Álvaro Siza e a evolução do património nacional

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ĂĄlvaro siza vieira arquitectura como molde da cultura

joĂŁo m. montengro | 46907 | Design e Identidade


introdução a nova obra

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Álvaro Siza Vieira, discutivelmente o mais notável arquitecto vivo português, distinguiu o seu imenso contributo de já meio século no nosso património cultural, moldando o próprio curso da história do nosso país. O que é realmente marcante na sua obra é a maneira como em cada projecto é possível observar uma aliança entre o objectivo arquitectónico, formal e definido pelo estilo e coerência tecnológica e social, e o complexa sopa cultural e social que segura toda a obra.

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1 | 1997 - Museu de Serralves_Fundação de Serralves 2 | 2008 - Fundação Ibere 3 | 1994 - Biblioteca da Universidade de Aveiro


problema origem da criação

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1 | 1995 - Faculdade de Arquitectura do Porto 2 | 1998- Pavilhão de Portugal 3 | 1998 - Estação Baixa-Chiado (agora Baixa-Chiado Pt BlueStation)

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O paradigma surge quando observamos a evolução da obra como uma composição que reúne os componentes caóticos do local de trabalho do arquitecto: o tecido da sociedade. Se considerarmos o terreno como a materialização das relações complexas que moldam a história da sociedade, da civilização, o simples facto de o arquitecto desenhar sobre este plenum dá-lhe a possibilidade de moldar não só a própria estética da sociedade como os próprios hábitos, cultura e imaginários dos diferentes indivíduos que nela habitam. No entanto é da sociedade que o arquitecto vai buscar os elementos básicos para alimentar o seu desenho. Os requisitos que fulminam o projecto provêm dos utilizadores do mesmo. Esta é a simultaneidade de possibilidade que torna o processo criativo apenas acessível através de uma escolha do designer (criador, podendo considerar-se a arquitectura uma disciplina de design directamente associada ao desenho de objectos maciços habitáveis).

E essa escolha é aparentemente simples: Será que se deve utilizar o utilizador como fonte de inspiração para que após uma metodologia racional e técnica se obtenha um produto coerente com todos os requisitos que foram apontados (sendo estes a imagem física das necessidades do mercado)? Ou, Será que o desenho deve partir do autor, do criador, de uma forma livre e independente de constrangimentos de execução tendo como principal preocupação a elevação do pensamento e da obra?


Deste modo o arquitecto utiliza um enorme número de clarabóias e brise solei obtendo uma obra que transpira e respira iluminação de um modo vivo. Em última análise saliento o facto do seu extenso portfólio conter exemplos fortíssimos da inclusão das práticas tradicionais do nosso país no projecto, como se tratassem de requisitos formais da obra. Passo o caso da Casa Rocha Ribeiro na Maia, que me é bastante familiar.

solução nova arquitectura

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1 | 1963 - Casa do Chá da Boa Nova 2 | 1996 - Piscinas de Leça da Palmeira

Álvaro Siza conseguiu ultrapassar esta problemática de um modo quase paradoxal. Sabendo que iria utilizar o desenho modernista e de grande identidade formal (que valeria por si só) mas simultaneamente valorizando integrantemente os ensinamentos históricos do local, o arquitecto chega a um compromisso: o desenho simplificado (designado pelo autor por minimizador) como forma de comunicar as características do passado ensinando o futuro da identidade regional (que mais tarde na carreira alastra-se nacional e internacionalmente). Ou seja obtemos um desenho de autor baseado no território que evolui para formalizar e moldar tanto o território como a própria imagem do desenho arquitectónico em Portugal. E é apenas após esta evolução que Álvaro Siza se torna um pós-modernista antes do seu tempo. Assim vemos os seus desenhos submergirem-se no território (quase de modo a esconder a obra, o arquitecto utiliza o terreno como vantagem estratégica para jogar com a forma e intensidade dos edifícios). Muitas vezes Siza utiliza a vegetação e o terreno até como escudo visual do edifício, escondendo e mostrando apenas as formas que o arquitecto pretendia. O seu trabalho com o transporte da iluminação também teve um enorme impacto no modernismo português. Álvaro Siza muitas vezes dizia que as janelas de uma casa lhe davam a maior dificuldade de finalizar o desenho.

“Na região era comum ter casas que tinham um quintal onde se cultivava e tratava de animais.” diz Teresa Tomé Ribeiro, proprietária original da habitação, “por isso o desenho das casas da Maia tinham uma forma que rodeava o quintal, eram voltadas para o interior.” Embora o estilo de vida da família da Casa Rocha Ribeiro não fosse entendido como o de micro-agricultores esta receita de design, funcionou como molde de hábitos para a família e propagou a identidade da obra do arquitecto pelas regiões provincianas. “Durante a construção muita gente passava e dizia que não entendia os alicerces da casa. Ninguém percebia como é que iriam ser usados vidros tão grandes, os próprios empreiteiros não percebiam os desenhos do arquitecto.” A verdade é que a casa tornou-se como um molde para a construção de vivendas na região (embora nenhuma consiga realmente obter um perfil de tanta integridade).


conclusão inspiração | criação | legado

É esta a verdadeira contribuição de Álvaro Siza para a arquitectura portuguesa, a sua emancipação. Este tema está firmemente ligado às tensões políticas que o nosso país sofria nas décadas de 60 e 70 e deste modo é possível observar o arquitecto como um internacionalizador nato da imagem portuguesa. Outrora fechado e censurador, o país começara a abrir-se lentamente a ideias exteriores no entanto a população habituada a meio século de contenção ideológica ficara estagnada e dessensibilizada aos conceitos artísticos abordados pela arquitectura modernista. E é com a preocupação de integrar a cultura antiga na nova cultura que Álvaro Siza conquista o público. Citando o arquitecto numa aula palestra na Escola de Belas Artes do Porto, “a arquitectura deverá comportar-se como meio de convergência com as restantes artes (...) a especialização castradora que muitas das profissões exercem na possibilidade de criar tem de ser substituida pela cooperação, e tanto nas artes como nas restantes disciplinas...”.


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