cidade ao longo dos anos. Este diagnóstico é ainda fortalecido pela realização do caminho português dos Caminhos de Santiago, fornecendo ao autor uma experiência pessoal que o capacita das ferramentas práticas vivenciadas pela hospedagem em albergues e pensões no Caminho, enquanto utilizador.

Estrutura da dissertação

No primeiro capítulo apresenta-se a relação que existe entre o corpo e a arquitectura ao longo da história, desde as questões antropomórficas até à forma como o homem recebe e descodifica os estímulos a partir da experiência háptica. Esta é abordada a partir dos seus componentes sensoriais - tacto e cinestésico - e estimuladores - visão e audição para se perceber como o espaço é percepcionado.

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No segundo capítulo é apresentado o conceito do corpo da arquitectura e os elementos que o constituem, mas desenvolvendo apenas o papel da Luz na arquitectura e a sua relação com os restantes elementos - espaço, matéria, cor e sombra. Com esta informação pretende-se perceber de que forma estes constituintes influenciam a percepção do homem na arquitectura. No terceiro capítulo é apresentado um conjunto de obras de arquitectura nacionais como o objectivo de explicar como a sua constituição influencia a percepção arquitectónica por parte do homem. Para além de uma descrição técnica das obras, também é apresentado o levantamento e conclusões tiradas pelo autor deste trabalho, após experimentar directamente esses espaços arquitectónicos. E por fim, no quarto capítulo apresenta-se um diagnóstico urbano realizado na cidade de Matosinhos onde se obtém os dados para a criação de uma proposta de intervenção de uma capela e albergue para peregrinos dos Caminhos de Santiago de Compostela, onde é dada especial atenção à valorização sensorial do espaço arquitectónico através da manipulação da experiência háptica e da Luz. O ensaio projectual é apresentado através de textos explicativos que relacionam o programa desenvolvido: 1) com o diagnóstico urbano previamente realizado que lhe dá origem, 2) com a teoria desenvolvida. Tudo isto é acompanhado com desenhos técnicos e fotografias das maquetas de estudo.

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Capítulo I O Corpo no centro da experiência

1.1. Corpo humano na Arquitectura 1.2. Experiência Háptica 1.3. Percepção e Sensação

Fig.2 Mies van der Rohe Estátua do Pavilhão de Barcelona, 1929

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Fig.3 Leonardo Da Vinci Homem Vitruviano, 1490

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1.1. Corpo humano na Arquitectura

O homem produz arquitectura – arquitecto, e habita a arquitectura – utilizador. Enquanto utilizador não é apenas um contemplador visual. Necessita que todos os seus sentidos interajam com a obra e entre si de forma a atingir a sua totalidade no domínio da fruição. Na Grécia Antiga, o filósofo Protágoras de Abdera escreveu a celebre frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Ilustra assim que na experiência arquitectónica grega o homem é o ponto de partida enquanto referência de medidas. Ou seja, os gregos “obtuvieron de los miembros del cuerpo humano las dimensiones proporcionadas que necesariamente aparecen en todos los trabajos constructivos, el dedo o 1

pulgada, el palmo, el pie, el codo” (Panero; 1996: p.15).

Esta relação entre o corpo humano e a arquitectura irá estabelecer, ao longo da História, a forma como os espaços são experimentados pelo homem. Segundo o arquitecto Sérgio Rodrigues, “o corpo do homem tem na arquitectura uma presença constante e a sua importância é central para, com pretexto ou instrumento, desenhar o espaço em que nos movimentamos” (Rodrigues; 2013: p.101). Mais tarde, na Antiga Roma, surge o tratado de Marcos Vitrúvio Polião, De Architectura Libri Decem2, onde fala sobre a relação entre o homem e as outras coisas. Nesse trabalho, o arquitecto romano descreve as medidas do corpo humano, no qual insere o homem com braços e pernas afastadas e esticadas dentro de um quadrado e de um círculo, onde caberia perfeitamente, utilizando o umbigo como centro (fig.3). Estes estudos e cálculos geométricos e de proporções iriam tornar-se fundamentais nas execuções arquitectónicas posteriores. No entanto, estes princípios de harmonia e proporção estavam presentes na Arquitectura Clássica, onde se faziam correcções para que a visão do homem não se apercebesse das deformações ópticas a que estava sujeita, que desvirtuavam a perfeição e a simetria que eram procuradas. No Renascimento, surgiu a interpretação do homem vitruviano por parte de Leonardo Da Vinci (fig.1).

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“extraíram dos membros do corpo humano as dimensões proporcionais, que pareciam necessárias em todas as operações construtivas, o dedo ou polegada, o palmo, o pé” (Tradução elaborada pelo aluno) 2 “Dez Livros sobre a Arquitectura” (tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.4 Le Corbusier Modulor, 1946

Fig.5 Le Corbusier Modulor, 1946

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Desta forma, ao longo da História da arquitectura, o homem, o corpo e os sentidos, passaram a serem entendidos e observados de variadas formas. Durante os inícios do século XX, no Movimento Moderno, os arquitectos realizaram composições baseadas num homem ideal, perfeito, capaz de viver e sentir os espaços em toda a sua perfeição. Nesse período, surge um novo sistema de dimensões a partir do corpo inventado por Le Corbusier em 1946, o Modulor (fig.4). Com este sistema era pretendido “superar o deslocamento produzido pelo abstracto sistema métrico, recuperando o antropomorfismo dos sistemas de medidas tradicionais” (Montaner; 2013: p.53). Nesse sistema, o arquitecto baseou-se num indivíduo imaginário com 1,83 metros de altura, e cria uma referência para cada situação a partir dele. Dessa referência temos o homem em pé, o homem sentado, o mais conhecido homem em pé com o braço esquerdo esticado (26 cm), o homem de braços abertos, entre outros (fig.5). Mais tarde, Le Corbusier utilizaria este sistema de proporção na projecção de diversos edifícios da sua autoria, como por exemplo a Unité d’Habitatión em Marselha. Estes exemplos históricos mostram que a arquitectura de cada época se baseia no pensamento de um determinado modelo de proporção e numa estratégia de vida diferente. Ou seja, cada época tem a sua forma de interpretar o papel do homem na arquitectura. Aliás, estas relações também mostram que a leitura do mundo feita pelo homem advém da percepção que o seu corpo permite. Isto é, pressupõe-se uma relação em que corpo e espaço se manifestem mutuamente. Segundo Sérgio Rodrigues, o filósofo Merleau-Ponty reforça a importância desta relação, pois defende “o corpo como um veículo por onde o homem experimenta. É através dele que a percepção funciona e é através dele que, parados ou em andamento, de forma activa ou contemplativa, construímos o mundo que nos envolve” (Rodrigues; 2013: p.101).

Percebe-se daqui que o corpo é entendido como ponto de encontro entre o homem e o mundo. É ainda o centro da experiência do homem e da relação com a envolvente em que se encontra inserido. O próprio filósofo afirma que o “corpo próprio está no mundo como o coração no organismo; ele mantém o espectáculo visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um sistema” (Ponty; 2006: p.273). No entanto, na actualidade, vive-se uma alteração de paradigmas na sociedade e na arquitectura. Como o desenvolvimento decorre em simultâneo, não se consegue distinguir em qual dos dois surgiu a alteração primeiro. A sociedade faz a sua transmissão de valores e de conhecimentos através de um sentido meramente visual, devido à conquista da tecnologia que é caracterizada pela velocidade informática e pela

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Fig.6 Eliot Elisofon Marcel Duchamp descendo as escadas, 1952

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exaltação da imagem. Alguns arquitectos realizam edifícios landmarks ou ícones que sejam facilmente identificáveis visualmente. Numa época em que o homem vive obcecado pela imagem, é necessário explorar a verdadeira arquitectura, isto é, a busca de sensações a partir do entendimento do homem, enquanto utilizador. Assim sendo, também interessa perceber como é que a relação entre homem e arquitectura é realizada através dos sentidos e do corpo todo, e mostrar que a arquitectura não se trata apenas da criação de meros símbolos icónicos, que se baseiam em representações de fácil entendimento. Na maioria das vezes essas representações refugiam-se em conceitos que apenas explicam aquilo que se vê, o que não corresponde à verdadeira essência da arquitectura. Como defende Bruno Zevi, “o caracter essencial da arquitectura – o que a distingue das outras actividades artísticas – está no facto de agir com um vocabulário tridimensional que incluí o homem” (Zevi; 2002: p.17). Enquanto que a pintura e a escultura são contempladas pela visão, a arquitectura é experimentada pelo homem que penetra e caminha no seu interior, “pois a arquitectura significa formas criadas em torno do homem, criadas para nelas se viver, não meramente para serem vistas de fora” (Rasmussen; 2007: p.13). É a partir do seu corpo que o homem se relaciona com a arquitectura.

1.2. Experiência Háptica

A relação entre corpo e espaço realiza-se a partir do Sistema Háptico. Este corresponde ao tacto experiênciado com todo o corpo em movimento, ou seja, envolve o tacto e o sentido cinestésico; juntamente com a visão e audição que são estimuladores do sistema háptico, pois põem o corpo em movimento (fig.6). No entanto, na arquitectura contemporânea existe um forte e intenso apelo aos estímulos visuais que secundarizam os restantes sentidos ou, em casos extremos, chegam a ser negligenciados pela obsessão da imagem. Pallasmaa defende que não se deve excluir nenhum sentido pois eles todos garantem um equilíbrio sensorial, “toda a experiência comovente com a arquitectura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. (…) Em vez da mera visão, ou dos cinco sentidos clássicos, a arquitectura envolve diversas esferas da experiência sensorial que interagem e fundem em si” (Pallasmaa; 2011: p.39).

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Fig.7 Miguel Ângelo Pormenor da Criação de Adão, 1512

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O sistema háptico é composto por um complexo de sentidos e percepções que dependem da exploração activa do ambiente por parte do corpo humano. O termo “háptico”, com origem no grego hapteshai, significa “tocar”, não se encontra muito presente no vocabulário português, apesar de ser uma denominação do sentido mais primitivo da realidade que liga o homem directamente ao ambiente físico, o tacto. Este sistema não se limita apenas às sensações tácteis como refere o psicólogo James Gibson: This apparatus consists of a complex of subsystems. It has no sense organs in the conventional meaning of the term, but the receptors in the tissue are nearly everywhere and the receptors in the joints cooperate with them. Hence the hands 3

and other body members are, in effect, active organs of perception. (Gibson; 1966: p.53).

O sistema háptico utiliza os órgãos que os seus componentes e estimuladores têm em comum (a pele, os músculos e as articulações) como instrumentos que permitem ao corpo ter uma percepção da sua posição e movimentação no espaço. Como envolve o corpo inteiro e os órgãos e sentidos funcionam em conjunto, a percepção será mais estimulante, subtil e assertiva. Segundo Kent Bloomer e Charles Moore, o sistema háptico através do tacto incluí os sensores localizados na superfície da pele que são responsáveis pelas sensações de temperatura, pressão e dor, já o sentido cinestésico está ligado aos sensores localizados nos músculos e articulações e são responsáveis por sensações como movimento e força. O sistema háptico funciona a partir de dois sistemas a que chamamos “componentes”. Esses componentes incluem o tacto e o sentido cinestésico. O tacto corporaliza a experiência do homem no mundo físico com as experiências que tem de si próprio. É o sentido que possibilita a integração do corpo humano com a matéria do mundo. É a forma mais pessoal e íntima experiênciada pelo homem por ser a partir desta percepção que se torna possível a proximidade, isto é, o contacto físico com os objectos, com as pessoas e com a envolvente palpável (fig.7). Edward Hall afirma que o tacto “é tão antigo como a própria vida” (Hall, 1986: p.56), uma vez que na evolução dos sentidos é o “earliest sensory system to become functional”4 (Montagu, 1986: p.4). Já o sentido cinestésico permite ao homem ter a percepção dos movimentos dos seus membros e locomoção em relação à envolvente. Desde o acto de colocar a mão

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“Este aparelho é constituído por um complexo de subsistemas. Não tem órgãos sensoriais no sentido convencional do termo, mas os receptores no tecido da pele estão quase por todo o corpo e os receptores nas articulações cooperam com eles. Daí as mãos e outros membros do corpo são, com efeito, órgãos activos de percepção.” (Tradução elaborada pelo aluno) 4 “primeiro sistema sensível a torna-se funcional” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.8 AndrĂŠ KertĂŠsz Disappearing Act, 1955

Fig.9 Juan Valverde de Amusco Historia de la composicion del cuerpo humano, 1580

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num corrimão, percorrer um corredor, subir umas escadas, entre outras acções, todas elas são executadas a partir da antecipação da posição actual das pernas, braços e cabeça. Isto é, a consciência da posição destes membros enquanto movimentadas consoante a intenção (fig.8). Como foi referido anteriormente, o tacto tem como principal órgão a pele; e o sentido cinestésico os músculos e articulações. De acordo com o antropólogo Ashley Montagu, a pele “it is the oldest and the most sensitive of our organs, our first medium of communication, and our most efficient protector (…) Even the transparent cornea of the eye is overlain by a layer of modified skin (…) Touch is the parent of our eyes, ears, nose, and mouth”5 (Montagu, 1986: p.3). A pele é o maior órgão do corpo humano. Ela tanto protege o interior do corpo do exterior, como o informa dos estímulos que entram em contacto com ela, como a pressão, temperatura e dor (fig.9). No interior do corpo encontram-se os músculos e articulações que contêm os nervos proprioceptivos ou cinestésicos que fornecem uma percepção do espaço que nos envolve e são responsáveis por sensações como movimento e força. Este facto é comprovado por James Gibson, “os nervos proprioceptivos informam permanentemente o individuo acerca do que se passa quando este faz intervir os seus músculos. Fornecem o feedback que permite ao homem mover-se harmoniosamente” (Hall, 1986: p.69). Apesar de se tratar de um sentido que implica a colaboração dos restantes sentidos, o tacto parece ter-se tornado no sentido mais negligenciado ao longo do tempo, talvez por sido tomado como garantido por estar em constante actuação no dia-a-dia do homem. De facto, na cultura ocidental o tacto encontra-se numa posição desvalorizada na experiência do homem para com o mundo, num sistema hierárquico em que a visão ocupa a posição soberana, e o tacto a base, algo que se estende ao período renascentista. Algo semelhante ocorre com o sentido cinestésico por corresponder a actos inconscientes e repetidos inúmeras vezes no quotidiano. No entanto, Pallasmaa defende a importância do sentido táctil na percepção do mundo, afirmando que todos os restantes sentidos “são extensões do tacto; os sentidos são especializações do tecido cutâneo, e todas as experiências sensoriais são variantes do tacto e, portanto, relacionadas à tactilidade. Nosso contacto com o mundo se dá na linha divisória de nossas identidades pessoais, pelas partes especializadas de nossa membrana de revestimento” (Pallasmaa, 2011: p.10).

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“é o mais antigo e sensível dos nossos órgãos, o nosso primeiro meio de comunicação e o nosso protector mais eficaz (…) inclusive a cárnea transparente do olho está coberta por uma camada de pele modificada (…) o tacto é o pai dos olhos, orelhas, narizes e bocas (…) é o pai de todos os sentidos” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.10 Pietro Paolini Allegary of the five senses, 1630

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Percebe-se que os restantes sentidos são extensões do tacto uma vez que as sensações podem ser interpretadas como resultantes do “toque” entre os órgãos sensoriais e a envolvente (fig.10). Ou seja, a visão seria entendida como o contacto entre o olho e superfícies através dos raios de luz, a audição entre as ondas sonoras e os tímpanos dos ouvidos e o olfacto entre o nariz e as substâncias aromáticas. Assim o tacto permite a aproximação e afastamento físico entre o homem e o mundo com que se relaciona. Por outro lado, o “toque” entre o homem e a arquitectura pode-se resumir ao simples acto de abrir ou fechar uma porta. Desde as portas que necessitem de duas mãos para serem abertas, ou as que se deslizem só com um dedo. O mesmo acontece com o tempo que se demora a percorrer uma distância, à elevação da perna para subir um degrau, entre outros, estes movimentos tornam-se experiências e conhecimentos que ficam registados na memória háptica que surge a partir do contacto íntimo que se cria com os objectos e os espaços. Como refere Pallasmaa, “o corpo sabe e lembra. O significado da arquitectura deriva das respostas arcaicas e reacções lembradas pelo corpo e sentidos” (Pallasmaa; 2011: p.57). É inquestionável que o sentido háptico tem grande impacto na experiência e percepção do espaço arquitectónico. Como refere Robert J. Yudell ao afirmar que “nuestro cuerpo como sus movimentos están en un diálogo constante com los edificios. (…) nuestros movimentos están sometidos a las mismas leyes que rigen las formas construídas y estas formas poseen la capacidad de contenerlos 6

limitados y dirigirlos fisicamente” (Bloomer, Moore; 1977: p.69).

É a partir do tacto que o homem tem a capacidade de percepcionar as superfícies e as formas dos espaços arquitectónicos em que ele se encontra e se movimenta. E o cinestésico é o que comanda e orienta o corpo enquanto este se movimenta pelo espaço arquitectónico e a cada momento informa o homem pela utilização dos músculos e articulações e a como manter o equilíbrio do seu corpo. Um grande exemplo que ilustra a maneira com este sentido expressa a relação entre homem e arquitectura será através da maçaneta da porta. O contacto entre a mão e a maçaneta da porta de entrada torna-se no aperto de mãos entre homem e arquitectura. Apesar de se tratar de um toque inconsciente, por ser um acto repetido inúmeras vezes, esta acção é um dos momentos mais íntimos que existe com uma obra arquitectónica.

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“nosso corpo e seus movimentos estão em constante diálogo com os edifícios (…) os nossos movimentos estão sujeitos às mesmas leis físicas que regem as formas construídas e estas têm a capacidade de limitar, direccionar e conter fisicamente”(Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.11 Claude-Nicolas Ledoux Olho Reflectindo o Interior do Teatro de Besanรงon

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O sistema háptico é estimulado pela visão e audição. Estes dois sentidos estimulam e convidam as sensações musculares e tácteis para se completar e enriquecer a experiência do homem na arquitectura. A visão é o sentido que tem a relação mais directa com a arquitectura (fig.11). É a partir desta percepção que o primeiro contacto com o espaço arquitectónico se realiza, através da aproximação física. Por outro lado, o ouvido é o órgão que conecta o homem com a envolvente e o mundo através de um acto tão precioso como a visão, o ouvir. A audição tem um papel fundamental no desenvolvimento e sobrevivência humana, pois é também utilizado como instrumento de segurança e de comunicação. Na história da cultura ocidental, estes dois sentidos foram considerados os mais prestigiados. A visão é reconhecida como o mais nobre dos sentidos, tendo sido considerada por Platão como o maior dom da humanidade. Desde os primeiros dias que o homem surgiu, até à actualidade, a visão ocupa o lugar superior na hierarquia dos sentidos, devido ao facto de ser a partir dela que surge a primeira e imediata percepção do espaço que envolve o homem. No entanto, a percepção do espaço “implica pontos de referências puramente visuais, tais como o alargamento e o estreitamento do campo visual conforme o espectador se aproxima ou afasta de um objecto dado” (Hall, 1986: p.82). Só desta forma é possível percepcionar a forma e cor, a luz que incide nela e as suas relações espaciais através da largura, altura e profundidade. Comparado com o sistema visual, o ouvido mostra uma menor eficácia na questão da quantidade informativa apresentada ao homem. Edward Hall afirma que “o olho pode, sem auxílio externo, registar uma quantidade extraordinária de informações num raio de cem metros, e continua a ser um meio de comunicação eficaz a uma distância de quilómetro e meio” (Hall; 1986: p.57). No entanto, o ouvido “é muito eficaz num raio máximo de seis metros. A trinta metros, a comunicação unilateral é ainda possível (…) para além desta distância, os sinais elaborados pelo homem são rapidamente reduzidos a nada” (Hall; 1986: p.57). Torna-se claro que o ouvir não possui a mesma exactidão que o olhar, no entanto, o ouvir está inserido no segundo patamar da hierarquia sensorial devido ao facto de proporcionar ao homem vastas possibilidades de obter informação do espaço onde se encontra. Quando o homem contempla um espaço apenas consegue direccionar a sua visão num só sentido, isto é, a sua percepção visual encontra-se limitada, pois ao alcançar o ângulo raso do campo de visão não consegue obter uma percepção total de todos os lados. Por outro lado, a percepção auditiva permite a captação de todos os sons que nos envolvem, independentemente da sua direcção proveniente. Esta questão é comprovada por Pallasmaa ao afirmar que “a visão isola,

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Fig.12 David Heald Fotografia do interior da Abadia de Fontenay

Fig.13 Caravaggio A Incredulidade de SĂŁo TomĂŠ, 1601

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enquanto o som incorpora; a visão é direccional, o som é unidireccional. O senso da visão implica exterioridade, mas a audição cria uma experiência de interioridade (…) o olho alcança, mas o ouvido recebe” (Pallasmaa; 2011: p.46). Apesar de serem considerados como os primeiros contactos que se tem com o espaço arquitectónico, o olhar e o ouvir evocam diferentes impressões a cada observador, influenciadas pela relação com o mundo envolvente. De certo modo a arquitectura tem a capacidade de evocar e transmitir impressões que dependem não só de si mesma, mas também de quem a experiência, dependendo do seu estado de espirito, cultura, estado emocional, entre outros factores. Estas impressões, sejam de carácter visual ou auditivo, possuem a capacidade de despertar diversos pensamentos, memórias e possíveis sensações que relembram ao sujeito a sua posição e interpretação que tem do mundo. Enquanto os olhos conseguem seleccionar e focalizar as imagens que contemplam, os ouvidos recebem sem distinção os sons do ambiente. Aliás, nas situações em que o olho não consegue captar informações visuais, o ouvido, e por vezes o tacto, tornam-se nos principais instrumentos de exploração do espaço. Entre os exemplos mais comuns para ilustrar esta questão é o som mais simples que surge na escuridão e/ou o silêncio da noite. Por mais complexo ou simples que seja, ele tem o poder de despertar no homem os pensamentos e emoções mais aterradores deixando-o num estado de alerta como forma de protecção. Outro exemplo (fig.12) é o de “uma casa que abafa o ruído parecenos subitamente mais acolhedora, mas o eco de uma sala despida, vazia amplia o desconforto da sua nudez” (Rodrigues; 2013: p.52). Tanto a visão como a audição estimulam a utilização dos componentes hápticos tacto e sentido cinestésico - na exploração de um espaço arquitectónico. A relação entre a experiência táctil e visual demonstra-o, isto é, enquanto a visão acaricia as superfícies, o tacto determina a experiência satisfatória da curiosidade do olhar (fig.13). Esta comparação é constatada por Sérgio Rodrigues que afirma, que “se é pela visão que se observa e controla, mantendo a distância ao outro, é pelo tacto que encurtamos a separação e nos aproximamos às coisas” (Rodrigues, 2013: p.49). Assim, um olhar sobre um objecto ou espaço traduz-se numa representação de uma imagem na mente do homem. Por outro lado, ao tocar em algo que lhe seja alcançável, o homem consegue obter informações e impressões que enriquecem a sua experiência, diferenciando das visuais. Isto resulta da referida colaboração entre o sentido táctil e visual. A percepção táctil permite descodificar as características físicas dos espaços onde o indivíduo se desloca e depara.

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Fig.14 Herbert Bayer O Metropolitano Solitรกrio, 1932

Fig.15 Sarah Grace Harris Echo, 2006

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O tacto acaba por completar e enriquecer a informação recolhida pela visão (fig.14), na qual não é capaz de proporcionar, como refere Pierre von Meiss “it is not enough just to look at beautiful objects on display: we want to touch them, examine the weight and the textural quality of the surfasse and its form”7 (Meiss; 1990: p.15). Através da visão descobrem-se e exploram-se os espaços por onde o homem se desloca. No entanto, é através do tacto que a interacção e o contacto físico com a matéria permite conhecer a sua identidade. Ao tocar na matéria “a pele lê a textura, o peso, a densidade e a temperatura da matéria” (Pallasmaa, 2011: p.53), conhecendo as suas mais íntimas características e despertando as mais delicadas sensações. Já o som permite transmitir grande parte das características de um determinado espaço (fig.15) desde a sua dimensão, forma, escala, materiais, entre outras. Como refere Sérgio Rodrigues, “a percepção do som transforma a escala do espaço. (…) O barulho dos passos num corredor ajuda a conhecer a sua dimensão;…” (Rodrigues; 2013: p.53). A partir desta afirmação percebesse que cada movimento cinestésico tem a possibilidade de gerar um som característico do espaço que irá influenciar a experiência ampla por parte do observador. No entanto, o desconhecimento da origem de um determinado som pode levar uma pessoa a explorar o espaço arquitectónico até descobrir a origem, neste caso a audição surge como estimulador do cinestésico.

1.3. Percepção e Sensação

O homem extrai continuamente informações através do corpo quando olha, cheira, ouve, caminha, manipula as coisas. Devido à escala e à complexidade do ambiente torna-se impossível ao homem conseguir percepcioná-lo passivamente; ele necessita de o explorar activamente, como define a experiência háptica, e processar a grande quantidade de imputs sensoriais do ambiente. Entendemos por percepção: “acto ou efeito de perceber, tomada de conhecimento sensorial de objectos ou acontecimentos exteriores, resultado ou dados de percepção” (Dicionário de Língua Portuguesa; 2010: p.1216). Isto é, os receptores sensoriais elaboram informações que não são representações do real mas sim uma interpretação individual com carácter único, uma vez que cada pessoa dispõe do seu próprio filtro no entendimento do que a rodeia. Percepcionar o ambiente onde está inserido o homem não admite uma atitude passiva. Por sua vez, a sensação é o “facto 7

“não chega apenas olhar para a beleza dos objectos expostos: nós queremos toca-los, examinar o seu peso e a qualidade textural da sua superfície e forma” (Tradução elaborada pelo aluno)

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psicofisiológico provocado pela exaltação de um órgão sensorial; intuição sensível de uma qualidade de um objecto; interpretação feita pelos órgãos nervosos do sistema central, de uma exaltação produzida pelo meio exterior” (Dicionário de Língua Portuguesa; 2010: p.1448). Estas definições são as explicações gerais destes dois elementos. No entanto, alguns psicólogos defendem a não existência de uma diferença fundamental entre ambos, como refere Henrique Muga, para quem a diferença é meramente quantitativa e não qualitativa. Ou seja, a sensação refere-se à reacção do homem a uma forma relativamente simples de estimulação, enquanto a percepção relaciona o comportamento humano com estruturas complexas de estímulos. Por outro lado, outros argumentam que a percepção e sensação são qualitativamente diferentes uma da outra. De acordo com a psicóloga Linda Davidoff, a percepção é o “processo de organizar e interpretar; inclui os sistemas visual, auditivo, somato-sensorial, químico e proprioceptivo” (Davidoff; 2001: p.767) e a sensação é o “conteúdo absorvido pelos sentidos, o qual ainda precisa de ser interpretado” (Davidoff; 2001: p.771). Pode-se concluir que a percepção é o processo de recolha de informação e preparação para uma resposta, enquanto que a sensação é uma resposta sensorial a um estímulo e transmissão da mesma ao cérebro. A percepção do espaço arquitectónico alia um entendimento que não pode ser feito de forma estática mas em movimento. Ela envolve a memória, os sentidos e as vivências do observador. Como refere Linda Davidoff, a percepção é “um processo cognitivo, uma forma de conhecer o mundo” (Davidoff; 2001: p.141). No entanto cada individuo dispõe e prepara o seu próprio pensamento a partir de um conjunto de estímulos e sensações retirados da experiência de um espaço. Quando se fala na percepção do espaço, são muitos os factores com a capacidade de alterar a maneira como é experimentado o mesmo. Isto é, “quando estamos e/ou caminhamos num espaço aberto (ou fechado) não é só a visão que é determinante, mas também a noção das mudanças de luz e sombra, de ruído e silêncio, da sensação de calor ou frio, de aromas e de texturas, contribuem para a avaliação e interpretação do espaço” (Lopes; 2005: p.20).

Aqui a luz também surge como um forte elemento na influência da percepção do espaço. A sua alteração muda a forma como o espaço se revela ao homem, não apenas no contraste com a sombra, mas também na mudança de temperatura e na revelação de texturas. Ambos estes factores (temperatura e textura) são perceptíveis através do sistema táctil que dispõe dos mecanismos que permite “ler” estas características físicas, 28


como foi referido anteriormente. No entanto, para além do tacto, o sentido cinestésico também surge como um sistema que permite ao homem explorar o espaço, pela necessidade de se movimentar para obter uma percepção total do espaço, como refere Bruno Zevi; “(…) todas as obras de arquitectura para serem compreendidas e vividas, requerem o tempo da nossa caminhada, (…)” (Zevi; 2002: p.23). Para conhecer uma obra é necessário percorrer todos os seus caminhos e estudar os seus pontos de vista sucessivos, alcançando assim a percepção do espaço e a sua realidade integral.

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Capítulo II Reflexão sobre os elementos influentes na percepção arquitectónica

2.1. Constituição do Corpo da Arquitectura 2.2. Luz e Arquitectura

Fig.16 Peter Zumthor Termas do Vale, 1996

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2.1. Constituição do Corpo da Arquitectura Se temos em conta que a arquitectura produz sensações, então é possível para o arquitecto manipular os elementos da arquitectura que estão envolvidos no processo criativo com vista a produzir no sujeito fruídor sensações do foro representativo com vocação cognitiva. Neste sentido, é pertinente falar no Corpo da Arquitectura, um conceito apresentado e defendido por Peter Zumthor no seu livro “Atmospheres”, em que afirma: “(…) what I would call the first and the greatest secret of architecture, [is] that it collects different things in the world, different materials, and combines them to create a space like this. To me it’s a kind of anatomy we are talking about. Really I mean the word “body” quite literally. It’s like our own bodies with their anatomy and things we can’t see and skin covering us – that’s what architecture means to me and that’s how I try to think about it. As a bodily mass, a membrane, a labric, a kind of covering, cloth, velvet, silk, all around me. The body! Not the idea of the body – 8

the body itself! A body that can touch me” (Zumthor; 2006: p.23).

De acordo com Zumthor, a arquitectura e o homem são ambos corpos e matéria. Ou seja, a arquitectura foi idealizada para ser semelhante ao corpo humano, também constituído por elementos que jogam em simultâneo e caracterizam o individuo. Esses componentes formam uma estrutura (esqueleto) que trabalha com diferentes layers, camadas, o revestimento interior (músculos) e o exterior (pele). Para Zumthor, estes constituintes dividem-se em três grupos: os elementos de formalização (espaço e forma), elementos materiais (textura e cor) e elementos imateriais (luz, sombra, som e atmosfera). Cada um destes permite a elaboração de um estudo intenso e aprofundado, no entanto, por objecto de estudo deste trabalho, elegeu-se a Luz. Já que, em comparação com os elementos espaço, matéria, textura, cor e sombra, é a Luz aquele que mais dinâmica apresenta por se alterar ao longo do dia. Os restantes elementos que constituem a arquitectura podem ser determinados exactamente como o arquitecto pretende, desde a orientação do edifício, dimensões de sólidos, especificação dos materiais e a forma como serão tratados, a cor com que se pretende identificar os espaços, entre outros também importantes no processo criativo. Já a Luz não pode ser controlada, ela altera-se entre a manhã e a tarde, de dia para dia, e no curso de cada dia em termos de cor e intensidade.

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“ …o que eu considero o primeiro e maior segredo da arquitectura, [é] que ela recolhe diferentes coisas do mundo, materiais diferentes, e combina-os para criar um espaço como este. Para mim é como uma anatomia de que estamos a falar. É verdade, refiro-me à palavra “corpo” quase literalmente. É como os nossos corpos com a sua anatomia e coisas que nós não vemos e a pele que nos cobre – isso é o que a arquitectura significa para mim e como eu tento pensar sobre ela. Corporalmente, como uma massa, como membrana, como tecido ou invólucro, pano, veludo, seda, tudo o que me rodeia. O corpo! Não a ideia de corpo – o corpo! Que me pode tocar” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.17 Marcus Agippa Panteão de Roma, 27 a.C.

Durante o dia 21 de Abril, aniversário da Cidade de Roma, a luz que entra pelo óculo do Panteão direcciona-se para a entrada, iluminando o pórtico. Este fenómeno foi utilizado pelos imperadores romanos como um holofote gigante, em que o imperador ao entrar era banhado por uma luz solar intensa produzindo um efeito dramático e elevando o seu estatuo para o de um deus.

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Com este facto percebe-se que a experimentação de um espaço arquitectónico será sempre diferente de pessoa para pessoa, pois a forma como a luz revela a obra e interage com os seus elementos está sempre a alterar a sensação representativa causada no sujeito. Por estas razões, este elemento é tão apreciado e trabalhado por vários arquitectos.

2.2. Luz e Arquitectura Entre todos os elementos que caracterizam a arquitectura, a luz surge não apenas como uma das qualidades fenomenológicas mais elaboradas do espaço como também é defendida por muitos arquitectos como o mais belo e luxuoso de todos os materiais. Campo Baeza chega a dizer que “é quando o arquitecto descobre que a luz é o tema central da Arquitectura que começa a ser um verdadeiro arquitecto” (Baeza; 2013b: p.53). Trata-se do recurso natural que permite ao homem ter uma percepção visual de outros elementos como a forma, o espaço, a cor, a textura e a escala. De realçar ainda que a luz consegue ter uma relação com os componentes hápticos (tacto e cinestésico). Como o próprio nome indica, a luz refere-se à claridade produzida por uma fonte luminosa. É portanto origem de constante mudança – intensidade, cor ao longo do dia, câmbios ao longo do lento desfilar das estações ao ano. Este dinamismo permite revelar uma sublime variação no modo como o homem vê e sente a arquitectura. Já se explicou que existe uma relação entre o sentido visual e táctil, ou seja, a visão torna-se no estimulador do tacto. A luz tem a capacidade de revelar os espaços que serão contemplados pela visão, mas a temperatura, a textura e o peso só podem ser analisados e lidos pelo tacto através da pele. Juhanni Pallasmaa descreve a sua experiência no Salk Institute, “senti uma tentação irresistível de caminhar directamente até à parede de concreto e tocar a maciez aveludada e a temperatura de sua pele” (Pallasmaa; 2011: p.55). Nesta descrição, a luz revelou um elemento da obra de Louis Kahn, e o observador no início contemplou-a com o olhar e pelo toque, descodificando assim parte da identidade arquitectónica. Ou seja, para além de expor o espaço, a luz realça a textura dos materiais, intensifica as suas cores, altera a sua temperatura, e reúne todas as características que permite uma leitura espacial e intensifica a sua experiência. Desde a Antiguidade que a Luz e a Arquitectura têm estado profundamente relacionadas. Nesta relação são reflectidas as preocupações de um determinado povo relativamente a este fenómeno. Já eram expressados nos templos egípcios, gregos e romanos (fig.17). Sendo que permaneceu e evoluiu até ás mais variadas formas, espaços

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Fig.18 Igreja de São Martinho de Cedofeita, século XII

Fig.19 Suger de São Dinis Basílica de Saint-Denis, século XII

Fig.20 Gian Lorenzo Bernini Igreja de Santo André do Quirinal, 1678

Fig.21 Joseph Paxton Palácio de Cristal, século 1851

Fig.22 Le Corbusier Villa Savoye, 1929

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e materiais na arquitectura. Entre as preocupações que se teve sobre a luz e a descoberta das suas qualidades, foi na atenção dada à orientação solar e a utilização da luz para destacar um determinado elemento, na qual se realçava que mais se incidiu. A luz é essencial para o desenvolver da arquitectura. Qualquer espaço de um edifício necessita de iluminação por questões funcionais e por questões decorativas. Campo Baeza sugere “sem luz NÃO há Arquitectura. Apenas construções mortas. A luz é a única capaz de tencionar o espaço para o homem” (Baeza; 2013a: p.50). Ainda afirma que a História da Arquitectura tem sido a procura do entendimento e domínio da Luz. Existe uma verdade nesta afirmação, pois ao longo da História surgiram novos meios tecnológicos que para além de marcarem o seu tempo, apresentaram características ímpares a cada estilo. A nível da estrutura, a luz influenciou o espaço de forma específica devido ao número de aberturas e ao tamanho das mesmas. Durante o período do Românico (fig.18), a luz era fraca devido às pequenas e escassas aberturas, o que criava uma atmosfera fria e escura, e ao mesmo tempo austera. Devido ao facto destas construções terem servido como defesa nas invasões barbaras e de sustentarem o peso das abobadas não permitiam o desenho de grandes vãos. Qualquer abertura condicionaria a segurança estrutural do edifício. A partir do Gótico (fig.19), o papel deste elemento assume outra importância. Deus passa a ser considerado como a única fonte de luz que, quando descia sobre as criaturas, as iluminava e conduzia à salvação. O espaço tornava-se mais amplo e iluminado. Essa questão foi reflectida nas catedrais onde se procurou com o arrojo vertical da massa construtiva, apelar ao fervor religioso e à exaltação espiritual. A surpreendente amplitude dos espaços, inundados pela luz colorida, filtrada através dos vitrais que cobriam por conjunto as altas janelas, imbuiu os interiores de uma atmosfera de forte espiritualidade. Por outro lado, no Barroco (fig.20) começou a definir-se uma arquitectura que apelasse à libertação espacial, ao fim da estaticidade e da simetria, pela busca da fantasia e do movimento e pela antítese entre os espaços interiores e exteriores. Para tal, os arquitectos criavam efeitos perspectivos e ilusórios ao nível das plantas, dos tectos, das cúpulas, através da decoração e dos efeitos luz-sombra. Com o avanço para a Arquitectura do Ferro e do Vidro (fig.21) no século XIX, surgem novas inovações tecnológicas da Revolução Tecnológica que permitiram a entrada de mais luz com uma redução dos elementos opacos, e uma nova expressão na relação entre exterior e interior. O ferro permitiu a abertura de vãos maiores e alterou por completo a forma como a arquitectura é pensada. Com a Arquitectura Moderna (fig.22) ocorre uma exaltação das novas tecnologias que seriam determinantes nos projectos arquitectónicos. Novas formas de explorar o vão surgiram e a luz ganha um novo destaque passando a ser o 37


Fig.23 Campo Baeza Caja de Granada, 2001

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elemento que garante a relação entre o espaço interior e exterior. O vidro passa a ter um papel fundamental na elaboração da estrutura, o que permitiu novas abordagens na volumetria e fachadas. O edifício ganha uma nova “pele” e as aberturas de vãos nas fachadas funcionam como uma maneira de estender a visão entre os dois lados e não apenas para a iluminar. Na actualidade, a luz continua a ter uma importância na concepção espacial e tem vindo a abandonar os estilos tradicionais de composição, no qual acaba por influenciar a forma como a luz é tratada e a sua relação com a obra (fig.23). Como foi referido anteriormente, ao relacionar-se com a arquitectura a luz também se relaciona com outros elementos. A arquitectura trabalha a partir de formas. A percepção do homem é revelada através da luz. A relação entre a luz, a forma, o espaço e outros elementos arquitectónicos é essencial para a criação de uma percepção sensorial do lugar. Contrastes entre luz e sombras, texturas e materiais que se diferenciam através dos gradientes de iluminação, em conjunto estes processos acabam por revelar o ambiente em que o homem está inserido. De acordo com Tadao Ando, a forma “is to pursue what is visually interesting or comfortable – and (…) Space, is contrast to form, is related not only to sight, hearing, and others of our five senses, but also to imperceptible sensations like sense of balance and gravity. Since i tis also related, at times, to muscular movement, its character eludes verbal 9

description.” (Furuyama; 1996: p.14).

O espaço arquitectónico iluminado pode ser definido a partir de diversos aspectos: Através da luz, a diferença entre interior e exterior, a orientação, áreas com diferentes tarefas e até mesmo sugerir movimentos. De acordo com Bruno Zevi, “a bela arquitectura será a arquitectura que tem um espaço interior que nos atraí, nos eleva, nos subjuga espiritualmente, a arquitectura feia será aquela que tem um espaço interior que nos aborrece e nos repele” (Zevi; 2002: p.24). A partir desta afirmação percebe-se que o espaço interior trata-se do espaço que se cria e que se encaixa na forma onde se irá expressar. No entanto, quando se pensa em espaço interior, é esperado que ele proteja o homem dos problemas de ofuscamento solar, da escuridão da noite, dos elementos climáticos, entre outros que não promovem o conforto.

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“é perseguir o que é visualmente interessante ou confortável – e (…) O espaço, ao contrário da forma, está relacionado não só com a visão, audição, ou com outros dos cinco sentidos, mas também com sensações imperceptíveis, com o sentido de equilíbrio e gravidade. Uma vez que, ocasionalmente, está relacionado com movimentos musculares, o seu caracter escapa à descrição verbal” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.24 Tadao Ando Casa Koshino, 1984

Fig.25 Peter Zumthor Capela de Campo Bruder Klaus, 2007

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Com a luz, torna-se possível a diferenciação entre os espaços de uma determinada área, ou seja, há uma hierarquia estabelecida a partir dos dois tipos de iluminação (natural e artificial) e a forma de distribuição da luz que acentua a distinção das interpretações das tarefas. A luz quando surge dentro de espaços que apelam à simplicidade das formas, inspira a consciência humana. Essa iluminação transforma o espaço em que “light and shadow impart movement to space, loosen its tension, and endow geometric space with corporeality”10 (Furuyama; 1996: p.13). Outra maneira de compreender os espaços pela luz é através da direccionalidade: (fig.24) A luz que direcciona o olhar do observador de um ponto ao outro, criando um caminho ou uma direcção. Na maioria das vezes, a luz também auxilia ao trazer mais dinamismo ao espaço que apenas tem a função de passagem. Noutras actividades, um foco de luz intensa e apontada para um fundo escuro chama a atenção sobre esse mesmo. Encontra-se esta manipulação não só na arquitectura mas também na pintura, teatro e cinema. Quando se manipula a luz, também se manipula a percepção que o homem tem do espaço arquitectónico. Esse espaço torna-se no resultado da totalidade do sistema de percepção. O espaço arquitectónico é constituído e expressado pelos materiais. Estes criam o limite físico do espaço através da matéria que os constituí. Cada um deles possui características que induzem as mais diversas sensações representativas: Quente e frio, conforto ou desconforto, aproximação ou afastamento, são alguns exemplos. Cada material apresenta ainda qualidades visuais e tácteis que possibilitam a criação de uma identidade concreta no espaço arquitectónico, tais como a cor, o brilho e a textura que se revela consoante a luz que interage (fig.25), densidade e plasticidade. Enquanto se experiencia um espaço arquitectónico, é possível apreciar a materialidade dos detalhes tácteis a partir dos elementos hápticos e construtivos existentes. Uma vez que se trata de um elemento físico e palpável, o material activa o reino háptico do homem através do sentido do tacto. A matéria que compõe o espaço é tocada com as superfícies da pele das mãos, pés e todo o corpo. A partir dela aprecia-se a textura e temperaturas que estimulam reacções corporais e fisiológicas.

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“luz e sombra concedem movimento ao espaço, diminuindo a tensão e injectam corporalidade geométrica” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.26 Mão explorando a textura da parede

Fig.27 Cidade de Guanajuato, México

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É através de recordações e experiências tácteis que apreciam estes elementos: “Cuando se pone de manifiesto la materialidade de los detalles que forman un espácio arquitectónico, se abre el reino háptico. La experiência sensorial se intensifica; las dimensiones psicológicas entran en juego.”11 (Holl; 2011: p.34). Como foi referido anteriormente, existe uma relação íntima entre o tacto e a visão, ambos colaboram e trocam informações entre si que ficarão registados na memória háptica. A utilização mútua destes dois sentidos torna-se evidente na percepção da temperatura da matéria, que pode ser sugerida a partir do olhar, e que se confirma e sente fisicamente ao tocar (fig.26). A luz torna-se no elemento que revela o material ao homem nas suas texturas e cores. Ao percepcionar estas características, o homem utiliza a visão pra criar o primeiro contacto com a matéria do espaço arquitectónico e depois cria uma percepção táctil ao fazer uma leitura das suas particularidades físicas que irão satisfazer a curiosidade do olhar. A textura determina a maneira como as superfícies de uma forma reflectem ou absorvem a luz que lhes é incidida. No caso da cor, ela é o resultado da reflexão e absorção da luz nos materiais, e desempenha um papel fundamental na percepção espacial a partir de estímulos visuais recebidos pelo cérebro. A escolha de cores é determinada pelo lugar ou cultura (fig.27) representando as necessidades psicológicas, climáticas, culturais e sociais do local. Este facto comprova que a cor tem uma forte influência e depende de experiências passadas e memória, o que leva a que cada entendimento se baseie numa percepção pessoal. As cores e são percepcionadas a partir da sua temperatura. Dividem-se em quentes (vermelho, laranja e amarelo) e frias (violeta, azul e verde) e acabam por ser, respectivamente, estimulantes e calmantes. De acordo com Henrique Muga, as cores quentes expressam dinamismo, alegria, imaginação ou prazer, enquanto as frias estimulam bem-estar, tranquilidade, harmonia ou equilíbrio. Por outro lado, existe o branco que transmite pureza, simplicidade ou transparência, e o preto que estimula a tristeza, elegância ou desespero. As cores com altos comprimentos de onda, alta claridade e saturação aumentam a excitação e desenvolvem uma reacção expansiva dirigida ao observador. Já aquelas que possuem baixos comprimentos de onda afastam o observador. É assim possível a partir destas qualidades ciar uma identificação com as coisas e os espaços, onde são percepcionados momentos agradáveis ou desagradáveis sobre o olhar na experiência total que daí decorre.

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“Quando se destaca a relevância dos detalhes que formam um espaço arquitectónico, o reino háptico é aberto. A experiência sensorial é intensificada; as dimensões psicológicas entram em jogo” (Tradução elaborada pelo aluno)

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Fig.28 Olafur Eliasson Weather Project, 2003

Fig.29 Peter Eiseman Memorial do Holocausto, 2005

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Os espaços arquitectónicos vivenciados no quotidiano, por natureza não são incolores. A cor surge como sendo um dos principais elementos que ao ser moldado pela luz e sombra, separada em imensos tons saturados, cria sensação de atracção, conforto ou desprezo. Pela forte influência no modo como os espaços são interpretados e experiênciados, o elemento cor tem assim que ser levado em conta. Independentemente de ser utilizada como base conceptual que define um espaço arquitectónico, ou potenciador de determinadas características, a cor tem a capacidade de manipular e atribuir atmosferas. É utilizada para destacar, favorecer e esconder certos espaços, actuando a partir da percepção da dimensão, peso, profundidade e temperatura (fig.28). De acordo com Rasmussen, “o quarto pequeno deve ser pintado em tons profundos, saturados, para que sintamos realmente a intimidade de quatro paredes próximos à nossa volta. E o esquema cromático do quatro ou da sala grande deve ser arejado, para ficarmos duplamente conscientes da amplidão do espaço de parede a parede” (Rasmussen; 2007: p.182).

Pela relação entre o tacto e a visão, a cor ao ser percepcionada pelo olhar vai estimular interpretações físicas do espaço arquitectónico. Enquanto a cor quente transmitem uma sensação de proximidade, as frias transmitem sensações de afastamento. A escolha das cores na elaboração de um projecto deve ser por isso bem planeada. Irá ditar a tolerância humana e poderá criar uma experiência positiva ou negativa de um espaço. Quando se fala sobre a luz natural também se fala sobre a sombra, ou sobretudo de sombras. Este elemento apesar de estar ao mesmo nível que a luz, não goza de tanto protagonismo como devia. É lhe atribuída ao nível da literatura onde está associada à escuridão, a representação do oculto e desconhecido. As descrições de certos percursos ou espaços normalmente mencionam um determinado estado de luz que cria uma atmosfera agradável, mas muito pouco é mencionado sobre a sombra. Como refere Pallasmaa: “as sombras profundas e a escuridão são essenciais, pois elas reduzem a precisão da visão, tornam a profundidade e a distância ambíguas e convidam a visão periférica inconsciente e a fantasia táctil” (Pallasmaa; 2011: p.44). A relação entre luz e sombra é essencial para a percepção visual de um espaço. A partir dos contrastes criados são reveladas as formas (fig.29), os cheios e vazios, a natureza dos materiais através do relevo, cor e textura, consoante a luz que incide. Ao pensar na luz também se equaciona a sombra que será projectada. Esta é uma menor intensidade de luz, ou a sua ausência. Tal como a luz, ajuda a “desenhar” os corpos e os espaços, subdividindo as formas e os contornos. Ainda revela a

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tridimensionalidade da arquitectura ao homem a partir de um jogo sábio com a luz em que define os volumes e geometrias. Ao mesmo tempo, recorda a importância da luz no quotidiano e do quanto se está atraído a ela. A sombra desperta a imaginação, uma vez que o espaço fica menos definido em comparação com quando está perfeitamente iluminado. Como refere Pallasmaa: “… a imaginação e a fantasia são estimuladas pela luz fraca e pelas sombras. (…) A luz forte e homogénea paralisa a imaginação do mesmo modo que a homogeneização do espaço enfraquece a experiência da vida humana e arrasa o senso de lugar. (…) As névoas e o crepúsculo despertam a imaginação, pois tornam as imagens visuais incertas e ambíguas” (Pallasmaa; 2011: p.44).

A sombra torna-se essencial na experiência dos espaços arquitectónicos, pois a convida à sua exploração e à procura da luz que revela os mesmos. Em ambientes de escuridão onde a visão não consegue captar informações, o homem terá que se basear na audição e por vezes no tacto para experimentar o espaço.

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Capítulo III Casos de estudo – a experiência que acompanha a obra

3.1. Critérios da escolha 3.2. Igreja do Sagrado Coração de Jesus 3.3. Piscinas das Marés de Leça da Palmeira 3.4. Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa 3.5. Teleférico de Gaia – Estação Alta 3.6. Levantamento fotográfico dos percursos 3.7. Reflexão final

Fig.30 Álvaro Siza Vieira Piscinas das Marés de Leça da Palmeira, 1966

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Fig.31 Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Fig.32 Piscinas das Marés

Fig.33 Museu Foz Côa

Fig.34 Teleférico de Gaia – Estação Alta

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3.1. Critérios da escolha dos casos de estudo

Da análise do conjunto de obras (figs.31 a 34) pretende-se demonstrar de que forma os estimuladores hápticos (visão e audição) e componentes (tacto e cinestésico) contribuem na vivência e experiência em cada uma das obras, para perceber a maneira em que cada um destes sentidos interage com os elementos que constituem os espaços. Entre os estes, será analisada a, luz, que contribui para a produção de uma percepção espacial e a forma como se relaciona com os restantes elementos. Com este levantamento não se pretende fazer apenas uma descrição técnica mas também uma descrição elaborada a partir da fruição do corpo no espaço. Os estimuladores e componentes referidos anteriormente vão ajudar a ter uma experiência háptica dos espaços. Os critérios de escolha das obras eleitas para estudo, vão de encontro à sua relevância arquitectónica, por se expressarem em diferentes maneiras na arquitectura, e por se tratar de obras públicas e nacionais, sendo que permite a deslocação às mesmas, transmitindo o que foi experiênciado nestes sítios. Outro factor levado em linha de conta é tratar-se de edifícios que são procurados por muitos utilizadores. Os edifícios escolhidos são: a “Igreja do Sagrado Coração de Jesus” de Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, as “Piscinas das Marés de Leça da Palmeira” de Álvaro Siza Vieira, o “Museu de Arqueologia do Vale do Côa” de Camilo Rebelo e Tiago Pimentel, e o “Teleférico de Gaia – Estação Alta” de Cristina Guedes e Francisco Vieira Campos. Todos estes locais são de forte afluência pública e marcos da arquitectura contemporânea em Portugal.

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Fig.35 Escadaria de acesso ao รกtrio

Fig.36 Corredor de entrada

Fig.37 Vista para a nave central

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3.2. Igreja do Sagrado Coração de Jesus Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas

A Igreja do Sagrado Coração de Jesus foi projectada pelos arquitectos portugueses Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas. Situada no distrito de Lisboa na freguesia de Santo António, pertence ao patriarcado de Lisboa. A construção da obra deu início em 1962 e terminou em 1976. A aproximação ao edifício foi feita a partir da subida da Rua Camilo Castelo. Quando se estabelece o primeiro contacto visual com a obra não se identifica de imediato como um espaço religioso. Para além de estar inserida no interior de um quarteirão a sua forma não se assemelha à das igrejas comuns portuguesas. Só depois através de uma maior proximidade do edifício é que se tem a noção de se tratar de uma igreja. A entrada é feita a partir de uma escadaria larga (fig.35). Ao subir os degraus sente-se que está a subir em direcção a um propileus, como se tratasse de um monumento. Percorrer estas escadas torna-se no primeiro esforço e ainda o contacto cinestésico que se faz com a igreja. Não havendo corrimão de apoio é necessário estar atento ao equilíbrio do corpo. As escadas levam até a um pátio totalmente exposto à luz solar. Semelhante a um ponto de encontro, este pátio permite ver a descida da rua e a larga escala da igreja. A fachada frontal não tem símbolos religiosos e isso causa confusão, pois pelo seu aspecto poderia ser um edifício com qualquer outra função. O portão de entrada encontra-se semiaberto, como se estivesse a convidar para entrar mas com calma. Empurra-se o grande portão e sente-se o frio do puxador de ferro e o peso da madeira. O subir das escadas e empurrar do portão cria a sensação de se estar a entrar num espaço grandioso em que o homem se sente insignificante e intimidado. Surpreendentemente, ao entrar na igreja surge um pequeno corredor (fig.36) com pé-direito baixo, o oposto do que se espera de um espaço religioso. Esticando o braço para cima e sente-se que o tecto é alcançável. No espaço de entrada sinto me confortável e pouco exposto à grande escala do edifício. O facto de não me sentir rodeado de elementos religiosos torna-se numa boa maneira de ser recebido na entrada. Sigo em frente e começo a ouvir os meus passos que ecoam pelo corredor. Depois olho à minha direita e deparo-me com a nave central da igreja e ao fundo o altar (fig.37). Ao olhar para a nave consegue-se perceber que afinal o edifício é de grande escala e que o tecto por cima de mim se trata de uma galeria que se alastra à volta da nave. Caminho em direcção ao altar e surge ao lado direito uma escadaria que dá acesso à galeria

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Fig.38 Caminho formado pelos bancos

Fig.39 ClarabĂłia do altar

Fig.40 CaixotĂľes da cobertura

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superior, no entanto existe um pequeno portão fechado a meio das escadas. Não sabendo se está trancado ou aberto opto por não subir. Na nave estão inseridos vários bancos longos de madeira como se encontra noutras igrejas. Continuo o meu caminho até ao altar, passando pelo caminho formado pelos bancos (fig.38). A meio do percurso ocorre um ranger de madeira que ecoa por todo o espaço. Nesse momento reparo que estou a caminhar num pavimento de madeira e que foi o meu passo que causou o barulho e criou uma sensação de desconforto. A partir deste ponto tento caminhar devagar para não causar mais barulhos. Este acto mostra uma questão interessante sobre os edifícios religiosos. Por se tratar de espaços que pessoas de fé procuram, para rezar, o silêncio é essencial para garantir o ambiente sereno e calmo. Qualquer som pode quebrar essa atmosfera e incomodar as pessoas. Para tal, quando se explora o interior é necessário caminhar devagar. Estes movimentos lentos criam uma relação íntima mais profunda com a obra, que permite o homem observar e conhecer melhor os espaços. Chegando à frente do altar, faço o sinal da cruz. Não porque sou praticante mas por uma questão de respeito. Este movimento cria mais uma vez um contacto íntimo com o edifício, desde o baixar dos joelhos e os gestos a simbolizar a cruz, tudo faz parte da experiência. A seguir sento-me num dos bancos e contemplo o interior da obra. O altar é iluminado pela luz natural vinda de uma abertura na coberta (fig.39). Ao olhar para a cima fica-se com a sensação de que a igreja é mais pequena no interior do que no exterior. Provavelmente porque não entrar muita luz natural, a sombra tem uma presença mais forte e o material ter uma cor cinzenta. Todas estas características criam uma imagem que influencia a noção de escala. O elevado pé direito da igreja é também destacado e reforçado pelos pilares que sustentam a cobertura. Estes elementos com o seu desenho e escala relembram as antigas catedrais góticas, e a cobertura é composta por caixotões (fig.40) semelhantes aos do Yale University desenhados por Louis Kahn. Ao contemplar a cobertura está a ocorrer outro esforço cinestésico, desde o esticar e contrair os músculos do pescoço até ao comprimir ligeiramente a nuca e reforçar os músculos oculares. Para além da luz vinda do altar também existem mais duas grandes aberturas verticais que permitem a entrada de luz. Essa mesma luz ao interagir com os materiais influencia a sensação das temperaturas. No caso dos bancos de madeira a cor transmite uma sensação de calor e conforto enquanto o betão transmite uma temperatura fria. Ao estar sentado no banco está-se em constante alerta para todos os sons que surgem no interior. Desde os passos das pessoas que entram e saem, e o abrir e fechar de portas.

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Fig.41 Escadas de acesso Ă galeria

Fig.42 Galeria superior

Fig.43 Vitrais que iluminam a galeria

Fig.44 Lanterim vertical

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Levanto-me do banco e vejo na esquerda escadas (fig.41) que levam a um balcão localizado por baixo do órgão. Penso que se trata de um acesso a um espaço privado. Subo outra escadaria que dá acesso às galerias superiores. Seguro-me com as duas mão nos corrimões de madeira para pousar os pés devagar nos degraus de maneira que não cause barulho. Quando me apoio nos corrimões sinto estar a fazer um esforço muscular como se estive-se a levantar todo o corpo, e o tempo que se demora a pousar os pés torna a circulação nas escadas mais lenta. Ao tocar no corrimão sente-se a sua textura lisa e temperatura quente. Em vez de estar a olhar para a obra estou atento aos meus movimentos, estas escadas por estarem inseridos num edifício religioso requerem um deslocamento mais silencioso principalmente enquanto parcialmente vazio. Apesar de ser um hábito repetido constantemente no dia-a-dia, esta subida em particular cria uma relação própria com o edifício a partir das mãos ao tocarem nos corrimões e dos pés ao tocar nos degraus. Chegando à galeria fica-se com a sensação de já não se estar na igreja, como se tivéssemos subido a um nível superior que não se relaciona com o resto da obra. Isto ocorre porque em termos de posicionamento, não se está inserido no mesmo nível que a nave e a leitura que se faz do espaço é diferente da tida quando se está no nível inferior. Ao percorrer as galerias sente-se um conforto por não se estar muito exposto como no altar, semelhante ao que ocorre por baixo delas. Servem as funções de galerias e tribunas e dispõem bancos idênticos aos da nave. Ao longo do percurso a luz natural e os elementos arquitectónicos - pilares, bancos e corrimões orientam o caminho do utilizador. No início da galeria a passagem é estreita e feita entre os pilares e as janelas horizontais (fig.42). Estas, estão inseridas em nichos que permitem espreitar para o piso inferior, bem como deixar a luz passar. Para se espreitar é necessário baixar-se porque estão colocados a um nível baixo. Seguindo em frente depara-se com uma extensa tribuna com vários bancos, iluminada por vitrais transparentes e amarelos (fig.43). Os bancos mais afastados da extremidade da galeria, juntamente com a luz amarela vinda do grande vitral, criam um ambiente confortável através da temperatura, e uma sensação de não se estar ao alcance visual de quem está no nível inferior. Há uma maior tranquilidade ao percorrer as galerias por não estar ninguém neste nível. Apesar de haver algumas pessoas na nave e outras a entrar e a sair, a sensação é de que se está sozinho na igreja. Continuando a caminhar, sigo em direcção a um lanternim vertical (fig.44) que aparentemente está a iluminar algo no nível inferior. Chegando a esse ponto, olha-se para dentro do lanternim e espreita-se uma estátua de Jesus Cristo. Ao ver este elemento ocorre um toque inconsciente no corrimão e no dobrar das costas, ou seja, a estátua convida o homem a interagir com o edifício. Olho para trás e reparo que a galeria continua em direcção ao altar. Na direita é possível

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Fig.45 Área de acolhimento

Fig.46 Escadaria de acesso à cripta

Fig.47 Cripta

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ver o nível inferior juntamente com os confessionários e uma pequena entrada de luz vinda do tecto Termina numa extensa e larga tribuna inserida num canto sombrio com pouca iluminação natural, no entanto mais próxima do altar. Nesta zona o conforto é semelhante ao da tribuna anterior. Depois de percorrer toda a galeria surge uma nova escadaria que nos encaminha novamente para a nave. De volta ao nível inferior, por baixo da tribuna superior está inserida uma pequena área de acolhimento e reunião (fig.45). Nesta zona a sombra ajuda a cria um espaço escondido que quase passa despercebido a quem está na nave. Apesar destas características não se sente um conforto semelhante à das galerias pelo facto de a sombra não evocar sensações agradáveis como a luz. Algumas pessoas procuram este espaço por estar afastado e ser pouco exposto. Por baixo da escadaria que se desceu surge outra escadaria (fig.46) que encaminha para mais um nível inferior. Volto a ter a sensação de que a passagem é restrita, pelo facto de estar localizada por baixo da igreja e de não haver ninguém a circular nela. Decido descer, parece que se está a entrar num espaço ainda mais religioso, por isso o movimento dos passos é lento. O espaço revela ser uma cripta (fig.47). O primeiro sentimento que se tem é de que não se deve estar lá, no entanto é um espaço agradável e acolhedor, composto por estátuas de santos. Apesar de ser um local aparentemente agradável sinto a necessidade de sair dali. Subo outra escadaria que me leva de volta à nave. Por cima está novamente a galeria que conduz para a saída.

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Fig.48 Inserção das piscinas na envolvente

Fig.49 Átrio de entrada

Fig.50 Porta de acesso aos balneários

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3.3. Piscinas das Marés de Leça da Palmeira Álvaro Siza Vieira

As Piscinas das Marés foram projectadas pelo arquitecto português Álvaro Siza Vieira. Situadas no concelho de Matosinhos na freguesia de Leça da Palmeira, a construção das instalações iniciaram em 1961 e terminaram em 1966. A obra encontra-se implantada na marginal de Matosinhos, Avenida da Liberdade. Trata-se de um passeio de costa que se estende ao longo de aproximadamente um quilómetro. Ao percorrer esta avenida sou logo atraído pelo horizonte que se alastra pelo mar. Devido ao longo trajecto da avenida, a entrada para as piscinas pode estar inserida em qualquer parte, sendo que é necessário estar atento para ela não passar despercebida. Depois de se percorrer a avenida descobre-se um conjunto de coberturas de uma água no meio de rochedos na cota inferior da praia. As instalações não se revelam muito para o exterior (fig.48), no entanto à sua frente consegue-se ver um grande tanque com banhistas e outros deitados na areia. A entrada é feita a partir de uma rampa que desce aproximadamente 3 metros em direcção à cota inferior da praia. À medida que se desce no caminho, perde-se a vista do horizonte e os sons urbanos ficam menos intensos. Fica-se com a sensação de se estar numa fortaleza enquanto se desce, e a obra começa a revelar a sua escala acolhedora para com o homem. A descida exige um esforço para garantir o equilíbrio, uma vez que não há corrimão de apoio. Depois chega-se a um espaço que se alarga semelhante a um átrio onde as pessoas se reúnem (fig.49). Aqui está inserida a bilheteira. O som das ondas do mar ecoa por entre as paredes, mas já não se consegue ver as praias ao mesmo tempo que a envolvente urbana, parecendo ter-se entrado num local isolado. A partir do átrio percebe-se que a obra, em termos de escala, estabelece uma relação harmoniosa com as pessoas. Existem duas entradas para o resto das instalações (fig.50). Uma dá acesso aos balneários inseridos por baixo de uma cobertura. A outra passa por dois portões de madeira castanha escura e com a mesma altura que o edifício, dando acesso a um corredor longo que se estende pela praia. Sigo para dentro dos balneários. A primeira sensação que se tem é que não existe distinção entre os vestuários femininos e masculinos. Todo o espaço é mergulhado numa sombra mística e profunda como uma caverna escura. Ao entrar fica-se com a sensação de ter que se baixar um pouco. Isto deve-se ao facto do longo lintel da cobertura, que parece suspenso, criar uma sensação de proximidade parecendo estar baixo. A pequena placa identificativa aponta que vou

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Fig.51 Balneรกrios femininos

Fig.52 Clarabรณia por cima do lavatรณrio

Fig.53 Corredor de acesso ao exterior

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entrar no balneário feminino. Páro por momentos e observo as pessoas, homens e mulheres, a entrarem e a saírem do balneário feminino. Uma situação estranha uma vez que os vestuários não são unissexo e parece que as pessoas não respeitam as regras. Passados alguns segundos entro no balneário e o ambiente é diferente do que imaginava (fig.51). Todas as cabinas estão vazias, os banhistas apenas seguem em frente passando pelas instalações como se fosse um percurso obrigatório para chegar à praia. Esta não utilização das cabines mostra que na época em que as piscinas foram construídas, os banhistas vestiam os fatos antes de se dirigirem para a água. Na actualidade os banhistas já se dirigem para as piscinas de fato de banho vestido e interpretam as cabines como uma passagem de acesso aos tanques. A partir destes actos percebe-se que com o passar o tempo a maneira como a obra é utilizada está dependente dos hábitos dos utilizadores. Por causa destas mudanças as cabinas parecem ter ficado esquecidas no tempo, aquela etapa da experiência na obra que marcava a preparação do corpo para entrar na praia ficou reduzido a uma curta passagem inconsciente por parte dos utilizadores. Após esta interpretação sinto mais conforto na exploração da zona balnear feminina. Ao entrar no balneário, depois de me habituar à penumbra que envolve o ambiente, o meu olhar é logo atraído para um lavatório iluminado por uma clarabóia (fig.52). Esta luz natural transmite uma sensação de calor numa zona em que a cor escura do material e a sombra criam uma atmosfera fria e silenciosa. O pé direito baixo ajuda a conter a privacidade e intimidade do espaço. Ao olhar para o tecto ele transmite uma sensação de leveza por parte da delicadeza das cabines divisórias que estão suspensas nele e não chegam a tocar no chão. Esta sensação opõe-se ao carácter robusto das paredes e muros. Tanto as cabinas como a cobertura encontram-se presas a vigas que se apoiam nas paredes de betão mas se esvanecem na escuridão. Estas características reforçam a leveza dos materiais fazendo parecer que está a flutuar sobre do edifício. Quando se entra numa das cabinas, as próprias portas também transmitem a leveza, bastando um simples toque para elas abrirem sem grande esforço físico. Por parecerem frágeis há o cuidado para não bater com elas, um simples impacto forte ecoa pelo espaço quebrando o silêncio. Saindo da cabina deparo-me num corredor que se direcciona para a saída dos vestuários. A luz forte vinda de fora (fig.53) contrasta com o escuro do interior, criando a sensação de que algo magnifico nos aguarda ao sair do balneário. Do lado de fora, a luz intensa queima os olhos, lembrando o tempo que se passou na sombra. Consegue-se ouvir com mais intensidade o som das ondas a baterem nas rochas e dos banhistas nas piscinas, mas ainda não se consegue ver o oceano. Encontro-me num pátio cumprido encerrado por muros altos. Ao caminhar pelo 61


Fig.54 Pรกtio corredor do exterior

Fig.55 Passagem para a praia

Fig.56 Tanque principal

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pavimento o betão liso transmite uma sensação tranquilizante depois de se sair da penumbra que envolvia o espaço anterior. Neste pátio os materiais apresentam uma imagem monocromática (fig.54) que apenas faz contraste com o céu azul. Ao fundo, o percurso termina num propileus moderno, de forma ritualista. Aqui, este vazio, duas vezes mais alto que o edifício, é tapado por uma cobertura que indica um caminho para as piscinas. O espaço vai-se alargando até às rochas que aparecem depois de se passar pela cobertura. À direita o mar e o horizonte revelam-se ao homem (fig.55). Tanto a areia como as rochas surgem através de uma abertura na parede, sendo que, um degrau acima, o chão de betão torna-se rugoso. A envolvente exterior, composta pela rua e os carros, desaparece e sente-se que faz parte do que antes observava pela marginal. Quando se chega à praia fica-se com a sensação de se ter percorrido um trajecto longo e ritualista que passa por uma paisagem urbana e uma praia acidentada. Esta sensação ilusória de profundidade, que na verdade é escassa, consiste na elaboração de trajectos em ziguezague e na variação de luz determinada pela passagem do exterior para uma zona penumbra que conduz novamente para o exterior. Ao entrar na praia a areia grossa transmite uma sensação de timidez e de desorientação perante uma paisagem diferente de onde viemos. Mas logo surgem pequenas construções geométricas em betão no meio das rochas que sugerem caminhos e devolvem s sensação de segurança no meio da paisagem. Uma dessas construções é a viga de betão que se atravessa como uma pequena ponte e cria uma passagem inferior para a piscinas dos mais novos. Outra é a escada que encaminha a uma pequena plataforma, por entre as rochas, virada para o horizonte e que dá acesso ao tanque principal (fig.56). O próprio tanque enquadra-se nos acidentes naturais, criando uma ligação entre o mar e a obra. Ao mergulhar na água fria e salgada fica-se com uma sensação e leveza. De facto, estando na praia o simples acto de mergulhar e nadar, apanhar sol ou secar-se na toalha permitem às pessoas relacionar-se quer com a natureza e quer com a obra.

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Fig.57 Parque de estacionamento

Fig.58 Descida para o “refúgio”

Fig.59 Vista para a paisagem a partir da cobertura

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3.4. Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa Camilo Rebelo e Tiago Pimentel

O Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa, também conhecido como Museu do Côa, foi projectado pelos arquitectos portugueses Camilo Rebelo e Tiago Pimentel. Situado no município de Vila Nova de Foz Côa no distrito da Guarda, a sua construção foi concluída em 2009. Ao chegar ao local a primeira sensação que se tem é que o edifício não está presente. Insinua-se no local, mas não se destaca formalmente. Em vez de um museu surge uma plataforma enorme (fig.57) que se assemelha a um miradouro, desde o qual se podem observar as magnificas paisagens dos montes e vales do Douro. Para além de local de contemplação, também serve a função de estacionamento para veículos e de circulação pedonal livre. Alias, devido à sua extensa escala é necessário percorrer o espaço para se encontrar diversos pontos de observação para a paisagem. A própria envolvente convida a caminhar pelo espaço para conseguir contemplar e fotografar a natureza. Desde o acto de encontrar no parapeito o melhor angulo para fotografar a paisagem, são vários os convites que apelam à acção, e conduzem o sujeito a interagir com a obra. A própria materialidade sugere que todo este espaço foi esculpido directamente da envolvente. De facto esta característica ajuda o museu a estar inserido na paisagem e ao explorar os seus detalhes texturais fica-se com a sensação que se está a tocar no material da envolvente. Ao explorar a plataforma surgem dois percursos. Um deles direcciona-se a um espaço que contém um rasgo vertical apelativo da curiosidade do utilizador para espreitar e observar a paisagem. Aceder a este “refúgio” obriga a descer algumas escadas (fig.58). Ao fazê-lo fica-se com a sensação de se estar a explorar um espaço arqueológico. Pelo outro percurso, a partir de uma pequena rampa é despertada mais uma vez a curiosidade. Quando se sobe este elemento, a paisagem aproxima-se cada vez mais, e é aqui que me encontro a caminhar por cima do mesmo material que compõe o parapeito. Esta distinção é realizada não só através da percepção visual mas também da percepção táctil. Enquanto o parque é composto por alcatrão, este local é composto por blocos de betão juntos formando uma textura irregular e de aspecto natural. Ao contemplar a paisagem (fig.59) percebe-se que estamos no ponto mais alto da plataforma. Muitas das pessoas dirigem-se para aí, de forma a conseguir apreciar e tirar as fotografias da natureza. Por trás deste ponto de observação surge, ao que parece ser, uma fenda que revela um outro espaço a uma cota inferior. Devido à sua escala e localização insinua-se como um espaço importante, o que desperta a vontade de

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Fig.60 Rampa de acesso ao lobby

Fig.61 Lobby do museu

Fig.62 Entrada para a bilheteira

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descobrir como lá chegar. A fenda prolonga-se ao longo da cobertura, provavelmente indicando onde se encontra a sua entrada principal. Voltando ao parque percorre-se novamente todo o espaço até se chegar a uma rampa, elemento principal da obra. Ao percorrer este caminho, o utilizador necessita de estar atento aos mecanismos de equilíbrio uma vez que a rampa desce de forma acentuada (fig.60). O caminho vai se fechando atrás de mim e cria várias etapas e variações de luz. Ao descer fica-se com a sensação de se estar a entrar numa caverna dos tempos pré-históricos. Esta sensação não se assemelha a de outros museus que foram visitados, como o Museu Soares dos Reis e Museu Serralves. Nestas duas obras, o espaço está inserido na envolvente pela superfície e a exploração do interior é uma experiência regular que se torna repetida, ou seja, assumir à entrada principal é um acto que se revela da mesma forma depois de vencer uma escadaria, encontrando-se previsivelmente um espaço de lobby. Neste museu o inesperado acontece, é necessário descer. Na primeira etapa do percurso ainda se consegue ver o céu aberto. Depois de se passar pelo portão a fenda cria uma depressão que funciona em conjunto com o estreitamento do percurso e prepara a entrada no lobby do museu. Este afunilamento parece demasiado estreito, dando a ideia de não se conseguir passar, algo que se espera de uma caverna em que à necessidade de flexibilidade física para passar nos caminhos mais apertados. No entanto, esta paisagem acaba por criar uma relação de escala e harmonia com o utente. Apesar de se fechar, consegue-se alcançar o tecto com a mão. O seu pé direito baixo não causa claustrofobia causando a sensação que se faz parte da obra por essas medidas nos permitirem um “encaixe”. Á chegada ao lobby (fig.61) sigo para a bilheteira. A sua entrada está marcada por uma passagem de pé direito baixo e uma parede de vidro com a porta aberta (fig.62). Assim que se entra neste espaço a primeira característica com que se depara é a sombra que cobre todas as paredes, apenas ligeiramente quebrada pela presença de luzes artificiais. Devido à diferença da intensidade de luz entre o interior e o exterior, os olhos ainda se estão a habituar à penumbra do espaço. Curiosamente, enquanto no exterior o silêncio é constante, no interior o ambiente é caracterizado pelo barulho de pessoas a andar e falar, abrir e fechar de portas e também de máquinas. Todo este ruído ecoa pelo interior revelando a sua escala. Dentro do edifício espera-se uma temperatura fria pelo facto do material dominante ser betão, no entanto a temperatura apresenta-se razoavelmente quente e um pouco húmida.

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Fig.63 Corredor de acesso às salas de exposição

Fig.64 Frestas verticais da sala de exposição A

Fig.65 Hall de entrada e bilheteira

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Seguindo em direcção às salas de exposição (fig.63) deparo-me com um grande espelho que cria ilusão do espaço se prolongar para dentro da parede. Na parede oposta expõem-se uma imitação de uma gravura. Este desenho cria uma imagem que se assemelha a de uma caverna, parecendo ter sido cravada na pedra, no entanto ao tocar nela percebe-se que o desenho é feito de fita-cola branca. De seguida percorre-se um corredor com várias entradas nas paredes cuja luz cria um ritmo luminoso que torna o espaço mais dinâmico. Este contraste entre luz e sombra acaba por revelar a direcção e tamanho do percurso. Deparo-me com duas entradas para as salas de exposição, uma na esquerda e outra na direita. Opto por seguir a ordem alfabética de cada sala, neste caso entrando na da esquerda que tem a letra A. Dentro da sala o calor intensifica-se ainda mais do que no corredor devido a duas grandes frestas verticais (fig.64) que acompanham todo o pé direito. Estas aberturas permitem uma vista para o exterior, no entanto a temperatura interior e a intensidade da luz não me permitem espreitar por muito tempo. De volta ao corredor, entro na próxima sala que também tem luz natural, aflorando através de uma fresta vertical. Apesar de ser apenas uma abertura a sala tem as mesmas características que a anterior. Regressando novamente ao corredor, ouvemse sons estranhos vindos das restantes salas. Parece música de estilo tribal. Ao entrar na sala localizada no fundo do corredor consegue-se ouvir com mais atenção o som. Tratase de gravações que imitam cantares pré-históricos e sons de animais. Enquanto se vê a exposição esta música amplifica o ambiente arqueológico. Nesta sala não existe luz natural. Caminhando por ela surge um corredor com gravuras coloridas e iluminadas nas paredes que ao ser percorrido provoca a sensação de se estar a analisar as verdadeiras gravuras numa caverna. Ao mesmo tempo há a percepção ainda que débil de uma outra música e vozes humanas vinda da última sala. Penso tratar-se de uma visita guiada. No entanto, a canção é a “Não Sabe Nadar” do grupo de rap português Black Company. Por momentos pensei tratar-se de um engano uma vez que a canção não se enquadra nas exposições arqueológicas. Entro na última sala de exposição e percebo que a origem das vozes e da canção é de um monitor que transmite uma montagem de um antiga reportagem da RTP intitulada “As Gravuras Não Sabem Nada”. Esta sala apresenta uma escala ainda maior que as anteriores, e também não possuí entradas de luz natural. A sombra e a cor preta das paredes escondem o tecto e não permitem ter a noção do pé direito. Depois de visitar toda a sala regresso ao corredor e caminho em direcção à bilheteira. A luz vinda das paredes de vidro (fig.65) indica a saída do museu. Ao passar para o lobby essa mesma luz aquece-me e mostra que estive muito tempo num espaço sombrio pois os meus olhos têm dificuldade em absorver os raios luminosos.

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Fig.66 Estação inserida na envolvente

Fig.67 Duas rampas de acesso ao edifício

Fig.68 Utilização do parapeito por parte do corpo humano

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3.5. Teleférico de Gaia – Estação Alta Guedes + DeCampos

A Estação Alta do Teleférico de Gaia foi projectada pelos arquitectos portugueses Cristina Guedes e Francisco Vieira Campos do grupo Menos é Mais, arquitectos associados. Situada no centro histórico da cidade de Vila Nova de Gaia, as suas construções começaram em 2007 e terminaram em 2011. A obra encontra-se implantada num muro/contraforte existente na cota alta da cidade, perto da Rua Rocha Leão e do Jardim do Morro. Vindo do Porto, para se chegar à Estação é necessário atravessar a ponte D. Luís I. Assim que se chega ao início da ponte já se consegue vislumbrar a mesma, que pela sua escala permite estar integrada na envolvente. Não se consegue identifica-la como uma Estação Teleférica devido ao seu desenho brutalista (fig.66). A uma certa distância o edifício parece uma ruína ou abandonado, algo comum na paisagem urbana de Gaia. Ao assumir maior proximidade da outra margem do rio consegue-se ver que o edifício tem uma elevada concentração de pessoas a apreciar e fotografar a paisagem da cidade do Porto. Depois de passar a ponte parece que o edifício desaparece, semelhante ao que ocorre no Museu Foz Côa. Em vez de uma estação surge uma extensão do Jardim do Morro, com um bar panorâmico, que funciona como miradouro virado para a zona histórica da cidade do Porto onde as vistas vão desde o vale do rio Douro até à ponte da Arrábida. Da cobertura surgem duas possibilidades (fig.67), uma rampa que vai em direcção ao bar e a outra para o interior da estação. Sigo pela do bar. A rampa sobe e no final da mesma chega-se ao miradouro. Nesta zona estão pessoas na esplanada do bar a conversar e a contemplar a vista, enquanto que no miradouro, estão ou encostadas, ou sentadas, ou deitadas no parapeito apesar do sinal de proibição. Esta utilização do parapeito (fig.68) por parte das pessoas cria uma relação íntima para com a obra apesar de ser um “toque” inconsciente. Também existem outros que se colocam em pé no parapeito. Todos estes movimentos e posições, quer sejam para captar a melhor fotografia, quer seja para encontrar o melhor relaxamento, são actos que revelam a ajustamento do homem ao edifício. O corpo cria um diálogo com a obra. Sento-me no parapeito e fico com a sensação que estou a flutuar. O betão apresenta uma textura ligeiramente lisa e uma temperatura quente por estar exposto ao sol. No entanto, nunca esqueço do risco de uma eventual queda apesar de ser longe da extremidade. Voltando atrás surgem seis degraus que levam até à rampa ao interior. Antes de entrar existe uma

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Fig.69 Rampa de acesso ao interior

Fig.70 A luz como orientadora no percurso

Fig.71 Aberturas espalhadas nas rampas

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paragem

que

permite

pessoas

se

encostam,

mais quer

uma para

vez

contemplar conversar

a

vista

onde

as

quer

para

fotografar.

Descendo a rampa (fig.69) começa a ouvir-se o som das máquinas do teleférico juntamente com ruído dos indivíduos a entrar e a sair das cabinas, e os barulhos urbanos da cidade de Gaia vão desaparecendo. No interior existe uma pequena galeria que dá acesso a uma giftshop. Enquanto se percorre este caminho consegue ver-se o piso inferior onde estão as cabinas do teleférico. No lado direito da entrada existe uma rampa que desce

Fig.72 Utilização das aberturas como acentos de repouso para o corpo

em direcção a uma grande abertura permitindo a entrada de luz e vista para o exterior. Ao percorrer a rampa, o esforço e equilíbrio cinestésico são riqueridos. A luz natural vinda do exterior também serve como guia e orientação (fig.70). Ao entrar ela interage com o material da obra reflectindo raios luminosos que mudam a cor cinzenta para branca e revela a textura lisa do tecto e das paredes, bem como a textura irregular do chão. No meio das rampas, a parede contém uma aberturas redondas (fig.71) que permitem espreitar de uma rampa para a outra. É quase uma tentação espreitar nestas aberturas. Desde o apoiar das mãos, o colocar a cabeça para espreitar, até ao sentar-se (fig.72 e 73), estes actos são percebidos como um convite permanente que anima a circulação dos utilizadores. Continuando a descer chega-se ao piso das cabinas do teleférico. Neste espaço vê-se a circulação de pessoas a entrar e a sair das cabinas, enquanto que ao lado das maquinas surge outro vão com vista para o Porto. Semelhante ao anterior vão, parece um foco de uma máquina fotográfica que enquadra uma imagem. A passagem para os pisos inferiores encontra-se encerrada por motivos desconhecidos, no entanto segundo as placas indicativas no próximo piso está localizada a zona de restauração. .

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Fig.73 Utilização das aberturas para espreitar


8 10 9

7

6 5

4

2

3

1

2

3

4

1

Piso 0

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16 15

16

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Piso 1

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Piso 0

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24

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30

27

Piso -1

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26

31 76


3

2 1

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5 8

10

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2

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5 6

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7 3

1 2

Cobertura

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Piso -1

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Piso -1

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Cobertura

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12 13

11

19

10 14 17

20 21

15 16

Piso -1

22

16

Piso -2

23


3.6. Reflexões das experiências e análise de cada obra

Depois de se ter feito a visita a cada uma das obras, percebeu-se a existência de uma distinção entre uma análise arquitectónica e uma outra espacial. Ambas são essenciais para conhecer um edifício, no entanto, quando se trata de uma experiência corporal não basta apenas estar atento à descrição da obra mas também estar consciente nas sensações e percepções que esta provoca. Enquanto as análises arquitectónicos por vezes conseguem ser idênticas e generalistas, as análises espaciais são pessoais, ou seja, cada um terá a sua interpretação da obra baseada na sua experiência. O que se tornou claro é que todas as análises se centram no percurso e na experiência háptica, demonstrando que também é impossível isolar a luz da experiência corporal. Esse percurso é criado a partir dos elementos arquitectónicos que foram pensados para destacar a presença humana. São eles: galerias, corredores, escadas e rampas. Trata-se dos elementos que detêm a responsabilidade de criar o dinamismo e a mobilidade dos utilizadores, procurando favorecer a sua participação. Neste contexto, realça-se a luz que surge como o elemento que revela os espaços e orienta a exploração. Durante a investigação dos casos de estudo descobriram-se diversas maneiras que evidenciam como o espaço arquitectónico se revela e anima pela interacção com o homem. Entre elas está a criação de percursos através de corredores e galerias, e nas subidas e descidas através de escadas e rampas. Cada um destes elementos obriga a um movimento e a um contacto material entre o corpo humano e a arquitectura. Cada um encerra uma experiência própria, desde a maneira com se toca neles, como se segura no corrimão, como se esforça o movimento do passo à altura do degrau e rampas, ou à distância de percursos. É através destes actos, apesar de inconscientes na maioria das vezes, que se sente estar em contacto com a obra. A forma como esse contacto acontece, varia de obra para obra. Esta questão ficou clara na exploração do Museu Foz Côa e na Estação de Teleférico de Gaia que, por se tratar de dois edifícios públicos com muita afluência de pessoas, a circulação é mais rápida, inconsciente e alguns detalhes passam despercebidos por parte dos utilizadores. Por outro lado, na Igreja do Sagrado Coração a circulação é mais lenta e atenta por se tratar de um espaço sagrado onde o silêncio é essencial para garantir o ambiente sereno. Cada passo dado impõem-se com o preciso cuidado de não causar ruído, e, a mobilidade ao ser mais lenta permite que o utilizador esteja atento á sua presença e interacção no espaço. Um simples ranger de madeira ecoa pelo lugar interior, quebrando o seu silêncio e revelando a sua escala. A escolha dos materiais tem impacto quer nas características visuais quer nas sonoras que irão influenciar a experiência do utente na obra. As Piscinas de Leça também revelam um 83


facto curioso sobre a utilização e experiência dos espaços. O facto de os balneários estarem vazios mostra que a arquitectura tem que se adaptar à passagem dos tempos. Os costumes e actos dos utilizadores vão-se alterando e isso afecta a experiência e a própria arquitectura. Neste caso, os balneários passam despercebidos pelos banhistas que utilizam as piscinas como se fosse uma praia. A luz também ajuda na experiência. A sua constante alteração ao longo do dia, que o homem não consegue controlar, muda a forma como a obra se revela, fazendo com que uma experiência não seja igual a outra. Ao interagir com os edifícios, a luz marca momentos, indica caminhos, revela espaços, muda temperatura e aspectos de materiais, hierarquiza zonas. Como exemplo, na Igreja do Sagrado Coração a luz é utilizada para hierarquizar espaços. Desde a luz forte e distinta que enfatiza o carácter central ao altar e a sua representação religiosa do divino, até à luz que entra pelo grande vitral e lanternim vertical, marcando pontos de passagem pela obra. Semelhante ocorre na Estação de Teleférico em que os vários vãos que acompanham o percurso das rampas para além de deixarem entrar a luz que orienta os utilizadores, aponta para diversos pontos de paisagem urbana. A utilização destes elementos - rampas, escadas, galerias e luz - como ferramentas de projecto irão permitir a criação de diversas experiências no ensaio projectual, e será a partir deles que o ensaio irá se centrar e desenvolver.

84


Capítulo IV Ensaio Projectual - Memória Descritiva e Justificativa

4.1. Componentes para a criação da proposta arquitectónica 4.2. Local escolhido 4.3. Criação de um sistema 4.3.1. Primeira fase 4.3.2. Segunda fase 4.3.3. Terceira fase 4.4. Experiência do ensaio projectual

Fig.73 Esquiços e maquetas do ensaio projectual

85


Fig.74 – Caminho da Orla Atlântica em Matosinhos (verde)

1400

350 1172

1200

300 250

1000

200 800

150 574

600

100 50

400 200

302

0

78

0 2012

2013

2014

2015

2014

Fig.75 e 76 – Número de peregrinos em Matosinhos

Fig.77 – Sentidos nos Caminhos de Santiago

86

2015


4.1. Componentes para a criação da proposta arquitectónica A criação desta proposta arquitectónica foi baseada conceptual e formalmente nos estudos elaborados no enquadramento teórico, bem como na análise dos casos de estudo relacionados com a temática e no diagnóstico urbano realizado no local de intervenção. Embora as questões estudadas no enquadramento teórico sejam aplicadas a este projecto em particular, seria possível utiliza-las em diversos outros tipos de intervenções arquitectónicas, uma vez que a relação entre o Homem e a Arquitectura está presente em qualquer obra. Quase em paralelo com o desenvolvimento da teoria elaborou-se um diagnóstico urbano na cidade de Matosinhos para se encontrar e justificar como é que se podia aplicar o modelo conceptual na prática. Nesta análise, detectou-se um factor que contribuiu para a estratégia programática, a existência dos Caminhos de Santiago de Compostela. A partir deste estudo percebeu-se que o Concelho de Matosinhos dispõe de um recente percurso, o Caminho da Orla Atlântica (fig.74), que tem atraído cada vez mais peregrinos. De acordo com os dados do Posto de Turismo de Matosinhos (fig.75 e 76), desde o ano de 2013 o número de caminhantes tem aumentado. Isto é: em 2013 foram registados 302 peregrinos que passaram pelo posto para carimbarem as suas credenciais; em 2015 passaram 1172 peregrinos. Com esta informação percebe-se da necessidade da existência de um estabelecimento para acolher estes caminhantes que contribuem para o desenvolvimento turístico da zona. A partir do diagnóstico urbano, a proposta prática desenvolvida é um Albergue e Capela para os peregrinos de Santiago de Compostela. Esta proposta responde à questão de acolhimento de caminhantes - a principal função -, mas também para evidenciar como os mesmos edifícios são capazes de influenciar e manipular a experiência háptica dos utilizadores. Ao percorrer os caminhos, os peregrinos necessitam do sistema háptico para apreender o edifício (fig.76). Na componente táctil, esta experiência materializa-se no pisar dos pés na terra, nas pedras, e noutros elementos do caminho no chão que estabelecem o contacto entre o homem e a natureza. O mesmo acontece entre as mãos e o bastão - conhecido como o “terceiro pé” -. Na questão cinestética encontram-se envolvidos os movimentos do corpo, em cada passo dado e em cada extensão de músculos que permitem ao homem movimentar-se. Relativamente aos sentidos estimuladores, pela visão, permite-se descobrir as paisagens e as dificuldades dos percursos, enquanto que a audição capta os vários sons do ambiente. Todas estas acções são realizadas durante a exploração de um espaço arquitectónico, e será na manipulação dos sentidos que a componente prática se relacionará com o modelo conceptual. 87


Fig.78 – Terrenos analisados (laranja)

Fig.79 – Terreno A

Fig.80 – Terreno B

Fig.81 – Terreno C

Fig.82 – Terreno escolhido

Fig.83 – Mapas de usos: habitação (vermelho), restauração (verde), serviços (azul claro), comércio (azul escuro), indústria (amarelo), equipamento (roxo)

88


4.2. Local escolhido O Caminho da Orla Atlântica inserido nos Caminhos de Santiago, passa pela Avenida Norton de Matos e pela Rua Heróis de França, dois dos principais eixos rodoviários e pedonais da cidade. Este percurso atravessa locais comerciais e zonas balneares em que os peregrinos conseguem ter uma boa imagem da cidade de Matosinhos. O local escolhido teria que se localizar perto deste trajecto e dispor de dimensões mínimas que permitissem o desenvolver do ensaio projectual. Para tal foram seleccionados três potenciais áreas de intervenção (fig.78). O terreno A (fig.79) apresenta dimensões razoáveis; no entanto encontra-se inserido numa envolvente com edifícios de cércea alta que não permite um bom aproveitamento da luz natural. Por outro lado, o terreno B (fig.80) apresenta grandes dimensões, mas encontra-se relativamente afastado no caminho de peregrinação. Por fim, o terreno C (fig.81) encontra-se próximo do caminho de peregrinação e tem dimensões razoáveis, condições chave para a sua escolha. O terreno escolhido (fig.82) para a elaboração projectual encontra-se no Norte do centro histórico da cidade de Matosinhos. Fica junto do cruzamento dos eixos rodoviários da Avenida Norton de Matos e a Rua Roberto Ivens. O principal motivo da escolha do local é o facto de se situar próximo do caminho de Santiago, o que permite um maior contacto com o percurso e não provoca confusão ao peregrinos que após ter concluído a sua pausa pretende continuar a caminhada. No entanto, existem outros motivos que tornam o terreno adequado. As dimensões apresentadas são relativamente razoáveis e servirão especificamente para o programa proposto. A área equivale a 1300 m2. Outro factor levado em conta é estar localizado num território que apresenta uma uniformidade urbana e socioeconómica que o distingue da restante faixa litoral urbana da freguesia. Na envolvente do local concentram-se edifícios antigos de baixa cércea. Isto permite um maior aproveitamento da luz solar e melhor integração urbana e morfológica. Muitos dos edifícios encontram-se degradados e até devolutos, contrastando com a zona sul adjacente, de construções mais recentes e com maior cércea, ladeada por vias ortogonais de maior dimensão. Relativamente a eixos de referências, os mais próximos são as ruas de Serpa Pinto e Roberto Ivens que assumem um papel importante e referencial da antiga centralidade da cidade, onde ainda se encontra grande parte da restauração e do comércio tradicional (fig.83). Estes factores mostram que o albergue ficaria numa zona que permitiria aos peregrinos estarem mais perto do centro histórico e poder conhecer a cidade sem se afastar muito do caminho.

89


Fig.84 – Estudo de dimensões das galerias, beliches e dormitórios

Fig.85 – Albergue de Tui

Fig.86 – Albergue de Veigadaña Mos (Pontevedra)

ón

Fig.87 – Albergue de Padrón

90


4.3. Criação de um sistema

Para a elaboração do programa do Albergue foi necessário interpretar os dados obtidos no diagnóstico urbano realizado em Matosinhos, nomeadamente o número de peregrinos que se deslocaram à cidade durante o ano de 2014 e 2015. Esta informação irá determinar o número de beliches e as áreas dos dormitórios que serão projectados no Albergue. Os espaços foram estudados a partir da inserção de beliches, para dimensionar o espaço de circulação dos utilizadores. Do número total de 575 peregrinos, registados no ano de 2014, os meses com os maiores registos no Posto de Turismo de Matosinhos foram de Abril até Setembro. Enquanto no ano de 2015, do número total de 1172 peregrinos, os meses com mais registos foram de Abril até Outubro. Para determinar o número necessário de camas que possibilite o acolhimento de um certo número de peregrinos, foi realizada uma pesquisa sobre os tipos de albergues (fig.85 a 87) que existem espalhados pelos Caminhos de Santiago. São eles de dois tipos: privados e públicos. Nos públicos, os preços variam entre os 5 e 6 euros por noite para utilização, e em alguns casos é solicitado um donativo voluntário como pagamento. Por outro lado, nos privados os preços habituais variam entre os 6 e os 10 euros, ou mais. Relativamente às camas, a regra geral é de que a ocupação é feita pela ordem de chegada ao albergue, apenas os privados aceitam marcações. Em alguns casos é dada prioridade aos peregrinos que fazem o percurso a pé. Quanto ao número de camas que cada um tem, os privados geralmente têm mais camas que os públicos. Sendo que nos públicos, inseridos nos caminhos portugueses, o número não ultrapassa as 80 camas. Apenas surgem albergues com capacidades elevadíssimas (entre 300 ou 500 camas) em Santiago de Compostela, no final da peregrinação. Apesar de não ser uma regra, esta característica foi aplicada no ensaio projectual para garantir o seu carácter de albergue público. Os restantes elementos que constituem o programa foram idealizados através da análise, estudo e experimentação de outros projectos, como os albergues portugueses e espanhóis, e estabelecimentos de hospedagem (pousadas e hostéis).

91


Fig.88 – Cama beliches, planta e alçado

Fig.89 – Estudo de posicionamento dos beliches no dormitório. Espaço público (cinzento), espaço privado (azul)

Fig.90 – Galerias

92


Na elaboração dos interiores começou-se por desenvolver os dormitórios, visto que será a partir deles que o resto do programa irá surgir tornando-se numa referência. A flexibilidade interior dos dormitórios é conseguida através do mobiliário, nomeadamente os beliches (fig.88). A escolha destas peças baseia-se no facto de permitirem um maior aproveitamento do espaço. Este sistema foi desenvolvido para fornecer ao utilizador o seu espaço mínimo privado, uma vez que terá que partilhar o dormitório com outros ocupantes. O beliche é composto por duas camas individuais e dois nichos destinados para conter os bens pessoais dos peregrinos. Cada cama dispõe de uma cortina para garantir a privacidade e separar os espaços íntimos e públicos. O posicionamento destas peças de mobiliário é o factor determinante das

dimensões

dos

dormitórios

para

facultar

a

utilização

do

espaço

sem

comprometer a privacidade e a livre circulação dos peregrinos (fig.89). Também se previlegia a entrada de luz natural e a circulação de ar pelo espaço. Na elaboração das galerias (fig.90), foi realizado um estudo das medidas ergonómicas que garanta a circulação dos utilizadores. Estes elementos vão ligar os dormitórios, e influenciar os movimentos dos utentes enquanto caminham pelo interior. Ao utilizar as galerias será criada uma experiência por cada peregrino, desde o tocar e segurar nos corrimões, o caminhar nos pavimentos e a distância percorrida. Este contacto será criado através dos materiais que fazem apelo ao tacto e ao cinestético. O pavimento será de madeira pinho. Para além de transmitir sensação de calor e leveza, o seu ranger vai revelar a presença humana na obra ao ecoar pelo interior. Outro material essencial para a experiência háptica na galeria é o corrimão. Ao tocar este elemento estabelecese uma relação táctil com a galeria (fig.91). O principal material deste elemento será madeira de castanheiro, o tipo de madeira utilizada para fabricar os tradicionais bastões de Santiago de Compostela. A utilização deste material é pelo facto de que na mesma maneira como o peregrino utiliza um bastão para percorrer os caminhos e para se apoiar, o corrimão torna-se num “bastão” que auxilia o utilizador nas galerias. Ao apoiar-se nele o utilizador está em contacto com o edifício numa acção semelhante à que acontece ao percorrer o caminho: Através do bastão está em contacto com o ambiente da envolvente.

93

Fig.91 - Esquisso ilustrativo da relação táctil com o corrimão


Fig.92 - Maqueta 1/500

Fig.93 - Planta rés-do-chão dos edifícios

Fig.94 - Maqueta 1/100 (Albergue)

Fig.95 - Plantas da organização de interiores (Albergue)

94


4.3.1. Primeira fase Na primeira fase de elaboração do ensaio projectual, os edifícios apresentavam autonomia, isto é não estabeleciam nenhuma relação entre um e outro, quer por questões morfológicas quer por questões programáticas (fig.92). As frentes viradas para a avenida não continham aberturas, não tendo qualquer contacto com o exterior. A entrada para os equipamentos era feita através do interior do terreno (fig.93). O albergue em termos morfológicos segue uma forma de paralelepípedo dividido em duas águas (fig.94). No seu interior, o programa divide-se em três pisos. O rés-do-chão é composto pelos serviços de apoio: recepção, biblioteca internet, cozinha, sala de refeições, lavandaria e instalações sanitárias separadas. Enquanto que nos pisos superiores se encontram os dormitórios e instalações sanitárias mistas (fig.95). A entrada é marcada por uma parede torcida levando directamente à recepção e à biblioteca internet. Um elevador e uma escadaria garantem acesso aos pisos superiores, e marcam a separação entre a zona de entrada e a zona de convívio. Passando por entre estes dois elementos chega-se à cozinha e sala de refeições.

Fig.96 - Maqueta 1/100 (Albergue)

A lavandaria encontra-se inserida no exterior debaixo de um nicho. Nos pisos superiores, os dormitórios e as instalações sanitárias têm um desenho idêntico em ambos os pisos. Estas divisórias são interligadas por uma galeria-corredor (fig.96). O primeiro piso, tratase de um corredor coberto e suspenso onde a sombra estimula a procura da luz e de uma saída. No segundo piso o trajecto do percurso mantem-se mas em galeria aberta. A capela segue uma forma irregular sem qualquer semelhança com o albergue (fig.97). O programa divide-se em dois componentes: o altar principal e a sala de santiago (fig.98). A entrada dá acesso a um corredor que se liga às duas salas. A Sala de Santiago contém uma estátua do Santo com o mesmo nome, e destina-se a prestar homenagem ao mesmo. O altar principal trata-se de um espaço de meditação e reflexão para os peregrinos. A sua parede curva relembra a forma e textura de uma vieira, elemento icónico dos Caminhos de Santiago.

Fig.97 - Maqueta 1/100 (Capela)

95

Fig.98 - Planta da organização de interiores (Capela)


Fig.99 - Maqueta 1/200

Fig.100 - Plantas da organização de interiores

Fig.101 - Maqueta 1/100 (Albergue)

96


4.3.2. Segunda fase

Na segunda fase, os dois edifícios apresentam uma relação em termos morfológicos. Ambos têm a mesma altura e aspectos formais. Os alçados frontais, anteriormente voltados para o interior do terreno, estão agora virados para a avenida, estabelecendo contacto com a rota de Santiago (fig.99). No meio dos dois blocos surge uma fenda que cria um percurso para o interior do terreno. Ambas as entradas para os edifícios formam um ponto de encontro no início da fenda dando a sensação que acolhem os peregrinos. Manteve-se o mesmo programa elaborado na fase anterior tanto no albergue como na capela (fig.100). Em termos formais morfológicos o albergue manteve a sua forma anterior, no entanto passou a ter uma cobertura plana composta por lanternins que permitem a entrada de luz zenital para o interior (fig.101). Assim cada um destes lanternins direcciona a luz para diversos pontos de passagem pelo edifício, orientando os utilizadores pelos percursos. Fig.102 - Esquisso da alteração de percursos (verde e vermelho)

No interior do albergue, o espaço da biblioteca internet foi alterado para se relacionar mais com o espaço interior da obra, passando de uma “caixa” para um espaço formado em X. A escadaria que dá acesso aos pisos superiores ficou ligeiramente torcida de forma a direccionar-se para o hall de entrada, parecendo que está a convidar os peregrinos a subir para os dormitórios e continuar a sua experiência háptica. O elevador ficou inserido no espaço da dispensa. Nos pisos superiores a alteração mais significante foi a distorção de um dos dormitórios no segundo piso criando um espaço de convívio, alterando o percurso das galerias (fig.102). Essas deixaram de ser cobertas e passaram a ser abertas. A capela ficou com uma forma mais regular relacionandose assim com o albergue. O interior permaneceu o mesmo com as duas salas. A grande alteração nas duas obras foi a criação de uma galeria que interliga os dois edifícios (fig.103). Esta surge como extensão do percurso do primeiro piso do albergue, começando entre as instalações sanitárias mistas e os dormitórios, passando pelo edifício e entrando na igreja ligando-a um balcão superior. Com esta extensão, a experiência prolonga-se criando a sensação que os dois edifícios são um só espaço.

97

Fig.103 - Galeria que contecta os dois edifícios (vermelho)


Fig.103 - Maqueta 1/200

Fig.104 - Maqueta 1/200

Fig.106- Planta da organização de interiores

Fig.105 - Planta de cobertura e terreno

Fig.107- Maqueta 1/100


4.3.3. Terceira fase

Na terceira e última fase, manteve-se a mesma composição morfológica e formal nos dois edifícios, apenas com uma ligeira alteração nas alturas. O albergue permanece composto por 3 pisos enquanto a capela tem uma altura equivalente a 4 pisos (fig.103). Apesar da diferença de cotas, ambas as construções ficam bem inseridas na envolvente urbana em termos morfológicos e altimétricos. A capela tem uma cota mais elevada que o albergue para criar uma diferença de atmosfera interior entre os dois blocos. Relativamente ao acesso para o local criaram-se duas entradas. Escadas que se alinham com o percurso criado pela “fenda” que atravessa a meio do local. A outra entrada é feita a partir de uma rampa que se liga a um campanário (fig.104). A intenção deste elemento é orientar os peregrinos até aos edifícios. O interior do campanário é vazio de cor vermelha e cria um ponto de encontro. Ao longo do terreno foram inseridos espaços verdes com árvores para relembrar a ligação com a natureza dos Caminhos de Santiago e criar outros percursos à volta dos edifícios (fig.105). No interior do albergue (fig.106), a lavandaria foi inserida atrás da cozinha com uma ligação para o exterior onde está localizado o estendal. O espaço anterior do estendal deu lugar a uma esplanada para prolongar a sala de refeições, criando um espaço de convívio no exterior. O quarto privado da recepção, juntamente com a lavandaria e a cozinha estão separados das paredes exteriores do edifício para fazer com que a organização de interiores siga a lógica da “caixa dentro da caixa”. A utilização deste modelo permite uma libertação do espaço de circulação e uma maior distribuição da luz natural. Entre as paredes exteriores e estas divisórias foram inseridos painéis giratórios para possibilitar a separação destes espaços com o resto da obra e criar uma ligação com o exterior. O espaço do elevador foi alterado para possibilitar a entrada de mais utilizadores. Nos pisos superiores, os espaços permaneceram iguais aos da fase anterior. Na cobertura os lanternins foram trocados por 3 clarabóias (fig.107). Estas aberturas têm grandes dimensões e cada uma direcciona luz natural para pontos específicos do albergue. Uma delas para a sala de refeições, e a outra para a escadaria de acesso ao primeiro piso, sendo que última marca a passagem para a galeria de acesso à capela.

99


Fig.108 - Vista do interior da Capela (Maqueta 1/100)

Fig.109 – Esquissos do planeamento da Capela

100


Em homenagem a uma lenda11 popular que relata a origem do nome da cidade de Matosinhos relacionado com a Vieira de Santiago, o nome do albergue será “Albergue Cayo Carpo”, numa feliz coincidência que se aproveita e insere na obra. No interior da capela, foi criada uma sala de repouso por trás da parede curva. O balcão superior que se relaciona com a galeria de acesso ao albergue é prolongado até sala São Tiago. Por baixo deste balcão é criado um corredor que indica o caminho à sala São Tiago e sala de repouso. Por fim, aumentou-se a dimensão da clarabóia redonda localizada no Altar Principal para possibilitar maior entrada de luz natural. Esta obra terá o nome “Capela São Tiago Maior” em homenagem ao Apóstolo cujos fiéis deram origem às rotas de peregrinação ao caminhar para visitar o seu túmulo.

11

Segundo a lenda, foi na actual Praia de Matosinhos, no ano 44 a.C., nos tempos do Império Romano, que se realizou

o casamento de um nobre cavaleiro chamado Cayo Carpo. Durante as festividades, o noivo desafiou os restantes cavaleiros para uma corrida invulgar de cavalos: venceria quem conseguisse penetrar mais longe pelo mar adentro. No decorrer da prova, Cayo Carpo destacou-se dos restantes competidores, em que o seu cavalo avançou miraculosamente sobre as águas sem se afogar, e em direcção a um barco. Tratava-se de uma embarcação em pedra que transportava o corpo do Apóstolo Santiago desde a Palestina até à Galiza. Impressionado com os milagres ocorridos, o senhor romano pagão converteu-se nesse instante ao Cristianismo. Durante o seu regresso a terra, o cavaleiro e seu cavalo surgiram na praia totalmente “matizados” (cobertos) de vieira, convertidas, a partir daí, num dos símbolos do culto de Santiago. Por este motivo, Cayo Carpo passou a ser conhecido, desde então, por “Matizadinho”. É com base nesta narrativa tradicional, que se explica a origem do topónimo “Matosinhos”.

101


Fig.110 Maqueta 1/200 Vista a partir do exterior

Fig.111 Maqueta 1/50 Ă trio de acesso ao interior

Fig.112 Maqueta 1/50 Vista para o interior do albergue

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4.4. Experiência do ensaio projectual

A aproximação esperada a fazer aos edifícios será executada a partir da Avenida Eng. Duarte Pacheco. O primeiro contacto visual que se estabelece com a obra será através do facto da sua morfologia contrastar com a envolvente urbana. Por outro lado, estes dois edifícios não serão identificados logo como espaços de acolhimento e religioso (fig.110). Só depois do peregrino se aproximar do terreno é que terá a noção que se trata de um albergue e uma capela. O acesso ao terreno é feito a partir de uma larga escadaria composto por 5 degraus. Estas escadas para além de permitirem acesso ao terreno, mostram-se alinhadas com um caminho que passa por baixo de uma galeria que por sua vez atravessa os dois edifícios. Percorrer estas escadas, apesar de ser uma subida rápida de 1 metro, torna-se no primeiro esforço e contacto cinestésico que se faz com as obras. Não havendo corrimão de apoio o peregrino terá que estar atento ao equilíbrio do seu corpo, podendo recorrer ao auxílio do bastão. Depois de se vencer as escadas, o peregrino estará inserido num espaço que se assemelha a um hall de entrada, criado pela forma dos edifícios. Estando nesse aí, o utilizador sente-se acolhido e protegido pela forma que assume a entrada, num convite subtil à entrada, apesar de ainda estar no exterior. Intencionalmente, a obra estabelece uma relação de harmonia com as pessoas apesar da diferença de escalas (fig.111). Existem duas passagens para o interior. Uma na esquerda que dá acesso a uma entrada mergulhada na sombra e outra na direita para uma dupla porta de vidro. Por cima desta, está inserido o logotipo do albergue, que é já utilizado pela camara municipal de Matosinhos em algumas iniciativas como a Feira Medieval organizada anualmente, por se encontrar inserido no simbolismo dos Caminhos de Santiago, composto por uma vieira envolvendo uma rosácea. Depois de uma longa jornada, a é urgente para o peregrino dirigir-se para o albergue para o necessário repouso. Ao entrar, surge de imediato a recepção onde se realiza o check-in. Neste acto dá-se continuidade à experimentação da obra. Nestas formalidades, ao olhar para a esquerda o peregrino verá um espaço amplo e longínquo com muita distribuição de luz natural (fig.112) e por cima de si uma extensa galeria que se liga a vários blocos nos pisos superiores. Poderá também ouvir os passos de outras pessoas a percorrerem os trajectos superiores, ou a espreitar para o rés-do-chão. No meio deste piso surge uma escadaria destorcida. Recebe a indicação de se dirigir aos dormitórios, sendo que para tal, terá que subir as escadas. Ao chegar a elas, o utilizador é inundado por uma intensa luz solar vinda de uma clarabóia localizada por cima da escadaria. Esta luz marca um ponto de passagem no albergue, a preparação para subir aos pisos superiores. Enquanto se sobe, segura-se no corrimão e sente a textura de 103


Fig.113 Maqueta 1/50 Escadaria de acesso ao piso superior

Fig.115 Maqueta 1/50 Interior da Capela

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Fig.114 Maqueta 1/50 Galeria superior de acesso Ă Capela


uma madeira que relembra os antigos bastões utilizados pelos peregrinos de Santiago. Para além da sua textura natural também sente a temperatura quente. Ao mesmo tempo que se apoia neste elemento levanta os seus pés para se deslocar nos degraus e novamente estabelece uma relação táctil e cinestésica com a obra. Chegando à galeria fica-se com a sensação de se estar a flutuar no espaço, uma vez que se consegue ter a percepção visual dos pisos superiores e do piso inferior. A galeria estende-se em dois sentidos. À direita (fig.113) a escadaria que conduz à galeria superior. À esquerda (fig.114) uma passagem escura que liga a um espaço desconhecido. Seguindo o caminho para o dormitório, o ranger da madeira do pavimento da galeria ecoa pelo espaço revelando a presença do utilizador. Ao entrar no dormitório, o espaço revela-se amplo com boa flexibilidade que permite a circulação e utilização do peregrino. Os beliches contêm cortinas para garantir a privacidade e separação entre espaço íntimo e público. Os que têm a cortina fechada mostram estarem ocupados, dando a sensação que o espaço fica mais pequeno. O dormitório tem 3 janelas. Duas mostram a paisagem exterior enquanto que a outra permite ver o interior do albergue. A janela mais larga funciona como uma moldura sendo a paisagem a imagem que esta alberga. Ao regressar à galeria, segue-se em direcção a uma passagem escura que se assemelha a um túnel ou gruta. Ao percorrer este caminho o utilizador fica com a sensação de que existem dois ambientes. O espaço dá lugar à sombra marcando a alteração de atmosfera, passando de um lugar aberto e amplo para um lugar mais fechado e silencioso. Este lugar revela ser a capela (fig.115), no entanto o utilizador está inserido num balcão superior afastado do altar principal e das restantes salas. Neste nível cria-se a sensação de não se estar na capela, pois a cota inferior não está alcançável. A luz vinda da clarabóia influencia o erguer do olhar para o tecto, isto é, os músculos do pescoço esticam-se, comprimindo ligeiramente a nuca e reforçando os músculos ocular. A partir da galeria superior da capela, não existe passagem para o nível inferior. Será necessário regressar ao hall de entrada do albergue para se regressar à capela. Ao voltar à galeria do albergue percebe-se que esta e as restantes ao se espalharem pelo interior da obra permitem diferentes percepções e sensações enquanto são utilizadas. Semelhantes aos Caminhos de Santiago, o sentido háptico e seus estimuladores também são utilizados na exploração do interior. No caso da visão, existem diversos pontos de vista quer dos espaços da obra, quer da paisagem da cidade de Matosinhos. Pela audição ouvem-se os passos das pessoas ao caminharem e o eco das vozes pelo interior que revela as suas dimensões amplas. Ou seja, as galerias e escadas do albergue e da capela encerram uma experiência própria e permitem ao sujeito estar em contacto com o 105


Fig.116 Maqueta 1/50 Sala de refeições

Fig.117 Maqueta 1/50 Átrio de acesso ao interior

Fig.118 Maqueta 1/50 Interior da Capela

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espaço e animá-lo. Ao mesmo tempo, a luz revela espaços e guia os peregrinos, e a sua constante mudança ao longo do tempo cria diferentes percepções, momentos e experiências. Ao regressar ao piso do rés-do-chão, opta-se por seguir em direcção à sala de refeições. Este espaço (fig.116) mostra-se amplo, com pé direito elevado uma vez que não existe uma galeria por cima. A zona é iluminada por uma clarabóia na cobertura e por uma parede de vidro que faz a ligação entre interior e exterior. Ouvem-se as pessoas a conversar, a arrastar mesas e cadeiras, e a circular numa escadaria superior localizada por cima da sala. Passando para o exterior, na zona de convívio, e à direita surge um percurso que encaminha para a entrada dos dois edifícios. Agora em direcção à entrada da capela (fig.117), a fachada frontal não tem símbolos religiosos, fazendo com que não pareça um local de culto. Assim de oferece a todos os credos ou à ausência deles a possibilidade de se sentirem incluídos e com lugar neste espaço. A entrada está localizada numa parede curva escondida numa sombra. Ao ingressar na capela surge um pequeno corredor com pé direito baixo. Neste espaço da entrada há uma sensação de conforto por não haver elementos religiosos, e uma sensação de pouca exposição por ser um espaço contido. O grande interior não se revela, o oposto do que se espera de um espaço religioso. Existem dois percursos que surgem na entrada. Um encaminha para uma sala com uma estátua (São Tiago Maior), e o outro acompanha a parede curva em direcção a uma sala escura. Optando por seguir à sala escura, ao entrar fica-se com a sensação de se estar num espaço escondido, separado do resto da capela. Devido à pouca luz natural que entra é possível repousar e relaxar. A atmosfera criada pela sombra e o silêncio transmite uma sensação de calma e serenidade. Passando por uma segunda porta, chega-se ao altar principal. Este espaço com pé direito elevado é iluminado pela clarabóia redonda na cobertura (fig.118). A partir deste ponto de observação, é possível reparar na galeria superior onde se esteve anteriormente. Percebe-se que essa mesma galeria cria um percurso inferior que liga à entrada e a duas salas. No altar para além da luz, há outro elemento que se destaca, a parede curva com uma textura ondular que relembra a Vieira de Santiago. A sua textura quase convida o peregrino a tocar nela, e sentir a temperatura e os detalhes hápticos que apenas o tacto consegue revelar. Saindo do altar, chega-se à sala São Tiago. Trata-se de uma pequena sala que contém uma estátua do Apostolo São Tiago Maior. A passagem por aqui consiste em realizar um pequeno “ritual” de pedir ao santo que traga boa sorte durante a peregrinação a Santiago de Compostela. Semelhante ao sinal da cruz que se realiza quando se chega ao altar de uma igreja, este “ritual” faz parte da experiência da capela. 107


Com estas características, o Albergue e a Capela tornam-se numa nova etapa dos Caminhos de Santiago, onde a exploração e o movimento continuam a estar presentes ainda que no interior de um albergue. Para além de ser um local de repouso e de acolhimento, ainda materializa a vivência da intuição e atmosfera que caracterizam as rotas da peregrinação.

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ConclusĂľes finais

Fig.119 Le Cobusier Villa Savoye, 1929

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Conclusões finais

Da reflexão sobre a dimensão da relação do corpo humano e a arquitectura, resulta a análise deste enquanto o principal elemento de encontro do homem com a envolvente onde se encontra inserido. Ao aprofundar o estudo sobre o corpo humano, a arquitectura foi necessariamente evoluindo em simultâneo nesse processo. No sentido do discernimento dos atributos do mundo envolvente, o corpo humano necessita de instrumentos que permitam tirar conclusões sensoriais de forma que daí resulte uma experiência completa e clara. Afinal, o organismo humano não é uma referência apenas para interrogações antropométricas na arquitectura mas também experienciais. Essas experiências são fundamentais a partir de análises fenomenológicas que interagem com a consciência humana ao unir as dimensões perceptivas e sensoriais no contexto espacial. Assim sendo, para entender a relação perceptível entre o corpo e o espaço, foi crucial estudar e aprofundar neste trabalho a importância dos sentidos - componentes e estimuladores sensoriais - da experiência háptica, que se assumem na vida do homem e nas suas experiências quotidianas e que incluem o espaço arquitectónico. Nos componentes estão incluídos o tacto e o sentido cinestésico. Estes permitem uma aproximação mais pessoal e intima com a envolvente. De entre os estimuladores sensoriais para a experiência háptica foram abordados a visão e a audição. Estes dois sentidos mostram ser os mais influentes na estimulação da experiência de um espaço arquitectónico. No entanto, existem outros que são utilizados pelo homem no seu quotidiano, como o paladar e o olfacto e que, apesar de não terem sido abordados neste trabalho, abrem a possibilidade uma nova abordagem sobre a experiência háptica na arquitectura, ao perceber como conseguem estimular a exploração e conhecimento de um espaço. A experiência que emerge da colaboração dos sentidos sensoriais realizada em cada espaço arquitectónico em que cada um completa a percepção realizada pelo outro permite a apreensão de todas as características espaciais. Isto é a criação da experiência háptica. Quando estrategicamente projectado, o espaço arquitectónico tem a capacidade de influenciar e estimular as mais diversas percepções e sensações. Ou seja, homem não tem apenas o papel de descodificador na arquitectura mas também de produtor da mesma. O arquitecto tem então, a capacidade de manipular as sensações e percepções que pretende produzir na obra arquitectónica. Pelo entendimento de como influenciar a percepção do utilizador, pode criar um espaço acolhedor ou agreste. Reconhecendo a importância desta reflexão, o arquitecto enquanto organizador de espaço irá basear-se 111


nas suas experiências passadas, usando-as como referência, para a criação de uma obra. Afinal, esta é o reflexo da sua própria experiência. Da mesma maneira, enquanto experimenta e interpreta uma obra, o utilizador vai basear-se nas suas experiências passadas para compreender o espaço onde está inserido. Enquanto reveladora da experiência arquitectónica, a percepção sensorial assume relevante importância ao influenciar as qualidades fenomenológicas dos elementos que constituem a arquitectura. Fala-se aqui do “Corpo da Arquitectura”, composto pelo espaço, forma, cor, textura, sombra, luz e matéria. Cada um destes elementos tem um papel crucial na arquitectura, ao influenciar a percepção do espaço por parte do homem. Dentre eles, a Luz parece emergir como um dos maiores desafios para o arquitecto, já que se apresenta em constante alteração a cada dia, na intensidade, cor e temperatura capaz de mudar a forma como os restantes elementos se apresentam. Esta provocação é permanente e não se presta a ser controlada pelo homem. Cabe a ele encontrar métodos de como aproveitar a sua energia e capacidade perceptível. A relação entre a luz e os restantes elementos contém potencialidades fenomenológicas que acabam por criar a identidade do espaço arquitectónico. Como apontamento de futuro já que este trabalho foi para o autor a primeira abordagem no estudo da Experiência Háptica na Arquitectura, assumem-se desde logo diversas direcções para continuar a pesquisa. A Luz (tratada nesta dissertação) não é o único elemento que influencia a experiência háptica, existem outros que podem ser chamados a esta discussão. A cor, a sombra, a textura e o espaço, estudados no decorrer desta tese por serem detentores de conteúdos essenciais e fundamentais para perceber como influenciar a percepção dos espaços foram apresentados e as suas relações com o elemento luminoso, estudadas. Nesta senda, poderão surgir outros elementos que causem impacto semelhante ao da Luz e contribuam para um melhor entendimento da relação entre o corpo humano e a arquitectura. Da complementaridade entre a experiência teórica recolhida na experimentação dos casos de estudo e a realização do ensaio projectual, resultou uma proposta arquitectónica que leva em linha de conta a prática de toda a reflexão que se pretendeu aprofundar nesta dissertação, materializada no ensaio projectual em forma de albergue e capela, como uma tentativa de trazer à discussão a experiência que emerge da colaboração dos sentidos sensoriais realizada na experimentação de cada espaço de estudo. Desse entendimento tentou-se no ensaio projectual levar em conta toda a possibilidade de influenciar a percepção do utilizador, apresentando um espaço de acolhimento para os caminheiros dos Caminhos de Santiago, enquanto espaço arquitectónico organizado estrategicamente nesse sentido - acolhimento. 112


Na aplicação da teoria desenvolvida no ensaio projectual, concluiu-se que foi fundamental a utilização da experiência tida em albergues durante a realização do percurso português do Caminho de Santiago de Compostela. Ao experimentar esses espaços e observar como eles são utilizados pelos restantes peregrinos e como foram elaborados, tornou-se possível usar toda a informação recolhida como referência no desenvolver do projecto e não ficar limitado apenas pela análise de projectos através de imagens e plantas. Aponta-se como conclusão/reflexão que a arquitectura não é um produto visual semelhante aos restantes ramos artísticos que se contempla pelo apenas pelo olhar, mas antes uma criação que inclui o homem e as suas experiências. Assim sendo, o arquitecto tem por missão criar uma arquitectura capaz de ser experimentada pelo homem através de todos os sentidos sem negligenciar nenhum, pois só desta forma é que se apreende a arquitectura. Ou seja, deve capacitar o espaço de qualidades fenomenológicas que permitam elevar a arquitectura à sua essência pura – acolhimento.

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Bibliografia Monografia Dissertações DVD’s Índice de imagens

Fig.120 Frank Lloyd Wright Solomon R. Guggenheim Museum, 1959

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Monografia AA.VV.; 1997; Álvaro Siza 1954 – 1976; Lisboa; Editorial Blau AA.VV.; 1995; Álvaro Siza – Obras e Projectos; Editora Electra AA.VV.; 2004; Arquitectura Moderna Portuguesa 1920 – 1970; Lisboa; IPPAR AA.VV.; 2004; Arquitectura e Cidadania – Atelier Nuno Teotónio Pereira; Lisboa; Quimera Edições AA.VV.; 2015; Camilo Rebelo + Tiago Pimentel - Museu do Côa / Casa Kitma; Lisboa; Uzina Books AA.VV.; 2011; Guedes + DeCampos | Teleférico de Gaia – Estação Alta | Teleférico de Gaia – Estação Baixa; Lisboa; Uzina Books BAEZA, Alberto Campo; 2013a; A ideia construída; Casal de Cambra; Caleidoscópio BAEZA, Alberto Campo; 2013b; Pensar com as mãos; Casal de Cambra; Caleidoscópio BERNARDO; Luís Miguel; 2005; História da Luz e das Cores – Volume 1; Porto; Editora Universidade do Porto BLOOMER, Kent, MOORE, Charles; 1977; Cuerpo, memoria y arquitectura Introducción al diseño arquitectónico; Madrid; H. Blume CHING, Francis D. K. ; 2013; Arquitectura – Forma, Espaço e Ordem; Porto Alegre; Bookman CORBUSIER, Le; 2006; Por Uma Arquitectura; São Paulo; Editora Prespectiva DAVIDOFF, Linda; 2001; Introdução à Psicologia; São Paulo; Pearson Makron Books Dicionário da Língua Portuguesa; 2010; Porto; Porto Editora FURUYAMA, Masao; 1996; Tadao Ando; Basel, Suiça; Birkhäuser Verlag

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Dissertações GODINHO, Sofia Alexandra Leitão; 2012; Sentido na arquitectura – caso de estudo: Estância Termal – Sergirei|Chaves; Porto; Faculdade de Arquitectura e Artes – Universidade Lusíada do Porto

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LOPES, Ana Müller; 2005; Percepção e Forma do Espaço Público Urbano; Lisboa; Universidade Técnica de Lisboa – Instituto Superior de Agronomia SILVA, Ana Marques Saraiva de Almeida e; 2010; Uma lógica sensível: para uma arquitectura sensual e sensorial; Porto; Faculdade de Arquitectura e Artes – Universidade Lusíada do Porto

DVD’s PORTAS, Catarina; FERREIRA, Joana Cunha; 2004; Arquitectura e Cidadania – Atelier Nuno Teotónio Pereira – O Atelier, As Obras, As Palavras; Lisboa; Filmes do Tejo FERREIRA, Joana Cunha; 2009; Nuno Teotónio Pereira – Um Homem na Cidade; Lisboa; Midas Filmes

Documentários televisivos URBANO, Luís; 2014; SAGRADO – uma curta-metragem sobre a Igreja do Sagrado Coração de Jesus; Lisboa; Ruptura Silenciosa

Índice de imagens Imagem da capa: Autoria do autor Fig.1: https://whartonesherickmuseum.files.wordpress.com/2013/06/bauhausstaircase.jpg [Consult. 20/10/2016] Fig.2: http://67.media.tumblr.com/tumblr_ls92ryYSns1qbltjyo3_1280.jpg [Consult. 16/10/2016] Fig.3: http://www.vocesabia.net/wp-content/uploads/2012/02/Homem-Vitruviano.jpg [Consult. 04/04/2016] Fig.4: http://www.neermanfernand.com/images/corbu.jpg [Consult. 17/04/2016] Fig.5: http://www.fondationlecorbusier.fr/CorbuCache/900x720_2049_2347.jpg?r=0 [Consult. 12/04/2016]

120


Fig.6: http://3.bp.blogspot.com/_O6UKiMWAWOU/TKFiYgTmreI/AAAAAAAABCg/XoQjkg2ThxI/ s400/duchamp1.png [Consult. 16/10/2016] Fig.7: http://www.doctordisruption.com/wp-content/uploads/2015/09/filepickerzBZhEi9CQIGfFXNrAbBj_touch.jpg[Consult. 17/12/2015] Fig.8: http://susanspiritusgallery.com/wp-content/uploads/2015/02/Disappearing-Acr.jpeg [Consult. 16/10/2016] Fig.9: http://www.art-bin.com/bilder/number4.jpg [Consult. 16/10/2016] Fig.10: http://art.thewalters.org/images/art/large/l_pl1_372768_fnt_tr_t04v.jpg [Consult. 15/10/2016] Fig.11: http://www.etsavega.net/dibex/imatges/Ledoux_113.jpg [Consult. 16/12/2015] Fig.12: http://www.davidhealdstudio.com/architecture-ofsilence/v078omsceef40iljr9yvs0w7kelcci [Consult. 18/04/2016] Fig.13: http://4.bp.blogspot.com/hI7INOCflys/VRMgGmAndWI/AAAAAAAAqIY/9rd78RoDYKI/s1600/der_unglaubige_thom as.jpg [Consult. 22/09/2016] Fig.14: https://semiologiaiscsp.files.wordpress.com/2009/03/herbert_bayer_lonely_metropolitan_1 932.jpg [Consult. 16/12/2015] Fig.15: https://theartstack.com/artist/sarah-grace-harris/echo-17 [Consult. 25/10/2016] Fig.16: http://img.ffffound.com/staticdata/assets/6/81eeec7101d667d4534fcbba61eadc5108225374_m.jpg [Consult. 16/10/2016] Fig.17: https://2.bp.blogspot.com/mg_hsojeOqo/VTbG_6YVm8I/AAAAAAAAFiY/H699POEtgBEYC61N6QC7C1chXnRKIw2ACKgB/s1600/pantheon-april-21-sun-2.jpg [Consult. 16/10/2016] Fig.18: http://2.bp.blogspot.com/_yoAn_RvUN6s/TFVWCpBACTI/AAAAAAAAC2g/GgmRrp8MAU 0/s1600/CASAMENTO+DA+ANA-BRUNO+003.JPG [Consult. 30/04/2016] Fig.19: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6d/Basilique_SaintDenis_01.jpg [Consult. 30/04/2016]

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Fig.20: http://static.guide.supereva.it/guide/roma/santandrea-alquirinale/VedutadellinternodellaChiesa.jpg [Consult. 30/04/2016] Fig.21: https://architessica.files.wordpress.com/2011/03/crystalpalace1.jpg [Consult. 30/04/2016] Fig.22: https://farm3.staticflickr.com/2348/2461661376_28a019d6b8_b.jpg [Consult. 24/04/2016] Fig.23: http://images.adsttc.com/media/images/54cb/be09/e58e/ce99/0100/039f/large_jpg/openuri20140924-13938-xx1v9u.jpg?1422638576 [Consult. 20/10/2016] Fig.24: http://orig07.deviantart.net/70c0/f/2011/015/9/7/koshino_house___interior_3_by_freeduxd377sn1.jpg[Consult. 17/12/2015] Fig.25: http://www.earchitect.co.uk/images/jpgs/germany/bruder_klaus_kapelle_germany_jl060408_06.jpg [Consult. 22/09/2016] Fig.26: Autoria do autor Fig.27: http://images.fineartamerica.com/images-medium-large/house-of-guanajuato-mexico-craig-lovell.jpg [Consult. 30/04/2016] Fig.28: http://www.phaidon.com/resource/2003-1243.jpg [Consult. 30/04/2016] Fig.29: https://s-media-cacheak0.pinimg.com/236x/17/7a/5b/177a5b0baf9578253feb114eaf6d961f.jpg [Consult. 30/04/2016] Fig.30 - 31: Autoria do autor Fig.32: http://static.wixstatic.com/media/75ac30_e7a17bc82dc46c4f85aa28722b21093f.gif_1024 [Consult. 30/04/2016] Fig.33 - 118: Autoria do autor Fig.119: https://cdn.kastatic.org/ka-perseusimages/86018306d9fbf0b033f55acd4a7d9272df8fdd1c.jpg [Consult. 25/10/2016] Fig. 120: http://www.parisphoto.com/content/events_images/2122/file/slideshow/52dfc67bbfcee02taka-ishii-yukio-futagawa.jpg [Consult. 03/11/2016]

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Anexos Desenho rigorosos do ensaio projectual (Escala 1/500 e 1/200) Fotografias das maquetas do ensaio projectual (Escala 1/500; 1/200 e 1/50)

123


6.6

6.6

8.5

6.9

6.8

6.7 6.2 5.8

5.8 5.8

5.6

4.6

4.9

4.6 4.6

4.8 4.6

4.7

4.6

4.9 N

4.9

1

folha


4.8 = -1.0

5.9 = + 0.1

5.9 = + 0.1 5.8 = 0.0

4.8 = -1.0

folha

2

N


9.3 = + 3.5

5.9 = + 0.1

9.3 = + 3.5

folha

3

N


9

12.7 = + 6.

N

9 12.7 = + 6.

folha

4


.10

20.00 = + 14

16.15 = + 10

.35

.80

19.70 = + 13

folha

5

N


folha

6

N


folha

7

N


Corte AA'

folha

8

N


Corte BB'

folha

9

N


Corte CC'

10

folha

N


Corte DD'

11

folha

N


Maqueta 1/500



Maqueta 1/200




Maqueta 1/100




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