LINGUAGENS POPULARES E CONHECIMENTO (Popular Languages and Knowledge)
Abiola YAYI (bigabis@gmail.com) Anivaldo Gonçalves (anivaldogv@hotmail.com) Cassiano Guimarães (cguimaraes45@hotmail.com) João Pedro Ferreira (mathjoao@gmail.com)
Resumo: O presente artigo tem por finalidade discutir as relações que se estabelecem entre a cultura popular e o conhecimento, verificando como o repertório das pessoas que utilizam os espaços dialoga com o conhecimento erudito do arquiteto. Para considerarmos melhor essa problemática do repertório popular no projeto arquitetônico, iremos nos fundamentar em Bardi (1994), a partir de quem faremos considerações a respeito do projeto Favela Surf Club de Marcelo Rosenbaum, em que o arquiteto, consegue aliar, a seu conhecimento erudito, todo o repertório popular e as necessidades dos usuários do espaço; do modo como o repertório popular foi mobilizado no projeto de Ateliê V- Conjunto Habitacional, de Anivaldo Gonçalves; e do modo como foram projetados e montados dois cenários da novela global Cheias de Charme, que trazem em si traços da cultura popular. Palavras-chave: arquitetura; conhecimento erudito; cultura popular. Abstract: This article aims to discuss the relations established between popular culture and knowledge, and verify how the repertoire of people who use the spaces dialogues with scholarly knowledge of the architect. To better consider this problematic of popular repertoire in architectural design, we will substantiate in Bardi (1994), from whom we design considerations regarding the Favela Surf Club Marcelo Rosenbaum, in which the architect can combine with his scholarly knowledge, all popular repertoire and the needs of users of space; the way the popular repertoire was mobilized in the design of Ateliê V of Anivaldo Gonçalves, and how they have been designed and assembled two scenarios novel global Cheias de Charme, who bear traces of popular culture. Keywords: architecture; scholarly knowledge, popular culture
Cavocar profundamente numa civilização, a mais simples, a mais pobre,
chegar até suas raízes populares é compreender a história de um País. E um País em cuja base está a cultura do Povo é um País de enormes possibilidades. [Lina Bo Bardi- Tempos de Grossura.]
1. Introdução O presente artigo tem por finalidade discutir as relações que se estabelecem entre a cultura popular e o conhecimento, verificando como o repertório das pessoas que utilizam os espaços dialoga com o conhecimento erudito do arquiteto. A questão central é até que ponto o arquiteto deve respeitar em seu projeto a cultura popular, ou se ele deveria desconsiderar esse repertório e fazer algo erudito, embasado apenas em seus conhecimentos. Em nossa discussão, iremos nos fundamentar em Bardi (1994). 2. Referencial teórico-conceitual A arquiteta Lina Bo Bardi, em seu texto Tempos de grossura: o design do impasse, discute as relações que se estabelecem entre a industrialização no Brasil e a forte presença do repertório popular em nossa cultura. Nesse quesito, somos um país rico, e a autora ressalta a urgência de se incorporar, no trabalho do artista, esse repertório, que “é a base real do trabalho do artista brasileiro, uma realidade que não precisa de estímulos artificiais, uma fartura cultural ao alcance das mãos, uma riqueza antropológica única, com acontecimentos históricos trágicos e fundamentais”. No texto, Bardi apresenta também como se deu a industrialização no Brasil e reflete de que modo o desenho industrial poderia suprir as necessidades de um povo com forte cultura popular. 3. Materiais e métodos Para considerarmos melhor essa problemática do repertório popular no projeto arquitetônico, faremos considerações a respeito do projeto Favela Surf Club de Marcelo Rosenbaum, em que o arquiteto, consegue aliar, a seu conhecimento erudito, todo o repertório popular e as necessidades dos usuários do espaço. Além disso, abordaremos o modo como o repertório popular foi mobilizado em nosso projeto de Ateliê V- Conjunto Habitacional e, por fim, comentaremos brevemente o modo como foram projetados e montados dois cenários da novela global Cheias de Charme, trazem em si traços da cultura popular, no intuito de se manter o contato entre as personagens e os espaços a elas relacionados. 4. Discussão e análise dos resultados 4.1. Favela Surf Club. O projeto Favela Surf Club de Marcelo Rosenbaum consistiu, basicamente, na reforma de um espaço destinado ao incentivo da prática do surf a jovens carentes de uma favela. Em um espaço de mais de 300m2, o desafio fundamental foi melhorar o
acesso, a ventilação e a iluminação, que eram muito restritos, criando um ambiente funcional e acolhedor para os jovens. Pelas imagens apresentadas a seguir, é possível notar o quão precárias eram as condições do espaço. Por esse motivo, um desafio e tanto para Rosenbaum foi adequar novas qualidades ao espaço, sem que os usuários se tornassem indiferentes ao novo espaço proposto pelo arquiteto.
A reforma foi pensada com o intuito de resolver certas necessidades já existentes e, principalmente, de criar novos espaços, abrir novas possibilidades de trabalho e organização para a Favela Surf Clube. Em seu projeto, o arquiteto incorporou a cultura dos jovens ao novo espaço, a fim de garantir que a identificação dos usuários com o local. As figuras a seguir ilustram isso.
Do ponto de vista técnico o corredor, que era aquele túnel escuro, ganhou luz com a abertura de janelas em todas as salas, e personalidade com o grafite de Acme, um artista da comunidade. No que se refere à sala de lixa, apresentada a seguir, que deve ter as paredes escuras para contrastar com o shape e facilitar o trabalho, o arquiteto, ao invés da cor preta, sugerida pelos usuários, utilizou a cor verde, que causa o contraste necessário, mas não escurece tanto. Essa solução mostra o quanto um arquiteto pode conciliar seu conhecimento técnico com a linguagem popular dos usuários. De acordo com Bardi (1994), o repertório popular deve ser considerado, uma vez que “é a base do trabalho do artista brasileiro, uma realidade que não precisa de estímulos artificiais, uma fartura cultural ao alcance das mãos”.
4.2. Análises Projetuais, Habitação Social API-V Projeto API-V.1
Casa Núcleo-‐ Mies Van Der Rohe
Como referencial para o projeto de ateliê de Anivaldo Gonçalves, foi utilizada a casa núcleo de Mies Van Der Rohe, apresentada acima . Esta casa materializa os conceitos de flexibilidade e racionalidade, privilegiados em seu projeto.
Na imagem acima, é possível verificar como são feitas as ampliações na casa de Rohe. No projeto de ateliê, esta ampliação racionalizada e previamente pensada também foi projetada.
Projeto API-‐V
Alguns outros aspectos levados em conta na criação do projeto de ateliê foram a planta livre, a cobertura plana, a racionalização do uso de materiais e a geminação. Na arquitetura brasileira, podemos encontrar tais aspectos nas casas populares e favelas, onde há geminação e cobertura plana (laje), que os arquitetos modernos chamariam de terraço jardim.
Favela
4.3. Cenários de novela Na novela global Cheias de Charme, a casa de cada personagem reflete o seu caráter ou ego. A casa da mocinha é bem sóbria e cuidada, refletindo a riqueza de espírito da personagem. A casa da vilã, uma personagem que tipifica o brega, é carregada de cores fortes, como o rosa choque e dourado, e tem uma escada monumental (cf. imagens a seguir), o que caracteriza o modo de ser dessa personagem.
Casa de Chayene (vilã) http://tv.i.uol.com.br/album/2012/04/16/casa-de-chayene-1334620462229_956x500.jpg
Casa de Chayene (vilã) http://www.lojaskdblog.com.br/blog/2012/07/04/mansao-da-chayene-de-cheias-de-charme/
É possível, pois, perceber que o projeto de cenários é fundamental na construção das narrativas ficcionais televisivas, uma vez que compõem a caracterização das personagens. Nos exemplos aqui considerados, os cenários incorporaram os elementos populares como forma de associar o usuário ao espaço em que vive, ou melhor, a personagem à sua casa. 5. Considerações finais Considerando o texto de Bardi (1994) e os três projetos analisados, podemos perceber o quão importante é a cultura popular na nossa formação e atuação como arquitetos. Entretanto, é necessário aliar essa cultura ao conhecimento teórico, para que seja possível garantir tanto a identificação dos usuários com o espaço, quanto a qualidade técnica do projeto. Esse é o melhor caminho a seguir. 6. Referências BARDI, L.B. Tempos de Grossura: o design no impasse. Pontos sobre o Brasil. São Paulo: Instituto Lina Bo e EP.M. Bardi,1994.