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MUTANTES EM AÇÃO autor KURT MAHR

Tradução MARIA MADALENA WURTH TEIXEIRA

Digitalização VITÓRIO

Revisão ARLINDO_SAN


O Sistema Vega, a vinte e sete anos-luz da Terra, tornou-se cenário duma tremenda guerra interestelar. Tentando apurar as causas das deformações do hiperespaço naquela zona, acusadas pelos sensores de deformação da estrutura espacial da base em Plutão — deformações que só poderiam ser provocadas pela transição de numerosas espaçonaves — Perry Rhodan vê-se envolvido na luta. A Good Hope, ex-nave auxiliar do cruzador arcônida destruído, mostra-se muito superior às naves inimigas, tripuladas pelos tópsidas, os homens-répteis. Porém, de repente, surge a imensa nave de guerra arcônida, capturada por tópsidas, e a pequena Good Hope é seriamente avariada. A fim de sair daquela situação desesperada e regressar à Terra, Rhodan só tem um recurso: pôr os Mutantes em Ação...

= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = = Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência. Reginald Bell — Ministro da segurança da Terceira Potência. Tako Kakuta — teleportação. Betty Toufry — telepatia e telecinésia. Ralf Marten — parapsicologia e exopersonificação. Wuriu Sengu — visão raio-X Hecliar — Ferrônio, chefe técnico do forte de Rofus. Quequéler — Chefe dos sichas. Crek-Orn — Almirante-chefe dos tópsidas. Tequer-On — Capitão tópsida. Thort — Chefe supremo dos ferrônios. Hopmar — Ferrônio, comandante do forte de Rofus.


1 — Altura? — Constante. — Velocidade? — Constante, mas miserável! — murmurou Bell, mal-humorado. — Distância do objetivo? — Quatro mil e cem. — Curso? — Em ordem. — Muito bem! — suspirou Perry Rhodan, enxugando o suor da testa. A Good Hope parecia ter trazido consigo boa parte do calor que calcinava a areia do Grande Deserto do Sul, dois mil metros abaixo deles. Fato nada estranhável, visto que o sistema de condicionamento de ar não estava em funcionamento; toda a potência dos geradores ainda intactos fora concentrada no sistema de propulsão. A pequena nave não passava dum veículo desarvorado, depois de ser atingida de raspão pelo tiro energético da nave de guerra arcônida capturada pelos tópsidas. Durante uma hora de intensa cogitação, Rhodan se debateu entre a alternativa de voar para o forte do deserto, posto à sua disposição pelo Thort, pilotando a nave avariada; ou se levaria apenas o armamento desmontado da Good Hope. Acabara escolhendo a primeira opção, a despeito da oposição de Crest e Thora. Ambos demonstravam evidente receio de voar naquelas condições; porém acabaram se submetendo à vontade de Rhodan. Ou para não passarem por medrosos diante dos demais tripulantes, segundo a opinião de Reginald Bell. A automação da Good Hope falhara por completo. No momento, os recursos de pilotagem não eram superiores aos possuídos pelos irmãos Wright em sua primeira máquina voadora. Os reparos feitos, sem os recursos necessários, não mereciam grande confiança; portanto, ninguém a bordo se sentia muito seguro. Hecliar, no entanto, não parecia nem um pouco preocupado. Seus olhos escuros, afundados nas órbitas, mantinham-se fixos na única tela ainda intacta, perscrutando a areia vermelha do deserto. Hecliar era o chefe técnico do forte do deserto, convocado de seu posto secreto pelo Thort, com o único fim de mostrar o caminho à Good Hope. Sua estatura era baixa em comparação com a dos seres terrestres, como a de todos os ferrônios. A pele azul apresentava uma tonalidade puxada para o turquesa, coloração que Hecliar atribuía ao sol do deserto. Em contraste com os vastos cabelos cor de cobre, isso dava um colorido alegre à aparência do ferrônio, a despeito do traje cinzento. O terceiro ocupante de cabina de comando era Reginald Bell, o ministro da segurança da Terceira Potência. Porém o atarefado co-piloto nem de longe lembrava a aparência dum ministro, e muito menos se sentia um. Toda sua atenção se concentrava em cuidar de sua metade dos controles, e acompanhar continuamente as indicações dos instrumentos. Vez por outra, lançava um rápido olhar para a tela. Na décima vez, constatando que a paisagem não sofria a menor alteração, suspirou: — Puxa! Deus devia estar zangado quando criou este mundo! Rofus, o nono planeta de Vega, assemelhava-se bastante à Terra. Era uma colônia dos ferrônios, que habitavam primordialmente o oitavo planeta do sistema Vega. Mas, ao


contrário dos contornos harmoniosos da superfície terrestre, Rofus parecia ser obra abandonada em meio pelo Criador. O planeta apresentava dois imensos continentes, e dois oceanos enormes. As montanhas eram mais altas do que as da Terra, as cordilheiras mais maciças e extensas. E não existia no globo terrestre paralelo para aquele Grande Deserto do Sul, com sua areia vermelha. Media, no diâmetro maior, quase seis mil quilômetros, e em toda a área não se via uma planta, um animal, uma gota d’água. O forte do deserto, cedido pelo Thort para abrigo da Good Hope, ficava no ponto mais recôndito e inacessível do deserto. Segundo os mapas que lhe haviam mostrado, Rhodan calculava que ele se ocultava debaixo da Cordilheira das Cobras. Hecliar não contribuía com a menor informação. Treinado segundo o sistema ferrônio de guardar segredo absoluto quando recebia ordem para tal, mantinha-se obstinadamente fiel aos preceitos incutidos, mesmo quando não havia mais sentido nenhum para isso. Com sua velocidade reduzida para menos de 1 mach, a Good Hope gastou sete horas no percurso. Quando finalmente Hecliar indicou o ponto para o qual a nave devia ser dirigida, Reginald Bell comentou, com um profundo suspiro: — Ufa! Se tivesse que repetir essa viagem, eu preferia fazer todo o trajeto a pé, mas nesse trambolho é que eu não ia embarcar mais! A Cordilheira das Cobras estendia-se em direção noroeste-sudeste. Era tão árida e nua quanto o deserto, porém oferecia aspecto imponente com seus picos de nove a dez mil metros de altura. Rhodan examinava com ar desconfiado o ponto indicado por Hecliar. Tratava-se de uma depressão nas ondulantes colinas ao pé da cordilheira. Dificilmente o observador não informado diferenciaria aquele ponto do resto da paisagem. Em resposta ao seu olhar de indagação, Hecliar estendeu ambas as mãos para a frente, no gesto ferrônio de afirmação. — Firme em frente! — ordenou Rhodan. Bell resmungou algo ininteligível. A Cordilheira das Cobras desapareceu do campo de visão na tela; agora ela estava tomada por um fundo desfiladeiro, o objetivo que Hecliar indicara. — Quinhentos metros! — anunciou Bell. Rhodan sondou, com o olhar, o desfiladeiro. Nem a intensa claridade de Vega conseguia penetrar até seu fundo; a sombra em seu interior era tão densa que não se distinguia nada claramente. — Trezentos! — continuou Bell. A mão de Rhodan empunhou distraidamente o mecanismo de regulagem ótica, que ampliava qualquer setor desejado na imagem vista na tela. Apertou o comutador, e escutou um claque seco. Recordou-se então de que toda a energia disponível fora requisitada para manter a nave em vôo, não sobrando nenhuma para as comodidades dispensáveis. Quando a Good Hope iniciou a descida por entre as paredes do desfiladeiro, Rhodan viu que não existia propriamente um fundo. A partir de determinado ponto, os paredões irregulares se projetavam em superfícies planas, deixando uma larga abertura no meio, pela qual penetrava a luz visível no nível inferior. Rhodan não ocultou sua admiração pela gigantesca obra, capaz de acomodar simultaneamente três naves do tamanho da Good Hope. Aproximadamente quadrado, com duzentos metros de lado, o desfiladeiro alcançava uma profundidade de cerca de meio quilômetro terra a dentro. Hecliar percebeu o espanto de Rhodan, e seus olhos brilharam. — Grande, não é? — indagou, com sua voz gutural. — Grandioso seria o termo mais exato — respondeu Rhodan, sacudindo a cabeça.


O brilho nos olhos de Hecliar intensificou-se. Como todos os ferrônios, era extremamente sensível a elogios. E a observação de Rhodan equivalia a um elogio pessoal, pois fora o próprio Hecliar quem projetara e construíra aquelas instalações. A Good Hope pousou num vasto recinto coberto, quinze metros abaixo da abertura central. — Operação aterrissagem concluída! — anunciou Bell. Hecliar pareceu compreender o sentido daquelas palavras. Erguendo-se, disse, em idioma ferrônio: — Venha, Hopmar deve estar à nossa espera. Rhodan nem imaginava quem era Hopmar, mas de modo algum queria fazê-lo esperar. O Thort dera poucas explicações ao determinar o novo local para abrigar a Good Hope. A Rhodan só restou o recurso de aguardar os acontecimentos, a fim de se inteirar dos detalhes. Desembarcou com Hecliar, deixando Bell encarregado da nave. Crest recebeu o aviso de que o comandante ia se entrevistar com alguém chamado Hopmar, provavelmente o responsável pelo forte. Seguindo Hecliar, Rhodan admirava as extraordinárias dimensões do recinto. As paredes se perdiam na distância, e a luz uniformemente difusa contribuía para o efeito de camuflagem. O teto era livre, proeza que ninguém na Terra se arriscaria a executar, sem uma só coluna de sustentação. Havia lugar de sobra para acomodar toda uma frota bélica; porém em vista das circunstâncias então reinantes em Rofus e em todo o sistema Vega, o Thort já não dispunha de naves para serem guardadas e abrigadas. O hangar estava vazio. Hecliar parou diante de uma ranhura no chão, calcando-a com a ponta do pé. Segundos após, ouviu-se um leve sussurro à esquerda; rápido como uma seta, surgiu um veículo pequeno e baixo. Deteve-se exatamente no ponto calcado por Hecliar. Duas portas laterais se abriram automaticamente, a fim de permitir o embarque. O carro tinha dois bancos, um atrás do outro, com capacidade para quatro passageiros cada. O mecanismo de direção e controle era de manejo simples, fácil de compreender. A ranhura fazia as vezes de trilho. Rhodan percebeu que todo o piso do hangar era entrecruzado por ranhuras semelhantes, correndo em todas as direções. Hecliar explicou que os cruzamentos podiam ser usados como desvios. Em poucos minutos o carro chegou à parede do hangar. Sempre mantendo a rápida marcha, penetrou num largo corredor iluminado, com numerosas portas em ambos os lados. — Salas de trabalho e laboratórios — explicou Hecliar. Quase no fim do corredor, ele fez o carro parar. A última porta à esquerda trazia uma inscrição bastante mais elaborada do que as demais; porém a pressa de Hecliar era tanta que Rhodan não teve tempo de decifrá-la. A porta deslizou para o lado, revelando uma sala ampla, ricamente decorada no estilo ferrônio. Diante de um móvel semelhante a uma escrivaninha, sentava-se um homem troncudo, usando um uniforme bem mais vistoso que o de Hecliar. — Comandante, apresento-lhe o arcônida Rhodan! — disse Hecliar, com voz respeitosa. Erguendo-se, o comandante estendeu ambas as mãos para Rhodan, dizendo: — Seja bem-vindo, Rhodan! Meu nome é Hopmar. Sou... isto é, eu era o comandante deste forte. Rhodan ouviu Hecliar sair, fechando silenciosamente a porta. — Era? — disse Rhodan, intrigado. Hopmar acenou com a cabeça: — Sim, era. Pois o Thort lhe conferiu plenos poderes, Rhodan. Pessoa alguma neste


forte lhe dará ordens. Com aquilo Rhodan não contara. Sentiu ímpetos de xingar o Thort; não é que o velho malandro tinha despachado sumariamente para o forte do deserto o capitão duma nave avariada, sem lhe revelar que ia terminar a viagem investido da autoridade absoluta dum rei! Tentou ler a expressão do rosto de Hopmar, porém o ferrônio nada revelava. Ao diabo com aquela raça! Não havia quem os entendesse... A boca miúda mostrava uma leve distorção, que poderia passar por sorriso; os olhos sombreados pelas órbitas profundas eram quase invisíveis. Rhodan perguntava-se quais seriam os sentimentos do comandante diante do intruso que vinha repentinamente tomar-lhe o posto. — Saiba que não pedi isso! — explicou a Hopmar. — Tudo que solicitei ao Thort foi uma base segura de onde pudesse operar, e ele me ofereceu este forte. Jamais me passou pela cabeça a idéia de assumir o comando. Hopmar interrompeu-o com um gesto. — Ora, não se preocupe. Sei o que pensa: inveja e ciúme, não é? — suspirando, continuou: — Sou um homem bastante idoso, a despeito da aparência em contrário. É com satisfação que vejo aparecer alguém a quem possa transferir meu encargo. Rhodan sorriu. — Mais satisfeito me sinto eu por vê-lo pensar desta maneira. No entanto, prefiro contar com a sua colaboração, em vez de simplesmente impor minhas opiniões. Hopmar concordou. — Sentemo-nos! Quais são seus planos? Acomodados em duas confortáveis poltronas, os dois homens puseram-se a discutir a situação. — Como funciona sua estação transmissora? Hopmar franziu a testa. — Ora, como deveria funcionar? De vez em quando envio algumas pessoas lá para fora, e de vez em quando chegam algumas aqui. Que mais poderia haver? — Algum contato com Ferrol? Hopmar inclinou-se, perturbado, para a frente. — Ferrol? Mas Ferrol está ocupado pelo inimigo. — Ninguém sabe disso melhor do que eu — concordou Rhodan. — Porém os transmissores representam nossa única possibilidade de chegar a Ferrol disfarçadamente. — Primeiro seria preciso encontrar em Ferrol algum transmissor ainda não descoberto e tomado pelo inimigo! — replicou Hopmar, sorrindo. — E por que não? No Palácio Vermelho de Thorta existe um pequeno aparelho secreto. Só por milagre os tópsidas dariam com ele. Hopmar estendeu as mãos, com as palmas viradas para cima. “Como seus gestos são parecidos com os nossos”, pensou Rhodan. — Quer arriscar? — perguntou Hopmar. — Caso não nos ocorra coisa melhor, temos que arriscar, sim! Quais eram seus planos? Esperar de braços cruzados que os tópsidas viessem conquistar mais este mundo? — Já vi que você é bem mais empreendedor do que eu, Rhodan! — disse Hopmar, com um trejeito da boca que era nitidamente um largo sorriso. — O forte só pode se beneficiar com a presença de um comandante tão impaciente. Rhodan analisou intensamente o sentido daquelas palavras, porém não percebeu nelas o menor traço de ironia ou amargura. — Quantos transmissores há aqui? — perguntou. — Vinte e cinco. Cada qual com a capacidade de cinco pessoas, pelo menos. — E nunca chegou nada de Ferrol? Nem gente, nem matéria?


— Não, nunca. De onde deduzi que em Ferrol já não há ninguém na posse de um transmissor, excetuando o inimigo. O argumento pareceu pouco convincente a Rhodan. Os transmissores eram bastante complicados. Não lhe custaria listar pelo menos dez razões pelas quais um ferrônio, mesmo de posse de um transmissor, estaria impossibilitado de se comunicar com Rofus. Porém preferiu adiar a discussão deste ponto. Na devida ocasião, agiria de acordo com suas próprias convicções. Passaram a tratar de assuntos mais imediatos. O forte possuía acomodações suficientes para toda a tripulação da Good Hope. Aos visitantes era assegurada completa liberdade de movimentos. — Trago comigo algumas pessoas fora do comum, comandante — disse Rhodan, sorrindo, ao despedir-se de Hopmar. — Portanto, não se assuste caso veja acontecer fatos que sempre lhe pareceram impossíveis. Hopmar retribuiu o sorriso. — Já ouvi falar delas. Aguardo com curiosidade a primeira surpresa. *** Os transmissores encontravam-se todos reunidos num recinto de dimensões mais reduzidas. Era a primeira vez que Rhodan via uma estação completa. Porém Hopmar fez questão de informar que em Thorta existia uma muito maior. Diante dos aparelhos, Rhodan perguntou-se mais uma vez como é que uma raça, com capacidade mental insuficiente para dominar e aplicar os princípios matemáticos do espaço pentadimensional, pudera entrar na posse daqueles transmissores, cujo funcionamento se processava justamente no hiperespaço. A contradição era flagrante, mas pelo visto, apenas para Rhodan e sua gente. Os ferrônios pareciam plenamente convencidos de que sua tecnologia podia fabricar os transmissores, e de que compreendiam a fundo os princípios em que se baseava seu funcionamento. — Bem, e o que pretende fazer com eles? — perguntou Crest. — Ora, muito simples — respondeu Rhodan. — Meter-me neles, saltar em Ferrol, surrupiar a nave dos tópsidas, e dar-lhes uma surra como nunca levaram igual em toda a vida! Thora deixou escapar uma exclamação abafada: — Sabe tão bem quanto nós que isso é impossível! Reginald Bell, até então, tinha passado o tempo examinando os transmissores por todos os lados. Virou-se bruscamente, encarando Thora com ar furioso. — Para você, tudo é impossível, não é? — gritou, alterado. — Alguma vez na vida julgou algo realizável, a não ser a velha rotina provada e comprovada? Thora nem se dignou a olhar para ele. — Aguardo notícias de Ferrol — continuou Rhodan. — Acho que alguém ainda deve ter acesso a um transmissor; com o tempo, acabará acertando com os dados correspondentes de um transmissor de Rofus. Serei prontamente informado caso chegue alguma nova de Ferrol. Se tardar demais, vôo para lá por minha própria conta e risco; afinal não podemos esperar a vida toda! Se pelo menos o transmissor do Palácio Vermelho estivesse em sintonia com a distância em que nos encontramos... O risco não me parece tão grande assim. Thora fitou Rhodan, pensativa. — O que será que você considera um grande risco? — perguntou, em voz baixa. Mas tratava-se duma pergunta retórica. Ela não esperava resposta.


Tako Kakuta, o quinto do pequeno grupo, olhava atento para o maior dos transmissores. Rhodan adivinhou de imediato o que o mutante sentia: diante daquelas máquinas, sua própria capacidade era tão insignificante quanto a de um tijolo perante a pirâmide de Gisé. Após um rigoroso treinamento de três anos, Tako conseguia teleportar-se a distâncias de até cinqüenta mil quilômetros; porém aquelas máquinas ultrapassavam três, quatro ou cinco unidades astronômicas com a maior facilidade. Tako encarou Rhodan com seu sorriso infantil. — Não se preocupe, rapaz! — consolou Rhodan. — No fim, você acaba se revelando melhor do que os transmissores. *** Hopmar mostrava uma excitação incomum. Devia ter vindo de seu gabinete às carreiras, pois estava fora de fôlego. A primeira palavra saiu a custo: — Os transmissores... Rhodan levantou-se num pulo. — ...emissão de Ferrol! — completou Hopmar. Rhodan passou por ele correndo. O tempo era precioso demais para esperar o próximo carro. Em saltos ágeis, percorreu o corredor, dobrou à esquerda, novamente à esquerda, alcançando a estação dos transmissores com cinqüenta metros de dianteira sobre Reginald Bell, que corria ofegante atrás dele. Rhodan viu imediatamente a mensagem. Era uma pequena cápsula metálica, com um aro brilhante em cada extremidade. Fios delgados de arame ligavam os aros aos contatos de emissão. A cápsula tremia ainda, como se acabasse de chegar. Colado ao aramado da cabina, Rhodan decifrou a inscrição: — Quequéler, Sic-Horum. Bell postou-se ao seu lado, respirando apressado. — Desliga! — pediu Rhodan. Bell abaixou uma alavanca, cortando o fornecimento de energia para o transmissor. Abrindo a porta da cabina, Rhodan retirou a cápsula. Bell não tirava os olhos dela, cheio de curiosidade. — Que quer dizer isso: Quequéler, Sic-Horum? — Sic-Horum é a capital dos sichas, uma tribo das montanhas em Ferrol. Quequéler deve ser o nome do remetente. Numa das extremidades da cápsula havia uma espécie de tampa. Rhodan desaparafusou-a, tirando de dentro uma delgada lâmina metálica, material que os ferrônios usavam para escrever, em lugar do papel. A folha estava inteiramente recoberta de escrita. Em caracteres nítidos e regulares, evidentemente traçados mecanicamente. Rhodan começou a ler: Quequéler, prefeito de Sic-Horum, a quem receber esta mensagem: O inimigo ocupou Ferrol. O ânimo do povo está quebrado; não oferece mais resistência. Mas a tribo dos sichas se sente na obrigação de alertar o resto do mundo para o fato de que a guerra ainda não está perdida. Enquanto restar um único sicha vivo, o inimigo não poderá se considerar vencedor! Mas precisamos de quem nos oriente, nos diga o que fazer... — Bem, o texto contém palavras heróicas aos montes — comentou Rhodan. — Mas o heroísmo parece ser uma característica comum de montanheses. E quem mais, no seio de


um povo dominado por inimigos, se lembraria de procurar por maneiras de dificultar a vida do opressor? Crest acenou com a cabeça, concordando. — Mas de que modo poderíamos ajudá-los? — perguntou, após curta reflexão. — Eles precisam de informações, segundo depreendo desta carta — disse Rhodan. — Os tópsidas impuseram uma espécie de limitação à locomoção lá em Ferrol. Cada habitante está registrado em seu local de residência, de onde não pode distanciar-se mais de cinqüenta quilômetros. Os sichas estão dispostos a infiltrar-se através do bloqueio, mas querem saber em que rumo devem seguir. Afinal, a guerrilha subterrânea deve ser desencadeada nos pontos mais indicados. — Muito bem! — disse Thora, ironicamente. — Claro que você se encarregará de obter essas informações, não é? — Exatamente. Rhodan sentou-se. Crest, Bell e Tako fitaram-no com ar de expectativa. Thora empertigou-se, dando a entender com sua atitude desdenhosa que Rhodan planejava novas tolices. — De que é que os sichas precisam? Dados sobre movimentos de tropas, concentrações militares, espaçoportos e demais detalhes técnicos sobre a frota tópsida. Não me parece difícil conseguir isso para eles. Inclinando-se para ele, Reginald Bell murmurou: — Klein e Deringhouse, não é? Os caças espaciais? — Certo — confirmou Rhodan, enquanto Crest suspirava profundamente. — Não... não pode fazer isso! — protestou Thora, com veemência. — Por que não? — Pense no perigo! A boca de Rhodan se contorceu num sorriso sarcástico. — Acha por acaso que podemos decidir esta briga sem correr perigos? Thora calou-se. — Nossos caças possuem capacidade de aceleração muito superior à das naves tópsidas — continuou Rhodan. — Pessoalmente, os pilotos correm um risco relativamente pequeno, principalmente se levarmos em conta o proveito que sua atuação trará para os nossos planos. Bell, vá chamar Klein e Deringhouse! *** — Prontos para largar? — Número 1, pronto! — Número 2, pronto! Rhodan fez sinal para Bell. Este apertou algumas teclas no vasto painel, e Rhodan falou no microfone: — Vão de decolagem se abrindo! A pesada cobertura ergueu-se com surpreendente rapidez. Imitando com perfeição o terreno do desfiladeiro debaixo do qual se ocultava o forte secreto, passaria despercebida ao mais arguto observador. Um leve zumbido e uma lâmpada de aviso indicaram que a tampa engatara nos mecanismos de sustentação. — Saída desimpedida! — disse Rhodan. — Podem ir, rapazes! E cuidem-se!... Com os propulsores uivando, os dois caças se ergueram verticalmente no imenso hangar, disparando como setas pela chaminé escavada a pique no desfiladeiro. Frações de


segundo após, o ruído das máquinas já era inaudível. Os caças tinham deixado o forte. Bell operou os controles destinados a fazer a cobertura retornar ao seu lugar. Klein e Deringhouse rumaram diretamente para Ferrol. A conjuntura era favorável — Ferrol e Rofus encontravam-se justamente em oposição. O plano era mais do que simples: colher informações sobre detalhes significativos acerca do comando da frota tópsida; fazer um levantamento fotográfico, e perturbar a movimentação das tropas inimigas. Dispunham de armas adequadas para isso a. bordo, e pretendiam deixar de lado aquelas com raio de ação inferior a cem metros. Klein e Deringhouse haviam aderido entusiasticamente, cortando com sua atitude qualquer tentativa de objeção proveniente de Thora ou Crest. Os caças precisaram de minutos apenas para escapar da atração gravitacional de Rofus. Deringhouse vigiava atentamente as telas de seus detectores. — Nem sinal deles! — disse, rindo, no microfone de seu intercomunicador. Klein respondeu com um grunhido, que podia ser tomado por confirmação. Ambos imprimiram velocidade máxima aos aparelhos. Com isso. a menos que surgisse algum imprevisto, cobririam o percurso Rofus—Ferrol em pouco mais de uma hora. Assim que atingissem a velocidade da luz, e o espaço em torno deles escurecesse, com apenas uma extensa aura circular luminosa nos limites extremos, estariam livres de qualquer perigo. Pois só a velocidades não-relativísticas existia a possibilidade de confronto com outras espaçonaves. Quem quer que se locomovesse a mais de 75% da velocidade da luz, estaria praticamente só, no cosmo — pelo menos no estágio até então vigente das técnicas de detecção. A hora decorreu sem novidades. Ferrol e seu imenso sol emergiram das trevas quando os caças reduziram a velocidade. Ao mesmo tempo os detectores acusaram um minúsculo pontinho luminoso: uma nave tópsida, aproximava-se pela esquerda. Deringhouse ligou o receptor, e ouviu vozes rudes e rascantes. Sorrindo friamente, comunicou-se com Klein: — Pegamos este? — Lógico! — Manter o rumo! Ela vai cruzar direto na nossa frente! Com gesto automático, Deringhouse engatilhou o desintegrador. As vozes no receptor emudeceram; na tela do detector via-se que a nave estranha sentia urgência em inspecionar de perto aqueles dois objetos desconhecidos. Sua imagem se projetou, por fim, com maior nitidez nas telas: um longo cilindro, com a característica excrescência das naves tópsidas no meio. — Cem mil! — anunciou Klein. — Fogo a cinqüenta mil! — disse Deringhouse, acenando com a cabeça. No entanto, os tópsidas não tinham a menor intenção de se aproximarem tanto assim daqueles veículos de ar ameaçador. Quando o afastamento ainda era de setenta e cinco mil quilômetros, Deringhouse viu um raio cintilante disparar em direção de seu caça. Sentiu o arcabouço do pequeno avião vibrar de ponta a ponta, porém não havia possibilidade alguma de alterar o rumo. O tiro passou perto, sem atingi-lo diretamente. — Fogo! — disse baixinho no microfone do intercomunicador. Os flamejantes raios do desintegrador atingiram a nave tópsida. Deringhouse viu seus contornos se esfumarem na tela. Em vez do cintilante ponto luminoso via-se agora uma nuvem luminescente e diáfana. Segundos após, os dois caças passaram em disparada por cima dela. — Um a zero! — anunciou Deringhouse, laconicamente.


E Klein completou: — Não há outros adversários à vista. Os aparelhos penetraram em diagonal nas camadas atmosféricas superiores de Ferrol. O velocímetro acusava a ação frenadora do ar. — Velocidade operacional mach 6 — lembrou Deringhouse. Era o máximo permissível para voar à altura de dez a doze quilômetros. Foguetes antiaéreos não eram mais rápidos do que isso. Portanto, os caças não teriam dificuldade em esquivar-se deles a tempo. Ajustando seus propulsores, Deringhouse seguiu em vôo horizontal para o objetivo visado. Klein seguiu o exemplo, emparelhando com o companheiro, com afastamento de cem metros. A região em torno deles era de céu limpo, sem nuvens. Avistaram áreas verdes cobertas de florestas, algumas cadeias de montanhas — que daquela altura pareciam pouco altas — e uma extensa cidade. O rio, que serpenteava em evoluções tortuosas pela cidade toda, serviu de ponto de referência a Deringhouse, que comparava a imagem vista nas telas com um mapa. — Quelar-hét, no Grande Istmo Oceânico — explicou ele a Klein. — O litoral fica ao sul, a setecentos quilômetros. Seguem-se uns mil e duzentos quilômetros de oceano; depois temos ao norte o Continente Central, com Thorta junto ao mar. Klein calculou prontamente: — Quinze minutos de vôo. O Grande Istmo Oceânico era escassamente povoado, devido ao clima muito úmido. A massa continental apresentava poucas cidades. A maior delas era Quelar-hét, que começava a sair gradualmente do campo visual das telas. Dos adversários, nem sinal. Deringhouse começou a inquietar-se. A desintegração da nave tópsida não devia ter passado despercebida, e o alarma devia ter soado forçosamente nas bases inimigas em Ferrol. Por que os tópsidas não se manifestavam? No mesmo instante, Klein avisou: — Foguetes antiaéreos, sessenta graus à direita! Deringhouse percebeu-os imediatamente: um enxame de pontos luminosos na tela do detector aproximando-se com bastante rapidez. Resmungando, fez seu caça subir numa curva arrojada, quase em ângulo reto; acelerou violentamente, e o aparelho projetou-se para o alto, fora do alcance dos foguetes. Estes eram obviamente teledirigidos, porém não tinham potência suficiente para perseguir veículos como os caças arcônidas por mais de alguns segundos. Klein e Deringhouse subiram a cinqüenta quilômetros antes de recolocarem os aviões em posição horizontal. Rumaram então para a costa do Grande Istmo Oceânico. Viram uma série de grandes aeronaves voando rente à superfície do mar. Sem poder distinguir se eram ainda veículos de carga ferrônios, ou transportes de tropas tópsidas, resolveram deixá-los em paz. Os filmadores funcionavam ininterruptamente. Grande número das informações não registradas pelos pilotos, por falta de tempo em seu célere progresso, ficava documentada nos filmes. O oceano ficou para trás. Na tela surgiu a costa do Continente Central e a imensa cidade de Thorta, residência oficial do Thort antes de ser expulso pelos invasores tópsidas. Só o Palácio Vermelho equivalia a uma cidade de porte médio. E Thorta toda era pelo menos cinco vezes maior do que a maior metrópole terrena. Ao sul destacava-se a descomunal base de lançamento e pouso espacial, cobrindo uma área de cerca de dez mil metros quadrados. No entanto, os tópsidas haviam preferido, evidentemente, abrigar a maior


parte de sua frota em local menos exposto. Na base espacial de Thorta via-se apenas uma ou outra das naves cilíndricas... e o globo gigante da espaçonave de guerra arcônida capturada. A tela do detector encheu-se de repente de traços luminosos. Observando por algum tempo a direção em que iam, Deringhouse concluiu que nenhum deles revelava sinais de hostilidade. Afinal, era de esperar a existência de tráfego aéreo sobre uma cidade do tamanho de Thorta. — Acho que temos fotografias suficientes da cidade — disse Klein. — E agora? — Para o espaçoporto! Vamos acabar com algumas daquelas salsichas inchadas no meio! Klein topou imediatamente. Em vôo rasante, os dois caças dirigiram-se para a zona sul da cidade. Os aparelhos de Deringhouse centraram o alvo na mira, e quando o caça alcançou a altura apropriada, ele acionou o desintegrador. Uma das naves cilíndricas se desfez imediatamente numa turbilhonante nuvem de pó; instantes após acontecia o mesmo com outra, cem metros adiante. Os tiros tinham acertado o alvo. — Fogo antiaéreo! — gritou Klein. Eles voavam perigosamente baixo. A muito custo conseguiram se esquivar do enxame de foguetes disparados contra os caças, do canto oeste do espaçoporto; e foi preciso solicitar os propulsores até além do limite de segurança. Porém o bombardeio com foguetes revelou-se apenas uma diabólica estratégia do adversário. Ocupado em acompanhar nas telas a trajetória dos foguetes que não haviam acertado o alvo, Deringhouse não deu pelo pálido raio desintegrador lançado de um dos postos de combate da nave gigante. No detector ele surgiu apenas como uma leve faixa luminosa; e Deringhouse só percebeu que havia sido atingido quando sentiu o aparelho rebelde aos comandos. — A asa esquerda! — gritou Klein. — Que tem ela? — Foi cortada ao meio! Os dois caças ganharam altura. Klein esforçava-se por acompanhar o aparelho cambaleante do amigo conforme lhe era possível. A manobra inesperada, no entanto, tinha acabado se transformando numa inapreciável vantagem: nem mesmo o sistema de mira automática de um superdesintegrador era capaz de se ajustar aos movimentos incertos de um caça espacial avariado. Deringhouse conferiu as indicações dos aparelhos de controle. A perda de metade de uma asa não tinha grande significação; pois, apesar de ser construído segundo os preceitos da aerodinâmica, o caça contava ainda com recursos de vôo que lhe permitiam se tornar independente dela. Deringhouse acelerou ao máximo, mas mesmo assim o avião não lhe obedecia. — Deve ter mais alguma coisa enguiçada! — murmurou ele, contrariado. E de repente percebeu o que era. Os propulsores estavam rateando! Deringhouse testou-os por diversas vezes e executou uma série de controles, antes de ficar convencido. Olhou para o velocímetro: o caça descia em queda livre. Quando a força gravitacional de Ferrol superasse seu momento original, ele se espatifaria no solo. — Acelera! — gritou Klein, ofegante. — Não posso! — respondeu Deringhouse, recuperando de repente a calma. — Ouça, Klein: volte para Rofus... sozinho! Eu fico aqui. Meus propulsores pifaram; de jeito nenhum eu conseguiria regressar. Entendido? Klein protestou violentamente:


— Podemos aterrisar em algum lugar, e você passa para o meu avião! — Deixa de falar besteira! — rosnou Deringhouse. — Sabe tão bem quanto eu que isso é impossível. Diga a Rhodan que vou procurar me safar de alguma maneira. Nas mãos dos tópsidas é que não pretendo cair! Vou rumar para o sul, a fim de me aproximar o mais possível da região dos sichas. — Mas... — Volte para a base! — berrou Deringhouse. — Sem discutir! Isso é uma ordem, capitão Klein! — Sim, senhor, major! — murmurou Klein, com a voz embargada. — Boa... sorte! — Obrigado! Deringhouse viu o caça não-avariado elevar-se verticalmente: segundos após, era apenas um pontinho na tela do detector, depois desapareceu por completo. Suspirando. Deringhouse começou a se preocupar com seu problema imediato. A máquina adernada tinha subido até uma altura de oitenta quilômetros, depois o ímpeto que trazia se esgotou. Antes que se descontrolasse, Deringhouse colocou-a na horizontal, forçando-a em seguida a mergulhar em pique. Queria com isso obter o impulso necessário para estabilizá-la, com a asa e meia, na altura de quinze quilômetros. Thorta ficara para trás, bem longe. A região que sobrevoava agora era entrecruzada por um emaranhado de estradas que iam em todas as direções. Deringhouse avistou inúmeras cidades menores, vastos complexos industriais e, insinuado no horizonte, o contorno azulado das montanhas onde viviam os sichas. Ficavam a mais de quatrocentos quilômetros, e ele não conseguiria cobrir tal distância. Tudo que precisava no momento era uma zona em que pudesse saltar sem o risco de cair nas mãos de uma patrulha tópsida. As cidades começavam a rarear. Os trechos arborizados tornavam-se mais extensos, e as estradas ficavam distantes umas das outras, com trânsito escasso. Cerrando os dentes, Deringhouse levou o caça lenta e cuidadosamente para o oeste, onde se viam mais florestas do que estradas. Passou sobre uma pequena cidade perdida entre a vegetação. Ligou então o controle de tempo do desintegrador e bateu com o punho no botão de ejeção do módulo da cabina de comando. O arranco foi tremendo, pois não havia mais neutralizador para amortecê-lo. Por segundos, Deringhouse viu tudo negro diante de si. Depois olhou para a tela. O avião sem piloto descia revoluteando, cada vez mais depressa. Antes que se chocasse com o solo, a energia do desintegrador foi totalmente liberada. Só se via agora uma tênue nuvem do pó, que se propagou de início com velocidade idêntica à do avião; mas pouco a pouco foi se dissipando no ar, levada pelo vento. Deringhouse forçou-se a não deter o pensamento na perda que tinha acabado de sofrer. Rhodan não ficaria nada satisfeito ao receber a notícia da destruição de um dos caças espaciais. “Espero que Klein deixe bem claro que por enquanto ninguém deve voar por perto da nave de guerra arcônida”, pensou Deringhouse consigo mesmo. Abaixo da cabina ejetada a região era amena, semelhante a um parque — mas se aproximava alucinantemente depressa. O pára-quedas abriu, submetendo Deringhouse ao segundo impacto doloroso. A área não era ideal para seus propósitos, mas pelo menos não havia estradas à vista. A cidadezinha sobre a qual passara há pouco ficava a cerca de trinta quilômetros ao leste. A cabina se precipitou estrondosamente por entre as árvores, rompendo tudo pela frente. Firmando-se no assento, Deringhouse suportou com um suspiro de alívio o derradeiro impacto — o choque contra o chão. Afobado, tratou de correr a cobertura de


plástico e sair da cabina, mas tropeçou e caiu. Quando levantou, já empunhava a pistola de raios neutrônicos, pronta para disparar. Porém não havia nas redondezas nada nem ninguém que merecesse um tiro. Instantaneamente Deringhouse compreendeu que nos próximos dias seu maior problema não seriam os tópsidas, mas algo bem diferente: a gravidade de Ferrol. Ela equivalia a 1,4 g, coisa que ele sabia o tempo todo, sem deter o pensamento em analisar os efeitos concretos. Não que os músculos de um homem robusto fossem incapazes de suportar sem maiores dificuldades a gravidade de 1,4 g. A diferença era questão psicológica. Afinal era um tanto deprimente ter que arrastar constantemente 98 quilos em vez dos 70 habituais... Deringhouse pôs-se a caminho, resignado, porém decidido a ignorar dali por diante a sensação de peso adicional imposto pela gravidade mais intensa. Queria ir para o sul. O mato esparso não constituiria obstáculo digno de nota. Mesmo assim, levaria um bom tempo para alcançar as montanhas.


II Se Rhodan lamentava a perda de um homem e de um caça, não exterionzou, de imediato, o menor sinal disso. Thora examinou-o atentamente, tentando saber se ele sentia remorsos ou não. Porém o único comentário de Rhodan sobre o assunto foi: — Minha teoria acerca da validade da utilização dos caças não sofreu alteração. Só precisamos, daqui por diante nos acautelar, com a nave de guerra arcônida. Pelo visto, os dispositivos automáticos de mira têm condições de atingir até objetos em deslocamento ultra-rápido. Portanto, os ataques e vôos de reconhecimento sobre Ferrol prosseguiram. Como a Good Hope só trouxera a bordo dois caças espaciais, deixando os demais na Terra, a tarefa ficou exclusivamente por conta de Klein. Os filmes, revelados e analisados, forneceram informações valiosas. Constatou-se que os tópsidas preparavam uma nova base espacial na semideserta região leste do Grande Istmo Oceânico. Rhodan percebeu que o grosso das naves tópsidas estava abrigado ali, em local bem camuflado ou escondido. Outros filmes mostravam a localização das bases secundárias e dos núcleos de comando regionais. Mostravam que os tópsidas se haviam distribuído por todo o planeta, porém em grupos reduzidos. Os diversos postos de comando tinham gente suficiente para sufocar qualquer rebelião surgida entre a população ferrônia, mas em hipótese alguma poderiam resistir a um ataque organizado vindo de fora. A conclusão final destas observações era inquietante. Os tópsidas concentravam todo seu poderio bélico na nova base do Grande Istmo Oceânico, sem se preocupar com a defesa do território restante, que se tornava, em conseqüência, vulnerável e suscetível a ataques. Eliminada a hipótese de que a estratégia tópsida era primária e diletante, restava a conclusão óbvia de que preparavam o ataque imediato a Rofus, o último bastião do povo conquistado. Rhodan conferenciou demoradamente com o Thort por intermédio do telecom. O exregente se mostrava profundamente preocupado com a evolução dos acontecimentos. Mas desarvorado, sem saber o que fazer. Rhodan percebeu que contavam com ele para socorrê-los. Não pôde reprimir um sorriso, lembrando que ele próprio viera para Rofus em busca de ajuda para sua nave avariada. Confortou o Thort da melhor maneira possível, enquanto cogitava sobre as medidas mais apropriadas para contornar o grave perigo que ameaçava o nono planeta do sistema Vega. Mandou chamar Crest, Thora e Tako Kakuta para consultá-los. O grupo concluiu que só os vôos de reconhecimento e provocação de Klein não bastavam para impedir o ataque dos tópsidas. Impunha-se a necessidade de contra-atacar diretamente em Ferrol, mandando para lá, por intermédio dos transmissores, um grupo de choque bem armado. As informações colhidas por Klein foram transmitidas a Quequéler, em Sic-Horum. Ele enviou imediatamente uma mensagem de resposta, demonstrando sua satisfação e efusivos agradecimentos. No entanto, ao saber que muito em breve chegaria a Ferrol uma patrulha de quarenta homens, ele se mostrou preocupado; queria saber se haviam tomado o cuidado de selecionar elementos apropriados, capazes de suportar os rigores duma guerrilha. Reginald Bell reagiu com indignação: — Pois esse sujeito vai ver uma coisa! Pretensioso! Será que julga seus sichas os únicos soldados do mundo aptos para uma briga?


*** Um fato mais do que corriqueiro veio interromper a marcha de Deringhouse para o sul, levando-o a se precipitar numa aventura das mais arriscadas. Não que lhe faltasse discernimento — apenas o encadeamento das circunstâncias não lhe permitiu escolha. É que o organismo humano, submetido a uma gravidade desacostumada, não pode dispender mais do que determinada soma de esforço físico sem sentir feroz e violenta fome. Deringhouse conhecia razoavelmente o idioma ferrônio, através dum rápido hipnotreinamento. Também era capaz de diferenciar os diversos tipos étnicos existentes entre os ferrônios. Portanto, tinha a certeza de que poderia personificar, mais ou menos convincentemente, um nativo de Ferrol. Concebeu um plano e tratou de executá-lo sem demora. Um ferrônio incauto, passeando despreocupadamente, serviu-lhe de instrumento. Foi abatido pelas costas, com uma pancada na cabeça; mais tarde, quando voltou a si, viu-se inteiramente nu. Deringhouse livrou-se do traje espacial. Ocultou a pistola de raios neutrônicos e as demais armas que portava, nas amplas dobras da roupa do ferrônio, e tratou de afastar-se o mais depressa possível da cidadezinha natal do assaltado. Depois de percorrer quinze quilômetros, não suportando por mais tempo os protestos de seu estômago, dirigiu-se para a primeira estrada ao seu alcance, com o firme e imutável propósito de conseguir alimento dentro da próxima meia hora, a qualquer preço. *** A recepção constituía um quadro quase grotesco. Diante das gaiolas dos transmissores, onde iam chegando um a um, viram uma horda de homens altos e corpulentos, trajando roupas coloridas, e com cara de quem se aprestava a aprisionar imediatamente os recémchegados. Rhodan empurrou a porta da gaiola com a pistola de raios térmicos pronta para disparar. Fitou demoradamente os sichas. Nenhum dos mal-encarados guerrilheiros se moveu; sem arredar pé dos respectivos lugares, fitavam Rhodan em silêncio. Ele aguardou pacientemente. Reginald Bell foi o próximo a chegar: — Ei, rapaz! Onde é que viemos parar? Dando com o grupo de guerrilheiros, abriu um largo sorriso em direção deles. Não houve reação alguma. Depois chegou Tako Kakuta, sorridente como sempre. Os sichas mostraram sinais evidentes de surpresa. Certamente era a primeira vez em suas vidas que viam um ser de rosto amarelado. — Se esses caras demorarem a abrir a boca, volto já, já, para casa! — resmungou Bell. Os transmissores trariam uma procissão contínua de gente. Ralf Marten abaixou-se a fim de passar pela portinhola, seguido de perto pelo gordo Wuriu Sengu. Marshall saiu com seu costumeiro ar sonhador. Depois veio Betty, a menina de olhos grandes e expressão melancólica. Mas sorriu de leve diante do olhar encorajador de Rhodan. O espanto dos sichas foi ainda maior ao verem surgir uma menina. — Não liguemos para eles! — sugeriu Rhodan. — Aí fora, em algum lugar, deve ficar a cidade. Vamos para lá! A operação ainda não findara. Porém quem ia chegando, inclusive os robôs, não teria


dificuldade em seguir os demais. Rhodan encaminhou-se para o grupo dos sichas. Como eles não se arredassem para dar-lhe passagem, contornou-os. Antes de passar pelo último dos grandalhões, ouviu uma voz grave dizer no idioma de unificação, empregado em Ferrol para o entendimento entre as diversas tribos, cada qual com seu dialeto próprio: — Sejam todos bem-vindos! Rhodan parou e voltou-se. Um sicha evidentemente idoso, pois tinha cabelos brancos, destacara-se do grupo, vindo ao encontro de Rhodan. Estendeu ambas as mãos, e, após ligeira hesitação, Rhodan imitou o gesto. — Sou Rhodan — disse. — E você? — Chamo-me Quequéler. Já deve ter ouvido falar de mim! Rhodan fez um sinal afirmativo com a cabeça. Neste momento, um silvo agudo do transmissor indicava o término da operação, com o conseqüente corte de energia na estação transmissora. Rhodan inspecionou seu pequeno grupo de combate, sendo imitado por Quequéler. Eram quarenta homens no total — desde que se contasse a menina Betty como um homem — e quarenta e cinco robôs. Oitenta e cinco valentes, dispostos a atormentar o inimigo e complicar-lhe a vida, a despeito de sua flagrante superioridade. — Seu povo deve ser muito corajoso! — disse Quequéler, com sua voz grave e harmoniosa. — Senão, como se animaria a entrar em combate com tão poucos elementos... — Bem — respondeu Rhodan, prontamente — esperamos poder contar com a sua colaboração! Julgava da maior importância deixar aquele ponto bem claro desde o início. Quequéler acenou com a cabeça. — É justamente esta a nossa intenção! — disse, com ar sério. — Porém dispomos de poucas armas aproveitáveis. Não sei se nosso auxílio será valioso. — Não se preocupe com armas — disse Rhodan, sorrindo. — Temos mais do que bastante. O rosto de Quequéler iluminou-se; parecia mais confiante agora. — Pois então, nós lhe provaremos que somos, com efeito, um povo aguerrido! — exclamou, com convicção. *** Deringhouse chegou a um cruzamento; a estrada secundária levava para uma pequena cidade semi-oculta pelo arvoredo. Pouco depois viu aparecer um velho, em passo descansado de quem passeava sem rumo definido. A julgar pelos trajes, não era dos mais abastados. — Bom dia, senhor! — disse Deringhouse. — Sou um viajante faminto, e lhe ficaria muito grato se pudesse me indicar um local onde achar algo comestível. Só que não tenho dinheiro... O homem ouviu com olhos semicerrados; erguendo a cabeça, encarou Deringhouse atentamente. — Você vem de muito longe, não é, filho? — perguntou o velho. — Sim, de muito longe — confirmou o piloto. — Como você fez para não cair nas mãos do inimigo? — Ora, com jeitinho a gente se arranja... — disse Deringhouse, sorrindo, sem maiores explicações. Com ar maroto, o velho falou rapidamente uma porção de frases completamente


ininteligíveis para Deringhouse. Sabia que existiam inúmeros dialetos entre os ferrônios, além do idioma de unificação que todos conheciam. Mas não compreendeu uma só palavra da algaravia do velho. Evidentemente, estava sendo posto à prova. Indeciso, exclamou: — Desculpe, não entendo nada do que diz! O velho sorriu, aparentemente aliviado, dizendo: — Com essa estatura, filho, você bem poderia ser um sicha. Mas já vi que não é o seu caso. Deve vir mesmo de muito longe. O que deseja? Comida? Confuso, Deringhouse fez um gesto afirmativo. Virando-se, o velho apontou para a pequena localidade no fim da estrada de terra. — Vá para lá. Meu filho é dono de uma hospedaria. Basta lhe dizer que foi enviado por Perclá, e ele lhe dará mais do que pode comer de uma só vez. Mas não esqueça meu nome: Perclá! Deringhouse agradeceu, intrigado com a estranha insistência do velho sobre seu nome. Retomando a marcha, se perguntava se não seria preferível suportar sua fome por mais algum tempo do que cair numa cilada. Porém não havia prova alguma de que se tratasse de fato de uma cilada, e a atitude do velho havia sido de franca cordialidade, a despeito do fato evidente de que ocultava algo. Era mais ou menos meio-dia do dia ferrônio de trinta e oito horas. A intensa luminosidade do sol se derramava opressiva sobre as colinas e a floresta; a elevada taxa de umidade provocava abundante transpiração. Deringhouse sentia que não agüentaria mais caminhar por muito tempo. As ruas da cidade estavam desertas. Deringhouse lembrou-se de que não perguntara ao velho o nome do estabelecimento mantido pelo filho. Porém o problema logo se revelou inexistente, pois só havia uma única hospedaria. Empurrando a porta, o piloto entrou num recinto semelhante a um bar. O aspecto era o de um restaurante de hotel de categoria: mesas de plástico negro imitando madeira, toalhas imaculadas, e confortáveis poltronas. No entanto, não se via nenhum hóspede. Deringhouse sentou-se diante de uma das mesas. Imediatamente, de um vão com cobertura corrediça no centro da mesa, surgiu uma lâmina metálica e um estilete. — Suas ordens, por favor!... — disse uma voz mecânica, no idioma de unificação ferrônio. Pegando o material oferecido, Deringhouse escreveu sobre a lâmina: Gostaria de ver o proprietário, por obséquio. Fui enviado por Perclá. Acrescentando um muito obrigado! Recolocou tudo no vão. Este fechou-se, com um leve sussurro, e o silêncio voltou a reinar. De repente, Deringhouse ouviu o som de passos, às suas costas. — É o homem enviado por Perclá? Deringhouse levantou a cabeça, dando com um ferrônio de estatura baixa e de ombros largos, de pé junto à mesa. — Obviamente! Não vejo mais ninguém aqui! O ferrônio desculpou-se: — Estou confuso, sabe... Não é muito freqüente aparecer alguém enviado por Perclá. Deringhouse riu, dizendo: — Só que desta vez ele fez um péssimo negócio. Mandou-me para cá apesar de eu dizer que tinha muita fome e nenhum dinheiro. O ferrônio acenou com a cabeça. — Claro. Que deseja comer? — Qualquer coisa — disse Deringhouse — desde que venha depressa. Senão morro de


inanição. E depois diga-me de que forma posso retribuir, já que não posso pagar em moeda sonante. O ferrônio exibiu um pequeno sorriso meio malicioso. — Isso tem tempo... Afastou-se na direção da cozinha, mas após alguns passos parou. Virando-se, falou: — Aliás, meu nome é Teél. Deringhouse achou necessário apresentar-se igualmente. Rebuscou apressadamente a memória em busca de um nome que não soasse estranho demais no mundo ferrônio. Num repente, disse: — Chamo-me Deri. Teél inclinou a cabeça, sorrindo. A comida foi servida. Só de vê-la, Deringhouse sentiu água na boca. Teél teve o tato de deixá-lo só com seu apetite diante das iguarias. Reapareceu apenas quando as travessas estavam vazias. — Mandei preparar alguns drinques, Deri. Quer me acompanhar, por favor? Um drinque era tudo que faltava a Deringhouse para completar a sensação de total satisfação. Portanto, acompanhou Teél de bom grado. Passaram por uma porta, por trás da qual uma escada rolante levava ao subsolo. Ele conhecia o hábito ferrônio de instalar parte das acomodações residenciais debaixo da terra, a fim de escapar da temperatura excessivamente quente de Ferrol. Na sala de refeições reinava uma agradável frescor; à medida que se embrenhavam no seio da terra, ele chegou a sentir quase fio. A dois metros do pé da escada havia outra porta; ela se abriu assim que Teél saltou da esteira rolante. Dando um passo para o lado, indicou, por meio de um gesto com a mão, que Deringhouse tinha preferência para entrar. No recinto além da porta, reinava a penumbra. Deringhouse abriu bem os olhos, a fim de enxergar melhor. Aos poucos distinguiu, postados ao longo das paredes, vários homens armados, com a armas apontadas para o seu peito. Virou-se num salto. Teél guardava a porta, igualmente com o cano de sua pistola apontada para Deringhouse. Retesando os músculos, ele esperou pelas descargas que o fuzilariam ali mesmo. Porém como ninguém fazia menção de usar as armas, recuperou a calma, e disse, sorrindo: — Pois bem, aqui estou! Em que posso servi-los? *** A providência mais urgente era mandar vir os trajes voadores arcônidas. A gravidade de Ferrol era apenas é 40% mais intensa do que a da Terra, diferença perfeitamente suportável para pessoas robustas. Durante as primeiras horas pelo menos... Porém, com o tempo, representava uma sobrecarga que Rhodan não fazia questão de impor aos seus homens. Quequéler conseguira arranjar acomodações para o grupo todo em Sic-Horum. Não sem alguma dificuldade, pois a cidade contava com grande número de habitantes extras; montanheses de toda a redondeza tinham vindo refugiar-se nela, por ser a única na região ainda não controlada por um posto militar tópsida. Até o momento, Sich-Horum continuava sendo a capital dos sichas, mas ninguém alimentava a esperança de que a situação se mantivesse assim por muito tempo. Muito em breve os tópsidas, alertados, imporiam sua presença. Porém, por enquanto, o grupo de combate de Rhodan alojou-se despreocupadamente,


mesmo que seus integrantes humanos se vissem obrigados a repartir os quartos com quatro, cinco ou até seis companheiros. Quanto aos robôs, a solução era mais simples: era só deixálos em qualquer canto, com a ordem de permanecerem ali parados até serem chamados. Rhodan e Bell ficaram hospedados na casa de Quequéler. Não perderam tempo instalando-se. Reunidos em conferência com Quequéler e seus conselheiros, trataram de planejar sua ação dali por diante. Quequéler demonstrou grande admiração pelo espírito de iniciativa de seus hóspedes. — Acho que essa guerra teria tomado um curso bem diverso se meus compatriotas fossem ativos como vocês! — comentou ele. Rhodan foi direto ao ponto que o interessava primordialmente: — A frota tópsida possui uma nave capturada, em operação de guerra, de outra raça cósmica. Constitui a coluna dorsal de seu poderio bélico. Temos que nos apoderar dela, e a guerra está terminada. Quequéler fitou-o, pensativo. — O plano me parece bom — continuou, judiciosamente. — Ouvimos falar dessa espaçonave. É grande como uma montanha, equipada com armamento impressionante. O problema maior era transportar de Sic-Horum para Thorta gente suficiente para assegurar um mínimo de êxito ao empreendimento. Quequéler explicou que não seria difícil contornar os dois primeiros postos militares de controle na estrada para Thorta. Porém as chances de prosseguir sem serem percebidos diminuíam gradualmente dali por diante; a seu ver, a possibilidade de chegar a Thorta era praticamente nula. — Pois bem, então vamos multiplicar as circunstâncias a nosso favor, eliminando alguns destes postos — decidiu Rhodan. — Queria apenas que me ajudasse a resolver uma dúvida: de que maneira poderíamos impedir que os tópsidas identificassem seus atacantes? Quequéler trouxe um mapa, que estendeu, aberto, sobre a mesa. — Não será preciso destruir o posto todo — disse. — Veja: o primeiro posto fica em Helacar, uma pequena cidade a cerca de cento e oitenta quilômetros daqui; ocupa mais ou menos o centro de um quadrado com duzentos quilômetros de lado. Este quadrado é a área de vigilância do posto ali localizado. E se subdivide em dezesseis outros quadrados, com lados de cinqüenta quilômetros cada um; a função das patrulhas é cuidar para que ninguém saia da área que lhe foi determinada. É nisso que consiste o controle da liberdade de movimentação. Quequéler tornou a dobrar e guardar o mapa, comentando: — Portanto, tudo que precisamos fazer é aguardar a aproximação da primeira patrulha, e dominá-la. Com as armas de que dispomos agora, é coisa de minutos. Rhodan concordou. — Certo! Sabe com que freqüência as patrulhas se comunicam com a central em Helacar? Quequéler sacudiu a cabeça. — Não. Só sei o seguinte: Logo após a instalação do posto de controle em Helacar. quando a primeira patrulha chegou a Sic-Horum, ainda éramos uma turma bem imprudente. Nossa antipatia por aquelas lagartixas de cabeça achatada era imensa, e quando uma delas se mostrou rude e grosseira demais para o nosso gosto, lhe aplicamos uma boa surra. Mais ou menos uma hora depois apareceram as primeiras aeronaves sobre a cidade. Pareciam não saber ao certo onde efetuar as buscas, pois voavam de um lado para outro, sem rumo definido. Só duas horas depois do incidente é que desceram em Sic-Horum e deram com os patrulheiros. Com uma gargalhada, Quequéler concluiu:


— Safamo-nos com uma multa, e não se falou mais no caso. Refletindo, Rhodan deduziu: — Portanto, cada patrulheiro apresenta relatório de hora em hora em Helacar; caso o comunicado não seja recebido no prazo devido, despacham um grupo de busca, que ruma diretamente para a zona de onde veio o último relatório. Caso não tenham alterado a sistemática de ação, acho que poderemos progredir razoavelmente depressa na direção de Thorta. Combinaram ainda testar a eficiência do posto militar em Helacar antes de rumar com o grupo de combate completo para Thorta. *** — Se for realmente o homem que esperávamos, não tem nada a temer — disse Teél, de seu posto junto à porta. — Pois sou obrigado a desapontá-los — disse Deringhouse, aborrecido. — Minha presença nesta região é inteiramente acidental. — O que não tem a menor significação. Não disse que foi enviado por Perclá? — Sim, e daí? — O que foi que ele lhe perguntou? Deringhouse repetiu o diálogo mantido com o velho. — Está certo! — disse Teél. — Mas então, de onde é que você veio realmente? Chateado, Deringhouse resmungou, de cara fechada! — Olhem aqui, gente, tanto faz saberem ou não, para mim não faz diferença nenhuma! Venho de Árcon. A resposta deixou Teél evidentemente confuso. — De onde? — De Árcon. Um mundo tão longínquo que nenhum de vocês sequer pode imaginar onde fica! Deringhouse começava a perder a paciência. — Quer dizer que você não é ferrônio? — indagou Teél, incrédulo. — Exato, não sou ferrônio. — Mas... o que é então? — Um arcônida. Uma voz se ergueu entre os presentes: — Pouco antes da ocupação de Thorta pelo inimigo, correu o boato de que uma espaçonave desconhecida havia aterrissado em Rofus. Dizia-se que vinha dum sistema planetário distante, e que havia sido avariada por uma das naves bélicas dos tópsidas. Consta que fez uma aterrissagem forçada em Rofus, mas não se ouviu mais falar dela. — Claro! — resmungou Deringhouse. — Estávamos muito bem escondidos. Teél indagou: — E você fazia parte da tripulação dessa nave? — Adivinhou, amigão! Teél ainda fez uma série de perguntas, bastante tolas na opinião de Deringhouse. Irritado e impaciente, explodiu: — Que diabo! Já chega! Quero saber duma vez em que espécie de embrulhada me meti. Os homens já haviam abandonado há algum tempo a rígida postura de alerta junto às paredes, e formavam um círculo em torno de Deringhouse, com as armas abaixadas.


— Posso lhe explicar tudo — falou Teél, com entonação grave. — Somos um grupo determinado a opor resistência aos invasores. A tarefa não é fácil, entende, e por isso procuramos recrutar sempre novos elementos. No entanto, temos que examinar a fundo todo novato, para que o inimigo não encontre facilidade demasiada em introduzir espiões no nosso meio. Deringhouse suspirou audivelmente. — Ora, por que não disse logo? Sentando-se, relatou todos os episódios de sua chegada a Ferrol. Como na cidade já se ouvira comentar os ataques inesperados desfechados contra as naves tópsidas por um veículo equipado com recursos muito poderosos, ninguém duvidou das palavras de Deringhouse. — Já pensaram numa maneira de pôr em prática suas idéias — perguntou ele — ou limitam-se a realizar regularmente sessões secretas destinadas a manter vivo o ódio contra os tópsidas? Teél abriu os braços num gesto de resignação. — Que queria que fizéssemos? Não temos armas... Deringhouse foi obrigado a lhe dar razão. — E você? Que intenções tinha? — perguntou Teél. — Eu pretendia juntar-me aos sichas. — Por quê? — Quando minha gente vier para Ferrol, vão descer na zona dos sichas. Refletindo, Teél acabou por dizer: — Não creio que conseguisse chegar até lá. Os sichas vivem no recesso das montanhas, e até mesmo os tópsidas hesitam em enviar suas patrulhas para lá. É fácil imaginar os obstáculos que um homem sozinho encontraria pelo caminho, ainda mais quando é forçado a se esquivar dos postos de vigilância tópsidas. — Tem alguma sugestão melhor? — indagou Deringhouse, fitando Teél. — Para ser franco, não! — confessou este. — Mas já que veio parar entre nós por acaso, que tal quebrarmos a cabeça juntos, tentando encontrar uma saída? — Combinado! — exclamou Deringhouse, pondo-se de pé. — Eu topo! *** — A fronteira deve ser por aqui — disse Queháler, filho de Quequéler. — O terreno é bem acidentado, sem grandes perspectivas — constatou Rhodan, olhando em torno. Ambos tinham voado de Sic-Horum até aquele ponto, em companhia de Reginald Bell e de Tako Kakuta, a fim de pôr à prova a eficiência das patrulhas tópsidas. Envergavam os trajes voadores arcônidas, trazidos de Rofus por intermédio dos transmissores de matéria; assim o percurso fora coberto em pouco tempo. Queháler aprendeu num instante a manejar o equipamento desconhecido para ele, revelando notável habilidade para a tecnologia. Para o norte, em direção da cidade, portanto, o terreno descia em declive suave. Mas estava recoberto por pedras de todos os tipos e tamanhos; a vegetação resumia-se a alguns arbustos esparsos. Ao sul via-se um alto e extenso paredão rochoso, com cerca de cinqüenta metros de altura; ia de leste para oeste, até onde a vista podia alcançar. Queháler afirmou que aquela formação natural representava o limite sul do quadrado onde se situava Sic-Horum. Ninguém duvidou, pois era uma suposição bastante verossímil. No entanto, Rhodan não achava ideal o local escolhido. Reclamava muito, dizendo que jamais seriam avistados pela patrulha. E como iriam testá-la, se as chances de serem


localizados eram tão reduzidas? Queháler, no entanto, discordou: — Eles voam sempre ao longo dos limites dos quadrados — afirmou. — A pouca altura, e de olhos bem abertos. Não podem deixar de nos ver, a menos que a gente se esconda debaixo de algum arbusto. O que não seria realmente uma má idéia, pois o sol dardejava sem piedade seu intenso calor. Rhodan viu que o termômetro marcava oitenta e cinco graus centígrados à sombra. Os trajes voadores eram climatizados, menos o rosto, que ficava exposto ao sol, sem qualquer proteção. Bell deixou-se cair no chão. — Pois esperemos, então! — resmungou, contrariado. — Já que não há outra saída... Rhodan estendeu-se igualmente no solo. Caso sua suposição fosse correta, os tópsidas não os fariam esperar muito. Afinal, eram extremamente desconfiados, e se quisessem impor para valer a restrição à livre locomoção, teriam que patrulhar seus quadrados pelo menos uma ou duas vezes por dia. Passou-se uma hora antes que ouvissem o ronco distante de um motor. Num gesto caracteristicamente ferrônio, Queháler colocou ambas as mãos atrás das grandes orelhas, pressionando-as para a frente, na direção de onde vinha o ruído. — Estão se aproximando! — exclamou, levantando do chão. Rhodan perscrutou o horizonte. Acima do paredão surgiu um ponto negro, deslocandose com velocidade regular. Rhodan, Queháler e Bell agruparam-se, bem juntos, num trecho mais ou menos livre de pedras e vegetação, quase junto ao paredão. Tako ocultou-se, ficava sendo a reserva. O ponto negro avolumou-se; era uma aeronave desprovida de asas e hélice, operando aparentemente sob o princípio da antigravitação. Porém a tecnologia dos tópsidas neste setor parecia ser bastante primária em comparação com a dos arcônidas. O ruído produzido pelos motores, pelo menos, era quase insuportável aos ouvidos. O planador antigravitacional — se é que era essa a denominação do estranho veículo — imobilizou-se no ar, pouco acima do paredão, ao dar com os três homens. Depois desceu verticalmente ao longo dele, pousando a uns dez passos de Rhodan. Era pilotado por dois tópsidas. Rhodan já tinha visto os indivíduos de perto, porém nunca conseguia reprimir um calafrio na presença de um deles. Um deles desembarcou. Era quase tão alto quanto Rhodan. O crânio achatado e liso, os lábios finos na boca três vezes maior do que a de seres humanos, conferiam aos tópsidas uma vaga semelhança com sapos. Impressão ainda mais acentuada pelos olhos redondos e salientes, de extrema mobilidade. A pele escamosa era marrom-escura, e cada mão tinha seis dedos. Em resumo, os tópsidas despertavam vivo terror por seu aspecto estranho, sem, no entanto, poderem ser considerados feios na acepção usual do termo. Rhodan percebeu que não haviam desligado os estridentes motores. O tópsida sentado aos controles parecia fazer questão de estar pronto para decolar novamente no mais curto espaço de tempo. O outro parou diante de Rhodan, com a arma apontada para seu peito. Com o braço livre, fez um gesto imperioso, enquanto dizia com voz coaxante: — Aqui fronteira! Ir embora! Não obedecer, eu atirar! Falava num ferrônio quase incompreensível. — Qual é o galho, meu chapa? — indagou Bell, irreverentemente. Sem esboçar o menor gesto, Rhodan falou, com voz alta e clara: — Tako! O tópsida armado repetiu a ordem muda com o braço, aprontando-se para dizer mais


alguma coisa. Porém no mesmo momento Tako materializou-se no lado oposto do planador; não se expunha inutilmente, conforme Rhodan lhe ordenara. O tiro da pistola pulsotérmica atingiu o segundo tópsida, matando-o instantaneamente. Sem chegar a pronunciar palavra, o primeiro se voltou bruscamente. Era o momento aguardado por Rhodan; durante os dois segundos em que o tópsida ficou imobilizado pela surpresa, ele teve tempo de puxar a pistola de raios neutrônicos e abater o adversário. — Feito! — comentou Bell secamente, mas com a face branca como papel. Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Depois fez sinal ao grupo para se afastarem dali, deixando para trás o planador e os dois cadáveres. Minutos após estavam de volta a Sic-Horum. Quequéler providenciara a colocação de um vigia na torre mais alta da cidade; munido de um potente telescópio, ele perscrutava, atento, as redondezas. Quequéler mostrava-se eufórico, deixando de lado sua habitual sisudez. Parecia satisfeito com o bom resultado da operação, porém não fez comentário algum a respeito. Um quarto de hora mais tarde, o vigia acusou o aparecimento duma formação de planadores, fazendo buscas pela zona. Logo após anunciou sinais de comoção por parte da patrulha tópsida; deviam ter encontrado o local do ataque e os dois mortos. Os planadores desapareceram de vista brevemente; a seguir foram vistos voando em direção da cidade. — Oba, o caldo começa a entornar! — exclamou Rhodan. — Que faremos? Quequéler estendeu a mão direita, com a palma virada para cima. — Bem, provar, eles não podem provar nada. Afinal, não possuímos armas do tipo das que mataram os dois tópsidas, não é? Sou de opinião que você e seus homens desapareçam de cena enquanto o grupo de busca age por aqui. Rhodan buscou um esconderijo que lhe permitisse acompanhar a cena desenrolada pouco depois na praça principal da cidade. Os tópsidas pousaram com três planadores, enquanto outros tantos ficavam circulando a pouca altura. Mandaram vir Quequéler, parlamentando com ele no centro da praça. Rhodan lamentou só poder escutar as vozes coaxantes e ásperas dos tópsidas. Eles faziam uma acusação frontal, e não um interrogatório. Quequéler, no entanto, mantinha-se calmo e impassível. Com a maior seriedade, afirmou ignorar por completo o incidente. Acabaram confrontando-o com os mortos. Rhodan viu-o se curvar sobre os ferimentos, e adivinhou que o arguto sicha recorria ao argumento combinado: não possuía, nem jamais tinha possuído armas daquela espécie. Os tópsidas pareceram ficar convencidos; moderaram as vozes indignadas. Rhodan ouviu-os então pedir informações que pudessem levar à pista ou ao esconderijo do provável criminoso. Quequéler falou longamente; a julgar pela gesticulação dos braços e mãos, descrevia com detalhes minuciosos algum caminho ou local. Os patrulheiros tornaram a embarcar em seus veículos. Com os geradores antigravitacionais uivando estridentemente, elevaram-se em vôo vertical, rente às paredes das casas. Reunindo-se aos companheiros em vôo, desapareceram rapidamente. Rhodan e Bell emergiram dos respectivos esconderijos. Quequéler recebeu-os rindo. Era a primeira vez que o viam rir. — Bom trabalho! — louvou Rhodan. — Ouviu tudo? — A maior parte. E ficamos sabendo que os tópsidas não mantêm realmente comunicação constante com a central. Portanto, nos sobram opções; seja qual for a escolhida, sempre teremos tempo suficiente para sumir depois de liquidar uma das


patrulhas. Aliás, para onde despachou esta? Quequéler sorriu maliciosamente. — Para sudoeste, no cerrado. Mil quilômetros quadrados inteiramente cobertos de espinheiros. Eles vão ficar ocupados por dias e dias... *** Talico era uma moça extremamente atraente. Ligeiramente mais alta do que seu irmão Teél, mas de constituição mais delicada. O rosto era belo, de linhas tão suaves que nem os olhos ocultos nas órbitas fundas conseguiam quebrar a harmonia do conjunto. Sua posição no grupo de conspiradores era importante, porque morava em Hopter, cidade em que existia um posto de controle tópsida. Deringhouse ignorava a razão dela viver longe da família; por ser casada, talvez. De qualquer forma, em Hopter tinha freqüentes ocasiões de contato com os tópsidas, sendo até considerada pessoa de confiança por eles. Fato raro, pois eles costumavam confiar apenas em si mesmos, sem recorrer à ajuda de ninguém, principalmente de elementos do povo subjugado. — Acho que eliminar sumariamente todos os integrantes do posto em Hopter causaria uma alteração grande demais, não é? — perguntou Deringhouse. — Sem dúvida — concordou Talico. — No entanto, os tópsidas reagiriam de maneira muito peculiar. Primeiro viriam fazer um demorado interrogatório. Certos de que o autor do atentado não tem meios para lhes escapar, não apressariam nem um pouco as investigações. Sei lá se isso é complexo deles, ou estratégia deliberada, mas procuram sempre dar a impressão de querer evitar a prática de injustiças. Só aplicam medidas punitivas quando possuem, ou julgam possuir, provas concludentes. Enquanto se ocupam com o caso, temos tempo suficiente para alcançar Thorta. Pois durante a conferência realizada, chegara-se à conclusão unânime de que todo o grupo de Teél devia ser transferido para Thorta, a despeito da vigilância tópsida. Com as armas fornecidas por Deringhouse, encontrariam lá um campo de ação muito mais amplo do que na cidadezinha isolada do interior. Talico e Deringhouse constituiriam a vanguarda. Teél e os demais seguiriam a intervalos apropriados. E estes se apresentariam forçosamente nas pausas entre o ataque a uma patrulha tópsida excessivamente curiosa, e o declínio da excitação provocada pelo incidente. Seriam os momentos propícios para avançar mais uma etapa no caminho para Thorta. Talico sabia, por fontes dignas de crédito, que em Thorta havia grupos de resistência semelhantes ao organizado por Teél. Precisavam tentar obter contato com um deles, a fim de solucionar o problema de se acomodar na cidade sem despertar suspeitas. Porém Deringhouse não havia concordado com a sugestão de Talico de destruir sumariamente o posto de controle em Hopter. Argumentou que isso provocaria agitação desnecessária, e, como no trajeto até Thorta tivessem que atravessar o território de mais dois postos, a medida só lhes traria obstáculos adicionais. Combinaram, em vez disso, passar ao largo de Hopter, atacando o inimigo apenas no caso de serem detidos por uma das patrulhas. — Podemos partir amanhã cedo — concluiu Deringhouse.


III O primeiro golpe quase redundou em fracasso. Mas, superada a experiência, ficaram sabendo contra o que precisavam acautelar-se dali em diante. Talico e Deringhouse seguiam a pé. Já não havia praticamente viaturas privadas nas estradas do Continente Central; e, se alguma aparecesse, era certo ser vistoriada pelas patrulhas tópsidas a cada dois ou três quilômetros. Mantinham-se um pouco afastados da estrada, e à tardinha avistaram Hopter. Entraram na cidade, pernoitando na moradia habitual de Talico. Prosseguiram na manhã seguinte, sempre conservando o afastamento de cerca de um quilômetro da estrada. Ao meio-dia, se encontravam a apenas alguns quilômetros dos limites do quadrado no qual se encontrava Hopter. Fizeram uma pausa, pois Deringhouse sentia-se exausto com a caminhada; a gravidade desacostumada de Ferrol fazia sentir seus efeitos. Enquanto repousavam, ouviram o sussurro duma aeronave de patrulha. Ela planou baixo por sobre suas cabeças, descreveu uma curva e voltou, pousando a uns vinte metros de distância. Um dos dois tripulantes desembarcou, aproximando-se de arma em riste. — Calma! — cochichou Talico. — É Epton. conhecido meu. Apesar do risco que corriam, Deringhouse se perguntou como é que alguém podia diferenciar um tópsida de outro. Talico possuía essa habilidade, pelo visto. Reconhecendo a moça, Epton abaixou a arma, repuxando a bocarra num arremedo de sorriso. — Amigo? — coaxou ele, indicando Deringhouse. — Sim — respondeu Talico. — Estamos excursionando. — Fronteira ali! — avisou Epton, virando-se e apontando para o norte. — Não ir adiante! Perigoso! Talico concordou: — Certo, vamos ficar por aqui. O lugarzinho nos agrada. Epton emitiu um grunhido. Deringhouse se ergueu displicentemente, como que para esticar um pouco as pernas. O tópsida não lhe deu a menor atenção, entretido em conversar com a moça. — Quando visitar nós de novo? — perguntou a Talico. — Não sei. Amanhã, talvez... — Nós ficar contente — coaxou Epton. “Ah, é? Pois vais ver uma coisa, batráquio!”, pensou Deringhouse, irritado. Estava agora a dois metros de Epton, do lado esquerdo. Sem que o tópsida desse por isso, puxou a pequena pistola de raios neutrônicos, apontando-a para o reptilídeo. — Largue a arma! — disse Deringhouse, secamente. Epton olhava perplexo de Talico para ele. — É melhor fazer o que ele mandou — recomendou a jovem. Os olhos de Epton rolavam nas órbitas, desorientados; a boca na face de sapo transformou-se numa linha reta e dura. — Ande para lá! — ordenou Deringhouse, apontando para o planador. — Eu vou atrás, e ai de você se tentar algum truque, ou der aviso ao seu companheiro! Talico levantou-se igualmente. Acompanhar os dois homens daria aparência mais normal à situação. Portanto, colocou-se à direita de Epton. Os três encaminharam-se para o


planador. O piloto já reconhecera Talico, e gritou-lhe qualquer coisa, que Deringhouse não entendeu. A moça respondeu com poucas palavras. “Puxa, tem sangue-frio a menina!”, pensou Deringhouse. No mesmo instante deu-se o desastre. Sem ligar para a pistola neutrônica apontada para suas costas, Epton de repente saiu correndo. Ainda conseguiu sibilar algumas palavras guturais no idioma tópsida ao piloto; depois foi abatido pelo tiro de Deringhouse. O planador decolou instantaneamente. Deringhouse ainda disparou algumas vezes contra ele; mas o alcance de sua arma não superava os dez metros, de modo que não conseguiu atingir a aeronave. Ela se elevou verticalmente, com os motores rugindo, e desapareceu por trás das árvores. Talico tinha empalidecido. — Vamos! — gritou Deringhouse. — Temos que sair daqui! Dentro de minutos teremos toda a guarnição do posto voando por cima de nossas cabeças! — E para onde iremos? — lamentou-se Talico. Pergunta crucial aquela, pois de fato tinham diante de si uma noz dura de roer. O piloto forçosamente tinha dado o alarma, e a central já sabia que alguém tentava cruzar a fronteira interditada, querendo passar para a área de controle vizinha. Portanto, não podiam continuar na direção em que seguiam. — Vamos para o leste — decidiu Deringhouse. — Ou melhor, por algum tempo andaremos em direção sul; é onde menos vão se lembrar de nos procurar. Ambos levavam microtransmissores, a fim de se comunicar com Teél e o resto do grupo. Para diminuir a possibilidade de interceptação dos sinais pelo inimigo, haviam combinado um código bastante restrito. Um sinal isolado significava: Prosseguindo de acordo com o plano; dois sinais: Alto. problema à vista; e três sinais! Perigo! Ainda havia diversas combinações, mas no momento Deringhouse necessitava apenas do terceiro sinal. Após emiti-lo, atravessaram a estrada e rumaram para o sul. Meia hora após alcançaram um pequeno bosque cerrado. Simultaneamente escutaram o ronco dos planadores. Ocultos entre a vegetação rasteira, aguardaram. *** A marcha para o norte foi inicialmente rápida e fácil. Brincadeira de criança, comparada com os obstáculos que esperavam encontrar. Cruzaram as divisas de dois quadrados sem serem detectados. Nas três fronteiras seguintes, foi preciso eliminar as patrulhas, tarefa executada sem maiores dificuldades. Porém começaram a notar depois sinais de nervosismo e inquietação entre os tópsidas. De repente o número de aeronaves de patrulha duplicou e triplicou. Rhodan dividiu seu grupo, entregando a direção da segunda metade a Gloctor, um sicha. Trazia consigo apenas Reginald Bell, Tako Kakuta, Marshall, Marten, Sengu, a pequena Betty e alguns sichas cuidadosamente selecionados por Quequéler. O resto do grupo permanecera em Sic-Horum, constituindo uma espécie de reserva à qual poderia recorrer a qualquer instante, assim que conseguisse deitar a mão num transmissor em Thorta. Gloctor, o líder escolhido, era um dos conselheiros de Quequéler. Devia ter cerca de quarenta e cinco anos de idade segundo o calendário terrestre. Quequéler dispensava-lhe especial confiança; sentimento de que Rhodan compartilhava integralmente após ter lidado com o sicha naqueles poucos dias. Por meio do telecom estava em comunicação constante com seu grupo em Sic-Horum.


Assim como os demais, ignorava se os tópsidas eram capazes de detectar transmissões realizadas através do telecom; a bordo da nave de guerra arcônida capturada existia equipamento muito sofisticado para essa finalidade, mas era provável que os tópsidas não soubessem utilizá-lo. Por via das dúvidas, Rhodan resolveu fazer as transmissões valendo-se do efeito Raffer, assim uma conversação normalmente feita em quinze minutos levava um centésimo de segundo para ser emitida. Segundo as previsões de Rhodan, gastariam semana e meia do calendário ferrônio para alcançar Thorta, ou sejam, dez vezes trinta e oito horas terrestres. Neste cômputo, ele tinha levado em conta o tempo ganho com a utilização dos trajes voadores arcônidas, disfarçados por baixo das amplas túnicas brancas dos sichas; no entanto, só podiam recorrer a eles quando tinham absoluta certeza de não estarem sendo observados. *** Os planadores não deixavam dúvida quanto às suas intenções. Circularam algum tempo acima do pequeno bosque, e aprontaram-se para aterrissar. Deringhouse rilhou os dentes. Não esperava que dessem com sua pista tão depressa. Colocou a mão sobre o ombro de Talico, e viu que ela tremia. — Coragem! — murmurou para tranqüilizá-la, porém percebeu que a recomendação era quase ridícula. O que se seguiu, mesmo analisado e relembrado em todas as minúcias posteriormente, só poderia ser classificado de milagre. Em formação de ferradura, os planadores cercaram o bosque; apenas um pousou ao leste dele, no ponto que representaria a abertura da ferradura. Deringhouse acabara de meter a cabeça para fora do esconderijo, a fim de verificar se os tópsidas iam desembarcar, quando escutou um assobio agudo e prolongado, vindo do alto. Por um instante, se julgou vítima de uma alucinação auditiva, pois aquele som jamais poderia ser ouvido em Ferrol. No entanto, o ruído se avolumou, estridulando com intensidade ensurdecedora bem na direção em que se encontravam. — Proteja-se! — berrou Deringhouse, sentindo ao mesmo tempo pavor e satisfação. Houve algo semelhante a um cataclismo universal. Primeiro, uma detonação retumbante, acompanhada por um clarão que atravessava até as pálpebras cerradas. Uma ventania furiosa sacudiu o bosque, quebrando galhos e arrancando árvores. Destroços voavam pelo ar, chocando-se estrondosamente contra o solo. Em poucos minutos restabeleceu-se a calma. Deringhouse pôs-se de pé num pulo. Com a cabeça de lado, escutava. Apesar de seus ouvidos ainda estarem tinindo, distinguiu o ruído inconfundível de jatos hiperbólicos, diminuindo progressivamente como se a aeronave equipada com eles se afastasse a toda a velocidade. — Puxa, ele podia ter acabado conosco também! — exclamou, impressionado e engolindo em seco. Mas recuperou-se em seguida. Lançando um olhar para o lado onde os planadores haviam estado, só viu uma nuvem de vapores e poeira; ela pairou no ar durante algum tempo, depois começou a dissipar-se, espalhando-se aos poucos pelas redondezas. Quase junto aos seus pés estava caído um dos objetos trazidos pelo vento; tratava-se dum fragmento do assento de comando de um dos planadores tópsidas. Por ele se podia calcular o que sucedera ao resto. Porém o planador que aterrissara ao leste ainda fazia ouvir o ronco dos motores. Deringhouse escutou vozes guturais em acalorada discussão.


Puxando Talico pela mão, cochichou: — Vem, vamos embora! Ainda atordoada, ela acompanhou-o vacilando. Não entendia o que estava acontecendo ao seu redor. Portanto obedeceu passivamente quando Deringhouse a agarrou pelo pescoço, forçando-a a lançar-se ao solo, na orla do mato. Ouvia a respiração ofegante do companheiro, sem ter a menor idéia do que ele planejava. — Fique deitada aqui! — sibilou ele. O planador tópsida restante estava a alguns metros diante deles. Um dos reptilóides saltou dele, pondo-se a contornar em passo acelerado o pequeno bosque, a fim de verificar o que ocorrera no lado oposto. Outro tripulante, sentado aos controles, fazia evidentemente uma comunicação radiofônica. Deringhouse esperou que ele concluísse a transmissão e desembarcasse igualmente. Depois atirou. Vendo o colega cair morto, o primeiro tópsida voltou às carreiras, sendo também eliminado ao chegar ao alcance da arma de Deringhouse. Este foi buscar Talico e empurrou-a para dentro do planador. — Como é que funcionam esses troços? — indagou, afobado. Talico examinou o painel de instrumentos, no qual se viam poucos botões. — Este aqui é o que dá partida — explicou ela, puxando um dos botões até o fim. O resultado não se fez esperar, a aeronave disparou para cima com um violento arranco. Deringhouse tirou a mão da moça dos controles, tornando a empurrar metade do botão para dentro. — Oba, agora podemos viajar mais depressa! — exclamou ele, alegremente, depois de se familiarizar com o manejo do aparelho. — Antes que você se restabeleça do susto que Klein lhe pregou, estaremos perto de Thorta. — Klein? — Ah, é mesmo, você não o conhece!... É o cara que anda assombrando a zona com seu caça. Deve ter visto aquela convenção de planadores, resolvendo desfazê-la com uma antiquada bomba de TNT. Evidentemente ele não sabia que nós estávamos escondidos naquele mato... — Mas não poderia ter escolhido hora melhor para aparecer! — disse Talico, rindo. — Sem dúvida! E você é uma moça muito corajosa — respondeu Deringhouse, sem transição. Ela fitou-o espantada, porém os pensamentos de Deringhouse já tinham tomado novo rumo. Tirara uma lição valiosa daquele contratempo, e não pretendia esquecê-la tão depressa: a disciplina militar dos tópsidas era tão severa que, mesmo sabendo que lhes custaria a vida, tentavam tudo a fim de dar aviso aos companheiros. Daí por diante, era necessário levar sempre em conta esta característica tópsida. Depois de sobrevoar a fronteira do quadrado de controle, Deringhouse enviou a Teél o sinal simples: Prosseguindo de acordo com o plano. *** Completaram a viagem em menos tempo do que esperavam. Klein realizava infatigavelmente suas investidas, e todo o continente estava em polvorosa, de modo que ninguém mais se preocupava em verificar a eficiência do sistema de controle dos movimentos populacionais. No fim do oitavo dia ferrônio, avistaram à distância os contornos da imensa metrópole


de Thorta. De outros pontos, no entanto, vinham notícias menos favoráveis. Quer em conseqüência dos ataques de Klein, quer por já ser plano previamente traçado, os tópsidas começavam a bombardear as cidades de Rofus. Iniciava-se o fogo cerrado contra o nono planeta. O Thort se entregava ao desespero. Rhodan enviou-lhe Crest, com a mensagem de que levaria apenas alguns dias para se apoderar da nave de guerra, com o que os ataques tópsidas cessariam espontaneamente. Certificaram-se pessoalmente de que a gigantesca espaçonave continuava pousada no espaçoporto de Thorta. A trinta quilômetros de distância o vulto inconfundível já se tornava visível. Rhodan sentiu-se tomado por intensa frustração; na sua impaciência, gostaria de se dirigir simplesmente ao espaçoporto e tomar posse da nave. Porém sabia que o caminho para a concretização deste objetivo passava pelo Palácio Vermelho, no coração da cidade. Ao alcançá-lo, Klein atacava justamente o porto de Thorta, o que permitiu a entrada desimpedida de Rhodan e de seu grupo. Gloctor e seus homens deviam estar perto também, um pouco mais atrás ou mais adiante. O combinado era se encontrarem numa hospedaria situada na Rua da União, pertencente a um sicha emigrado da terra natal. A marcha através da cidade, no entanto, não decorreu sem incidentes. Antes de chegarem à Rua da União — Klein tinha dado seu ataque por encerrado e a situação retornava gradualmente à normalidade — perceberam uma aglomeração num cruzamento que precisavam atravessar. Tako recebeu ordem de ir à frente para investigar. Voltou, informando que um pequeno grupo de tópsidas fiscalizava os passes dos transeuntes. E agora? Nenhum deles possuía passes para circular em Thorta. Pois, a fim de controlar a obediência às ordens de limitação da liberdade de locomoção, os tópsidas haviam emitido passes, nos quais constava claramente o local de residência do portador, e o quadrado de controle respectivo. Em conseqüência, Rhodan ordenou o recuo de seu grupo, com toda a cautela, para não chamarem a atenção. Teriam que procurar alcançar a Rua da União por roteiro diverso. Queháler, que já conhecia a cidade, servia de guia. Tiveram que contornar mais dois pontos de fiscalização, felizmente sem serem percebidos. Com isso, sua chegada à hospedaria foi retardada em mais de uma hora. Gloctor e seus homens ainda não tinham chegado. O proprietário da hospedaria ficou atônito com a chegada simultânea de tantos hóspedes. Desde a invasão dos tópsidas, com a conseqüente proibição de viajar, a casa estivera sempre vazia. Chamando-o de lado, Queháler explicou a situação. Tiamér, o hoteleiro, aderiu com entusiasmo à causa. O grupo de Gloctor chegou duas horas mais tarde. Reginald Bell entrou com um ar de desafio no rosto. Rhodan compreendeu que havia novidades. — Que foi que aconteceu, Bell? — Ora, um sujeito queria ver nossos passes, aí num cruzamento de rua... — E então? — Não tínhamos passe nenhum, lógico. E estávamos tão perto deles que não havia mais jeito de voltar disfarçadamente. Eram dois só, felizmente, e não tivemos trabalho demais. Mas os tópsidas vão ficar doidos por saber quem é que teve o topete de liquidar dois fiscais em pleno centro da cidade! — E os transeuntes? — Passivos como cordeiros —, interrompeu Gloctor. — Além disso, agimos com a maior discrição. Cercamos os dois tópsidas, que ficaram totalmente encobertos por nossa


gente. Quando seguimos caminho, havia dois corpos estendidos no chão. Ninguém pareceu se admirar com isso. Daí por diante, não topamos mais com dificuldade alguma, e aqui estamos. Os guerrilheiros se instalaram no subsolo do pequeno hotel. Tiamér tinha concordado em ceder seu estabelecimento para base de operações, pelo prazo que fosse necessário. *** Após sobrevoar os limites do quadrado no qual se situava Thorta, Deringhouse e Talico abandonaram o planador, prosseguindo a pé. Deringhouse estava contente por terem chegado até aquele ponto sem serem molestados. Apesar dos riscos envolvidos, insistiu em querer alcançar a casa do homem que morava no bairro mais elegante da cidade, bem perto do palácio real. Com a ajuda da jovem, conseguiu realizar seu intento, porém Talico estava à beira dum colapso nervoso. Calan, o chefe da família, e os demais receberam Deringhouse e Talico com grande cordialidade. Que não sofreu a menor alteração quando a moça explicou a razão de suas presenças ali, acrescentando que eram seguidos por Teél, com seu grupo de homens dispostos a tudo. O único comentário de Calan foi: — Eles terão que se mostrar muito cautelosos. De todos os antigos residentes do bairro só restamos nós, e mais duas ou três famílias. Os tópsidas requisitaram todas as demais moradias para seu uso. Não sei como me deixaram em paz. Talvez achassem minha casa antiquada demais — concluiu, rindo. Deringhouse calculou que Teél levaria ainda bem uns cinco dias para chegar com sua gente. Portanto decidiu aproveitar o período de espera indo em busca de pessoas que alimentassem objetivos semelhantes aos seus. Calan era um homem bem informado. — Vai ter que andar um bocado! — informou, pesaroso. — E não vai ser nada fácil, em vista da constante verificação dos passes. Mas caso consiga chegar ao hotel Unicórnio Branco, na Rua 87, encontrará certamente algumas pessoas dispostas a lhe dar ouvidos. Calan arranjou uma planta da cidade, que Deringhouse procurou memorizar nos dias seguintes. *** — A situação é a seguinte — disse Rhodan, pensativo — em primeiro lugar, precisamos penetrar no Palácio Vermelho sem sermos percebidos. E o grupo todo, de preferência. Pois com tantos tópsidas amontoados lá dentro, poderiam surgir complicações insuperáveis para um homem sozinho. Acima de tudo, quero frisar um ponto importante: temos apenas uma chance. Falhando esta, os tópsidas ficarão duplamente alertas. Sugiro que tentemos surrupiar um transmissor, para começar. Tiamér deve conhecer a antiga localização das estações transmissoras, e nós nos encarregaremos de verificar se foram alteradas ou não. Enquanto isso, enviei para Rofus a imagem virtual de um dos passes válidos aqui em Thorta. Para Crest não será problema executar algumas duplicatas. Quando tivermos o transmissor, os passes devem estar prontos, o que simplificará consideravelmente nossa circulação. Tiamér descreveu a localização das estações transmissoras antes da chegada dos tópsidas. Tako Kakuta fez uma rápida excursão, a fim de sondar as possibilidades. Regressou, no entanto, bastante desanimado:


— Nada feito! São mais bem vigiadas que o harém de um sultão! Tirem da cabeça a idéia de subtrair transmissores de qualquer delas. Tiamér lembrou uma última saída: — Na agência de correio da Rua 25 havia um transmissor pequeno. A rua fica perto daqui, dobrando a esquina. Porém o prédio está todo tomado pelos tópsidas, que instalaram nele uma série de escritórios. Talvez seja mais difícil entrar lá do que nas grandes estações transmissoras. No entanto, Rhodan decidiu que valia a pena tentar. Enviou Tako para fazer um levantamento da agência postal. Postado na rua, diante do edifício, ficou observando por algum tempo; depois saltou, rematerializando-se no pavimento mais elevado. Sem ser visto por ninguém, teve oportunidade de acompanhar tranqüilamente o que se passava no interior do prédio. Voltou, informando que as chances não eram lá grande coisa, mas um pouco mais favorável do que nas demais estações. Rhodan começou a traçar os planos para se introduzir no edifício, e trazer de lá um transmissor em condições de uso. Gloctor, que sabia lidar com os aparelhos, garantiu que poderia obter a corrente necessária ao seu funcionamento ligando-o à rede geral de energia da cidade, que passava abaixo do hotelzinho. Com isso, a tarefa reduzia-se pura e simplesmente à obtenção do transmissor A fonte de energia e demais pertences eles deixariam de presente para os tópsidas. *** Deringhouse e Talico seguiram por rumos separados, pois individualmente seria mais fácil se esgueirar por entre os postos de fiscalização. Apesar disso, chegaram quase juntos à hospedaria Unicórnio Branco. O ambiente em que entraram era sombrio, mas instalado com relativo conforto. O serviço automático não funcionava. Deringhouse fez sinal para um homem que lhe pareceu ser o atendente. Talico encarregou-se dos pedidos. — Sou um verdadeiro fracasso como conspirador — disse Deringhouse, com um sorriso irônico, depois de examinar os demais fregueses. — Que é que faço agora? Perguntar ao acaso, a algum deles se também é contra os tópsidas? — Ora, aguarde um pouco! — disse Talico, rindo. — Quem sabe o proprietário lhe dá uma mãozinha... Porém a situação se resolveu por si mesma. Mal provaram seus drinques, viram a porta ser aberta com estrondo, dando passagem a um grupo de homens excitados. — Liquidaram dois postos de fiscalização! — gritou um deles. — No cruzamento da Rua 25 com a Rua da União! Por instantes reinou silêncio no recinto. Depois os presentes manifestaram seu contentamento com brados jubilosos. — Quem? Quem foi? — queriam saber. Os recém-chegados estenderam as mãos: — Não temos a menor idéia. Ninguém sabe dos detalhes. Mas, de qualquer maneira, gostamos de ver os tópsidas levarem a pior, para variar! Deringhouse piscou para Talico. Esperaram que os ânimos se acalmassem um pouco, depois Deringhouse levantou-se e interpelou um dos homens que haviam trazido a boa notícia. — Gostaria de lhe falar por um instante — disse, baixinho. — Importa-se de vir à minha mesa? O homem concordou, dizendo:


— Meu nome é Vafal. Estou interessado em saber o que tem a dizer. Tomou lugar à mesa de Talico. Deringhouse começou sem rodeios: — Nós dois viemos do sul, isto é, eu venho de muito mais longe ainda. Atrás de nós vem um grupo de homens dispostos a colaborar ativamente na tarefa de fazer com que os tópsidas desapareçam de Thorta o mais depressa possível. Pode nos dar alguma sugestão? Vafal examinou-o, pensativo. — E quem me garante que você não é espião? Deringhouse deu de ombros. Depois lembrou-se que aquele gesto não tinha significação alguma em Ferrol; estendeu então a mão direita, com a palma para cima. — Ninguém. Terá que pôr-me à prova. Mas tenho algo a lhe oferecer. — O quê? — Duas ou três armas que talvez nunca tenha visto. Os olhos de Vafal se arregalaram; ele estava visivelmente interessado. — Verdade? Mostre! Deringhouse puxou a pequena pistola de raios térmicos. Apontando para o copo à sua frente, pressionou levemente o gatilho. O vidro chiou, e surgiu um orifício por onde o líquido escorreu, formando uma poça sobre a mesa. Virando a arma para a poça, Deringhouse evaporou-a; porém teve o cuidado de balançar com a arma para um lado e outro, a fim de não queimar a mesa. Vafal testemunhou o processo boquiaberto. Quando Deringhouse concluiu a demonstração e tornou a enfiar a arma debaixo da túnica, Vafal disse: — Venha comigo! *** Rhodan examinou o cubículo junto à entrada principal do edifício postal; tinha sido, evidentemente, o posto do porteiro em outros tempos. Agora estava ocupado por um tópsida. A tarde caía, com o sol quase se escondendo abaixo do horizonte. — Adiante! — ordenou Rhodan. Acompanhado por Reginald Bell e Tako, atravessou a rua, aproximando-se do cubículo. O tópsida seguia-os com o olhar. Bell aprestou o psicoirradiador. Rhodan parou diante do tópsida. — Que querer? — coaxou o reptilóide. — Entrar! — respondeu Rhodan, secamente, indicando a larga porta dianteira. O tópsida aprontou-se para falar, porém Bell acionou o contato do irradiador. Prontamente, o reptilóide contorceu a bocarra e coaxou: — Poder ir! Rhodan acenou amistosamente para ele, e fez sinal a Tako para tomar a dianteira. Bell seguiu-o, deixando o irradiador com Rhodan. O tópsida apertou o botão que comandava a abertura da porta. Esta se abriu, e os dois homens entraram. Rhodan encaminhou-se para a porta andando de costas. Chegando à soleira, disse: — Agora esqueça isso tudo, meu velho, está bem? — Sim, senhor! — respondeu o tópsida. Rhodan esperou que a porta se fechasse e desligou o irradiador. O prédio estava silencioso. Rhodan sabia que os tópsidas, inclusive os soldados, tinham horários de trabalho rígidos. Àquela hora não devia haver mais de cem homens ao todo no gigantesco complexo de salas.


Seguiram por um corredor amplo. Tako indicou uma série de portas na parede do lado esquerdo. — Elevadores — explicou. — Vamos descer. O transmissor encontrava-se no subsolo. O elevador era manejado por meio de botões. As dependências inferiores estavam claramente iluminadas. Os transmissores ficavam numa pequena peça lateral, onde a poeira se acumulava. Pelo jeito, fazia tempo que ninguém entrava ali. A gaiola do transmissor media dois metros de altura, por um de largura. Rhodan e Bell desfizeram apressadamente os contatos, e tentaram levantar o aparelho. Com seu peso aproximado de duas toneladas, não seria fácil locomovê-lo, porém eles sabiam de antemão que a empreitada não seria brincadeira. — Suma, Tako! — disse Rhodan. O diminuto japonês obedeceu imediatamente. Bell e Rhodan arrastaram seu fardo ao longo do corredor, em direção aos elevadores. Suando, empurraram-no para a espaçosa cabina, e subiram. Ao saltar no pavimento térreo, perceberam sinais de violenta comoção nos andares superiores. Uma algazarra infernal de berros, estouros e silvos estridentes vinha de lá; a barulheira era tanta que devia ser percebida até do lado de fora, na rua. Bell sorriu compreensivamente. Rhodan desejava fervorosamente que não houvesse lá em cima nenhum tópsida suficientemente esperto para perceber que tudo aquilo não passava de uma manobra de despistamento. Sem serem perturbados, empurraram o transmissor para a porta de saída; esta podia ser aberta por dentro. Ainda sob o efeito da ordem hipnótica, o tópsida no cubículo do porteiro não os reconheceu. Viu-os passar com sua carga, sem esboçar um gesto; apenas o olhar fascinado não os abandonava. Tiamér aguardava, com seu caminhão de entregas estacionado junto ao meio-fio. Com os esforços reunidos dos três homens, o transmissor foi colocado no veículo, e recoberto com a lona de proteção. A seguir, embarcaram na cabina de direção. Segundos após, o caminhão foi sacudido por um forte abalo. Da carroceria veio a voz ofegante de Tako: — Tudo em ordem! Cheguei! Tiamér deu a partida. Era a hora do dia em que o sol já se pusera, mas a claridade ainda chegava para iluminar as ruas; portanto a iluminação pública ainda não fora ligada. Na rua emparedada por edifícios reinava um lusco-fusco cinzento. O tráfego era escasso, e Rhodan tinha certeza de que ninguém os havia visto. Alcançaram a hospedaria de Tiamér sem problemas. O transmissor foi descarregado e levado para dentro. Gloctor os aguardava. Já providenciara, com seus homens, a ligação clandestina à rede de iluminação, e preparara os contatos necessários. Uma vez com o transmissor no subsolo, levaram apenas minutos para conectá-lo. — Supondo que isso funcione conforme deve — disse Rhodan — nossa próxima tarefa será regular o transmissor do Palácio Vermelho, ajustando sua freqüência com a nossa. Assim poderemos nos locomover livremente de cá para lá, e vice-versa. Tako, a missão é sua! Pode me cobrar horas-extras — acrescentou ele, rindo. Tako desapareceu, e Rhodan finalizou: — Pensando bem, podemos nos dar por altamente satisfeitos com os êxitos obtidos até agora. ***


Deringhouse jamais imaginara que seria tão simples penetrar no Palácio Vermelho. É que os tópsidas tinham adotado atitude semelhante à de qualquer potência dominadora, em qualquer parte do universo: empregavam para os trabalhos subalternos ferrônios que consideravam dignos de confiança. Estes eram selecionados mediante processos bastante rigorosos, e, além disso, havia controles diários; desta forma, os tópsidas julgavam-se imunes a possíveis traições por parte dos empregados não-tópsidas. Porém não haviam contado com Vafal, nem com pessoas imbuídas da mesma animosidade. Os homens da resistência tinham dado com uma brecha para introduzir suas alavancas. Com ar inocente e expressões virtuosas, submetiam-se ao processo de seleção; e o problema dos controles diários era resolvido com a falsificação de passes. Em conseqüência, dificilmente se encontraria no Palácio Vermelho um criado que não pertencesse à resistência. O mal era que Vafal e sua gente não sabiam o que fazer com a organização de que dispunham. Haviam chegado a pensar num atentado contra o almirante-chefe da frota tópsida; porém seu bom senso lhes disse que a morte do comandante em nada afetaria o poder bélico de um exército bem estruturado. Apoderar-se da nave de guerra estacionada no espaçoporto era coisa fora de cogitação, pois não saberiam manejá-la. Tudo indicava que estavam justamente à espera de um homem como Deringhouse — alguém com objetivos definidos em mente. No momento, Deringhouse se encontrava num dos corredores do trigésimo oitavo andar do enorme edifício, munido dum passe falso que tinha lhe possibilitado a entrada, e esforçando-se por manusear uma máquina varredora cujo funcionamento não entendia. Trazia suas armas consigo. Enquanto percorria, pressuroso, o corredor, com a máquina ora sussurrante, ora falhando, analisava mentalmente o plano concebido, procurando verificar se continha alguma falha. Pretendia se introduzir, na primeira oportunidade favorável, na sala secreta na qual o Thort tinha preparado uma espécie de saída de emergência. A peça situava-se igualmente no trigésimo oitavo andar, porém um pouco distante dali, na área de serviço de outro criado. E Deringhouse não tinha meios para averiguar se era também um dos conspiradores. A idéia era ajustar o transmissor com a freqüência de um dos existentes no forte do deserto, em Rofus, e trazer reforços. Então não lhe seria difícil convencer o almirante-chefe a entregar a supernave — principalmente porque disporia de um psicoirradiador para reforçar sua exigência. Tudo muito simples, porém continuava achando o plano bom. Deringhouse estremeceu, percebendo um movimento repentino à sua frente. Instintivamente, levou a mão à pistola térmica, largando a varredora à sua própria sorte. Diante dele, saído do nada, estava um homem. A face infantil sorria. Era Tako Kakuta.


IV — Quer dizer que pretendia fazer tudo sozinho, não é? — perguntou Reginald Bell, cheio de contentamento, porém com uma ponta de sarcasmo na voz. — Pois é — disse Deringhouse, modestamente. — Com o tempo eu atingiria o objetivo proposto. Mas não tão depressa como vocês, claro! — Bem que estava com um nariz de vantagem sobre nós — observou Rhodan, sorridente. A princípio, ninguém queria acreditar na notícia que Tako trouxera do Palácio Vermelho. Julgavam impossível Deringhouse ter sobrevivido ã queda de seu caça; que continuasse em liberdade era ainda mais improvável. Mas à noite, encerrado o expediente de trabalho, Deringhouse viera pessoalmente. Relatou sua atuação até o momento presente, e forneceu a Rhodan uma perspectiva geral da atividade dos grupos subterrâneos de resistência. A contribuição era valiosa. Rhodan pôde reformular seus planos de apoderar-se da nave de guerra, simplificando-os acentuadamente. Vafal e seus homens, assim como o grupo de Teél — caso chegassem a tempo — poderiam tratar de criar agitação na cidade enquanto Rhodan dava seu golpe. E ainda havia a vantagem adicional de poder conservar seus próprios homens reunidos. O transmissor no subsolo da casa de Tiamér estava instalado, o do Palácio Vermelho sintonizado na freqüência apropriada para a recepção. Sabiam que o almirante-chefe da frota tópsida se chamava Crek-Orn, e que tinha seus escritórios em alguma parte do trigésimo primeiro pavimento do Palácio Vermelho. Portanto, o estado das coisas era aquele, e Rhodan aguardava apenas o momento de agir. Este chegaria assim que Vafal, por intermédio de seu mensageiro Deringhouse, mandasse dizer que seus homens estavam a postos. *** Na ala leste do Palácio Vermelho, a atividade era febril a qualquer hora do dia. CrekOrn, o almirante-de-esquadra, era um homem que gastava o mínimo de tempo possível dormindo; com a maior naturalidade, exigia dos oficiais de seu estado-maior a mesma disposição para o trabalho. O almirante não estava satisfeito com o atual estado das coisas. Se dependesse de sua vontade, estaria de há muito instalado na nova base construída no Grande Istmo Oceânico. No entanto, planetas conquistados precisavam ser administrados, e esta tarefa exigia uma localização central; não poderia ser feita com eficiência de um distante posto de comando. Rofus constituía sua maior preocupação. Enquanto não o tivesse sob controle, reduziria ainda mais suas horas de sono; principalmente porque não conseguia dormir sossegado sabendo que aquele homenzinho danado continuava a causar perturbação com seu ridículo aviãozinho. Crek-Orn se lançara àquela expedição porque em Topsid havia sido captado o pedido de socorro de uma nave arcônida. Ora, devia existir uma nave no ponto de onde partiam os sinais. E se clamava por socorro, é porque alguém a atacara: gente. E gente sempre interessava aos tópsidas; seria mais um povo a subjugar, fazendo de seu planeta mais um bastião tópsida. Quanto a isso, eram insaciáveis, pois quem ousa se opor ao onipotente


Grande Império, querendo tomar rumo próprio, necessita de bases. Quanto mais, melhor. E estavam no bom caminho para estabelecer mais uma. Pois Crek-Orn calculava que Rofus não resistiria por mais de dez dias aos ataques maciços de sua frota. O adversário estava completamente desmoralizado. Porém não conseguira encontrar o menor vestígio da nave arcônida que emitira os pedidos de socorro. Pior ainda: todos os prisioneiros interrogados garantiram jamais ter ouvido falar do aparecimento de uma nave arcônida por aquelas bandas. Não que Crek-Orn lamentasse a sorte da espaçonave. Pois naves em pane já não tinham utilidade como presa de guerra. Porém fazia questão de esclarecer o fato, o que só poderia ocorrer caso encontrasse a nave. Em conseqüência, além das preocupações administrativas, Crek-Orn vivia num mar de dúvidas e desconfiança. Pessoalmente, gostaria de ver aquela guerra findar o quanto antes. Pelo menos uma vez por dia o almirante repassava na mente todos aqueles fatos. Encerrando o ciclo de cogitações por aquele dia, mandou entrar Verthan, que solicitara audiência. Verthan ocupava um posto mais ou menos correspondente ao de capitão-de-corveta. Comissionado como ajudante-de-ordens de Crek-Orn, sua missão particular era a de organizar um serviço secreto. Cumprimentando com o respeito devido, Verthan aguardou que o chefe lhe dirigisse a palavra. — Então, o que há? — Rebelião na cidade, almirante! — exclamou Verthan, sem conseguir esconder a ansiedade. Os olhos redondos de Crek-Orn dançaram nas órbitas. — Isso mesmo, almirante! Atacaram uma das nossas viaturas, deixando-a emborcada, com os ocupantes mortos. — Que medidas tomou contra os atacantes? — Nenhuma, senhor! — Nenhuma? As escamas de Verthan começaram a vibrar. Sentia-se amedrontado. — Não conseguimos pegá-los! — tentou explicar. — Nenhuma outra viatura se encontrava nas proximidades do local quando ocorreu o ataque. Só quando recebemos o comunicado é que pudemos enviar uma patrulha. Ela encontrou o carro virado e os mortos, e prendeu alguns espectadores. O interrogatório revelou que eles não sabiam de nada; nem sequer tinham presenciado o incidente. Os conspiradores devem ter agido com a rapidez do raio, e da mesma forma tornaram a desaparecer. — Espero que compreenda claramente as implicâncias do acontecimento! — disse Crek-Orn, com voz calma, porém severa. — Já que os atacantes puderam desaparecer sem serem percebidos, não deve ter se tratado de ato espontâneo. O golpe foi planejado. Estou impaciente por ver seu serviço secreto começar a funcionar de uma vez. Espero que não me obrigue a constatar que é incapaz de executar a tarefa. As escamas de Verthan ondularam nervosamente, chegando a produzir um sussurro audível. Via seu posto e seu conceito em perigo. E nada de mais desonroso podia acontecer a um oficial tópsida. — Não, almirante! — respondeu, contrito. — Vou me esforçar mais ainda! — Mantenha-me sempre informado. Verthan retirou-se de costas, prestando continência ao atravessar o umbral da porta. Assim que esta se fechou, Crek-Orn se comunicou com o oficial de ligação. Pediu


maiores detalhes sobre o ataque, marcando local e hora do acontecimento num imenso mapa da cidade, que cobria toda uma parede da sala. Tinham tido o topete de atacar uma bem armada viatura de patrulha a apenas quilômetro e meio do Palácio Vermelho! Crek-Orn perguntava-se de onde aqueles insignificantes seres pelados tinham tirado de repente tanta coragem. *** Aproximadamente no mesmo momento Wuriu Sengu saltava da cabina do pequeno transmissor secreto no trigésimo oitavo pavimento, colocando-se ao lado de Rhodan. Encarou fixamente a parede, como se visse nela alguma coisa; depois deixou o olhar vagar. Aparentava um ar de doido. Os iniciados, no entanto, não precisavam de explicação; sabiam que Wuriu Sengu possuía o dom de penetrar com o olhar através de matéria sólida, à distância que quisesse. Ele necessitou de bastante tempo, mas por fim exclamou: — Avistei-o! Não está longe daqui, só a sete pavimentos abaixo! Rhodan fez um sinal a Ralf Marten. — Confira as impressões de Wuriu. Verifique se é de fato nosso homem! Marten concordou com um gesto. Rhodan virou-se para Marshall, que acabava de emergir do transmissor. — Está em contato com Betty? Sem responder, Marshall estacou, o olhar fixo e ausente. De repente disse: — Sim, ela está se comunicando! — Pergunte-lhe como vão as coisas com Vafal. Não se ouviu o menor som, nem da pergunta de Marshall, nem da resposta de Betty Toufry. — Muito bem — informou Marshall pouco após. — Assaltaram uma viatura de patrulha, matando os ocupantes. Escaparam sem dificuldade. Continuam agindo de acordo com as instruções recebidas. — Ótimo. Diga a Betty que se cuide. Marshall transmitiu o recado. Enquanto isso, Ralf Marten conseguira se apossar do sentido visual e auditivo de Crek-Orn. Mantendo os próprios olhos cerrados, e apertando as mãos contra as orelhas, via com os olhos de Crek-Orn, e ouvia com os seus ouvidos. Presenciou, sem compreender a razão, como Crek-Orn ia para o mapa da cidade na parede, assinalando um ponto nas cercanias do palácio. Ouvir, só ouvia a respiração sibilante de Crek-Orn e o ranger de suas botas sobre o soalho. Mas sabia que se tratava de Crek-Orn. Nunca tinha visto um tópsida com uniforme tão espalhafatoso. — Confirmado! — disse Marten a Rhodan, dando por finda a visita clandestina. — É o próprio! Rhodan acenou para Tako: — Sua vez agora! Sorrindo, Tako empunhou o psicoirradiador pronto para funcionar. — Nada de se arriscar! — avisou Rhodan. — O almirante pode ser ágil, e dar o alarma antes que você tenha tempo de focalizá-lo. Tako afirmou, com voz tranqüila: — Não se preocupe, chefe, terei todo o cuidado.


*** Crek-Orn voltou pensativo para sua mesa. Gostaria de saber... Que ruído seria aquele? Levantando os olhos, viu, parado diante de sua mesa, um homem como nunca lhe aparecera igual. Era aproximadamente da altura de um ferrônio, porém a cor do rosto era estranhamente amarelada, e os olhos pareciam fendas enviesadas. Inclinando-se para a frente, Crek-Orn fitava incrédulo o desconhecido. A mão direita deslisou instintivamente sobre o tampo da mesa, em direção do botão de alarma. De que maneira aquele homenzinho se teria introduzido ali? Viu que trazia uma arma, apontada para seu peito. Num acesso de pânico, procurou alcançar o botão. Mas antes de pressioná-lo, mudou de idéia. Ora, afinal por que temer o estranho? Apesar da pele nua, e de ser evidentemente um ferrônio, até que parecia ser um sujeito simpático. Bastante simpático, para ser franco. Algum peticionário, talvez, que conseguira entrar sorrateiramente na sala de trabalho do almirante. Bem, fosse qual fosse o pedido que lhe faria, seria prontamente concedido. O desconhecido abriu a boca, dizendo palavras que o almirante tinha certeza que não ia compreender. Para sua surpresa, apreendeu o sentido do que o homenzinho de olhos tortos dizia: — Lá em cima, no trigésimo oitavo andar, no corredor da ala leste, está um homem que deseja lhe falar. Mande um guarda buscá-lo. Deve ser bem tratado, é amigo. Crek-Orn não opôs a menor objeção. Seria um prazer mandar trazer o amigo do estranho — ou seu próprio amigo? Não ficara claro de quem ele era amigo. Através do intercom, deu as ordens necessárias. Tako acompanhava com atenção os movimentos do tópsida. Era difícil saber até onde aqueles reptilóides eram influenciados pelo psicoirradiador. Tinham um jogo fisionômico por demais inexpressivo. Os minutos corriam. Por fim, a campainha da porta soou; na tela via-se, ao lado do ordenança, a estatura elevada de Perry Rhodan. Crek-Orn foi abrir a porta e dispensou o ordenança. Rhodan colocou-se diante do almirante, tomando o irradiador das mãos de Tako Kakuta. — Precisamos da sua espaçonave de guerra! — disse, secamente. — Mas naturalmente! — respondeu Crek-Orn, cordato, na sua fala gutural. Rhodan não entendia o idioma tópsida, porém o aceno de cabeça do almirante era suficientemente explícito. — Vou lhe dar algumas instruções — continuou Rhodan — a fim de que a transferência da nave se processe sem atritos. — Pois não! — disse Crek-Orn, em ferrônio. — Diga! — Providencie a evacuação da nave. Justifique a ordem, dizendo que ela sofrerá uma revisão completa. — Impossível! — exclamou Crek-Orn, enfaticamente. Apanhando uma lâmina metálica, começou a desenhar. Traçou uma grande esfera, uma porção de aparelhos e de tópsidas, todos atarefados com a nave. Depois rabiscou no céu imaginário um sol, indicando com o estilete que ele girava repetidamente em sentido inverso ao dos ponteiros do relógio. — Oh! — exclamou Tako. — Ela foi revisada há apenas alguns dias. — Raios! — praguejou Rhodan. Era raríssimo ouvi-lo praguejar, mas bem que a situação presente o justificava. Mesmo com o psicoirradiador não podia dar ordens absurdas. E seria impraticável


colocar toda a frota tópsida sob influência hipnótica. Além disso, alguém suspeitaria forçosamente daquela revisão inesperada e repetida, em espaço tão curto, justamente da maior nave da frota. — Tem recebido reforços de Topsid nos últimos dias? — perguntou Rhodan. Crek-Orn confirmou o fato. — E armas? — Também. — Mande levar a nave para as docas, na orla do espaçoporto, dizendo que pretende instalar nela um novo tipo de armamento. Entendido? — Sim, meu amigo. Rhodan sentou-se diante de Crek-Orn. — Vamos aos detalhes — disse ele. — A ordem para o desembarque da tripulação deve ser dada imediatamente. Não aceite argumentos em contrário. Voltando-se para a planta da cidade, na qual aparecia ainda o extremo norte do espaçoporto, com as três docas, ordenou: — A nave deve ser levada para a doca central, está bem? Crek-Orn anuiu. — Quero que esteja lá dentro de cinco horas. — Certo. Rhodan curvou-se sobre a mesa. — Vamos nos retirar agora. Assim que sairmos, esquecerá nossa visita. Não esqueça, porém, que deseja instalar novas armas na nave. A tarefa será mais simples sem os tripulantes a bordo. Espero que estejamos de acordo. — Mas é evidente! — respondeu Crek-Orn, visivelmente satisfeito por ter compreendido tudo tão bem. — Mande o ordenança me levar de volta! — disse Rhodan. Crek-Orn convocou o guarda, e Rhodan retirou-se com ele. Tako apossou-se do irradiador e esperou que Crek-Orn desse a ordem de evacuar a nave e conduzi-la à doca. Depois desapareceu. Passando a mão pela testa, Creck-Orn perguntou-se: — Gostaria de saber de onde tiraram coragem para atacar uma viatura de patrulha tão perto do palácio! *** — Tudo em ordem!—disse Rhodan. — E Vafal? — Junto com o pessoal de Gloctor, ateou fogo ao edifício de onde surrupiamos nosso transmissor. Um dos ferrônios perdeu a vida nisso. Betty informa que na cidade a confusão começa a se generalizar. — Ótimo! — comentou Rhodan. — Retirada! *** Pela primeira vez em sua vida, Tequer-On questionou a sanidade mental de um superior; e agora duvidava do almirante em pessoa. “Mas a nave passou por revisão na semana passada”, refletia. “Será que não sabiam, então, que estavam para chegar novas armas? E justamente em vésperas de uma ofensiva geral a tripulação recebe ordem para desembarcar?” Sem ousar dirigir-se ao próprio


almirante, comunicou-se com o oficial de ligação do Palácio Vermelho. Este não sabia de nada. — Quando foi que recebeu a ordem? — indagou. — Há alguns minutos — respondeu Tequer-On. — Meus homens estão arrumando a bagagem. O oficial de ligação denotava claramente sua indecisão na imagem vista na tela. Seu posto era equivalente ao de Tequer-On. — Posso averiguar para você — ofereceu. — A ordem veio do almirante em pessoa? — Exato — replicou Tequer-On, soturnamente. — Até parece que ele não anda regulando bem. — Espero que não ouse duvidar da capacidade intelectual de nosso almirante! — observou o oficial, em tom de reprovação. — Mas claro que não! — apressou-se a exclamar Tequer-On. — Mesmo assim, eu lhe ficaria grato por uma confirmação. — Chamo daqui a pouco. Agradecendo, Tequer-On desligou e voltou às suas reflexões. Era um oficial relativamente jovem, e fora encarregado do comando da maior nave da frota por indicação direta do déspota, em vista de sua inteligência e valentia. Pareceu-lhe viável a hipótese de uma possível traição; mas de onde teria partido? Vai ver que alguém lhe transmitira aquela ordem absurda sob a máscara da identidade do almirante... Confuso, achou que a melhor saída seria dar um pulo à cidade e falar pessoalmente com o almirante Crek-Orn. Mas primeiro aguardaria a resposta do oficial de ligação. Esta não tardou: — A ordem é válida. Você deve abandonar a nave, assim como toda a tripulação. Ela será conduzida à doca norte, a fim de ser equipada com novas armas. — Está bem! — disse Tequer-On, conformado. — O almirante deve saber o que faz... Desligou, porém continuava convencido que era uma ordem sem sentido. Era duro tomar a decisão de ir se apresentar ao almirante, mas não lhe restava outro recurso. Passou o comando ao primeiro-oficial, tomou um planador, e voou para a cidade. *** O transmissor no subsolo da hospedaria de Tiamér funcionava a todo vapor. Perry Rhodan cuidava dos últimos preparativos para a tomada da nave. Por enquanto, a maneira mais segura de se comunicar, quer com o forte do deserto sob a Cordilheira das Cobras, quer com os demais conspiradores em Sic-Horum, era a mensagem escrita. Rhodan determinou a Crest e a Thora: — Vou lhes enviar todo o nosso contingente de Sic-Horum. Quero que lhe ministrem treinamento-relâmpago no manejo de uma superespaçonave arcônida do tamanho da que teremos em mãos em futuro próximo. Separem igualmente entre os robôs especializados os que possam ser utilizados como auxiliares de navegação. E se apressem! Não pode haver atraso! O grupo em Sic-Horum recebeu instruções equivalentes. Meia hora depois de receber a mensagem, estavam novamente em Rofus, permitindo que os dois arcônidas lhes ajustassem aos crânios os eletrodos do aparelho de hipnopedia. Reginald Bell era o único a enxergar através da máscara confidente de Rhodan; sabia muito bem que o aparente otimismo escondia profunda preocupação. Sabia tão bem quanto o amigo das dificuldades inerentes ao manejo duma supernave como a que se encontrava


pousada no espaçoporto. — Apenas para confirmar, chefe — disse pensativo, com as mãos cruzadas nas costas — quantos tripulantes são necessários para que uma nave dessas possa funcionar integralmente? — Trezentos — respondeu Rhodan, laconicamente. — E contamos com quarenta e sete... — murmurou Bell. — Pode aumentar a conta — disse Rhodan, sacudindo a cabeça. — Temos os robôs especializados, que podem assumir a função de tripulantes. Mesmo assim, não serão ao todo mais do que setenta. Sei onde quer chegar! Balançando na ponta dos pés, Bell não desgrudava os olhos do chão. — Pois é... E como pensa se arranjar? — Bem, os postos de combate não vão poder ser guarnecidos. Um deles, talvez, no máximo. E não poderemos perder tempo repelindo atacantes. A estratégia se resumirá forçosamente a fugir o mais depressa possível, até encontrar abrigo num lugar seguro. — Vai ser apertado, não é? — Parece que sim. Mas nós todos sabíamos de antemão que o golpe ia requerer mais sorte do que destreza. A porta foi aberta com um empurrão, e Teél se precipitou para dentro. Seu rosto irradiava alegria; Rhodan ainda não tivera oportunidade de ver ferrônio algum tão radiante. — A nave já está na doca! — gritou Teél. — Não ficou vivalma a bordo! *** Tequer-On procedeu ainda a algumas investigações preliminares antes de solicitar audiência ao almirante. Um dos indícios lhe pareceu significativo: na última remessa procedente de Topsid constava de fato grande quantidade de armamento, porém nenhum que a nave de guerra ainda não possuísse a bordo. Só se tivessem enviado alguma arma secreta, não registrada pelo almoxarifado; porém julgava essa hipótese improvável. Suas suspeitas cresceram. Apresentou-se no gabinete do almirante com as escamas vibrando nervosamente, sendo admitido após curta espera. Apesar de escolher cuidadosamente as palavras, e abordar o assunto com mil rodeios, não conseguiu evitar que Crek-Orn se encolerizasse. Mais algumas frases, e seria deposto do comando. No entanto, suas palavras não ficaram sem efeito. Crek-Orn começou a ficar pensativo. Mandou buscar as relações do material recebido, até as mais sigilosas, acessíveis apenas a ele próprio e a um ou outro oficial de segurança. De fato, não chegara a Ferrol arma alguma de que a nave arcônida não dispusesse desde o início. O almirante afundou em cogitações. — Mas como é que fui dar uma ordem dessas? *** Rhodan estava bastante certo de que nem Gloctor, ou Teél e Vafal faziam questão de embarcar com ele na nave. E nem pretendia iniciar ferrônio algum nos segredos de uma nave de guerra arcônida. No entanto, conseguiu convencer os três homens a lhe ceder todos os elementos dispensáveis na próxima incursão ao Palácio Vermelho, a fim de lhe servirem de escolta na corrida para o espaçoporto.


Não lhe escapou o fato de que começava a se disseminar um clima de inquietude, principalmente entre os homens de Vafal. Como este tivesse aludido por mais de uma vez à sua dúvida quanto ao êxito do empreendimento, era provável que influenciara igualmente seu grupo. Rhodan chamou Vafal de lado, apelando para sua consciência. — Concordo, aparentemente somos os únicos a beneficiar-se desta operação. Pense, porém, numa coisa: com a passagem da nave às nossas mãos, os tópsidas serão privados da maior parte de seu poder ofensivo. E não nos considere ingratos! Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para expulsar os tópsidas deste sistema planetário! Rhodan não sabia se tinha convencido Vafal, porém lhe faltava tempo para continuar insistindo. Gloctor foi mais compreensivo. — Aguarde junto à doca — ordenou-lhe Rhodan. — Caso algo saia errado, aviso pelo rádio. Teél concordou em provocar com sua gente uma série de incidentes que colocassem em polvorosa a cidade, e, sobretudo, os tópsidas. Tiamér juntou-se a Gloctor. Representava o homem-chave, pois era o único a dispor duma viatura na qual poderiam levar o transmissor, e sem este de nada valeria a Rhodan a nave conquistada. Rhodan conservou consigo Bell, Wuriu Sengu e Tako Kakuta. Marshall, Marten e Betty Toufry foram considerados dispensáveis; sobretudo porque ele fazia questão de saber Betty entre pessoas de confiança por ocasião da marcha para as docas. Rhodan esperou que a hospedaria de Tiamér ficasse deserta. Combinara com Gloctor que devia estar em seu posto nas docas o mais tardar até as dezoito horas, acompanhado de todo o seu grupo. Eram agora doze e quarenta. Não havia sentido em precipitar os acontecimentos. Qualquer movimento prematuro seria perigoso. Reginald Bell disse, pensativo: — Quem me dera já estar algumas horas mais velho! Porém Rhodan atalhou, secamente: — Calma, rapaz! Com essa impaciência pode acabar no cemitério mais cedo do que pensa! Olhou para a rua, através da janela. Nada indicava que um punhado de gente se dispunha a executar nas próximas horas o mais arrojado golpe daquela guerra. Consultou o relógio. Mais meia hora... *** — Mande retirar a ordem! — exclamou Crek-Orn, confuso. — Isto é... eu mesmo vou revogá-la. Você tem razão: é totalmente absurda. Bem que eu gostaria de saber o que me levou a dá-la, para começar! Mas para Tequer-On o caso ainda não estava encerrado. Faltava descobrir o inimigo oculto. Caso escapasse desta vez, atacaria numa segunda e numa terceira oportunidade. Diante da habilidade demonstrada, facilmente obteria êxito em futuras maquinações. No entanto, achou desaconselhável expor suas dúvidas ao almirante. Havia outras maneiras de resolver o problema. ***


— Tática idêntica à usada anteriormente — avisou Rhodan, muito sério. — Tako, apanhe o irradiador, e providencie para que o almirante mande nos buscar. Encontravam-se na praça fronteira ao Palácio Vermelho. Não perto bastante para atrair a atenção das sentinelas, nem tão longe que Tako não pudesse vencer a distância num único salto teleportado. — Vá! — ordenou Rhodan. Tako sumiu instantaneamente. Tudo decorreu como da primeira vez. Tequer-On acabara de sair do gabinete do almirante, o qual ficou imaginando o que o levara a dar uma ordem tão estapafúrdia. Crek-Orn sobressaltou-se ao ver de repente surgir do nada o diminuto japonês. Tentou fazer soar o alarma, porém Tako acionou o irradiador, e instantaneamente o almirante sentiu renascer a mesma inexplicável cordialidade já experimentada na ocasião anterior. Tako lhe deu ordem de mandar buscar Rhodan, Sengu e Bell; o almirante convocou sem tardança um soldado. Este atravessou com passo marcial a ampla praça diante da residência do Thort, prestou continência diante de Rhodan e de seus acompanhantes, falando algumas palavras que nenhum deles compreendeu. A seguir fez meia-volta, marchando de volta para o palácio. Rhodan e os companheiros o imitaram. Por motivos que nem ele próprio saberia definir, Rhodan não se sentia muito confiante desta vez. Disse a si mesmo que eram coisas da inteligência humana, naturalmente avessa a acreditar em excesso de sorte, mas nem assim suas dúvidas se desvaneceram. Os corredores do palácio estavam bastante movimentados. Grande número de tópsidas, uns fardados, outros à paisana, circulavam atarefados de um lado para outro. Ninguém lhes prestou a menor atenção. Subiram num elevador elaboradamente ornamentado, e no corredor do trigésimo primeiro andar Rhodan deparou pela primeira vez com um tópsida que lhes dispensou atenção; e uma atenção por demais insistente. — Olhe bem para aquela lagartixa! — cochichou para Bell. Bell voltou-se discretamente. — Certo. Por quê? — Está interessada demais em nós. Guarde bem a fisionomia, sim? — Pode deixar comigo! *** Tequer-On não saberia explicar por que suspeitara dos estranhos à primeira vista. Porque um deles era de estatura alta, talvez, muito mais alto do que a média das pessoas daquele mundo. Sentiu-se intrigado ao ver o trio entrar com o soldado na ante-sala de Crek-Orn. Aguardou a volta do ordenança, e interrogou-o. A resposta não foi nada esclarecedora, e Tequer-On decidiu esperar. Estava curioso por decifrar aquele mistério. *** — Vai nos acompanhar! — disse Rhodan. — Chame uma viatura e venha conosco aos estaleiros, no espaçoporto. Crek-Orn não fez objeção. Claro, seria agradável sair daquela sala por alguns minutos. — Mande a viatura se apressar! — insistiu Rhodan.


Crek-Orn manteve um breve diálogo no intercom; depois levantou-se, dizendo: — Podemos ir. Rhodan não entendeu as palavras, porém o gesto era óbvio. — Um instante, apenas! — disse. Comunicou-se com Gloctor. — Como vão as coisas? — Tudo em ordem. — Ótimo. Vamos sair agora. Fez um gesto na direção de Crek-Orn, que tomou a dianteira. Atravessando a ante-sala, passaram ao corredor. Rhodan seguia o almirante de perto, segurando o psicoirradiador de tal maneira que dificilmente seria percebido. A primeira pessoa que encontraram era justamente o homem para o qual chamara a atenção de Bell há alguns minutos. Estava em companhia dum grupo de oficiais uniformizados, parados à esquerda do corredor. Tequer-On fitou o almirante com intensa surpresa. Crek-Orn avistara-o igualmente; deteve-se instintivamente, por uma fração de segundo, e o tópsida aproveitou o momento para barrar o caminho de seu comandante. Até Rhodan, que não sabia interpretar os gestos nem o jogo fisionômico daqueles lagartídeos, percebeu a flagrante atitude de subserviência. — Perdão, almirante — murmurou Tequer-On. — Permita-me uma pergunta, por favor! Crek-Orn fitou seu subordinado com indignação. Rhodan não o instigou a prosseguir, receando despertar suspeitas. Raios, se ao menos pudesse compreender o que diziam! — Fale! — acabou por resmungar o almirante. — Senhor, esses desconhecidos têm algo a ver com a minha nave? — Não vejo razão para discutir os propósitos de meus visitantes! — replicou CrekOrn, com superioridade. Tequer-On inclinou-se para a frente: — Por favor, almirante, responda-me! Talvez não saiba... — Basta! — berrou Crek-Orn, irritado. — Guardas, prendam este homem e joguem-no no cárcere! Dois soldados vieram correndo, e tentaram segurar Tequer-On. Mas, vendo a jogada perdida, o capitão reagiu com violência. — Vamos andando? — murmurou Rhodan. Crek-Orn retomou a caminhada. Seguia com passos rígidos, como um autômato. Rhodan amaldiçoava sua posição desfavorável, que o obrigava a seguir o almirante tão de perto, limitando a este a ação do irradiador. Seria brincadeira influenciar igualmente o jovem oficial com ele, porém neste caso seria obrigado a liberar o almirante por alguns momentos. Ouvia os silvos e chiados de indignação do aprisionado às suas costas, sem entender o significado das palavras. Porém Bell, virando-se, viu Tequer-On apontar para o irradiador. — Acelerem, gente! Ele descobriu o irradiador! Crek-Orn era um homem idoso, e não podiam fazê-lo percorrer o corredor a passo acelerado sem causar estranheza. Rhodan transpirava. O espaço de tempo necessário para chegar aos elevadores lhe pareceu intoleravelmente longo, e a curta viagem até o pavimento térreo constituiu verdadeira agonia. A viatura já aguardava. Quando embarcaram nela, arrancando a toda a velocidade, o perigo maior parecia ter ficado para trás. ***


— Não perceberam que ele estava sob ameaça? — arquejou Tequer-On. — Puxa, como vocês são imbecis! Ele vai entregar minha nave, a maior de nossa frota, só porque é forçado a fazê-lo! Os guardas hesitaram. — Soltem-me de uma vez! — berrou Tequer-On. — Larguem-me e tratem de tomar providências! Façam alguma coisa! Mandem levar a nave para outro lugar! Suas vociferações acabaram convencendo os guardas. Afastaram-se correndo, para executar as ordens recebidas. Afinal, também tinham visto a arma apontada pelo estranho para as costas do almirante. Em breve, o alarma fora dado em toda a área do espaçoporto. *** — Tem algo errado aí! — resmungou Ralf Marten. — Não estou gostando disso. Diante deles via-se o vasto complexo do estaleiro norte, um agloramerado de hangares, estandes de provas e docas secas para reparo das naves. Ainda há poucos momentos atrás desenrolava-se por ali a atividade modorrenta de um estaleiro cuja única tarefa era tomar conta da nave gigante. Porém de repente a área foi invadida por inúmeros soldados tópsidas, fortemente armados, que cercaram por todos os lados o enorme globo. Gloctor observava atentamente os acontecimentos. — Avise Rhodan! — recomendou Marten. O aviso foi feito sem demora. Gloctor acenou afirmativamente com a cabeça ao receber a resposta. Desligando, disse a Marten: — Ele nos mandou provocar agitação. Disse que estará aqui dentro de poucos minutos. — E Teél, o que faz? Gloctor recorreu novamente ao rádio. — Encontra-se nos arredores do espaçoporto, meio longe daqui. Só sentiremos os efeitos de sua atuação meia hora depois que ele começar a agir. — E Vafal? Nova comunicação. Ou seja, uma comunicação não completada. Vafal não respondia. — Patife! — resmungou Marten. — Caiu fora! De pé ao seu lado, a pequena Betty escutava tudo que diziam. Marten viu que ela fitava intensamente um dos estandes de prova, com um leve sorriso nos lábios. — Betty, o que... ? Antes de terminar a pergunta, percebeu o que ela fazia. O estande de provas, que não passava de uma armação de suportes metálicos arqueados por cima de uma plataforma móvel, começava a oscilar. O sorriso de Betty desapareceu; seu rosto se contraiu como se estivesse realizando violento esforço. Os suportes estalaram; um deles desprendeu-se das juntas soldadas, projetando-se com estrépito ao solo. Os soldados tópsidas desfizeram as fileiras. Em grupos, se aglomeraram diante do estande de provas, olhando espantados a viga caída. Betty descontraiu-se com um suspiro. Riu maliciosamente. — Espero que o senhor Rhodan não demore a chegar... — murmurou em voz baixa. *** Tequer-On dirigia a ação de dentro do Palácio Vermelho. Não julgou prudente ir até o espaçoporto; talvez tudo já tivesse acabado antes que chegasse lá. A princípio, tudo pareceu correr bem. Mas depois uma trave metálica se desprendera dos suportes num dos estandes


de prova, quase atingindo mortalmente alguns dos soldados. Logo após, um dos hangares desmoronara sem causa visível. Um oficial fora jogado brutalmente contra uma pilastra por mão invisível, perdendo os sentidos. A área do estaleiro não era muito ampla, e a notícia das estranhas ocorrências se espalhou logo, provocando inquietação entre os soldados. O próprio Tequer-On espantou-se diante dos aterrorizantes recursos de que o inimigo dispunha. No entanto, nem pensava em desistir. Convocou dois batalhões de infantaria para reforçar os efetivos destacados para as docas. *** — Pois bem, ao ataque! — disse Rhodan. — Tako, faça o que puder! Rhodan daria uma fortuna para ter consigo agora Ras Tshubai, pois numa situação daquelas um só teleportador vale por meio exército. E Tako talvez não conseguisse dar conta do recado sozinho. Era uma procissão estranha a que se dirigia agora para a nave. Na ponta seguiam CrekOrn e Perry Rhodan, que não desviava o psicoirradiador das costas do almirante; a seguir vinham Gloctor e seus homens; os flancos eram formados pela gente de Rhodan, e na retaguarda vinha Tiamér com seu caminhão de carga, que levava o transmissor. *** Tequer-On expediu a seguinte ordem: — Ninguém deve obedecer às ordens do almirante. É óbvio que ele se encontra sob o domínio do estranho, e não pode ser responsabilizado por seus atos. O comunicado despertou surpresa em todos os setores; no entanto, foi decidido que as ordens de Tequer-On seriam acatadas. Afinal, tratava-se de um oficial superior, que, além disso, comandava a maior nave da frota tópsida. *** Quando atingiram o limite do espaçoporto, quase junto às docas, foram detidos. CrekOrn reclamou em altos brados da atitude dos guardas, porém estes evidentemente não davam a menor importância aos protestos do almirante. Estudando a situação, Rhodan viu que se defrontava apenas com um oficial e dois soldados. O resto da tropa começava a se reorganizar, já refeita da comoção dos últimos minutos, ocupando as posições indicadas junto à nave de guerra. Bell estava alerta. A um sinal de Rhodan, liquidou o oficial e seus acompanhantes. — Acelerar o passo! — ordenou Rhodan. Deixando o almirante onde estava, correram. A intenção era levar Crek-Orn como prisioneiro de guerra, porém, dadas as circunstâncias, a mobilidade valia muito mais do que o maior figurão que pudessem capturar. Tako desapareceu. Do lado oposto da nave houve tremenda balbúrdia. Sem o menor aviso, surgiu no ar um homem de aparência indescritível, atirando feito doido a torto e a direito. Em alguns segundos, colocou metade da companhia fora de combate, sumindo sem que alguém chegasse a esboçar a menor reação. Cercada por seus anjos de guarda, Betty não obstante ajudava a aumentar a confusão. Armas caíam das mãos dos portadores e saíam voando; uniformes eram rasgados misteriosamente; tiros partiam sem que ninguém apertasse o gatilho. O pânico dominou os


soldados. Atirando furiosamente a esmo, foram se recolhendo por trás da nave, enquanto Rhodan avançava para ela com seus homens, abandonando a cobertura dos hangares. Tako reapareceu de repente. — Para a nave! — arquejou Rhodan. — Procure encontrar um posto de combate que saiba manejar! Alcançaram a nave bem a tempo. Do sul, pela pista do espaçoporto lisa e brilhante como um espelho, aproximava-se uma fila de viaturas militares; e era pouco provável que viessem com intenções amistosas. A última tentativa de resistência dos soldados foi anulada quando um dos oficiais, sob a ação do psicoirradiador lhes berrou: — Tratem de se raspar daqui o mais depressa possível, entenderam? Era, textualmente, o comando hipnótico que Rhodan lhe transmitira. A linha de soldados recuou, perseguida pelo fogo cerrado dos homens de Rhodan, agora organizados. Parou apenas a algumas centenas de metros mais adiante, detida pela coluna motorizada que vinha em seu auxílio. Rhodan valeu-se da pausa. — Para a escotilha de entrada, rápido! — gritou para seu grupo. Confiando em que obedeceriam sem discutir à ordem dada, correu para junto de Tiamér e de seu caminhão. Gloctor ajudou a descer o transmissor. A escotilha da nave estava aberta, e não havia mais sinal do pessoal de Rhodan. Erguer o transmissor até a escotilha e empurrá-lo para dentro requereu violento esforço por parte dos dois homens. Terminada a tarefa, ambos suspiraram. — Não quer mesmo vir conosco? — perguntou Rhodan. Gloctor sacudiu a cabeça. — Não teria sentido. Vou é aproveitar a oportunidade para me safar discretamente com minha gente. Pois esses caras ali — continuou, apontando para a coluna motorizada que se aproximava — vão estar ocupados demais em tentar impedir sua decolagem para olhar para o nosso lado. — Obrigado por tudo! — disse Rhodan, estendendo a mão. Gloctor apertou-a, porém protestou: — Nós é que ficamos lhe devendo gratidão! Rhodan alçou-se pela abertura da escotilha. Com um olhar de despedida para Gloctor, acionou o mecanismo de fechamento, e foi se juntar aos seus homens. A situação era verdadeiramente peculiar. Tinham conseguido subir a bordo da nave, na verdade; porém junto com eles devia ter embarcado sem a menor dúvida um grupo de tópsidas. Coisa de Tequer-On, quando se apercebera do que ocorria. Por via das dúvidas, mandara uma patrulha para vigiar e defender a valiosa espaçonave. Bem, a questão agora era decidir a quem caberia a posse da gigantesca esfera. Rhodan confiava em que ele próprio e Bell, imbuídos dos conhecimentos arcônidas adquiridos através da hipno-aprendizagem, saberiam tirar maior proveito dos recursos disponíveis a bordo do que um bando de tópsidas escolhidos apressadamente ao acaso. Além disso, contava com seus mutantes, e cada um deles valia pelo menos por dez tópsidas. No entanto, a parada ainda estava para ser decidida. E evidentemente os dois batalhões de reforço enviados por Tequer-On fariam sua parte para tentar fazer a balança se inclinar a favor dos tópsidas. Portanto, Rhodan procurou chegar o mais depressa possível à cabina de comando.


V Encontrou seus homens no corredor que ligava a escotilha de entrada ao interior da nave. Estavam parados diante do vão dos elevadores antigravitacionais. Quando Wuriu Sengu avistou Rhodan, ergueu a mão. — Cuidado! — cochichou. — Há pelo menos cem tópsidas a bordo. — Onde? Sengu indicou diversos pontos acima de sua cabeça. — E na cabina de comando? — Apenas dois homens. — Sabe de Tako? — Sim — disse Sengu, pressuroso. — Encontra-se diante da porta blindada de um posto de combate. Este está ocupado por cinco tópsidas. Rhodan lançou um olhar em torno. — Está bem, vamos subir! Usaram o elevador sem contratempos. Sengu ia relatando os movimentos de Tako. Este saltara para o interior do posto de combate, liquidando os cinco ocupantes antes que se refizessem da inesperada surpresa provocada por sua intempestiva aparição. Rhodan deu um suspiro de satisfação. Por meio do rádio, mandou Tako abrir fogo contra a coluna motorizada assim que esta chegasse a menos de quinhentos metros da nave. Apossar-se da cabina de comando foi coisa de minutos. Os dois tópsidas de guarda tinham julgado desnecessário trancar a porta blindada. Rhodan abriu-a com um empurrão, rendendo os dois homens com sua arma, enquanto Bell os amarrava. A seguir Rhodan procedeu a uma rápida inspeção dos painéis de controle existentes na cabina; até então só os conhecia na teoria. Pareceu-lhe que não encontraria grande dificuldade em manejar a nave, fazendo dela o uso mais vantajoso, em seu próprio benefício e no de seu pessoal. Sorriu divertido ao reconhecer o equipamento que lhe facilitaria a tarefa de se livrar dos soldados inimigos. O comandante de qualquer nave tópsida tinha à disposição um sistema de climatização abastecido com CO2; em alguns segundos, ele podia ser canalizado para qualquer das dependências; o gás irrespirável atordoava completamente os ocupantes. Rhodan desistiu de verificar, com a ajuda do telecom, quais as peças ocupadas por tópsidas; pois mesmo ligado numa só das vias, o aparelho emitia sempre um leve zumbido. E numa situação como aquele não seria nada prudente alertar prematuramente o adversário. Wuriu Sengu apontou as dependências ocupadas. Acionando os controles apropriados no painel central de comando, Rhodan trancou as comportas de vedação; fechou igualmente as escotilhas externas da nave, e ligou o climatizador. Sengu levou poucos minutos para afirmar que já não havia mais tópsida algum em condições de reagir. Ao mesmo tempo, Tako comunicava: — Fui forçado a desintegrar cerca de metade das viaturas, por estarem se aproximando demais. O resto parece desorientado, sem saber o que fazer. A batalha pela posse da nave parecia ter sido ganha. Rhodan enviou alguns homens para baixo, a fim de trazer o transmissor. Já era tempo de pensar em trazer Crest, Thora e os restantes membros da tripulação para bordo. ***


Tequer-On desperdiçou momentos preciosos debatendo consigo mesmo se tinha autoridade suficiente para expedir a ordem mais dura e difícil. Comunicou-se nervosamente com a nova base no Grande Istmo Oceânico. Demorou algum tempo antes que o pessoal de lá compreendesse o que queria. Tequer-On viu-se obrigado a gastar mais alguns minutos para provar que de forma alguma tinha perdido o juízo. — O inimigo apossou-se da nave! — berrou descontrolado no microfone. — Segundo me informaram, eliminaram nossos guardas! A nave está perdida para nós, metam isso nas suas cabeças duras de uma vez! Despachem, portanto, um esquadrão de bombardeiros leves, para começar, equipado com bombas táticas; digam aos pilotos que a nave deve ser destruída a qualquer preço! E, se esse ataque falhar, o inimigo precisa ser interceptado no espaço cósmico após a decolagem. Mandem subir três esquadrilhas de destróieres, que deverão circular numa órbita distante em torno do planeta. E notem bem: o inimigo não pode escapar com a nave! Senão a guerra acabou para nós, e o déspota se encarregará de nos fazer sofrer o resto da vida, ocupando o mais ínfimo posto na hierarquia militar! Estamos entendidos? *** O transmissor estava instalado, com a freqüência ajustada à da estação no forte do deserto. Rhodan deu ordem para iniciar o embarque do pessoal, e virou a chave para recepção. Tinha plena consciência de que poderia gastar poucos minutos no processo, a fim de não acarretar riscos desnecessários à nave. Os robôs especializados foram os primeiros a chegar. Seguiram-se os mutantes. Com os robôs, a tripulação somava agora setenta e dois homens. Rhodan determinou a ocupação das posições essenciais; conseguiu poupar dois homens para o manejo de um dos superdesintegradores. Desta maneira, a nave poderia se defender ao menos por um dos lados. Com a mão sobre o trinco da grade de proteção, Rhodan esperava por Crest e Thora, que haviam ficado por último, a fim de supervisionar até o último instante a remessa do pessoal. A expressão facial de Crest era indescritível. Lembrava a de um menino conduzido inesperadamente para um país de conto de fadas, cuja existência ele próprio procurava desmentir assiduamente. Thora pelo contrário, exibia o sorriso irônico que Rhodan esperara de antemão ver em seus lábios. — Alegra-me constatar que mais uma vez conseguiu realizar o impossível! — disse ela. No mesmo instante, Marten anunciava: — O detector registra mísseis no quadrante 0-1-8! Com um sobressalto, Rhodan ordenou: — Desligar o transmissor! Uma voz respondeu: — Transmissor desligado. Com um estalo seco, o trinco da grade protetora engatou firmemente no lugar. Pelas telas passou fugazmente uma sombra opaca; a seguir elas voltaram ao normal. — A postos para a decolagem! — disse Rhodan, com firmeza. — Partida em vinte segundos! — Qual é o nosso rumo? — perguntou Thora, depois que o colosso se alçou do chão,


projetando-se no céu azul de Ferrol. — Rofus! — respondeu Rhodan, laconicamente. — Que mais? Os olhos de Thora se arregalaram. — Rofus? Você está doido! Rhodan não se alterou. — Será que é incapaz de imaginar o que os tópsidas farão a seguir? Teremos que romper caminho por entre algumas esquadrilhas inimigas, de tocaia aí fora em alguma órbita distante. Feito isso, até o mais ingênuo oficial tópsida compreenderá a necessidade urgente de tomar providências imediatas, caso ainda pense em vencer esta guerra. — E daí? — indagou Thora, sem compreender onde Rhodan queria chegar. — Na certa irão atacar Rofus, a fim de terminar com a guerra antes que tenhamos tempo de entrar em ação com nossa nave. E você pretende voar justamente para Rofus? Rhodan encarou-a com ar severo. — Não sei que diferença lhe faria ver todo um mundo sucumbir diante de seus olhos — disse, em voz baixa, porém incisiva. — Pois para mim faz diferença; tanta que vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para amparar os habitantes de Rofus. Thora aprontou uma réplica cáustica, porém silenciou diante da expressão pétrea de Rhodan. Crest, que observava ambos, tinha a face pensativa. — O detector! — gritou Marten, novamente. — Quinze objetos de porte médio em frente! — Distância? — Cento e trinta mil! — Aprontar nave para hipersalto! As luzes de controle se acenderam instantaneamente. Tudo pronto para o salto. — Atenção! — exclamou Marten. — Estamos sendo alvejados! — Saltar!... As telas se apagaram, recobrindo-se de sombras cinzentas opacas, depois voltaram a clarear. O cenário mudara. A estrela que aparecia agora por baixo da nave, cinza-azulada e encoberta por nuvens, era Rofus. Ferrol brilhava como um ponto luminoso no canto esquerdo da tela de estibordo. Crest tinha a testa coberta de suor. — Arcônida algum teria ousado, em hipótese alguma, realizar manobra tão arrojada em espaço tão restrito! — Deu certo, não foi? Além disso, gostaria que compreendesse que não tínhamos outra saída. Ou pretendia enfrentar uma frota inteira com um único desintegrador? Dirigindo-se aos tripulantes, ordenou: — Aterrissar! Desçam sobre o forte. Durante o tempo restante, manteve um rápido diálogo com o Thort. Descreveu a situação, pedindo que ele se encaminhasse, pelos meios mais rápidos, para o forte. No entanto, sua própria confiança vacilava; não tinha assim tanta certeza de poder escapar à detecção tópsida; eles seriam capazes de dar com sua pista mesmo após a realização do hipersalto. Mas também havia a possibilidade de que o inimigo não descobrisse o paradeiro do colosso seqüestrado. Neste caso, teriam uma desagradável surpresa por ocasião do inevitável confronto que se daria, o mais tardar, no dia seguinte. No entanto, Rhodan tinha em mãos um trunfo de inestimável valor. Como não podia fazer funcionar nem metade de seus canhões, um bom susto pregado no adversário equivalia a uma porção de tripulantes a mais. ***


Tequer-On recebeu as más notícias sem a menor reação. Reunira em torno de si todo o estado-maior da guarnição de Thorta, e lhe pareceu apropriado conservar a máscara de otimismo; pelo menos enquanto existia um mínimo de razão para ter esperança. — Nosso próximo passo é óbvio — disse, gravemente. — O inimigo evadiu-se com nossa nave mais valiosa. Não sabemos para onde foi. É provável que tenha deixado este sistema planetário o mais depressa possível. Mesmo neste caso, parece-me aconselhável desfechar o ataque final contra Rofus. Temos que findar esta guerra o quanto antes! A medida se torna ainda mais urgente no caso de a nave de guerra ainda continuar neste sistema. Pois o adversário poderia nos infringir sérios danos com ela. Logo, precisamos destruir suas bases e esconderijos antes que tenha tempo de se familiarizar com o uso da nave de guerra. Erguendo-se, Tequer-On concluiu: — Avisem suas unidades para estarem prontas para decolar dentro de três horas! *** Mesmo a imensa entrada para a pista de aterragem do forte era exígua demais para a massa gigantesca da nave de guerra arcônida. Rhodan fê-la pousar num vale acima do desfiladeiro, ajustando o transmissor na freqüência adequada para uso do Thort. O homem que chegou pouco após era bem diferente do que Rhodan guardava na memória. A altiva autoconfiança, exibida até na ocasião em que fora obrigado a fugir precipitadamente de Ferrol, desaparecera. Nem o quadro da nave capturada teve o efeito de alegrá-lo; apenas um débil sorriso. Trazia uma comitiva reduzida, conforme convinha a um Thort vencido. Rhodan descreveu, em palavras breves e incisivas, a situação. — Calculo que os tópsidas atacarão dentro de vinte ou trinta horas. Duvido que cheguem antes disso, mas, de qualquer maneira, ficaremos atentos. Lançarão contra Rofus todo o seu poder ofensivo, pois é chegado o momento da decisão, quer queiram, quer não. Sem dúvida, é vantajoso para nós termos forçado o inimigo a agir. Não prometo aniquilar a frota tópsida num só golpe, mas posso lhes causar perdas significativas. Eles vão precisar de bastante tempo para se refazerem desta derrota. O que nos dará tempo de regressar à nossa base, a fim de completar a tripulação desta nave. Nós... — Pretende nos entregar à nossa própria sorte? — perguntou o Thort, angustiado. — Só por alguns dias — tranqüilizou Rhodan. — Esta nave pouco vale com a tripulação desfalcada. — Cedo-lhe meus homens! — exclamou o Thort. Rhodan sacudiu a cabeça. — Isto nos atrasaria ainda mais. Não estamos em condições de instruir seu pessoal com a necessária presteza. Só para preparar os cartões de hipnotreinamento adequados aos seus homens, levaríamos duas ou três semanas. Observou cuidadosamente o Thort, a fim de verificar o efeito de suas palavras. Na realidade, sua recusa tinha fundamento bem diverso: não queria estranhos enfronhados nos segredos da nave. Pois em todos aqueles acontecimentos, não perdia de vista o objetivo principal: guindar a Humanidade à posição de raça dominante na Galáxia. E os homens precisavam se precaver, a fim de que seus segredos continuassem a permanecer efetivamente segredos seus. O Thort parecia não alimentar desconfianças. Pesou em silêncio sua situação, e disse: — Seu regresso nos encherá de satisfação. Não creio que possamos resistir por muito


tempo sozinhos. — Faremos o que nos for possível — assegurou Rhodan. — Nossa dívida de gratidão já é imensa — continuou o Thort. — Não sei o que teria sido de meu povo sem sua ajuda. Com um sorriso melancólico prosseguiu: — Veio a nós como um náufrago do espaço, e agora possui a mais potente nave de guerra jamais aparecida neste sistema planetário. Não sei como lhe agradecer!... Rhodan esperara por aquele momento. Já que o Thort não sabia como retribuir os favores recebidos, apresentaria uma sugestão. — Pois há alguma coisa que eu gostaria de lhe pedir — disse, quase com descaso. — De que se trata? Diga!... — urgiu o Thort, pressuroso. — Eu não seria capaz de lhe negar coisa alguma. — Bem — disse Rhodan — é algo que não beneficiaria apenas a mim próprio. Penso no curso futuro da guerra, numa maneira de levá-la ao término bem depressa, e sem grandes baixas. Minha idéia é instalar uma série de novas estações transmissoras. Rhodan fitou o Thort. A face deste revelava angústia. — Farei o possível. Mas, lamentavelmente, nossa fabricação de transmissores não passa dum subsetor industrial pouco desenvolvido. Não creio que possamos fornecer a quantidade de transmissores necessários em tão curto espaço de tempo. — Ora, isso não é problema — replicou Rhodan, com desenvoltura. — Meu mundo estaria em condições de fabricar qualquer coisa, num mínimo de tempo, desde que tenhamos à mão os respectivos planos. Tudo que precisaria fazer seria me obter um plano de construção dos transmissores; então, nos cinco dias de que necessito para preparar meu pessoal, eu poderia encomendar em meu mundo aparelhos suficientes para montar uma dúzia de novas estações. O Thort parecia dominado por profunda comoção. Era evidente que a proposta não lhe agradava. — Não sei — disse ele, hesitante — se seus homens seriam de fato capazes de fabricar aparelhagem tão complexa, cujo próprio princípio de funcionamento é difícil de compreender. Além disso, há o perigo de sua nave cair em mãos inimigas, e com ela os esquemas de fabricação dos transmissores. Não lhe parece arriscado demais? Rhodan sacudiu decididamente a cabeça. — De maneira nenhuma. Adversário nenhum em todo o universo poderia se apossar desta nave ilesa; duvido até que exista alguém em condições sequer de persegui-la. Quanto a isso, pode ficar absolutamente tranqüilo. E pela capacidade técnica de meu povo eu garanto, caso aceite minha palavra como válida. O Thort interrogou com o olhar seus dois conselheiros; porém estes pareciam ter se demitido da função. Por resposta, ambos estenderam as mãos, no familiar gesto de incerteza. O Thort levou algum tempo para se decidir. Por fim disse, suspirando: — Pois bem, façamos a experiência! Mas quero que saiba que se trata duma resolução muito difícil. No entanto, a gratidão que lhe devo está muito acima do risco de revelar um segredo técnico a inimigos. Rhodan inclinou-se de leve. A custo conseguiu disfarçar a sensação de triunfo que o dominava. — Estou certo de que o segredo será igualmente usado em proveito de seu mundo! — afirmou. ***


Os preparativos estavam todos tomados. Os esquemas de construção dos transmissores se encontravam a bordo. Rhodan não sentia vergonha por ter praticamente extorquido os planos do Thort. Pois os transmissores eram um tesouro inapreciável, e nestes casos era permitido fechar os olhos a determinados conceitos, principalmente levando em conta que serviriam em primeiro lugar a fins políticos. Rhodan estava disposto até a ameaçar o Thort com a retirada total de seu apoio caso não lhe cedesse os planos dos transmissores. Porém, felizmente, não se vira obrigado a ir a tal extremo. Rhodan alimentava sérias dúvidas quanto à sua capacidade de poder manter a promessa feita: regressar em poucos dias, trazendo transmissores recém-fabricados para uma dúzia de novas estações. Mas por enquanto não se preocupava demais com isso. Quer conseguisse, quer não, a Terra possuía agora um segredo técnico desconhecido até pelos arcônidas; e seria fácil encontrar uma boa desculpa para a demora nas entregas, caso o novo aparelho não pudesse ser fabricado com a necessária rapidez. Thora e Crest tinham percebido os intuitos de Rhodan. Crest não fez comentário algum, porém Thora, ao ver-se só com Rhodan na cabina de comando por alguns instantes, comentou, numa estranha mistura de zombaria e admiração: — Qualquer dia desses vou ficar com a impressão de que você poderia se tornar um perigo até para Árcon; e nesse dia despejarei cicuta em seu vinho! Rhodan sorriu, imaginando onde ela teria aprendido uma palavra tão fora de uso como cicuta. *** Poucas horas mais tarde foi difundida a notícia da aproximação da frota tópsida. A nave de guerra decolou, com os remanescentes da frota ferrônia, escalonados por uma área de cinco mil quilômetros, por escolta. Rhodan pilotava pessoalmente o colosso, ao qual ainda não tinham dado nome. Marten encarregara-se novamente dos detectores; era bom nisso. Quando a nave chegou a oito milhões de quilômetros da frota tópsida em franco avanço, Rhodan determinou a posição a ser ocupada por cada capitão ferrônio, e levou sua nave para o hiperespaço, num salto de curta distância. *** — Detecção! — anunciou o encarregado da localização a bordo da nave-capitânia. — Cerca de duzentas unidades inimigas à frente. Distância: uns quatrocentos radianos tópsidas. Tequer-On fixou os olhos nas telas. Não contara com resistência ativa por parte dos ferrônios, mas evidentemente aquelas duzentas naves inimigas estavam com vontade de brigar. — Vamos perder bem duas horas com isso! — silvou, irritado. Seus planos eram desfechar o ataque contra Rofus com a rapidez do relâmpago. O que compensaria a desvantagem de se ver obrigado a deixar Ferrol totalmente privado de defensores pelo prazo de duração do ataque. E perder algumas horas numa escaramuça prévia com os restos da frota ferrônia, antes do golpe planejado, tornava toda a operação por demais arriscada. Ordenou ao segundo e ao terceiro esquadrão que tratassem de riscar o inimigo da área, enquanto os demais prosseguiam em linha reta para Rofus, sem tomar conhecimento de sua presença. Entretanto os detectores tinham acusado um novo objeto, sobremaneira intrigante para


os encarregados dos aparelhos. Estes eram parecidos com os sensores estruturais dos arcônidas, acusando deformações da estrutura quadridimensional tempo-espaço nas vizinhanças imediatas; deformações, portanto, semelhantes às ocasionadas pela transição duma espaçonave. Normalmente a indicação seria explícita; mas o que os aparelhos registravam agora era uma imagem embaralhada de clarões instáveis e ziguezagueantes que ninguém conseguia interpretar. O operador avisou Tequer-On, que veio observar o fenômeno pessoalmente. Sentiu-se tão perplexo quanto os homens encarregados do serviço de detecção. Aprontavase para regressar à cabina de comando, quando escutou agudos gritos de pavor atrás de si. — A nave! A nave de guerra! Tequer-On voltou-se bruscamente. Nas videotelas surgira, como que por magia, o contorno gigantesco de sua ex-nave, a pouco mais de cinqüenta ou sessenta quilômetros de distância. Parecia se manter imóvel num mesmo ponto, e de suas bocas de fogo ejetavam-se os raios pálidos de potentes desintegradores. Sob o intenso bombardeio, a ala direita da formação tópsida dissolveu-se em ondulantes colunas de vapor. — Fogo! — berrou Tequer-On, apavorado. Repetiu o brado após estabelecer contato radiofônico com as demais naves de sua frota. Instantes após a nave-capitânia era atingida por tremendo impacto, que a fez rodopiar sobre o próprio eixo, arrancando-a do agrupamento. Todos os instrumentos de bordo deixaram de funcionar. A violenta colisão, causada por um cruzador em fuga dos próprios tópsidas, custou a vida de mais de cem tripulantes; os demais ficaram feridos ou inconscientes. Minutos preciosos se passaram antes que o substituto de Tequer-On percebesse que a responsabilidade de dirigir a frota passara para seus ombros. Neste intervalo, a nave de guerra desaparecera novamente, sem ter sido alvejada com um só tiro. No seu rastro ficaram os restos gasosos de um quinto da frota tópsida. *** Rhodan e Bell trabalhavam com a precisão de duas máquinas de calcular. — Coordenadas para o salto? — Zero em toda a linha! — Hiperenergia? — Mínima! — Pronto? — Pronto! — Atenção! Salto! Fogo de todas as bocas! Três a quatro minutos de bombardeio cerrado, que dizimou a frota tópsida em mais um quinto de seu efetivo. Desta vez a nave foi alvejada algumas vezes, com um ou outro tiro acertando o alvo. No entanto, o poderoso anteparo protetor da nave não sentiu o mínimo efeito prejudicial com eles. — Cessar fogo! Coordenadas? — Todas zero! — Energia? — Mínima! — Pronto? — Pronto!


— Atenção! Salto! Nas telas apareceu o cinza difuso do hiperespaço. A nave não se movia; mesmo em termos de coordenadas pentadimensionais ela continuava imóvel. Quando a nave emergiu novamente do hiperespaço, o restante da frota tópsida estava em franco pânico. Uma salva de tiros bastou para afugentá-la de vez. As duas esquadrilhas encarregadas de dispersar as naves ferrônias juntaram-se aos companheiros, em fuga desabalada. — Fim! — murmurou Rhodan, um tanto fatigado. Depois mandou os comandantes ferrônios regressarem para Rofus. A nave de guerra ainda permaneceu no local durante algum tempo, à cata de sobreviventes. No entanto, tudo que se via era a carcaça rodopiante da nave-capitânia tópsida, dirigindo-se aceleradamente para a branca bola de fogo de Vega. Nas telas ampliadoras via-se que a nave estava com um dos lados arrebentado de ponta a ponta. — Pode ser que esses pulinhos para cá e para lá não representem uma maneira muito elegante de combater — disse Reginald Bell — mas que são úteis, lá isso são! Nem gosto de imaginar o que aconteceria aos nossos anteparos protetores se eles tivessem conseguido assestar todas as suas bocas duma só vez contra nós... Rhodan balançou a cabeça. — Por que pensa que escolhi essa tática? Na próxima vez, já saberemos como agir. *** Num único salto, a nave chegou à órbita do vigésimo oitavo planeta de Vega, bem na orla do sistema planetário. Os postos de combate encontravam-se desguarnecidos agora; enquanto a nave executava sua estranha estratégia de saltos alternados, sua pilotagem requererá poucos braços, e Rhodan mandara a maior parte dos tripulantes manejar a artilharia. Passada a escaramuça, cada tripulante voltara a ocupar seu posto habitual. Quanto aos tópsidas que haviam invadido aquele sistema planetário, Rhodan era de opinião que nos próximos tempos estariam por demais ocupados consigo mesmos para investigar o paradeiro da nave gigante tão ameaçadora. Rhodan achou a ocasião favorável para estabelecer no sistema Vega uma base provisória inteiramente desconhecida do inimigo. Escolheu para território a lua gelada Iridul, que orbitava em torno do vigésimo oitavo planeta. O planeta propriamente dito não entrava em consideração, pois tratava-se de um mundo envolvido por metano e amônia, parecido com Júpiter. Sua única lua tinha o diâmetro de Plutão, e se assemelhava em todos os sentidos ao mais afastado planeta do sistema solar terrestre. Sua força gravitacional equivalia mais ou menos à da Terra. A tremenda energia de que a nave dispunha, somada ao aparelhamento correspondente, tornou fácil a tarefa de escavar na região polar — já provida duma funda cratera — um abrigo suficientemente largo e profundo para acomodar a colossal massa da nave. Desta forma, não oferecia mais o menor ponto de referência a possíveis adversários. Rhodan mandou escavar uma caverna secundária menor, onde depositou uma série de aparelhos; alguns eram desnecessários a bordo, outros serviriam como material de reposição bastante útil a quem quer que necessitasse dele algum dia. Rhodan não esquecia, nem por um segundo, que sua missão no sistema Vega ainda não chegara ao fim. Durante os trabalhos de escavação, teve oportunidade de interrogar os prisioneiros mantidos a bordo desde a estadia em Thorta. Tinham sido desarmados e encerrados num compartimento de carga vazio.


O interrogatório foi inócuo, pois o mais graduado entre eles era apenas tenente; e no rígido sistema disciplinar tópsida, os subalternos não chegavam a tomar conhecimento de segredos importantes. Algo, no entanto, despertou a atenção de Rhodan nas respostas do tenente, deixando-o bastante preocupado. No entanto, só comentou o caso com Bell. — Eles acreditavam de fato que a Terra ficava no sistema Vega. Isto é, captaram o pedido de socorro da nave arcônida na Lua, pondo-se a caminho imediatamente. É evidente que erraram os cálculos. Como Topsid fica a oitocentos e quinze anos-luz da Terra, um erro de vinte e sete anos-luz, portanto, representa um desvio de apenas 3,4%. Por enquanto não suspeitam que erraram o alvo. O tenente está certo de que algum dia ainda encontrarão neste sistema os restos do cruzador que enviou os sinais. Bell fitou-o impressionado. — Até que ainda tivemos muita sorte — gemeu ele. Rhodan concordou. *** Enviaram relatório à Terra através de uma curta mensagem radiofônica, frisando os principais fatos. Freyt recebeu ordem de deixar tudo preparado, especialmente gente com o treinamento adequado, de modo que a estadia no planeta-mãe representasse um mínimo de perda de tempo no prosseguimento da ação em Ferrol. Rhodan já não acreditava que pudesse regressar dentro do prazo dos cinco dias prometidos ao Thort. No entanto, fazia questão de voltar o mais depressa possível. De início acreditara que seria forçado a passar algumas semanas em Iridul, até fazer os tópsidas pensar que desaparecera com sua nave há bastante tempo. Porém Marten, que só abandonava os detectores para breves cochilos, anunciou: — Nenhuma atividade aérea em todo o sistema! A batalha perdida parecia ter afetado seriamente os tópsidas. Muito mais do que Rhodan supusera inicialmente. Tudo indicava que se aprontavam para o estabelecimento definitivo em Ferrol; só tornariam a se lançar ao espaço depois de se certificarem que a resistência dos ferrônios já não lhes acarretaria problemas, e quando as perdas sofridas fossem sanadas por novas remessas de Topsid. O momento era favorável para o vôo rumo à Terra. Rhodan acelerou ao máximo o treinamento de sua gente. Uma transição através de vinte e sete anos-luz requeria cuidados especiais. *** Vinte horas após a nave estava pronta para a decolagem. Rhodan estava certo de que sua tripulação dispunha dos conhecimentos necessários para suportar uma transição de vinte e sete anos-luz. — Espero que cada um de vocês mantenha os olhos bem abertos — disse, com gravidade. — Um só movimento em falso, e nunca mais sairemos do hiperespaço! Voltou-se para Bell: — Decolamos em 30 minutos! Bell percorreu o imenso cenário do sistema Vega, com seus quarenta e dois planetas, com um olhar quase carinhoso. Diante dele, os ponteiros luminosos do relógio aproximavam-se do derradeiro minuto antes da decolagem.


— X menos sessenta segundos! — disse a voz seca de Rhodan. — Um mundo bonito demais — murmurou Bell, pensativo — para ficar de presente para as lagartixas! Nós voltaremos!

*** ** *

Perry Rhodan ousa o hipersalto para a Terra, apesar de não contar com gente suficiente para tripular sua nova espaçonave conquistada aos tópsidas. Perry Rhodan enfrenta um grande risco, porém tem seus motivos. Só na Terra encontrará o pessoal necessário para rechaçar os tópsidas. E ele prometeu ao Thort... O próximo volume da coleção Perry Rhodan tratará do regresso a Vega, e do O SEGREDO DO COFRE DE TEMPO.


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