KIM-IR-SEN PIRES LEAL / EMBRAPA
SÃO PAULO, 31 DE AGOSTO DE 2016
Qualidade em foco
A produção dos chamados cafés especiais tem sido o caminho encontrado pelo cafeicultor para conseguir melhor remuneração
Este material é produzido pelo Núcleo de Projetos Especiais de Publicidade do Estadão
RICARDO BELTRAME / EMBRAPA
Agronegócio Caderno do
PRODUZIDO POR
PECUÁRIA LEITEIRA
Entenda os motivos da falta de leite no mercado brasileiro. Pág. 8
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ESTRATÉGIA
Mapa das Indicações Geográficas do café
ARTE: ESTÚDIO TECA / FOTO: KADIJAH SULEIMAN / EMBRAPA
Registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial ajuda na projeção e valorização das regiões produtoras
As cinco regiões brasileiras indicadas no mapa já possuem a Indicação Geográfica do café; o Oeste da Bahia está estruturando a sua
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errado Mineiro, Alta Mogiana, Mantiqueira de Minas, Norte Pioneiro e Região de Pinhal são as cinco Indicações Geográficas (IGs) do Café no Brasil. Há dois tipos de IGs, a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO) e ambas são concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A exemplo do que acontece na região de Champagne na França, os produtores, associações e cooperativas de agricultores têm buscado este registro como forma de agregar valor e projetar o café produzido em suas regiões. A Indicação de Procedência (IP) indica, a partir de dados históricos, que a região tem notoriedade na fabricação de um determinado produto. Já a Denominação de Origem (DO) chancela que, além de notoriedade, o produto produzido ali tem
características únicas em função do solo, clima, temperatura e modo de fazer só encontrados no local. O Cerrado Mineiro é a única região cafeeira que possui as duas IGs, as outras detêm apenas a IP e a Mantiqueira de Minas está no processo para também obter a DO. “A estratégia de território, de desenvolvimento de origem, começou de uma demanda do mercado japonês”, diz Juliano Tarabal, superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado. “Por volta do ano 2000, eles nos disseram que gostavam do nosso café, mas queriam a garantia de que o produto saiu da região”, explica. A conquista da IP aconteceu em 2005 e da DO, em 2013. “O maior papel das IGs é a proteção do território. Por meio do selo de origem, você impede que o produto
“A estratégia de território, de desenvolvimento de origem, começou de uma demanda do mercado japonês” JULIANO TARABAL, SUPERINTENDENTE DA FEDERAÇÃO DOS CAFEICULTORES DO CERRADO
seja usado de maneira inadequada e dá maior garantia tanto para o comprador quanto para o consumidor”, diz Tarabal. No caso da região do Cerrado Mineiro, as IGs englobam 55 municípios com cerca de 4.500 cafeicultores, que juntos produzem em torno de 5 milhões de sacas de café por ano numa área de 210 mil hectares,
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sendo 102 deles certificados com selos de boas práticas agrícolas. Mas nem todos os cafés produzidos na região saem com o selo da Denominação de Origem, apenas os que atendem as exigências. O cafezal precisa ser da variedade arábica e estar numa altitude de no mínimo 800 metros; o café tem que atingir uma nota acima de 80 pontos; a propriedade precisa estar credenciada na Federação; o produtor deve assinar um termo dizendo que respeita a legislação brasileira (social, ambiental e trabalhista) vigente e o café necessita ser depositado em um dos armazéns credenciados. “Todo o café com selo tem um QR-Code para o comprador e consumidor rastrearem quem é o produtor, qual é o lote, onde fica a propriedade dele”, explica Tarabal. A Mantiqueira de Minas, região que envolve 25 municípios na parte mineira da Serra da Mantiqueira, conseguiu o registro em 2011. “A conquista levou a um aumento da produção de cafés de qualidade, ajudou na abertura de novos mercados e na melhoria da tecnologia empregada, por meio de parcerias com universidades, Embrapa, Epamig e Sebrae”, diz Lília Maria Dias Junqueira, gerente administrativa da associação que gere a IP. Além de fortalecer a cafeicultura na região, a IP promove outras atividades. O turismo é uma delas e a primeira modalidade favorecida é o chamado turismo de negócio. “Recebemos muitos compradores de diversas partes do mundo, que querem conhecer a produção e o controle de qualidade na colheita e pós-colheita”, diz Tarabal. “Alguns clientes vêm na época da colheita e ficam na fazenda para direcionar a forma como querem que seu café seja processado, se vão descascar, se vão fazer café natural, se vão fermentar”, explica o superintendente. Até o momento, cinco regiões cafeeiras obtiveram o registro. Mas segundo Hulda Giesbrecht, especialista do Sebrae em Acesso à Inovação e Tecnologia, a região do Oeste da Bahia está em processo de estruturação da sua IP do café.
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PALAVRA DA FAESP
A história econômica demonstra que o café foi o grande motor de crescimento do Brasil entre o último quarto do século XIX e o final da década de 1920, tendo se tornado o principal produto de exportação do País. Entre 1925 e 1929, antes do craque da bolsa de Nova Iorque, as remessas de café ao exterior representavam 71% das exportações totais do País e 10% do produto nacional bruto. A crise de 1929 não teve apenas consequências negativas, pois impulsionou a evolução técnica, com a introdução de variedades de café de menor porte, como o Caturra e mais tarde o Catuaí, que facilitaram os tratos culturais e a colheita. Nas décadas de 50 e 60, a capacidade da atividade de gerar empregos e divisas, atrair investimentos, além de financiar a industrialização do País, fez do café um importante alicerce do desenvolvimento nacional. A industrialização viabilizou a integração da agricultura ao restante da economia, iniciando uma nova dinâmica de modernização. Entre 1950 e 1960, emergiram os complexos agroindustriais, com destaque para o café solúvel em São Paulo, iniciativa que selou a integração entre a agricultura e a indústria, que se uniram para formar a cadeia do agronegócio. A FAESP teve papel fundamental na implantação da indústria de café solúvel, ao auxiliar na liberação de estoques do IBC – Instituto Brasileiro do Café para obtenção de recursos destinados aos projetos de beneficiamento, uma vez que integrávamos a sua
junta administrativa. Hoje, a indústria de café solúvel está consolidada, perfazendo 9% das exportações totais de café. A cafeicultura continua relevante e o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café, com vendas externas de US$ 6,2 bilhões em 2015. Essa projeção, no entanto, sempre se impôs mais pelo volume comercializado do que pela qualidade, apesar de o Brasil produzir cafés de excelente padrão. Mais recentemente, a cafeicultura vem introduzindo inovações nas áreas de produção, beneficiamento e comercialização que estão ressaltando a qualidade do café nacional. Estão surgindo novas oportunidades de negócio para o País, por intermédio de programas de certificação, que valorizam a qualidade do produto e demais atributos associados ao processo produtivo, enaltecendo a imagem do café nacional em mercados mais especializados. São destinos com consumidores exigentes, dispostos a pagar por um produto diferenciado, os chamados cafés especiais (gourmets, orgânicos e certificados), que associam a qualidade da bebida às boas técnicas de produção, à identidade geográfica e à responsabilidade social e ambiental. Esse segmento de exportação – cujo potencial de crescimento interno é elevado, especialmente para os cafés oferecidos em mono doses (sachês e cápsulas) – teve faturamento de R$ 1,4 bilhão em
2015 e pode atingir R$ 3 bilhões em 2019. Mas essa perspectiva se projeta para cafés comercializados em outras formas e embalagens, tanto para consumo doméstico quanto para apreciação em cafeterias e restaurantes. A participação brasileira nesse nicho de cafés especiais depende de fomento, parcerias e incentivos públicos e privados. De um lado, é necessária uma política efetiva de garantia de renda aos produtores e, de outro, um esforço coordenado de valorização do produto, respaldado em ações de capacitação, programas de classificação e certificação de qualidade e origem, associados a campanhas de promoção do café brasileiro. É necessário investir mais em qualidade e programas de sustentabilidade, apoiando-se na difusão de tecnologia. O cafeicultor precisa elevar a produtividade, reduzir o custo e aprimorar a qualidade do produto para obter maior margem de comercialização e sustentar o crescimento. Em contrapartida, o Governo deve estabelecer políticas consistentes, a fim de garantir os recursos e meios necessários para o produtor alcançar esse novo estágio de desenvolvimento. O cenário é promissor, desde que todos os agentes da cadeia trabalhem de forma coordenada em prol de uma política de incentivo à cafeicultura. Desse modo, o café continuará escrevendo sua grandiosa história no desenvolvimento nacional.
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Fábio de Salles Meirelles Presidente do Sistema FAESP/SENAR-SP
DIVULGAÇÃO
FERNANDA CARVALHO/ FOTOS PÚBLICAS
Nova página na história da cafeicultura brasileira
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CAPA
A revolução da qualidade nos cafezais
CLEVERSON BEJE / FOTOS PÚBLICAS
Cafeicultores investem nos procedimentos de pós-colheita para conseguir melhor remuneração pela saca do grão
Os cafés diferenciados, categoria que engloba os grãos de alta qualidade, orgânicos e certificados, são a saída para cafeicultor agregar valor e driblar o aumento do custo de produção
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Brasil é o maior produtor de café do mundo e segundo maior consumidor da bebida, atrás dos EUA. No entanto, até dez anos atrás, o País era conhecido pelo volume exportado e não pela qualidade. Esta história começou a mudar em 1991, quando foi criada a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês) e ano em que a torrefadora italiana illycaffè chegou ao Brasil. A primeira foi fruto do pioneirismo de 12 famílias. “Elas viajavam muito e começaram a ver lá fora as oportunidades de café de qualidade que aqui
eram ignoradas”, conta Vanúsia Nogueira, diretora da BSCA. Já naquela época, o fruto brasileiro – conhecido por ter característica de chocolate, bom corpo e doçura – compunha 50% do blend do café da illycaffè. Mas a torrefadora estava com dificuldade para encontrar grãos de qualidade, a maioria das amostras que chegavam na Itália era reprovada. O problema trouxe Ernesto Illy (1925-2008), presidente da empresa, para o Brasil. O italiano veio com a missão de averiguar se ainda existia café de qualidade no País. Para isso, ele lançou o Prêmio
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milhões de sacas de café foram exportadas em 2015. Deste montante, 6,5 milhões foram de cafés diferenciados FONTE: CECAFÉ
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Ernesto Illy de Qualidade de Café para Espresso. “Ele queria comprar diretamente, e não por meio de firmas exportadoras, que compram de João, Pedro e Antônio e oferecem um café que não é puro, porque você pode misturar coisa boa com coisa ruim”, explica o engenheiro agrônomo Aldir Teixeira, responsável pela classificação dos cafés da illycaffè. A illycaffè passou a pagar um preço acima do mercado para os produtores que entregassem o café no padrão da empresa. Ao fazer isso, a torrefadora deu um pontapé para revolucionar a cafeicultura brasi-
leira. Antes o cafeicultor não se interessava em produzir qualidade, porque não recebia nada a mais pelo empenho. Oito anos após seu surgimento, a BSCA também lança o Cup of Excellence, concurso de qualidade que este ano vai para 17ª edição. “Eu consigo trabalhar o mercado internacional e dar visibilidade aos nossos cafés quando faço um concurso”, diz Vanúsia. A estratégia tem dado certo. Ano após ano, o Brasil vem aumentando as exportações de cafés diferenciados – termo que abrange os cafés de qualidade superior
“O ágio mínimo da saca de café especial, se comparado à Bolsa de Nova York, é de 30% a 40%, podendo chegar a 100% ” VANÚSIA NOGUEIRA, DIRETORA DA BSCA
ou aqueles que possuem certificações de práticas sustentáveis. No ano passado, foram enviadas ao exterior 6,5 milhões de sacas. De acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), de janeiro a julho deste ano, os embarques desta categoria somaram mais de 3,6 milhões de sacas e alcançaram preços médios 27,4% superiores à media total de café verde exportado. “Hoje, o ágio mínimo da saca destes cafés, se comparado à Bolsa de Nova York, é de 30% a 40%, podendo chegar a 100% no caso de cafés orgânicos especiais”, explica a diretora da BSCA. Sebastião Afonso da Silva, 54 anos, é um dos cafeicultores que tem se dedicado à produção dos chamados cafés especiais. Enquadra-se nessa categoria cafés da espécie arábica que atingem uma nota superior a 80 pontos, de acordo com os critérios da Associação Americana de Cafés Especiais (Scaa). Para isso, avalia-se uma amostra de 350 gramas de café cru, que deve ter umidade máxima de 11%. Nesta
etapa, é feita uma análise física dos grãos, para ver se há defeitos, má formação ou grãos quebrados. Na fase seguinte, a porção é torrada e um degustador faz a prova sensorial, pontuando características como fragrância, doçura, acidez e corpo. A família Silva resolveu plantar os primeiros pés de café há pouco mais de 20 anos. “Meu pai teve 21 filhos, criou todos plantando arroz. Mas os preços pioraram e não cobriam os custos, aí plantamos um pedacinho de café numa área de morro”, diz o agricultor. Hoje, Silva tem 85 hectares com 285 mil pés de café em Cristina (MG), um dos municípios que integram a Mantiqueira de Minas (vide matéria na página 2), região conhecida por produzir cafés de alta qualidade. Até 2007, ele produzia café commodity, mas naquele ano resolveu investir em infraestrutura. “Eu arranquei alguns pés de café do meio da lavoura, fiz terraplanagem e ali coloquei o maquinário: lavador, despolpador, barracão com os secadores, terreiro de concreto e tulha para descanso dos lotes”, conta Silva. Toda a construção foi pensada para reduzir a mão de obra. “Eu não tenho muito gasto com transporte porque a infraestrutura fica dentro do cafezal”, complementa. Na safra seguinte, Silva preparou uma amostra e mandou para o 18º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade de Café para Espresso. Sua estreia em concursos não poderia ser melhor: ele ficou na primeira colocação e recebeu o valor de US$ 30 mil. De lá em diante, o cafeicultor passou a se esmerar cada dia mais nos processos que garantem uma bebida excepcional. “Você tem que estar disponível para o café. Colher durante o dia e, no mesmo dia à noite, preparar. Se vai despolpar, tem que despolpar, se vai lavar, tem que lavar e deixar arrumadinho”, diz Silva. O motivo é simples: depois de apanhado, se os grãos maduros ficarem amontoados de um dia para outro, eles iniciam o processo de fermentação e perdem qualidade. Tantos cuidados têm feito de Silva fi gura carimbada nos concursos. Em 2014, ele foi campeão do Cup of Excellence na
ANTONIO C. CARREIRO
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O cafeicultor Sebastião Afonso da Silva foi o vencedor do 18º Prêmio Ernesto Illy de Qualidade de Café para Espresso categoria de cafés naturais. Seu lote de 17 sacas atingiu 95,18 pontos, a maior nota da história do concurso, e foi arrematado pela Starbucks, que pagou R$ 9.384 por saca. “Eu não faço um lote que ganha concurso, faço vários”, diz Silva. Além disso, via cooperativa Cocarive, ele vende para clientes de outros países, que costumam pagar R$ 2 mil por saca. CONSUMO EM ASCENSÃO A demanda por cafés especiais tem aumentado aqui dentro e lá fora. Prova disso é o Espaço Arte do Café montado dentro da Casa Brasil no boulevard olímpico, no Rio de Janeiro. Trata-se de um ambiente em que a história do café no Brasil é apresentada e no final há uma degustação de café. “Está tendo fila todo dia e a imensa maioria é de brasileiros”, diz Vanúsia. Quanto ao mercado externo, o desafio é equilibrar oferta e demanda. “Não há
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nada pior do que criar uma expectativa e depois não conseguir atender”, diz a diretora. E não dá para prever a quantidade de cafés especiais numa safra, uma vez que problemas climáticos, como as chuvas e geadas que assolaram a divisa de Minas Gerais com São Paulo, podem acarretar quebra na qualidade. Outro ponto a ser trabalhado são os mercados emergentes, principalmente a China. Há um potencial enorme de expansão de consumo no país, mas é preciso um grande trabalho de educação de consumo. “Há três anos, um parceiro nosso na China presenteou um empresário local com cafés torrados em grãos. Passados dez dias, o chinês ligou e disse que o produto era muito ruim e que ninguém no país iria querer consumir. Nosso representante perguntou como ele tinha feito, e ele disse que havia colocado na panela de pressão”, conta Vanúsia.
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GENÉTICA
Em busca do leite ideal
ALCIDES OKUBO FILHO / EMBRAPA
Cooperativa Aurora recorre à biotecnologia para melhorar o rebanho leiteiro de seus cooperados
O material genético de 2.500 vacas das raças holandesa (foto) e jersey foi enviado para análise de DNA em laboratório nos EUA
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onseguir um leite mais gordo e com maior quantidade de matéria seca – aquilo que sobra quando a água é retirada do produto – foi o foco da Cooperativa Central Aurora Alimentos ao fazer o sequenciamento genético de uma amostra do rebanho de seus 6.100 cooperados no ano passado. O investimento no projeto, que tem como parceiros o Sebrae e as cooperativas filiadas à Aurora, deve chegar a R$ 2 milhões até o final deste ano. “Em quatro anos, esperamos ter um leite na indústria infinitamente melhor do que o de hoje e pagar ao produtor pela qualidade”, diz Marcos Antônio Zordan, diretor agropecuário da Aurora. Foram coletados o pelo, a pele ou o sangue de 2.500 vacas das raças holandesa e jersey, as mais comuns na região. Esse material genético foi enviado para análise de DNA em laboratórios especializados nos EUA, o que permitiu conhecer 94 características, entres elas, o volume
de leite, de gordura e proteína no leite, a fertilidade da fêmea, a quantidade de células somáticas e aspectos morfológicos. Do total de animais analisados, 190 foram escolhidos como os ideais. “Com uma genotipagem sem nenhum tipo de gene recessivo que possa transmitir uma doença pelo cruzamento”, diz Zordan. “Selecionamos aquilo que interessa para o projeto, animais que possam ajudar a melhorar o leite, o prumo, a qualidade do ubre e dar mais longevidade na produção”, explica o diretor. O objetivo é tornar estas vacas doadoras de óvulos, que serão fertilizados em laboratórios – por meio da fertilização in vitro (FIV) – e darão origem a embriões, que serão gestados por uma vaca barriga de aluguel. Dessa forma, é possível acelerar o melhoramento genético dos animais. Em condições naturais, uma matriz gera um bezerro por ano, número que pode saltar para 50, com o emprego da FIV.
“Com a genotipagem, conseguiremos ter um animal ideal para a região e produzir um leite de qualidade para a indústria” MARCOS ANTÔNIO ZORDAN, DIRETOR AGROPECUÁRIO DA AURORA
“Estas vacas ainda estão no campo, mas nossa ideia é adquirir ou fazer parceria com o produtor para coletar estes óvulos”, diz Zordan. A Aurora está usando touros recomendados para corrigir, nas novas gerações, os problemas detectados. “Existe sêmen para melhoria de ubre, para melhoria de leite e este sêmen é subsidiado pela Au-
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rora e cooperativas filiadas”, diz o diretor. O cooperado tem à sua disposição doses do material convencional ou sexado, uma vez que só as fêmeas interessam para a pecuária leiteira. Os principais problemas identificados na análise do DNA foram: a questão do prumo, a qualidade de ubre e a longevidade da vaca. “Nosso terreno tem muito morro, precisamos de animais que se comportem bem neste solo”, diz Zordan, referindo-se ao primeiro item. No caso do segundo, há vacas com propensão à inflamação das glândulas mamárias, o objetivo é eliminar este tipo de gene. Por fim, a seleção também objetiva a escolha de genes que deem às vacas maior tempo de vida produtiva. “Todo esse esforço busca obter os animais ideais para a produção de leite de qualidade, atendendo os padrões exigidos pela Instrução Normativa 62 (IN62)”, completa o diretor. A IN-62 refere-se ao padrão de leite exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para uso na agroindústria. A normativa criada em 2002 deveria entrar em vigor este ano, mas foi prorrogada por mais dois anos. Ela regulamenta os níveis de Contagem de Células Somáticas (CCS) e de Contagem Bacteriana Total (CCT) no leite. “O CCS nem sempre depende do agricultor, porque é uma informação que vem da análise clínica. Mas com a genotipagem, conseguimos melhorar o tipo de ubre e fazer que a CCS diminua”, explica Zordan. Já o CBT é uma simples questão de higiene, ter o ambiente e os equipamentos limpos. O projeto agora vai para a segunda fase, a genotipagem dos filhos dos animais genotipados. “Assim conseguiremos corrigir 99% dos problemas, ter um animal ideal para a região e produzir um leite de qualidade para a indústria”. Numa próxima fase, o objetivo é a instalação de uma Central de Transferência de Embriões e a criação de um centro de coleta de óvulos das matrizes, identificadas como portadoras do DNA ideal para a finalidade da Aurora.
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ENTREVISTA
Safra com qualidade comprometida
O engenheiro agrônomo Guilherme Vicentini fala dos problemas da atual safra, que está no fim da colheita
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uinta geração de uma família de cafeicultores, o engenheiro agrônomo Guilherme Vicentini, 36 anos, tem uma propriedade de 200 hectares de café em Altinópolis (SP), uma das cidades da Alta Mogiana, região conhecida por produzir cafés diferenciados. O produtor é também presidente do Sindicato Rural do município e integrante da Comissão Especial do Café da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP). Abaixo, os principais trechos da entrevista. Como avalia a cafeicultura hoje? Estamos no final de uma safra, com uma produção boa, mas faz 65 dias que não chove, o que compromete a safra de 2017. Tivemos 170 milímetros de chuva no início
da colheita em junho, que comprometeu a qualidade. A chuva jogou muito café no chão e o próprio café da árvore teve comprometimento na maturação, deu problema de fermentação, e estamos com problema de qualidade. Esta chuva pegou quase todo o Brasil. O Cerrado Mineiro não foi afetado? Não, mas representa 10% da produção brasileira. Os outros 90% tiveram problema: falta de chuva no café conilon no Espírito Santo e, nas outras partes, excesso de chuva no início da colheita e geada, que compromete a safra futura. Você acha que a previsão de safra da Conab, 49,6 milhões de sacas de ará-
bica e conilon, se confirma? Sim, os cafés têm tido rendimento, o problema é a qualidade. Temos cerca de 40% de nossos cafés negociados no mercado futuro. Estamos com dificuldade de entregar estes cafés por causa da coloração, fermentação e também porque as chuvas derrubaram o café mais graúdo. Nosso café de pano está com qualidade, mas é miúdo. O pessoal sempre reclama do aumento do custo de produção... O preço do café está defasado em relação ao aumento do custo de colheita, do salário mínimo e do óleo diesel. Se pegarmos estes preços de dez anos para cá, o café tinha que estar valendo mais que os preços praticados hoje.
Dentro dos custos, o que tem mais peso para o produtor? É a colheita, que pode representar de 20% a 60% do custo de produção, dependendo da safra, da região e se é mecanizado, semimecanizado ou colheita manual. Depois vem a parte de fertilizantes e defensivos. Como está a questão de crédito? O Funcafé é suficiente? O problema maior é que os recursos demoram a chegar. O lançamento do Plano Safra é feito em uma data avançada para o setor. Quando sai, o produtor está em colheita. O ideal seria antecipar a para que o cafeicultor tenha acesso ao crédito antes do início da colheita.
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MERCADO
Por que está faltando leite?
ALCIDES OKUBO FILHO / EMBRAPA
Problemas climáticos e escalada no custo de produção têm re�letido na alta do preço da matéria-prima nas gôndolas
A margem do pecuarista continua estreita: o preço pago pelo leite subiu 21,6% em julho, mas os custos cresceram 24,3% no mesmo período
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os últimos meses, o leite registrou alta expressiva nas gôndolas dos supermercados. Em alguns lugares, o produto teve um incremento de 50%. O salto pode ser explicado pelas adversidades climáticas e aumento do custo de produção. “Tivemos falta de chuva no Brasil Central, Sudeste e Nordeste e excesso de chuva no Sul do País”, explica Rafael Ribeiro, consultor de mercado da Scot Consultoria. O baixo índice pluviométrico comprometeu as pastagens e consequentemente a disponibilidade de leite no mercado interno. “No ano passado, a produção de leite reduziu 3%. Até o primeiro semestre deste ano, o tombo foi de cerca de 6%, o que nos leva a crer que chegaremos ao fim do ano com uma queda em torno de 5%”, diz Nilson Muniz, diretor executivo da Associação
Av. Eng. Caetano Álvares, 55 - 6º andar, São Paulo-SP CEP 02598-900 E-mail comercial gabriela.gaspari@estadao.com
Brasileira do Leite Longa Vida (ABLV). Os bons preços da arroba do boi levaram alguns criadores a encurtar a vida útil de suas matrizes leiteiras para fazer caixa. “Muitos reduziram o rebanho para seguir comprando milho para alimentar os animais”, diz o consultor. A valorização do cereal foi um dos fatores que mais influenciou a alta dos preços dos produtos lácteos e a diminuição da oferta de matéria-prima. “O principal vilão foi o milho. Em 2015, o cereal custava R$ 20 a saca, hoje está em torno de R$ 50”, diz Ribeiro. E engana-se quem pensa que o produtor de leite está lucrando. A margem da atividade continua estreitando-se. Segundo dados da Scot Consultoria, em relação a julho do ano passado, o aumento de preços foi de 21,6%, mas os custos cresceram 24,3%. Só aqueles produtores que cultivam o
“O principal vilão do aumento do preço os produtos lácteos foi o milho. Em 2015, o cereal custava R$ 20 a saca, hoje está em torno de R$ 50” RAFAEL RIBEIRO, CONSULTOR DE MERCADO DA SCOT CONSULTORIA
próprio milho ou tinham o cereal estocado estão aproveitando a alta do preço do leite. “Em anos de incerteza, quem tem uma boa gestão, uma estratégia de compra de insumos, consegue ter um controle maior, já que no mercado de leite não há a opção de travar preços futuros, como em outras
commodities”, diz Ribeiro. “Se tivéssemos um cenário de demanda aquecida, talvez o preço do leite tivesse subido mais”, completa o consultor. No mercado spot, leite comercializado entre as indústrias, o litro do produto vinha num patamar de R$ 2,20 na primeira quinzena de julho. “Mas os preços recuaram para R$ 1,90. Pelo lado da concorrência, o cenário é um pouco melhor, mas 2016 é ainda um ano de oferta ajustada. A produção média brasileira de leite por vaca ao ano é de 1.500 litros. “No Rio Grande do Sul chega a 2.800 litros; no Norte cai para 800 litros e há fazendas no patamar de 5.500 litros”, explica Ribeiro. Há potencial para crescimento da oferta, desde que os produtores adotem as tecnologias já disponíveis. “Em alguns casos, nem o básico é feito: a divisão em piquetes e a adubação da pastagem. Mexer em coisas simples já impacta direto a produção”, completa o consultor. O consumo de leite fluído no Brasil está alinhado com os países desenvolvidos, entre 55 e 60 litros per capita ao ano. “Mas quando se avalia o consumo total de lácteos, temos muito a evoluir. Com 170 litros per capita em 2015, estamos abaixo desses mesmos países, que consomem até 220 litros”, diz Muniz. COMPETIÇÃO DESLEAL A falta de leite no mercado brasileiro fez aumentar a importação de leite em pó, sobretudo da Argentina e do Uruguai. “A partir de setembro, com o fim da entressafra e retomada da produção interna, num cenário de demanda patinando, se as importações persistirem, a gente pode ter uma inversão do mercado e uma forte pressão de baixa”, explica Ribeiro. “O Brasil não é competitivo quando se compara os custos de produção internos com os do leite de fora. O leite em pó importado acaba prejudicando a indústria nacional”, finaliza o diretor executivo da ABLV.
Diretor de Projetos Especiais e Jornalista responsável Ernesto Bernardes - MTB 53.977 SP; Gerente de Conteúdo Bianca Krebs; Diretor de Arte João Guitton; Gerente Comercial Gabriela Gaspari; Gerente de Planejamento Andrea Radovan; Analista de Planejamento Julia Santos; Coordenadora de Planejamento Carolina Botelho; Coordenadora de Operações e Atendimento Larissa Ventriglia; Colaboradores: Livia Andrade (reportagem); Lilian Rambaldi (revisão); Diego Meneghetti (arte) e Felipe Cardoso (Assistente de Operações)
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