CADEIRA AFONSO BOTELHO, IMPROVISAÇÃO JOÃO PEREIRA, ILUSTRAÇÃO
CADEIRA IMPROVISAÇÃO: ANTÓNIO QUADROS • ILUSTRAÇÃO: JOÃO PEREIRA
Em casa de Natália correia na noite de 30 de Abril de 1961. Numa daquelas reuniões em sua casa, estava um grupo de pessoas composto por Natália Correia, Afonso Botelho, António Quadros, os filósofos Delfim Santos e José Marinho, Luis Zuzarte, Jorge Tavares Rodrigues, Manuela Santos, Maria Eugénia, o pintor Nikias Skapinakis e eu própria. Como também era frequente, resolvemos fazer um jogo surrealista, que consistia em improvisar, sobre uma palavra dada – um substantivo -, uma história, que era depois interpretada por todos os presentes e reduzida a uma só palavra, que passava então a ser o equivalente significado da primeira palavra dada. Formava-se assim uma espécie de Dicionário de Significados Surrealista. Ana Hatherly
HĂĄ uma cidade em que todos tĂŞm a sua cadeira.
Todos, menos um homem.
Esse Homem vive triste e isolado.
Espera por algum acontecimento que venha dar significado Ă sua existĂŞncia.
Vira-se para o sol e pede-lhe que lhe mande qualquer coisa que dê razão de ser à sua vida.
Ent達o um dia aparecem na cidade oito mulheres.
VĂŞem vestidas com grandes capas e todos na cidade acham que essas mulheres sĂŁo muito belas.
Todos, menos o homem que não tem cadeira, porque esse vê-as muito feias e até como esqueletos sob as capas.
Vira-se então para o mar e pede que lhe mande o tal acontecimento que dê razão de ser à sua vida.
Então um dia aparecem oito mulheres que toda a gente na cidade achou horríveis mas que ele vê serem belíssimas.
Aos poucos os habitantes da cidade vão perdendo as suas cadeiras e só quando todos as não têm conseguem finalmente ver as mulheres na sua verdadeira beleza.
“Automatismo e jogos colectivos são elementos fundamentais na teoria e na prática dos surrealistas, o segundo como expressão particular e uma das manifestações possíveis do primeiro. O próprio André Breton, como se sabe, definiu - como um oblíquo humor nas formas - o surrealismo como “um automatismo psíquico puro mediante o qual se nos propõe exprimir quer verbalmente quer por escrito o funcionamento real do pensamento”. Procurar estados de consciência que permitam essa expressão, livre do pensamento para tratar de descobrir e traduzir os seus conteúdos e a sua particular maneira de se organizarem segundo “certas formas de associação até hoje desprezadas” seria o eixo dum trabalho que afinal olhava para o horizonte duma profunda revolução não só estética ou poética como também, e sobretudo, moral, ética e política. A escrita (verbal, plástica) automática havia de ser o resultado mais visível desse trabalho, que muito cedo exigiria do poeta um segundo trabalho de arrumação consciente - o que O’Neill chamaria “abandono vigiado” - que progressivamente se iria afastando da “pureza” pegada e praticada nos primeiros momentos de afirmação do movimento surrealista. Os jogos colectivos uniam a procura e a eventual realização desse automatismo com a amizade e o convívio como forças criadoras”. Fundação Cupertino De Miranda
Design Editorial de João Pereira, Texto adaptado da coleção de textos automáticos editados e selecionados por Ana Hatherly, publicados pelo Centro de Estudos do Surrealismo.
AGRADECIMENTOS: FUNDAÇÃO CUPERTINO DE MIRANDA
HISTÓRIAS AUTOMÁTICAS 1. COLAR, NATÁLIA NEVES 2. SEMENTE, NATÁLIA NEVES 3. RODA, ANTÓNIO QUADROS 4. TÚNICA, ANA HATHERLY 5. LÂMPADA, MANUELA SANTOS 6. CADEIRA, AFONSO BOTELHO 7. FRUTO, AFONSO BOTELHO