Santos, Moraes. (Org.). Tvs públicas: memórias de arquivos audiovisuais. São Leopoldo: Oikos, 2016

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TVS Públicas Memórias de arquivos audiovisuais



Nádia Maria Weber Santos Ana Luiza Coiro Moraes Organizadoras

TVS Públicas Memórias de arquivos audiovisuais

OI OS EDITORA

2016


© Das organizadoras – 2016 nnmmws@gmail.com anacoiro@gmail.com

Editoração: Oikos Capa: Tiago Appolinário da Silva Revisão: Carlos A. Dreher Arte-final: Jair de Oliveira Carlos Impressão: Rotermund S. A. Conselho Editorial (Editora Oikos): Antonio Sidekum (Ed.N.H.) Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL) Danilo Streck (Unisinos) Elcio Cecchetti (SED/SC e GPEAD/FURB) Eunice S. Nodari (UFSC) Haroldo Reimer (UEG) Ivoni R. Reimer (PUC Goiás) João Biehl (Princeton University) Luís H. Dreher (UFJF) Luiz Inácio Gaiger (Unisinos) Marluza M. Harres (Unisinos) Martin N. Dreher (IHSL/MHVSL) Oneide Bobsin (Faculdades EST) Raúl Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha) Rosileny A. dos Santos Schwantes (Uninove) Vitor Izecksohn (UFRJ) Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau Caixa Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / 3568.7965 contato@oikoseditora.com.br www.oikoseditora.com.br

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Tvs públicas: memórias de arquivos audiovisuais / Organizadoras Nádia Maria Weber Santos e Ana Luiza Coiro Moraes. – São Leopoldo: Oikos, 2016. 320 p.; 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7843-606-3 1. Televisão pública. 2. Televisão educativa – Rio Grande do Sul – História. 3. Televisão pública digital. 4. Televisão educativa – História. 5. Acervo audiovisual. I. Santos, Nádia Maria Weber. II. Moraes, Ana Luiza Coiro. CDU 654.1:37

Catalogação na Publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184


Sumário Apresentação – Para uma memória das TVs públicas no Brasil: trajetórias de pesquisas ............................................................................... 7 Nádia Maria Weber Santos e Ana Luiza Coiro Moraes Prefácio .................................................................................................... 17 Maria Helena Weber PARTE UM – Televisões do campo público: algumas reflexões teóricas Considerações teóricas sobre o acervo audiovisual da TVE-RS: memória e patrimônio na televisão pública ............................................... 24 Nádia Maria Weber Santos e Ana Luiza Coiro Moraes Televisão e cidadania: a constituição da esfera pública .............................. 42 Angela Lovato Dellazzana Mediação e arte: produção e consumo de produtos culturais na TV pública ... 54 Newton Pinto da Silva Trajetória da televisão pública no Brasil: políticas, interseções e embates .. 65 Renata Rocha Origens da TV pública: um panorama histórico e conceitual ..................... 82 Fernanda Vasques Ferreira, Lauro Almeida de Moraes e Rafiza Varão PARTE DOIS – Televisão pública do Rio Grande do Sul: o caso TVE-RS O acervo audiovisual da TVE: memória institucional e patrimônio documental do Rio Grande do Sul, sob um olhar arquivístico ................... 98 Maurício Luis da Silva Ramos e Medianeira Goulart Possibilidades de pesquisa na História do Tempo Presente a partir do acervo audiovisual da TVE .................................................... 111 Camila Rosângela da Silva Cunha, Francielle Maciel Garcia, Isabela Kaiber Diehl, Maria de Lourdes Togni, Tiago de Moraes Kieffer, Nádia Maria Weber Santos e Ana Luiza Coiro Moraes Projeto Tecna – TVE-RS: desafios da televisão pública na cultura da convergência digital ........................................................... 130 Cristiane Finger, Greetchen Ferreira, João Vicente Ribas, Jéssica Moraes e Otávio Daros


Memória audiovisual da TV pública nas redes sociais virtuais: o programa “Radar” da TVE-RS no YouTube e no facebook ...................... 145 Helen Beatriz Frota Rozados e Rochele Tonello Zago Corrêa O local da canção na TVE-RS. O programa Palcos da Vida como espaço de atuação e representação de Nei Lisboa .......................... 162 João Vicente Ribas e Lírian Sifuentes O programa “Primeira Pessoa”: Entrevista, memória e diálogos na TVE-RS .. 177 Laira Campos PARTE TRÊS – TVs do campo público pelo Brasil O (con)texto da TV Assembleia-RS na perspectiva do circuito da cultura ..... 190 Tiane Dias e Flavi Lisbôa Ferreira Filho O papel estratégico das TVs públicas digitais – as novas audiências e as possibilidades de inclusão digital ..................................................... 204 Cosette Castro Análise da programação da TV Cultura: um enfoque sobre categorias e gêneros televisivos ...................................................... 217 Elza Aparecida de Oliveira Filha e Fábio Silva Ladeira Produção colaborativa no telejornalismo: um outro olhar para os vídeos amadores na tevê pública brasileira .................................. 235 Beatriz Becker e Jhonatan Mata Cultura e Educação nas TVs do campo público: reflexões à luz da programação televisiva da Fundação RTU .................. 255 Vanessa Matos dos Santos, Adriana Cristina Omena dos Santos, Itaci Alves Marinho Junior e João Pedro Omena dos Santos Memória da difusão pública: a Anhatomirim TV Educativa – A TV Cultura SC ................................................................................. 268 Cárlida Emerim e Áureo Mafra de Moraes Fronteiras entre Estado e Mercado: o programa Antes & Depois da Lei da TV Justiça (STJ) e sua inserção na TV aberta (Record News) ........ 281 Isabela Vargas Oliveira e Robson Borges Dias Publicidade e interesse público: o caso da TV Brasil ............................... 298 Maria Berenice da Costa Machado, Jéssica Trisch e Flahane Roza Sobre os autores ..................................................................................... 313

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Apresentação Para uma memória das TVs públicas no Brasil: trajetórias de pesquisas Assim como assinala Aby Warburg, há uma memória de imagens, constituída pelas representações visuais e mentais do mundo, que todos carregamos, transmitida como que em herança, social e individual. Para Warburg, a imagem é um órgão de memória social, a transmitir as tensões espirituais de uma cultura, os conflitos, os desejos e os fantasmas que assombravam a alma e que estavam na base dos comportamentos sociais (PESAVENTO, 2008, p. 19).1

A presente obra foi concebida a partir de uma pesquisa realizada na TVE-RS da Fundação Piratini, contemplada pelo edital PQG (Pesquisador Gaúcho) 02-2014 da FAPERGS, iniciada em meados de 2014, intitulada “Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE-RS”. Trabalhando com o acervo audiovisual dessa emissora pública de nosso estado, constatamos a necessidade de pensar a televisão pública não estatal em suas diversas dimensões, não somente em nível local, e, sim, nacional. A TVE-RS completou 40 anos no ano de 2014. Primeira emissora pública do estado, ela se mantém ativa até a atualidade, e carrega consigo uma história e uma memória que fazem parte da sociedade gaúcha, sendo seu acervo audiovisual um testemunho dessa jornada. A necessidade de compreender o seu percurso a partir das imagens produzidas, de vislumbrar os conteúdos arquivados e de compartilhar tal riqueza patrimonial com o restante da população sul-rio-grandense moveram os primeiros olhares ao arquivo da TVE e os primeiros passos desta pesquisa. Foi como adentrar uma sala de um tesouro desconhecido que, aos poucos, a partir de imagens, foi se desvelando. Pensamos a pesquisa, constituímos uma equipe com duas pesquisadoras oriundas da história e da comunicação, mestrandos e graduandos, e enviamos o projeto para editais de agências de fomento, até que a FAPERGS nos deu a chancela para realizar esta empreitada de dois anos.

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PESAVENTO, S. J. Imagem, memória, sensibilidades: territórios do historiador. In: PESAVENTO, S. J.; PATRIOTA, R.; RAMOS, A. F. (Orgs.). Imagens na História. São Paulo: Hucitec, 2008.

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Entre fitas de diversos formatos, equipamentos desconhecidos e um conjunto de imagens a ser explorado, lançamo-nos à coleta de dados, realizada por bolsistas de Iniciação Científica do curso de História do UnilasalleCanoas, juntamente as professoras, coordenadoras do projeto – e, hoje, organizadoras desta obra. A partir daí, foram produzidas fichas de coleta de dados, exemplificadas no capítulo 7 escrito pelos estudantes, que dessem conta do material a ser analisado posteriormente. Nas fichas constavam dados que permitiam a organização dos conteúdos das fitas, sua posterior análise e, last but not least, a “devolução” deste material aos arquivistas da TVE-RS, a fim de (re)alimentarem seu banco de dados de indexadores das fitas no sistema informatizado da emissora. O arquivo da TVE possui mais de 16 mil fitas em suportes variados, velhos e novos (Helicoidal, Quadruplex, U-Matic, DVC Pro, S VHS e DVD R, entre outros tipos de suportes bem mais antigos) e nos mais diversos estados de conservação, sendo que para alguns já não há equipamentos disponíveis para sua visualização. Atualmente, a armazenagem dos conteúdos filmados (imagens brutas, imagens editadas, programas de cunhos diversos) se dá de forma diferente, pois a emissora migra gradativamente para sinal digital. Alguns contratempos surgiram no decorrer da pesquisa, como a avaria do equipamento de visualização das fitas em U-Matic, o que impossibilitou a continuidade da observação de imagens mais antigas da emissora, referentes às décadas de 1970 e 1980, cujo registro estava nesta mídia. Passaram a ser examinadas as fitas em suporte Super VHS. A infraestrutura do arquivo é também deficiente, tendo poucos equipamentos e poucos funcionários. Desta forma, os horários em que os estudantes podiam coletar os dados também eram bastante reduzidos, pois o arquivo é utilizado diariamente pelos programadores da emissora, em busca de imagens para os programas das diversas grades. No entanto, ressaltamos que, embora as dificuldades técnicas, todos na emissora sempre foram muito receptivos ao projeto, proporcionando-nos a possibilidade de levar a cabo a pesquisa. Dessa colaboração, salientamos que as próprias fitas que formaram o corpus da pesquisa foram alcançadas aos estudantes pelos arquivistas e escolhidas por eles. Porém, apenas uma pequena parcela do todo pôde ser examinada (em torno de 200 fitas), o que nos permitiu, de um lado, elencar alguns resultados de pesquisa e, de outro, apontar possibilidades futuras de investigação. Há uma memória da sociedade gaúcha, de seus últimos 40 anos, que se encontra em matéria bruta nas imagens das fitas, nos seus aspectos políticos, culturais,

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econômicos e sociais, aguardando para ser reconstruída ao olhar de outros pesquisadores e da própria televisão. A grande quantidade de imagens brutas arquivadas, não utilizadas na programação da TVE, demonstra o quanto ainda há para ser feito, pensado e resgatado, tanto em termos de história e de experiências da sociedade gaúcha ainda não compartilhadas, como em termos de acervo propriamente dito. Certamente, o conjunto de fitas do acervo da TVE constitui-se em uma “memória em imagens”, cuja organização e manutenção adequadas poderiam ser os alicerces para a patrimonialização deste material e para sua valorização como bens culturais da sociedade gaúcha. Ao preservá-los, podemos atuar na guarda permanente do acervo da emissora pública gaúcha de TV, o que remete à possibilidade da criação de uma Memória da TVE, ou mesmo de um Centro de Memória e Documentação em Imagens da emissora. Em suma, sendo considerados bens culturais imagéticos da sociedade gaúcha, os arquivos audiovisuais da TVE da Fundação Piratini merecem atenção e disposição tanto de órgãos governamentais como de instituições de ensino e pesquisa, a fim de que este patrimônio possa ser reorganizado em seus arquivos e salvaguardado da destruição do tempo, bem como valorizado e divulgado de forma mais ampla para a sociedade. Haveria a necessidade de mais recursos públicos para isto, a fim de fazer a restauração do prédio, das salas de arquivos e, não menos importante, a digitalização de toda esta riqueza de mais de 16 mil fitas. De toda esta experiência, o grupo de pesquisadores compartilhou os dados da pesquisa em diversos eventos acadêmicos: os estudantes, em salões de Iniciação Científica de universidades de Porto Alegre e da região metropolitana, e as professoras em Simpósios e Congressos das áreas de Comunicação e de História, nacionais e internacionais. Além disto, organizamos dois dossiês temáticos sobre TVs Públicas em revistas científicas do nosso Estado e realizamos os dois produtos finais previstos no projeto e financiados pela FAPERGS: um documentário de cunho acadêmico, exibindo algumas imagens da pesquisa e do arquivo (making off) e o livro que ora publicamos. Neste, há três capítulos que demonstram resultados desta pesquisa: o capítulo 1, teórico, escrito pelas coordenadoras da pesquisa e organizadoras da obra, alinhava conceitos que nos permitem pensar a relação entre memória, imagem, acervo audiovisual e TV pública; o capítulo 6, escrito em parceria entre dois arquivistas, uma Mestre em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle e o arquivista da TVE, é resultado da reflexão sobre o acervo sob o ponto de vista da arquivologia; e o capítulo 7, escrito pelos bolsistas de Inicia-

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ção Científica, que são estudantes do Curso de História do Unilasalle Canoas, com a supervisão de sua professora, o qual não somente explicita os passos da coleta de dados, como exemplifica a possibilidade de pesquisa das imagens, sob o ponto de vista historiográfico, na vertente de análise da “História do Tempo Presente”. Contudo, como decorrência natural de nossa pesquisa, surgiu a necessidade de verificarmos o quanto e como a temática Televisão Pública e seus produtos eram pesquisados e tratados no campo acadêmico local e nacional, tanto da História como da Comunicação. Nossa curiosidade de pesquisadoras nos levou a prospectar outros trabalhos, para averiguar o “estado da arte” da investigação sobre as TVs públicas brasileiras. As questões que nortearam tal prospecção se ligaram à televisão pública, suas aproximações e distanciamentos, as características gerais e específicas de seus percursos memoriais, suas dificuldades frente às televisões privadas, etc. Assim, entre as perspectivas que se mostraram profícuas a nossas reflexões, encontram-se as discussões sobre memória da TV, suas grades de programação, seus recursos imagéticos e visuais, os regimes de identidade e representação dos poderes públicos a que se vinculam, seu papel na promoção da cultura, dentre outros temas que remetem, sobretudo, ao seu estatuto de dispositivo tecnológico que integra, configura/reconfigura o espaço público e que dá conta da memória das sociedades em que estão inseridos os arquivos audiovisuais pesquisados. Dessa forma, o livro foi constituído em três partes: a primeira, de cunho teórico, pensando a televisão pública enquanto campo de estudo e realizações; a segunda, privilegiando nosso objeto de estudo que foi a TVE-RS – que para nossa grata surpresa congregou um bom número de artigos; e a terceira parte, dedicada a reflexões de colegas de outras IES brasileiras que pensam a TV Pública em outros estados da federação. Na parte 1, Televisões do campo público: algumas reflexões teóricas, temos cinco capítulos, em que o primeiro, CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O ACERVO AUDIOVISUAL DA TVE: MEMÓRIA E PATRIMÔNIO NA TELEVISÃO PÚBLICA, de autoria das organizadoras da obra e coordenadoras da pesquisa junto ao acervo da TVE, apresenta a discussão teórica, que iluminou o processo investigativo em direção ao arquivo audiovisual da TVE, sobre imagem e memória, arquivos audiovisuais e reflexões em torno da televisão e da televisão pública, considerando a relação dialética entre tecnologia, formas sociais e usos culturais nela implicada. O segundo capítulo, TELEVISÃO E CIDADANIA: A CONSTITUIÇÃO DA ESFERA PÚBLICA,

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de Angela Lovato Dellazzana, trata da relação entre mídia e cidadania, a partir da discussão do papel da televisão em sociedades democráticas, abordando as dificuldades para alcançar o equilíbrio entre as três naturezas da mídia previstas na constituição brasileira de 1988, a saber: pública, estatal e privada. O capítulo três, MEDIAÇÃO E ARTE: PRODUÇÃO E CONSUMO DE PRODUTOS CULTURAIS NA TV PÚBLICA, tem como autor Newton Pinto da Silva e traz uma discussão sobre o papel das emissoras públicas de comunicação na divulgação e crítica da produção cultural, em especial do Rio Grande do Sul, e sua relação com o telespectador na ruptura de padrões hegemônicos dos veículos comerciais de televisão, usando como objeto de pesquisa vídeos exibidos no programa Palcos da Vida, da TVE-RS, que registram espetáculos teatrais produzidos em Porto Alegre nos anos 1980. No quarto capítulo, TRAJETÓRIA DA TELEVISÃO PÚBLICA NO BRASIL: POLÍTICAS, INTERSEÇÕES E EMBATES, Renata Rocha apresenta um panorama da trajetória das emissoras de televisão do campo público no Brasil, a partir de suas interseções com as políticas públicas – especialmente nos âmbitos da cultura e da comunicação. Por meio de uma retrospectiva histórica, a autora constata que as diversas transições entre momentos autoritários e democráticos ocorrem sem grandes rupturas e alterações do status quo nas políticas voltadas para a comunicação social eletrônica de interesse público no país. O quinto capítulo, ORIGENS DA TV PÚBLICA: UM PANORAMA HISTÓRICO E CONCEITUAL, de autoria de Fernanda Vasques Ferreira, Lauro Almeida de Moraes e Rafiza Varão, resgata conceitual e historicamente o termo “televisão pública”, identificando sua utilização em diferentes bibliografias, a partir de experiências de diversos países, que evidenciam peculiaridades culturais, políticas e econômicas em seus respectivos modelos de TV Pública. Na segunda parte do livro, Televisão pública do Rio Grande do Sul: o caso TVE-RS, os seis capítulos estão dispostos como segue. No sexto capítulo, O ACERVO AUDIOVISUAL DA TVE: MEMÓRIA INSTITUCIONAL E PATRIMÔNIO DOCUMENTAL DO RIO GRANDE DO SUL, SOB UM OLHAR ARQUIVÍSTICO, Mauricio Luis da Silva Ramos e Medianeira Pereira Goulart sinalizam sua participação no projeto que originou este livro e articulam os conceitos de memória, arquivo, documentos audiovisuais, patrimônio documental e história institucional, para dirigir um olhar às práticas arquivísticas e às condições físicas dos documentos coletados, objetivando identificar possíveis riscos à integridade desse acervo. O capítulo sete, POSSIBILIDADES DE PESQUISA NA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE A PARTIR DO ACERVO AUDIOVISUAL DA TVE, foi escrito pelos bolsistas de Iniciação Científica do curso de História do Unilasalle Canoas (Francielle

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Garcia, Tiago Kieffer, Maria de Lourdes Togni, Camila Cunha, Isabela Diehl), sob nossa supervisão, os quais fizeram a coleta de dados da pesquisa. No artigo, é apresentado o acervo, e eles demonstram possibilidades de pensar a História do Tempo Presente a partir de imagens do acervo audiovisual dessa instituição, mais especificamente refletindo sobre o conteúdo de fitas específicas relativas ao processo de redemocratização do Brasil e ao panorama cultural sul-rio-grandense, a partir da música e do cinema. No capítulo oito, PROJETO TECNA – TVE-RS: DESAFIOS DA TELEVISÃO PÚBLICA NA CULTURA DA CONVERGÊNCIA DIGITAL, Cristiane Finger e os co-autores Greetchen Ferreira, João Vicente Ribas, Jéssica Moraes, Otávio Daros apresentam os resultados de uma pesquisa que analisou a programação da TVE-RS com o objetivo de encontrar os entraves e as oportunidades para a adoção da narrativa transmedia nos atuais programas da emissora, de modo que a televisão pública também possa enfrentar os desafios da convergência digital. No nono capítulo, MEMÓRIA AUDIOVISUAL DA TV PÚBLICA NAS REDES SOCIAIS VIRTUAIS: O PROGRAMA RADAR DA TVE-RS NO YOUTUBE E NO FACEBOOK, Helen Beatriz Frota Rozados e Rochele Tonello Zago Corrêa discutem a questão da memória audiovisual tendo por base o programa Radar, da TVE, no que se refere a ações realizadas em ambientes de rede social virtual, com foco no Youtube e no Facebook. As autoras abordam essas redes sociais virtuais, demonstrando sua importância na formação das memórias coletiva e audiovisual. No capítulo dez, O LOCAL DA CANÇÃO NA TVE-RS, os autores João Vicente Ribas e Lírian Sifuentes buscam compreender o lugar que o programa Palcos da Vida da TVE-RS ocupa na cena musical do Rio Grande do Sul, tendo como foco de estudo a participação do cancionista Nei Lisboa. O capítulo onze, O PROGRAMA PRIMEIRA PESSOA: ENTREVISTA, MEMÓRIA E DIÁLOGOS NA TVE-RS, de Laira de Campos, aborda memória e peculiaridades de um programa com mais de duas décadas de atividades ininterruptas na TVE, o Primeira Pessoa. A autora identifica uma variedade de indicadores do programa, da postura da entrevistadora e da interação entre os interlocutores, a contribuir para a compreensão do processo de formação de significados da entrevista em meio a um universo de registros valorativos, temáticos, dialogais e narrativos. E, finalmente, a parte 3 está constituída de oito capítulos sobre as TVs do campo público pelo Brasil. O capítulo doze, intitulado O (CON)TEXTO DA TV ASSEMBLEIA/RS NA PERSPECTIVA DO CIRCUITO DA CULTURA, de Tiane Dias e Flavi Lisbôa Ferreira Filho, traz, com o aporte teóricometodológico dos estudos culturais e a TV Assembleia/RS como objeto de estudo, a análise do texto televisivo e a forma como a televisão legislativa con-

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templa as representações identitárias gaúchas em sua grade de programação. No décimo terceiro capítulo, cujo título é O PAPEL ESTRATÉGICO DAS TVS PÚBLICAS DIGITAIS – AS NOVAS AUDIÊNCIAS E AS POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO DIGITAL, a autora Cosette Castro analisa a TV digital pública como espaço estratégico para desenvolver políticas de comunicação voltadas para a participação cidadã, através do uso dos recursos oferecidos por tecnologias digitais interativas e pela possibilidade de produção de conteúdos audiovisuais digitais locais, estaduais e nacionais que circulem em todo o país gratuitamente. Para isto, pensa o projeto Brasil 4D, coordenado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na etapa Distrito Federal durante o ano de 2014-2015. No décimo quarto capítulo, ANÁLISE DA PROGRAMAÇÃO DA TV CULTURA DE SÃO PAULO: IDENTIFICAÇÃO DE GÊNEROS E FORMATOS, Elza Aparecida de Oliveira Filha e Fabio Silva Ladeira abordam as estratégias utilizadas pela TV Pública para elaboração da sua grade de programação, a partir do caso da TV Cultura de São Paulo. Partindo da discussão sobre as diferentes motivações que atuam no jogo de forças imposto pelos interesses e pelas necessidades de uso da programação da TV como moeda de troca para questões políticas e de investimentos, o texto dos autores propõe um comparativo com as estratégias de programação da TV comercial. No décimo quinto capítulo, PRODUÇÃO COLABORATIVA NA TELEVISÃO: UM OUTRO OLHAR PARA OS VÍDEOS AMADORES NA TEVÊ PÚBLICA BRASILEIRA, Beatriz Becker e Jhonatan Mata propõem uma reflexão crítica sobre o quadro Outro Olhar, denominado pela equipe do telejornal Repórter Brasil como um espaço de cidadania na emissora pública, para compreender como a construção da memória se manifesta nos arquivos audiovisuais noticiosos colaborativos. Para tanto, examinam imagens e áudios de cinegrafistas e repórteres amadores presentes no telejornal, com foco no engajamento dos cidadãos nos relatos da história cotidiana construída pelos noticiários televisivos através de vídeos amadores veiculados na TV Brasil. Vanessa Matos dos Santos, Adriana C. Omena Santos, Itaci Alves Marinho Junior e João Pedro Omena dos Santos assinam o décimo sexto capítulo, intitulado CULTURA E EDUCAÇÃO NAS TVS DO CAMPO PÚBLICO: REFLEXÕES À LUZ DA PROGRAMAÇÃO TELEVISIVA DA FUNDAÇÃO RTU, em que situam teórica e conceitualmente a TV Pública no âmbito das políticas públicas de comunicação, perpassando diferentes aspectos desta discussão — do escopo educacional de uma emissora pública ao seu alcance e sua vocação. Para tanto, os autores apresentam o debate sobre o público e o privado e inter-relacionam os conceitos que norteiam a TV no Brasil, focando sua análise nos conteúdos das grades das TVs públicas, mais especificamente,

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na presença (ou não) do viés educativo na programação de uma televisão educativa do Triângulo Mineiro, a Televisão Universitária da Fundação RTU. O capítulo dezessete, MEMÓRIA DA DIFUSÃO PÚBLICA: A ANHATOMIRIM TV EDUCATIVA – A TV CULTURA SC, dos autores Cárlida Emerim e Áureo Mafra de Moraes, faz um recorte temporal de 17 anos, começando na criação da emissora e de sua mantenedora, em março de 1994 até o ano de 2011, quando encerrou, em definitivo, suas atividades. Ao longo dos seus 17 anos de atuação, a TV Cultura SC representou um período alternado de esforços de criação, consolidação, altos e baixos no espaço público da tevê no estado catarinense. No décimo oitavo capítulo, denominado FRONTEIRAS ENTRE ESTADO E MERCADO: O PROGRAMA ANTES & DEPOIS DA LEI DA TV JUSTIÇA (STJ) E SUA INSERÇÃO NA TV ABERTA (RECORD NEWS), Robson Borges Dias e Isabela Vargas Oliveira trabalham o aspecto noticioso recente do que se convencionou chamar de Mídia das Fontes (Francisco Sant’Anna) e/ou de Revolução das Fontes (Manuel Chaparro) e essa experiência entre Jornalismo Público, Ação Comunicativa e Comunicação Pública, tendo o referido programa como elo de cidadania e notícia entre Estado (Judiciário) e Mercado (Record News). Por último, o capítulo dezenove do livro, PUBLICIDADE E INTERESSE PÚBLICO: O CASO DA TV BRASIL, de Maria Berenice da Costa Machado, Jéssica Trisch e Flahane Roza apresenta dados da programação da TV Brasil/ EBC, monitorada por equipe da Fabico/UFRGS, durante o ano 2014, descreve os formatos publicitários exibidos na grade da emissora pública, destaca as características dessas peças e identifica suas temáticas e quem são os emissores/assinatura, relacionando o material empírico com os princípios e objetivos da radiodifusão, da comunicação e da publicidade que visa o interesse público. Por fim, neste percurso, alguns agradecimentos se fazem necessários, pois uma pesquisa e uma obra coletiva são frutos de esforços conjuntos, em que cada colaboração é enriquecedora por si só. Agradecemos ao grupo de bolsistas, que se foi alternando no decorrer da pesquisa, os quais sensivelmente souberam perceber a importância do acervo audiovisual da TVE e coletaram os dados acertadamente: Mariani Viegas da Rocha, Janine Longaray de Faria, Marluce Dias Fagundes, Maria de Lourdes Togni, Tiago Kieffer, Francielle Garcia, Camila Cunha e Isabela Diehl. Ao pessoal do arquivo da TVE, Alexandre Leboutte da Fonseca, Maurício da Silva Ramos e Circe Maria Souza Tavares nosso profundo agradecimento por compartilharem conosco tão precioso material, mesmo em meio a dificuldades técnicas.

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Um muito obrigado especial aos presidentes da TVE – Pedro Osório e Isara Marques – que concederam a possibilidade de realizarmos a pesquisa nas dependências da emissora. Ao Unilasalle Canoas agradecemos a disponibilidade de ceder alunos e professores e a possibilidade de firmar um acordo interinstitucional que nos proporcionou a relação de pesquisa com a TVE. Agradecemos muito a Tiago Appolinário, nosso videomaker cheio de ideias, que nos traz a possibilidade de editarmos as imagens que mais nos impressionaram e que trouxeram a esta pesquisa o fator inusitado: pensar a memória da sociedade em imagens televisivas. Não podemos deixar de agradecer à nossa prefaciadora, professora Maria Helena Weber, que muito gentilmente aceitou nosso convite para ler nossa obra e comentá-la. E, por fim, mas absolutamente imprescindível, agradecemos à FAPERGS que acreditou em nosso projeto de pesquisa e referendou sua execução em termos financeiros, e aos autores dos capítulos, num total de 42 pesquisadores que encamparam esta empreitada conosco, respeitando nossos prazos e nos brindando com textos de alta qualidade. Desejamos uma excelente leitura a todos e que a obra espalhe ideias pelo mundo da televisão pública, deixando espaço aberto a novas pesquisas e estimulando novas possibilidades de reflexão e de atuação neste campo, em que a imagem se torna um “órgão de memória social”. Nádia Maria Weber Santos Ana Luiza Coiro Moraes Organizadoras

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Prefácio Refletir sobre a televisão pública brasileira é tarefa complexa com a liquidez própria àqueles temas entranhados entre a estética, a política e a lei. Debate que se impõe desde os primórdios da televisão no Brasil e adquire relevância na medida em que a democracia fortalece as disputas de poder e de visibilidade. A televisão pública tem sido objeto de pesquisas científicas e estatais que identificam seu potencial poder na relação com a cultura e a cidadania. Cabe ressaltar que este livro é apresentado ao público, num momento político difícil marcado por crises políticas, em torno do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (2015) e, especialmente, marcado por manifestações da sociedade, profissionais e comunicação, artistas e pesquisadores mobilizados em defesa da Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC, instituição primeira da comunicação pública, no Brasil. As organizadoras Ana Luiza Coiro Moraes e Nádia Maria Weber Santos ampliam esse debate ao reunir diferentes perspectivas teóricas, autores e recortes da televisão pública, conforme dizem na sua apresentação “Para uma memória das TVs públicas no Brasil: trajetórias de pesquisas”. Organizado em três partes – Televisões do campo público: algumas reflexões teóricas; Televisão pública do Rio Grande do Sul: o caso TVE-RS e TVs do campo público pelo Brasil –, o livro oferece reflexões e relatos orientados pela história, memória e funcionamento da televisão pública; achados de pesquisas sobre a programação; análise da cultura em espaços e produtos televisivos; a instituição televisão pública como patrimônio público e os desafios da televisão pública diante do avanço das tecnologias digitais e dos processos de convergência. Diferentes referenciais teóricos são acionados na formulação dos textos, conforme aponta a extensa bibliografia relacionada à problematização de questões tão difíceis quanto importantes, pois estão situadas na fronteira do debate entre o público e o privado; entre o passado e o futuro da radiodifusão pública, cuja história e legislação mantêm o questionamento sobre sua função cultural e educativa; entre a sua autonomia em benefício do interesse público e a sua dependência político-financeira; entre o estatuto da estética e

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da comercialização de impostos pelas televisões comerciais em relação à qualidade dos conteúdos, especificamente, sobre a importância da sua programação diferenciada para a valorização da cidadania. Nos textos apresentados é possível assistir diferentes produtos televisivos que integram ou integraram a programação das televisões públicas, valorizados como patrimônio público da cultura. Esses programas indicam a importância da comunicação pública na constituição da identidade do cidadão espectador. A primeira parte, denominada “Televisões do campo público: algumas reflexões teóricas”, abriga os textos de Ana Luiza Coiro Moraes e Nádia Maria Weber Santos (Considerações teóricas sobre o acervo audiovisual da TVE-RS: memória e patrimônio na televisão pública); Angela Lovato Dellazzana (Televisão e cidadania: a constituição da esfera pública); Newton Pinto da Silva (Mediação e arte: produção e consumo de produtos culturais na TV Pública); Renata Rocha (Trajetória da televisão pública no Brasil: políticas, interseções e embates) e de Rafiza Varão, Fernanda Vasques Ferreira e Lauro Moraes (Origens da TV Pública: um panorama histórico e conceitual). Através dos textos é possível percorrer o histórico de fundação da TVE (desde a década de 60) e encontrar indicadores que ressaltam a importância de seus arquivos como patrimônio histórico e cultural, como “lócus privilegiado da memória coletiva, social e cultural” como sublinham as organizadoras da obra. Também as referências à Constituição Federal de 1988, que definiu a existência de três sistemas de radiodifusão (pública, privada e estatal) no seu Art. 223, fomentam a discussão sobre as diferenças quanto ao modo de funcionamento das televisões estatais e públicas, considerando os níveis de autonomia de produção e crítica, a dependência governamental e investimentos considerando a vinculação destas TVs e os interesses públicos e privados envolvidos. A defesa da democratização dos meios de comunicação encontra respaldo nos textos, quando são citados o trajeto histórico de constituição da televisão no Brasil e a regulamentação da TV pública, chegando até a criação da EBC. Nessa primeira parte, o levantamento e a análise dos vídeos de “Palcos da Vida”, chamam atenção com a sistematização e análise de informações sobre 18 programas de arte, dança, teatro veiculados na TVE, que bem demonstram seu compromisso com a cultura. Denominada “Televisão pública do Rio Grande do Sul: o caso TVERS”, a segunda parte aborda mais estudos sobre a memória e a programação

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da TVE-RS, conforme demonstram os textos de Medianeira Goulart e Maurício Ramos (O acervo audiovisual da TVE: memória institucional e patrimônio documental do Rio Grande do Sul, sob um olhar arquivístico); de Francielle Garcia, Tiago Kieffer, Maria de Lourdes Togni, Camila Cunha, Isabela Diehl, Nádia Maria Weber Santos, Ana Luiza Coiro Moraes (Possibilidades de pesquisa na História do Tempo Presente a partir do acervo audiovisual da TVE); de Cristiane Finger, Greetchen Ferreira, João Vicente Ribas, Jéssica Moraes e Otávio Daros (Projeto TECNA – TVE-RS: desafios da televisão pública na Cultura da Convergência Digital); de Helen Beatriz Frota Rozados e Rochele Tonello Zago Corrêa (Memória audiovisual da TV pública nas redes sociais virtuais: o programa Radar da TVE-RS no Youtube e no Facebook); de João Vicente Ribas e Lírian Sifuentes (O local da canção na TVE-RS) e de Laira Campos (O programa Primeira Pessoa: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS). Diferentes angulações e perspectivas teóricas oferecem informações para que o leitor construa a história da Televisão Educativa no RS que, junto à Rádio FM Cultura, integra a Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão, vinculada ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Em síntese, teria sido pensada desde 1961 (Newton da Silva), sendo que em 1965 foi criado o Setor de Cinema e TV Educativa, subordinado ao Serviço de Recursos Audiovisuais. A concessão data de 1968 (decreto 62.822) que a vincula à Secretaria de Educação e Cultura e a inauguração oficial ocorreu em 1974 (TVE – Canal 7), com o Núcleo SEC/PUC – Centro de Televisão Educativa (CETEVE), na Famecos (PUCRS). Em 1981, a TVE foi transferida para o prédio da extinta TV Piratini, onde está até hoje. Artigos reunidos nessa segunda parte valorizam o acervo audiovisual produzido pela TVE-RS ao longo de 40 anos e salientam a necessária valorização destes arquivos visando à preservação e à socialização deste patrimônio. A diversidade do arquivo da TVE aponta para milhares de fitas, em diferentes formatos, que registram raridades e a história da cultura regional, nacional e internacional. Muitas já estão sob os cuidados do Museu de Comunicação Social Hypólito José da Costa. Três programas que marcaram a produção da TVE merecem estudos especiais. O programa “Palcos da Vida” (1987-2014) é analisado a partir do entendimento de sua importância para a música gaúcha, focado na participação de Nei Lisboa, cantor e compositor que atravessou este período com composições de caráter universal. A análise do programa “Primeira Pessoa” (1987-2015), apresentado pela jornalista e psicóloga Ivette Brandalise, reivindica a importância do diálogo e da entrevista de caráter intimista com

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Prefácio

intelectuais, artistas, personalidades regionais, nacionais e internacionais e ressalta a simplicidade da produção em comparação com os investimentos tecnológicos que caracterizam a televisão brasileira. O programa “Radar” (1994) adquire relevância, assim como os outros, considerando sua permanência na dinâmica cultural, independentemente de governos e tecnologias. A relação entre conteúdos e interferências de ordem política, considerando as questões de dependência político-econômica, extrapola a dimensão teórica e é apresentada na comparação entre governos estaduais, especificamente, entre Tarso Genro (2010-2014) e José Sartori (2015-2018). Essas questões também apontam para a complexidade das narrativas televisivas nas emissoras públicas, quando a abordagem remete a inovações denominadas de transmedia e crossmedia. Na parte três, a reflexão é orientada pelo título “TVs do campo público pelo Brasil” e reúne diferentes abordagens em diferentes televisões: dos autores Tiane Dias e Flavi Lisbôa Ferreira Filho (O (com)texto da TV Assembleia/RS na perspectiva do circuito de cultura); Cosette Castro (O Papel Estratégico das TVs Públicas Digitais – as novas audiências e as possibilidades de inclusão digital); Elza Aparecida de Oliveira Filha e Fábio Ladeira (Análise da programação da TV Cultura de São Paulo: identificação de gêneros e formatos); Beatriz Becker e Jhonatan Mata (Produção colaborativa na televisão: um outro olhar para os vídeos amadores na tevê pública brasileira); Vanessa Matos dos Santos, Adriana Cristina Omena dos Santos, Itaci Alves Marinho Junior e João Pedro Omena dos Santos (Cultura e Educação nas TVs do campo público: reflexões à luz da programação televisiva da Fundação RTU); Cárlida Emerim e Áureo Mafra de Moraes (Memória da difusão pública – a Anhatomirim TV Educativa – a TV Cultura SC); Robson Borges Dias e Isabela Vargas Oliveira (Fronteiras entre Estado e mercado: o programa ‘Antes & Depois da Lei’ da TV Justiça (STJ) e sua inserção da TV aberta (TV Record) e Maria Berenice da Costa Machado, Jéssica Trisc e Flahane Roza (Publicidade e interesse público: o caso da TV Brasil). Estudos relacionados a diferentes tipos de televisão classificadas como públicas ressaltam diferenciais relacionados à programação, linguagem e estrutura de televisões públicas. Os artigos aprofundam questões da linguagem, de identidade e de relações político-culturais que complexificam a abordagem sobre conteúdos produzidos, audiência e autonomia das emissoras, assim como podem ser identificadas novas perspectivas para a consolidação da televisão pública.

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Os textos aprofundam as características de diferentes canais públicos. A TV Assembleia/RS é analisada a partir da sua relação com a cultura e a política, considerando a diversidade do estado e a programação do Poder Legislativo. O estudo sobre a TV Justiça oferece um diferencial de ordem teórica e funcional, quando aborda o programa Antes & Depois da Lei. Produzido com objetivos de interatividade (hiperprograma), visa beneficiar os cidadãos, através do esclarecimento sobre seus direitos e deveres. O diferencial está na ampliação da divulgação do programa na internet, TV Justiça e na TV Record. Uma das abordagens importantes do livro fica a cargo da reflexão sobre questões sociais, politicas e estratégicas, a partir da premissa que a comunicação é um direito humano e a qualidade de vida pode ser valorizada, a partir da tecnologia digital apropriada pelas televisões públicas. Nesta perspectiva, se situa o relato da pesquisa nacional e transdisciplinar denominada Brasil 4D – etapa Distrito Federal (DF) desenvolvido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) com a participação de pessoas vinculadas ao programa Bolsa Família. A TV Cultura, que ocupa lugar de destaque na história das emissoras públicas, é uma das únicas a ter programas que podem ser considerados competitivos, em comparação com outras emissoras. A análise incide sobre a identificação das estratégias da sua programação, ressaltando a tipologia dos programas quanto ao gênero e desenvolvimento. O telejornalismo e os vídeos amadores utilizados em todas as redes são a matéria-prima do texto que discute o jornalismo participativo, colaborativo, as características da relação público e privada desta atividade amadora. Para tanto é analisado o programa Outro Olhar da TV Brasil, onde podem ser identificadas as diversidades temáticas e a alteridade possível. O debate sobre educação e cultura, sobre o público e o privado relacionados à televisão educativa adquirem relevância no estudo sobre a televisão da Fundação RTU de Uberlândia, onde a programação é detalhadamente analisada, tendo em vista a autonomia da emissora e os compromissos públicos. Integra as análises regionais, o artigo sobre a história da TV Cultura de Santa Catarina, “criada como Anhatomirim TV Educativa” (1994-2011). A trajetória desta emissora é contada através de documentos e depoimentos orais, para demonstrar o funcionamento e as características da gestão e programação que permitem inferir sobre seus diferenciais em relação a outras experiências de televisão educativa.

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Prefácio

O fechamento do livro aponta para a continuidade do debate na direção de limites e confluências do público e do privado. Trata-se de artigo que privilegia a identificação da publicidade nas televisões públicas, tendo como base a pesquisa sobre a TV Brasil (UFRGS/EBC), desenvolvida em 2014/ 2015. O estudo permite problematizar a função da publicidade na televisão pública e os modos de ocupação do espaço intervalo. Muitos textos são excertos de importantes pesquisas como o projeto regional intitulado Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini; a pesquisa nacional Projeto Brasil 4D (EBC), TECNA – TVE-RS e o Projeto de Monitoramento e Análise de Conteúdo da TV Brasil (EBC). A leitura destes artigos permite acreditar na continuidade do debate e na produção científica sobre comunicação pública como conceito aliado das democracias, assim como defender a mobilização social e política, em defesa das instituições públicas de comunicação. Porto Alegre, 7 de julho de 2016 Maria Helena Weber

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PARTE UM

Televisões do campo público: algumas reflexões teóricas

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Considerações teóricas sobre o acervo audiovisual da TVE-RS: memória e patrimônio na televisão pública Nádia Maria Weber Santos Ana Luiza Coiro Moraes

Introdução A Fundação Cultural Piratini completou 40 anos em 2014, e, na esteira da proposta de uma reflexão sobre sua emissora de televisão pública, a TVERS, a partir de seu arquivo audiovisual, vislumbramos um espaço de pesquisa novo e ainda pouco explorado, que originou um projeto, cujos resultados, esperamos, contribuam para a divulgação e para a valorização dos bens culturais da sociedade gaúcha no que tange aos seus produtos audiovisuais. Dessa forma, este artigo é parte dos resultados do projeto de pesquisa intitulado Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE, financiado pelo edital Pesquisador Gaúcho (PQG) da FAPERGS, e insere-se no debate teórico sobre o referido acervo. Como exposto na apresentação deste livro, a pesquisa foi realizada por uma equipe interdisciplinar, num período de aproximadamente dois anos1, quando então nos debruçamos sobre o acervo de fitas da TVE para a coleta dos dados e sua discussão. A equipe contava com as duas autoras deste capítulo, pesquisadoras dos campos da História e da Comunicação, uma mestranda em Memória Social e Bens Culturais (agora mestre) e oito bolsistas de Iniciação Científica, estes últimos responsáveis pela coleta de dados sob nossa supervisão. Cabe salientar novamente que o projeto resultou em alguns produtos, dentre eles o presente livro – que têm a contribuição dos pesquisadores que 1

O projeto inicial foi escrito em 2013, no âmbito da linha de pesquisa Memória, Cultura e Identidade, do PPG em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle/Canoas, pela professora Dra. Nádia Maria Weber Santos, no intuito de investigar processos memoriais através de imagens, na emissora TVE. Em início de 2014, para fins de submeter ao edital da FAPERGS no mês de maio (edital 02/2014, Pesquisador Gaúcho – PQG), montamos a equipe interdisciplinar. A professora Dra. Ana Luiza Coiro Moraes, doutora em Comunicação, veio a compor a equipe, e foi formulado o projeto que ora concluímos. Desde o princípio, os motes teóricos que nos nortearam foram: memória, imagem e TV Pública.

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atuaram nesta investigação em três partes –, um documentário sobre a pesquisa (com making off, entrevistas, imagens do acervo), dossiês temáticos em revistas científicas e a escrita de diversos textos apresentados em eventos acadêmicos no Brasil e no exterior2, tanto pelas organizadoras como pela mestranda e bolsistas. Note-se ainda que o material advindo da coleta de dados realizada pelos bolsistas de Iniciação Científica, ou seja, as fichas construídas pela equipe e seus conteúdos (exemplificadas no capítulo 7 desta obra), foi disponibilizado à emissora, com o intuito de promover a interação entre a produção acadêmica e a televisão pública, evidenciando o papel de protagonismo da TVE na veiculação das diversas manifestações culturais do estado do Rio Grande do Sul. Assim, no contexto desta pesquisa de maior fôlego, o objetivo do presente artigo é apresentar a discussão de alguns conceitos, que estiveram presentes desde o projeto inicial da pesquisa em 2014, entregue à FAPERGS, e que iluminaram teoricamente o processo investigativo em direção ao arquivo audiovisual da TVE. São eles: imagem e memória, arquivos audiovisuais e reflexões em torno da televisão e da televisão pública, considerando a relação dialética entre tecnologia, formas sociais e usos culturais nela implicada. Dessa forma, aproximamo-nos, pela via teórica, dos resultados esperados da pesquisa, quais sejam, dar visibilidade a este riquíssimo acervo de imagens, contribuir para a sua preservação e, não de menor importância, contribuir para seu uso socialmente compartilhado - enquanto memória imagética, representação identitária e possível patrimônio cultural da sociedade gaúcha.

Imagem, memória e arquivos audiovisuais Desde o princípio do projeto, intentamos trabalhar com a relação imagem/memória, uma vez que este binômio está no cerne de nossas preocupações intelectuais ao pensar este tipo de acervo de vídeos. Como exposto em outros textos desta obra, o arquivo físico da TVE, localizado em uma sala de médio porte do prédio da própria emissora, possui mais de dezesseis mil fitas em suportes diversos, dos mais antigos aos mais atuais, e nas mais variadas condições de preservação e de uso. Dessa forma, na busca por imagens que rememorassem a história da sociedade gaúcha, durante a coleta de dados, ti-

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Um viés desta pesquisa foi apresentado no “V Congresso Internacional em Estudos Culturais – gênero, direitos humanos e ativismos”, promovido pelo Programa Doutoral da Universidade de Aveiro (Portugal), em setembro de 2016. Convidadas a compor uma Mesa Redonda no evento, as autoras apresentaram o tema “Representações e Memórias do Feminino em arquivo audiovisual: o caso da TVE, décadas de 1980, 1990 e 2000”.

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vemos a oportunidade de fazer nossa fonte dialogar com os aspectos teóricos da pesquisa, através das metodologias propostas. Assim que a noção de representação, cujo conjunto constitui um imaginário social, permeia este projeto, no que tange ao estudo de imagens (acervo audiovisual) televisivas. Imagens são espécies de narrativas simbólicas que se prestam à decifração (SANTOS, 2013a) e atestam/representam a passagem do homem através das épocas, reapresentando o ausente (CHARTIER, 1998). Neste sentido, as imagens fornecem rastros do presente ou do passado e, fixas ou em movimento, são um tipo de linguagem cuja finalidade é comunicar. Dotadas de sentido e produzidas por ações humanas intencionais, as imagens partilham com outras formas de linguagem a condição de serem simbólicas. “Imagens são representações da realidade que se colocam no lugar das coisas, dos seres, dos acontecimentos do mundo. É da natureza da imagem oferecerse à contemplação, dando-se a ver.” (PESAVENTO, 2008a, p. 100). Na função de representação do real, contudo, uma imagem porta significados somente quando nela incide o olhar humano, que já traz consigo outras imagens, do “arquivo da memória”, de seu “museu imaginário” (PESAVENTO, 2008a, p. 101). Seguindo o rastro de Warburg, analisado por Agamben (2004) e também por Didi-Hubermann (2012), que refere que a imagem se torna um órgão de memória social no momento de sua transmissão – transmissão esta que repassa as tensões espirituais de uma cultura, seus conflitos, desejos e tudo o mais que estaria na base dos comportamentos humanos –, podemos falar na existência de uma memória em imagens, em que as imagens seriam os meios paradigmáticos da memória. “A reminiscência, operação imaginária de sentido que visualiza a imagem do ausente, mostra que a memória não é possível sem imagens” (PESAVENTO, 2008b, p. 19). Em sua obra “Imagens apesar de tudo”, o filósofo e historiador da arte Didi-Hubermann remete-nos ao estatuto da imagem enquanto um “acontecimento visual”: as imagens são acontecimento, pois passam por um processo, por um trabalho, até surgirem em seu suporte (seja fotográfico/estático, seja num filme/em movimento). A imagem está impregnada de ações, qualquer que seja ela, transformando-se em “vestígio ou fragmento de verdade” (DIDIHUBERMAN, 2012, p. 56-58)3. As imagens surgem, refere ele, quando precisamos exatamente de uma memória e quando as palavras já não bastam. O autor 3

Nesta obra, especificamente, o autor analisa quatro fotografias retiradas desde dentro do campo de concentração em Auschwitz, pelos membros do Sonderkommando. São imagens arrancadas de situações-limite e que o fazem repensar o estatuto das imagens como “instantes de verdade”, em que a memória precisa viver de alguma forma.

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afirma, nessa obra, referindo-se às imagens “arrancadas ao real de Auschwitz” pelos prisioneiros, que a natureza fictícia de uma imagem se transforma numa dimensão de realidade, objetivando a subjetividade da memória, tornando-a um bem coletivo. As imagens cumprem o papel de testemunho e transmissão (assim como em Warburg) – quando olhadas, refletidas, ao saírem da pura intimidade e subjetivismo e indo parar no domínio público. E este é o motivo pelo qual uma imagem, mesmo deteriorada “devido ao seu contato com o real (como testemunho ou imagem de arquivos), e por pouco que se tenha tornado possível conhecê-la ao relacioná-la com outras fontes (como montagem ou imagem construída), ‘salva a honra’, isto é, salva pelo menos do esquecimento, um real histórico ameaçado pela indiferença” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 226). No entendimento da relação imagem/memória pelo historiador que procura nas fontes, aqui audiovisuais, rastros de acontecimentos passados, temos no pensamento de Pesavento (2008a) uma âncora teórica que dialogou com as imagens encontradas nas fitas da TVE. “Se a memória é a capacidade que um ser humano possui de reagir a um acontecimento por certo tempo, e de conservar e transmitir a energia do mundo físico”, escreve a autora seguindo, também, os passos de Warburg, então “a imagem cristaliza em si uma carga energética e uma experiência emotiva que é transmitida, ao longo do tempo, pela memória social” (PESAVENTO, 2008a, p. 102-103). Em outras palavras, podemos dizer que a imagem é portadora de sentidos, pois ela relaciona dialeticamente aquele que a observa e aquele que a fez surgir, dentro de um âmbito maior, o da memória (SANTOS, 2013b). Assim, foi a partir deste estatuto da imagem como “acontecimento visual” (postulado por Didi-Hubermann) e como representação simbólica/vestígio/fragmento de um real histórico que tomamos em pesquisa as imagens do arquivo audiovisual da TVE, nestes 40 anos de sua existência. E, na medida em que as imagens são tidas como testemunhos imediatos da memória, neste caminho é que estudamos a memória (cultural e coletiva) da sociedade riograndense a partir do mencionado arquivo. Postula-se memória como uma das possibilidades de construção de sentidos sobre o passado, não sendo pura representação, uma vez que é também narrativa. A memória pode ser vista como o reconhecimento de uma imagem do passado, diferenciando-se da História por se ocupar de rememorações/lembranças (re)integradas subjetivamente a esse passado, o qual não mais volta de forma objetiva, mas que se apresenta, nessas imagens da memória, quase que sem rupturas (SANTOS, 2013b). Porém, é na concretude das ações humanas que ela se revela. Como diz Nora (1993, p. 9), “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.

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Cabe aqui uma breve diferença entre dois pontos de vista sobre a memória que nos interessam nesta discussão sobre as fitas de imagens da TVE-RS. Um deles diz respeito à noção de memória coletiva trazida pelo autor clássico no campo, o sociólogo Maurice Halbwachs (2006). Para ele, a memória está relacionada às vivências sócio-históricas dos indivíduos, ou seja, para ele, a duração no tempo só se dá pelo convívio social – o tempo é construído socialmente - e as lembranças (mesmo as individuais) só são possíveis porque são coletivas – mesmo “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” (HALBWACHS, 2006, p. 69). Ao diferenciar memória coletiva de memória histórica, o autor aproxima a primeira às comunidades afetivas, conjunto de indivíduos que partilham valores e normas transmitidas no tempo. “É no tempo, no tempo que é o de um determinado grupo que ele [o espírito, em que Halbwachs remonta à teoria de Bergson4] procura encontrar ou reconstituir a lembrança, e é no tempo que se apoia” (HALBWACHS, 2006, p. 146). O outro ponto de vista que dialoga com nossas fontes imagéticas, é o da intelectual alemã, especialista em literatura, Aleida Assmann (2011), que postulou a noção de memória cultural em sua obra Espaços da recordação – formas e transformações da memória cultural. Para a autora, memória cultural baseia-se em elementos simbólicos e sensíveis que compartilham sentidos; ela é transmitida por formas simbólicas (culturais) incorporadas numa sociedade, tendo durabilidade. “A memória cultural, diferentemente da memória comunicativa [que é aquela, segundo a autora, postulada por Halbwachs], é institucionalizada, celebrada, cultivada, formalizada, estabilizada por meio de símbolos materiais; ela não faz parte da comunicação do dia a dia, mas é transmitida por rituais, máscaras, danças e símbolos; são formas de conhecimento institucionalizadas” (SANTOS, 2013c, p. 64). Assmann também reconhece a importância das imagens na transmissão da memória cultural, quando elas surgem, sobretudo, em “regiões não alcançadas pelo processamento verbal” (ASSMANN, 2011, p. 237). Remontando a Edgar Wind, a autora refere que a recordação se torna um problema central para o historiador do símbolo, na medida em que ela [a recordação], ao mesmo tempo em que é o órgão do conhecimento, também cria, ao simbo-

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Bergson (2010), em poucas palavras, reconhece a existência de duas “memórias”: a memóriahábito e a memória-pura. A primeira estaria inscrita no corpo, repetiria o passado, mas não é o passado; o corpo escolheria e traria a memória à consciência. A segunda, por sua vez, estaria alojada no espírito, o qual registra o passado sob a forma de memória-imagem; é a “verdadeira memória”; é uma lembrança espontânea, perfeita, em que o tempo não poderá acrescentar nada à sua imagem sem que seja desnaturalizada.

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lizar, “um reservatório de forças que em dada situação sofrem descarga histórica” (ASSMANN, 2011, p. 244). Assmann ainda reitera a diferença que se dá na transmissão memorial por textos, pela via oral e pelas imagens. Também na esteira de Warburg, como os outros autores citados aqui, ela confere um “sobrepeso criativo” às imagens, o que legitima a memória cultural ser transmitida de forma mais duradoura que a memória coletiva (dos grupos). “O poder das imagens procura seus próprios caminhos de mediação”, diz ela (ASSMANN, 2011, p. 244). Um último ponto de relevância para iluminar nossas fontes audiovisuais é a noção de arquivo que essa autora contemporânea nos traz, no capítulo intitulado “Armazenadores”. Para ela, o arquivo não é somente um repositório de documentos do passado, mas também “um lugar onde o passado é construído e produzido”, construção codeterminada por interesses sociais, culturais, políticos e também pelos meios de comunicação e pelas técnicas de registros (ASSMANN, 2011, p. 25-26). Ela considera o arquivo mesmo como um testemunho do passado e um armazenador coletivo de conhecimentos. As novas mídias, diz ela, trazem consigo problemas de armazenamento, pois novas formas de arquivos devem surgir. Porém, é na arte, que se ocupa cada vez mais da memória, que temos um foco importante: “a memória artística não funciona como armazenador, mas estimula os armazenadores, ao tematizar os processos de lembrar e esquecer” (ASSMANN, 2011, p. 26). Essa afirmativa se torna importante no diálogo com nossa fonte, em que a memória de 40 anos de cultura em nosso estado está presente nas fitas da TVE, que surgem como um repositório de “memória potencial ou pré-condição material para memórias culturais futuras” (ASSMANN, 2011, p. 369). Nesse capítulo ela ainda trabalha com as três funções básicas do armazenamento (conservação, seleção e acessibilidade), presentes em nossas preocupações ao entrarmos e diagnosticarmos o arquivo da TVE. Concordamos com a afirmação de Aleida Assmann, portanto, quando diz que o arquivo “contém embutida em si uma memória funcional na forma de memória de armazenamento, que é designada pelo nome de “herança cultural” e que é também entregue aos cuidados dos arquivistas, imbuídos na tarefa de protegê-la contra possíveis catástrofes naturais ou culturais” (ASSMANN, 2011, p. 369). Nessa senda, compreendemos o papel dos (poucos) arquivistas da TVE e suas preocupações com a falta de recursos para suas tarefas de conservação e salvaguarda do material sob sua guarda. Diante do exposto até agora, afirmamos que a TVE e suas imagens têm significado político, ético e histórico dentro da sociedade, pois a televisão, ao produzir imagens, ao guardá-las e no trabalho ativo de preservá-las, faz de seu

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arquivo um espaço de memória, locus privilegiado da memória coletiva e cultural ao mesmo tempo. Resgatar imagens televisivas, ou fragmentos delas, torna o arquivo valioso às lembranças e imprescindível para a memória cultural (ASSMAN, 2011) da sociedade, em seus instantes de verdade e na sua identidade (POLLAK, 1992). O acervo5 audiovisual da primeira televisão pública do Rio Grande do Sul pode ser considerado, deste modo, como a “consciência histórica” não só de suas diversas administrações (BELLOTTO, 2006), mas também de todos aqueles que partilharam o fazer das programações, de todos os gêneros, apresentando e reapresentando a identidade gaúcha. Neste sentido, comportam uma memória coletiva, de um ou vários grupos. A importância da preservação de arquivos/acervos liga-se também ao fato de que os documentos guardados constituem um registro cultural de um determinado tempo e espaço, podendo ser significativos para toda a sociedade. E manter a integridade do suporte e da informação do acervo que custodiam é responsabilidade tanto de empresas e instituições quanto de profissionais ligados à memória e ao patrimônio (historiadores, arquivistas, museólogos, pessoal da informação e da comunicação, em nosso caso). Neste sentido, tornam-se fomento para uma memória cultural. Por outro lado, Schellenberg (2006) alerta que “os documentos modernos são, por assim dizer, quase tão efêmeros quanto volumosos. [...] Não haverá perigo de submergir-se na inundação de documentos públicos modernos, pois estes desaparecerão rapidamente, quase na mesma proporção em que foram produzidos” (SCHELLENBERG, 2006, p. 231). Pensando nisto, sobretudo em um momento em que os suportes de mídia transformam-se rapidamente, é que a necessidade de reestruturar o material audiovisual em um acervo de memória e documentação torna-se urgente. E por isso ancorarmo-nos no estatuto da imagem, conforme apresentamos acima, como um “instante de verdade”, como um “acontecimento visual” (DIDI-HUBERMAN, 2012), pois ela é “carregada de significados e onerada com recordações”, constituindo-se em memória cultural: “Por meio de alguns discursos, determinadas imagens são selecionadas, investidas de significado e atreladas à memória cultural imagética” (ASSMANN, 2011, p. 250). 5

Não estamos aqui usando indiscriminadamente os termos arquivo e acervo. O arquivo, nesse texto, é o local com seu conjunto de documentações: aqui, o espaço físico que existe na TVE com um conjunto de mais de 16 mil fitas acumuladas em seu espaço para os fins da emissora. O acervo se constitui no momento em que esses documentos se tornam também uma coleção, são do mesmo tipo (fitas audiovisuais), organizados, catalogados. Na TVE temos um arquivo e, como há uma mínima organização das fitas, tornando-se uma coleção, incluindo sua indexação em um sistema digital, temos, também, um acervo.

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A preocupação com a salvaguarda dos arquivos audiovisuais também recai sobre outro ponto, mais específico: a questão do meio pelo qual a imagem chega até o espectador, ou seja, é necessário o uso de uma tecnologia. “Os documentos audiovisuais se caracterizam por conter sons e/ou imagens em movimento dispostos em um suporte (fita cassete, fita Beta, CD, DVD etc.). Ao contrário de um documento escrito ou fotográfico, os suportes, para serem gravados, transmitidos e compreendidos, necessitam de um dispositivo tecnológico.” (BUARQUE, 2008, p. 1). Segundo Buarque (2008), é relativamente recente o reconhecimento, por parte de arquivistas e pesquisadores, dos documentos audiovisuais como possibilidade de patrimônio cultural, os quais devem ser preservados e difundidos por seguidas gerações. Entretanto, em função dos suportes audiovisuais em que foram originalmente veiculados, esses documentos necessitam de dispositivos tecnológicos específicos para serem reproduzidos, o que torna difícil a tarefa de produzir um acervo (e sua manutenção e salvaguarda), pois tais dispositivos desaparecem do mercado com a mesma rapidez que emergem cada vez mais novas tecnologias. As mídias mudam e os aparelhos para reproduzilas (e suas peças) passam a não mais existir. É o caso do que existe dentro do arquivo da TVE, onde há rolos de filmes muito antigos, sem aparelhagem adequada para reproduzi-los, ou mesmo as fitas U-Matics que estão em precário estado de conservação, partindo-se quando tentamos visualizá-las. Ou seja, perdem-se os “documentos” materiais de imagens pela deterioração temporal e perdem-se seus conteúdos (as próprias imagens) pela impossibilidade de examiná-los corretamente pela falta de tecnologia adequada. Caducam as tecnologias e perdem-se as imagens, os “instantes de verdade” das imagens, impossibilitando a transmissão das memórias – coletivas e culturais - nelas contidas.

Televisão pública: uma relação dialética entre tecnologia, formas sociais e usos culturais O surgimento da televisão decorre de investigações científicas e descobertas tecnológicas desenvolvidas durante um longo período de tempo. Inicialmente, pontua Sartori (1987), é possível vislumbrar a ideia da televisão implícita em pesquisas que levaram à invenção da fotografia e do cinema. Pode-se dizer, numa síntese preliminar, que a televisão foi isolada enquanto objetivo tecnológico específico (ou seja, tendencialmente independente dos supracitados campos anexos) no período de 1880-1890 e que depois, após uma pausa, desenvolveu-se como empresa autônoma, desde os primeiros anos da década de 1920 até o dos primeiros modelos de televisão pública e privada dos anos 30 [...] amadurece como sistema industrial complexo, dirigido a um público cada vez maior de consumidores, após o término da Se-

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SANTOS, N. M. W.; MORAES, A. L. C. • Considerações teóricas sobre o acervo audiovisual da TVE-RS gunda Guerra Mundial, tendo como centro propulsor o aparato econômico norte-americano (SARTORI, 1987, p. 249).

Para Williams (2011), sob a égide do capitalismo, a televisão faz parte de um aparato tecnológico que, a partir das estradas de ferro e da iluminação pública, passando pelos jornais e pelo rádio, se encontra a serviço de um modo de vida que supõe mobilidade, mas, ao mesmo tempo, está centrado no âmbito do privado, no interior dos lares. Trata-se do “lar privatizado”, que envolve um processo de “privatização móvel”, em que a casa passa a ser o lugar para onde convergem os meios tecnológicos, que ali atuam como aparelhos (eletro)domésticos (COIRO MORAES, 2012). Tal convergência se verifica na representação da televisão operada pela publicidade brasileira dos anos 1950 e 1960, quando no cenário de um anúncio de aspirador de pó, por exemplo, era possível encontrar um aparelho de televisão entre os móveis da sala. Por outro lado, anúncios de televisores enfatizavam o caráter familiar da TV, exibindo as salas de estar como lugar de reunião da família para assistir à programação televisiva, concebida para se integrar à rotina de seu público, isto é, os moradores da casa (BERGAMO, 2010). O início da TV brasileira remonta a 18 de setembro de 1950, quando a TV Tupi de São Paulo, PRF-3 TV, canal 3, foi inaugurada. Era a concretização do sonho de um pioneiro da comunicação no Brasil, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o “Chatô”, que já controlava uma cadeia de jornais e emissoras de rádio, o grupo Diários e Emissoras Associados. A TV Piratini foi ao ar no dia 20 de dezembro de 1959, como uma das emissoras integrantes do grupo que ao longo da década de 1950 também inaugurou estações em Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia (STRELOW, 2009). A emissora pública do Rio Grande do Sul foi criada em 1974 na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Famecos/PUCRS), a partir de um acordo do Governo do Estado com a instituição de ensino. Sua programação era voltada para a educação e servia de laboratório aos alunos do curso de Jornalismo. Foi a partir de um incêndio nas instalações da TVE na Famecos, em 1980, que a administração da emissora reivindicou o espaço pertencente à extinta TV Piratini, no Morro Santa Teresa, local em que permanece até hoje. A TVE herdou da TV Piratini acervos filmográficos, torre e equipamentos. Mas em 1983, após uma reformulação e modernização tecnológica, um novo incêndio destruiu algumas instalações da TVE e todo seu arquivo de imagens, composto por “documentos produzidos pela emissora e por toda herança filmográfica da extinta TV Piratini” (SILVA, 2008, p. 26). Segundo este autor, a maioria

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das latas de filme foi queimada e o restante foi depositado nos porões do prédio principal da TVE, onde permaneceram até a década de 1990, quando então, num repasse, os equipamentos, filmes e fitas do incêndio foram levados para o Museu de Comunicação Social Hypólito José da Costa, onde permanecem até hoje, muitos em precário estado de conservação. Na década de 90, abriu-se uma exposição dos equipamentos da extinta Televisão Piratini que permaneceu até o início deste século. As películas em 16mm, as fitas quadruplex de 2 polegadas e as helicoidais de 1 polegada ficaram jogadas no subsolo do museu por mais de 15 anos. Em 2006, através da ação conjunta da ONG Arqvive, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, foi recatalogado parte do acervo fílmico proveniente do incêndio. Os demais documentos permanecem, até o momento, em más condições de guarda e preservação (SILVA, 2008, p. 27). Muitas outras transformações aconteceram na TVE, como a transmissão a cores em 1983, a interiorização do sinal para o interior do estado, a reformulação (nos anos 1990) da estrutura organizacional (passando a chamar-se Fundação Rádio e Televisão Educativa) e a realização de um acordo de cooperação técnica com a Fundação Padre Anchieta de São Paulo – TV Cultura, que propiciou a troca de programas entre as grades de programação (SILVA, 2008). Contemporaneamente, como já aconteceu com diversas emissoras comerciais, a TVE-RS passa por uma migração de mídia, ou seja, muda do sinal analógico para uma modulação digital do sinal. Trata-se de ver este desafio como uma oportunidade de reconhecimento, registro e constituição de um acervo a partir do material audiovisual, quando a TVE-RS se vê sob o impacto da mídia digital. Este impacto, aliás, já vem se fazendo sentir desde o final do século passado, através de um número crescente de atividades comunicacionais e informacionais. Todas as tarefas relacionadas com a manipulação, arquivamento, recuperação e disseminação de informações; todos os tipos de trabalhos que lidam diretamente com dados simbólicos, textuais, numéricos, visuais e auditivos, precisam adequar-se a este novo referencial: o digital (LEVACOV, 1998, p. 12).

Com relação à televisão, Zuffo (2003) acredita que, dada a complexidade da questão, é fundamental a diferenciação entre modelo, sistema e padrão de TV Digital. Para o autor, “o modelo de TV Digital incorpora a visão de longo prazo e o conjunto de políticas públicas”, e deve articular todas as iniciativas, atividades e ações relacionadas à questão, indicando as condições para o estabelecimento do sistema e respectiva definição do padrão. “O sistema de TV Digital é o conjunto de toda a infraestrutura e atores (concessionárias,

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redes, produtoras, empresas de serviços, ONGs, indústrias de conteúdo e de eletroeletrônicos)”. Já o padrão de TV Digital é o conjunto de definições e especificações técnicas necessárias para a correta implementação e implantação do sistema a partir do modelo definido (ZUFFO, 2003, p. 3). Além disso, segundo Angeluci e Castro (2010, p. 122), há mudanças paradigmáticas na lógica da linguagem audiovisual na TV quando ela passa de linear e analógica para um sistema de produção digital, não linear e promotor de práticas de hipermídia, pois “para além da digitalização dos equipamentos, existe uma profunda alteração nos conceitos e práticas de produção de conteúdos audiovisuais, que contemplam a perspectiva de programação não linear, interativa e voltada para múltiplas plataformas”. Contudo, de acordo com Santos (2007), é justamente o contemporâneo processo de digitalização, que vem alterando o processo comunicacional na sua totalidade, o responsável por reapresentar a memória de um debate que remonta às primeiras ações de regulamentação do rádio, nos anos 1920. Williams (2011, p. 23-24) estabelece uma relação dialética entre tecnologia e sociedade, complexificando as noções de causa e de efeito. Mantendo a premissa fundante de que “a televisão foi inventada como resultado de investigação científica e tecnológica”, ele confere alcance epistemológico à ideia de que “a televisão alterou o mundo em que vivemos”, implícita nas diversas afirmações que atestam o seu poder como meio de comunicação social. Neste sentido, tendo presente que tanto o modelo como o padrão de TV Digital adotados pela TVE-RS são opções da Fundação Piratini, que dizem de suas políticas públicas relativas ao audiovisual, este capítulo dirige sua reflexão ao acervo da TVE-RS contextualizado na e inspirado pela noção de sistema de TV Digital (ZUFFO, 2003), pois evocamos aqui, neste momento de debate eminentemente teórico, não uma abordagem analítica ao arquivo audiovisual e de sua transição para a ambiência digital, mas uma visão focada no conjunto composto por: 1) mídias, que vão das fitas nos formatos Umatic e Super V (as mais antigas) a DVC Pro e DVC (as mais novas); 2) dispositivos tecnológicos para a reprodução das imagens existentes nesse arquivo que foi constituído a partir de 1979-1980 e que hoje possui fitas editadas e brutas, o que significa manter equipamentos antigos em funcionamento, antes mesmo de pensar na migração do acervo para suporte digital; e 3) materiais em diversos registros, de fotografias a fitas gravadas em áudio e em audiovisual. Além disso, no arquivo de fitas, que reúne material de mais de 40 anos – utilizado até hoje pelos programadores da TVE-RS, para inserções na grade de programação – há falhas de indexação, por falta de informação no programa de computador que executa tal tarefa.

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Assim, centradas nas condições de infraestrutura do arquivo audiovisual da TVE-RS é que pensamos nesse acervo como fonte para análises de cunho documental. Neste sentido, Moreira (2005, p. 272) inclui a televisão entre as fontes secundárias de uma análise documental, que “constituem conhecimento, dados ou informação já reunidos ou organizados”. Para a autora: “São fontes secundárias a mídia impressa (jornais, revistas, boletins almanaques, catálogos) e a eletrônica (gravações magnéticas de som e vídeo, gravações digitais de áudio e imagem) e relatórios técnicos”.

TVE-RS: uma televisão pública como fonte documental e imagética A Constituição Federal de 19886 reconheceu a existência de três sistemas de radiodifusão: pública, privada e estatal. E, em seu Art. 223 (1988, p. 145), esclarece que cabe “ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade” desses sistemas. Abrindo este espectro, Ribeiro, Sacramento e Roxo (2010, p. 8) consideram uma tipologia da televisão: comercial, aberta, a cabo, pública, estatal, comunitária, universitária. privado, público e estatal. E Coutinho (2013, p. 21) acrescenta que, mesmo tendo em vista o predomínio de emissoras sob exploração comercial e a concentração de sua propriedade, “como nos lembra Gabriel Priolli em artigo publicado no Observatório da Imprensa, não existiria canal eminentemente privado, de forma que toda a televisão seria pública, ainda que em tese”. Estúdios, transmissores e antenas pertencem às empresas, mas o espectro radioelétrico, onde trafegam os sinais de televisão, é patrimônio público, sob controle do Estado. E seu uso é facultado a particulares através de concessão, que impõe obrigações legais e constitucionais (PRIOLLI apud COUTINHO, 2013, p. 21). A TVE-RS, contudo, é efetivamente uma emissora pública de televisão do Rio Grande do Sul, e seu acervo constitui-se em memória viva do estado. Em seus registros, de grades de programação e formatos variados, que se modificaram no decorrer do tempo e com as mudanças tecnológicas cada vez mais aceleradas, observamos quadros ímpares de programação destes 40 anos de existência, diferentes do que se constata nas emissoras privadas, em que o caráter comercial muitas vezes impera. No momento em que vivemos num universo em mutação quase instantânea, regido por revoluções tecnológicas imediatas, em que a memória e a tradi6

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/ legislacao/constituicao-federal-emendas>. Acesso em: 28 abr. 2016.

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SANTOS, N. M. W.; MORAES, A. L. C. • Considerações teóricas sobre o acervo audiovisual da TVE-RS ção, pressupostos básicos para a configuração de uma identidade social, tornam-se cada vez mais descartáveis, o arquivo audiovisual de uma televisão é parte indispensável para a recuperação, de maneira imediata, da memória de determinado lugar (SILVA, 2008, p. 11).

De fato, em si, o caráter público ou privado das televisões já determina uma gama de diferenças, que têm início na própria legislação. De acordo com Lobato (2006), desde 1962, as televisões públicas brasileiras se encontram engessadas pelo Código Brasileiro de Telecomunicações. A estrutura da Rede Pública de Televisão Brasileira (RPTV) constituiu-se a partir da Associação Brasileira das Emissoras Educativas e Culturais (Abepec), que representa a união das emissoras educativas remanescentes da rede educativa criada pelo MEC no final da década de 60. Isso significa que a Abepec, enquanto associação, acolhe tevês universitárias, fundações, organização social, enfim, pessoas jurídicas distintas e em sua maioria dependentes financeiramente dos estados. Além disso, delinear a formação da RPTV a partir da grade de programação coloca o conceito de rede numa situação ainda mais precária (LOBATO, 2006, p. 1).

A autora salienta ainda que o Relatório Rádio e TV no Brasil – Diagnósticos e Perspectivas, elaborado pela Comissão Especial de Análise da programação de Rádio e TV em 1998, alerta sobre a diferença em termos de administração entre televisão pública e televisão estatal. A primeira é um veículo “sustentado por verbas públicas, mas independente, administrativamente, do governo” (SIMON apud LOBATO, 2006, p. 4)7. Esse relatório reconhecia apenas dois exemplos concretos de modelo de televisão pública no Brasil: a TV Cultura, de São Paulo, e a TVE do Rio Grande do Sul (TVE-RS). Entretanto, segundo Lobato (2006), ainda que ambas as emissoras tenham constituído seus conselhos deliberativos como instâncias de representação da sociedade, isso “não garantiu a autonomia administrativa e não evitou a ingerência governamental”. A autora faz referência à crise que abalou a TV Cultura em 2002, cujas raízes ela situa na insatisfação política da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo; e salienta que, na gestão 2003-2006 do governo estadual gaúcho, a TVE-RS sofreu “com a troca de três presidentes conforme a dança das pastas e das canetas no executivo estadual – e nenhuma das ‘trocas’ transcorreu conforme exige o Regimento Interno da emissora: consulta e sabatina do Conselho Deliberativo” (LOBATO, 2006, p. 5). Santos e Silveira (2007) ressaltam que o conjunto de leis e instituições que regulamentam as comunicações tem estrutura complexa (pelo volume de

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Na bibliografia de Lobato: SIMON, Pedro (Rel.). Rádio e TV no Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998. p. 43.

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leis/regras e de instituições envolvidas) e truncada, pelas novas leis/regras que se fazem necessárias por conta das mudanças tecnológicas, sobretudo se for levada em consideração a tendência à convergência. Dados como esses levam à reflexão sobre os diferentes pontos de vista acerca da função social da televisão e das alternativas de modelos de gestão que tais posturas implicam. Os autores sugerem que, para estudar o campo da comunicação, “que se transforma ao sabor da política, do mercado e das inovações tecnológicas”, é preciso investigar os “princípios que definem o papel das comunicações na sociedade”, bem como “a natureza do serviço prestado pelas instituições de comunicação” (SANTOS e SILVEIRA, 2007, p. 49). Para tanto, recomendam que o caminho para tal investigação parta do tipo de participação do Estado no que se refere ao provimento de conteúdo (radiodifusão) e ao tráfego de informações (telefonia/transmissão de dados), que foram regulamentados sob lógicas e instâncias distintas, isto é, em modelos públicos ou privados. De qualquer forma, os autores lembram que de modo geral (exceto nos Estados Unidos), os serviços de telefonia/transmissão de dados historicamente se caracterizaram por um tipo de estrutura regulatória cuja base se estabelece através de acesso universal, interconexão e controle de preços (tarifas não discriminatórias). Já na radiodifusão, tradicionalmente, “tanto a distribuição quanto os conteúdos eram controlados pelos Estados, fosse nos modelos público/estatal ou comercial” (SANTOS; SILVEIRA, 2007, p. 52). Ressaltando que nesse controle os estados assumem três tipos de funções (estado proprietário, estado promotor ou estado regulador), Santos e Silveira (2007) apresentam, então, em primeiro lugar, o modelo britânico, no qual a radiodifusão é considerada uma extensão dos serviços postais e está baseada no conceito de Serviço Social, mas com uma autoridade independente. Tratase da BBC, que atua sob a lógica do serviço de utilidade pública. Depois, contextualizam o modelo norte-americano, que, sustentado pela Primeira Emenda (liberdade de expressão), deve defender o interesse público. Esse modelo tem raízes no mercado, é financiado pela publicidade; mas os canais são licenciados pelo governo, em número limitado. No Brasil, percebemos que essa lógica se estabeleceu no convívio de emissoras comerciais, de modo geral com frágeis compromissos com o interesse público e grande apelo comercial; e emissoras públicas, altamente comprometidas com valores culturais e com o accountability midiático, isto é, inseridas no “processo que invoca a responsabilidade objetiva e subjetiva de profissionais e veículos de comunicação na constituição de espaços públicos democráticos de discussão” (OLIVEIRA, 2004, p. 63). Além disso, se elencadas algumas das características desejáveis no jornalismo (como isenção, pluralidade,

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apartidarismo e a escuta de pelo menos três fontes durante a apuração das notícias), notamos que esta função, que diz respeito ao direito universal dos cidadãos e das cidadãs à informação, no contexto contemporâneo da mídia brasileira, eivada de editoriais declarando votos neste ou naquele partido, está tão somente a cargo das televisões públicas.

Considerações finais Podendo ser considerados bens culturais imagéticos da sociedade gaúcha, os arquivos audiovisuais da TV pública de nosso estado merecem atenção e disposição tanto de órgãos governamentais como de instituições de ensino e pesquisa, a fim de que este potencial patrimônio possa ser reorganizado em seus arquivos e salvaguardado da destruição do tempo, bem como valorizado e divulgado de forma mais ampla para a sociedade. Alguns dos resultados esperados foram realmente alcançados, outros não. As principais contribuições que a proposta de pesquisa atingiu estão ligadas à visualização de um número de fitas suficientes, entre suportes U-Matics e Super-VHS, que nos proporcionou compreender a importância das imagens da sociedade gaúcha, em seus mais diversos aspectos, nelas contidas e que, sem dúvida, são narrativas memoriais dos últimos 40 anos. A possibilidade de manutenção desses mais de dezesseis mil documentos imagéticos em seu espaço inicial e primário, sua guarda permanente em acervo, sua manutenção e sua conservação adequada em relação ao desgaste do tempo são itens que foram sugeridos à instituição, porém, precisam de maiores esforços financeiros e de políticas culturais adequadas, para que sejam realmente satisfeitos. Não restam dúvidas quanto ao amplo potencial para pesquisa que existe nestas fitas, porém, a infraestrutura mais básica do arquivo institucional está prejudicada com equipamentos sendo avariados constantemente, fitas perdendo condições de visualização, deficiência no número de funcionários, infiltrações no teto da sala que guarda as fitas, chovendo frequentemente sofre elas, falta de investimento financeiro para consertos e compras de materiais, como DVDs, entre outros problemas. A consequência foi, no correr do tempo, por exemplo, a gravação de imagens em cima de outras imagens, fazendo com que se perdesse uma parte da memória imagética da sociedade. Perdem-se esses suportes de memória social e de memória cultural. Em compensação, a formação dessa equipe interdisciplinar e acadêmica de pesquisa, a realização de todo o trabalho, as apresentações de comunicações e palestras em eventos acadêmicos, o contato com funcionários e direção da emissora e a realização dos produtos finais acabaram por dar maior visibilidade tanto ao acervo quanto a certos aspectos da História do Rio Grande do Sul esquecidos ali naquelas imagens que a sociedade pouco conhece. Essa visibili-

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dade nada será, se não houver comprometimento do governo com políticas culturais que mantenham o arquivo em condições de exercer sua função de armazenador de conhecimento e de memória. O acervo da TVE-RS já conta com muito trabalho dispendido da parte de seus funcionários para ter um mínimo adequado de funcionamento, mas precisa de mais suporte governamental. Pensar esse acervo audiovisual potencialmente rico, em termos epistemológicos – que relacionam imagem, memória e televisão pública na dialética entre tecnologia, usos culturais e sociais dos últimos anos do Rio Grande do Sul – tornou-se um fator relevante e imprescindível para a perpetuação da memória da sociedade gaúcha.

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Televisão e cidadania: a constituição da esfera pública Angela Lovato Dellazzana

Introdução Ceticismo. Desconfiança. Descrença. Eis os sentimentos dominantes dos cidadãos em relação à mídia (Inacio Ramonet).

É indiscutível a importância que a mídia de massa e, principalmente, a televisão, exercem em sociedades democráticas. No processo de interação com os sujeitos, a mediação dos meios e profissionais de comunicação é elemento decisivo na construção da dimensão pública contemporânea: Numa democracia participativa, o acesso e o controle sobre os processos de produção da mídia por parte do público tornam-se uma dimensão vital da participação política. Num quadro de fragilização das estruturas políticas como hoje vivemos, o grande conjunto de reivindicações populares fica órfão, sem a defesa das entidades historicamente representativas. E quem assume esse papel, então, é a mídia — uma instituição privada com fins lucrativos, desempenhando o papel que pertenceu no passado às instituições de pressão, como se ela, a mídia, fosse de fato seu portador histórico e legítimo (ROMAIS, 2001, p. 52).

No cenário político em que hoje se encontra o país, esta constatação do autor é bastante pertinente. Em função da característica de primazia da natureza privada dos meios de comunicação no país, a mídia, mesmo devendo oferecer ao povo acesso à esfera de produção, não é seu representante. O autor acredita que o papel da mídia é (ou deveria ser) mediar, constituir um espaço público e recorre ao pensamento de Habermas: “a esfera pública é o espaço onde indivíduos privados discutem questões públicas, um espaço que faz a mediação entre a sociedade e o Estado” (ROMAIS, 2001, p. 52). Para dar conta de tal tarefa, as emissoras públicas seriam as protagonistas desta discussão, por permitirem maior representatividade do povo. Mas como fortalecer estas instituições públicas, se o próprio papel dos meios de comunicação ainda é tema de tensões e questionamentos? Bertrand (1999)

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alerta que o caráter de tripla natureza da mídia, envolvendo seus aspectos de indústria, serviço público e instituição política, complexifica a questão das suas responsabilidades perante a sociedade. Como indústria, ela está nas mãos de grandes empresas privadas, cuja finalidade primeira não é o serviço público e, sim, o lucro. Assim, seus dirigentes não têm responsabilidades senão com seus acionistas e entram na “guerra de audiência”, decidindo o que será transmitido em função da sua capacidade de gerar mais verbas publicitárias. Como serviço público, a mídia, apesar de não ter natureza estatal, exerce os direitos de liberdade de expressão em nome dos cidadãos e, por isso, deve prestar contas a eles. Essa accountability da mídia surgiu na relação de cumplicidade e confiança que a sociedade deposita nos meios de comunicação, partindo do pressuposto que, sempre de forma idônea, estes representariam a vontade do povo numa sociedade democrática. Já como instituição política, a mídia, ao ser considerada o “quarto poder”, tem a potencialidade de violar os princípios da democracia, já que os seus proprietários, os que desfrutam desse poder, não são nem eleitos pelo povo nem indicados por suas competências. Percebe-se, assim, o caráter complexo, ambíguo e até mesmo contraditório do papel da mídia na sociedade, o que possibilita múltiplas leituras. Oliveira et al. (2006) utilizam a expressão accountability midiático para designar o processo que invoca a responsabilidade objetiva e subjetiva dos profissionais e dos veículos de comunicação através da organização da sociedade e da constituição de espaços públicos democráticos de discussão. O pressuposto é o de que os profissionais e os veículos de comunicação, as autoridades, os anunciantes sejam influenciados e pressionados pelo processo do accountability midiático de tal maneira que possam, reflexivamente, ponderar sobre os valores, os conflitos e os efeitos imediatos e transcendentais que provocam na sociedade. Como fatores incentivadores dessa temática no Brasil, os autores apontam a falta de compromisso social da mídia com valores éticos e a insatisfação da população com o governo, que ganhou força a partir do avanço da democracia no país nos anos 80. Assim, foram surgindo organizações da sociedade civil preocupadas em criar mecanismos de controle democrático da mídia e de seus respectivos profissionais, o que os autores chamam de contrapoder midiático. A partir da década de 90, os mecanismos de contrapoder midiático se fortaleceram e atualmente continuam a disseminar-se em organismos especializados na discussão sobre o uso democrático dos meios de comunicação. Um dos órgãos pioneiros neste sentido, o Observatório da Imprensa1, apresenta 1

Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/>.

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artigos e debates, através de publicação periódica na internet sobre os deslizes que afetam a mídia brasileira. As discussões neste órgão atingem diferentes públicos: a sociedade, os profissionais da comunicação, as autoridades públicas e os empresários do setor. Oliveira et al (2006) citam ainda outras experiências desenvolvidas no Brasil, como a criação da figura do ombudsman (ouvidoria) em jornais como a Folha de São Paulo. Assim, a accountability da mídia no Brasil desenvolveu-se principalmente no que diz respeito ao conteúdo das mensagens veiculadas. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 exige, por exemplo, a exibição de programas educativos, culturais, regionais e independentes, com o intuito de dar voz à pluralidade de atores para conceder a licença de emissão. Contudo, não existe um órgão específico responsável pelos mecanismos regulatórios dos conteúdos veiculados na mídia, sendo que o Estado exerce essa função por meio de um conjunto bastante diversificado de procedimentos. No caso da televisão brasileira, destaca-se a classificação indicativa dos conteúdos audiovisuais, política pública que pode se tornar obsoleta se o conteúdo for acessado por outros dispositivos que não a televisão. A parir do exposto, este artigo visa debater o papel das televisões públicas na sociedade democrática a partir de pesquisa bibliográfica e análise documental (GIL, 2008). Para tanto, será apresentado um breve panorama da constituição do espaço público na sociedade contemporânea e das regulamentações deste espaço.

A constituição do espaço público a partir da mídia Rodrigues (1997) identifica na cultura greco-romana as origens da constituição do espaço público. Para este autor, a divisão helênica entre a noção de politikos (a polis que abriga a comunidade organizada formada pelos cidadãos) e o conceito de oikeios (o espaço da intimidade) seria regulamentada no direito romano na oposição entre o dominium ou o imperium do publicus, por um lado, e o privatus, de outro. E essa mesma divisão veio a regular também, séculos mais tarde, a ordem feudal, assumindo, contudo, uma nova configuração: “a do livre acesso do povo ao espaço público, isto é, ares extra commercium, na qual se compreendiam as estradas, as praças, os rios, que escapam ao domínio da apropriação privada” (RODRIGUES, 1997, p. 37). À medida em que a burguesia passou a assumir um papel determinante na organização social, a natureza representativa do poder cedia “às modalidades jurídicas de gestão do novo espaço do mercado”, e nesse contexto do estado como “entidade organizadora do mercantilismo”, segundo Rodrigues, é que se produziria: “a necessidade de tornar

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público, de dar a conhecer tanto os produtos disponíveis e os seus valores monetários como as regras formais da sua circulação” (RODRIGUES, 1997, p. 40). Este foi o momento propício para o surgimento da imprensa periódica, prossegue o autor: “É este o quadro em que, nos finais do século XVII, nasce a imprensa periódica [...] dando assim origem, a partir da segunda metade do século XVIII, ao aparecimento da categoria da opinião pública e à sua institucionalização como um campo autônomo de legitimidade”. Através da opinião pública nascente constitui-se o direito inalienável de formação de correntes alargadas de uma razão separada e muitas vezes contraditória da razão do Estado, e uma vontade independente da vontade do soberano. É nas sociedades, nos clubes privados e, mais tarde, nos cafés que as correntes de opinião se formam a partir de discussões animadas e controversas. Destas discussões surgem textos de imprensa que se apresentam como críticas de arte, de literatura, de teatro, de ideias (RODRIGUES 1997, p. 40). Os espaços de convivência (as sociedades, os clubes e os cafés), gradualmente foram sendo assumidos pela imprensa, que se tornava: “pouco a pouco, produção de opinião, substituindo-se, assim, ao trabalho de elaboração coletiva que orientava o projeto iluminista, reservando esse trabalho a uma nova classe profissional, aos profissionais da mediação” (RODRIGUES 1997, p. 41). Com o advento da sociedade de massa, a imprensa desponta como arena totalmente autônoma dos demais campos sociais: “eliminando tudo o que exija esforço e dificuldade para a massa indiferenciada, de reduzida cultura” para, “em seu lugar, instaurar uma pura forma discursiva, espetacular e abstrata, fundamentada na estratégia da sedução” (RODRIGUES, 1992, p. 42). De fato, através de estruturas de mediação que resultaram de um duplo processo – o “desenraizamento da experiência coletiva” e a “tecnização do mundo da vida” –, o âmbito da mídia passa a ser mais do que uma opção profissional para jovens ‘talentosos’, instituindo-se como a própria “esfera obrigatória da visibilidade e da notoriedade” (RODRIGUES, 1992, p. 42). A conduta social da sociedade de massas uniformiza a esfera pública e privada através do comportamento consumista, conduzindo ao conformismo e evitando a pluralidade da discussão. Arendt (2008) relaciona os conceitos de esfera pública e esfera privada nas sociedades de massa. Conforme a abordagem da autora, a esfera pública, na qualidade de mundo comum, é capaz de reunir a todos sem que, necessariamente, se choquem. Contudo, nas sociedades de massa, este vínculo se enfraquece, fazendo com que os indivíduos não tenham mais nenhuma relação de união ou de separação. O que caracteriza a sociedade moderna é a necessidade de admiração pública e a recompensa monetária, sendo estas duas “das coisas mais fúteis que existem” (ARENDT, 2008, p. 66).

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A autora afirma que a esfera privada é garantida pela propriedade privada, entendida como o único local em que aquilo que não se quer tornar público pode ser “escondido” da publicidade (ARENDT, 2008). Desta forma, a diferença entre as esferas pública e privada, pelo viés da privatividade e não do corpo político, representa a diferença entre o que deve ser mostrado e o que deve ser ocultado. O significado da vida pública remete à necessidade de ser ouvido e visto por outros, na medida em que todos veem e ouvem de ângulos diferentes. Na comparação com a vida privada, argumenta Arendt (2008), mesmo a mais satisfatória vida familiar oferece apenas a multiplicação de cada indivíduo e jamais poderá substituir a apresentação a uma multidão de espectadores. Na sociedade de massa, pela indiferenciação, o homem é privado de ver e ouvir o outro e de ser visto e ser ouvido pelo outro. Esta concepção da palavra privado, remete ao significado de privação. Para a autora, o indivíduo só terá vida privada na medida em que for destituído da presença de outros e, assim, da possibilidade de realizar algo mais permanente para a própria vida. Na sociedade contemporânea, esta esfera privada doméstica estendeuse ao espaço público da política. Nesse sentido, Habermas (1989) afirma que a separação entre a esfera pública e a esfera privada implica que a concorrência de interesses privados tenha sido fundamentalmente deixada de lado para ser regulada pelo mercado, ficando fora da disputa pública de opiniões. Na sociedade contemporânea, a admiração pública é entendida como vaidade, necessidade de status momentâneo, em oposição às sociedades de eras passadas, quando os homens ingressavam na esfera pública com a esperança de que algo seu permanecesse após a morte: “Pois a polis era para os gregos, como a res publica para os romanos, em primeiro lugar, a garantia contra a futilidade da vida individual, o espaço protegido contra essa futilidade e reservado à [...] imortalidade dos mortais” (ARENDT, 2008, p. 66). Embora a distinção entre o privado e o público, conforme a autora, coincida com a oposição entre a necessidade e a liberdade, entre a futilidade e a realização e, finalmente, entre a vergonha e a honra, a autora não considera que estes sejam critérios para definir o que deve permanecer em cada esfera. O significado mais elementar das duas esferas indica que há coisas que devem ser ocultadas e outras que necessitam ser expostas em público para que possam adquirir alguma forma de existência. É possível fazer uma analogia entre o público e o privado no âmbito da mídia hoje, onde o discurso em prol de sua legitimação enquanto espaço público seria “publicizado”, enquanto que o debate sobre a accountability da mídia seria “privativizado”. Na sociedade democrática de massa, os políticos recorrem aos meios de comunicação para legitimar seu discurso em prol da

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democracia. Assim, a mídia, ao veicular mensagens dos políticos, influencia o agir comunicativo tanto desses políticos quanto dos cidadãos. Sobre este aspecto, Habermas (1989), ao elaborar sua teoria do agir comunicativo, afirma que os sujeitos que agem comunicativamente, ao se entenderem uns com os outros no mundo, também se orientam por pretensões de ordem assertiva e normativa. Isto é, o sujeito – e aqui se insere também o sujeito como cidadão – é entendido como alguém que não pode desvencilhar-se da prática comunicativa do dia a dia, na qual está obrigado ininterruptamente a tomar posição por “sim” ou por “não”. Desta forma, o autor também considera os contextos do agir comunicativo, que constituem uma ordem autossubjetiva. Neste ponto, Romais (2001) concorda com Habermas quanto ao entendimento da esfera pública como a arena onde as liberdades civis são colocadas em prática e cuja viabilidade legitima a ordem democrática. Ou seja, a esfera pública possibilita ao povo o exercício do poder, e o acesso a ela deve ser garantido para que o cidadão possa expressar suas opiniões e questionar o poder estabelecido.

A pseudoesfera pública das empresas de mídia Romais (2001) ressalta que a mídia, dominada por instituições privadas com fins lucrativos e cada vez mais capaz de se aproximar pessoalmente de cada cidadão em seu cotidiano, apresenta-se como esfera pública. Ela constitui o maior fórum de comunicação política onde se concretizam as relações entre o poder estabelecido e a coletividade, mas cujo acesso é privilégio de poucos. Habermas (1984) critica essa conjuntura, pois acredita que tal esfera pública está descaracterizada de suas funções originais, para dar lugar a outras funções como a propaganda política. As consequências dessa desconfiguração da esfera pública trazem prejuízos à democracia: “os agitadores partidários e os propagandistas ao velho estilo dão lugar a especialistas em publicidade, neutros em matéria de política partidária e que são contratados para vender política apoliticamente” (HABERMAS, 1984, p. 252). Romais (2001) concorda com Habermas e cita o termo refeudalização da esfera pública criado por este para identificar uma pseudoesfera pública midiática, que acaba por distrair a atenção do cidadão da ação política, criando um ambiente passivo apenas de contemplação, ao invés de estimular e promover o debate público essencial para a caracterização da democracia. Para Habermas (1984), o destinatário ideal de tal esfera pública é um consumidor político que não contribui para a formação da opinião pública, mas apenas aclama o que lhe é apresentado pronto. Romais (2001) explica este fenômeno: “a refeudalização orquestrada pela mídia estaria transformando a esfera pública num teatro e fazendo da política um show dirigido em que os

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líderes e partidos rotineiramente estariam em busca da aclamação de uma população despolitizada” (ROMAIS, 2001, p. 54). Como contraponto a esta refeudalização, Habermas (1984) apresenta a extensão do princípio de “publicidade”, através da força da genuína esfera pública, a todas as organizações que ajam relacionadas intimamente com o Estado, tendo como alvo um público de pessoas privadas organizadas. Desde o advento do rádio e da televisão, conforme aponta Romais (2001, p. 46), os governos já agiam “no sentido de preservar o poder daquilo que potencialmente podia determinar a direção da opinião pública e da vida da nação”. O autor afirma que os primeiros cinquenta anos de emissões (19151965) foram a era do controle das nações sobre suas estruturas de rádio e televisão. O contexto da Primeira Guerra Mundial estimulou o desejo dos governos em utilizar a comunicação de massa para fortalecer as identidades nacionais. A chegada do satélite e os primórdios da televisão a cabo transformaram essa realidade, levando ao intercâmbio de programações entre os países e minando seu caráter essencialmente nacionalista (ROMAIS, 2001). Aos poucos, identifica-se uma “revolução das comunicações”, que, segundo Romais (2001, p. 47), cria um “deus todo-poderoso, que constitui e aproxima o mundo por meio do encantamento, sobretudo, das imagens”. O autor acredita que esta “revolução” possibilitou uma posição de destaque da comunicação no campo social por meio de institucionalização específica, em que ela apropriou-se da ação social de tornar público. Assim, a comunicação passa a ser elemento essencial “na construção da dimensão pública da sociedade contemporânea. Cada vez mais a atividade política transita e é exercida na dimensão pública da sociedade por meio do trabalho mediador da moderna comunicação” (ROMAIS, 2001, p. 48). Essa realidade torna-se tão evidente, que alguns estudiosos da área passam a utilizar o termo espaço público midiático. Wolton (2003) acredita que é viável falar em um espaço público midiático, na medida em que ele é funcional e normativamente indissociável do papel da mídia na contemporaneidade. Para este autor, o espaço público midiático vem exercendo uma função reestruturadora no que se refere às possibilidades de visibilidade das instituições, dando margem ao campo da recepção, da interpretação e das inter-relações entre comunicação e cultura. Porque a simples “globalização da informação”, pondera Wolton, “é mais frequentemente um acelerador das divergências de interpretação, simplesmente porque se havia esquecido a heterogeneidade dos receptores” (WOLTON, 2003, p. 22). Coiro, Dellazzana e Kroth (2010) destacam que essa prometida autonomia dos sujeitos, conjecturada nos avanços tecnológicos que mundializaram o

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conhecimento, esbarra nas exclusões visíveis nas periferias do mundo. O que efetivamente se concretizou, segundo os autores, foi a globalização de pautas de informação e comportamento, sob o comando do mercado. Nessas condições, segundo os autores, são engendradas as nuances da interação entre os meios de comunicação e os sujeitos, e é dessa forma que se constrói no imaginário popular a ideia da mídia como um Quarto Poder, que se soma aos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, mais do que isso, que lhes fiscaliza o funcionamento, levando ao conceito de accountability, próprio de sociedades democráticas. Para dar seguimento ao artigo, será apresentado, então, um breve relato sobre as relações entre sociedade, governo e empresas para a legitimidade de um contexto democrático.

Mídia e accountability em contextos demoráticos A existência da accountability é uma conquista da democracia e representa a possibilidade de controle da sociedade sobre as ações de seus governantes. O conceito de accountability relaciona-se com o conceito de responsabilidade, uma vez que este define qual é a conduta esperada de uma pessoa ou instituição e aquele engloba os mecanismos de controle para garantir que essa conduta seja cumprida. É possível aplicar esta noção de responsabilização à mídia, atribuindo a esta a possibilidade de ser passível de accountability assim como os governos. Desta forma, os principais agentes que podem fazer uso de mecanismos para garantir a responsabilização da mídia em uma sociedade democrática são: o Estado, os cidadãos organizados e a própria mídia. Segundo o relatório da ANDI (2007), toda política pública, em um regime democrático, implica demonstração de algum grau de accountability por parte dos seus responsáveis. Sendo assim, esta demonstração será mais provável na medida em que os atores responsáveis por exercer este controle estejam externos ao processo. O relatório alerta que é dever da sociedade e especialmente da mídia, acompanhar o desenvolvimento oficial de projetos, sua continuidade, idoneidade e resultados. Da mesma forma que a mídia é apontada como agente ativo da accountability dos governos, também pode ser considerada agente passivo da accountability da própria mídia. Sobre este aspecto, McQuail (1997) defende que a relação entre a sociedade e a mídia é estreita e que o mau desempenho desta reflete as imperfeições daquela. Para este autor, culpar a mídia pelas mazelas da sociedade é lugar comum, contudo, a constatação de que a mídia geralmente segue os gostos e interesses da sua audiência é inevitável. Entre esta audiência, salienta, encontram-se as fontes e os anunciantes da mídia, incluindo os políticos e os governos que deveriam cuidar do interesse público.

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Romais (2001) considera que o papel desempenhando pelos meios de comunicação de massa no relacionamento entre os “leigos” e o poder estabelecido é instigante. Para este autor, diversas questões nesse campo ainda são foco de preocupação de autores da área da comunicação: Há um debate que se arrasta há longo tempo na teoria da comunicação, sintetizado na seguinte indagação: a mídia, afinal, apenas dissemina opiniões e pontos de vista do grupo hegemônico ou também influencia na formação, expressão e consumo da opinião pública? Pergunta-se também até que ponto os meios de comunicação de massa estabelecem uma esfera pública na qual os cidadãos podem debater, num fórum amplo e democrático, assuntos de seu interesse. Servem, afinal, os meios apenas aos interesses do mercado ou podem constituir-se um instrumento para o bem público? (ROMAIS, 2001, p. 44).

Este debate também foi abordado por Zylbersztajn (2008), que alerta que a gestão das comunicações no país é feita de forma descentralizada e confusa, o que dificulta a implementação de mecanismos de regulação que assegurem os diversos direitos fundamentais. Exemplos como o direito de resposta, a classificação indicativa dos programas de TV e a programação independente e regional são algumas das formas de accountability da mídia existentes. Além disso, Zylbersztajn (2008) frisa outro ponto problemático na regulação da mídia: os empresários do setor denunciam como censura qualquer tentativa de regulamentação que não atenda aos seus interesses. Eles são favoráveis apenas a iniciativas no sentido de privilegiar a radiodifusão privada em detrimento da comunitária, o financiamento público, a abertura ao capital estrangeiro e a implementação de determinado padrão de TV Digital, para citar alguns exemplos. A autora lembra ainda que compete para o debate da questão a constatação de que as empresas do setor não apenas pertencem à parcela mais rica da população, mas também estão, muitas vezes, vinculadas a grupos políticos. Esse cenário dificulta a crença na mídia como a genuína responsável pelo controle do governo e de empresas privadas na sociedade, ao mesmo tempo em que demonstra que as empresas de mídia adquiriram poderes que vão além da participação em um sistema de accountability. Entretanto, independentemente das diferentes concepções de poder da mídia, há uma tendência em defender que ela precisa responder à sociedade. Este debate é desenvolvido a partir dos sistemas de responsabilização da mídia, conhecidos hoje como MAS, do inglês Media Accountability Systems, cuja tradução é sistemas de accountability da mídia. Esses sistemas envolvem atividades como o controle de qualidade, o serviço de atendimento ao consumidor, a educação contínua e a autorregulamentação, buscando garantir aos cidadãos direitos como a liberdade de expressão e o acesso a informação. Bertrand (2002, p. 10) acredita que a accountability da mídia é papel da sociedade, pois “os veículos de comunicação constituem em si uma instituição política,

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que deve permanecer independente. A disciplina deve necessariamente ser aplicada por meios não estatais”. É o que o autor chama de MAS, definindo e elencando alguns exemplos desses mecanismos: um MAS é qualquer meio de incitar a mídia a cumprir adequadamente o seu papel: pode ser uma pessoa ou grupo, um texto ou um programa, um processo longo ou curto. Mediador, conselho de imprensa, código de deontologia, publicação regular de autocrítica, pesquisa de eleitorado, ensino superior de jornalismo – e muitos outros. Existem mais de sessenta (BERTRAND, 2002, p. 10).

Tais mecanismos, segundo o relatório da ANDI (2007), estão sendo criados por movimentos sociais, pela mídia alternativa e tradicional, unindo-se aos já conhecidos espaços como as cartas dos leitores, os artigos de crítica de conteúdo, os códigos de ética profissionais. Para Bertrand (2002), a mídia deve ser controlada apenas pelos processadores e consumidores de mensagens, pois nem o governo, nem o mercado, podem produzir mídia de qualidade. Contudo, o autor afirma que alguns MAS, como ombudsmen, conselhos locais de imprensa, críticos internos, comissões disciplinares, ainda enfrentam obstáculos para agirem, na medida em que dependem da mobilização da sociedade civil. Além disso, há a hostilidade de empresários e profissionais do setor que acusam os MAS de representarem ameaças à liberdade, manobras de relações públicas para mascarar um desvio de conduta, ilegítimos, ineficazes e caros. McQuail elenca três objetivos gerais da accountability da mídia: “A most general requirement is that accountability itself should actually protect and promote media freedom. A second aim is to prevent or limit harm which the media might cause. Third, accountability should promote positive benefits from media to society”2 (MCQUAIL, 1997, p. 525). O autor esclarece que não é fácil reconciliar estes objetivos e que nenhum é superior ao outro e nem adequado isoladamente. Para que possam ser atendidos, os mecanismos utilizados devem ser diversificados, promovendo relações rotineiras de diálogo entre mídia e sociedade e reduzindo a necessidade de mediações arbitrárias e restritivas. Para McQuail (1997), inclusive o mercado deve ser um agente ativo de accountability da mídia, pois tem claro interesse em proteger a liberdade de expressão e, em função da “guerra de audiência”, também pode desencorajar alguns abusos desta liberdade que seus concorrentes venham a exercer. Segundo relatório da ANDI (2007), não há accountability efetiva dos governantes eleitos sem liberdade de expressão e sem imprensa livre. Esse tipo 2

Em tradução livre: “O requisito mais geral é que a accountability deve realmente proteger e promover a liberdade da mídia. Um segundo objetivo é prevenir ou limitar os danos que a mídia pode causar. Terceiro, a accountability deve promover benefícios positivos da mídia para a sociedade.”

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de liberdade contribui para que um mau governo não consiga ser tão nocivo, constituindo um controle social dos governos pelas mãos da imprensa. A mídia, por sua vez, “é um ator relevante para a sociedade contemporânea e, portanto, também deve ser responsiva (accountable) e passível de controle democrático” (ANDI, 2007, p. 8). Já Wolton (2004, p. 294) relaciona o conceito de quarto poder da mídia ao sonho inconfessável de jornalistas em “conseguir, em nome da verdade, desestabilizar o poder político legítimo de uma democracia, ou até derrubálo”. Para o autor, o poder da mídia seria uma visão ideológica, na medida em que visa colocar o ideal de informação acima de todos os poderes, quando, na verdade, deveria se colocar como contrapoder. A mídia, e mais especificamente, a imprensa, não teria sentido como um quarto poder, pois, ao ocupar tal posição, perderia a alteridade indispensável à sua função. Nesse sentido, Wolton (2004) é enfático: sucumbir a essa noção de mídia como quarto poder é uma ideia sedutora, mas perigosa, colocando em questão as responsabilidades da mídia em sociedades democráticas. Maia (2008) também debate o poder que a mídia pode exercer como palco da esfera pública. Para a autora, a discussão deve considerar duas questões principais. Primeiro, a mídia apenas pode ser considerada espaço público ao conferir visibilidade aos atores que nela agem. Segundo, este poder também depende do grau de acesso desses atores à mídia, que é desigual. Ou seja, o poder da mídia está sujeito à capacidade de gerar publicidade de determinado media e ao grau de acesso conferido aos atores que agem neste espaço. Assim, conforme a abordagem exposta anteriormente, os meios de comunicação privada são falhos como esfera pública sob a ótica da democracia, pois representam “um espaço de acesso restrito, que sofre forte pressão de anunciantes, segue regras impessoais do mercado e está sob crescente controle dos profissionais da mídia” (MAIA, 2008, p.180).

Considerações finais A ANDI – Agência Nacional de Direitos da Infância (2007), identifica alguns elementos principais que caracterizam uma sociedade democrática contemporânea. Entre eles estão a divisão de poderes, a afirmação de direitos civis – como a liberdade de imprensa e expressão – e políticos, a realização de eleições regulares, o fortalecimento dos mecanismos de controle (accountability) do próprio Estado e a garantia da atuação plena de algumas instituições não estatais, sendo a mídia talvez uma das mais centrais. É a partir do momento em que a mídia pode ser considerada um “Quarto Poder”, que ela se torna agente de accountability. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prevê três formas de radiodifusão no Brasil, que deveriam

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ter a mesma importância: pública, estatal e privada. Acredita-se, então, que a pluralidade de emissoras públicas é o meio mais indicado para a manutenção de espaços democráticos de discussão.

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Mediação e arte1 Produção e consumo de produtos culturais na TV pública Newton Pinto da Silva A importante experiência de documentação em vídeo que deu origem a esta pesquisa é o programa semanal Palcos da Vida, produzido pela TVE-RS, emissora pública de comunicação vinculada à Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão.2 Desde 1º de setembro de 1987, data de sua estreia, no Canal 7, o Palcos da Vida teve como foco principal gravar e veicular shows de música, apresentados em Porto Alegre, com prioridade a artistas locais. Porém, nos primeiros anos, a pauta do programa era mais ampla, abrangendo peças de teatro, de dança e outras manifestações de caráter espetacular. Além das cenas das montagens escolhidas, o Palcos da Vida mostrava entrevistas com diretores, coreógrafos, atores, bailarinos e músicos sobre aspectos estéticos, artísticos e da realidade da produção cultural. Como ocorria rotineiramente nas gravações do Palcos da Vida, a unidade de externa da emissora se deslocava até o respectivo teatro, auditório, sala ou espaço cênico onde ocorria a temporada do espetáculo. Nessa central técnica móvel, trabalhavam diversos técnicos coordenados pelo diretor do programa e pelo diretor de imagens, também chamado de suíte. Era este último profissioEste artigo reúne dados da dissertação de mestrado Palcos da Vida: o vídeo como documento do teatro em Porto Alegre nos anos 1980, defendida pelo autor no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAC/UFRGS). 2 Desde 1961, existia a intenção de implantar uma emissora de televisão educativa no Rio Grande do Sul. O primeiro passo foi a criação do Setor de Cinema e TV Educativa, subordinado ao Serviço de Recursos Audiovisuais, em 1965. Em 1968, o Governo Federal outorga ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através da sua Secretaria de Educação e Cultura, a concessão de uma televisão para fins educativos, através do Decreto 62.822. Em 29 de março de 1974, foi inaugurada oficialmente a TVE – Canal 7, através do Núcleo SEC/PUC – Centro de Televisão Educativa (CETEVE), que era instalado nas dependências do Prédio da Famecos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC). Em 1981, a TVE-RS foi transferida para o prédio da extinta TV Piratini, no Morro Santa Tereza, onde funciona até o ano desta pesquisa. A emissora, que integra a Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão, junto com a Rádio FM Cultura 107.7, está vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. As informações são do site da Fundação Cultural Piratini. Disponível em: <http://www.tve.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2010. 1

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nal que orientava os cinegrafistas sobre enquadramentos e movimentos de câmera, escolhendo as tomadas (takes) que irão ao ar. A sintética descrição do “fazer televisivo” torna-se necessária para entender o processo de trabalho dos profissionais da emissora que, no caso do Palcos da Vida, operavam em sintonia e sincronia com os artistas das equipes dos espetáculos escolhidos para serem gravados.3 O programa Palcos da Vida foi ao ar, pela primeira vez, quando Alfredo Fedrizzi ocupava a Presidência da Fundação Piratini (1987-1990).4 Na época, Luiz Eduardo Crescente respondia pela direção de programação da emissora. Crescente, que também atuava como ator e diretor de peças de teatro, foi o idealizador do programa. Neste estudo, interessaram, especialmente, os vídeos de artes cênicas exibidos entre os anos de 1987 a 1990. A pesquisa partiu de um conjunto que reúne 24 programas. Híbrido de teatro e música, Tangos e Tragédias, com Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez, foi o primeiro espetáculo exibido pelo Palcos da Vida. Além dele, há sete peças de teatro. A Mãe da Miss e o Pai do Punk é uma comédia musical dirigida por Luiz Arthur Nunes. A paródia cômica A Verdadeira História de Édipo Rei, do Grupo Gregos & Troianos, e o roteiro de piadas Conversa ao Pé do Palco, monólogo do ator Zé Victor Castiel, são espetáculos que tiveram direção de Oscar Simch. Patsy Cecato assinou o roteiro de poesias Escondida na Calcinha. A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz apresentou o rito cênico Ostal. O diretor Camilo de Lélis e o Grupo Teatral Face & Carretos produziram a farsa popular e folclórica O Ferreiro e a Morte. O Grupo TEAR, de Maria Helena Lopes, tratou do tema da colonização da América Latina em Império da Cobiça. Duas companhias pesquisaram os cruzamentos da dança com o teatro através dos espetáculos Retratos V (As Parcas), da Terpsi Teatro de Dança e Só um Homem Só, coreografia de Rubens Barbot. O programa registrou, também, espetáculos do Grupo Mudança e do Ballet Vera Bublitz. Do gênero lírico, foi documentada a obra La Serva Padrona, montagem da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro com participação cênica do Grupo TEAR. O Grupo Cem Modos representou o teatro de bonecos com O Menor Espetáculo da Terra. A

A unidade de externa é uma central técnica móvel que reúne os equipamentos básicos necessários a uma gravação: os aparelhos de videoteipe, o controle de vídeo (que trata da qualidade da imagem), a mesa de áudio e a mesa de corte (onde é feita a seleção das imagens). 4 Alfredo Fedrizzi assumiu o cargo por meio da indicação de Pedro Simon, do PMDB, primeiro governador de oposição eleito no Rio Grande do Sul após a ditadura militar. Até o final da década de 1980, o programa teve produção de Margarete Noé e Paula Gazzoni, com supervisão geral de Marilourdes Franarin. Atualmente, o programa tem produção de Vera Vergo. 3

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atriz Eliane Steinmetz comandava o programa de auditório Viva a Gorda. Caio Prates apresentou Boneca Cobiçada, dublagens de números musicais. Os espetáculos de música A Paixão dos Mendigos, de Paulo Gaiger, e Batom, de Adriana Calcanhotto, utilizaram coros formados por atores. Outros dois programas mostram espetáculos do evento Dança Alegre Alegrete de 1989. A partir dos anos 1990, o programa Palcos da Vida passou a gravar, exclusivamente, shows de música. Na década de 2000, houve três exceções: Grand Genet: Nossa Senhora das Flores, espetáculo de dança-teatro do diretor Biño Sauitzvy; Tholl Imagem e Sonho, da OPTC – Oficina Permanente de Técnicas Circenses, de Pelotas, que mescla técnicas circenses ao teatro e à dança; e o diretor de teatro Décio Antunes fez a direção geral do espetáculo de dança-teatro Primavera, coreografia de Maria Waleska Van Helden. O quadro a seguir organiza os programas citados em três colunas. A primeira destaca os gêneros e os títulos dos espetáculos encontrados no acervo da TVE-RS. O segmento seguinte apresenta o nome dos grupos, dos diretores ou dos artistas responsáveis pelas montagens. A terceira coluna revela o ano em que o programa foi exibido no Canal 7.

Quadro 1 – Lista dos documentos selecionados do programa Palcos da Vida GÊNERO/ESPETÁCULO

ARTISTA, DIRETOR OU GRUPO

ANO

TEATRO A Mãe da Miss e o Pai do Punk A Verdadeira História de Édipo Rei Conversa ao Pé do Palco Escondida na Calcinha Império da Cobiça O Ferreiro e a Morte Ostal

Luiz Arthur Nunes (diretor) Grupo Gregos & Troianos Oscar Simch (diretor) Patsy Cecato (diretora) Grupo TEAR Grupo Teatral Face & Carretos Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

1987 1988 1988 1988 1987 1988 1989

Ballet Vera Bublitz Grupo Mudança Grupo Vacilou Dançou/RJ Rubens Barbot (bailarino e coreógrafo) Ballet Teatro Castro Alves/BA Franklin Cassaro e Michele Spiewak/RJ Grupo de Dança Teatro Guaíra/PR Biño Sauitzvy (diretor) Maria Waleska Van Helden (coreógrafa) Grupo Terpsi Teatro de Dança Rubens Barbot (bailarino e coreógrafo)

1989 1989 1989

DANÇA Ana Terra Da Razão à Volúpia Dança Alegre Alegrete I Dança Alegre Alegrete II

Grand Genet: Nossa Senhora das Flores Primavera Retratos V ou As Parcas Só um Homem Só

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1989

2003 2009 1988 1987


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MÚSICA A Paixão dos Mendigos Batom

Paulo Gaiger (cantor) Adriana Calcanhotto (cantora) e Luciano Alabarse (diretor) Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky (músicos e cantores)

1990 1989

TEATRO DE BONECOS O Menor Espetáculo da Terra

Grupo Cem Modos

1989

VARIEDADES Boneca Cobiçada Viva a Gorda I e Viva a Gorda II

Luciano Alabarse (diretor) Eliane Steinmetz (atriz e apresentadora)

1989 1988

Orquestra de Câmara Theatro São Pedro e Grupo TEAR

1988

Grupo Tholl – Oficina Permanente de Técnicas Circenses

2005

Tangos e Tragédias

ÓPERA La Serva Padrona CIRCO-TEATRO Tholl Imagem e Sonho

1987

Apresentados, inicialmente, nas terças-feiras, às 21h30min, os episódios eram gravados com três câmeras simultâneas, colocadas em frente ao palco (nos lados direito, esquerdo e central da plateia), que ofereciam ao telespectador uma visão panorâmica que se aproximava daquela que seria a do público. No formato documentário-reportagem, o programa captava o acontecimento cênico exatamente como ocorreu no momento da gravação, ou seja, mostrando o espetáculo “tal como ele foi”.5 O procedimento pode ser classificado como teatro-vídeo (PAVIS, 2005, p. 101). Ou seja, é quando a câmera “vai até seu objeto, tentando captá-lo”. Nesse tipo de registro, o vídeo está a serviço do teatro e documenta o espetáculo conforme é apresentado, originalmente, sem alterações na encenação em decorrência da gravação.6 Entretanto, na transposição do palco para o vídeo, por se tratar de um recorte da realidade, o documento audiovisual altera o original (a peça de teaO programa Palcos da Vida foi exibido, ininterruptamente, na TVE, até abril de 2015. O site da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão descrevia o programa com o seguinte texto: “Palcos da Vida é vitrine para apresentações de importantes nomes da música do Sul e de artistas de todo o País, que mostram seu trabalho em palcos gaúchos. O espetáculo tal como ele é, gravado em seu próprio ambiente, filtrado pelas exigências técnicas: Baden Powel, Gilberto Gil, Nei Lisboa, Kleiton & Kledir, Comunidade Nin Jitsu e Lucille Band e Hard Working, entre outros, já estiveram no Palcos da Vida. Depoimentos de músicos e críticos complementam a pauta do programa, aproximando o artista e seu público”. Disponível em: <http:// www.tve.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2010. 6 Patrice Pavis diferencia o teatro-vídeo de outras experiências que cruzam o teatro com o vídeo. No vídeo-vídeo, as marcações dos atores, cenários e outras opções estéticas visam a realização do produto audiovisual. Assim, “é o objeto que se coloca em relação à câmera” (PAVIS, 2005, p. 101). 5

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tro) se comparado ao olhar do público presente à sala de espetáculo. No teatro, o espectador é que faz a escolha dos signos cênicos através do direcionamento de seu olhar. No registro em vídeo, a seleção é realizada por meio do enquadramento e da edição da imagem. No Palcos da Vida, uma mesma cena era captada por até três cinegrafistas, cada um com uma tomada (take) diferente. Depois, o diretor de imagens, diante destas opções simultâneas de um mesmo momento cênico, decidia por apenas uma na mesa de corte (suíte). Por fim, na pós-produção, os editores do programa podiam realizar outros recortes e montagens. Configurava-se uma operação coletiva que englobava o olhar de diversos profissionais. A seleção dos espetáculos gravados é outra característica que demonstra o processo de mediação entre obra e público, através do veículo de comunicação. No cotidiano de um espectador hipotético de teatro, ele mesmo definiria, entre as produções artísticas em temporada na sua cidade, qual desejaria assistir. Já no programa da TVE-RS, o telespectador teria que acompanhar o espetáculo escolhido pelos produtores que trabalhavam na emissora. No entanto, mesmo que atrelado às opções da máquina televisiva, o telespectador tinha acesso a produtos culturais que, talvez, não veria ao vivo em uma sala de espetáculos, seja pelo desconhecimento de sua temporada, por questões financeiras ou outro motivo que o impedisse de acompanhar a efervescência cultural de sua época. Desta forma, a programação artística que ficaria restrita ao público dos teatros ganhava outras plateias através de sua transmissão via televisão. A exibição de depoimentos dos artistas durante o programa era mais uma forma de aproximar o telespectador das obras de teatro e de dança em cartaz nos palcos de Porto Alegre. Na busca desta comunicação mais efetiva, as entrevistas tinham como objetivo esclarecer o telespectador sobre os processos de criação dos diretores, da construção dos personagens, da constituição dos grupos de teatro, enfim, temas que mostrassem ao público detalhes sobre a linguagem dos espetáculos e os modos de produção. No Palcos da Vida, a entrevista tinha a mesma função de outros paratextos de um espetáculo, como os programas das montagens (folhetos impressos) distribuídos ao público na entrada dos teatros ou as reportagens de veículos de comunicação (jornal, rádio, internet) que o espectador pode acessar antes ou depois de um evento artístico. Estes procedimentos de mediação têm características semelhantes a outros produtos informativos inseridos no universo da indústria cultural. Isto porque os meios massivos oscilam entre a novidade e a repetição, em um eterno jogo que apresenta sempre um novo produto sem, no entanto, surpreender seus espectadores com rupturas dos padrões estabelecidos. Ao focalizar espetáculos locais de teatro na televisão, o Palcos da Vida trabalhava com o conceito

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de novidade, rompendo com princípios hegemônicos de uma programação televisiva pautada pelo já conhecido. Porém, a mesma novidade vinha acompanhada de entrevistas que procuravam “explicar” ao telespectador aspectos que poderiam passar desapercebidos no contexto geral do programa. Assim, a encenação, que exigiria uma atenção diferenciada do público em frente à tela de televisão, tinha o formato de repetição, uma vez que trabalhava com padrões já conhecidos do telespectador, ou seja, uma edição que mesclava cenas e entrevistas, a exemplo de outras reportagens de televisão (sem ruptura). A utilização deste recurso (o depoimento dos artistas) procurava esclarecer a audiência sobre aspectos estéticos e de produção que não estavam explícitos no espetáculo. Desta forma, a opção pela utilização das entrevistas se aproxima de uma das funções paratextuais dos programas impressos dos espetáculos – a explicativa. Como define Clóvis Massa (2005, p. 16-17), “nela procura-se expor ao espectador alguns dos traços essenciais da obra, podendo ser tanto da criação dramática quanto da cênica. Na maioria das vezes, o discurso é o do diretor da encenação; em outras, é apresentado em forma de fragmento, retirado de entrevistas do dramaturgo ou aproveitado de seus estudos literários”. No caso do Palcos da Vida, a função explicativa, por meio dos depoimentos dos artistas, apresentava ao público aspectos relativos à obra, mas, também, sobre o processo de criação da encenação. Pensando nesta direção, mesmo que as entrevistas tivessem como objetivo não surpreender o espectador com rupturas dos padrões estabelecidos, elas cumpriram um papel que superava a função explicativa, se considerarmos a distância temporal que separa estes registros em vídeo do fato teatral. Hoje, as entrevistas são documentos históricos sobre o contexto cênico daquele período. Há outro aspecto que merece consideração. As técnicas de reprodução – das quais a mídia é herdeira – democratizam a cultura cultivada, fazendo transitar na cultura de massa obras que, antes, eram monopólio de setores da alta cultura. Tal movimento entre os polos culturais da sociedade produz efeitos de lado a lado. De uma parte, a reprodução e a mídia supervalorizam e mitificam o original, fato que, segundo Edgar Morin (2007, p. 54), transforma-se em “uma resistência à invasão conquistadora da cultura de massa”. De outra, a cultura de massa multiplica, democratiza e integra, mas vulgariza os elementos da cultura cultivada com o objetivo de atingir o espectador médio ideal. A democratização da cultura, como diz Morin, é vista com “bons olhos” pela elite cultural, social e política, porém, o seu hibridismo é tratado com horror pelos mesmos setores da alta cultura. Roger Silverstone argumenta que os meios de comunicação são responsáveis pelo movimento contínuo de significados, em um processo de mediação que entrelaça produtores e consumido-

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res de mídia em fluxos constantes de experiências e troca de textos e discursos entre um e outro. Segundo ele, as informações mediadas circulam através de intertextualidades infindáveis [...] na tela e fora dela, em que nós, como produtores e consumidores, agimos e interagimos, urgentemente procurando compreender o mundo, o mundo da mídia, o mundo mediado, o mundo da mediação” (SILVERSTONE, 2005, p. 34).

Assim, compreender como ocorre este fluxo de informações (e suas contradições) é condição indispensável para uma análise da cultura e dos meios massivos, em especial, a televisão em suas possibilidades estéticas e de transmissão de conteúdo. Na célebre obra Dos meios às mediações, Jesús Martín-Barbero (2008) começa sua análise com um alerta: o discurso sobre os efeitos da tecnologia na comunicação e na cultura está cheio de armadilhas. Segundo ele, os conflitos do processo comunicativo são sufocados por uma visão dualista da mediação de massa, que enfoca apenas as estratégias do dominador e o caráter emissores-dominadores e receptores-dominados. Esta lógica da dominação esconde as contradições do campo por meio do rótulo simplista da massificação ou o uso dos veículos para ratificar os interesses das elites. Entretanto, há brechas na rede comunicativa que permitem espaços de visibilidade e validação de mensagens, produtos e discursos produzidos por setores sociais e culturais não hegemônicos. O terreno é repleto de conflitos, tensões e resistências, no qual uma abordagem realmente crítica deve se debruçar sobre o “modo como as pessoas produzem o sentido de sua vida e como se comunicam e usam os meios” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 27). Os métodos de pesquisa sobre a mídia necessitam priorizar leituras que relacionem emissor-mensagem-receptor ao contexto histórico, político, econômico, social e cultural. Em especial, Martín-Barbero (2008, p. 29) se refere aos países latino-americanos, marcados por lutas contra regimes autoritários e por brechas que ocorrem no embate entre “modernidade e descontinuidades culturais” e “imaginários que misturam o indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore com o popular e o popular com o massivo”. É nesta trama mestiça e complexa que se insere o tema televisão e, por esta razão, o filósofo e pesquisador da comunicação defende a necessidade de uma análise capaz de distinguir entre [...] a indispensável denúncia da cumplicidade da televisão com as manipulações do poder e dos mais sórdidos interesses mercantis – que sequestram as possibilidades democratizadoras da informação e as possibilidades de criatividade e de enriquecimento cultural, reforçando preconceitos racistas e machistas e nos contagiando com a banalidade e a mediocridade apresentada pela maioria da programação – e o lugar estratégico que a televisão ocupa

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais nas dinâmicas da cultura cotidiana das maiorias, na transformação das sensibilidades, nos modos de construir imaginários e identidades (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 26, grifo do autor).

Nas televisões e rádios de caráter público, como a TVE-RS, a produção e circulação de conteúdos jornalísticos e culturais deveriam garantir espaço para discussão de temas que não estão presentes nas emissoras privadas. Em um modelo ideal, os sistemas públicos seriam locais para experimentações e diálogos mais profundos com outras áreas da cultura, visto que poderiam se distanciar das pressões comerciais, de consumo e audiência. Sobre o compromisso destas emissoras – as culturais e educativas – de realizar uma programação de qualidade, Wolton (2003, p. 77) acredita que “mais do que em qualquer outro setor da indústria cultural, na televisão pública a responsabilidade primeira vem da oferta e não da demanda”. Segundo ele, uma emissora preocupada em promover acesso à informação e à cultura deve projetar o telespectador em sua dimensão de cidadão com espírito crítico, mesmo considerando o caráter espetacular do veículo. Para Wolton (2003, p. 76), “se a televisão permanece um espetáculo – e é por essa razão que ela agrada – nada impede que o espetáculo seja de qualidade”. Neste sentido, o teórico defende, como primordial, uma justa concorrência entre emissoras públicas e privadas, ou seja, para que a disputa seja equilibrada é preciso garantir políticas e regulamentações que mantenham um setor público de comunicação forte. De acordo com o pesquisador francês, em razão das limitações decorrentes da necessidade de lucro das televisões privadas, são as emissoras públicas que poderão responder com uma produção mais qualificada. Néstor García Canclini (apud MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 69) acredita que as televisões públicas possibilitaram espaços emancipatórios, onde “cresceram a informação independente e a consciência cidadã, se legitimaram as demandas das pessoas comuns e se limitou o poder dos grupos hegemônicos na política e nos negócios”. No entanto, o antropólogo argentino, que estuda a cultura na perspectiva latino-americana, chama a atenção para os riscos decorrentes da redução do papel e dos recursos econômicos dos estados, enquanto sucedem-se inovações tecnológicas capazes de encarecer ou inviabilizar a produção nos canais públicos. É o caso da TVE-RS, que enfrenta as contradições típicas de um veículo vinculado ao Governo do Estado. De um lado, em razão de não sofrer pressões comerciais que pautem sua produção na busca inexorável por índices de audiência, a emissora pode (resguardadas as pressões políticas intrínsecas de seu campo) ter como perfil de atuação um jornalismo reflexivo e cultural acessível a todos os segmentos de público. De outro, sua dependência de verbas públicas restringe a atualização do parque tecnológico e limita os recursos de produção.

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O arquivo de fitas, por exemplo, é um dos setores mais atingidos pela falta de verbas. No acervo do Canal 7, estão guardadas fitas de vídeo com a produção jornalística e de entretenimento da emissora, como as que geraram este estudo. Estas gravações compõem um vasto panorama de várias décadas de história em áreas como política, economia, ciência, esportes e artes. Contudo, grande parte destas fitas foi gravada em sistemas que, hoje, já estão em desuso, como o U-Matic e o S-VHS.7 E não há previsão de digitalização destas imagens para formatos contemporâneos, fato que deveria receber a devida atenção dos dirigentes da emissora e da sociedade em razão da importância histórica dos registros. Outra questão que se destaca, no caso dos documentos selecionados para a pesquisa, é a dificuldade de acesso a informações precisas sobre os programas Palcos da Vida, gravados naquele período, e a outros dados que auxiliem o pesquisador a mapear os vídeos que podem estar arquivados no acervo da TVE-RS. O sistema de indexação do centro de documentação da emissora possui diversas lacunas decorrentes da transposição dos antigos fichários manuais do arquivo de fitas – que registravam, apenas, poucos dados sobre a produção televisiva – para as palavras-chaves necessárias como forma de descrever o contexto do vídeo a indexar no meio informatizado. Assim, a busca por gravações anteriores ao recente processo tecnológico de organização das informações assemelha-se ao trabalho de um arqueólogo na tentativa de encontrar vestígios de fatos do passado. No caso dos vídeos que integraram o corpus deste estudo, eles somente são encontrados quando a busca é realizada a partir do nome do programa (Palcos da Vida). Então, eles aparecem listados pelo título do espetáculo ou, então, pelo nome de algum dos artistas responsáveis pela produção, sem fornecer informações sobre o gênero do programa (teatro, música, dança, show de variedade, etc.) ou outros dados que possam esclarecer o tipo de conteúdo a que se refere o documento. Desta maneira, torna-se necessário pegar a fita em questão e reproduzi-la no VT, a fim de verificar a gravação em sua totalidade. Enfim, trata-se de um verdadeiro mapeamento das pistas que possam ajudar a entender e explicar a origem e o conteúdo dos vídeos. No exame dos vídeos do programa Palcos da Vida, verificou-se que, na transposição do palco para a linguagem televisiva, os produtores da TVE-RS

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Os vídeos que fazem parte do estudo, realizados no período de 1987 a 1990, estão gravados no sistema U-Matic, cuja fita cassete tem bitola de ¾ de polegada. S-VHS (Super VHS) é uma versão melhorada do VHS. A fim de possibilitar esta pesquisa, os documentos em vídeo que fazem parte do universo de análise foram transcodificados para o sistema DVD.

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

realizaram ações de enquadramento, seleção e corte de cenas. Em razão destas operações, quem assiste aos documentos audiovisuais coloca-se diante de fragmentos dos espetáculos gravados, ainda que se constituam em um importante registro da cena teatral daquela década. Ao longo do processo, descobriu-se a existência de intervenções técnicas, realizadas pelos editores da TVERS, que alteravam o real das encenações. Estas ações tiveram como objetivo adequar as peças aos “padrões” do que seria uma emissão em televisão. O acervo documental é ainda um rico material para a investigação do pensamento estético dos artistas entrevistados. Por meio dos depoimentos, tevese acesso ao discurso sobre arte de atores e diretores, mesmo que submetidos ao processo de edição televisiva. Cabe destacar que, através do conteúdo do texto espetacular, pôde-se conhecer as sensibilidades de uma época e o modo como os profissionais das artes cênicas refletiam sobre o mundo, em seus valores e preconceitos. Finalmente, cabe destacar alguns pontos que interessam a esta pesquisa sobre o papel da televisão na sociedade contemporânea, em especial, na mediação de produtos culturais. Ela tem sido testemunha das transformações pelas quais passam a sociedade, a cultura e os próprios meios de comunicação e configura-se como um importante meio de registro da memória cultural, de representações do passado, de tradução de sensibilidades, da alteridade, da diferença e de identidades. Como define Martín-Barbero (2004, p. 41), o veículo é um “espaço de cruzamentos estratégicos com certas tradições culturais de cada país, orais, gestuais, escritas, teatrais, cinematográficas, novelescas, etc.” e pode possibilitar “brechas” para discussão de conteúdos que interessam à comunidade e ao cidadão tanto nas emissoras públicas como em alguns espaços das televisões comerciais. Na mesma direção, Wolton (2003, p. 75) argumenta que a televisão é “o principal instrumento de informação, de entretenimento e de cultura da esmagadora maioria dos cidadãos dos países desenvolvidos”. Não há televisão sem uma concepção implícita ou explícita de seu papel na sociedade. A televisão não é apenas um conjunto de imagens produzidas e difundidas. Ela também é imagens recebidas, e no lugar mais privado, o domicílio. Ela é uma troca. Esta característica, o consumo individual de uma atividade coletiva, obriga a se colocar a questão central para qualquer televisão, privada ou pública: uma televisão para fazer o quê? (WOLTON, 2003, p. 76, grifo do autor).

O programa Palcos da Vida e outros produzidos pela TVE-RS podem ser vistos como exemplos da maneira pela qual ações, aparentemente diluídas do fazer cotidiano de artistas no sul do Brasil, encontram espaços de visibilidade no contexto midiático. A importância da emissora pública está, justamente,

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em ser um espaço de divulgação dos produtos culturais regionais, diante de uma programação hegemônica vinda de São Paulo e Rio de Janeiro, transmitida por meio das redes nacionais de televisão. Além disso, configura-se como um potencial espaço de construção de uma cidadania crítica através da divulgação de informações independentes, distante da lógica de uma produção hegemônica de pensamento. E é neste espaço de validação e construção de identidades de uma cultura local que está função que está o papel central das mídias, em especial, das televisões públicas, nos processos de transformações sociais.

Referências MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. MASSA, Clóvis. O paratexto teatral. Revista CENA, n. 4. Porto Alegre: UFRGS / Instituto de Artes / Departamento de Arte Dramática, 2006, p. 15-26. MASSA, Clóvis. O paratexto teatral. Revista CENA,Porto Alegre, UFRGS/Instituto de Artes/Departamento de Arte Dramática, n. 4, 2005, p. 15-26. MASSA, Clóvis. Estética Teatral e Teoria da Recepção. Tese (Doutorado em Letras – PUC/RS). In: GUZINSKI, Maurício (Coord.). 1º Concurso Nacional de Monografias: Prêmio Gerd Bornheim: teatro no Brasil, teatro no Rio Grande do Sul – Vol. III. Porto Alegre: Editora da Cidade, 2007, p. 21-116. MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema. São Paulo: Perspectiva, 2005. PESAVENTO, Sandra. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2005. WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Porto Alegre: Sulina, 2003.

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Trajetória da televisão pública no Brasil: políticas, interseções e embates1 Renata Rocha

Pavimentando o percurso No início do século XX, o Brasil inicia sua reconfiguração, modernizando-se em diferentes setores. A Revolução de 1930 alavanca um esforço de centralização e unificação do país, ainda marcado pelo regionalismo. Em tal projeto, posteriormente reforçado pelo Estado Novo, “o cinema e o rádio assumiram um papel primordial” (SIMIS, 2006, p. 5). Pela primeira vez, o Governo Federal realiza um conjunto de intervenções nas áreas da comunicação e da cultura, ainda que alternadas com a repressão e a censura.2 No período, duas experiências pontuais de gestão de veículos radiofônicos suscitam, de modo inaugural, a intervenção direta do Estado na radiodifusão: a doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao Governo Federal, em 1936, e a incorporação da Rádio Nacional ao patrimônio estatal, em 1940, quatro anos depois de sua inauguração. Posteriormente conhecida como Rádio MEC, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada em 1923, é a primeira do Brasil a realizar transmissões regulares. Ancorada pela contribuição dos radiouvintes, a entidade fracassa financeiramente. A doação ao Estado é condicionada à manutenção do caráter educativo, à não veiculação de publicidade e ao atrelamento ao Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. As cláusulas impostas, segundo Leal Filho (1988), influenciam o campo público de radiodifusão3 até os dias atuais. O artigo ora apresentado explicita os resultados da investigação realizada para o projeto de tese Políticas culturais e televisão pública: o processo de conformação da Empresa Brasil de Comunicação/TV Brasil, defendida em outubro de 2014 pela autora. 2 Data do período a primeira regulamentação do setor radiofônico no país que inaugura a menção à “radiotelevisão”. Seguindo a lei estadunidense, é instituído o trusteeship model, no qual o Estado permite a exploração da radiodifusão, tendo como operadora principal a empresa privada (MARTINS, 2007). 3 Em especial, a proibição de comercialização dos horários impede o Ministério das Comunicações, que veicula publicidade nas estações sob seu controle, de absorver essas emissoras; e a ênfase no caráter educativo, que “acabou justificando a implantação da rede de emissoras de rádio e televisão educativas por parte do governo e a criação de fundações públicas e privadas 1

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Já a Rádio Nacional, com autonomia financeira e manutenção via receita publicitária – totalmente reaplicada em seu benefício – permanece por cerca de quinze anos como a mais importante rádio da América Latina, adotando, porém, uma programação semelhante à das emissoras comerciais. Entre 1940 e 1950, seus anúncios são os mais caros e concorridos do Brasil (AZEVEDO, 2002). Foi também esta rádio que iniciou transmissões experimentais de televisão na América Latina em 1946. Por razões até hoje inexplicadas, contudo, apesar de ela ter apresentado ao governo um plano para a utilização do novo meio, coube a Assis Chateaubriand e seu império – Emissoras e Diários Associados – a primazia da primeira concessão brasileira de TV (JAMBEIRO, 2002, p. 50-51).

A derrocada do Estado Novo em 1945 tem como consequências, para a comunicação, o arrefecimento da censura, à exceção dos espetáculos e diversões públicas, e a afirmação da liberdade de manifestação do pensamento, conforme a Carta Constitucional de 1946. No período democrático que se segue, o Estado promove apenas uma reorientação restrita (SIMIS, 1996), ausentando-se progressivamente das políticas de comunicação. É exemplar, neste sentido, a inauguração da primeira emissora do país por iniciativa unicamente privada. A construção de uma legislação para a radiodifusão, por sua vez, arrasta-se por anos, processo que evidencia a emergência das grandes empresas de TV que se conformam no período como influentes agentes na definição das políticas estatais. A regulamentação do setor ocorre apenas quando a ausência de leis específicas se torna uma ameaça, pela tentativa de interferência direta do Poder Executivo na programação e nas relações entre estas emissoras e o Estado. Assim, sob forte pressão dos empresários – reunidos na recém-criada Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT) – é aprovado o Código Brasileiro de Telecomunicação, no ano de 1962.

Surgimento do campo público de televisão: as TVS Educativas Com a instauração do regime militar, após o golpe de 1964, a televisão comercial adquire uma função estratégica na divulgação do Estado e da modernização da sociedade.4 As intricadas relações entre o Estado e as emissoras que passaram a funcionar com subvenções do Estado” (LEAL FILHO, 1988, p. 37). Embora seja uma ação pontual e isolada, a ausência de uma diretriz estatal para o setor torna o documento de doação da Rádio Sociedade o precursor de todo um delineamento político, aperfeiçoado no período militar, embora, paradoxalmente, contrarie sua plena consecução. 4 Em 1965, ano em que o Brasil se associa ao Sistema Internacional de Satélites (Intelsat), é criada a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). Dois anos depois, o Decreto-lei 200 institui o Ministério das Comunicações (MiniCom) e centraliza o processo decisório no Poder Executivo.

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comerciais colaboram para a afirmação destas como representantes da política de integração nacional. Ilustram o processo: a instituição do crédito direto ao consumidor em 1968, que facilita a compra de aparelhos de TV, e a isenção de impostos de importação de equipamentos e peças destinados à instalação e manutenção das emissoras (LEAL FILHO, 1988); além do desenvolvimento da rede nacional de microondas da Embratel e do sistema de transmissão viasatélite. O sudeste torna-se, então, polo irradiador da programação e das expressões da cultura “nacional”. Já no campo público de radiodifusão, surge o sistema educativo, com a promulgação do Decreto-Lei de n. 236 de 1967, que estabelece que as televisões e rádios educativas não têm caráter comercial, sendo vedada a transmissão de propaganda, direta ou indiretamente. Reforçando o predomínio do caráter comercial da indústria televisiva, a operação das emissoras educativas é restrita aos governos federal, estadual e municipal, universidades e fundações de direito público. Ao determinar que “a televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates” (BRASIL, 1967a), a legislação restringe brutalmente a possibilidade de ação destas emissoras. A norma também torna o CBT mais repressivo e centralizador, impedindo a divulgação de opiniões contrárias ao governo e restringido a propriedade dos meios de comunicação. No mesmo ano, a Lei n. 5.198 cria a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE). Vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, a instituição tinha como finalidade “a produção, aquisição e distribuição de material audio-visual destinado à radiodifusão educativa” (BRASIL, 1967b). Inicialmente, cabe à Fundação, com parcos recursos materiais e humanos, a realização de cursos, a prestação de serviços de assistência técnica a instituições, que incluem treinamento, iniciação de pessoal e planejamento em teledifusão educativa. Seis anos depois de sua criação, a FCBTVE é autorizada a estabelecer uma estação de televisão aberta, a TVE-BR – Canal 2, que utilizaria o Canal 2 do Rio de Janeiro, antes ocupado pela TV Excelsior (MILANEZ, 2007). A primeira televisão educativa do Brasil, implantada em 19685, é a TV Universitária de Pernambuco (CAPARELLI, 1982). Um ano depois, a TV Cultura é reinaugurada sob a tutela da Fundação Padre Anchieta, entidade pública submetida a um regime de direito privado. Fundada em 1960, a emissora é ven5

Existem, porém, algumas iniciativas anteriores de utilização da TV para difusão do ensino. Caparelli (1982) assinala a implantação de um curso de admissão pela TV Cultura, canal 2 – TV Escola de São Paulo, já em 1961, quando ainda pertencia aos Diários e Emissoras Associados. No mesmo ano a Fundação João Batista do Amaral/TV Rio iniciava um curso de alfabetização de adultos. Em ensino fechado, a primeira TV educativa brasileira foi a da Universidade de Santa Maria (RS), que inicia suas atividades em 1958.

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dida ao estado de São Paulo pelos Diários e Emissoras Associados em 1967, após um incêndio que destrói todas as suas instalações. A TV Cultura é reinaugurada com uma proposta ambígua: contemplar “a necessidade de produzir programas de escolarização para as classes subalternas da sociedade, ao lado de um projeto cultural nitidamente voltado para as elites” (LEAL FILHO, 1988, p. 27). Segundo Hossoé (2012, p. 89), até 1975, nove emissoras educativas encontram-se em funcionamento, com a criação das TVs Educativas do Maranhão, Rio de Janeiro, Amazonas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Ceará, além da TV Universitária do Rio Grande do Norte. Em geral, estas emissoras seguem a matriz de programação educacional-formal, com programas didáticos voltados para o ensino e telecursos, a fim de substituir a sala de aula. No período, os projetos de televisão educativa se caracterizam pelo entendimento dos meios de comunicação como ferramentas para a expansão educacional, atingindo as populações excluídas dos circuitos oficiais. Seu surgimento no país é impulsionado pela pressão de agências e organismos internacionais, liderados pela UNESCO, que defendem o uso da TV para suprir as carências educacionais dos países em desenvolvimento. Outro fator é a necessidade de formação de mão de obra especializada, diante do acelerado processo de industrialização promovido pelo regime militar (JAMBEIRO, 2008). Em 1970, a Portaria Interministerial MEC/MiniCom n. 408 de 1970, assinada pelos ministros da Educação, Jarbas Passarinho, e das Comunicações, Higyno Corsetti, determina que as emissoras comerciais destinem, gratuitamente, cinco horas semanais à transmissão de programas educativos, em horários pré-estabelecidos (MILANEZ, 2007). Dois anos depois, é criado o Programa Nacional de Teleducação (Prontel), pelo Decreto n. 70.185, visando à integração em âmbito nacional, das atividades didáticas e educativas através do rádio, da televisão e outros meios, de forma articulada com a Política Nacional de Educação (BRASIL, 1972). No entanto, apesar da instituição desta e de outras normas que buscam regulamentar e fomentar a integração entre as emissoras – por meio da criação de centros de difusão de programação, programas e sistemas de integração –, tais medidas não são operacionalizadas, nem têm consequências de relevo (JAMBEIRO, 2002). Apesar das iniciativas, o Estado continua sem uma política nitidamente definida para a educação via teledifusão e tampouco para as televisões educativas, que começam a se difundir pelo país, vinculadas, em sua maioria, aos governos estaduais. Ao fim da década de 1970, inicia-se o processo gradual de transição da ditadura militar para a democracia. A violência diminui, e o regime busca realizar a transição sob sua hegemonia, cooptando profissionais da cultura e

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da comunicação e aumentando os investimentos nestas áreas. No período, são criadas instituições como a Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobras)6, a Fundação Nacional das Artes (Funarte), ambas em 1975; o Conselho Nacional de Cinema (Concine), em 1976, entre outras (RUBIM, 2010). Em relação às televisões educativas, a partir da extinção do Prontel, em 1979, é criada a Secretaria de Aplicações Tecnológicas (Seat). No mesmo ano, o Sistema Nacional de Televisão Educativa (Sinted) se institui informalmente, recebendo respaldo legal apenas três anos depois por meio da Portaria Conjunta MEC/MiniCom n. 162. O Sistema visa a permitir a veiculação de programas produzidos por todas as integrantes, diferentemente do que ocorre com as redes comerciais que se limitam a retransmitir a programação das emissoras cabeçasde-rede localizadas, invariavelmente, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Já em 1982, a Seat e o Serviço de Radiodifusão Educativa (SRE), ao qual a Rádio MEC encontra-se vinculada, são incorporados pela Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FCBTV), cuja sigla é alterada para Funtevê. Por possuir a TVE-BR, única emissora com acesso ao satélite, cabe também à fundação operar, administrar e coordenar o sistema, que, devido à inclusão das emissoras de rádio educativa no ano seguinte, passa a ser nomeado Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (Sinred). (FRADKIN, 2007) Neste momento, a matriz educacional-formal de programação já apresenta sinais de esgotamento. Seu progressivo abandono resulta de problemas como: os altos custos de manutenção; as dificuldades de gerenciamento de uma programação segmentada em canais abertos; as incongruências entre a linguagem televisiva, eminentemente emocional, e a linguagem reflexiva inerente à abstração escolar; a falta de integração entre o formato audiovisual e a realidade do telealuno (que não possui à sua disposição professores, videotecas, materiais específicos etc.); e, por fim, o surgimento de tecnologias, que ampliam as possibilidades educativas (FUENZALIDA FERNÁNDEZ, 2002). Já a proposta pedagógica com base nos telecursos evolui para a tele-educação, ou educação à distância, ampliando as possibilidades de uso da TV, com formatos e suportes midiáticos variados (circuito fechado, canais via satélite, DVDs, internet etc.). Também surgem organizações especializadas em educação à distância, independentes das emissoras abertas de TV.7

Subordinada ao MiniCom, sua missão inicial era centralizar as emissoras de rádio e TV pertencentes ao Governo Federal, bem como produzir e transmitir programas educacionais e culturais (JAMBEIRO, 2002). 7 Os telecursos seguem sendo transmitidos em emissoras educativas e comerciais, em horários marginais. 6

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Desta forma, as TVs educativas, ainda que permaneçam com esta denominação, abandonam as restrições impostas à sua programação pelo Art. 13 do Decreto-Lei 236 e passam a adotar de forma gradativa uma matriz de programação generalista e destacadamente cultural. A tendência atual é a da transmissão de programas jornalísticos, culturais e de entretenimento, tendo a educação como fio condutor (FRADKIN, 2007). A veiculação de programas didáticos passa a ser feita por emissoras específicas, como é o caso da TV Escola8, a cargo do Ministério da Educação e gerada pela TVE do Rio de Janeiro.

Instabilidades e ausências na radiodifusão pública Com a morte de Tancredo Neves, o vice José Sarney torna-se o primeiro civil a reger o país desde 1964. Seu governo é marcado pela utilização ostensiva das concessões de televisão como moeda de troca política, principalmente em negociações no processo de promulgação da nova Constituição. Entre 1985 e 1988, Sarney outorga 1028 concessões ou permissões de rádio e televisão. Isto representa, à época, 30% das concessões feitas no Brasil, desde 1922 (JAMBEIRO, 2002). No bojo deste processo, buscando centralizar a comunicação estatal e ampliar o poder da Presidência sobre tais veículos, o Decreto n. 95.676, de janeiro de 1988 (BRASIL, 1988b) institui o sistema de comunicação social e divulgação da Administração Federal, determinando a transferência da Radiobras, então vinculada ao Ministério da Comunicação, e da Funtevê e suas emissoras – que integram o Ministério da Educação há 21 anos – para o Ministério da Justiça e para o Gabinete Civil da Presidência da República, respectivamente. Em outubro do mesmo ano, um novo Decreto, de n. 96.921, aprova os estatutos da Funtevê, que adota como atribuição colaborar para a formulação e implantação da política de comunicação social e apoiar a divulgação da Administração Federal. A legislação preserva a tarefa de coordenação do Sinred, mantendo sua participação nos procedimentos de reserva e alterações de canais de radiodifusão e de retransmissão educativa e na autorização, permissão e concessão de serviços de radiodifusão e retransmissão educativas (BRASIL, 1988c). Após o encerramento, em setembro de 1988, dos trabalhos da Constituinte, o Decreto n. 98.052 de janeiro de 1989 (BRASIL, 1989a) devolve a Fundação ao MEC, menos de um ano depois de realizada a transferência.

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Plataforma de comunicação baseada na televisão, distribuída por satélite aberto, analógico e digital e por operadoras de TV por assinatura, para todo o território nacional e também na internet. Para mais informações ver: http://tvescola.mec.gov.br/tve/sobre. Acesso em: 21 mar. 2016.

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Em relação aos debates sobre a regulamentação da TV, a intensa polarização durante a Constituinte teve como protagonistas entidades ligadas aos trabalhadores da área de comunicação, lideradas pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) – cujas bandeiras principais eram a regulação da radiodifusão por um Conselho Nacional de Comunicação e a restrição da exploração de canais de rádio e televisão a organizações sem fins lucrativos – e empresários representados, em especial pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), que defendiam a permanência do controle da radiodifusão pelo poder executivo e a exploração destes serviços pela iniciativa privada (JAMBEIRO, 2002). O texto final do Capítulo da Comunicação Social da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988a) caracteriza-se por ações como: a transformação da proposta de Conselho Nacional de Comunicação em Conselho de Comunicação Social, um órgão consultivo do Congresso; a extensão da competência da aprovação de concessões ao poder legislativo, além do executivo; a dependência de, no mínimo, dois quintos dos deputados e senadores para reprovar a renovação de uma concessão; o estabelecimento de prazos para permissões e concessões: na televisão, quinze anos e na rádio, dez; entre outras. A maioria dos dispositivos criados, no entanto, permanece aguardando regulamentação. É o caso das determinações que tratam da regionalização de programas; da proibição aos monopólios e oligopólios; dos direitos dos telespectadores em relação aos serviços prestados pela emissora; e do art. 223, que cria três modos complementares de exploração dos serviços de televisão: o privado, o estatal e o público. Também é durante o Governo Sarney que, com o intuito de ampliar a rede educativa de televisão, é promulgado o Decreto n. 96.291, de 1988 (BRASIL, 1988d), e a Portaria MC n. 93, de 1989 (BRASIL, 1989b), que criam o modelo de retransmissão mista, a partir das TVs comunitárias. A legislação possibilita a inserção de programas de interesse comunitário, em nível local, pelas retransmissoras de televisões educativas, com inserções inferiores a 15% do total da programação da geradora à qual a retransmissora está vinculada. Neste sentido, a medida visa a atrair recursos de entidades privadas, universidades e prefeituras interessadas em divulgar suas atividades, o que de fato aconteceu. Embora a experiência já existisse em outros países, os resultados esperados não são alcançados no Brasil. A norma não explicita as diretrizes para o funcionamento deste tipo de retransmissora, suscitando o desvirtuamento de seus objetivos. A cessão das autorizações a políticos e empresários promovem a politização e a veiculação abusiva de comerciais. Embora os Ministérios da Educação e da Infraestrutura tenham buscado disciplinar as autorizações para

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a retransmissão em caráter misto, a possibilidade é extinta em 1998, quando a legislação permite a transformação das retransmissoras mistas existentes em geradoras.9 A partir de 1993, a Funtevê, já renomeada Fundação Roquette Pinto (FRP), e suas emissoras, a TVE-BR e a Rádio MEC, enfrentam uma séria crise econômica que resulta no declínio de sua programação e na diminuição significativa do apoio técnico e financeiro prestado às emissoras do Sinred. Ao mesmo tempo, a TV Cultura de São Paulo passa a ter, também, acesso ao satélite10, provocando uma imediata ruptura no frágil equilíbrio que sustenta o sistema, na área da televisão, com sua programação de qualidade indiscutivelmente superior. A programação do Sinred passa a ser gerada pelas duas emissoras. Em 1994, o MEC tenta manter a FRP como coordenadora do sistema por meio da reformulação do Sinred e da criação do programa Prosinred, destinado a reequipar todas as emissoras educativas de rádio e de televisão, com recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FRADKIN, 2007). Fernando Henrique Cardoso assume a presidência do país em 1995. Durante seu governo são realizadas reformas de cunho liberalizante, com a privatização de serviços em diversos setores, cujo acompanhamento e fiscalização são confiados a agências reguladoras. Como parte deste processo, a área de telecomunicações é reestruturada pela Emenda Constitucional n. 8 de 1995, que elimina a exclusividade na exploração dos serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal, permite a privatização e introduz o regime de competição. Tais iniciativas se baseiam na substituição do Código Brasileiro de Telecomunicações por uma legislação mais moderna, cujos marcos seriam a Lei n. 9.472, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações (LGT), aprovada em julho de 1997, e a Lei Geral da Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), que não chegou a sair do papel. Com a promulgação da LGT, é revogada toda a regulamentação referente às telecomunicações do CBT, composto atualmente apenas pelos dispositivos que dizem respeito à radiodifusão, situação então anunciada como “transitória” (BOLAÑO, 2007, p. 42). Neste período, destaca-se a criação de um organismo regulador independente: a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) cuja função é O MiniCom, nos dois anos seguintes, concede a outorga a 138 novas emissoras geradoras, criando uma imensa confusão no setor, que até 2001 era constituído por apenas 19 emissoras geradoras (FRADKIN, 2007). 10 No período, a TV Cultura corria o risco de perder o alcance a toda sua rede no interior do Estado de São Paulo, interligada via telefonia, devido a problemas tecnológicos. Para evitar o desfecho, a emissora obtém acesso ao satélite do Sinred por meio de negociação com a Embratel. 9

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definir a regulamentação do setor, com as missões de promover a justa competição, defender os direitos e interesses dos consumidores dos serviços e estimular o investimento privado. A proposta do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, era de reintegrar, posteriormente, a regulamentação do rádio e da televisão hertziana à norma. Com sua morte, em 1998, a proposta é retomada pelo ministro Pimenta da Veiga que, em junho de 2001, promove uma consulta pública na internet de um anteprojeto de Lei de Radiodifusão. Mesmo possuindo um caráter conservador, que contraria a proposta inicial, a minuta não logra ser enviada ao legislativo. Segundo Pimenta da Veiga, “seu anteprojeto de Lei de Radiodifusão perdeu o timing, não sendo assunto para ser tratado em fim de governo” (ZANATTA, 2002 apud BOLAÑO, 2007, p. 49). Nos anos FHC, a retração da atuação do estado também se dá na radiodifusão educativa. Já em 1995, a Fundação Roquete Pinto é transferida do âmbito do MEC para a Secretaria de Estado de Comunicação do Governo (Secom) e o Sinred é desativado. Em 1997, iniciam-se as negociações, no âmbito do Governo Federal para a extinção da fundação e sua substituição por uma organização social (OS), concretizada em janeiro de 1998, com a instituição da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP). Com o “argumento de maior independência das pressões estatais, a alteração jurídica remeteu a emissora à lei da selva da sobrevivência do mercado midiático” (VALENTE, 2009, p. 273). A enfática assertiva encontra eco nos dados apresentados por outros autores. Liana Milanez, no livro TVE: Cenas de uma história (2007) relata que: Com as mudanças para organização social, a então Fundação RoquettePinto, detentora de um orçamento anual de R$ 80 milhões, assinou um contrato de gestão com o Governo Federal como Acerp e teve sua verba reduzida para R$ 12 milhões (p. 167).

A iniciativa é complementada pela Lei n. 9.637 de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, etc. Contribuindo para a flexibilização da publicidade nas emissoras de serviço público no Brasil, a norma jurídica permite “o patrocínio de programas, eventos e projetos, vedada a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de intervalos” (BRASIL, 1998, online). Esse dispositivo abre um importante precedente para a inclusão do apoio cultural como fonte de recurso, ainda que restrinja sua utilização às organizações sociais que operam emissoras educativas, a exemplo da ACERP. Ainda em 1998, é criada a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC), com o intuito de congregar as emissoras geradoras de TV com finalidade pública. Um ano depois, suprindo o vazio

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deixado pela desativação do Sinred, a ABEPEC institui a Rede Pública de Televisão (RPTV), estabelecendo uma grade de programação comum, de seis horas diárias11 e obrigatória para todos os associados. A iniciativa obtém sucesso nos dois primeiros anos. Depois disso, passa a funcionar apenas via retransmissão voluntária de alguns programas de suas principais emissoras: a TV Cultura e a TVE-BR por outras geradoras estaduais pertencentes à RPTV. Apesar da denominação, não é estabelecida qualquer arquitetura de rede (VALENTE, 2009). Também merece relevo a promulgação da Lei 8.977 de 1995, conhecida como Lei do Cabo, que contribui para a radiodifusão de serviço público, ao possibilitar a reserva de canais gratuitos – legislativos, universitários e comunitários, bem como um canal educativo-cultural sob responsabilidade do poder executivo. Criado pela Secretaria de Audiovisual do MinC, a fim de “contrapor-se aos gostos do mercado” (MINC TIRA DO AR..., 2003), o Cultura e Arte é criado em 2001, com o custo de R$ 4,7 milhões no primeiro ano. A programação de 60h semanais fica a cargo da TV Cultura, por meio de contrato, e é formada por documentários, filmes e programas de debates, além de obras financiadas por meio das leis de incentivo, a exemplo da Lei do Audiovisual e Lei Rouanet. O canal é descontinuado em 2003, antes mesmo de completar dois anos de existência. A elaboração e a instituição desta legislação são objeto de um amplo debate entre grandes grupos empresariais ligados à Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) – composto por entidades como a Fenaj e a Federação Nacional dos Sindicatos de Telecomunicações (Fittel), dentre outros –, a Empresa Estatal de Telecomunicações (Telebras) e o Congresso Nacional. O Ministério das Comunicações, contumaz protagonista nos processos regulatórios, permanece à margem das negociações. Trata-se de um importante passo rumo à ampliação das ofertas televisivas, ainda que restrito à parcela minoritária da população que tem acesso ao serviço. Parte das emissoras consegue romper as amarras do cabo passando a transmitir sinais também para antenas parabólicas (LEAL FILHO, 2007).

Enfrentamentos e desafios: a criação e implantação da EBC A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e a escolha do cantor e compositor Gilberto Gil para dirigir o Ministério da Cultura inauguram um 11

Embora a maior parte da programação seja gerada pela TVE-BR e TV Cultura, há o compromisso, e a possibilidade, por parte de todas as 20 emissoras da Rede, de geração de conteúdo local para exibição nacional.

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período de atuação mais efetiva do Governo Federal em relação às políticas para a cultura. Impulsionado pelo contexto particular da campanha eleitoral de emergência e abrangência das reivindicações no âmbito cultural, o tema da televisão pública é introduzido de forma inovadora nos debates e, posteriormente, nas próprias políticas para a cultura e a comunicação. A atuação da Secretaria do Audiovisual (SAv), inicialmente comandada pelo cineasta Orlando Senna12, aposta na ampliação de suas atividades e, ao mesmo tempo, na integração entre os elos da cadeia produtiva do audiovisual. Neste sentido, o tema da TV Pública adentra a agenda estratégica de debates do MinC. Ao expor as propostas de políticas do órgão, o secretário propõe redimensionar a rede pública de TV, por meio da “instalação e operação de uma Rede Pública de Televisão lastreada em cerca de mil canais culturais, educativos, universitários e comunitários existentes no país, a ser operada com participação e co-responsabilidade da sociedade” (SENNA, 2003). No ano de 2006, o MinC, através da SAv e da Secretaria de Políticas Culturais, com o apoio da Presidência da República e do Ministério da Educação, e em conjunto com as associações de emissoras não comerciais, volta-se à elaboração de reflexões e diagnósticos sobre a televisão pública no país13, com vistas a contribuir para a construção do “I Fórum Nacional de Televisões Públicas”, realizado em maio de 2007. O evento convoca e mobiliza ativistas da sociedade civil e profissionais da comunicação e cultura, em um profícuo debate, representando um passo primordial do processo que se segue (BRASIL, 2007a). Cinco meses após a realização do fórum, o poder executivo edita a Medida Provisória n. 398 de 2007, que institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública, explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta; autoriza a criação da empresa pública Empresa Brasil de Comunicação S.A. (EBC), que inclui em sua estrutura a TV Brasil, vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (BRASIL, 2007b). Pela primeira vez, uma legislação brasileira faz uso do termo público para instituir princípios e objetivos de um serviço de radiodifusão.

Após a saída de Orlando Senna, a SAv é gerida por Silvio Da-Rin e, posteriormente, Newton Cannito. 13 Em meio ao processo de elaboração do evento, o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, apresenta um anteprojeto de criação de uma emissora de TV do Executivo, para divulgar as ações do governo federal, que custaria cerca de R$ 250 milhões, em quatro anos. A proposta deixa transparecer o desentrosamento entre as instâncias do governo, em relação às políticas de comunicação, e gera forte reação dos movimentos sociais, sendo rapidamente abandonada (ZIMMERMANN, 2007; INTERVOZES, 2007). 12

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ROCHA, R. • Trajetória da televisão pública no Brasil: políticas, interseções e embates A gestão da empresa se concentra basicamente na existência de três conselhos – administrativo, financeiro e curador – e uma diretoria executiva. A ideia é que os conselhos se regulem entre si e regulem o funcionamento da empresa – financeiramente, administrativamente e, sobretudo, em relação ao cumprimento do seu compromisso social na produção e transmissão de conteúdos ou na disponibilização do seu espaço televisivo. O Conselho Curador é a instância deliberativa dentro da estrutura de gestão da empresa. Entre as suas atribuições estão a aprovação do plano de trabalho anual da empresa, ratificar e acompanhar a aplicação da linha editorial e observar a veiculação da programação, fiscalizando e fazendo recomendações de acolhimento obrigatório pela diretoria-executiva da organização. Apesar de lutar pela autonomia editorial frente ao governo, a estreita relação com o Executivo fica evidente ao ter o diretor-presidente e o diretor-geral da empresa indicados diretamente pela Presidência da República. Além disso, os representantes da sociedade no Conselho Curador precisam passar pelo aval do Presidente da República. O governo ocupa também a maioria das cadeiras de dois dos três conselhos (ESCH; DEL BIANCO, 2014, p. 3.074).

Tão logo se dá a publicação da norma, é iniciado um intenso debate entre parlamentares, funcionários do governo que protagonizam a criação da EBC e agentes não estatais – meios de comunicação, movimentos sociais, pesquisadores e entidades de classe que militam pela democratização da comunicação. Observa-se, ainda, um relevante “desvio” de rota. As políticas para a TV pública, cujo privilegiado lugar de proposições era ocupado pelo MinC, são delegadas à Secom-PR. A opção, especialmente motivada pelo anúncio, por Gil, de que deixaria a pasta da cultura, soma-se à “ascendência em tudo que se relacionava com comunicação” (SENNA, 2013, p. 21) do novo Ministro-Chefe da Secretaria, Franklin Martins. Também se sobressaem a proximidade deste órgão ao núcleo do poder executivo, a incorporação da Radiobras14 e repactuação do contrato com a ACERP, entidades que congregam a comunicação do Governo Federal. A EBC é legalmente constituída em outubro de 2007. A formação da diretoria executiva da emissora fica a cargo de Franklin Martins que, a pedido do Presidente, busca garantir a permanência dos envolvidos nas discussões, além de somar novos profissionais à equipe (MARTINS, 2013). Neste sentido, três agentes ligados ao MinC – o então secretário de Audiovisual Orlando Senna

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A incorporação da Radiobras traz, por um lado, um orçamento relevante, além de capital humano e equipamentos, por outro, trata-se da empresa pública responsável pelos serviços de transmissão e divulgação de atos administrativos e das políticas do Governo. Neste sentido, sua vinculação a um Sistema de Radiodifusão, que se propõe público, indica um retrocesso quanto à manutenção de um dos mais importantes princípios, ditados pela Constituição Federal, para a prestação do serviço de radiodifusão: a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal (BRASIL, 1988a).

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(diretoria-geral); o assessor Mario Borgneth (relacionamento e redes), que coordena o fórum; e Leopoldo Nunes, diretor da Ancine (programação e conteúdos) – conformam a diretoria; além de José Roberto Garcez (serviços) e Roberto Gontijo (operações), oriundos da Radiobras; e o assessor da Presidência Delcimar Pires (administrativo e financeiro). Por sua vez, ainda que não tenham participado do projeto que precede a EBC, são indicadas a jornalista Helena Chagas (jornalismo) e a colunista política Tereza Cruvinel15, esta última para assumir o cargo de diretora presidente. As transmissões da TV Brasil são iniciadas em 2 de dezembro de 2007 (LEAL FILHO, 2007), e, em abril de 2008, a MP é convertida na Lei n. 11.652. São diversas as demandas na construção institucional e burocrática a serem enfrentadas, e os desgastes gerados em torno desse processo culminam na dissolução do grupo inicialmente formado para sua gestão. Em junho de 2008, comunicam seu afastamento o diretor-geral, Orlando Senna, e o diretor de relacionamento e rede, Mario Borgneth. O episódio resulta de divergências com a presidência sobre a destinação e aplicação de recursos orçamentários. Em carta aos produtores audiovisuais, Senna afirma “discordar da forma de gestão adotada pela empresa”, marcada pela concentração de “poderes excessivos na Presidência, engessando as instâncias operacionais, que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como em qualquer TV” (SENNA, 2008). Por fim, em abril de 2009, o último remanescente do grupo vinculado ao MinC, Leopoldo Nunes, é exonerado em meio a uma polêmica na qual dirige fortes críticas à Diretora-Presidente Tereza Cruvinel. O processo realça o embate, manifesto no próprio governo, em relação ao lugar ocupado pela televisão que se propõe pública em suas políticas. Apesar da sensibilidade do MinC, suas propostas constantemente se opõem aos interesses de outros órgãos, estes com maior influência junto à gestão central. A grade inicial da TV Brasil – unificada desde dezembro de 2007, a partir da programação da TV Nacional de Brasília, TVE-Rio e TVE-Ma – caracteriza-se pelo seu caráter diversificado, com programas infantis, culturais, musicais etc. Mais de 20% da programação é constituído de produção independente. Em cinco anos, a TV participou como coprodutora de cerca de 140 obras, entre documentários, séries, longas e curtas-metragens.16 Diante da surpresa em torno da escolha de Tereza Cruvinel, o Ministro enfatiza sua legitimidade e trânsito no Congresso Nacional. Tais características se sobrepõem à falta de experiência em comunicação pública e contribuem para as negociações para a aprovação da lei da nova entidade (MARTINS, 2013). 16 Dados disponíveis em: http://www.ebc.com.br/institucional/sobre-a-ebc/veiculos-da-ebc/ 2012/09/tv-brasil e http://www.ebc.com.br/institucional/governanca-corporativa/balancosocial. Acesso em: 15 abr. 2016. 15

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ROCHA, R. • Trajetória da televisão pública no Brasil: políticas, interseções e embates

Ainda segundo o site, a TV Brasil possui canais abertos próprios apenas no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Maranhão e em mais 21 estados por meio das emissoras de televisões parceiras da Rede Pública de Televisão.17 O seu sinal também é retransmitido pela banda C (parabólicas), embora este universo seja disperso e não represente objeto de pesquisas de audiência, e pelas operadoras de TV por assinatura. No ano de 2015, o orçamento da EBC (responsável pela gestão de duas TVs [TV Brasil e TV Brasil Internacional]; sete emissoras de rádio e canais na web), foi de R$ 732,18 milhões. Destes, apenas R$ 26 milhões foram aplicados como investimento, ou seja, em ações para além do custeio da empresa e de despesas com pessoal.

Considerações finais Os avanços do projeto brasileiro de construção de uma emissora pública ainda são poucos, se comparados aos problemas enfrentados: a fragilidade da Rede Pública de TV, a falta de infraestrutura, a incapacidade de atingir o país como um todo e os baixos níveis de audiência. Além disso, a noção de TV pública, mais do que um conceito com características definidas e aspectos préestabelecidos, mostra-se como um processo que depende da participação efetiva e constante de diversos agentes para seu pleno desenvolvimento. Apenas sob esta perspectiva será possível constituir uma emissora que corresponda às necessidades e às expectativas do público, cumprindo com o seu relevante papel social. Ainda há muito que ser feito, embora sejam inegáveis os grandes impulsos no sentido de direcionar a Empresa Brasil de Comunicação a um modelo de serviço público. Esta breve reflexão indica que as questões impostas são de difícil resolução, pois esta não pode estar alijada do contexto histórico-cultural da sociedade que o envolve.

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A Rede é composta por 7 geradoras próprias (quatro analógicas e três digitais); 13 retransmissoras próprias; 48 geradoras de parceiros e 728 retransmissoras de TV aberta terrestre.

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Origens da TV pública: um panorama histórico e conceitual Fernanda Vasques Ferreira Lauro Almeida de Moraes Rafiza Varão

Introdução If the broadcasters are confused, so too are politicians and academics. Paddy Scannell

De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 20151, a televisão ainda é o meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, com 73% dos entrevistados afirmando ter o hábito de assisti-la todos os dias. Contribuem de forma mais incisiva para esse número as TVs comerciais, com a Rede Globo de Televisão ainda no topo da lista das mais assistidas, embora numa posição de contínua queda de audiência – sobretudo pelo impacto da internet e da TV por assinatura. Nesse cenário, a chamada TV Pública pouco tem ou teve vez, não sendo possível afirmar que possuímos efetivamente esse modelo de TV em funcionamento, apesar de sua necessidade ser cada vez mais sentida por aqueles que entendem que meios de comunicação públicos são elementos essenciais num país que se quer democrático. Além disso, como sinaliza Ângela Maria Carrato Diniz2: “A bibliografia sobre a história da televisão no Brasil praticamente ignora outra modalidade de emissora que não seja a comercial” (2013, p. 13). Isso significa que a TV Pública é uma realidade distante para o público, que a desconhece enquanto proposta, e assinala que mesmo os profissionais de Comunicação a desconhecem de modo mais profundo, embora venha sendo tomada cada vez mais como objeto de estudo na academia. No mundo, por outro lado, a TV Pública é uma realidade inconteste, especialmente nos países desenvolvidos e cujo sistema de broadcasting serve de Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/pesquisa-brasileira-de-midia>. Acesso em: 05 abr. 2016. 2 Em Uma história da TV Pública brasileira, sua tese de doutorado defendida em 2013. 1

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

exemplo a outras nações. O mais famoso caso de TV pública no mundo é, sem dúvida, a BBC (British Broadcasting Corporation), fundada em 1922, e que figura entre as doze emissoras de TV mais populares e prestigiadas do mundo. Outros exemplos importantes são a estadunidense PBS (Public Broadcasting Service) e a japonesa NHK (em inglês, Japan Broadcasting Corporation). Ainda no âmbito mundial, observa-se que a pesquisa sobre a TV Pública também é mais consistente, tendo produzido alguns clássicos sobre o assunto, como o texto Public Service Broadcasting: the History of a Concept, de Paddy Scannell, utilizado neste artigo. É diante, portanto, do pouco esclarecimento que se tem acerca da TV Pública no Brasil, tanto histórica quanto conceitualmente, que este artigo se propõe a apresentar um panorama do aparecimento da ideia da TV Pública, bem como suas implicações conceituais. Dessa forma, apresenta-se, em primeiro lugar, um breve relato do contexto histórico do surgimento das TVs Públicas, indicando que seu caráter inicial de serviço público está em sua própria formação. Em segundo lugar, oferece-se um panorama conceitual da TV Pública, buscando compreender de que forma pode-se caracterizá-la melhor. Por fim, discutem-se os modelos mais conhecidos de TV Pública.

Contexto histórico Em que momento aparece a ideia de uma TV Pública? A noção de TV Pública surge, curiosamente, já nos primórdios da televisão, sendo entendida como aquela que [...] se aproximaria daquela produzida pelo público independente, eliminando influências tanto do mercado quanto do controle do Estado, garantindo, respectivamente, a visibilidade e a inclusão no debate da diversidade e eliminando barreiras que interferem na independência editorial. Torna-se um espaço destinado ao debate público3 (COELHO & CARVALHO, 2012).

Essa definição deixa claro que a TV Pública encerra um ideal de comunicação independente e que fomente o debate público sem estar vinculada ao Estado, o que a tornaria um canal privilegiado em termos educacionais e políticos na sociedade. Porém, que tempos eram esses, em que a transmissão de imagens a distância pode se configurar, assim como a idealização de uma TV com essas e essas características, sendo uma monitora independente do poder e levando também conteúdo diferenciado e educativo à população? 3

Como bem observa Raul Mourão Ruela (2014), não há consenso sobre o conceito de TV Pública. A definição apresentada agora é uma das poucas encontradas, entretanto, na bibliografia nacional sobre o tema.

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FERREIRA, F. V.; MORAES, L. A. de; VARÃO, R. • Origens da TV pública: um panorama histórico...

A televisão, como se sabe, foi inventada pelo inglês John Baird na segunda década do século XX, em decorrência, sobretudo, de pesquisas com intenções científicas, sem objetivos sociais específicos. O invento, que revolucionaria a comunicação nos anos que se seguiram, está circunscrito no rol dos meios de comunicação que se avolumaram a partir do século XIX: os meios de comunicação de massa. Esses meios, longe de irromperem de uma descontinuidade, surgem em especial pelas possibilidades abertas pelo desenvolvimento da ciência, das tecnologias e pelo mundo que se criou após a Revolução Industrial, ocasião histórica em que – no ponto que nos interessa aqui, o da comunicação: [...] a intervenção da técnica na vida social é cada vez maior; os meios elétricos são abundantes e variados; a comunicação passa a ser vendida; e o espaço onde se dá a experiência social, onde algo se torna comum a várias comunidades, o local onde a vida social, a atualidade, é compartilhada (MARTINO, 2007).

Tal panorama acaba por transformar os meios de comunicação de massa em elementos centrais para a construção de uma experiência social comum entre os indivíduos, possibilitando “a vida para além do espaço comunitário”, permitindo a “geração de valores e representações comuns a todas as comunidades” (MARTINO, 2000, p. 113). Essa visão não se dá de imediato, mas, no momento em que a televisão é criada, as nações desenvolvidas, tendo passado já pela Primeira Guerra Mundial, de certa forma percebiam o impacto dos mass media sobre a população e também já os associavam à influência sobre as mentalidades da audiência. As ciências sociais já apontavam na direção do papel dos media na consolidação dos ideais das jovens democracias do período, bem como nos grandes centros urbanos da Inglaterra. Concorrendo com a noção de que os meios de comunicação alienavam a massa, outra corrente se fazia presente: a que entendia que estes artefatos técnicos poderiam servir como um poder independente do Estado (a mídia como quarto poder) e como instrumento educacional4. Alguns autores foram especialmente importantes no que diz respeito a essas perspectivas: o economista inglês John Stuart Mill, um dos mais importantes pensadores do liberalismo; Karl Marx, que compreendia a imprensa como um dos meios de dominação ideológica da burguesia sobre o proletariado (SOUSA, 2008); Alexis de Tocqueville, que acreditava ser a imprensa uma importante peça na consolidação da democracia, devendo garantir a liberdade e integrar a comunidade (ao lhe oferecer referentes comuns); e Karl Knies, para quem a imprensa responderia por “[...] necessidades relacionadas com a to4

Essas visões estão relacionadas de forma mais intrínseca à atuação da imprensa, mas também foram expandidas a outros meios.

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mada de decisões e com o interesse dos indivíduos pelos assuntos públicos” (SOUSA, 2008, p. 25, grifo do autor). Dessa maneira, nota-se que, apesar da desconfiança em relação à ação dos meios de comunicação de massa – bem representada pela teoria hipodérmica, que dispensa resumos –, havia uma contracorrente que vislumbrava um potencial transformador desses mesmos meios, inserindo o indivíduo comum na vivência também dos assuntos públicos ou políticos. Paddy Scannell (2001) chama atenção, entretanto, que em relação à TV Pública original (a BBC), a percepção da radiodifusão como um serviço de utilidade pública não foi uma proposta que se colocou de imediato por seus produtores e inventores, mas, sim, foi colocada de forma direta pelo Estado. Assim, em 1925, a transmissão televisiva, que deveria atuar como o rádio, já possuía parâmetros de desempenhar, assim como seu antecessor, “[...] um papel educativo e seus produtores estabeleceram contato com os grandes movimentos educacionais e instituições importantes com o objetivo de desenvolver o uso do meio [...] para disseminar conhecimento” (SCANNELL, 2001, p. 13-14). É assim, então, que a TV Pública se apresenta, sob os auspícios do rádio, num primeiro instante e sobretudo na Europa5, como instrumento de esclarecimento, no sentido iluminista, em que o conhecimento libertaria as mentes dos oprimidos, em concordância com as aspirações democráticas. Como ainda observa Scannell, “[...] mais que isso, a radiodifusão possuía um imenso potencial para auxiliar a criação de uma democracia informada e esclarecida. Isso capacitou homens e mulheres para se interessarem por muitas coisas das quais eles tinham sido anteriormente excluídos” (2001, p. 14). A noção de TV Pública em suas origens, então, se assenta sobre o papel que esse tipo de TV possui na construção da cidadania e da inclusão social, afastando-se do Estado e do mercado, oferecendo poder ao cidadão comum, ao dotá-lo de um poder que vem do saber. Mas, será que tal mote permeia também sua conceituação e seus modelos em funcionamento?

Um panorama conceitual No Brasil, a televisão é a herdeira, em todos os sentidos, do rádio. Desde os profissionais, o modo de fazer e o modelo adotado, a televisão tem suas raízes únicas no rádio. A implantação da televisão no Brasil, a partir do discurso de Assis Chateaubriand, não se aproxima em nada do que poderia ser um serviço público de radiodifusão. A preocupação desde sua gênese é com os anunciantes – história que também se parece com a do rádio. 5

Os Estados Unidos vão desenvolver de forma mais intensa o modelo comercial de TV, voltado essencialmente ao entretenimento.

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FERREIRA, F. V.; MORAES, L. A. de; VARÃO, R. • Origens da TV pública: um panorama histórico...

Todavia, há algo contraditório nesse resgate de semelhanças e dessemelhanças da história da implantação do rádio e da televisão no Brasil. Edgar Roquette Pinto tinha em mente um modelo bastante semelhante ao que é adotado na Europa: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro deveria ser mantida pelos ouvintes, ficar livre de propagandas e ter no público sua fonte básica de recursos. Por isso, Roquette Pinto batizou de “sociedade” ou “clube”, porque era vinculada aos ouvintes, daí sua característica fundamentalmente pública. Ao que se sabe, sem terem tido qualquer contato, Roquette Pinto e o primeiro diretor-geral da BBC, o engenheiro escocês John Reith, formulavam conceitos semelhantes sobre as finalidade do rádio. Dizia o brasileiro, na inauguração da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1923: “Todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão o conforto moral da ciência e da arte”. Na mesma época, Reith afirmava que o objetivo do rádio era “levar para dentro do maior número possível de lares tudo o que de melhor existe em cada parte do esforço e realização humana” (LEAL FILHO, 2000, p. 156).

Por mais que os ideais existissem, na Europa e no Brasil, a diferença entre os modelos europeu e norte-americano – e entre o europeu e o brasileiro –, foi bem definida por Sepstrup em 1996, conforme explica Leal Filho (2000, p. 156): “A propaganda nos Estados Unidos foi tratada como visitante de honra do broadcasting. Na Europa ela é uma visitante tolerada e recebe o mais humilde lugar na mesa”. Valente (2009) enfatiza que a realização da função “propaganda” na corrente capitalista dos meios de comunicação gera uma “dupla personalidade”: Por um lado, são aparelhos do Estado responsáveis pela produção de consensos com vistas a efetivar a direção intelectual da classe dominante e de legitimar a reprodução do sistema sob sua aparência de igualdade, portanto, agentes propagandísticos. Por outro, só conseguem fazê-lo, a partir do capitalismo monopolista, atuando em concorrência com outros entes, especialmente com os capitais individuais, no interior da Indústria Cultural. Neste sentido, entram em choque com a ótica capitalista promovida por estes capitais, de maneira hegemônica nesta esfera (VALENTE, 2009, p. 50).

Considerando o quadro complexo de constituição e implantação da televisão como meio de comunicação, discuti-la sempre foi um desafio no campo da comunicação, principalmente porque as primeiras pesquisas e abordagens se referem aos efeitos dessa mídia de massa nos destinatários das mensagens e se distanciam de sua finalidade. Essa dificuldade passa também pela conceituação do termo televisão pública em razão das características do surgimento, dos modelos e das práticas em diferentes países. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), televisão pública é o serviço de radiodifusão realizado, financiando e controlado pelo e para

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o público. Portanto, de largada, essa definição afasta a noção de uma televisão que tenha caráter comercial ou seja estatal. De acordo com documento publicado pela Unesco, a televisão pública deve ser isenta de ingerência política e pressões de correntes comerciais com vistas a promover informação, educação e entretenimento para os cidadãos e as cidadãs. O Sistema Público de Radiodifusão (SPR) pode ser elemento fundamental para a consolidação da democracia, se nele – SPR – forem garantidos: pluralismo, diversidade de programação, independência editorial, financiamento adequado, prestação de contas e transparência. Mesmo considerando o esforço da Unesco em definir o que seria o SPR, há muita diversidade entre os países, gerando diversidade de definições, caracterizações e abordagens que levam em consideração diferentes formatos de Serviço Público de Radiodifusão. De acordo com Otondo (2008), quando a televisão se identifica com o governo, ela não é pública. Em regra, a discussão sobre televisão pública gira em torno dos conceitos de estatal, comercial e público e está imersa em confusões e desafios conceituais. Segundo Cunha Lima (2000), a televisão pública é o mais instigante veículo de comunicação eletrônica de massa que transita entre o comercial e o estatal e, nesse sentido, propicia a produção de programas isentos de contaminação pelos poderes políticos e financeiros. Dessa maneira, uma emissora pública deve ter independência jurídicoinstitucional, mas também financeira: [...] busca ser uma alternativa para o cidadão. E busca isso por alguns caminhos já aceitos pela embrionária rede de televisão pública: produzir uma programação educativa que não pretende substituir a escola, mas complementar a educação do homem brasileiro para a cidadania; divulgar cultura, mas não apenas os valores consagrados no mercado comercial da arte; implantar um jornalismo [...] que não faça da notícia um mero espetáculo, mas um retrato compreensível da realidade, que transforme formatos de captação edição e divulgação de notícias, em que os repórteres não sejam meros prepostos da pauta compulsória e os apresentadores não pareçam ventríloquos de um moralismo farisaico de classe média (LEAL FILHO, 2000, p. 54).

Diante das indefinições e confusões conceituais no terreno fértil dos estudos relativos à televisão pública, Martins da Silva (2012) é esclarecedor no que concerne à regulação, objeto de desvios no campo conceitual. O pesquisador contextualiza que para que a liberdade de expressão, o direito à comunicação e a democratização do acesso às informações possam ser exercidos plenamente, é necessário que se estabeleçam mecanismos de regulação, fundamentalmente no que concerne ao espectro eletromagnético na radiodifusão. Martins da Silva (2012) explica que há seis formas de regulação: por parte do Estado; por parte do mercado; por parte da sociedade; por parte do cidadão; com base em acordos internacionais, por meio de composições híbridas.

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FERREIRA, F. V.; MORAES, L. A. de; VARÃO, R. • Origens da TV pública: um panorama histórico... Uma emissora de televisão, cujo controle pertença de direito e de fato à sociedade civil, e não ao governo, nem às emissoras privadas. A verdadeira TV pública é aquela independente do poder econômico (não visa ao lucro) e do poder político (não beneficia, nem prejudica o governo, candidatos ou partidos políticos) (SCORSIM, 2007, p. 93).

Comparato (2000) parte do princípio de que a comunicação social, em uma sociedade democrática, é matéria de interesse público e, portanto, pertinente ao povo, sendo inadmissíveis quaisquer formas de controle particular – direta ou indiretamente – sobre os meios de comunicação de massa. E, segundo o autor, para que o povo possa ter assegurado seu direito fundamental à informação, é fundamental construir um sistema institucional que impeça ou reduza a monopolização dos meios de comunicação pelo empresariado. O que o autor enfatiza, portanto, é que para além do modelo, há a necessidade de independência financeira por parte das emissoras. Isso, segundo Comparato (2000), só será possível quando houver o desenvolvimento de uma cidadania ativa. A televisão pública tem como objetivo contribuir para a formação crítica do cidadão, a partir da oferta de produtos artísticos, culturais, educacionais, informativos e científicos, refletindo quanto à pluralidade e à diversidade da sociedade brasileira. A televisão pública surge como uma alternativa ao modelo hegemônico das televisões privadas, reprodutoras das ideias dominantes do capitalismo Da mesma forma que, considerando suas características – principalmente a da participação direta da população na produção da programação, fiscalização e controle dos conteúdos nela veiculados –, a televisão pública é também uma forma de fortalecimento democrático. De acordo com Matos e Hazin (2008), para que a televisão pública se fortaleça como direito fundamental à informação, deve prever uma construção contínua. As emissoras precisam se fortalecer na sua concepção de pertencimento a todos, por vários setores da sociedade e, depois, buscar ampliar e se fortalecer a partir de outras mídias independentes.

TV pública: matrizes europeia, norte-americana e latino-americana O surgimento das primeiras emissoras públicas do mundo, implantadas na Europa, coincide com a própria gênese da televisão. Nos dois principais países ibéricos, foram as únicas estações existentes durante muitos anos: só mais tarde, a Rádio e Televisão de Portugal (RTP) e a Televisión Española (TVE) passaram a dividir o espectro televisivo com emissoras comerciais e privadas (SOBRAL, 2012; LIMA & GONÇALVES, 2011, ROCHA, 2006; MACHADO & VÉLEZ, 2012). A outorga de canais para pessoas e empresas privadas só foi autorizada em boa parte dos países europeus a partir da década de 1980.

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Até então, as emissoras públicas detiveram o monopólio da radiodifusão (BARROS FILHO, 2011, p. 33) O padrão britânico da BBC inspirou a organização da radiodifusão na então Alemanha Ocidental, especialmente no que tange aos princípios e à missão do serviço público. Já em relação à distribuição descentralizada e federativa, a Alemanha Ocidental toma como base o sistema norte americano (BARROS FILHO, 2011, p. 32). Desta forma, a Arbeitsgemeinschaft der Rundfunkanstalten Deutschlands (ARD) e a Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) integram uma rede, composta por 16 emissoras públicas espalhadas por 12 estados, no qual 75% da receita advêm de verbas federais. Dois conselhos, formados por membros indicados por partidos, organizações diversas e governos regionais e federal, dirigem este sistema. Apenas o conselho de Radiodifusão da ZDF é formado por 77 conselheiros (FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER, 2009, p. 49-120; VALENTE, 2009a, p. 49-56). A matriz da comunicação pública francesa é bastante dependente e atrelada ao Estado (OTONDO, 2008, p. 240-269). No complexo sistema da France Televisóns, o Conselho de Administração é o órgão responsável pela gestão. Com mandato de cinco anos, compõe-se de 14 membros: quatro parlamentares, cinco do Estado e cinco do Conselho Superior do Audiovisual, formado pela Presidência da República, Assembleia Nacional e Senado. Os diretores gerais das quatro emissoras da France Televisóns são nomeados, então, pelo presidente do Conselho de Administração (VALENTE, 2009c, p. 159-165). Em 2011, a publicidade foi totalmente eliminada da televisão pública francesa. Sendo assim, verbas orçamentárias cobrem a maior parte dos custos (LOPES, 2015, p. 37-38). As TVs públicas pioneiras na Europa originaram-se sob a tutela do Estado, porém o controle social avança junto ao fortalecimento da cidadania e dos valores democráticos. Deste modo, a criação de conselhos representativos e a participação pública na gestão ampliaram-se gradativamente no período pósguerra. Além da presença de conselhos de representantes – uns mais, outros menos atuantes – são propriedades comuns a grande parte destas emissoras o modelo público de gestão e o financiamento misto: fundamentalmente estatal e suplementado por receitas próprias (CAMPOS-FREIRE, 2012). Segundo Bucci (2010), embora com prestígio menor do que outrora – seja pela má gestão em algumas emissoras, cortes de investimentos, sobretudo após a crise econômica europeia iniciada em 2007, e questionamentos acerca da eficiência e necessidade ou não da contribuição dos cidadãos para mantê-las, como ocorre em relação à BBC – “até hoje as redes públicas têm forte presença nos países europeus” (p. 8). Como salienta Bucci (2010), a radiodifusão na Europa surge com uma utopia da comunicação pública, balizada em uma forte noção de proteção da es-

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fera pública – em sua acepção habermasiana – tanto dos interesses comerciais quanto governamentais. Este modelo sucumbe a partir da privatização dos primeiros canais. Pelo menos até meados da década de 1980, a fatia mais importante da radiodifusão nesses países ainda era controlada pelas instituições públicas. Mais tarde, alguns canais foram privatizados e, estabeleceu-se a partir de então um novo equilíbrio entre emissoras públicas e comerciais. Até hoje, as primeiras ocupam lugar de destaque e, não raro, de liderança, nos rankings de audiência. Mas, de qualquer maneira, a mentalidade nesses países sofreu um deslocamento, incorporando a ideia de que a comunicação comercial também não poderia faltar na ordem democrática; a convivência entre os sistemas público e comercial seria bem mais saudável do que o monopólio do primeiro (BUCCI, 2010, p. 8).

Na América do Norte, embora a base da matriz de radiodifusão seja privada e comercial, regras e regulações estatais possibilitaram modelos bemsucedidos na comunicação pública. Sendo assim, a Public Broadcasting Service (PPS), nos EUA, e a Canadian Broadcasting Corporation (CBC), no Canadá, também merecem destaque no cenário mundial das televisões públicas. O modelo de financiamento da emissora canadense inclui receitas a partir de contribuição dos cidadãos, por meio da assinatura de serviços específicos. Todavia, o fundo governamental compõe a maior parcela da receita (Silva, 2009a, p. 91-94). Outras fontes são a publicidade e verbas que Fraga (2013) classifica de heterodoxas, como “venda de programas, aluguel de instalações e de prédios de sua propriedade, taxas de estacionamento e licenciamento de produtos” (p. 23). Todas as atividades da corporação ficam sob o comando de um Conselho Curador, composto por 12 integrantes. Os integrantes deste conselho, que não podem ter ligação com a área de radiodifusão, são indicados pelo Governador-Geral (SILVA, 2009a, p. 89-91). A PBS, por sua vez, é de fato uma federação americana de emissoras públicas e independentes, com 355 emissoras associadas. A maioria operada por organizações comunitárias e faculdades/universidades e, em menor escala, órgãos vinculados a governos estaduais e municipais. O sinal transmitido nacionalmente pela PBS chega a cada uma das estações, que também veiculam conteúdo voltado para a comunidade local (OTONDO, 2008, p. 270-291). A exemplo de grande parte das emissoras europeias, o financiamento é garantido pelo aporte de recursos públicos, mormente federais e estaduais. Contudo, há um considerável fatiamento das fontes, que também incluem doações de fundações civis, cidadãos e empresas privadas, além de comercialização de conteúdo entre membros da rede ou com emissoras de outros países (SILVA, 2009b, p. 147152). O Conselho Diretor é formado por 27 representantes. Um destes conse-

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lheiros preside a direção executiva da corporação, que conta com 12 membros. Conforme destaca Otondo (2008, p. 270), a TV pública norte-americana “é pública pelo seu caráter social e educativo e por não ter finalidade lucrativa”, mas a regulação da atividade dá-se de acordo com as leis de mercado, da concorrência e da liberdade individual, ou seja, sob os princípios da iniciativa privada. O estágio incipiente da televisão pública latino-americana é corroborado pelos recentes estudos do Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina. Um balanço apresentado por Del Bianco et al. (2013) aponta que, mesmo tendo adentrado os regimes democráticos, as emissoras públicas do continente conservaram, em grande parcela, o discurso atrelado à agenda governamental e uma estrutura administrativa centralizada. Deste modo, a mídia comercial assumiu o protagonismo na maioria dos países. Passaram a atrair as maiores audiências e verbas publicitárias – públicas e privadas – e tornaram-se influentes e concentradas sob o domínio de poucos grupos. De outro lado, no campo das televisões públicas, “com o tempo, a maioria ficou estigmatizada como sinônimo de programação de baixa qualidade técnica, sem atrativos e oficialista” (DEL BIANCO et al., 2013, p. 65). Como sequela, instalou-se a crise estrutural aludida por Fuenzalida (2015, p. 4-5), em cuja base o autor também identifica a falta de uma programação capaz de reter audiência, além da má administração industrialempresarial e da não sustentação econômica das emissoras. O que se percebe na América Latina, portanto, é uma tentativa de se estabelecerem novos marcos conceituais para a transformação dos modelos existentes até então, a fim de conformar uma radiodifusão efetivamente pública. Neste sentido, o exemplo mais emblemático no continente, atualmente, é o do Chile, onde houve “uma mudança radical no modelo de televisão pública usual na América Latina, baseada em três pontos: ruptura com o modelo estatal [...], independência financeira do governo [...] e representação democrática na gestão e programação” (OTONDO, 2008, p. 78). Esta situação remete às reformas, iniciadas na década de 1990, na Televisión Nacional de Chile (TVN), a partir da qual cabe relacionar outras experiências latino-americanas. Uma das primeiras questões tratadas no caso chileno diz respeito à natureza jurídica da emissora. Como apresenta Fuenzalida (2015), criou-se uma empresa estatal autônoma. Esta companhia possui patrimônio próprio e é encarregada de administrar e autofinanciar a TVN. Nesta linha de ação de reordenamento jurídico, empresas públicas destinadas a gerir as emissoras estatais também foram criadas, nos últimos anos, no Equador (Empresa Pública Televisión y Radio de Ecuador E.P. – RTVEcuador), Bolívia (Bolívia TV), Argentina (Radio y Televisión Argentina Sociedad del Estado – RTA S.E.) e Brasil (Empresa Brasil de Comunicação – EBC) (DEL BIANCO et al., 2013, p. 66-67).

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Sobre o advento da EBC, é pertinente a colocação de Valente (2009b, p. 269): “a criação da EBC e de seu serviço televisivo, a TV Brasil, significou uma tentativa de superação do passado de atrelamento dos canais públicos aos governos e autoridades para a apontar a direção da construção de iniciativas efetivamente públicas”. A despeito de almejar a independência, tanto o corpo dirigente da EBC quanto das empresas públicas dos demais países citados são nomeados por autoridades do Governo Federal. Um ponto fundamental, tanto no que tange à independência editorial quanto à sustentação das televisões públicas na América Latina, são as fontes de financiamento. A taxação e o aumento de impostos, geralmente, provocam agudos focos de resistência às tentativas de angariar receita a partir da contribuição dos cidadãos. O modelo chileno decidiu, então, pelo “autofinanciamiento substantivamente publicitario”, disputando recursos no mercado (FUENZALIDA, 2009, p. 13). Uma forma de financiamento cada vez mais aceita na América Latina, que, a despeito de conferir maior autonomia à gestão em relação ao governo, também levanta questionamentos acerca da emergência de uma “dupla ou a múltipla dependência” (LOPES, 2015, p. 45). Na maioria dos casos, no entanto, os recursos advindos da publicidade não são suficientes para manter as emissoras. Como alternativa a circunstâncias deste porte, além da publicidade, patrocínios, apoios culturais, prestação de serviços, licenciamento de produtos e/ou venda de anúncios comerciais – de acordo com o que permite a legislação de cada nação – alguns países também têm constituído fundos específicos voltados para as emissoras públicas. Na Argentina, decidiu-se reverter 20% dos impostos estabelecidos pela Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual para financiar a RTA S. E. Colômbia e Venezuela criaram, por sua vez, Fondo para el Desarrollo da la Televisión y Contenidos e Fondo de Responsabilidad Social, respectivamente, para financiar o sistema público de comunicação (DEL BIANCO et al., 2013, p. 67-68). No Brasil, a Contribuição para o Fomento da Radiocomunicação Pública, criada em 2008, foi barrada na justiça. Uma ação interposta por empresas de telecomunicação do país questiona a constitucionalidade do subsídio e os recursos, depositados em juízo, encontram-se retidos na Justiça (LOPES, 2015, p. 37). Notadamente, as pesquisas e o debate público apontam que a discussão acerca da TV pública avança na América Latina, com os entraves peculiares a países em que a tradição de comunicação pública é curta, senão inexistente na prática. Particularmente no Brasil, observa-se o confinamento das emissoras universitárias e comunitárias no sinal a cabo. Todavia, as TVs legislativas ganham notoriedade a cada acontecimento político de grande relevância no país

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e revelam-se “importantes instrumentos de cidadania, possibilitando o acompanhamento mais transparente do cotidiano do parlamento” (TORRES, 2009, p. 35). Pela TV Câmara e TV Senado, o Brasil acompanhou o processo de impeachment da presidente Dilma Roussef. Já as emissoras educativas estaduais, “articulam-se para assumir papel mais central do que o de simples integrantes da rede encabeçada pela TV Brasil” (VALENTE, 2009b, p. 289). Não obstante as peculiaridades continentais e de uma região ou país para outros, a capacidade das televisões públicas manterem-se pujantes passa também – igualmente ao que têm buscado as emissoras comerciais – pela adaptação às novas formas de comunicação impostas pelas tecnologias da inteligência, conforme denomina Lévy (1993), e sua respectiva cultura da convergência (JENKIS, 2009). Nesse aspecto, a BBC desponta novamente como modelo, agora no âmbito da convergência. A esse respeito, é reveladora a comparação de Medina e Ojer (2011) entre os serviços digitais da emissora britânica e da TVE espanhola: “no esteio da sociedade da informação, a BBC tem desenvolvido um dos sites mais visitados no mundo. A página da RTVE iniciou suas atividades em 2000, mas até 2008 não podia ser considerada uma plataforma interativa e inovadora” (p. 88, tradução nossa). Neste sentido, a capacidade de dialogar com a intercomunicação das redes digitais, ocupada por um ator social coletivo (CASTELLS, 1999, p. 26), torna-se peça-chave para sua reestruturação e reafirmação na esfera pública contemporânea. Deste modo, os novos investimentos e esforços incluem tanto a digitalização do sinal quanto a interatividade, a ampliação e a facilitação de acesso aos conteúdos por meio da web e dispositivos móveis.

Conclusão Diante do quadro histórico e conceitual apresentado, há consenso de que o conceito de televisão pública carece de aprofundamento e pesquisas. A maioria dos trabalhos consultados dão ênfase às características e diferenças entre modelos institucionais das emissoras, mas não dão conta de, em profundidade, conceituar o que vem a ser televisão pública. Inferimos que essa dificuldade resida sobretudo nos “desvios” pelos quais passam as emissoras – que se autodeclaram públicas –, mas acreditamos também que revela uma forma de ser das emissoras que já transpareça o seu conceito. É como dizer que todos sabem o que é uma televisão pública e ao mesmo tempo, ao dizer isso, desconsideramos a necessidade de dar ao conceito maior riqueza e densidade teórica. Outro aspecto que devemos ressaltar é o fato de que, historicamente, a televisão no Brasil, por exemplo, nasce de um projeto capitalista e nas mãos de

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personagens que não tinham engajamento ou comprometimento com o caráter de prestação de serviço e possibilidades de ampliação de cidadania – razão de ser da televisão. Pelo contrário, a história mostra que a exploração comercial da televisão como um meio de massa preponderou entre os seus entusiastas. Por essa razão histórica e que tem relação com a formação e identidade da implantação da televisão no Brasil é que se estabelece um paradoxo no campo conceitual. De um lado, temos que a televisão tem missões a cumprir junto à sociedade, aos cidadãos e ao bem comum; de outro, ela se constitui historicamente no Brasil como um aparelho hegemônico do Estado e, por fim, é possível dizer que, a despeito dessas considerações, precisamos conceituar e definir o que vem a ser uma televisão pública, mesmo quando o caráter “público” em si deveria estar na sua gênese.

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PARTE DOIS

Televisão pública do Rio Grande do Sul: o caso TVE-RS

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O acervo audiovisual da TVE: memória institucional e patrimônio documental do Rio Grande do Sul, sob um olhar arquivístico Maurício Luis da Silva Ramos Medianeira Pereira Goulart

Introdução O projeto Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE reuniu uma equipe multidisciplinar – história, arquivologia e comunicação – e desde 2014 vem procedendo a investigações sobre a memória da TVE, a partir de seu acervo audiovisual. Dessa iniciativa, também decorre a análise da história da TVE e sua intrínseca relação com a história e a memória do estado do Rio Grande do Sul. Os múltiplos vieses dessa ação têm produzido significativas possibilidades de investigação, desde dados e informações sobre a própria instituição, sobre suas práticas como veículo disseminador de informações, sobre a constituição de seu acervo, até referências relativas à memória e história do estado. Outro propósito do projeto baseia-se em, através de um diagnóstico técnico do acervo, identificar as suas condições físicas, a fim de elaborar proposições de ações de tratamento e salvaguarda dos documentos. Ora, considerando o campo da arquivística, documento audiovisual diz repeito a “um gênero documental integrado por documentos que contém imagens fixas ou imagens em movimento e registros sonoros, como filmes e fitas videomagnéticas”1. Desta forma, trata-se de um arquivo especial, que, por isso, exige condições específicas de manuseio, guarda e armazenamento, a fim de que se assegure sua conservação e preservação de forma eficiente e adequada. Para Paes (2004, p. 22), arquivos especiais são aqueles que “têm sob sua guarda documentos em diferentes tipos de suportes, e que, por esta razão, merecem tratamento especial, não apenas no que se refere ao seu armazenamento, como também seu registro, acondicionamento, controle e preservação”.

1

Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, 1996, p. 73.

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Nesse contexto, e com o auxílio de colaboradores da instituição, no escopo do projeto, passou-se a observar as práticas arquivísticas e as condições físicas dos documentos, objetivando identificar possíveis riscos à integridade do acervo. Neste sentido, procedeu-se à análise das fitas de programação da emissora, a fim de investigar seus elementos constitutivos, tais como: o assunto, o conteúdo, datas, personagens, condições de acesso e qualidade das imagens e de áudio, bem como suas condições de guarda e armazenamento. Com a finalidade de sistematizar as atividades de análise dos dados, procedeu-se a elaboração de fichas catalográficas com campos específicos a serem preenchidos a partir de cada documento analisado. Esse procedimento resultou, num primeiro momento, na obtenção de um universo significativo de dados e informações capazes de subsidiar outras ações que visem o contexto da memória e da história institucional. Em um segundo momento, esses dados e informações serão utilizados pelos gestores do setor de Arquivo da TVE, e servirão ainda para elaboração dos metadados2, requisitos fundamentais para gestão eletrônica desses documentos (identificação, localização, gerenciamento e acesso). Pode-se dizer que o arquivo da TVE surgiu concomitantemente ao início da televisão no Rio Grande do Sul, sob o nome de TV Piratini, cuja inauguração data de 20 de dezembro de 1959. A partir dos anos de 1980, após o fechamento da TV Piratini, mais de 6000 fitas de videotape, entre outros documentos, em boa parte, foram “herdados” pela TV Educativa. No decorrer deste tempo, boa parte da história e da memória rio-grandense e brasileira vem sendo contada pela programação advinda do acervo audiovisual da TVE, que compõe o seu arquivo. O arquivo audiovisual, ou arquivo de fitas, como é comumente chamado na instituição, está ligado diretamente ao setor de jornalismo da TVE, o que lhe confere ainda maior dinamismo, visto que a programação da emissora, quase que na totalidade, passa por seu arquivo audiovisual. Além disso, o arquivo disponibiliza o acesso a imagens, programas e até trilhas sonoras para a instituição como um todo, bem como para outras instituições, ou mesmo pessoas físicas. No acervo da TVE, estão contemplados diversos tipos de suportes, como fitas em U-matic, em DVC-Pro, DVDs e fitas digitais, onde está registrado vasto conteúdo, que vai desde fragmentos da grade de programação da TV Educativa até imagens brutas e matérias editadas, que cotidianamente ilustram seus programas culturais e jornalísticos. Contudo, apesar do valor desse

2

Dados estruturados e codificados, que descrevem e permitem acessar, gerenciar, compreender dados e/ou preservar outros dados ao longo do tempo (Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, 1996, p. 116).

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RAMOS, M. L. da S.; GOULART, M. P. • O acervo audiovisual da TVE: memória institucional...

acervo como fonte histórica, de patrimônio e memória, ele ainda não está disponível em sua totalidade, em função de vários fatores. Entre os mais significativos estão a escassez de recursos materiais, como equipamentos que possibilitem a reprodução de fitas em diferentes formatos, e de pessoal. Tais problemas, aliás, costumam ser comuns à maioria dos ambientes de TVs públicas, sempre sujeitas a políticas institucionais que se alteram na medida em que há alternância nas administrações. Assim, seguindo-se a esta breve contextualização do ambiente do projeto Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE, este capítulo articula os conceitos de memória, arquivo, documentos audiovisuais, patrimônio documental e historia institucional, para dirigir um olhar arquivístico a esta pesquisa.

Memória e arquivos Ao procurar demonstrar a importância do arquivo audiovisual da TVERS, tanto para a memória institucional quanto para parte da memória do Rio Grande do Sul e até mesmo do Brasil, relacionamos as especificidades desse tipo de acervo com a construção da memória e dos sentidos, comumente despertados a partir da pesquisa e do acesso a esses documentos. E, para melhor estabelecermos os parâmetros conceituais utilizados nessa abordagem, consideraremos a definição de Dearstyne (1993, p. 1): [...] documentos são qualquer tipo de informação registrada, não importa sua forma física ou característica, produzida, recebida e mantida por uma pessoa, instituição ou organização. [...] Documentos são extensões da memória humana, produzidos propositadamente para registrar informações e transações documentais, para comunicar pensamentos, substanciar reivindicações, promover explicações, oferecer justificativas e fornecer evidência duradoura de acontecimento.

Por outro lado, os documentos produzidos, recebidos e acumulados por uma instituição ou pessoa, no exercício de suas atividades, independentemente do suporte, e cujos conteúdos estabeleçam, entre si, relações de organicidade adquirem caráter de documento arquivístico. Isso, por si só, já estabelece uma proximidade entre memória, documentos e arquivos. Segundo Le Goff (2003, p. 419), a memória é a “propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas”. Neste sentido, para subsidiar esse processo de rememorar, atualizar impressões e ou reinterpretá-las, o arquivo se constitui em alicerce, recurso, ferramenta de apoio, instrumento de acesso.

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Neste contexto e objetivando estreitar a relação entre memória e arquivos, devemos fundamentá-la de forma um pouco mais abrangente, relacionando-a ao nosso dia a dia. Para contribuir com esse entendimento, temos as considerações de Nora (1993, p. 9): A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações.

Uma aproximação interessante entre memória e documentos de arquivos se dá a partir dessa característica de vulnerabilidade. Nisso residem múltiplas interpretações, manipulações, revitalizações, tanto da memória quanto dos documentos de arquivos, isso porque ambos estão vulneráveis a interpretações e estão diretamente condicionados ao interesse de cada ente, pesquisador/usuário. Em relação à abrangência dos elementos constituintes do conceito de memória, podemos destacar a habilidade do indivíduo em, por meio de suas experiências e vivências, armazenar, gravar e manusear lembranças naturais, resultados de suas interações pessoais e sociais. Essa habilidade permite a reunião de fragmentos do passado, capazes de atribuir novos significados a esse passado, no tempo presente. Neste sentido, é importante salientarmos as contribuições de Le Goff (1984, p. 423) em uma de suas considerações mais marcantes sobre memória, quando destaca que “[...] sua crucialidade, expressa em noções que remetem a si mesmas, mutuamente: tempo e espaço, suporte e sentido, memória individual e coletiva, tradição e projeto, acaso e intenção, esquecimento e lembrança [...]”. Cabe-nos ainda ressaltar o conceito de memória aplicado aos arquivos, segundo Lodolini (1990, p. 157): Desde a mais alta antiguidade que o homem sentiu a necessidade de conservar a sua própria “memória”, primeiro sob forma oral; depois sob a forma de graffiti e de desenhos e, finalmente graças a um sistema codificado, isto é, com símbolos e gráficos correspondentes a silabas ou letras. A memória assim registrada e conservada constituiu e constitui ainda a base de toda e qualquer atividade humana: a existência de um grupo social seria impossível sem o registro da memória, ou seja, sem arquivos. A própria vida não existiria, pelo menos sob a forma que conhecemos se não houvesse o DNA, isto é, a memória genética registrada nos arquivos primordiais.

Dentre os diferentes tipos de memória, fenômenos físicos ou emocionais, lembranças relevantes ou não, a memória também pode ser individual, coletiva ou social. Assim sendo, tanto a memória individual como a coletiva

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estão em constante deslocamento. Para Lowenthal (1998), buscar o passado é fundamental para que nossa própria identidade faça sentido, e dessa maneira, podermos nos conectar com o presente para, de alguma forma, termos garantia de um futuro. A memória possui relação intrínseca com a história, e essa relação pode tornar-se ainda mais evidente de acordo com o objeto a ser observado ou pesquisado. Ao lermos um documento, o trecho de um livro, mensagens nas redes sociais, diferentes mecanismos nos levam a decodificar tais informações, e relacionarmos as mesmas com a nossa história ou com a história do contexto social. Assim, os diferentes gêneros documentais podem provocar estímulos diversos, sendo capazes de propiciar essas relações de memória, ou de pertencimento, diante do conteúdo de um arquivo. Ainda sob o olhar da arquivologia, os arquivos abrigam o patrimônio documental de uma instituição ou pessoa, acumulado ao longo de sua trajetória e resultado de suas atividades. Este patrimônio, em sua totalidade, pode, com suficiência de dados, reproduzir não só a história dessas instituições e ou pessoas, mas também garantir que as informações delas provenientes possam ser acessadas, reinterpretadas, compreendidas num contexto de coletividades. Na atuação dos arquivos, é válido ratificar a sua função de detentores da reconstrução histórica da sociedade. Conforme Cook (1998), os arquivos podem ser definidos como templos da memória, servindo para as pessoas e instituições como fonte e significados merecedores de lembrança, o que significa dizer que a negação ao seu acesso implica esquecimento de nossas histórias. Ainda conforme o autor, a preservação do passado por meio dos arquivos reflete os entendimentos sociais dos fatos presentes. Para Jardim (1995), a própria noção/conceito de memória é passível de redefinição pela arquivologia moderna, dada a avaliação do que querem as instituições públicas como arquivos permanentes ou culturais. Sob esta perspectiva, é válido pensar o documento e/ou a informação contida em um documento como prova palpável da memória. Nesse sentido, mais uma vez destaca-se a importância dos arquivos pela natureza dos seus acervos, como instrumentos norteadores da preservação e do resgate da informação, permitindo as práticas arquivísticas relacionadas ao documento, mas, ao mesmo tempo, sendo referência sob o ponto de vista social do conhecimento. Deste modo, é possível compreender os arquivos como referência para auxiliar o exercício da memória como registro, de acordo com as possibilidades dos seus acervos e a disponibilidade do seu acesso. Nessa acepção, mais uma vez, coloca-se a importância e a amplitude dos arquivos como referência de informação, devido à capacidade – uma vez organizados, preservados e

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acessíveis – de se prestarem às demandas atuais da sociedade. O objetivo de sua existência refletiria não somente seu caráter técnico e, não menos importante, voltado à administração e às instituições públicas e privadas, mas à sociedade como um todo, diante da sua capacidade de promover reflexões e debates, resultados das ações influentes das gerações anteriores, e que por certo farão diferença nas questões das gerações seguintes. Nesse contexto, insere-se a figura do arquivista como agente social capaz de garantir, por meio de suas diversas atribuições, a gestão, a preservação e a socialização do patrimônio documental acumulado ao longo dos tempos, pelos diversos agentes do estado e da sociedade em geral. Depende do arquivista o grau de acesso, o nível de divulgação, de preservação e conservação dos acervos arquivísticos. Depende ainda da política arquivística e da cultura organizacional do detentor do acervo e, claro, de uma efetiva atuação do arquivista, pois dele: Depende a eficácia da recuperação da informação: sua uniformidade, ritmo, integridade, dinamismo de acesso, pertinência e precisão nas buscas, por que terá havido precisão na classificação, na avaliação e na descrição. Sua atuação pode influir – e muito – no processo decisório das organizações e nas conclusões a que chegam os historiadores a respeito da evolução e da identidade da sociedade. [...] outro não é o papel do arquivista na sociedade contemporânea senão o de colaborar estreitamente para que os fluxos informacionais na sua área de ação possam se dar de forma plena e o mais satisfatória possível, dentro dessa sociedade, toda ela beneficiária de seus arquivos e arquivistas (BELLOTTO, 2006, p. 306).

Nessa perspectiva, oportunizar a revelação de acervos cujos documentos tenham representatividade além das instâncias administrativas pode contribuir para a reflexão sobre o papel do arquivista na sociedade atual, onde a tecnologia se insere de forma definitiva. Esta, uma vez utilizada com responsabilidade e sendo proveniente de uma política institucional de preservação, pode contribuir para a preservação e socialização dos acervos, independentemente de suas formas e ou suportes. As revitalizações, seja do arquivo como órgão instrumentalizador da memória ou do suporte (através da migração de dados e informações), podem ser efetivamente um instrumento para a conservação e a preservação do conteúdo informacional constituinte do patrimônio documental, bem como de sua divulgação, independentemente de suas abordagens. Ainda em relação ao papel social do arquivista, este torna-se ainda mais relevante ao considerarmos os arquivos de instituições públicas, cujos acervos abrigam documentos que, pelo seu valor informativo e testemunhal, não abrangem apenas a história institucional, mas também denotam o contexto da socie-

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dade no qual tal instituição se desenvolveu e ou atuou. Nesse sentido, o arquivista, como agente disseminador de informações, pode, através de uma boa administração e salvaguarda, promover a democratização do acesso e desta forma atender aos princípios de cidadania e da Lei de Acesso3 (Lei n. 12. 527/ 2011), por exemplo. Naquilo que se refere a políticas institucionais sobre preservação, várias questões deverão estar alinhadas de forma institucional, a fim de que se evitem as chamadas ações pontuais, cujos impactos acabam gerando inúmeros transtornos e afetando diretamente a integridade do acervo. Neste sentido, Conway, (2001, p. 14) ressalta que: [...] a preservação, hoje, é uma noção que abarca inúmeras políticas e opções de ação, inclui os tratamentos de conservação, aquisição, a organização, distribuição e a operacionalização de recursos humanos, financeiros e materiais para a devida proteção às fontes de informação, com o objetivo de retardar o início da deterioração e de renovar a possibilidade de utilização dos acervos dentro do que se chama de gerenciamento de preservação.

Certo que várias são as questões envolvidas no âmbito da preservação de acervos que independem de seus suportes. A cultura das instituições, a fragilidade das políticas públicas, a ausência de recursos financeiros específicos, tanto em nível nacional quanto nas próprias instituições, entre outras questões, necessitam não só de reflexões, mas de ações planejadas, estruturadas e oriundas dos diversos profissionais envolvidos com o tema.

Arquivos audiovisuais no contexto da TVE-RS Considerando a crescente renovação no âmbito da teoria arquivística, registra-se a definitiva dissociação do conceito de documento ligado ao suporte papel. Atualmente os documentos de arquivo assumem diversos formatos e fazem uso dos mais diversos tipos de suportes a fim de servirem como base para o registro da informação. Vêm ganhando gradativamente um significativo espaço, notadamente, os documentos audiovisuais, sonoros, eletrônicos. O documento audiovisual, pelas suas características, conecta mais facilmente, e de forma quase instantânea, o observador com o objeto, pelo cruzamento das informações, que partem das relações de memória e reconhecimento citadas anteriormente. 3

A Lei n. 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas. Essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e criou mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades. Informação disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/ assuntos/conheca-seu-direito/a-lei-de-acesso-a-informacao>. Acesso em: 23 abr. 2016.

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Porém, é importante observar que objeto desse tipo documental, aos olhos do pesquisador, também poderá ser acompanhado de interpretações, uma vez que as memórias também são dotadas de particularidades pessoais, e por isso, a importância da troca multidisciplinar de informações. Considerando as especificidades de um acervo audiovisual, podemos compreender também o quão diverso pode ser o conteúdo dos seus documentos e, ao mesmo tempo, familiar ao nosso cotidiano. Nessa perspectiva, a partir das diversas definições de arquivo audiovisual e da necessidade de decodificação de seu conteúdo, visando o seu acesso, é importante discutir o entendimento desse tipo de arquivo, dadas as suas especificidades e as características conjugadas de imagem em movimento. Para Edmondson (1998), um dos principais estudiosos do tema, faz-se necessário referenciar de que forma o arquivista lidará também com as questões práticas desse tipo de acervo frente às demandas pessoais e institucionais para a sua manutenção. O arquivo audiovisual da TVE, por ser dotado de extenso conteúdo sobre a memória das últimas décadas, possui uma característica singular, que é a de estar diretamente relacionado ao cotidiano dos seus telespectadores, e seus potenciais pesquisadores, e tantos outros usuários. Seu acervo, composto por diversos recortes temporais, fala a todos os públicos, por meio de programas locais direcionados a múltiplos segmentos da sociedade em geral. Esse acervo contempla desde o dia a dia da emissora, suas vinculações com sociedade gaúcha, misturando sua trajetória administrativa com a história do povo riograndense. Portanto, por ser o conteúdo do arquivo audiovisual da TVE, indiscutivelmente, relevante para a cultura e a memória do estado e da instituição, fazse igualmente necessária a manutenção do seu acervo, para que seja possível não só o acesso, mas também a efetividade do seu próprio funcionamento. Para tal, as ações e a troca de informações dos arquivistas, assim como dos demais integrantes desta pesquisa e, ainda junto aos profissionais das demais áreas institucionais da TVE, são fundamentais, no sentido não só da preservação do acervo, mas para a viabilização de medidas que possibilitem a integridade das informações e dados pertinentes ao arquivo. Por se tratar de um tipo específico de arquivo, cujo suporte é dotado de igual especificidade, vários são os agentes que podem provocar a inviabilidade de seu acesso e sua consequente degradação. Sobre a preservação de documentos, é importante salientar os diversos fatores que podem corroborar para a sua degradação. Agentes externos, como temperatura, umidade, manuseio, poeiras, gazes, microrganismos, entre ou-

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tros agentes físicos e biológicos, assim como agentes internos, isto é, elementos inerentes à constituição dos suportes materiais, que, aliados, causam danos dos mais diversos graus aos suportes documentais. Para Schellenberg (2006), é papel do arquivista precaver-se contra esses agentes destruidores de um acervo, promovendo ações que, se não anulem, minimizem os seus danos. Estabelecer critérios de tratamento, de conservação preventiva e preservação dos conjuntos documentais, quaisquer que sejam os suportes, é tarefa dos arquivistas. Entretanto, essas ações fazem parte de um contexto institucional, no qual as políticas de preservação devem estar atreladas a recursos humanos, materiais e financeiros, conforme ressalta Conway (2001, p. 14): A preservação hoje é uma noção que abarca inúmeras políticas e opções de ação, inclui os tratamentos de conservação, a aquisição, a organização, a distribuição e a operacionalização de recursos humanos, financeiros e materiais para a devida proteção às fontes de informação, com o objetivo de retardar o início da deterioração e de renovar a possibilidade de utilização dos acervos dentro do que se chama de gerenciamento de preservação.

Neste sentido, e considerando ainda as peculiaridades dos suportes contidos nos acervos audiovisuais, é extremamente relevante o diagnóstico técnico do arquivo da TVE, não só para identificar seu potencial informacional, mas, também, no sentido de elaborar planos de gestão para esse acervo, incluindo a salvaguarda de seus documentos, a fim de subsidiar ao máximo a longevidade de seus suportes, oportunizando ainda a possibilidade de sua migração. Portanto, é salutar analisar os vários aspectos pertinentes ao processo de gestão de acervos audiovisuais midiáticos, pois daí surgirão elementos úteis ao atendimento das especificidades dessas espécies documentais, naquilo que se refere à gestão, preservação e acesso ao conteúdo informacional pertinente a tais documentos. Isso oportunizará a preservação do patrimônio cultural das instituições detentoras de acervos, bem como da sociedade na qual estejam inseridas. Ainda no contexto de preservação, vale destacar um conceito de preservação digital como sendo, segundo Hedstrom (1998), o “planejamento, alocação de recursos e aplicação de métodos de preservação, e tecnologias necessárias para garantir que a informação digital de valor continuado permaneça acessível e utilizável”. Comumente assistimos, tanto no âmbito público quanto no privado, a implantação de sistemas de informação e/ou informatização dos arquivos sem considerar a figura do arquivista como o agente qualificado para opinar na elaboração desses sistemas, bem como na sua implementação. Há um cenário desfavorável à atuação desse profissional, decorrente da cultura e da mentalidade arraigada no seio das instituições de que os arquivos digitais dispensam o conhecimento técnico científico da arquivística.

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Por outro lado, deve-se registrar um crescente amadurecimento da comunidade arquivística, seja em função do fortalecimento dos aparatos legais, de um conjunto de princípios e normas técnicas que presumivelmente tem fortalecido discussões e ações no sentido de fomentar ambientes mais favoráveis à atuação do arquivista. Consequentemente há um estímulo e encorajamento à implementação de políticas de gestão de documentos, independentemente de seus suportes e formatos.

Considerações finais Diante da perspectiva de conhecer, compreender e interpretar o acervo audiovisual da TVE, alguns importantes desdobramentos foram sendo registrados ao longo da pesquisa. Entre os mais significativos, certamente, está o conteúdo informacional dos registros audiovisuais da TVE. Estes impactaram sobremaneira a equipe de pesquisadores, dada a qualidade de suas informações e, principalmente, por estabelecerem uma relação direta com a sociedade gaúcha, seus costumes, hábitos, cultura e construções históricas. Por outro lado, esses registros também subsidiam a memória institucional, ressaltam aspectos de sua trajetória como instituição pública de referência na comunicação televisiva do Rio Grande do Sul. A capacidade de testemunho documental, as múltiplas possibilidades de uso e representações possíveis corroboram para a necessidade de reflexão sobre a preservação desses documentos. Seja pela especificidade desse acervo, seja por sua localização geográfica, seu armazenamento, sua guarda e sua utilização é imperioso uma imediata atenção aos parâmetros de conservação e preservação. Nesse contexto, o olhar arquivístico aponta para alternativas viáveis em curto prazo. Com base nos dados e nas informações apreendidos durante o desenvolvimento do projeto e constantes do diagnóstico elaborado, pode-se estabelecer um plano de ação emergencial, em que procedimentos específicos poderão ser implementados, objetivando minimizar os riscos de degradação do acervo. Fatores tais como temperatura, umidade, campos magnéticos e sujidades ambientais, manuseio incorreto podem ser controlados através da implantação de procedimentos técnicos diários. Por outro lado, a preservação das informações e dos dados só será possível por meio de uma estratégia de mudança da cultura institucional, de projetos de parceria que visem à manutenção desse acervo, sua acessibilidade e consequente socialização.

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As leis de incentivo à cultura deverão ser utilizadas, a fim de oportunizar recursos para aquisição e manutenção principalmente de equipamentos tecnológicos que visem a leitura e a migração do conteúdo informacional, isso por que tanto os suportes sonoros e audiovisuais quanto os dispositivos de gravação e leitura estão sob constante obsolescência. Portanto, a atenção deverá estar voltada ao conteúdo e, por meio de tecnologias digitais, à preservação em longo prazo. Apesar das importantes reflexões acerca da valoração do acervo audiovisual da TVE, estas suscitaram algumas inquietações no sentido do complexo trabalho que deva ser desenvolvido no ambiente organizacional público, cujas características estão atreladas a questões políticas, culturais, e financeiras. Entretanto, devemos reiterar que, justamente por pertencerem ao âmbito público, as instituições detentoras de acervos podem e devem contribuir para a função social e cidadã do arquivo, bem como pela preservação do patrimônio documental custodiado. Neste sentido Bellotto (2002, p. 14) contribui de forma clara: As instituições que atuam na área de preservação do patrimônio histórico e cultural devem promover uma política de divulgação de suas atividades e de esclarecimento de suas práticas e instrumentos de ação a fim de estabelecer amplos canais de comunicação com todos os segmentos da sociedade, de modo claro e direto.

Se, por um lado, o arquivista deve intervir de forma objetiva e prática, por outro, deve-se acautelar sobre todos os recursos que envolvem tais procedimentos, entre estes, os custos, os recursos humanos, as políticas institucionais, as tecnologias envolvidas e principalmente um estudo prévio da viabilidade, bem como da sustentabilidade de tal projeto. Há, reconhecidamente, um contexto favorável para ações que visem à valorização do patrimônio audiovisual brasileiro. O trabalho da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual traz significativas reflexões sobre a necessidade de reconhecimento e identificação dos documentos audiovisuais como ferramentas/instrumentos para o desenvolvimento social do país, assim como destacam a importância de mapear os riscos de perda e desaparecimento desses documentos.

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O Projeto InterPARES – International Research on Permanent Authentic Records in Electronic Systems (Pesquisa Internacional sobre Documentos Arquivísticos Autênticos Permanentes em Sistemas Eletrônicos), coordenado pela Universidade de British Columbia, no Canadá, tem desenvolvido conhecimento teórico-metodológico essencial para a preservação de longo prazo de documentos arquivísticos digitais autênticos. Informações disponíveis em: <http://www.interpares.org/ip3/ ip3_index.cfm?team=4>. Acesso em: 7 abr. 2016.

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Registram-se ainda, nesse panorama, ações do Conselho Nacional de Arquivos e do Arquivo Nacional, bem como o Projeto InterPARES4, que, entre vários resultados, apresenta: uma base de dados de terminologia, modelos conceituais para preservação digital, diretrizes para produção e preservação de documentos digitais autênticos, conjunto de estratégias voltadas para a preservação de documentos digitais de longo prazo, entre outros. Dessa forma, registra inúmeras ações no sentido de subsidiar trabalhos que visem garantir a preservação digital e, considerando os arquivos audiovisuais, não concebemos outra forma de garantir a preservação e o acesso sem os recursos da tecnologia para migração e preservação de suportes. Naturalmente que qualquer projeto que vise contemplar acervos documentais, independentemente de seus suportes, deve ser precedido de definições prévias que envolvam desde a política institucional até uma seleção fundamentada do patrimônio que deva ser preservado, dos recursos disponíveis, tanto para a implementação quanto para a manutenção das ações e, claro, a necessidade do usuário/pesquisador interno ou não. Desse modo, e dadas as características do acervo áudio visual da TVE, sua importância como referencial de memória institucional, atrelada à história do Estado do Rio Grande do Sul, é mister que se oportunize o estabelecimento de estratégias de ações, fomentando parcerias, reunindo recursos humanos, materiais e financeiros, e ainda, sensibilizando tanto a instituição quanto a sociedade gaúcha sobre o significado e a representatividade desse patrimônio documental, que deve ser preservado e conservado, por reproduzir, abrigar, contemplar fragmentos da memória de uma instituição de referência no contexto midiático do Rio Grande do Sul.

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Possibilidades de pesquisa na História do Tempo Presente a partir do acervo audiovisual da TVE-RS Camila Rosângela da Silva Cunha1 Francielle Maciel Garcia Isabela Kaiber Diehl Maria de Lourdes Togni Tiago de Moraes Kieffer Nádia Maria Weber Santos Ana Luiza Coiro Moraes

Introdução O presente texto apresenta um recorte da pesquisa “Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE-RS”, tendo por objetivo demonstrar possibilidades de pensar a História do Tempo Presente a partir de imagens do acervo audiovisual dessa instituição. São elencados, para tanto, alguns detalhes do percurso da pesquisa, resultados e, também, dificuldades encontradas. Por fim, oferecemos possibilidades de análises e descrições, que se referem a imagens coletadas de fitas relativas ao processo de redemocratização no Brasil, que se inicia em 19802, e de fitas cujo tema é o cenário cultural do Rio Grande do Sul, com foco no panorama musical e no cinema. A pesquisa do passado a partir das fontes audiovisuais faz-se importante na medida em que esse tipo de documento nos mostra que a televisão está relacionada à política, à sociedade civil e à esfera pública tanto quanto à cultura de massa, ao lar e aos valores domésticos (FREIRE FILHO, 2008).

Os autores deste artigo fazem parte da equipe da pesquisa “Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: O acervo audiovisual da TVE”, que teve financiamento da FAPERGS, pelo edital PQG 2014. São bolsistas de Iniciação Científica que participaram da coleta de dados nas fitas do acervo audiovisual da TVE e professoras que coordenaram a pesquisa. A coleta de dados iniciou em novembro de 2014 e terminou em dezembro de 2015. 2 O processo de redemocratização aqui citado faz referência ao período pós-ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985, tendo em 1984 uma data significativa, pois foi quando se deu a campanha pelas “Diretas Já”. 1

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Freire Filho (2008) explica que, nos primórdios da televisão, os programas não eram gravados, e os arquivos não eram mantidos, seja pelo julgamento da falta de valor histórico ou pela deterioração física3. Napolitano (2005) aponta que muitas emissoras de televisão de cunho privado não liberam imagens a pesquisadores, devido ao seu valor comercial. Essas situações, entre outras, como a dificuldade de manutenção de acervos em suportes variados, que são constantemente substituídos no mundo tecnológico contemporâneo, certamente trazem dificuldades aos pesquisadores de mídias audiovisuais. Todavia, é inegável a necessidade desse tipo de estudo, acompanhando as mudanças científicas e tecnológicas, bem como das concepções de mundo, como é o caso do evento atualmente conhecido como globalização. Mesmo com as dificuldades, a partir do projeto “Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE-RS” tivemos acesso ao arquivo dessa emissora pública de televisão, cuja gestora é a Fundação Piratini, ligada ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, para assim visualizarmos e analisarmos os conteúdos de suas fitas, através das fichas por nós produzidas para esse fim. Assim, neste capítulo, explicamos a concepção de História do Tempo Presente, campo que utilizamos como aporte teórico-metodológico, e comentamos brevemente a diferenciação entre TV Pública, Estatal e Privada. Logo após, apresentamos nosso objeto e o universo de fitas da TVE-RS, identificando as suas respectivas tipologias e como estão divididas, para, então, refletirmos sobre o conteúdo de fitas específicas relativas ao processo de redemocratização do Brasil e ao panorama cultural sul-rio-grandense, a partir da música e do cinema. Entendendo que esse resgate é importante na concepção e na conservação da memória cultural (ASSMAN, 2011), pensaremos como as informações contidas nas fitas podem contribuir para a história do Rio Grande do Sul e para a memória da sociedade gaúcha.

História do Tempo Presente O campo historiográfico da História do Tempo Presente (HTP) tem como um de seus elementos centrais as memórias e os acontecimentos próximos ao momento atual, fazendo com que exista uma aproximação entre historiador e seu objeto de pesquisa. Esse campo se diferencia dos demais, portanto, por sua dimensão temporal, que se encontra próxima ao contemporâneo. Com

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No caso da TVE-RS, dois incêndios (1980 e 1983) ocasionaram a perda de significativa parcela de imagens (SILVA, 2008).

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isto, os métodos e as fontes diversificam-se, o acesso à informação, a partir das novas tecnologias, democratiza-se, fazendo com que a crescente inserção do conhecimento histórico no espaço público valorize os testemunhos mais recentes (FERREIRA, 2000). Na HTP, o tempo questionado e investigado é, muitas vezes, o próprio tempo daquele que investiga. Além da fonte oral do testemunho (que não foi utilizada na presente pesquisa), uma das fontes privilegiadas nesta corrente historiográfica é, exatamente, a audiovisual. Estudar a história da TVE-RS é necessariamente pensar os conteúdos midiáticos e culturais gaúchos produzidos nos últimos quarenta anos. Isto justifica seguirmos essa corrente historiográfica, não só pela periodização das fitas, das décadas de 1980 a 2000, mas também pela afirmação de Bertonha: As fontes para o momento presente não incluem arquivos fechados ou muita informação que estará disponível apenas em alguns anos, mas o imediatismo permite recuperar outras, como a imprensa, a mídia geral e a própria vivência do período (BERTONHA, 2013, p. 9-10).

Assim sendo, as imagens analisadas são parte da realidade daquele que as representa e daquele que as lê, formando diversos símbolos e significados da história da sociedade gaúcha. Reiterando a afirmação de que o estudo faz parte da realidade de quem as representa, entendemos que nesses casos o historiador poderá ser um ator do fenômeno pesquisado, isto é, uma testemunha. E a diferença entre o historiador e o objeto é que o primeiro está como observador pensante (MARANHÃO FILHO, 2009). Maranhão Filho (2009) escreve sobre a atenção aos detalhes, característica básica para todos os estudos historiográficos. Nos historiadores que pesquisam o “tempo presente”, essa atenção assim se manifestaria: [...] aí está a magia e o talento do ensaísta, nesse olhar afinado que lhe permite prestar atenção àquilo que habitualmente passa despercebido, ao detalhe, mas que, ao mesmo tempo, consegue que esse detalhe apareça sob uma nova perspectiva e que se amplie até o infinito, que expresse todo um mundo e toda uma forma de habitá-lo e, ao mesmo tempo, o estranhe até torná-lo inabitável. Ou torná-lo habitável, mas, precisamente, neste estranhamento (LAROSSA apud MARANHÃO FILHO, 2009, p. 146).

Nesse sentido, por mais que as imagens façam parte de uma realidade próxima, com processos muitas vezes ainda não acabados, é necessário um cuidado maior, um olhar sensível do historiador, isto é, perceber aspectos políticos e culturais que foram tendências em anos anteriores, mas no decorrer dos anos foram esquecidos ou não pensados. Por isso, pensar a história regional recente, consequentemente nacional, faz linha tênue com as concepções do indivíduo e da sociedade que o rodeia e da qual faz parte.

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TV pública, estatal e privada Para Freire Filho (2008), a televisão é um fenômeno social. O autor também conceitua a televisão como instituição, isto é, “uma indústria e suas organizações, moldada pela política governamental e pela administração corporativa” (2008, p. 4). Miller (2009) complementa, afirmando que a televisão pode ser um local de produção de sentidos: A TV é um objeto, produzido em uma fábrica e distribuído fisicamente (através dos meios de transporte) e virtualmente (via propaganda). Neste ponto, ela se metamorfoseia em uma questão de estilo – uma valiosa (ou maldita) peça de decoração [...] A televisão possui, em síntese, uma existência física, uma história como objeto de produção material e de consumo, além da reputação de ser um local de produção de sentido (MILLER, 2009, p. 10).

No Brasil, as emissoras comerciais de televisão operam por meio de concessões públicas, ou seja, necessitam de uma autorização do Estado para funcionamento, podendo não ocorrer a renovação das concessões. As TVs públicas e estatais, assim como as privadas, possuem atribuições distintas e não concorrentes, conforme esclarece a constituição de 1988, no seu artigo 223: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Por outro lado, há uma diferenciação entre os sistemas de radiodifusão de fundos privados, estatais e públicos. A radiodifusão comercial é uma atividade empresarial e economicamente rentável, necessitando obter audiência, vender espaço publicitário e patrocínios para assim se manter e, portanto, ela tenderá a veicular assuntos com apelo comercial. Já os outros dois tipos de difusão, estatal e pública, não são de cunho comercial, mas possuem suas especificidades. É relevante mencionar a existência da TV Estatal, cujo conceito guarda diferenças em relação à TV Pública. A TV NBR (TV Nacional do Brasil) é a emissora de televisão do Governo Federal brasileiro, exemplo de TV Estatal, que tem como missão a divulgação das ações do Governo Federal, políticas governamentais, assim como a divulgação das atividades da presidência. Em suma, fatos e atos do Governo Federal são as pautas da grade de programação da emissora. A implementação e difusão dos conteúdos, desde 2007, fica a cargo da EBC (Empresa Brasil de Comunicação S. A.) que também possui como competência “implantar e operar as emissoras e explorar os serviços de radiodifusão pública sonora e de sons e imagens do Governo Federal” (inciso I Art. 8o, LEI N. 11.652 DE 7 DE ABRIL DE 2008).

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Em outra instância, teríamos a TV de regime público, que deve atender às demandas da sociedade e, por conseguinte, tratar da pluralidade de opiniões e da diversidade cultural, em geral, sem intervenção do regime estatal e privado. Através de sua programação, deve exibir as diferenças culturais e artísticas nacionais, tendo como um de seus princípios norteadores a formação de um telespectador crítico e conhecedor da cultura nacional. Apesar de existirem especificidades entre os sistemas de radiodifusão, é necessária a compreensão dos seus funcionamentos. Assim, haverá um entendimento amplo que resultará no equilíbrio de valores, pois existe uma contribuição para a sociedade por vias de entretenimento, passando por implicações do governo e demandas de interesse público.

O acervo audiovisual da TVE: um lugar privilegiado para o estudo da memória social do Rio Grande do Sul A TVE-RS é uma emissora de televisão brasileira sediada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Atualmente seus estúdios estão localizados na Avenida Corrêa Lima, no Morro Santa Teresa e sua transmissão ocorre através dos canais 7 VHF e 30 UHF. O acervo audiovisual da TVE está ligado ao enceramento da TV Piratini, devido à transferência de sua sede para as instalações da extinta emissora, ocorrida após um incêndio que danificou parte da estrutura da TVE, antes localizada na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FAMECOS/PUCRS). Com a transferência, a TVE-RS além de ocupar os espaços da antiga TV Piratini, herda também seus acervos filmográficos, torre e equipamentos. Atualmente, o acervo da TVE conta com aproximadamente 4.300 fitas do tipo Umatic, 5.000 fitas Super VHS e 4.250 fitas DVD PRO. Afora estas, a emissora possui também fitas mais antigas no formato de Quadruplex de 2 polegadas e as Helicoidais de 1 polegada, entre outros suportes mais antigos. Essas últimas, por sua vez, encontram-se hoje aos cuidados do Museu de Comunicação Social Hypólito José da Costa.4 Este artigo é construído a partir de dados retirados de uma amostragem da pesquisa “Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE”, financiado pelo edital PQG 2014 da FAPERGS e coordenado pelas professoras Dra. Nádia Maria Weber Santos e Dra. Ana Luiza Coiro Moraes. 4

Os dados referentes ao número de fitas foram disponibilizados pelos funcionários do arquivo da TVE.

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Com base na hipótese de que as imagens produzidas pela emissora TVE possuem um amplo significado histórico cultural para a sociedade gaúcha, a pesquisa visou alcançar dois objetivos principais. O primeiro foi, a partir de um diagnóstico do arquivo, contribuir para a preservação do acervo audiovisual da TVE, reconhecendo seu uso como fonte para pesquisa. E o segundo, que se relaciona diretamente ao diagnóstico do conteúdo das fitas que fazem parte do acervo, buscou, a partir da análise, a compreensão de determinado período histórico da sociedade gaúcha. Em relação ao processo metodológico, a pesquisa apresentou duas etapas. A primeira consistiu na coleta de dados, quando foram observadas as fitas do acervo. A segunda, na vinculação do conteúdo das fitas observadas com outras fontes históricas, realizando assim, um processo de construção da memória e da história da emissora e do estado do Rio Grande do Sul. A fase da pesquisa referente à coleta de dados foi realizada no próprio acervo da TVE. Para essa finalidade, o arquivo disponibilizou dois dias da semana. Os dias escolhidos foram quartas e sextas-feiras pela manhã, das nove às onze horas, tendo em vista as possibilidades que os funcionários tinham de nos receber sem prejudicar a dinâmica e o funcionamento de seu trabalho no arquivo. Para execução da pesquisa, foi consolidada uma parceria entre funcionários do arquivo, coordenadoras do projeto de pesquisa e estudantes de graduação do curso de História do Unilasalle. A proposta inicial da coleta de dados era de que, em princípio, os alunos de graduação, acompanhados por um funcionário do arquivo, examinassem uma a uma as fitas do acervo audiovisual da TVE. Desta forma, além de entrar em contato com o acervo, poderiam realizar uma investigação quantitativa, exploratória, e também, descritiva dos conteúdos destas fitas. Entretanto, no decorrer da coleta de dados, foi percebida a necessidade de melhor organizar os conteúdos que estavam sendo observados. Assim, foi criada pela equipe, com apoio dos funcionários do arquivo, uma ficha de classificação (que consta na Figura 1, abaixo) para os conteúdos das fitas. Essa ficha solicitava as seguintes informações: identificação do material analisado, ou seja, tipo de mídia que estava sendo avaliada (fitas Umatic, Super VHS, DVC pro, DVD); acessibilidade, referente à qualidade de imagem e áudio das mídias (boa, ruim, com falhas, comprometida); assuntos/conteúdos, onde se encontra de forma sucinta o teor das fitas observadas; tipo de conteúdo que as mídias apresentam (imagens brutas, matérias editadas, programas da grade da emissora/gênero); e por último, a contextualização das fitas, em que estão expostas informações como data/período em que foram realizadas e as referências histórico-culturais.

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Identificação do material N° Mídia Duração

Acessibilidade Assuntos/Conteúdo

Tipo de conteúdo

Contextualização

Imagens Matéria Programas/Gênero Data/ Referências brutas editada Período históricoculturais

Figura 1 – Cabeçalho da Ficha de Coleta de Dados. Material pertencente à pesquisa “Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE”.

Formulada a ficha, iniciamos o processo de coleta de dados a partir das fitas U-Matic. Começamos com essas fitas, pois além de exibirem conteúdos mais antigos, a instituição possuía equipamentos disponíveis para sua visualização. As fitas U-Matic compreendem um período que se estende de 1970 até 1990. A partir das suas imagens é possível identificar uma série de acontecimentos e personagens que estiveram envolvidos em episódios importantes dentro da história do Brasil (já que a TVE-RS retransmite também parte das programações da TV Cultura, há mais tempo, e da TV Brasil, mais recentemente) e da história do Rio Grande do Sul. Ao todo, durante a pesquisa, foram analisadas 33 fitas do tipo U-Matic. Entre os assuntos encontrados nessas fitas, citamos: o cenário político brasileiro na década de 80; personalidades políticas nacionais e regionais; programações culturais como, por exemplo, o 16º Festival de Cinema de Gramado; informações a respeito dos processos para eleições diretas; o declínio do Regime Militar no Brasil e a repercussão de movimentos sociais, como os das feministas. Infelizmente, não foi possível prolongar a observação dessas mídias. Um dos equipamentos necessários para sua visualização estragou durante o processo de coleta de dados e, devido a uma série de questões envolvendo verbas, não foi consertado, suspendendo-se, assim, a continuidade do trabalho com elas. Impedidos de assistir as U-Matics, passamos para a análise das mídias em formato Super VHS. Essas fitas, apesar de compreenderem um período mais contemporâneo, anos 1990 – 2000 – 2010, apresentam, também, uma série de questões relativas à história e à memória do Rio Grande do Sul. Seus conteúdos, no que diz respeito à cultura do estado, são vastos e dinâmicos. E podemos perceber, a partir da grade de programação, sua preocupação com a educação e a transmissão de informação. Ao todo, devido ao tempo limite estipulado para o fim da coleta de dados, foram observadas 83 fitas Super VHS. Entre os assuntos presentes nessas fitas estão: o panorama político nacional e regional (com a cobertura

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das eleições, entrevista com candidatos, e discussão sobre o cenário político); o panorama cultural do estado (muitas vezes revelado a partir de programas como Radar e Estação Cultura) e informações sobre movimentos sociais como, por exemplo, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o MST (Movimento dos Sem-Terra) e o CPERS (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul). Numa análise geral das mídias disponíveis no acervo da TVE observadas durante o período da pesquisa, encontramos fitas com imagens brutas, imagens editadas e programas da grade da emissora. Em relação aos programas televisivos observados, podemos citar: Estação Cultura, Radar, Jornal da Cultura, Jornal da TVE-RS, Crônicas do tempo, Pandorga, Hora da Merenda, Outra Conversa, Frente a Frente, Multisport, Roda Viva, Consumidor em Pauta, entre outros. Assim, notamos que uma grande quantidade de imagens representativas do estado, que incluem desde as cidades e seu desenvolvimento, passando por paisagens naturais, pelos símbolos culturais até a própria população sul rio-grandense, está contemplada nas imagens analisadas no acervo da TVE. Dessa forma, reiteramos nossa afirmação de que seu arquivo deve ser percebido como um lugar privilegiado para o estudo da memória social e cultural do estado.

Exemplos de análises Nesta seção, procedemos a uma análise descritiva de algumas das fichas construídas durante o processo da pesquisa, que dizem respeito a Fitas UMatic e Super VHS.5 Com isso, buscamos demonstrar algumas interpretações possíveis do conteúdo das fitas que fazem parte do seu acervo. A redemocratização no Brasil e o governo de Jair Soares no Rio Grande do Sul Para a construção desta análise, escolhemos três fitas que abordam o panorama político dos anos de 1980 no Brasil e no Rio Grande do Sul. Optamos por estas imagens, pois o período que elas retratam se relaciona ao processo de redemocratização e ao fim da ditadura militar no Brasil, uma temática histórica recente, que corresponde à ficha analisada, reproduzida na Figura 2, abaixo.

5

Em cada uma das três subseções da seção “Exemplos de análises” colocaremos as referências às fitas de forma diferente (imagem da fita, numeração da fita e citação da mesma no corpo do texto), exemplificando distintas formas de trabalharmos com elas e de citá-las.

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Identificação do material N°

Mídia

Acessibilidade

Assuntos

Duração

Tipo de conteúdo Imagens brutas

Matéria editada

Contextualização

Programas/ Data/ Referências Gênero Período históricoculturais

0012 UMatic

Não foi possível apurar

Falha de áudio; Matérias incompletas; Não condizem com a ficha técnica de arquivo.

Discurso político/ Não foi Filmagem com possível assinatura do apurar Governador Amaral de Souza e do Ministro da Previdência Jair Soares do projeto relativo a orçamentos/ Glauber Rocha

Sim

19791982

Cenário político regional na década de 80; Eleição direta;

0013 UMatic

Não foi possível apurar

Boa

Cultura; Política;

Não foi possível apurar

Sim

“Horizontes abertos” “Arremesso de peso”

1983

Personalidades políticas regionais (CarlosAlberto Chiarelli – Senador do RS na época e Jair Soares – Governador do RS

0026 UMatic

Não foi possível apurar

Boa

Comissões Diretas Já/ Personalidades políticas: Tancredo Neves, Brizola, Lula e Ulisses Guimarães

Não foi possível apurar

Sim

Não foi possível apurar

Início da década de 1980, 1984?

Cenário político brasileiro do início da década de 80/ Eleições diretas/ Decadência do Regime Militar no Brasil/ Redemocratização/ Diretas Já.

Figura 2 – Ficha de Coleta de Dados da Pesquisa. Fitas U-Matic 012, 013 e 026. Material pertencente à pesquisa “Memória e Patrimônio da fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE”.

O regime ditatorial do Brasil tem início em 31 de março de 1964, quando o governo do país é tomado por meio de um golpe militar “que derrubou João Goulart, [...] desferiu um golpe no projeto político nacional-estadista [...] e encerrou a experiência republicana iniciada com o fim do Estado Novo, em 1945” (REIS, 2005, p. 12). Por meio de Atos Institucionais (AI), esse regime limitava o funcionamento das instituições democráticas, perseguia opositores e controlava os meios de comunicação. O mais duro deles foi o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, que, entre outras ações arbitrárias, permitira ao Presidente da República decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, subordinando também ao Poder Executivo federal, estadual ou municipal as funções do Legislativo correspondente.

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No período em que a ditadura esteve em vigor, de 1964 a 1985, a presidência da República foi exercida por cinco generais: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Esses generais governavam com participação de oficiais das Forças Armadas e utilizavam órgãos de espionagem e repressão. Durante este tempo, brasileiros que não concordavam com o governo e resistiram à ditadura foram perseguidos, expulsos do país, torturados e mortos pelos órgãos de repressão. Apenas a partir do governo de Ernesto Geisel, de 1974 a 1979, é que começa a se promover um processo paulatino de abertura democrática. No governo de Geisel o projeto militar é articulado em “períodos de maior e menor violência política”, o que demonstra sua dificuldade “em controlar todas as variáveis implicadas na política de transição” do regime ditatorial para a democracia (CODATO, 2005, p. 166) Contudo, devido às demandas sociais crescentes, o projeto de redemocratização tem continuidade no governo de Figueiredo (1979-1985). “Sob o nome de abertura política” uma série de ações são tomadas para a volta gradual da democracia, como a normalização da atividade parlamentar, a manutenção do calendário eleitoral, a revogação parcial das medidas de exceção, a anistia política e a reforma partidária (CODATO, 2005, p. 84). Dessa forma, ao nos voltarmos para as fitas escolhidas, é esse processo de “abertura política” ou liberação da ditadura que percebemos em seu conteúdo, pois nelas os discursos políticos já abordam temas como eleições diretas, e os movimentos sociais a favor da redemocratização ganham visibilidade. É também nesse contexto que se restabelecem as eleições diretas para governador do Estado em 1982. No Rio Grande do Sul, Jair Soares é o primeiro governador eleito por voto direto após 18 anos de ditadura. Soares, como podemos perceber na ficha reproduzida na Figura 2, já havia sido Ministro da Previdência Social do Brasil, e era “candidato do PDS, partido da situação e de ex-membros da ARENA6, que conjugava os aliados civis do regime”. Nas eleições de 1982, ele concorreu contra Pedro Simon pelo PMDB, Alceu Collares, pelo PDT, e Olívio Dutra, pelo PT. Soares “garantiu sua vitória usando a tática de dividir para dominar, utilizada contra as oposições no momento de transição política” (TRINDADE, 2011, p. 8). Assim, observamos que os anos de 1980 no Brasil foram marcados por uma série de movimentos sociais que reivindicavam a redemocratização e lu-

6

Em decorrência da ditadura, de 1966 a 1979 havia duas correntes políticas: uma da situação, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e uma corrente oposicionista, representada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

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tavam por espaço e visibilidade no cenário social. A ação desses grupos, entre os quais, podemos citar os sindicatos de trabalhadores, associações artísticas, universidades e a própria imprensa, “contribuíram para que esta fosse uma década muito ativa na participação e envolvimento da sociedade civil na vida política do país.” (MAGER, 2015, p. 1-2) Da mesma forma que constatamos esse panorama, percebemos algumas permanências – imagens recorrentes nas fitas –, como é o caso de Jair Soares, candidato da situação, ao ganhar as eleições para governador do Rio Grande do Sul.

Memória da música na televisão pública Para Napolitano (2002, p. 11), “a música não é apenas ‘boa para ouvir’, mas também é ‘boa para pensar’”. Em termos de fontes históricas, para a música ser pensada por historiadores existem algumas dificuldades, pois são os registros realizados (gravações, discos, CDs, clipes, programas de televisão, etc.) que serviriam como documentos sonoros e visuais, e esses registros nem sempre estão ou são arquivados. Uma das possibilidades de pesquisa para dar conta deste objetivo, e dentro do campo da História do Tempo Presente, é a que se abre a partir da visualização das fitas da TVE, em que muitos trechos sobre a história e a memória da música em nosso estado estão presentes. É necessário entender que, nesse caso, as fontes são os conteúdos audiovisuais, e o objeto de pesquisa seriam as músicas e seus intérpretes, em variados formatos (programas, shows, videoclipes, por exemplo), não somente gaúchos, mas artistas das mais variadas nacionalidades que se apresentaram no Rio Grande do Sul. Em prévio levantamento realizado sobre a diversidade dos conteúdos das imagens, observamos que 33 fitas possuíam conteúdo relativamente completo para uma análise das tendências e referências musicais entre as décadas de 1980 a 2000. Os conteúdos basicamente são videoclipes – os quais serviriam por si só como fontes para uma pesquisa ímpar sobre a relação entre a imagem e a música –, apresentação de bandas em programas culturais como “Radar” e “Estação Cultura” e entrevistas com músicos e cantores novos e de renome no cenário internacional, nacional e regional. No cenário internacional, umas das primeiras fitas analisadas7 mostra o show de três personalidades distintas. A primeira delas é o artista estadunidense Bob Dylan, seguido pelas apresentações de George Harrisson, britânico, e Neil Young, músico canadense. Conforme a ficha que estava anexa à 7

Fita UMATIC 0031. Nesta seção e na seguinte, não mostraremos as imagens das fitas, e, sim, mencionaremos, em notas de rodapé, o tipo de mídia e o número da fita referida.

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fita8, os shows ocorreram em 1983, contudo, não há o local de realização dos mesmos. Em 1993, há a transmissão pela TVE do show da banda Iron Maiden9, que havia se realizado no Gigantinho, estádio do Sport Club Internacional, em Porto Alegre. No programa Radar10, as bandas Sistem of Down, Bad Religion, Depeche Mode compõem a grande demanda de rock que a emissora transmitia do exterior, na sua programação na década de 1980. No mesmo programa, mas no ano de 199411, a transmissão dos videoclipes sobre o Rock in Rio12 continha músicas da banda Grun Truck e dos Rolling Stones. A importância do rock internacional no Rio Grande do Sul é demonstrada na transmissão do trailer do filme “Woodstock: sexo, orégano e rock and rool” do diretor Otto Guerra”13. Mas as programações não se resumem ao Rock´n´Roll com artistas internacionais, pois há, também, artistas gaúchos tocando música internacional. Destacamos um detalhe especial, na fita de formato SUPER V número 3924 do ano de 2009, quando no programa Estação Cultura, o repórter Newton Silva entrevista a cantora Ana Kruger e o baterista Mano Gomes da banda Delicatessen sobre um projeto com músicas de Jazz da década de 1920. Sobre artistas e músicas nacionais, a MPB (Música Popular Brasileira) faz parte da maioria das fitas do acervo examinadas por nós. Igualmente às músicas internacionais, o arquivo contém apresentações ao vivo, tanto como recortes de shows ou apresentações em programas de televisão de outras emissoras, clipes, tributos e entrevista aos artistas. No primeiro caso, um exemplo é a apresentação de Jair Rodrigues cantando “Passado de Lama” e “Cesteiro”14 em janeiro de 2007. Na mesma fita, a Banda Cor do Som aparece tocando uma versão de “Sapato Velho”, o Quarteto em Cy apresentando “São Salvador” e “Saudade” e o grupo Originais do Samba cantando “Qualquer Tristeza”. Esse é um exemplo de fita em que não há um programa específico, mas apenas apresentações musicais, sugerindo que fossem gravações brutas para serem colocadas na grade de programação a posteriori. Sabemos a data, devido à descrição existente na ficha feita pelos arquivistas da instituição. Ficha confeccionada por funcionários do Setor de Arquivo da TVE, anexa à fita. Fita SUPER V 3848. 10 Fita SUPER V 3897. 11 Fita SUPER V 3921. 12 O Rock in Rio é um dos maiores festivais de Rock and Roll do mundo. Segundo o site oficial do festival: “O ano era 1985 e o país passava por grandes transformações. Após longo período sob uma ditadura militar, o país começava a dar os primeiros passos rumo à democracia. Foi nesse cenário que nasceu o Rock in Rio. Pela primeira vez um país da América do Sul sediou um evento musical desse tipo.” Informações disponíveis em: <http://rockinrio.com/rio/ rock-in-rio/historia/>. Acesso em: 20 maio 2016. 13 Fita SUPER V 4031. 14 Fita SUPER V 3047. 8 9

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Embora a profusão de materiais imagéticos, algumas dificuldades são encontradas para sintetizar e organizar as fontes para a memória da música: além da falta de datação e de indexação adequadas em algumas fitas, também as diversidades de assuntos/temas/shows, que constam na mesma fita, dificultam a abordagem. O exemplo que usamos do show de rock do Iron Maiden, demonstra isto, pois na mesma fita há o show do cantor Fábio Junior, que faz músicas românticas. Esses problemas não acontecem quando observamos fitas com gravação de programas completos, como é o caso daquelas do Estação Cultura, pois a diversidade desse programa se insere em uma linha editorial e apropriada à noção de TV Pública. Na fita SUPER VHS 3897, acontece a mesma situação: apresentações de músicos internacionais, já citados, e da banda Titãs e do cantor Nando Reis. Como estudamos o passado e a memória, observamos com atenção que a programação da TVE também preza por esse trabalho, através dos tributos. A homenagem aos 10 anos da morte do cantor e compositor Renato Russo15, no programa Estação Cultura, elenca as principais músicas do artista e a importância que o mesmo tem para o rock nacional, através das poesias inteligentes e com características políticas. Parte do tributo ao cantor Tim Maia, na mesma fita, no Programa Radar, faz uma breve biografia do artista e explica a sua visibilidade na MPB. Também a entrevista do compositor Chico Buarque em 200616 – que não tem referência ao programa – demonstra que o cantor, conhecido pelas músicas contra a ditadura militar, continuou tendo importância musical após a ditadura. As músicas regionais, não necessariamente tradicionalistas, mas de artistas gaúchos em geral, compõem a maior parte do conteúdo das fitas examinadas, organizadas principalmente nos programas culturais da emissora. A dupla Claus e Roger em 200017, comenta a dificuldade de se tocar sertanejo no Rio Grande do Sul. As bandas Muni, as Marcelitas, V8, Cheia de Manha, Viva Voz, Lactuca Sativa, os cantores João Almeida Neto, Marcelo Delacroix, Isa Martis, Luciana Costa, Rafael Brasil, entre outros, presentes na fita 4037, compõem, sem dúvida, uma gama de imagens e sons que condensa uma grande diversidade de gêneros musicais. Esse grupo temático de fitas possui muitos projetos independentes, como o Sonho do Brasil18 – música clássica – e o I Festival Bil19, festival canoense de artistas iniciantes.

Fita SUPER V 4031. Idem. 17 SUPER V 4011. 18 SUPER V 4076. 19 SUPER V 5105. 15 16

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Esse breve levantamento realizado teve o objetivo de demonstrar a grande quantidade de conteúdo e a ampla qualidade em termos de diversidade musical que o acervo da TVE-RS contém. Como mencionado anteriormente, existe uma dificuldade em termos de fontes, para um pesquisador que se debruce sobre a história e a memória da música, inclusive no Rio Grande do Sul. Porém, as pesquisas de cunho acadêmico poderiam suprir esta lacuna, através, por exemplo, de um estudo sistemático das fitas e das imagens deste acervo, tão rico, da TVE-RS, desde que este ficasse mais organizado, mais disponível e acessível tanto à população em geral quanto aos acadêmicos e pesquisadores.

Linguagem audiovisual e memória do cinema no acervo da TVE-RS O trabalho com o audiovisual é muito importante, na medida em que pode proporcionar a leitura de imagens de forma crítica e aprofundada, promovendo considerações além dos aspectos estilísticos, socioculturais e históricos. Ler uma imagem é tirá-la da imobilidade, quando a cada nova leitura há uma interpretação, servindo para afirmar que há muitas possibilidades de interpretação para uma mesma imagem. Citando Pesavento, “há um percurso visual que, no caso de leitura de imagens, pressupõe o ‘olhar’”, operação esta que é distinta de “ver”, pois implica em “decifrar a imagem, buscando códigos, detalhes que operam como sintomas e mensagens que remetem às sensibilidades de uma época” (PESAVENTO, 2008b, p. 20). Antropólogos, sociólogos e historiadores interessam-se pelo uso de imagens como fonte documental, instrumento, produto de pesquisa, ou ainda, como veículo de intervenção político-cultural (FELDMAN-BIANCO; MOREIRA LEITE, 2006). Diante das novas perspectivas teórico-metodológicas, é reforçada a tendência a construir o conhecimento utilizando a dimensão imagética como documento. O uso de imagens na pesquisa histórica é crescente, porém, ainda com algumas resistências por parte de pesquisadores (CUNHA, 2001). Dentre tantas possibilidades de ter a imagem como vestígio e fonte, uma delas é pensar o cinema como fonte para memória e para a História do Tempo Presente, a partir da linguagem audiovisual. Com a evolução das tecnologias informacionais e das telecomunicações, aconteceu uma mudança radical nas relações do homem com seu mundo e consigo mesmo e a consequente necessidade de discussão de novos padrões de conhecimento. Vamos ao encontro do pensamento de Rossini, quando refere que um filme é a combinação de vários elementos técnicos, artísticos, cinematográficos e extracinematográficos, ou seja, é o “entrecruzamento, na imagem, do movimento, do ângulo da câmera, da cor, da luz, do som, da música, da palavra, das indumentárias” (ROSSINI, 2008, p. 124)

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Nas imagens que o acervo da TVE-RS guarda sobre a temática do cinema, observamos esses elementos que, como pistas e vestígios do passado, são potenciais fontes para pesquisadores. Segundo Coutinho (2003), as imagens registradas, por meio de qualquer suporte, compõem um tipo de memória artificial, um acervo que pode ficar latente por certo tempo ou despertar narrativas em outro tempo e lugar. Na pesquisa realizada no arquivo da TVE, devido a problemas na visualização e no manuseio das fitas U-Matics, que se mostraram muito frágeis, rompendo-se com facilidade, e muitas delas possuindo imagens inacessíveis, parte do trabalho foi dificultado. Porém, aquelas a que tivemos acesso foram de uma riqueza imagética importante para entrever um pouco da memória do cinema a partir desse acervo. No acervo audiovisual da TVE, as imagens de filmes são arquivadas para serem disponibilizadas para programas da emissora, que versam sobre diretores, atores, atrizes, gêneros, movimentos e outros temas diversos. Em geral, a utilização das imagens ocorre quando da demanda por esse material pela grade de programação. Na pesquisa, observamos os programas que continham trailers de filmes, documentários do assunto, entrevista com personagens pertencentes a esse universo no Brasil e, mais especificamente, no Rio Grande do Sul. O primeiro lote de fitas observadas foi composto pelas U-Matics, entre as quais, na de número 0002, na programação cultural Cinemateca, temos o filme com Marilyn Monroe, “Quanto mais quente melhor”. Aparece na fita U-Matic número 0012 um documentário sobre Glauber Rocha, cineasta de grande importância para o cinema brasileiro: são imagens de seu sepultamento, em 22 de janeiro de1981, no Rio de Janeiro, aos 42 anos. Há depoimentos de artistas sobre a morte do cineasta, como Nara Leão, Caetano Veloso, Samuel Weiner, Mário Carneiro, Carlos Vereza, Arnaldo Jabor, Hugo Carvana, Nelson Pereira dos Santos, Fagner, Maurício do Valle, Norma Benguell, Hélio Pelegrino, Silvio Bem. Na fita de número 0024, temos um tributo a Glauber Rocha, realizado em 7 de novembro de 1982, contendo imagens de narrativas visuais de sua carreira, filmes, prêmios, fotos do cineasta, depoimento do amigo Darcy Ribeiro, do produtor Luis Carlos Barreto, de Jean Claude Bernarde, crítico de cinema, bem como de artistas como Tarcísio Meira, Jece Valadão, Antônio Pitanga, Norma Benguell, Danusa Leão, Ana Maria Magalhães e Geraldo del Rey. Estão elencadas imagens dos seus filmes de maior importância, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Idade da Terra”, “Terra em Transe” e “Barravento”. Na fita U-Matic de número 0030 foram arquivados diversos trailers de filmes entre eles: “Uma Secretária do Futuro”; “Mississipi em Chamas”; “Rain

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Man”; “As Últimas noites de Cleópatra”; “O Turista Acidental”; “Nada por Baixo”; “O Tambor”; “Punchline”; “O Anjo Azul”; “Nosferatu”; “La Venesiana”; “A Dança da Morte”; “Bom dia Babilônia”; “Choque Mortal”; “Guardiã da Lâmpada Maldita”; “A Hora do Espanto”; “Guerreiros do Reino Perdido”; “A Lenda da Pérola Perdida”. Observamos, na fita Super VHS de número 3928, a atriz Cláudia Abreu prestando um depoimento sobre o Festival de Cinema de Gramado de 1994, festival nacional, anualmente realizado no Palácio dos Festivais, no município de Gramado, no Rio Grande do Sul, desde janeiro de 1973. A partir de 1992, passou a exibir também filmes de origem latina, por isso, Festival de Cinema Brasileiro e Latino, premiando diversas categorias dos filmes com seu troféu característico, o Kikito. Em outra fita Super VHS, de número 4006, aparece o programa Curtas Brasil, em que a apresentadora Lúcia Abreu, exibe o curta “A voz da felicidade”, realizado em 1987, com argumento do cronista gaúcho Luiz Fernando Veríssimo. A fita Super VHS de número 0030 contém fragmentos do programa Estação Cultura, em que são exibidas imagens do filme brasileiro “Cidade Baixa”, e a apresentadora do programa, Marla Martins, entrevistando o ator do filme, Lázaro Ramos. A fita Super VHS 4035 apresenta o filme “Que bom te ver viva”, sobre mulheres vítimas da ditadura, e clipes dos filmes “O Holandês”; “Herói de Brinquedo”; “Tubarão”; “ET”; “Indiana Jones” e “Jurassic Park”. Na fita Super VHS 4051, na qual consta a gravação do Programa Sala de Aula, com temática sobre cinema, há entrevistas com cineastas, como Jaime Lenner, paulista radicado e atuando em Porto Alegre, e Jorge Furtado, ambos falando sobre projetos gaúchos no cinema. Ao final do programa, imagens de fotos das gravações dos filmes em épocas antigas, primeiros artistas, diretores do cinema gaúcho e imagens de filmes de época. Na Super VHS 4061, há o programa Frente a Frente de 22.08.1995, apresentado por Flávio Porcello, que entrevista o cineasta Jorge Furtado sobre a importância do cinema e da TV, junto com Tânia Carvalho, jornalista e apresentadora do programa Estação Cultura da TVE, Ivan Pinheiro Machado, editor da RPM, Luiz Cesar Rosseti, crítico de cinema e Walter Hagmann, repórter da TVE. As fitas Super V 4111, 4120 e 3897 compreendem filmes do Cinebancários. Temos ainda, na fita Super VHS número 4064, imagens da apresentação do filme “Sargento Getúlio”, adaptação do livro de João Ubaldo Ribeiro; imagens de arquivo da TVE de 1983, com entrevista com o autor do livro e diretor imagens do festival de Cinema de Gramado, com a entrega do Kikito de melhor filme para Sargento Getúlio; e, por fim, uma entrevista no ano de 2009, com o diretor Hermano Penna, sobre o relançamento do filme Sargento

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Getúlio. Aqui, observamos “fitas de arquivo”, isto é, compilações de imagens de diversas épocas, porém guardando o fio condutor de uma temática. A fita Super VHS 4082 mostra uma entrevista com Agnês Varda, de 81 anos, sobre o filme de curta-metragem no qual era diretora, “As Praias de Agnês”, e os longas-metragens “Cleo das 5h às 7h” e “Os catadores e eu”. Na mesma fita, há o trailer do filme “O Segredo dos Seus Olhos” e uma conversa com o seu diretor Juan José Campanella. Como observamos neste breve relato, o acervo audiovisual da TVE-RS guarda também memórias do cinema, que estão à espera de outros pesquisadores para serem analisadas e tratadas como fontes históricas. Concordamos com Rossini, quando ela refere que no último século o cinema foi agente de transformações sociais, culturais, artísticas e “uma dessas transformações foi a criação de um novo tipo de espectador, que sabe decodificar e reorganizar os elementos dispersos de uma narrativa cinematográfica” (ROSSINI, 2008, p. 123). Ao nos depararmos com esta assertiva, lembramos que o historiador do tempo presente também se coloca como espectador frente ao mundo que se desenrola em seu próprio momento histórico. E, tal como o espectador do cinema, ele também reconstrói estes elementos em uma narrativa. Teremos assim, narrativa histórica e narrativa audiovisual iluminando-se mutuamente e apontando para novas possibilidades de reconstruir a memória de uma sociedade.

Considerações finais O que produzimos como conteúdo midiático diz algo sobre o nosso tempo e por isso pode ser estudado no futuro. O acervo audiovisual da TVERS, tratado como fonte histórica, possibilita uma gama variada de estudos, os quais podem responder às problemáticas da história recente. Assim como temas como cultura, sociedade e política atraem o olhar de pesquisadores de diversos campos da história, também, meios de comunicação e os conteúdos que eles produzem, como imagens brutas e editadas que existem no acervo da TVE, servem como fonte para análise de uma sociedade. Estudando o acervo audiovisual da TVE – importante lugar de conservação da memória do Rio Grande do Sul – reportamo-nos, também, para o que escreve Pesavento quando reflete sobre a relação teórica e metodológica entre História e Memória: Falemos, pois, de indivíduos, de subjetividades, de trajetórias pessoais, de histórias de vida. Esse é, para todos os efeitos, um viés muito importante, resgatado pelos estudos da cultura. A memória tem seu lócus original de realização no indivíduo que rememora; todo o trabalho de evocação dá-se, entretanto, em acerto com uma memória social (PESAVENTO, 2008, p. 15-16).

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Nesse sentido, os exemplos estudados tornam-se memória de indivíduos inseridas na História do Tempo Presente e, posteriormente, tornam-se uma memória social. A memória humana é movida pelo passado (BENEDUZI, 2008), portanto dedicar atenção no presente se faz necessário.

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Projeto Tecna – TVE-RS: desafios da televisão pública na cultura da convergência digital Cristiane Finger Greetchen Ferreira João Vicente Ribas Jéssica Moraes Otávio Daros

Introdução Se estatal, o canal de TV ficaria a serviço dos ‘governos do dia’; se pública, estaria voltada a prestação de serviço da comunidade em geral, com a observância da liberdade editorial (LEAL FILHO, 1997, p. 47).

Televisão é sempre um serviço público. Mesmo quando explorada pela iniciativa privada trata-se de uma concessão controlada e fiscalizada pela União, mas que pertence à sociedade. Em países do mundo todo, emissoras privadas e públicas procuram formar um sistema complementar em busca do equilíbrio em favor da diversidade de programação. A Europa, berço da televisão pública, enfrentou o fim do monopólio do sistema público com o advento das emissoras privadas, generalistas e segmentadas, o que levou a uma reestruturação do mercado nos anos 90. Agora, o desafio imposto tem sido as mudanças com a implantação da tecnologia digital. Os media públicos tradicionais que ainda restam (o broadcast, em particular no seu actual modelo) deverão começar a pensar na sua inevitável perda de públicos e, de certa maneira, também de legitimidade; e a partir disso reorientar a sua estratégia no sentido de complementariedade efetiva, distinta, face aos operadores comerciais, mas também a repensar a presença ‘pública’ na Internet [...] (CÁDIMA, 2011, p. 189).

Nos Estados Unidos, a televisão pública tem como particularidade a separação entre produção, programação e geração de conteúdos, e ainda, a PBS1 aposta na diversidade de financiamento para ter liberdade editorial. São 1

Public Broadcasting Service foi criada em 1969 e hoje reúne 350 emissoras locais e nacionais numa organização que não é propriamente uma rede, mas funciona em conjunto. (N.A.)

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investimentos de fundações privadas diretamente nos programas, verbas governamentais e também doações individuais significativas, com origem nas grandes fortunas. No Brasil, as Televisões Educativas foram criadas inicialmente para atender a um programa de ensino nacional que fracassou. Em 1964, o MEC reivindicou ao Ministério das Comunicações três canais de televisão de caráter educativo. A programação era constituída por programas educacionais de nível médio nas áreas de linguagem, moral e cívica, conhecimentos gerais, matemática e ciências. O modelo implantado durante a ditadura militar, além de ineficiente, era extremamente oneroso para o Estado. Assim, não houve surpresa quando a Constituição Brasileira de 1988 definiu o sistema de televisões educativas de canais abertos como públicos e estatais (TORVES, 2006). A criação da TVE-RS faz parte desta história, começou em 1961, quando a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul se mobilizou para ter uma emissora de televisão educativa. Porém, apenas em 21 de junho de 1968 o Governo Federal outorgou a concessão pelo Decreto n. 62.822. A compra dos equipamentos levou mais de um ano para ser aprovada. Em 1971, o Ministério das Comunicações não aprovou o prédio construído especialmente para a emissora no Jardim Botânico no Bairro Partenon, em Porto Alegre. Por isso, a emissora só começou efetivamente a funcionar através de um convênio firmado entre o Governo do Estado e a Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, em 29 de março de 1974. O então chamado Centro de Televisão Educativa produzia programas educativos, culturais e instrucionais. Um incêndio, ocorrido nas instalações da Famecos, levou a TVE para a sede da antiga TV Piratini, no morro Santa Teresa, onde funciona até hoje. Em 1989, foi inaugurada a FM Cultura, emissora de rádio que faria parte da fundação. Ao longo dos anos e de diferentes governos, foram feitas algumas atualizações tecnológicas, inúmeras mudanças na grade de programação e ainda uma série de trocas nos estatutos e até nos nomes da emissora. Em 8 de agosto de 1995, passou a se denominar oficialmente Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão, e ficou sob a responsabilidade de duas instâncias: Conselho Deliberativo e Diretoria Executiva. Esta é a estrutura vigente até hoje. A criação de um Conselho Deliberativo, a exemplo do que já acontecia na TV Cultura de São Paulo, deveria ser uma garantia contra a interferência político-partidária dos “governos do dia” e uma fiscalização efetiva da prestação de serviço público. Porém, como ressalta Torves (2006), ao contrário do que acontece na emissora paulista, não é o Conselho que escolhe a Diretoria Executiva, mas o Executivo Estadual, ou seja, ainda existe uma interferência

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político-partidária direta. Além disso, o Conselho Deliberativo não tem poder de veto sobre as decisões tomadas pela Direção Executiva, não há consequências práticas no caso de descumprimento do que é deliberado nas reuniões do Conselho. Só o Tribunal de Contas do Estado (TCE) pode exigir o cumprimento de medidas ou estabelecer punições. Nas raras ocasiões em que isso aconteceu, os mandatos políticos já haviam terminado e as medidas foram inócuas. É neste contexto que se dá esta pesquisa empírica. A coleta de dados sobre a programação da TVE-RS aconteceu no período de 6 a 12 de abril e 18 a 24 de maio de 2015, quando houve uma das tantas trocas de governo e consequentes mudanças na grade de programação, nas chefias, nos cargos em comissão e, principalmente, na Diretoria Executiva da emissora. O estudo foi financiado pelo Edital: FAPERGS/PUCRS/Tecna 2015 – Projeto Centro de Produção e Pós-Produção de Conteúdos Digitais Criativos. Desde 2015, esta sendo construído o Centro Tecnológico Audiovisual do Rio Grande do Sul (Tecna), parque tecnológico situado no município de Viamão na Grande Porto Alegre, ligado ao Tecnopuc. Porém, para além da estrutura física, existe o entendimento de que é preciso unir academia, mercado e poder público em pesquisas que tenham como orientação a cultura colaborativa, o que significa uma forma de trabalho não excludente, que abrange as múltiplas plataformas, todas as etapas da cadeia produtiva e a atuação aberta aos mercados nacional e internacional. O objetivo geral do projeto é “[...] acompanhar temas estratégicos para a Indústria Criativa local e os principais segmentos [...]: o audiovisual, os jogos digitais, os aplicativos, a música e o som, as tecnologias de visualização”. A primeira etapa da pesquisa dedicou-se a acompanhar sistematicamente duas semanas de programação da TVE-RS, no momento em que houve uma troca na administração da emissora, resultante da eleição de um novo governo no estado. Foram identificadas as propostas e mudanças da nova administração através da análise de conteúdo (AC) das grades de programação. Depois a equipe acompanhou durante dois dias as rotinas de produção de um dos programas da área do entretenimento, tentando identificar os pontos positivos e negativos enfrentados pelos profissionais envolvidos nestas práticas. Por fim, foi realizada uma sondagem qualitativa no campo da recepção, com entrevistas em profundidade com dois telespectadores, indicados pela própria emissora como fiéis e participativos, no intuito de compreender a relação deles com a emissora e seus conteúdos.

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Narrativa transmedia para a hipertelevisão A queda nos índices de audiência das emissoras brasileiras de sinal aberto foi amplamente divulgada nos veículos especializados em 2013. Entre os fatores apontados como causas para o fenômeno está o aumento do chamado público nômade: “O público é nômade, utiliza diversos meios para se informar e não demonstra preferência por nenhum em especial” (MORAES apud TOURINHO, 2009, p. 203). Mesmo assim, é preciso lembrar que a maior parte das interações das pessoas com a mídia acontece através das telas: televisão, computador e celular. Com o término da implantação do sistema aberto de TV digital previsto para 2023, os programas de televisão no Brasil passam a estar disponíveis, sem custo adicional, em qualquer lugar e a qualquer hora. Os primeiros desafios que a televisão precisa enfrentar na cultura da convergência são: fluxo e/ou arquivo, a interatividade, a ubiquidade e a mobilidade/portabilidade. Estas questões se impõem para resgatar uma nova relação com o público acostumado à internet, a navegar na web e principalmente a compartilhar suas informações e opiniões nos sites de redes sociais. Porém, esta nova relação com o público menos passivo não pode deixar de lado o que o meio tem de melhor: “Seu caráter democrático vem do fato de que cada um sabe que os programas estão ali, visíveis, que os assiste se quiser, sabendo que outros os assistirão, simultaneamente, o que é uma forma de comunicação constitutiva do laço social” (WOLTON, 1996, p. 113). Fluxo versus arquivo. Para Canitto (2010), a televisão é um meio de comunicação que se caracteriza pelo predomínio do fluxo sobre o arquivo e esta talvez seja uma das principais diferenças entre TV e internet. Fluxo é a reprodução incessante de conteúdo independente da vontade ou da escolha do receptor. Já o arquivo é o material armazenado que depende de uma demanda para ser exibido. Essa característica da televisão proporciona ao espectador, eventualmente, a surpresa ao ligar o aparelho. Muitas vezes, com o intuito de apenas ver o que está passando naquele momento, a audiência acaba sendo atraída por um programa que não esperava. O fluxo proporciona à TV um caráter também de inusitado, de se encontrar algo que não havia procurado (FINGER; SOUZA, 2012, p. 381).

É claro que na televisão segmentada, fechada ou por assinatura já existe a possibilidade do video on demand, mas este serviço é oferecido a partir de uma lógica de mercado que determina um custo adicional. De qualquer forma, temos uma independência do telespectador frente à grade de programação. No caso do VOD, originalmente o conteúdo vai, primeiro, ao ar no dia e horário definidos pela emissora, mas depois fica disponível, em arquivo, para acesso a qualquer momento, de acordo com a vontade do receptor.

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Contudo, a internet é o melhor exemplo da lógica do arquivo. Tudo fica armazenado em determinado provedor, e o conteúdo aparece quando é demandado pelo usuário. É interessante destacar que um não é melhor do que o outro, e as estéticas são diferentes. Cabe ao público decidir a cada momento por uma das modalidades de assistir aos vídeos (CANITTO, 2010). A interatividade é uma das principais características da era da convergência digital, um conceito que, além de ter inúmeros significados, ainda passou a ter um valor de positividade por si só. É como se interagir fosse sinônimo de democracia das mídias. É preciso lembrar que a televisão sempre contou com alguma participação da audiência, com maior ou menor efetividade. Ligar ou desligar, zapear, ou seja, interromper o fluxo, selecionar e até armazenar os programas são de alguma forma ações ativas do receptor. Mesmo assim, assistir a programação da televisão sempre foi visto como uma atividade passiva. Não por acaso o público é chamado de telespectador. Ao longo do tempo, este público passou a participar também junto à produção dos programas, mandando cartas, telefonando, depois enviando emails e, há pouco tempo, contribuindo até com material em vídeo, gravado com suas câmeras e seus celulares. O problema é que a interatividade plena não é possível na televisão, assim como a conhecemos. A televisão aberta ou fechada, pública ou privada só existe em regime de concessão por parte dos governos em qualquer país. A contrapartida é a responsabilidade do concessionário sobre o que vai ao ar. Não há como ter televisão sem mediação. O que não significa que o telespectador ou usuário não possa participar, de forma cada vez mais ativa, na escolha, no encaminhamento e no desfecho dos conteúdos. O empoderamento do telespectador parece já ser uma realidade com o uso da internet de forma complementar. O cruzamento, neste caso, da televisão com a web, traz em si outras questões importantes e que merecem um olhar mais atento. Como define Lemos (2002, p.73): Esta revolução digital implica, progressivamente, a passagem do mass media (cujos simbolos são a TV, o rádio, a imprensa, o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de informação. Aqui a circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos) e sim a multiplicidade do rizoma (todos-todos).

Hoje já existe uma retroalimentaçao entre o que é exibido na televisão e o que é divulgado no site correspondente de um programa, com a promoção de ambos. Na segunda tela não há mais limite de tempo, tudo pode ser ampliado e contextualizado. O programa, de alguma forma, permanece “no ar” depois do seu encerramento na grade. E, quando provocados, os telespectadores passam a interagir mais. Com a utilização dos websites é possível rever um conteú-

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do, ampliar conhecimentos sobre ele, dar uma opinião e por fim, contribuir com novas informações, outras sugestões e até a produção de vídeos. Há também um movimento de convergência que independe dos produtores de televisão e que pode ser encarado como uma ameaça ou como uma oportunidade pelas emissoras: é a chamada Social TV. A programação da televisão costuma ser o principal tema de discussão nos sites de redes sociais, quando isso acontece de forma espontânea e simultânea, com o uso de dispositivos portáteis e móveis. É a oportunidade de estender a conversa da sala de estar para qualquer outro lugar, amplificando o poder do telespectador e também reforçando o laço social. A chamada hipertelevisão, conceito desenvolvido por Carlos Scolari (2004) pode ser a resposta para todos estes desafios da era digital. Uma televisão com novas características, como maior interação entre emissor/receptor; articulação com outras mídias interativas; empoderamento do telespectador, customização dos programas; abundância digital com milhares de canais produzidos por anônimos e disponibilizados em servidores como o YouTube; a possiblidade de acesso à programação por arquivo (pay per view e video on demand) além do fluxo; incrementos de novos terminais para assistir TV, como telas de computador, tablets, celulares e consoles de videojogos; acesso ao conteúdo a qualquer momento e em qualquer lugar; introdução de novas linguagens, multimídia, transversal, interativa com estímulo a participação. Neste sentido, surgem dois fenômenos relativamente novos que conceituam os conteúdos que circulam por diferentes plataformas simultaneamente: Transmedia e Crossmedia. Na crossmedia, o mesmo conteúdo é distribuído em diferentes meios sem que haja grandes alterações na mensagem para que o receptor possa acessar e quem sabe interagir. O material pode, mas não necessariamente deve ser idêntico, pois muitas vezes o que é divulgado em uma mídia completa o que está presente em outra. Se houver pequenas mudanças na imagem, texto ou áudio, os dados se cruzam, mas a essência da mensagem permanece a mesma. Já no fenômeno transmedia, o conteúdo é distribuído em diferentes meios e um complementa o outro. Para ter acesso de forma mais completa, o receptor deve utilizar todos ou pelo menos o maior número de meios em que a informação foi divulgada. Neste caso, o ingrediente principal é a integração. Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p. 138).

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Legitimidade, diversidade e participação Com a análise de conteúdo sistematizada segundo Bardin (2011), foi possível fazer uma leitura flutuante, depois uma exploração do material através da categorização da programação e por fim as inferências sobre as mudanças ocorridas com a troca da Direção Executiva, do Governo Tarso do PT, para a nova direção, indicada pelo Governo Sartori do PMDB. As notícias de imprensa já davam conta de um corte de 47% no orçamento da Fundação. Dos R$ 570 mil previstos para janeiro de 2016, só foram repassados R$ 270 mil (ZERO HORA, 20/02/2016). É importante salientar que cortes assim foram feitos em todos os setores e justificados como resultantes de uma profunda crise econômica que afeta o estado. Com a exploração do material gravado e decupado foi possível identificar que a produção local baixou de 28% para 25% do total veiculado.2 A redução não é significativa, levando em conta o tamanho do corte no orçamento. De qualquer maneira, este índice de 25%, é um dos maiores entre todas as emissoras gaúchas, uma produção local importante para quem enfrenta diversos problemas de estrutura, tanto técnica quanto de recursos humanos.

Figura 1: Programação Nacional X Local – Governo Tarso do PT.

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A produção nacional é realizada pelas emissoras TV Cultura e TV Brasil que distribuem conteúdo fora dos seus estados de origem, mesmo não podendo ser consideradas como “cabeças de rede”, conforme o que acontece nas emissoras privadas.

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Figura 2: Programação nacional X programação local – Governo Sartori do PMDB.

Quanto a gêneros e formatos dos programas (SOUZA, 2004), encontramos números semelhantes nas duas administrações. Cerca de 60% são programas informativos e 40% programas de entretenimento. A mudança mais relevante aconteceu nos formatos jornalísticos. A produção das duas edições de telejornal praticamente dobrou diariamente, mas os programas de debates, entrevistas e documentários sofreram reduções. Vale destacar que, na categoria informativa, o tempo de telejornal subiu de 30,09% para 56,10% da programação semanal. Os dois telejornais diários da emissora mudaram de nome, passando a se chamar Canal Aberto (13h) e Segunda Edição (19h) e aumentaram seus tempos de exibição.3 O primeiro, que tinha 15 minutos de duração, passou para 45 minutos, e o Segunda Edição, de 20 minutos, passou para 30 minutos. Por outro lado, os programas de debate tiveram seu espaço reduzido de 20,38% para 7,32%, Os programas de entrevistas também passaram de 23,30% para 7,32%. Foram excluídos da grade cinco programas: “Primeira Pessoa” (entrevistas); “Mídia em Debate” (debate); “Mobiliza” (debate); “TVE nos Festivais e HIP HOP Cultura de Rua”

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Depois da coleta de dados em 2015, a direção da TVE efetuou novas mudanças na grade e diminuiu o tempo do telejornal Segunda Edição, que era exibido das 19h30 às 20h e passou, a partir de 06/01/2016, para das 19h às 19h30. A direção de telejornalismo informou aos pesquisadores que se tratava de uma adequação em função da redução das horas extras pagas aos servidores.

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(música). Na área do entretenimento, os programas infantis foram os mais atingidos, passando de 40,54% para 14,29%, e houve um aumento no gênero musical de 59,45% para 85,71%. Entraram para a grade: “Obra Prima” (música erudita); “É Show” (musica popular brasileira); “Sonzeira” (shows de rock); “Faces” (entrevistas) e “TVE Esportes” (revista).

Figura 3: Formatos de programas jornalísticos – Governo Tarso do PT.

Figura 4: Formatos da programação jornalística – Governo Sartori do PMDB.

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As alterações detectadas na grade de programação com a troca de governo não chegam a ser novidade, uma vez que esta prática tem acontecido no Rio Grande do Sul a cada quatro anos. Os gaúchos têm mantido a tradição de votar na alternância de poder. O problema é que nenhuma emissora de televisão passaria impune por estas mudanças regulares e tão frequentes. As diretorias executivas escolhidas pelos governos impedem a continuidade do trabalho, e não há nada que o conselho deliberativo possa fazer para impedir esta prática. As visões político-partidárias se sobrepõem às necessidades dos telespectadores. Neste caso específico, seria possível comemorar o aumento da produção de telejornais, mas só depois de uma análise mais detalhada sobre o conteúdo, no sentido de identificar a presença do governo nas pautas e no enquadramento das notícias. Por outro lado, a retirada da programação de formatos como a entrevista e o debate reflete na falta de opções do telespectador, já que usualmente estes programas não têm espaço nas emissoras privadas. Conteúdos que provocam a polêmica, a reflexão, que contextualizam os fatos e que por isso ajudam na formação de opinião do público são necessários. São exemplos de como o serviço público pode ser complementar, apostando na diversidade. Retomando Francisco Rui Cádima (2011, p. 196): “A missão de serviço público é justificada e legítima, precisamente porque difere da dos operadores comerciais, tendo por objetivo último servir ao interesse público, diria, servir aos cidadãos de forma universal e não aos consumidores [...]”. Na segunda etapa da pesquisa, escolhemos um programa que sobreviveu a inconstância da programação da TVE-RS ao longo da sua história e que por isso demonstra potencial para enfrentar os novos tempos da cultura digital. O programa “Radar” está no ar, sem interrupções, há 24 anos, desde 1994, o que pode ser considerado um recorde na história da televisão gaúcha. De acordo com o site oficial da emissora: “O programa é voltado tanto para os novos talentos quanto para as bandas já consagradas do cenário local e nacional. Além de trazer atrações musicais ao vivo, o “Radar” produz matérias sobre o mundo da música, a agenda cultural, notícias, entrevistas, dicas e exibição de videoclipes de bandas locais, nacionais e internacionais” (TVE-RS, site institucional, 2015). O conteúdo é exibido de segunda a sexta, às 20hs e tem em média um ponto de audiência no IBOPE, sendo o sexto mais assistido no horário. Com a observação participante dos pesquisadores que acompanharam a rotina de produção durante dois dias, foi possível identificar as estratégias utilizadas pelos produtores para tentar atrair o público jovem. O programa tem um quadro diário na programação da rádio FM Cultura; utiliza um canal no YouTube para disponibilizar conteúdo do que já foi ao ar na televisão, mas sem regula-

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ridade; tem uma fanpage com 11.600 seguidores no Facebook, mas sem postagens regulares e com demora na resposta aos receptores. Durante dois dias de acompanhamento houve apenas cinco postagens, 60 curtidas e um questionamento do telespectador levou dois dias para ter retorno da emissora. Por fim, com a indicação da própria emissora, encontramos dois telespectadores, conhecidos dos produtores do programa “Radar” pela sua fidelidade e participação. Eles entram em contato com a produção regularmente com sugestões, pedidos e críticas através de telefonemas, e-mails, redes sociais e chegam a reproduzir os conteúdos em canais pessoais na internet (YouTube). As duas entrevistas estruturadas e abertas foram realizadas pelos pesquisadores com cada telespectador individualmente, em data e locais previamente marcados, fora da emissora. Nas respostas foi possível identificar a relação de fã deles com o programa, há um reconhecimento de qualidade do conteúdo exibido, relacionando a oportunidade de divulgação dos talentos e da produção musical local: “O Radar ele não é só um programa só pra bandas, só pra música. Entendeu? Então tem aquela conversa informal com o telespectador e que te leva pra banda, que tu começa a fazer parte daquele trabalho novo que os caras tão mostrando ali. Geralmente tu não conhece os músicos que tão ali. Entendeu? É muito intimista, parece o quintal da casa do cara, assim. Mais ou menos por aí que eu enxergo” (entrevistado 14). Também ficou confirmada a participação frequente e regular destes telespectadores que deixam de apenas assistir para interagir e efetivamente mudar o conteúdo exibido: “Daí a gente vai lá e diz que quer conversar com a galera. Daí eles (produção) passam o contato (da Banda), e se cria uma ponte e a gente mantém a rede daí, né. A gente vai lá e adiciona e começa a conversar, marcar contato e tal. De repente até montamos projetos juntos. Então é uma porta também, assim” (entrevistado 1). Outro indicativo é de que eles gostariam de ter controle sobre o horário (sob demanda) e local (outros dispositivos como computadores e celulares) para assistir o programa: “Então assim, às vezes tu chega tarde em casa, tu não tem como ver reprise na madruga porque no outro dia de manhã tu tem que tá no batente de novo. Aí o cara pula. Mas daí o cara vai pro YouTube, vai pro Facebook, e alguém lançou ali” (entrevistado 25). Nas redes sociais são formadores de opinião e capazes de mobilizar outras pessoas para a audiência: “Daí a importância da rede social pra televisão. Que hoje a rede social é muito mais realidade do que a própria TV” (en-

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Homem, 37 anos, office boy, morador de Canoas. Homem, 33 anos, líder comunitário, morador de Esteio.

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trevistado 1); “Sempre dou um like e curto quando tem uma banda que me interessa” (entrevistado 2). E por fim, utilizam o programa para alimentar seus próprios canais na web, reproduzindo alguns conteúdos de sua preferência e estabelecendo uma espécie de arquivo digital com acesso público: “Que eu não gosto de perder mesmo é o Radar da TVE. Inclusive eu tenho canal no YouTube e ali tem mais de 100 vídeos que eu gravo da televisão. Mais de 120. O canal está muito atrelado à música popular gaúcha e rock gaúcho” (entrevistado 1).

Conclusão Neste contexto de migração digital, quando cada vez mais canais e serviços estão disponíveis para o telespectador da televisão aberta, é preciso pensar num modelo de televisão pública que tenha legitimidade por ser, efetivamente, complementar ao sistema privado. Uma das condições para esta legitimidade está na diversidade da programação focada em atender aos cidadãos, e não aos consumidores, apostando em conteúdos e formatos inovadores que possam atrair o público em geral pela exclusividade e o público nômade pela inovação e pela interação. O programa “Radar” parece ser um exemplo disso. Não há nada semelhante nas grades das emissoras concorrentes no estado. Além disso, contribui para o desenvolvimento e a divulgação dos talentos musicais locais e regionais que não encontram outros espaços para chegar ao público. Outra característica interessante é que o programa interessa ao público jovem, que em geral tem se afastado da televisão aberta por falta de identificação com os conteúdos e formatos veiculados. Por outro lado, a relação custo benefício da manutenção de uma emissora “pública” de televisão ainda está longe de ser justificada. Mesmo que a lógica neste caso não seja de atrair quantitativamente a audiência, o esforço só se justifica se atrair a audiência que mais precisa e quer produtos culturais diferenciados que proporcionem o debate, a reflexão e o conhecimento. Neste sentido, mesmo com as restrições de orçamento, a televisão pública deveria aproveitar a mudança tecnológica digital para experimentação, incrementar a interatividade e explorar os recursos multimídia. Encontramos, nas rotinas de produção do programa, indícios de narrativa crossmedia, com a utilização da rádio FM Cultura, do site oficial da emissora, das páginas de sites de redes sociais que de alguma forma têm mobilizado a audiência. Mas é preciso mais. Estas inciativas, além de tímidas, esbarram numa estrutura tecnológica, numa cultura administrativa e até mesmo dos funcionários, ainda ligados ao sistema analógico, onde os cargos e fun-

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ções são compartimentados, onde cada programa é produzido sem conexão com o restante da grade, e a internet e os novos dispositivos de recepção são vistos com desconfiança e como aumento na carga de trabalho. Os parcos recursos existentes poderiam ser destinados à capacitação destes profissionais, à digitalização de todo o processo de produção, da captação, edição e exibição de conteúdos. Utilizar a interação dos telespectadores com menos desconfiança. Provocar o diálogo, responder as suas expectativas e incorporar esta participação com regularidade. Para isso, pelo menos alguns programas podem e devem apostar na narrativa transmedia. Através de parcerias, convênios e leis de incentivos, é possível fomentar a Indústria Criativa de Conteúdos Audiovisuais e utilizar as pesquisas acadêmicas como fontes para esta mudança, tanto na análise do que é exibido quanto na experimentação de novas linguagens e formatos, até o campo da recepção. As pesquisas desenvolvidas pelo Centro Tecnológico Audiovisual do Rio Grande do Sul (Tecna), no ano de 2015, já apontaram algumas tendências. Em conjunto seria possível desenvolver um aplicativo para recepção em dispositivos móveis como os celulares, pelo sistema de televisão aberto e terrestre, sem custo adicional para o receptor. Para o site da emissora seria indicada uma reformulação, proporcionando o uso da Segunda Tela, com conteúdos adicionais e canal adequado para a participação do telespectador. Assim também pode ser feito com as redes sociais. O investimento em tempo e trabalho de forma regular nas páginas do Facebook, do Instagram, do Twitter, entre outras, pode ir muito além das raras postagens, com chamadas, conteúdos exclusivos e produções “ao vivo” online. Por fim, a utilização dos canais da internet como YouTube para a disponibilização dos arquivos dos programas da emissora ao público, numa videoteca virtual sem precedentes, seria fundamental. Todas estas mudanças parecem ser mais adequadas às emissoras de serviço público, uma vez que estas não precisam do retorno financeiro imediato. Inclusive, a experimentação pode levar a outras formas de financiamento que não apenas o governamental, hoje tão prejudicial para a liberdade editorial da programação. De qualquer forma, a exemplo do que já aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, a cultura da convergência e a digitalização do sistema de radiodifusão devem ser o ponto de partida para um novo marco regulatório do serviço público de televisão no Brasil. Não é uma questão de copiar o sistema de outro país, mas de se inspirar em vários deles. Financiamentos diretos com taxas pagas pelos telespectadores; direcionamento de parte do lucro das emissoras privadas para as públicas; parcerias público/privadas; doações de empresas, através de leis de incentivos; editais setorizados, entre tantos outros.

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Deve-se estar sempre atento para a diversidade, para a qualidade e para o distanciamento da influência direta dos “governos do dia”.

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Memória audiovisual da TV pública nas redes sociais virtuais: o programa “Radar” da TVE-RS no YouTube e no facebook Helen Beatriz Frota Rozados Rochele Tonello Zago Corrêa

Introdução O presente estudo aborda a questão da memória audiovisual da televisão pública, a partir das redes sociais virtuais vistas como ambientes propícios à divulgação e à preservação dos conteúdos produzidos em programas de TV, através do compartilhamento e da interação com seu público. No intuito de contextualizar esse estudo, parte da discussão sobre o que é memória, aprofundando para aspectos da memória individual, coletiva, social, em rede e audiovisual. Acerca-se, posteriormente, do tema imagem, com as particularidades da imagem mental, técnica, eletrônica e digital. Na continuação, disserta sobre as redes sociais virtuais focando, em especial, o YouTube e o Facebook. Finaliza essa contextualização comentando sobre a instituição televisão pública e, em específico a Televisão Educativa do Rio Grande do Sul (TVE-RS) e seu programa “Radar”, foco deste estudo.

Memória Memória é entendida por Silva (2003) como ação de lembrar, logo de velar, no sentido de cuidar. Para Izquierdo (2011, p. 13), “memória significa aquisição, formação, conservação e evocação de informações”. O autor ainda pondera que, ao armazenar um acontecimento na memória, deve-se levar em consideração que várias informações estão associadas, desde sons, imagens e sentimentos. É o processo pelo qual o conhecimento é armazenado, codificado e, logo, evocado ou recuperado (IZQUIERDO, 2011). No que diz respeito à função cerebral da memória, Izquierdo (2011) intensifica o discurso afirmando que esta atua como função enquanto o cérebro não acaba; porém se não for recordada, acaba no esquecimento. Para o

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autor, para manter ativa a memória é preciso intensificar o hábito da leitura e também praticar o exercício de recordar sempre que possível. Acrescenta ainda que: As memórias são feitas por células nervosas, (neurônios), que se armazenam em redes de neurônios e são evocadas pelas mesmas redes neuronais e por outras. São moduladas pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. [...] Os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação das memórias são justamente as emoções e os estados de ânimo (IZQUIERDO, 2011, p. 14).

Damásio (2000) também comenta sobre emoções. Para ele, as emoções incluem: as primárias ou universais, que envolvem a alegria, a tristeza, o medo, a raiva, a surpresa, a repugnância; as emoções secundárias ou sociais, que trazem à tona o embaraço, o ciúme, a culpa, o orgulho; as emoções de fundo, que incluem o bem-estar ou mal-estar, a calma ou a tensão. Sentir emoção também engloba sensações de impulsos e motivações, bem como estados de dor ou prazer. O que aproxima as emoções de Damásio (2000) com as emoções que evocam a memória de Izquierdo (2011) é a indução de emoções que, para Damásio, ocorrem em duas circunstâncias: a primeira quando “[...] um organismo processa determinados objetos [...] quando tem a visão de um rosto ou lugar conhecido” (DAMÁSIO, 2000, p. 80), e a segunda “[...] quando a mente de um organismo evoca certos objetos e situações e os representa em imagens, no processo do pensamento” (DAMÁSIO, 2000, p. 81). Para Damásio (2000), esse momento de evocar objetos ou imagens que surgem na mente é o que provém da memória. A relação do que se armazena na memória não diz respeito somente ao aspecto físico de um objeto, como sua cor, seu som etc., mas também a participação do organismo no processo de aprender aspectos relevantes e emocionais em relação ao objeto. Para compreender a importância da memória e sua relação com os objetos e imagens, é pertinente mencionar alguns tipos de memória, como a individual, a coletiva, a social, bem como a memória em rede e a audiovisual. A memória é uma experiência que, quando acionada pela função cerebral, resgata experiências já vividas. É como se as informações fossem arquivadas e então recuperadas quando evocadas. Existem diferentes tipos de memória, e, neste caso, se aborda a individual, a coletiva e a social. A memória individual é aquela que se refere às vivências guardadas por um indivíduo, mas que contém também experiências vividas e armazenadas por este mesmo indivíduo em grupos sociais do qual faz parte (POLLAK, 1992). A memória coletiva é formada por fatos importantes que serão guardados, constituindo-se na memória oficial da sociedade. Refere-se à memória de lugares como os monumentos, os hinos oficiais, os quadros e as obras artísti-

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cas e literárias, que representam um passado coletivo de uma determinada sociedade (GONDAR, 2008). Ela tem a finalidade de perpetuar, através das lembranças e suas imagens, a história e a identidade de um coletivo, de um povo. Para Nora (1978, p. 12) é definida como “[...] o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fizeram do passado”. Por memória social compreende-se o processo de coletivização, ou seja, a recuperação de informações assimiladas pela mente e que, no pensamento do sociólogo Maurice Halbwachs, será a essência do conhecimento coletivo por determinado grupo. Quando associada à identidade, entende-se como um fenômeno construído social e individualmente (POLLAK, 1992). Já no entender de Gondar (2008), memória social é um conceito transdisciplinar de construção, ou seja, não se busca a reconstituição do passado, mas sua reconstrução, sendo a memória construída e reconstruída cada vez que ela é contada, não se reduzindo à representação coletiva. A memória é uma construção social, sendo o resultado dos intercâmbios dos indivíduos na sociedade. É a evocação das lembranças do passado de acordo com as construções sociais do presente (HALBWACHS, 1990). A partir daí, constitui-se a memória coletiva destes indivíduos inseridos em grupos sociais, que irão interagir e formar comunidades e, consequentemente, identidades sociais. Neste conjunto, a memória individual seria apenas um detalhe sobre a memória coletiva de determinado grupo social, no qual o indivíduo, enquanto ser único, participa e dali evoca imagens do passado que vão atuar nos debates sobre suas memórias com o outro. É neste sentido que Halbwachs (1990) trata a memória como uma construção e reconstrução social do presente, através do reencontro com o passado individual de cada um. Neste contexto, a memória coletiva, quando associada ao armazenamento de informação dos grupos sociais humanos, reflete a memória em rede. É a construção da sociabilidade e da preservação do conhecimento através da tecnologia disponível. Na era da invenção da escrita, por exemplo, a linguagem era a ferramenta da memória e de propagação das representações (LEVY, 2008). Já na era das tecnologias da inteligência, Levy (2008) considera que a informação produzida e armazenada pela humanidade, desde a escrita até a expansão da informática, privilegia uma memória mais objetiva, disponível em diferentes dispositivos, o que provoca um crescimento flexível do conhecimento, agora móvel e compartilhado em rede. Na era da memória em rede, a estrutura da internet vai possibilitar que a tecnologia constitua laços sociais baseados nos conteúdos e, assim, surjam as memórias digitais (CASALEGNO, 2006). Para conceituar memória audiovisual parte-se das contribuições de Henri Bergson no que se refere à memória e as relações com as imagens. O autor

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define memória como algo que vai além da matéria, que nada mais é que um conjunto de imagens. E refere-se a duas formas de lembranças para definir memória. A primeira é a espontânea, ou seja, uma lembrança conservada no tempo e no espaço, sem nada a acrescentar, mantendo a memória de lugar e data. A segunda é a lembrança aprendida, que se modificará com o tempo, conforme vai se aspirando uma nova lição absorvida (BERGSON, 1999). Bergson (1999) pondera a existência de uma memória invariável, o que se contrapõe à ideia de lembrança-imagem e à percepção, a qual denomina “lembrança-pura”. É a tal lembrança-pura que se aproxima do autor. Ele entende que a lembrança-imagem participa da lembrança-pura e auxilia esta a se materializar, ou seja, a perceber que a função do corpo não é armazenar lembranças mas escolher as que melhor lhe convier e trazer para a consciência, a fim de se materializar de forma fragmentada, nunca completa. São as imagens lembradas de forma estilhaçada que ativam a memória neste sentido. Portanto, memória é a reelaboração do passado no presente, ou seja, uma lembrança que é “[...] a representação de um objeto ausente” (BERGSON, 1999, p. 80). O autor define imagem como aquela situada entre o que o idealista entende por representação e o realista por coisa. A partir disto a memória “[...] escolhe sucessivamente diversas imagens análogas que lança na direção da percepção nova” (BERGSON, 1999, p. 116). A partir das considerações apresentadas, a memória audiovisual pode ser entendida como um conjunto de imagens representadas de forma fragmentada e que, quando ativadas, tomam consciência e são lembradas pelo público.

Imagem As diferentes definições de imagem variam de acordo com a visão que lhes é dada por pensadores e pesquisadores ou por sua inserção em determinada ciência, por exemplo. Etimologicamente a palavra origina-se do latim (imago), significando [...] uma representação visual, construída pelo homem, dos mais diversos tipos de objetos, seres e conceitos. Pode estar no campo do concreto, quando se manifesta por meio de suportes físicos palpáveis e visíveis, ou no campo do abstrato, através das imagens mentais dos indivíduos (RODRIGUES, 2007, p. 68).

Holanda (2001, online), no entanto, define imagem como “[...] a representação gráfica, plástica ou fotográfica de pessoa ou de objeto [...] representação mental de um objeto, impressão, [...] lembrança, recordação”. Imagem é um tipo de abstração utilizada desde o início da civilização, uma forma de expressão e comunicação da cultura humana que se inicia com o advento das pinturas nas cavernas, chegando às imagens tridimensionais (holográficas) da

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era digital. Santaella e Nöth (2008) delineiam que a evolução histórica na produção das imagens passa por três paradigmas: o pré-fotográfico, que inclui as imagens artesanais, o desenho, a pintura, as gravuras; o fotográfico, que implica a relação entre imagem e objeto, como a fotografia, o cinema, a TV, o vídeo e a holografia; o pós-fotográfico, imagens sintéticas ou infográficas, avaliadas pela computação. Ao comentar sobre o mundo das imagens, Santaella e Nöth (2008) explicam que este se divide em domínios: o perceptível e o mental. Ambos não existem separadamente, pois estão inextricavelmente ligados. O primeiro domínio corresponde às nossas representações visuais: pinturas, gravuras, fotografias, imagens cinematográficas, televisivas, videográficas e infográficas. Aqui as imagens são mediações entre o homem e o mundo. O segundo domínio é imaterial. São as imagens de nossa mente – visões, fantasias, imaginações, esquemas, representações mentais. As representações visuais não existiriam sem a imagem mental daqueles que as criaram, bem como não existiriam as imagens mentais que não tenham surgido de objetos concretos e reais, pois a tendência é imaginar aquilo que se conhece (SANTAELLA; NÖTH, 2008). Sobre a proliferação de imagens, Calvino (1990, p. 107) registra: Hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por traços sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo.

Para Kossoy (2007, p. 32), “o papel cultural das imagens é decisivo, assim como as palavras. As imagens estão diretamente relacionadas ao universo das mentalidades e sua importância cultural e histórica reside nas intenções, usos e finalidades que permeiam sua produção e trajetória”. Seu papel como transmissora de conhecimento esteve sempre presente em todas as épocas e locais. Ela deixa de ser apenas arte para se transformar em informação e conhecimento. Rodrigues (2007, p. 69) complementa ao indicar que “as novas tecnologias computacionais desenvolveram maiores possibilidades de produção e uso de imagens, permitindo uma hipermidiação com outros modos de comunicação”. No mundo das imagens, surge o conceito de imagem mental (ou representação imagética). Ela vem do imaginário, são aquelas produzidas pela mente humana. Assim, qualquer objeto imaginado pela mente é uma imagem mental, podendo ter características advindas da realidade material, como cor, cheiro, movimento. Machado (1997, p. 220-221), entende que a imagem mental ou “interna”

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ROZADOS, H. B. F.; CORRÊA, R. T. Z. • Memória audiovisual da TV pública nas redes sociais virtuais [...] existe, em algum lugar dentro de nós, uma instância produtora de imagens, uma espécie de cinematógrafo interior, por meio do qual nossa imaginação toma forma. Basta que eu feche os olhos por um momento e imediatamente posso fazer projetar um “filme” no interior de minhas pálpebras [...] como não podemos colocar para fora as imagens que forjamos dentro de nós, dependemos quase sempre da palavra para traduzir e exteriorizar as paisagens do imaginário.

Outro tipo de imagem é a imagem técnica. A imagem técnica é a que necessita de algum artefato técnico para existir. Machado pondera que ela também pode ser considerada como aquela imagem que é processada em computadores: Grosso modo, o senso comum define tais imagens como aquelas cujo modo de enunciação pressupõe algum tipo de mediação técnica. [...] Imagens técnicas são também as imagens sintetizadas em computadores e essa é uma premissa mais ou menos inquestionável, uma vez que a produção de tais imagens depende largamente do concurso de toda uma parafernália tecnológica: computadores, scanners, placas gráficas, além de aplicativos de modelação, editores ou processadores de imagem e algoritmos gráficos de toda espécie (MACHADO, 1997, p. 222, grifo do autor).

E discute o conceito de imagem técnica como mediação da apreensão da realidade: Por “imagens técnicas” designamos em geral uma classe de fenômenos audiovisuais em que o adjetivo (“técnico”) de alguma forma ofusca o substantivo (“imagem”), em que o papel da máquina (ou seja lá qual for a mediação técnica) se torna tão determinante a ponto de muitas vezes eclipsar ou mesmo substituir o trabalho de concepção de imagens por parte do sujeito criador, o artista que traduz as suas imagens interiores em obras dotadas de significado numa sociedade de homens (MACHADO, 1994, p. 10, grifo do autor).

Dentro do conceito genérico de imagem técnica, podem-se reconhecer algumas características muito específicas e atuais nelas, que podem sugerir outras classificações como imagem eletrônica (ou vídeo), aquela captada, armazenada e transmitida por meio de um impulso elétrico. Sobre esta, Machado (2001) pondera que pode ser comparada às imagens do nosso imaginário, uma vez que não existem de forma material “[...] são fantasmas de luz que habitam um mundo sem gravidade e que só podem ser invocados por alguma máquina de “leitura”, atualizadora de suas potencialidades visíveis” (MACHADO, 2001, p. 46). Neste sentido, a imagem eletrônica é desprovida de características materiais, ela perde a sua concretude e substancialidade “[...] para se transfigurar em alguma coisa que não existe senão em estado virtual, desmaterializada em fluxos de corrente elétrica” (MACHADO, 2001, p. 46).

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Com a evolução da tecnologia, surge outro tipo de imagem, que é a imagem digital, e com isso a manipulação se torna cada vez mais facilitada, sendo “[...] ideal para fazer a integração entre a subjetividade da pintura com a objetividade da fotografia [...]” (BERNARDINO, 2010, p. 50). A imagem digital é aquela que utiliza um código binário que permite seu processamento, sua armazenagem, sua transferência, sua impressão e/ou reprodução, através de meios eletrônicos. Para Travisani (2010, p. 1), a imagem digital caracteriza-se por sua “[...] desmaterialização, quando a imagem é digitalizada e passa a ser código; ubiquidade, a possibilidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo através da rede; e a replicabilidade, quando é reapropriada, ganhando novas formas estéticas”. Em uma sociedade de imagens, como hoje se constitui, os indivíduos são bombardeados sistematicamente por imagens técnicas, eletrônicas, digitais que alteram, consolidam constantemente as mentes e memórias individual, coletiva, social, em rede e audiovisual. As redes sociais ajudam a potencializar este consumo e explosão de imagens.

Redes sociais: YouTube e facebook As redes sociais foram chamadas, inicialmente, de comunidades virtuais (RHEINGOLD, 1993) e já existiam fora do contexto da internet, antes mesmo da tecnologia propiciar o seu uso por pessoas ou organizações na web. O objetivo era promover uma interação mútua entre os atores sociais envolvidos em torno de um interesse comum (PRIMO, 2007). Recuero (2009) identifica que o conceito de redes sociais abrange a relação estabelecida com os atores envolvidos no processo de interação social, em determinado ambiente que vai formar laços e capital social. Por sua vez, Ferrari (2010) afirma que as redes sociais funcionam como vetores no processo de troca de conhecimentos e de conteúdo. Santaella e Lemos (2010) acrescentam que a principal característica das redes sociais é a interatividade, sendo as situadas no ambiente 2.0 as pioneiras em integrar em uma mesma plataforma múltiplas possibilidades de comunicação e interação, como comentários, fóruns, chats. Já as redes sociais no ambiente 3.0 contaram com a possibilidade de integração de múltiplas redes por meio do uso de aplicativos e dispositivos móveis, o que permitiu às pessoas conectarem-se em várias plataformas ao mesmo tempo. Pode-se afirmar que redes sociais formam grupos, sejam pessoas ou instituições, que, ao estabelecer contato e interagir através de conexões online, passam a desfrutar de ideologias em comum, compartilhando informações. No Brasil, as redes sociais na internet surgiram no século XXI. A primeira, dentro desta lógica comunicacional, foi o Orkut, em 2004. Depois vieram

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outras, entre elas o YouTube e o Facebook, foco desta discussão. O site de vídeos YouTube, criado por Chad Hurley e Steve Chen, em uma garagem de San Francisco, (Califórnia, EUA) em fevereiro de 2005, surgiu a partir da necessidade de compartilhar arquivos de vídeos entre amigos, prática não utilizada na web naquela época.1 Já em 2006 teve uma audiência maior que a MTV americana. Em 2007, o site, juntamente com o Google Vídeo, foi responsável por 79 milhões de visitantes dentre os mais de 141 milhões de usuários americanos. O YouTube foi responsável por 32,6% desta audiência. Posteriormente o site foi adquirido pelo Google. Para Vaz (2008, p. 229): “[...] constitui-se em um meio poderoso para divulgar profissionais que tenham como principal ferramenta a sua voz e o seu conteúdo”. Durante muito tempo o YouTube era visto como repositório de vídeos. Atualmente, com a produção on demand de informações e transmissões ao vivo via streaming, é possível afirmar que o site assumiu papel mais relevante na produção de conteúdo, que vão além da armazenagem dos mesmos, quase assumindo o papel de um canal de TV. O YouTube também se torna importante ao disponibilizar conteúdos que, mesmo armazenados no site, podem ser vistos por usuários a qualquer momento e, assim, atuar na preservação da memória audiovisual. Importante assinalar que, atualmente o YouTube (e também o Netflix2) vencem a televisão, uma vez que os jovens preferem estas novas formas de consumo de conteúdo ofertadas na Web. O do programa “Radar” da TVE-RS baseia-se nestas preferências. O Facebook foi criado em 2003, por Mark Zuckemberg. Denominada Course Match, o objetivo da rede social era possibilitar aos estudantes da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, escolher uma disciplina com base em quem já tivesse se matriculado nos cursos. Na sequência é criado o site Facemash, com a finalidade de eleger a pessoa mais atraente do campus de Harvard, a partir de fotos selecionadas, advindas dos chamados facebooks, mantidos nos alojamentos dos alunos de graduação. Em 2004, a partir de ideias recolhidas nos projetos Course Match e Facemash, Zuckemberg registrou o endereço eletrônico Thefacebook.com. Nascia, assim, o Facebook, que se tornou empresa oficial um ano após, e “[...] cobria todo o mercado universitário: 85% dos estudantes do ensino superior americanos eram usuários e 60% voltavam ao site diariamente” Hoje existem aplicativos dento da lógica de bate-papo que possibilitam o compartilhamento de vídeos entre amigos, de forma privada (direcionada a um amigo) ou pública (direcionada a um grupo), caso do WhatsApp (GOMES, 2016). 2 Netflix é um dos maiores serviços de streaming de vídeos no mundo, criado em 1997 por Marc Randolph e Reed Hastings, nos EUA. A partir de 2015 passou a oferecer serviço de televisão pela internet, atualmente com 75 milhões de assinantes em mais de 190 países (WIKIPEDIA, 2016, online). 1

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(KIRKPATRICK, 2011, p. 163). Em 2011, o Facebook bateu a marca de mais de 600 milhões de usuários no mundo todo, ultrapassando o Google em audiência. (INFO WEB, 2012, online). Na ocasião possuía mais de 52 milhões de usuários no Brasil. Em 2015, o número de usuários ativos no mundo atingiu 1,49 milhões de pessoas (FACEBOOK bate marca..., 2016, online). O Facebook, assim como o YouTube, também passou a ser considerada uma ferramenta para interagir, informar, compartilhar e entreter os mais variados públicos, utilizada, entre outros, por programas de TV, inclusive a TV Pública, que disponibiliza fotos de produção e entrevistados, bem como informação relativa aos conteúdos produzidos, como no caso do programa “Radar” (CORRÊA; ROZADOS, 2015). Esses conteúdos podem ser vistos a qualquer momento e em qualquer lugar, fazendo desses espaços repositórios de informações e auxiliando na preservação das memórias audiovisuais das emissoras públicas de televisão.

TV pública A televisão surgiu no Brasil nos anos 1950, como emissoras privadas incialmente, tendo sempre como objetivo principal formar opinião, entreter e divertir o telespectador. Na década seguinte nascem as TVs públicas com o propósito de promover a cidadania, oscilando entre características de televisões educativas e estatais. Estas emissoras propõem-se a transmitir programas de caráter informativo, cultural, educativo e de entretenimento, produzindo conteúdos com a preocupação também de preservação da memória. Segundo Wolton (1996), a ideia de veículos de comunicação públicos já existia nos tempos da Primeira Guerra Mundial, quando os governos dominavam os veículos de massa, como o rádio e, depois, a televisão, em especial as públicas, tendo como propósito controlar a informação e, consequentemente, a população. Na atualidade, com o advento das redes sociais virtuais essas TVs passam a preocupar-se com a divulgação e o compartilhamento de seus conteúdos nestes espaços, buscando interação com seu público. É o caso do programa “Radar”, aqui comentado. A definição acerca das televisões públicas gera controvérsias. Torves (2007) afirma que uma televisão pública é entendida como aquela que tem compromissos com o interesse público e não depende e nem sofre ingerência governamental, tampouco depende de verbas publicitárias para se manter. Por outro lado, podem ser vistas como estatais, quando sustentadas pelo Estado, e educativas que visam a transmitir aulas, conferências, palestras e debates. A televisão também pode ser compreendida como um instrumento de emancipação cultural e um elo democratizador das massas, visando atender todos os gostos. É um meio pelo qual o grande público se vê criando vínculos sociais. É

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um entretenimento, uma distração, porém, segundo Wolton (1996), deve assumir um papel cultural e de educação. Esta ideia leva a pensar que o que impulsionou a demanda por canais públicos de televisão no Brasil foi a busca por educação. As televisões comerciais transmitiam informação, cultura e entretenimento, então coube à TV pública, estatal ou educativa, investir, na década de 60, em programas educativos (VALENTE, 2009). Para Leal Filho (1999), a televisão pública forma a opinião pública brasileira. O conceito de TV pública estaria associado ao de serviço público, tal como formulado na Europa Ocidental nos anos 20, na tentativa de suprir a necessidade da população por informação. Sua atuação busca incentivar a participação do indivíduo na vida democrática e cultural. A partir de 1967 começam a ser implantadas as primeiras emissoras educativas pelos governos estaduais. Em 1968, a Televisão Educativa do Rio Grande do Sul (TVE-RS), vinculada à Secretaria de Educação, ganhou a concessão do canal 7. Seu funcionamento efetivo ocorre no campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1973. Posteriormente a emissora muda-se para a sede da antiga TV Piratini, vinculada à Rede Tupi, onde permanece até hoje (TORVES, 2007). Em março de 1974, a TVE-RS3 fez as suas primeiras transmissões, em sinal aberto. Em 1980 foi transformada em fundação e, a partir de 1995, passa a ser denominada Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão. Em 2015, muda seu nome para Fundação Piratini, uma fundação pública de direito privado, sem fins lucrativos, vinculada à Secretaria de Comunicação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Seu conselho deliberativo é formado por 25 membros, advindos de vários setores da sociedade gaúcha. Atualmente conta com cerca de 20 programas em sua grade de programação, além das coberturas especiais como Feira do Livro de Porto Alegre, Carnaval de Porto Alegre, Festival de Cinema de Gramado, entre outros eventos gaúchos e até fora do Brasil, como a Festa Nacional do Chamamé, em Corrientes, Argentina (TVE-RS, 2016, online). Dentre estes programas, destaca-se o “Radar”. O programa “Radar” estreou em 11 de maio de 1992, tendo sido criado a partir da necessidade de se ter programas destinados ao público jovem. O foco eram questões sociais, educativas, assuntos que tratassem dos anseios e das dúvidas dos adolescentes. Iniciou com uma equipe formada por três jornalistas (autores do projeto), sendo o editor chefe, o produtor e o editor do programa. Na época o programa era ao vivo, semanal, com duração de 1 hora, e os temas abordados, segundo Marla Martins, em informação dada por e-mail 3

A emissora é considerada uma emissora estatal, embora assuma um papel de compromisso com a sociedade ao informar e promover a cidadania, o que a torna também uma emissora pública (ROZADOS; CORRÊA; MELÃO, 2012).

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em 2016, eram temas polêmicos como gravidez na adolescência, atuação dos grêmios e diretórios estudantis, movimentos ideológicos, como hip hop, punks. No site da TVE-RS (2016) consta que o “Radar” se tornou referência no Rio Grande do Sul, na área cultural e musical, sendo um programa jovem, produzindo matérias sobre música, agenda cultural, notícias, entrevistas, dicas e exibição de videoclipes de bandas locais, nacionais e internacionais, bem como atrações musicais ao vivo, um espaço destinado tanto aos novos talentos musicais quanto às bandas já consagradas. Atualmente ele é diário e utiliza as redes sociais YouTube e Facebook para interagir com o seu público. No YouTube, o “Radar” posta vídeos de matérias exibidas, além de programas na íntegra, com a participação de bandas. Também disponibiliza vídeos de curta duração com as chamadas, ou seja, as atrações que serão futuramente apresentadas. A Figura 1 mostra a Banda Catavento, de Caxias do Sul, atração do programa de 18 de junho de 2015, que comentou sobre o Festival Espacial da Querência Garagística do Beco 2034, também agenda de shows e dicas culturais. O vídeo com o programa na íntegra foi postado na rede no dia seguinte. Figura 1 – Banda Catavento no Programa “Radar” (TVE-RS)

Fonte – YouTube Radar, 2015. 4

O Festival Espacial da Querência Garagística é organizado pelos alunos do curso de Produção Fonográfica da Unisinos e tem como foco apresentar bandas do cenário independente do Rio Grande do Sul.

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O “Radar”, ao disponibilizar o conteúdo do programa através de vídeos no YouTube, contribui com a preservação da memória audiovisual do mesmo na web, possibilitando que o seu público-alvo, ou mesmo outros públicos, tenham acesso a eles em qualquer tempo e lugar, podendo resgatar assuntos de seu interesse ou que tenham em comum com outros membros da rede social. Um exemplo é a matéria publicada no site de vídeos em 22 de dezembro de 2015, contendo uma entrevista do ex-apresentador Leo Felipe com o Júpiter Maça5, exibida em 2009 (Figura 2). Figura 2 – Entrevista Júpiter Maçã no “Radar”

Fonte – YouTube Radar, 2015.

Ações como esta comprovam a importância do uso do YouTube para o “Radar”, ao promover a preservação da memória audiovisual do programa na web e possibilitar ao público ter acesso aos conteúdos, tanto antigos quanto atuais, na rede social. Da mesma forma, o uso do Facebook conduz a resultados semelhantes. 5

Falecido em 21 de dezembro de 2015, aos 47 anos, em Porto Alegre, Flávio Basso, o Júpiter Apple ou Júpiter Maçã, foi um dos ícones do rock e da cultura gaúcha (MORRE, aos 47 anos, 2016, online).

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O “Radar” criou sua fanpage no Facebook com o objetivo de compartilhar informações referentes às exibições e aos assuntos relacionados ao programa. À semelhança do YouTube, chama a atenção para posts que remetem a conteúdos já apresentados e que preservam a memória e a história de personalidades que foram nele entrevistadas. Este é o caso da reportagem especial sobre o Júpiter Maça, apresentada em 26 de janeiro de 2016, no qual são relembrados alguns dos momentos mais marcantes de sua vida e da carreira, a partir de depoimentos de Frank Jorge, Egisto Dal Santo, Lucas Hanke e registros de arquivo (Figura 3). Figura 3 – Jupiter Maçã no facebook do “Radar”

Fonte – Facebook Radar, 2015.

Como outra forma de preservação e resgate da memória audiovisual através das redes sociais de conteúdos já exibidos ou que ainda são registros de arquivo, a produção do “Radar” organiza uma série de reprises de alguns programas já apresentados e que podem ser conferidos, tanto no Facebook quanto no YouTube (Figura 4).

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Figura 4 – Notícias do “Radar” sobre reprises

Fonte – Facebook Radar, 2015.

Neste post, a produção do “Radar” convida o público a acompanhar, durante duas semanas do mês de janeiro de 2016, reprises com algumas bandas que fizeram história no programa, como RVST (Porto Alegre), Os Excluídos (São Paulo), Lowly Hounds (Inglaterra) e Mindgarden (Caxias do Sul).

Conclusão O mundo atual está imerso em uma explosão de imagens que formam o cotidiano da vida dos indivíduos. Os meios de comunicação apropriaram-se e se valem destas imagens para cativar e reter sua audiência. Também para cativar e deter este público é fundamental que sejam trabalhados aspectos da memória, a fim de produzir conteúdos transmitidos por meio de programas de caráter informativo, cultural, educativo e de entretenimento, no que também têm a preocupação em preservar a memória audiovisual. Na sociedade da informação e do conhecimento, esta preservação em que se vive passa pelo estabelecimento de políticas, meios e ferramentas de divulgação e interação do veículo de comunicação com seu público. Buscar conhecer como este processo acontece, em especial nas televisões públicas que têm o intuito de promover a cidadania, é fundamental para vislumbrar que políticas, meios, ferramentas são e serão os mais adequados, visando a preservação e o compartilhamento de conteúdo gerados no presente, passado e futuro. Pelos motivos expostos, entende-se ser relevante aprofundar e promover uma reflexão cada vez maior sobre a função das memórias audiovisuais no ambiente virtual, em especial no que se refere aos conteúdos produzidos pela TV pública.

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O local da canção na TVE-RS O programa Palcos da Vida como espaço de atuação e representação de Nei Lisboa João Vicente Ribas Lírian Sifuentes

Introdução “O mundo dá voltas à volta de Piccadilly Circus/ Buscando a nota exótica que falta/ Ao seu traje blasé televisivo” (Nei Lisboa, Produção Urgente, 2001).

Nos versos da epígrafe, o compositor Nei Lisboa nos fala sobre os fluxos globais e a variação da noção de espaço na contemporaneidade. Notemos que, na letra, o mundo gira em torno de um dos símbolos da modernidade, Piccadilly Circus, localizado na capital inglesa, com seus outdoors, lojas e atrações turísticas. Para participar dessa roda, é preciso destacar-se, por meio de algo exótico àquele lugar, mas integrando-se a uma cultura da mídia. Desse ponto de vista, qualquer lugar do mundo pode integrar-se ao centro, desde que vista o traje adequado. A partir dessa questão global do espaço, vamos investigar a participação de Nei Lisboa em um programa de televisão local que exibe espetáculos de música. Foi com letras como essa que o cancionista frequentou o Palcos da Vida (TVE-RS) desde o primeiro ano em que foi ao ar, 1987, até 2014, um ano antes do fim do programa, em 2015, tornando-se habitué da atração. Inclusive cedeu o fonograma Mônica Tricomônica (Noves Fora, 1984) para a primeira vinheta de abertura. Em 28 anos, participou de 13 edições. O corpus desta pesquisa foi definido a partir de busca no sistema do arquivo da TVE-RS. Pesquisando as palavras Nei Lisboa e Palcos da Vida, surgiram 13 resultados. Desses, dez eram shows exclusivos do artista. Os outros eram participação em um programa coletivo no Fórum Social Mundial, em uma edição de programas antigos e, ainda, um tributo ao compositor. Separando por décadas, foram quatro edições nos anos 1980, nenhuma nos anos

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1990, cinco nos anos 2000 e quatro nos anos 2010. Chama a atenção a ausência em uma década, pois o programa continuou ativo, bem como o artista. Para análise qualitativa dos programas, tivemos permissão para cópia de no máximo nove.1 Selecionamos, então, uma amostra variada, incluindo os shows coletivos, o tributo, e edições individuais das três décadas disponíveis. Esse recorte temporal abrangente, incluindo programas excepcionais ao lado de outros triviais, segue o pensamento de Silverstone (2014). Para o teórico, a mídia é cotidiana. É na longa duração, na vida diária, que serão produzidos o senso comum e as representações. Neste artigo, buscamos compor uma biografia de Nei Lisboa, combinada ao contexto histórico da música popular gaúcha. Também estimulamos a narrativa da produtora que por mais tempo conduziu o programa, Vera Vergo. Por fim, consideramos na análise as letras das canções, detalhes das perfomances e o conteúdo estético-musical.

A música popular gaúcha e o cancionista Nei Lisboa No programa Palcos da Vida 25 anos – músicos gaúchos, editado em 2012 com trechos de shows de edições antigas, um depoimento introduz sobre que música local e que espaço midiático estão em jogo. O jornalista Juarez Fonseca fala sobre o que ficou conhecido como Música Popular Gaúcha (MPG), a qual teria como paradigma de sucesso o grupo Os Almôndegas. Outros artistas ter-se-iam filiado ao gênero, mais ou menos à mesma época, mas sem alcançar o mesmo êxito, “ainda que tenham ido ao centro do país e voltado”. Com histórias diferentes, podemos citar nesse grupo Nei Lisboa, ao lado de nomes como Antonio Villeroy, Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Vitor Ramil, entre outros. Dessa forma, mais do que uma qualificação estética, a MPG seria uma designação para a música local, relativa à MPB, por sua vez, nacional.2 Na sequência, Juarez Fonseca descreve o surgimento desta cena, por volta de 1975. No rádio, não havia nenhum tipo de música feita em Porto Alegre. “Então imaginem a surpresa e o impacto que causa no ouvido, a gente ouvir de repente uma música [...] nitidamente soando como música gaúcha” (PALCOS DA VIDA, 2012). A primeira vez foi na rádio Continental AM, que, nas

A cópia do programa de 2001, gravado no Fórum Social Mundial, trancou a partir dos 40 minutos de exibição. A equipe do arquivo da TVE-RS informou que a fita original estava com problemas. Assim, não conseguimos assistir à participação de Nei Lisboa nesta edição. 2 Segundo Luís Augusto Fischer, artistas como Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro e Gelson Oliveira “estão entre os principais protagonistas do movimento musical batizado posteriormente de MPG, e não gostam do rótulo” (FISCHER, 1988, p. 188). Para esses artistas, o que eles fazem é “música popular brasileira, por mais regional que ela seja”. 1

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RIBAS, J. V.; SIFUENTES, L. • O local da canção na TVE-RS: o programa Palcos da Vida...

palavras do jornalista, “abriu um espaço novo pra música feita no Rio Grande do Sul”. A trajetória de Nei Lisboa se dará nesse contexto. No primeiro Palcos da Vida, gravado em 1987, o cancionista havia recém-lançado o terceiro disco, Carecas da Jamaica, o primeiro por uma gravadora multinacional, a EMI. Chama a atenção no programa, nesse momento de conquista de um contrato promissor no centro do país, a reafirmação de suas origens. Na introdução, em texto gravado em off, a seguinte frase: “A partir da saga ensandecida de um bairro chamado Bom Fim3, Nei Lisboa vai mostrando porque é considerado um dos melhores artistas gaúchos” (PALCOS DA VIDA, 1987). O cancionista nasceu em Caxias do Sul (RS) e mudou-se para Porto Alegre na infância. Mesmo tendo vivido em outras capitais brasileiras e também nos Estados Unidos, sua ligação mais forte de lugar é com a capital gaúcha, onde mantém público fiel. O bairro Bom Fim, em que viveu e cantou, figura como ícone de localidade em sua obra. Revisitando sua história no programa Palcos da Vida de 2011, o artista situa sua formação musical entre a MPB, os EUA e o Uruguai. Nei Lisboa nunca “estourou” nacionalmente. Lançou 11 discos ao longo de mais de três décadas de carreira. Seu primeiro registro fonográfico, Pra viajar no cosmos não precisa gasolina, é uma produção independente de 1983. Um ano depois, lançou o segundo por intermédio de uma gravadora regional (ACIT), intitulado Noves fora. No final de 1986, aproximou-se do mainstream, assinando contrato com a gravadora EMI, que resultou nos dois álbuns seguintes: Carecas da Jamaica (1987) e Hein?! (1988). Nesse período, viveu no Rio de Janeiro e escreveu músicas sobre a cultura brasileira. Porém, nos anos 1990, depois de temporadas entre Porto Alegre e Montevidéu, retornou ao sul em definitivo e gravou Amém (1993), ao vivo no Theatro São Pedro, reunindo canções próprias e clássicos da música popular uruguaia. O disco seguinte veio em 1998, um apanhado de clássicos da música pop e do repertório folk que influenciou o seu início de carreira. Cantado inteiramente em inglês, Hi-fi proporcionou uma excursão pelo sul do Brasil. De acordo com informações do site do compositor, o sucesso do CD provocou uma onda de relançamentos dos trabalhos anteriores. Vale notar sobre estes dois álguns que, aparentemente, há um contraste entre o retorno ao Rio Grande do Sul, voltando a atuar localmente, e o cantar em espanhol e inglês. As gravadoras com as quais assinou tinham distribuição nacional, enquanto seu sucesso acontecia no sul. Ou seja, não se pode estabelecer nenhuma relação imediata entre a 3

Para se entender melhor essa expressão, recorremos a uma música do compositor, ao lado de Hique Gomez: “E depois da meia noite, a saga ensandecida do Ocidente” (Berlim, Bom Fim, 1987).

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estética das canções e o retorno que obteve. O espaço simbólico da produção não coincide com o material. A seguir, Nei Lisboa voltou a compor e a lançar discos pelo selo local ACIT, começando por Cena beatnik (2001). No ano seguinte, diversos artistas gaúchos realizaram um show tributo ao cancionista, lançado em CD, Baladas do Bom Fim (2002), e exibido pelo Palcos da Vida. Em 2003, lançou Relógios de Sol e, em 2006, Translucidação. Em 2010, realizou turnê nacional por nove cidades. Seus discos mais recentes são A Vida Inteira (2013), viabilizado por financiamento coletivo via internet, e Telas, tramas & trapaças do novo mundo (2015), gravado com recursos de lei de incentivo à cultura.

Cultura na televisão pública O tema deste artigo colocou-se como problema de pesquisa por decorrência de nossa vivência trabalhando na TVE-RS. É corriqueira a saudação por parte da classe artística de que a emissora “abre mais espaço” para a produção cultural local. Porém, no dia a dia, dificilmente levamos em consideração o problema que é definir qual entendimento de cultura está implicado nesse contexto, e os critérios usados para a seleção das atrações pelos produtores. Assim, vamos problematizar, primeiramente, como a própria TVE-RS define seu espaço para a cultura. A seguir, vamos refletir sobre como a música de Nei Lisboa dialoga com a dualidade local e global. No documento “Diretrizes para as emissoras da Fundação Cultural Piratini”, foram detalhadas as finalidades para a programação da TVE e da rádio FM Cultura. Nele, reafirma-se o papel cultural desempenhado pelos veículos públicos: Possibilitar a divulgação de referências culturais importantes para o Rio Grande do Sul que se encontram sufocadas – nos planos estadual, nacional e internacional – em decorrência da oligopolização e da centralização da produção, bem como da estandartização dos conteúdos da comunicação, em particular devido à predominante norte-americanização da forma e dos conteúdos da produção audiovisual, que se impõe em escala mundial (CONSELHO DELIBERATIVO, 1999).

Vale refletir sobre esse entendimento de imposição de uma “estandartização” e de uma “norte-americanização” das produções audiovisuais. Veremos, na análise que empreendemos sobre os shows de Nei Lisboa, que os standards e as referências estrangeiras fazem parte do processo criativo e comunicacional, e não podemos compreendê-los simplesmente como fatores a serem expurgados da programação. Também, preve-se protagonismo na regionalização da produção audiovisual. Sob a ótica do espaço em disputa do mer-

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cado, que abrange a indústria musical, entendemos a TVE-RS como lugar alternativo à lógica comercial das outras emissoras, que tendem a servir de prolongamento das gravadoras multinacionais, situadas no centro do país. Porém, quais “valores culturais” são relevantes? Somente os que não se misturam à indústria cultural? É possivel separar? No mesmo documento, o Conselho Deliberativo (1999) reforça que a programação adote linguagens e ritmos “atualizados”, próprios das emissoras de rádio e televisão contemporâneas, de modo a obter aceitação do público e a preservar um reconhecido padrão de qualidade. Ao mesmo tempo, quer-se garantir que conteúdos e formatos sejam originais em relação aos que predominam nas emissoras comerciais. Neste item, está posta a ambivalência, entre seguir um padrão e inovar. Esse tema é tratado por Martín-Barbero. O pesquisador colombiano acredita que, dos anos 1970 até 1990 na América Latina, o campo da cultura reorganizou-se, transferindo seu eixo da política para o mercado. Na lógica dessa nova concepção, a iniciativa privada seria a verdadeira defensora da liberdade criativa e a única ligação entre as culturas nacionais e transnacionais. O resultado disso é que o Estado acaba se dedicando apenas a políticas culturais de conservação de patrimônio e tradições, deixando para o mercado apoiar as inovações. “O Estado se encarrega do passado – ou melhor, do passado que o legitima – e deixa o futuro para a indústria cultural”4 (MARTÍN-BARBERO, 1990, p. 2). No entanto, o papel a ser desempenhado pela televisão pública, definido no documento do Conselho Deliberativo (1999), rompe com esta lógica e prevê o protagonismo de uma emissora mantida com recursos do Estado, independente de lógicas comerciais, não só para reverenciar o patrimônio cultural, mas também para inovar. Em entrevista, a produtora Vera Vergo comenta que, na gênese do programa, as colegas Margarete Noé e Paula Gazzoni tinham um conceito: “se é importante pra cidade, nós gravamos”. Quando aborda seus critérios para selecionar as atrações, declara: Bá, era um assédio ao programa, pra ter esse registro, muito grande. Então como eu julgar que esse merece, esse não merece? Eu começava pra ver quem é esse artista. Porque, não é porque tava começando que não teria espaço. Não era espaço pra iniciante, realmente não era. Mas tem coisas que tu percebe, que ali vai sair um caldo legal. Mas depois, o critério técnico com a questão da luz e do som (VERGO, 2015).

Sobre a concepção de local, as diretrizes do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini reiteram a preocupação com a cobertura de temas e assun4

“El Estado se hace cargo del pasado – o mejor, del pasado que lo legitima – y le deja el futuro a la industria cultural.”

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tos das diversas regiões do estado. Porém ao tomarmos o programa Palcos da Vida como objeto, notamos a falta de condições técnicas para “rodar” por diferentes cidades. Tomando a ideia de Raymond Williams (1958) de que “a cultura é de todos” (culture is ordinary), percebe-se a defesa de mais investimentos públicos nas artes e na educação, para propiciar a regionalização da cultura. Aqui a concepção que acompanha não é a de propagar uma cultura pronta para a massa ignara, preservando uma cultura fixa, fechada e parcial, mas de oferecer provisão estatal para desenvolver originalidades locais. Williams adverte que é preciso ter “cuidado de abrir bem o espaço para o que for difícil, dar tempo suficiente para o que for original, de modo que o que se tenha seja desenvolvimento real, e não apenas a confirmação ampliada de antigas regras” (1958, p. 11). Às possíveis críticas sobre essa proposta de investimento, em ações que talvez não deem lucro, Williams responde de antemão que “uma nação não é uma firma”. Esse pensamento não poderia combinar mais com a concepção de comunicação pública em análise aqui.

Espaços locais em fluxos globais O antropólogo Renato Ortiz (2015) disserta sobre o estabelecimento de uma modernidade-mundo, relativa à contemporaneidade. Antes dela, a totalidade da ideia de identidade não permitia a diversidade de representações nacionais, ou regionais. Deveria ser uma só, vide nosso ícone máximo: o gaúcho. Hoje, a ideia de identidade não passa por um dado concreto que pode ser elucidado ou descoberto: “não existe identidade autêntica ou inautêntica, verdadeira ou falsa, mas representações do que seriam um país e seus habitantes” (ORTIZ, 2015, p. 152). Assim, um conjunto de representações identitárias pode ser construído nesse espaço da modernidade-mundo. A partir deste panorama, podemos inferir que o programa Palcos da Vida acompanhou diferentes concepções culturais ao longo do tempo, se analisarmos suas vinhetas de abertura. Veremos que a primeira, dos anos 1980, traz uma proposta mais abrangente, pois na época eram contemplados espetáculos de teatro, dança e música. Diversas cenas de espetáculos aparecem na tela, incluindo a figura síntese de um palhaço ao final. A trilha new wave, por mais que seja introdução de um fonograma do artista local Nei Lisboa, remete à moda daqueles anos. Portanto, não há uma intenção de distinção cultural nem de apelo local naquela vinheta. Já nos programas dos anos 2000, observamos uma proposta exclusivamente musical e focada em um universo estético elitizado. Aparecem em animação as imagens de bateria, guitarra e piano. Ao fundo, partituras, e a trilha é de jazz. Haveria então uma proposta

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editorial, se formos tomar a vinheta como guia, de concepção estética mais “elitizada”. Nos anos 2010, a vinheta do Palcos da Vida traz uma proposta que se liga mais à diversidade contemporânea, percebida tanto nos ícones colocados pela arte gráfica, quanto nas variações da trilha. Começa com batucada e imagem de um percussionista tocando cajón (instrumento de origem peruana), depois se ouvem acordes de MPB, e aparece um músico tocando violão. No mesmo palco, dançarinos de hip-hop e um piano (ouvem-se acordes desse instrumento que remetem mais à música erudita). Em seguida, um conjunto de samba/ choro dá o tom. Depois, a ilustração de um grupo de forró, com trilha a rigor. Aparecerão, ainda, uma bateria marcando compasso mais pesado, um saxofonista e dançarinos, ilustrando o desfecho da vinheta com acordes de jazz. Já no programa de 2014, a abertura foi mudada novamente, dessa vez para uma vinheta sóbria, em que as letras do nome Palcos da Vida são animadas sob uma trilha marcada por percussões e que pouco revela sobre o local de origem. As vinhetas e suas variações conceituais acompanharam, talvez tardiamente, as mudanças editoriais do programa, considerando que ele se abriu, nos anos 1990, para shows nacionais e internacionais. Os signos “elitistas” da vinheta dos anos 2000 talvez tenham destoado das atrações contempladas. Já a última que foi ao ar eximia-se de determinar algum estilo, apoiando-se apenas na identificação do nome do programa. Diante desta ideia de diversidade, também podemos pensar sobre o tipo de música que Nei Lisboa faz. O espaço local poderia definir seu gênero: MPG, música popular gaúcha, ou MPB feita no Rio Grande do Sul. Porém, haveria um conflito nessa definição, por questões estéticas. Considerando os ritmos e propostas de arranjos, não é claro se podemos incluir seus shows e discos no rol da MPB. Por mais que nos últimos anos ele tenha investido na composição de algumas bossas, a tônica sempre foi o rock e o blues. Porém, sua dedicação à canção, à palavra musicada, tende a distanciá-lo das bandas de rock. Vejamos com Renato Ortiz (2015, p. 161) se conseguimos aproveitar sua classificação sobre três tipos de expressões na música brasileira atual que representam o país de forma diferente no exterior. A primeira, o nacionalpopular, teria os temas prediletos girando em torno de samba, carnaval e futebol. Normalmente, emprega-se a sigla MPB para designar esse tipo. A segunda implica a valorização do regional, pela diversidade de ritmos e movimentos, como no manguebeat. Já a terceira estaria na constituição de uma musicalidade internacional-popular, em que se declina de referentes locais ou nacionais. Em depoimento no programa de 1987, o cancionista descreve a produção do repertório do show, colocando as músicas que tinha lado a lado, e pro-

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curando encontrar identidades entre elas. “Todas falando sobre o Brasil, sobre cultura, sobre política no Brasil. Sobre a triste sensação, tragicômica de ser brasileiro” (PALCOS DA VIDA, 1987). No entanto, este investimento no elemento nacional não combina com a definição da MPB de Ortiz, que celebra o país. Talvez adira à faceta da crítica social e dialética em relação à indústria cultural, de acordo com Santuza Cambraia Naves (2015, p. 27). Coloca-se aí uma questão importante, pois a relação entre criatividade e estandardização permeia a cultura dos nossos tempos, e tem seu motor na fluidez das noções de espaço e tempo. Assim, Nei Lisboa estaria filiado, em diversas ocasiões, ao internacional-popular. Para Johnson et al. (2004), a questão local se redefiniu e se recontextualizou. Concentrando as pesquisas em lugares culturais particulares ou espaços institucionais, deixou-se o entendimento primeiro de definição local por termos sociais. Em nova perspectiva, os grupos constroem suas identidades em seus espaços, e não são determinadas por eles. No caso do programa Palcos da Vida e de atrações como Nei Lisboa, a identidade local não é exclusiva, nem essencialista. Notamos isso porque as diferentes representações culturais que o artista evoca em sua música remetem ora à cidade de Porto Alegre, ora ao Brasil ou ao mundo. Diferencia-se de outras formas de identificação presentes na programação da própria TVE-RS, como no programa Galpão Nativo, no ar desde os anos 1980, dedicado ao regionalismo e à música temática sobre o tipo do gaúcho como símbolo da cultura local. Para Stuart Hall (1997), as revoluções da cultura em nível global causam impacto sobre o sentido que as pessoas dão à vida, sobre a cultura num sentido mais local. Dessa forma, o local não tem mais uma identidade objetiva fora da relação com o global. Porém, não se acredita que nesse movimento ocorra uma homogeneização total, apagando as diferenças locais. Há fenômenos em que a cultura global apenas converte a diferença em outro produto cultural para o mercado mundial. Porém, também há sincretismo, criação de “alternativas híbridas, sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas” (HALL, 1997, p. 3). Silverstone (2014, p.17) propõe entender que em qualquer lugar a produção de conteúdo pode estar sob influência da “cultura da mídia contemporânea”. Assim, as metáforas espaciais fornecem a estrutura mais satisfatória para abordar a experiência no mundo atual e o papel da mídia nela. Desse modo, desejamos compreender nos programas gravados com Nei Lisboa onde estão esses traços globais, ou de outras diferentes instâncias de espaço. Seu primeiro disco levava o título-slogan: Pra viajar no cosmos não precisa gasolina (1983). A interpretação da letra leva a uma crítica endereçada a quem se desliga demais da realidade e “viaja” para longe dos problemas que se mostram ao

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seu redor (“Eu visito estrelas, lendas, profecias […] e o povo passa fome”). Mas podemos ainda interpretar o título como uma constatação sobre o fato de o homem ter pisado na lua em 1969 e milhões de pessoas terem assistido ao vivo no planeta Terra inteiro. Ou seja, via televisão, viajamos no cosmos sem a necessidade de combustível, pois não estávamos todos sentados no banco da aeronave junto a Neil Armstrong e cia. Sentávamos no sofá da sala dos mais diversos recantos. No Bom Fim também.

Programa Palcos da Vida com Nei Lisboa – de 1987 a 2014 A única cópia do primeiro Palcos da Vida com Nei Lisboa estava disponível no arquivo da TVE-RS em fita U-matic. Devido a problemas técnicos, foi possível copiar apenas o áudio integralmente para mídia digital. Porém, nos primeiros minutos de programa, pode-se ver alguns lapsos de imagem, da entrevista com um jovem compositor de cabelos curtos, e da primeira música do show ocorrido no teatro da Ospa, em 1987. Em entrevista que vai sendo reproduzida ao longo do programa, Nei comenta sua passagem incompleta pela universidade e o motivo da desistência: “tinha mais tesão por canção popular”. Logo naquele debut, percebemos que, por mais que fossem criadas no ambiente doméstico e íntimo do artista, e que tenham circulado mais pelo Rio Grande do Sul do que por qualquer outro lugar, suas canções falam do Brasil e do mundo. A estética musical daquele show, assim como do disco que havia lançado (Carecas da Jamaica, 1987), tem relação com a música pop da época. Predomina o reggae como ritmo e o tipo de arranjo lembra muito os Paralamas do Sucesso, que haviam lançado o disco Selvagem no ano anterior e estourado nas rádios de todo o país. Por outro lado, no show, os teclados e a batida de algumas músicas lembram a new wave de bandas como a novaiorquina Talking Heads. Isso porque o repertório continha faixas do LP Noves Fora, de 1984, tributário em boa medida deste estilo. Assim, notam-se influências nacionais e internacionais. Enquanto isso, regionalmente estourava o movimento Nativista e emergiam compositores que investiram na fusão de uma cultura regional com tendências da indústria fonográfica da época. Parecendo alheio a este movimento local, Lisboa canta: “eu não tenho chances no jazz, porque meu som é brasileiro” (No, no chance, 1983). A partir desse programa de 1987, em que lugares podemos localizar a música de Nei Lisboa? A produção da TVE-RS endereçou-o no bairro Bom Fim, conforme frase de apresentação em off, enquanto difundia o sinal do programa para boa parte do estado. Já o artista, talvez aproveitando essa difusão, afirmava a disponibilidade a sair em turnê por cidades gaúchas. E fica um

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descompasso ainda maior entre os espaços estético e o de atuação quando consideramos o conteúdo das músicas e o fato de que o disco Carecas da Jamaica teve uma potencial distribuição em escala nacional. Por exemplo, a letra da música Berlim, Bom Fim misturava o bairro onde o cancionista viveu e a capital alemã, lugar cosmopolita e de protagonismo na história mundial. Um tema saliente naqueles anos para a cultura local estava na “dificuldade” de conquistar o mercado nacional. Nei Lisboa comenta que era difícil fazer música em qualquer lugar, mas que a dificuldade era maior em Porto Alegre pela distância das gravadoras, que se localizavam no eixo Rio-São Paulo, e, também, pela falta de palcos disponíveis. Ao mesmo tempo, releva que na cidade gaúcha havia um mercado próprio “razoável”. Também admite que teve mordomias para gravar seu terceiro disco, diferente de quem está iniciando. O lançamento contou com três dias de temporada, após três meses gravando com tranquilidade, estrutura e produção. Já em 1989, o compositor completava 10 anos de carreira, e foi produzido um Palcos da Vida especial, “Dez anos antes, dez elefantes”. A banda apresenta figurino oriental, árabe, diferente do despojamento clean do show de 1987 e da maioria da sua carreira. A primeira música é temática, segue no clima dos clássicos contos das Mil e uma noites com a canção Tapete voador, um blues que permaneceu inédito fonograficamente. O programa conta com depoimentos de músicos parceiros. O compositor Luiz Carlos Galli “Boina” o elogia, como o melhor músico do Rio Grande do Sul: “Realmente eu tenho visto que ele tem evoluído bastante, e caindo cada vez mais pra uma coisa universal” (PALCOS DA VIDA, 1989). Também sobre a sonoridade, outro parceiro, Mutuca, chama atenção para a mudança: “Ele fala que o trabalho dele é rythym’n’blues atualmente. Mas ele tá indo pra esse caminho, ele tá deixando aquele reggae, aquela coisa igual. E tá muito melhor.” (PALCOS DA VIDA, 1989). Se observarmos o repertório deste show, tem frevo, Me chama de Robert (Nei Lisboa), rock’n’roll, No fundo (Nei Lisboa), coral teatral, Praça XV (Boina), country, Paisagem campestre (Nei Lisboa/Chico Settinneri) e blues, Abolerado blues (Nei Lisboa). Em outro depoimento que costura o roteiro do programa, o guitarrista Augusto Licks responde sobre a relação de Nei Lisboa com a música gaúcha: Eu não sei direito essa coisa: a importância do Nei pra música gaúcha. É uma coisa que me soa muito assim oficialesca, e tal. Eu perguntaria qual a importância da música gaúcha pro Nei Lisboa, eu inverteria a ordem, assim. Mas eu acho que o Nei transcende esse parâmetro de música gaúcha, o trabalho dele é super-universal e o que existe é que a música gaúcha é onde ele tá situado no momento. Mas ele é um cara que não se restringe à música gaúcha (PALCOS DA VIDA, 1989).

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Interessante notar a opinião de Licks sobre a música de Nei Lisboa como sendo universal, independente de fatores regionais. Para corroborar com este afastamento das coisas relativas ao Estado, destacam-se as piadas colocadas ironicamente no roteiro do show, apresentado pelo ator Antonio Carlos Falcão, que narra a saga dos elefantes e seus ovos. Em uma das histórias, mistura referências nacionais e internacionais, como Santo Amaro e Disneylândia. Quando cita a chegada daquela saga internacional a Lajeado, no interior do Rio Grande do Sul, a plateia ri, confirmando o exotismo de uma referência “provinciana” nesse contexto. Não encontramos no arquivo da TVE-RS nenhum programa Palcos da Vida gravado na década de 1990 com Nei Lisboa. Pode não haver uma razão específica para esse lapso, pois nem os funcionários do arquivo, nem a produtora Vera Vergo sabem explicá-lo. Mas garantem que o artista participou de outros programas da emissora nessa década. Pode ser coincidência, mas é impossível não observar que os dois discos do compositor nessa época possuem músicas de outros autores e cantadas em espanhol (Amém, 1993) e inglês (Hi-fi, 1998). Essas características teriam enfraquecido o fator local para selecionar os shows de Nei Lisboa como atração da televisão pública? Por outro lado, na mesma época, artistas nacionais começaram a figurar no Palcos da Vida e talvez o espaço tenha fica do escasso. A volta à tela dar-se-ia em 2002, em um concerto ao lado da Orquestra da Ulbra no Theatro São Pedro. Logo no início do programa, o apresentador Rodrigo Najar liga-o novamente a Porto Alegre: “a TVE traz pra você agora um programa especial com o compositor que traz em seus acordes e palavras um pedaço da identidade da nossa capital.” (PALCOS DA VIDA, 2002). No repertório, composições conhecidas, novidades e canções de Chico Buarque, ícone da MPB. Se compararmos aos programas de mais de uma década atrás, notamos um contraste. De cabelos ralos brancos, óculos de grau, camisa social, porta-se de maneira contida no palco. No entanto, a pauta da ligação com o lugar retorna. O músico responde que morou em diversos bairros da capital: O Bom Fim sempre foi um ponto de referência, de retorno, que é um porto ali da família, casa da família, onde muitas coisas aconteceram. O apartamento do Bom Fim merecia uma história, que alguém escrevesse um livro... nos anos 70 ele serviu de abrigo pra muitos militantes de vários países da América Latina que ali se abrigaram das ditaduras da Argentina, do Chile (PALCOS DA VIDA, 2001).

Sobre a atualidade, comenta outros trabalhos que estava ouvindo, como o grupo carioca Pedro Luís e a Parede, que teria se apresentado na semana anterior em Porto Alegre. O gaúcho observa “o quanto a percussão e levadas de maracatu e de forró sempre agregada tão chegando aqui”. E o programa segue

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com a balada Fifty ways to leave your lover (de Paul Simon, gravada no disco de 1998). Na sequência da entrevista, o tema recai sobre a dinâmica de shows e discos. “Eu sou um grande baladeiro”. Mas acredita que tem que variar, com rock, reggae, música pop, candombe, pro público poder dançar também. E o programa chega ao final com outra balada, Ponto com (Cena Beatnik, 2001), sobre geopolítica mundial, e o tango Berlim, Bom Fim. No início de 2003, a TVE-RS levou ao ar uma edição do Palcos da Vida que não foi produzida pela emissora, mas pela TV Unisinos. Gravado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, o tributo Baladas do Bom Fim foi uma celebração a Nei Lisboa. De acordo com o texto de apresentação, o compositor “colocou o tradicional bairro porto-alegrense no mapa da música pop sulista”. Mais uma vez, a reiteração do Bom Fim. No primeiro depoimento do programa, o produtor Egisto Dal Santo afirma a concepção do espetáculo de chamar uma nova geração pra ouvir Nei Lisboa, enquanto rompe com a ideia de que ele é MPB. “Porque o Nei é poprock, muito mais rock na atitude, sempre foi. O som dele tem muito blues, muito jazz. Também tem MPB, mas a influência é internacional, a base dele” (PALCOS DA VIDA, 2003). Em seguida, apresentam-se novos e antigos artistas do pop gaúcho, como Da Guedes, Irmãos Rocha, Gramophones, Frank Jorge, Marietti Fialho e Júlio Reny. Na primeira apresentação, da banda Bataclã FC, o cantor Richard Serraria frisa sua origem: “diretamente da beira do Guaíba, são seis anos na estrada, vamo nóis!”. Podemos inferir que esse artista localizou-se ao mesmo tempo igual e diferente em relação ao universo do compositor, pois vinha também de Porto Alegre, mas da periferia, o que é enfatizado esteticamente na performance. No final do programa, em depoimento, Serraria diz que “Nei Lisboa é um poeta extremamente identificado com Porto Alegre, tem uma poesia que traz nas suas palavras o cheiro do asfalto da cidade” (PALCOS DA VIDA, 2003). Nos anos 2010, o Palcos da Vida passou a reproduzir os shows de Nei Lisboa com maior ênfase nas músicas e menos entrevistas. A edição de 2011, que registrou o show Vapor da Estação, ainda contava com pequenos comentários. Enquanto apareciam cenas de Porto Alegre na tela, a voz do cancionista entrava afirmando que a cidade tem sido muito carinhosa com ele. No entanto, o motivo daquele show era o fim de uma turnê nacional, o que o artista comenta: Sair fora daqui no sentido de buscar uma carreira por inteiro, e tal, envolve também tu começar do zero isso, né. Construir esse público, reconhecimento, etc. Eu fui a São Paulo e ao Rio, eu tive dentro de uma grande gravadora, eu lancei dois discos pela EMI. Eu gravei dois em São Paulo e dois no Rio. Então passei várias temporadas lá. Eu morei, entre aspas, um pouquinho

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RIBAS, J. V.; SIFUENTES, L. • O local da canção na TVE-RS: o programa Palcos da Vida... por lá, buscando isso. Agora, a partir de um determinado momento, o equilíbrio da coisa, entre o esforço de, a partir de algum tempo, de uma idade e tal, de um tempo de carreira, o esforço de tá lá batendo nessa porta não compensava a facilidade que eu tinha, o conforto também que eu tinha de tá aqui e de ter conseguido construir aqui um belo de um espaço pra mim (PALCOS DA VIDA, 2011).

Antes de Porto Alegre, este show passou por nove cidades brasileiras. A turnê celebrou 30 anos de carreira do músico e mostrou um panorama do seu trabalho a públicos distintos. Chama a atenção que a edição do Palcos da Vida sobre essa fase da carreira de Nei Lisboa se dá com cortes lentos entre os takes, entre planos abertos do palco e closes individuais dos músicos. Se compararmos com os programas dos anos 1980, em sua fase mais roqueira, a dinâmica era mais acelerada. Na edição de 2012, do show Nei LisPoa, foram cinco canções inéditas e nenhuma fala extra na edição do programa. Percebe-se que a performance estava baseada na inventividade de compor, no texto sobre o cotidiano. Mãos demais, por exemplo, ironiza cultos fanáticos religiosos. Depois do fim era uma crônica das profecias muito comentadas naquele ano, sobre o fim do mundo. Em No boleto ou no cartão, ironizava o consumismo. Já em 2014, no show A Vida Inteira, também reproduziu-se uma música seguida da outra, como em um DVD. A concepção do espetáculo era intimista, com os músicos sentados: violão, guitarra, teclados e percussão. Aquele programa também foi ao ar na TV Brasil, em rede nacional. Na canção Publique-se a versão, o compositor comenta a arte e a mídia na atualidade: “Não se fazem mais realmente novidades como antigamente/ Hoje estão na tela e no jornal, antes do mundo real”. A seguir, toca uma música nova, Pôquer no escuro, que seria gravada no disco seguinte, ao vivo. O Palcos da Vida antecipou esse registro, o que significa que não oferece conteúdo apenas repercutindo ou repetindo o que é produzido na cultura de forma antecipada. O fato de oferecer shows exclusivos na grade da TVE-RS, que não são produtos acabados pelo artista, como DVDs já lançados, significa investimento em material inédito. Quando tem a oportunidade de gerar canções novas de Nei Lisboa, antes delas comporem o repertório de seus discos, a emissora oferece ao público uma atração com forte apelo de exclusividade.

Considerações finais O Palcos da Vida é um programa produzido e gerado a partir de Porto Alegre, para boa parte do estado do Rio Grande do Sul. Poderíamos, a partir disso, classificá-lo como um programa local. No entanto, se considerarmos o conteúdo que ele gera e o alcance que pode ter, abrem-se possibilidades de experiências televisivas de âmbito regional, nacional ou global. Vale retomar a teoria

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de Silverstone, para quem o prazer narrativo oferecido por um programa tem a capacidade de articular alguma coisa de nossa cultura comum, representando um mundo reconhecível. Porém, se na contemporaneidade há uma fratura de identidades, esse reconhecível não se ancora em etnias ou gêneros fixos, pois “vagueamos, nômades, pelo tempo e pelo espaço” (SILVERSTONE, 2014, p. 83). Esse pensamento leva a crer na continuidade da significância do fator local nas atrações midiáticas, ao lado de outros tipos de identificação cultural. É interessante notar o movimento ao longo da carreira de Nei Lisboa por instâncias locais, nacionais e internacionais. No âmbito da atuação (realização de shows, exposição midiática e vendas de discos), por mais que tenha alçado voos até o norte e vivido no centro do Brasil, consolidou um público no sul. Por outro lado, esteticamente, suas músicas transitaram do Bom Fim a Piccadilly Circus. Por mais que, nos oito programas analisados, diversas músicas se repitam nas variadas épocas, há grande volume de material inédito. Contamos 14 músicas se repetindo uma vez. Verão em Calcutá, Baladas e Romance repetiram-se três vezes, pois foram incluídas no tributo. Já Telhados de Paris e Hein?! integraram o repertório dos programas quatro vezes ao longo dos anos, sendo que a última entrou na edição de 2012 como melhores momentos, reprisando show de 1988. Por fim, entedemos que o programa Palcos da Vida se alinha à concepção de televisão pública defendida pelas diretrizes da própria Fundação Piratini, proporcionando visibilidade às diversidades culturais. Assim, a TVE-RS participa ativamente da cena musical, proporcionando espaço para a canção local. O programa coloca em prática o protagonismo na regionalização da produção (CONSELHO DELIBERATIVO, 1999), ao dar destaque a artistas gaúchos; adota linguagens “atualizadas” (Idem); e apresenta formato original em relação aos que predominam em emissoras comerciais (Idem). Os valores da carreira de Nei Lisboa também coincidem com essas características. Entretanto, na obra do artista, o local, mesmo com raízes fixadas simbolicamente em um mesmo bairro, pode dialogar com marcas globais, produzindo um acervo musical que, de certo modo, concretiza o espaço híbrido próprio da contemporaneidade.

Referências CONSELHO DELIBERATIVO. Diretrizes para as emissoras da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televião. Porto Alegre, 1999. Disponível em: <http:// www.fundacaopiratini.rs.gov.br/?model=conteudo&menu=166&id=339>. Acesso em: 29 mar. 2016. FISCHER, Luís Augusto; GONZAGA, Sergius. Nós, os gaúchos. Porto Alegre: UFRGS Editora, 1998.

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RIBAS, J. V.; SIFUENTES, L. • O local da canção na TVE-RS: o programa Palcos da Vida...

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

O programa “Primeira Pessoa”1: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS Laira F. de Campos

Introdução Sob o comando de Ivette Brandalise, o programa de entrevistas “Primeira Pessoa” da TVE-RS reuniu, por 22 anos, entrevistados dos mais variados segmentos sociais, notórios e desconhecidos, com o propósito de extrairlhes informações da intimidade e revelar-lhes a personalidade. Tornou-se, assim, um dos formatos de entrevista de maior longevidade da emissora TVE-RS, apesar de seu cancelamento no primeiro semestre de 2015, em vista de mudanças na coordenação e no exercício de novas programações. Imprescindível ressaltar a importância do gênero programas de entrevista, atualmente, um segmento que encontra espaço e abrangência nas conjunturas simples e refinadas de emissoras abertas, fechadas e até mesmo na criatividade das emissoras públicas. Em âmbito nacional ou em edições diárias regionais, tal programação tem aparecido como um gênero recorrente. Do mesmo modo, o número de segmentos televisivos que usam a entrevista resgatando o sentido de encontro para tratar de assuntos do cotidiano está em ascensão na sociedade, como talk shows e debates. Nesse sentido, a proposta desse trabalho consiste em um resgate histórico do programa na emissora TVE-RS, de especificidades biográficas da apresentadora e do gênero programa de entrevistas, a fim de verificar o uso do “Primeira Pessoa” nessa construção, formação de significados e aprofundamento dos relatos de vida dos entrevistados, em um todo a revelar tais possibilidades. Em termos metodológicos, com base nos estudos de Lima (2003), Marcuschi (1997), e Motta (2013) apresentam-se resultados de análise de um corpus equivalente ao período de 2013 e primeiro semestre de 2014. Por questões espaciais e temporais, foi selecionada a entrevista realizada com a primeira indígena mestra do Brasil, Fernanda Kaingang. 1

Trabalho com base em dissertação de mestrado, defendido em março 2015, com apoio da CAPES (2013).

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CAMPOS, L. F. de • O programa “Primeira Pessoa”: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS

O programa “Primeira Pessoa” da TVE-RS: memória e peculiaridades Com mais de duas décadas de existência, o “Primeira Pessoa” é um programa de entrevistas de densa trajetória na emissora pública gaúcha TVERS. Apesar do cancelamento no primeiro semestre de 2015, o formato atuou por 22 anos no cenário televisivo regional. Enquadramentos de câmera em planos próximos evidenciavam os interlocutores. Longe da ornamentação de certos cenários televisivos, a simplicidade predominava: entrevistado posicionado em frente ao entrevistador sob um fundo preto, sem itens decorativos. Entre eles, uma mesa retangular apenas. Sob o comando da jornalista Ivette Brandalise, o slogan de abertura da entrevista: “Hoje vamos conjugar verbos na primeira pessoa com [...]”. A seguir, um breve resumo da vida do entrevistado para o alerta do espectador. Três blocos, na média de 17 a 18 minutos cada, era o tempo que o entrevistado tinha para ser interpelado pela apresentadora e mostrar quem era. O objetivo, então, era revelar a personalidade dos convidados com destaque na sociedade, especialmente por sua atuação profissional. Como no senso comum, o termo personalidade assumiu sinônimo de conjunto de características marcantes sobre uma pessoa. O programa, assim, selecionava nomes que se destacavam, colocando-os em primeira pessoa. O “Primeira Pessoa” teve início em 1993, como convidado, o artista plástico Iberê Camargo. No histórico dos entrevistados, os mais variados segmentos sociais: políticos, escritores, jornalistas, esportistas, artistas, de relevância local, regional ou internacional. Na lista de convidados nomes como Esther Grossi, Yamandu Costa, Sebastião Salgado; passando por pioneiros não em voga nos meios de comunicação como Allan Lopes, o primeiro geobiólogo do Brasil, até eleitos cuja própria história de vida sinalizavam o aceite para a produção. A multiplicidade de perfis, reunidas nas escolhas e propostas do programa, evidencia, assim, uma pluralidade característica em sua caminhada. Vários recursos ao longo desses 22 anos foram empregados para a busca de maior intimidade entre entrevistador e entrevistado. Alguns verbais e outros não verbais para revelar o que não era conhecido como, respectivamente, por exemplo, a indagação de que verbos tinham prioridade na vida do entrevistado e a mostra de objetos que se faziam importantes e singulares para o mesmo. A procura inicial do cenário confirma a simplicidade e a busca de atmosfera intimista. Em vez da tradicional mesa entre entrevistador e entrevistado, panorama comum para o ambiente de entrevistas televisivas, foi cogitado no início do programa uma cadeira popularmente chamada “namoradeira”, em busca dessa proximidade maior entre interlocutor e convidado. Com dificuldades para enquadramento, o projeto foi descartado pelo operador de suíte. Pos-

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teriormente, duas cadeiras, uma de frente para a outra, apareceram como proposta seguinte sendo também descartadas por questões de operacionalidade. Em meio a essa simplicidade cenográfica do programa, o verbal, o gestual, a conversa são os conteúdos projetados na sua composição geral que é conduzido sem ponto ou teleprompter. O tempo de cada bloco fluía praticamente sem interrupções, considerando alguma ou outra ruptura no processo de gravação por razões técnicas. A produção intervinha nos breves intervalos de 2 a 3 minutos entre um bloco e outro, quando necessário. A brevidade do intervalo era mantida na preocupação com o fluxo da conversação. A entrevistadora evitava contato com o entrevistado antes da entrada no estúdio, a ocorrer somente nos cinco minutos que antecediam o início das gravações. Seu preparo baseava-se em leitura de material prévio sobre o entrevistado, porém, sem perguntas estruturadas. O programa era assim gravado praticamente na íntegra.

A entrevistadora Ivette Brandalise A entrevistadora Ivette Tereza Brandalise Mattos, conhecida como Ivette Brandalise, é formada em jornalismo, psicologia e artes dramáticas. Iniciou como apresentadora no rádio, na década de 60, exercendo notória carreira também em impresso e TV, em Porto Alegre. Alcançou grande reconhecimento com suas crônicas no extinto Jornal Folha da Tarde. Consolidou-se como apresentadora e no comando de produções de longevidade e notoriedade na mídia gaúcha, em atividade até hoje. Na atualidade, mantém a carreira de psicóloga em paralelo à de jornalista e apresentadora do programa Músicas que fizeram sua cabeça, na rádio FM Cultura de Porto Alegre. Natural de Videira, Santa Catarina, veio para Porto Alegre em 1953, para estudar no Colégio Bom Conselho. A idéia de cursar engenharia foi substituída pela carreira jornalística ao compartilhar o entusiasmo de uma colega com essa profissão. Graduou-se, então, em jornalismo pela UFRGS em 1959 e permaneceu em Porto Alegre, onde começou a trabalhar no Teatro de Equipe (primeira experiência de teatro profissional no RS). Ivette atuava, fazia produção, fotografia e divulgação das peças. Com a falência do teatro em 1963, passou a trabalhar no Diário de Notícias, onde fazia a “página feminina” com receitas, entrevistas com mulheres de destaque profissional e crônicas. Posteriormente, em 1964, ingressou na TV Gaúcha, atuando em um dos primeiros telejornais gaúchos, o Show de Notícias, com participações curtas, críticas e sarcásticas em meio ao programa. Nesse período, aos 23 anos, aparecia de óculos no telejornal, para aparentar mais idade. Além de uma estrutura inovadora, o programa apresentava algo pouco comum para a época, uma mulher em cena. Em 1965, passou a cursar psicologia, abrindo seu consultório em 1975, em paralelo às atividades jornalísticas.

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CAMPOS, L. F. de • O programa Primeira Pessoa: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS

Somente em 1968 iniciou seu trabalho em rádio, com comentários diários na Rádio Guaíba, sob o convite de Flávio Alcaraz Gomes. O programa intitulavase Cinco minutos com Ivette Brandalise e durou 18 anos. Nele os ouvintes manifestavam-se com cartas ou telefonemas diante dos posicionamentos da jornalista. Isto significa um momento de grande mudança na atuação feminina gaúcha até então restrita ao lar e a poucos espaços opinativos: “A presença de Ivette Brandalise ao microfone demonstra outra realidade: a da mulher que, sem abdicar de sua condição feminina, tem participação e opinião ativas na sociedade” (FERRARETTO, 2006). Em paralelo, a jornalista escrevia crônicas no jornal Folha da Tarde. Também consta sua atuação jornalística nos veículos TV Piratini, TV Difusora, TV Guaíba e Jornal ABC do Domingo. Durante a ditadura militar brasileira, enfrentou problemas com a censura em vista de suas atuações opinativas e comportamento crítico, tendo comentários e crônicas censuradas. Em 1987, depois de anos atuando em crônica, em rádio e jornal, e da queda das empresas Caldas Júnior, passou a trabalhar na recém-inaugurada FM Cultura, tendo início o seu ingresso na Fundação Piratini – Rádio e Televisão Gaúcha. O programa apresentado na rádio é o que se mantém até hoje: Músicas que fizeram a sua cabeça. O objetivo é fazer com que as pessoas revelem o lado mais íntimo com a mostra de músicas relevantes na vida do entrevistado e sem o uso de perguntas estruturadas. Entre 1993 e 2015, apresentou o programa Primeira Pessoa de cuja idealização e concepção participou, trazendo esta proposta intimista para o ambiente televisivo.

Entrevista, diálogos e narrativas na TV A entrevista jornalística, segundo Souza (2004), pode ser considerada um gênero da categoria informativa ao lado de debate, documentário e telejornal: “Tais programas surgem na televisão como formatos, ou seja, nas características gerais do telejornalismo produzido pelas emissoras, porém, se tornam gêneros em vista do status e amplitude que atingem no mesmo” (SOUZA, 2004, p. 153). Desse modo: “Os formatos midiáticos aparecem como variantes dos gêneros, estando a eles subordinados, ao mesmo tempo em que desenvolvem suas lógicas internas, próprias, e multiplicam potencialidades” (MELO; ASSIS, 2014, p. 28). A entrevista, assim como a nota, a reportagem, os indicadores econômicos, o editorial, o comentário e a crônica, consiste em formato com possibilidades de expansão na composição em meio aos telejornais brasileiros. Em vista das potencialidades e possibilidades expansivas do gênero entrevista, é preciso considerar a ampla disponibilidade televisiva para o discurso oral, visualizada em muitos estudos e autores como aspecto matricial da estruturação e do desenvolvimento desse veículo.

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Conforme Silva (2010), embora a diferenciação da televisão dos demais meios de comunicação pelo tratamento das imagens que dão substância aos conteúdos, é principalmente por meio do verbal que o veículo efetiva sua relação com a audiência. Por isso: “A fala, em suas mais variadas formas, é a característica mais marcante da televisão e a conversação, assim, aparece como um significativo desdobramento das múltiplas formas de falar que a televisão pode empregar” (CORNER, 1999 apud SILVA, 2010, p. 24). Machado (1999) reforça a questão, afirmando a oralidade da televisão: “Herdeira direta do rádio, se funda primordialmente com o discurso oral e faz da palavra sua matéria-prima” (1999, p. 145). Portanto, assim como em suas raízes radiofônicas, a expressividade televisiva continua estruturada no desempenho da oralidade. “Evidência disso é a grande maioria dos programas televisivos ainda permanecer fundada na imagem prototípica de um talking head cabeça falante” (MACHADO, 1999, p. 145). No contexto das TVs públicas, principalmente, a oralidade do talking head aparece como uma alternativa em vista da instabilidade de recursos financeiros que se encontra entre os três típicos problemas estruturais: independência, conteúdo e investimentos, apontados em Lima (2003). Deve-se ressaltar, entretanto, o duplo compromisso das emissoras públicas com a qualidade e a autonomia, a liberdade de criar e expressar (HOINEFF, 2003). Em retorno aos estudos de Silva (2008; 2010; 2013), a partir de uma perspectiva histórico-social, a conversação presente desde a proposta estrutural da televisão até formatos específicos de programas, tem-se institucionalizado como entrevista ou debate em vista da vinda dos talk shows norte-americanos, espalhando-se pelo resto do mundo (SILVA, 2010). Compreende-se, desse modo, a entrevista com base na conversa. Para a ocorrência dessa conversa franca e aprofundamento da discussão, o interlocutor, mais especificamente na figura do jornalista, deve estar atento a recursos como: “escuta, relação com o entrevistado, a formas de perguntar e intervir [...]. Técnicas como a percepção da linguagem não verbal, a atuação improvisada e o questionamento de pontos contraditórios [...]” (RUELA, 2012 apud FECHINE, 2014, p. 277). É o que Caputo (2010) ilustra em vista de metaentrevista com Sodré: Se perguntar é tão fundamental ao jornalismo e para as pesquisas, “a arte de saber ouvir”, como bem disse Sodré, a relação com esse ofício não pode ser qualquer uma. Podemos estragar nossas perguntas de duas formas. Quando buscamos “arrancar” algo do entrevistado e quando nos impregnamos de arrogância e perguntamos imaginando saber as respostas ou apenas para comprovar nossas próprias opiniões e teses sobre um assunto (CAPUTO, 2010, p. 199).

Por outro lado, os aspectos de vida do entrevistado provocados pela entrevista são expressos em sequências de ações coordenadas, ou seja, narrati-

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CAMPOS, L. F. de • O programa Primeira Pessoa: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS

vas. “Nesse sentido, o ato de narrar, através dos meios, pode revelar legitimações, valores, representações e faltas, dados preponderantes para o processo de compreensão e leitura do mundo” (RESENDE, 2009, p. 33). Em Motta (2013), entende-se que o narrar está intrinsecamente ligado às raízes ancestrais, oriundo de uma predisposição cultural, primitiva e inata para compreender a realidade de modo narrativo. Portanto, homens e mulheres vivem narrativamente seus mundos e, assim, revelam seu universo de vivências. Logo, tudo na entrevista depende de uma “alteração entrevistador-entrevistado, pequeno campo fechado onde se vão confrontar ou associar gigantescas forças sociais, psicológicas e afetivas” (MORIN, 2001, p. 67). A entrevista é um evento conversacional e, por isso, observa as características da própria conversação: é uma interação verbal centrada em dois ou mais participantes que observam a troca de pelo menos um turno em sua comunicação, esta desenvolvida em uma sequência de ações coordenadas [...] (CUNHA, 2012, p. 97).

Em Medina (2002), muito além do registro informativo, a entrevista situa-se em um lugar interativo e para a construção de significados em que ambos os participantes do processo se alternam durante a interação. Uma interpenetração informativa, um lugar comum para a construção de significados entre entrevistado e entrevistador: A entrevista, nas suas diferentes aplicações, é uma técnica de interação social, de interpenetração informativa, quebrando assim isolamentos grupais, individuais, sociais; pode servir também à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação. Em todos esses e outros usos das Ciências Humanas, constitui sempre um meio cujo fim é o interrelacionamento humano [...]. Ambos os partífices do jogo da entrevista interagem, se modificam, se revelam, crescem no conhecimento do mundo e deles próprios (MEDINA, 2002, p. 8).

Na televisão brasileira, segundo Silva (2013), foi no período de 19691974 em que cresceu o número de programas que usavam a entrevista, resgatando o sentido de encontro e conversação para tratar de assuntos cotidianos, até o surgimento do TV Mulher sob apresentação de Marília Gabriela, na década de oitenta, condicionante para muitos do gênero na atualidade.

A entrevista e a formação de significados no primeira pessoa Esta etapa do trabalho foi realizada com base na observação e no acompanhamento do corpus de pesquisa referente aos programas dos anos de 2013 e primeiro semestre de 2014. Três edições equivalentes ao recorte de pesquisa foram analisadas. Por questões de espacialidade e temporalidade do artigo, serão apresentados, com base na análise da narrativa em Motta (2013) e análi-

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se de conversação em Braga (1994) e Marcuschi (1997), resultados de um programa realizado com a advogada e primeira indígena mestre do Brasil, Fernanda Kaingang, exibida em 4 de março de 2013. Para uma melhor compreensão, a análise, com base em uma proposta combinatória das metodologias referidas, foi organizada em três momentos: a) trocas globais; b) estruturação temática e narrativa e c) trocas de turnos. Primeiramente foi observada a estruturação geral da entrevista com abertura, troca de blocos e encerramento. Posteriormente foi analisada a composição de temas e narrativa geral para, por fim, realizar a verificação de como procedia a troca de turnos entre os interlocutores. a) Trocas globais Desse modo, inicialmente, em vista da estruturação geral, verifica-se a apresentação da convidada em torno da relação entre o Dia da Mulher e o pioneirismo da escolha: primeira mulher indígena advogada no Rio Grande do Sul e com mestrado no Brasil. Nota-se empenho em fazer esta associação: “(Ivette) Boa Noite! Estamos no mês de março ((créditos Ivette Brandalise)) mês dedicado à mulher e é evidente que nós aqui neste programa abrimos espaço para a mulher. E a produção foi buscar uma mulher que é a primeira mulher formada em direito no RS, a primeira mulher com mestrado em direito no Brasil. Uma mulher que pertence ao povo indígena Kaingang. A Lúcia Fernando Inácio Belfort. Ela não é apenas a primeira mulher que foi fazer direito, é a primeira pessoa índia a fazer o curso de direito aqui no RS e a primeira pessoa índia a fazer mestrado em direito no Brasil” (BRANDALISE, 04/03/2013).

Tal processo é evidenciado através de pausas, gesticulações, recorrências e inflexões de determinadas palavras. Em exemplo disso, a entonação que dá ênfase aos termos “espaço”, “mulher”, “produção”, “primeira”, “pessoa”, “fazer”, “índia”, “mestrado”. E o trecho: “[...] A produção foi buscar uma mulher [...]”, com grande articulação e expansão de vogais. Nota-se, também, grande recorrência da palavra “mulher” que somente durante esta apresentação aparece sete vezes, sendo duas com ênfase da apresentadora. O nome da entrevistada é falado com pausamentos e ênfases. Mais uma forma de dar destaque e chamar a atenção do telespectador. No trecho final é que aparecem as informações com os cargos e atuações da convidada, de modo a validar sua especialização e seu pioneirismo, em estratégia de referencialidade da entrevistadora. Nota-se, através do encerramento dos blocos 1 e 2, a opção da entrevistadora em gerar expectativa no público ao levantar o questionamento de algum aspecto curioso e deixá-lo para o próximo bloco, orientando o público a aguardar. Em exemplo disso, o final do primeiro bloco:

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CAMPOS, L. F. de • O programa Primeira Pessoa: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS “(Ivette) Eu quero começar sabendo o teu nome em Kaingang, mas no próximo segmento. Tá certo? (Fernanda) Tá certo. (Ivette) ((olhando pra câmera)) Aguardem!” (BRANDALISE, 04/03/2013).

Observa-se, neste final, um compartilhamento da jornada e dos valores da entrevistada, quando Ivette completa aproveitando para encerrar a entrevista: “E que Tupã diga amém”. A despedida também é seguida de informalidade e proximidade, como é mostrado com a parabenização que ressalta a valorização do que foi relatado pela entrevistada. b) Estrutura temática e narrativa Três temáticas aparecem predominantes na entrevista como um todo: o trabalho de Fernanda Kaingang na atualidade e as instituições em que atuou; a cultura Kaingang, suas curiosidades e histórias; e as demandas e causas indígenas. Nota-se no primeiro bloco um foco maior sobre o trabalho da entrevistada, primeiro tema, enquanto que no segundo há uma exploração de informações da cultura Kaingang como idioma, casamento, crianças, nomeação etc, segundo tema, portanto. No terceiro bloco, predominam questões da terceira temática como demandas indígenas, ora em âmbito geral referindo-se a todos os povos, ora especificamente ao povo Kaingang. Do ponto de vista da narrativa, identificam-se personagens e episódios. Em vista da recorrência, os personagens que mais aparecem são Fernanda e seu povo Kaingang, identificados pelos termos “nós” ou “a gente”; o governo de forma geral, em apenas três raros momentos especificado como (governo Lula, governo Collor, governo Brizola); e os povos indígenas em sua amplitude. A narrativa em Fernanda Kaingang é assim conduzida pela primeira pessoa do plural, nós, em vista de sua formação indígena. Nota-se, portanto, a predominância de termos gerais e poucas nomeações que, quando aparecem, são referentes a líderes indígenas ou figuras públicas. Desse modo, o conflito central está na problemática geral indígena: a insuficiência de terras e políticas públicas inadequadas a acarretar os demais: estrutura precária das escolas indígenas, negação da identidade indígena, êxodos e vícios de integrantes, desnutrição de crianças das tribos, etc. Este aspecto é que move a personagem principal, seu trabalho, suas viagens e sua missão. c) Trocas de turnos O movimento da entrevistadora, que detém conhecimento prévio da trajetória da convidada, incide ora entre o universo pessoal de Fernanda (trabalho e cultura) ora entre as questões e problemáticas indígenas de âmbito internacional a explorar os pontos de conflito apresentados. Os primeiros movimentos das trocas de turnos indicam a atmosfera informal de um encontro:

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais “(Ivette) Tudo bem contigo? (Fernanda) Tudo bom, Ivette? (Ivette) Que que tá fazendo nesse momento aqui no Rio Grande do Sul? Por que tu moras pelo Brasil, né?” (BRANDALISE, 04/03/2013).

No decorrer do programa, a visualização das trocas permite a observação de um predomínio de respostas expositivas e extensas da entrevistada sem interrupções na retomada da palavra pela entrevistadora. Identifica-se, portanto, a prevalência de conclusões por parte da mesma. Além disso, processo de edição com inserção de fotos de Fernanda e imagens em vídeo de seu trabalho e dos Kaingang também é empregado para a ilustração da sua fala. Contudo, tem-se uma recorrência considerável de cortes por parte da entrevistadora em algumas retomadas de turnos. A maioria desses cortes parte de falas simultâneas com a entrevistada. Entretanto, não soam bruscos em vista do aproveitamento de sinais de queda de entonação nos turnos da mesma e de breves pausas. Tais interrupções ocorrem em vista de reformulação de perguntas, sequência de perguntas fechadas para esclarecimento e/ou aprofundamento e raro para interrupções com fins de comentário. Notam-se movimentos de reformulação de pergunta em pontos de hesitação da entrevistada, como quando questionada sobre o retorno de integrantes indígenas à comunidade. Conclusões breves também desencadeiam o movimento de sequências de perguntas fechadas para aprofundamento: “(Ivette) Tu falastes, né, da pessoa que sai e que deve voltar. Eles voltam? (Fernanda) pensativa ((buscando pensamento)) (Ivette) Pra comunidade indígena? (Fernanda) Alguns, sim, outros trabalham em prol do seu povo. (Ivette) Necessariamente? Há um compromisso nesse sentido” (BRANDALISE, 04/03/2013)?

É considerável o tom de voz da entrevistadora como um eficaz marcador conversacional na busca de clareza e aprofundamento de aspectos. Somado a isso, o uso frequente de pausas e ênfase de determinadas palavras, especialmente verbos na elaboração das questões com grande carga locutória, assim como, também, do aproveitamento de formulações na própria resposta da entrevistada no chamado uso das deixas. O uso de flashback com rememoração de momentos pessoais, reprodução de diálogos e o emprego de questionamentos nos assuntos referentes às causas indígenas e Kaingang podem ser considerados recursos argumentativos da entrevistada: “(Ivette) Tá, afinal. Qual é o teu nome? (Fernanda) Então o meu nome ((créditos: indígena advogada e ativista social)) em Kaingang é (IOFEJ). E aí eu fui batizada e normalmente os avós, os mais velhos sugerem o nome da criança pela experiência que eles têm,

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CAMPOS, L. F. de • O programa Primeira Pessoa: entrevista, memória e diálogos na TVE-RS pelas características culturais, físicas, espirituais da criança e a minha vó sugeriu um nome que significa a flor de uma erva medicinal. E o fê é a flor de uma erva medicinal. E eu perguntava pra ela ((imitando)): – Mãe velha Por que você me deu esse nome? É um nome de um chá. Meu nome é uma florzinha que serve pra fazer chá [...] Aí ela dizia: – Minha filha, o seu nome terá a ver com seu papel. É o papel que você terá a sua missão na terra. E o fei pode ser interpretado como cura” (BRANDALISE, 04/03/2013).

É perceptível a manutenção de atmosfera amistosa entre ambas com a ocorrência de risos em vários momentos no fluxo da entrevista. Encontra-se a identificação efetiva de emissão do marcador conversacional “né” por Fernanda e proporcionalmente da emissão constante de marcadores “uhm” e “ahãm”, por exemplo, por parte de Ivette em convergência e estímulo à fala da interlocutora.

Considerações finais Em vista do que foi apresentado, é possível verificar uma multiplicidade de indicadores do programa, da postura da entrevistadora e da interação entre entrevistado e entrevistador a constituir o processo de formação de significados da entrevista nesses 22 anos de “Primeira Pessoa” na TVE-RS. Esses fatores se entrelaçam em meio a um universo de construções valorativas, exploratórias, temáticas e narrativas de entrevistadora, entrevistada. Através da análise e da interpretação dos dados, percebe-se na estrutura geral do programa regularidade nas trocas globais. A apresentação tem introduções a enfatizar aspectos do percurso de vida da convidada sempre fazendo uso de referencialidade para a projeção da mesma. A troca de blocos mantém a estratégia de expectativa e o encerramento ocorre com cordialidade, felicitações e recomendação de sucesso por parte da entrevistadora. Esta, aliás, dispõe de amplo uso de aparatos linguísticos a contribuir para o aprofundamento dos relatos. Pontuações e pausas verbais acompanhados de gestual, assim como observação, retomada e interpretação das narrativas dos entrevistados, articulação e emprego de ênfases tonais em vista da voz como um grande marcador conversacional são recursos empregados para exploração da oralidade televisiva. Do mesmo modo, sua atuação e formação revelam uma trabalhada postura interventora: graduação em jornalismo, artes dramáticas e psicologia, além da vasta experiência em rádio, TV e impresso e atuação como cronista. Em torno da estrutura temática, reconhecem-se subdivisões e predominância de temas centrais. Percebe-se movimentação em torno da seguinte abordagem nos três blocos: vida profissional da entrevistada, vida pessoal e desdobramento de reflexões sociais em torno de sua área de atuação. Em vista da estrutura narrativa, verifica-se a delimitação de pessoas importantes na traje-

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tória da participante com identificação de personagens, episódios e microconflitos. A atenção às trocas de turnos também revela movimentos organizatórios por parte da entrevistadora através de questionamentos que ora são responsáveis pelas mudanças de temáticas ora pelo seu desenvolvimento. Destaca-se no terceiro bloco maior movimento interpretativo dos relatos com a retomada de conflitos da narrativa da entrevistada e também no tensionamento de aspectos pessoais dela e de problemática referente à área abordada. A entrevista, assim, nascente da matriz oral televisiva, vai gerando alternância, informação e reflexão na interpenetração informativa de seus interlocutores a construir significados. A entrevista no “Primeira Pessoa”, programa que propõe um recorte espacial e temporal intimista, tem movimentos de diálogo e de conversação que contribuem para o aprofundamento de informações sobre a entrevistada, em maior incidência na compreensão de seu relato de vida. Flui entre premissas jornalísticas e a flexibilidade das trocas de turnos do ambiente de conversa com improvisações, observações e comentários. O objetivo de revelar a personalidade dos convidados acaba por trazer aspectos pessoais desses, entretanto, a compor uma das abordagens. O entrevistado é exemplo a agregar conhecimento, mas, também testemunho conector de ampla reflexão social, compondo, assim, a memória de um programa com mais de duas décadas no espaço da TV pública do Rio Grande do Sul.

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PARTE TRÊS

TVs do campo público pelo Brasil

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O (con)texto da TV Assembleia-RS na perspectiva do circuito da cultura1 Tiane Dias Canabarro Flavi Ferreira Lisboa Filho

Introdução Desenvolvemos o trabalho tendo por base as percepções teóricas dos estudos culturais, que se definem como um campo multidisciplinar, originário na Inglaterra nos anos 1950, fundado sobre os alicerces da sociologia, da antropologia, da filosofia e atravessado por diversas outras disciplinas que contribuem para a abordagem multidimensional e as (re)significações do termo cultura. Encontramos nestes estudos o esteio para reconhecer e trabalhar os diversos elementos que o objeto, TV Assembleia do Rio Grande do Sul, nos oferecia, para problematizar “como e quais representações estão contempladas na grade de programação da TV Assembleia?”. Os estudos culturais apresentam a possibilidades de entendermos a cultura e as práticas sociais além da massificação e do consumo. Isto implica ler a cultura como texto e não apenas como estrutura (HALL, 2006). A produção cultural não se encontra no produto exclusivamente, mas nas suas construções, nas suas práticas, nas identidades representadas, incluídas as representações midiáticas. A crítica culturalista aproxima-se de “abordagens que se centram nas identidades sociais, nas subjetividades, na popularidade e no prazer” (JOHNSON, 2004, p. 15). Trata-se de uma teoria que oferece uma percepção que inclui a diversidade, a complexidade, a multidisciplinariedade e a capacidade de entendermos o social dentro de contextos históricos em que as identidades são representadas. A identidade não aparece como uma característica fixa, ao contrário, é apresentada na sua complexidade, na diversidade e na mobilidade que propõe. Hall (1999, p. 12) explica que os sujeitos não possuem uma característica ca-

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Este texto traz percepções construídas a partir da dissertação de mestrado intitulada “A representação das identidades gaúchas na televisão pública: um estudo da TV Assembleia-RS” defendida no programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria-RS

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paz de defini-los, mas correspondem às múltiplas identidades em movimento “não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas”. Os estudos culturais abraçam estes movimentos, estas relações instáveis e complexas que conectam as identidades às suas representações. Sobre representação, Escosteguy (2010) discorre que implica uma produção de sentido. Sendo assim, estrutura-se como uma prática significante na qual os meios funcionam como agentes. Também se diferencia na medida em que produz um objeto discursivo, articulando os elementos sociais e simbólicos. O que a mídia nos oferece é uma leitura das representações que constrói, mas que preexistem antes e fora do texto midiático. A televisão objeto deste trabalho é uma emissora legislativa, ocupa o espaço da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, na capital Porto Alegre. Exerce suas atividades desde 1960, utilizando recursos de TV a cabo, satélite e internet. O custo das suas atividades está previsto no orçamento geral da Assembleia e integra a Superintendência de Comunicação Social subordinada à Superintendência Geral pela qual responde a diretoria da casa legislativa. Diante das leis federais que apresentam as diretrizes, o funcionamento e as competências dos meios de comunicação públicos, entendemos a TV Assembleia-RS como uma televisão pública. Justificamos esta definição através do seu custeio, incluso nas despesas legislativas, pagas pela união e pela população através de impostos. Contudo, pela atividade mais prioritária, que é atender as demandas e a divulgação do legislativo, garantindo o acesso à informação sobre os atos públicos, não desconsideramos sua característica institucional, as interferências da direção da casa e como isto reflete na produção de conteúdo. Esta pesquisa oferece a divulgação da TV Legislativa como um veículo público que possui espaços para a diversidade das diferentes representações identitárias, reiterando seu compromisso com a informação pública, e problematiza os contextos identificando as instâncias que perpassam a produção do texto televisivo desta emissora. Assim, apontamos quais as representações aparecem, quais são privilegiadas e as propostas positivas que buscam apresentar a diversidade de práticas sociais que conseguem gerar de fato um pertencimento. A TV Assembleia-RS possui peculiaridades, linguagem e contexto de formação, sendo que não cabe a esta pesquisa introduzir uma discussão teórica sobre a comunicação pública e seus atores políticos. Mas, sim, tratamos de pensar uma representação que é social, midiática e política.

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A perspectiva dos estudos culturais A base dos estudos culturais buscava, em seu surgimento, atender as novas necessidades da época e emergia com as lutas das classes populares. É a partir destes estudos que desenvolvemos conceitos centrais para a proposta, entre eles: cultura, identidade e representação midiática. Sustentamos nossas interpretações em autores como Stuart Hall, Richard Johnson e Raymond Williams, alinhados aos estudos contemporâneos de Ana Carolina Escosteguy e Maria Elisa Cevasco. Os estudos culturais partem de um projeto político, ligado aos movimentos sociais, que percebe as relações sociais e a cultura a partir daquilo que é efetivamente vivido. “É um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor – que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente” (WILLIAMS, 1979, p. 113). Os sistemas são práticas sociais e oferecem contextos, leituras e representações. O social e as representações circulam nos lugares que ocupamos e na forma como nos identificamos. Cabe dizer que esta necessidade de pertencer é reproduzida no texto midiático, criando ambientes de inclusão e/ou de exclusão, em um primeiro momento discursiva e depois, social. Para Hall (1997), cultura, identidades e representação estabelecem entre si uma relação direta de significados. “Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar” (WOODWARD, 2000, p. 17-18). A produção midiática apresenta estes lugares e representa os sujeitos. Woodward (2000, p. 10) ainda completa: “[...] a construção da identidade é tanto simbólica quanto social”. A identidade parte de um sentimento de ser, em que se busca o lugar de pertencer. A cultura, os indivíduos, o tempo e o espaço fazem com que estas construções assumam diferentes formas. Não há uma estrutura fixa quando falamos das identidades e das representações. A representação passa pela simbolização das práticas, da língua, da identidade e do espaço que habitamos. Os dois conceitos são interpretados como sistemas de classificação que regem a ordem social (WOODWARD, 2000). É nos sistemas de representação que estão as pistas das posições dos sujeitos, o que ele é e o lugar que ocupa. Neste sentido, as práticas midiáticas funcionam como sistemas de representação e atuam no emocional, no descritivo e no imperativo, construindo, assim, as identidades. Se o espaço midiático produz representações e significações sobre as identidades e as práticas, devemos concentrar esforços em entender o ambiente, neste caso a televisão. Precisamos percebê-la como lugar de produção de

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mensagens, onde existem significados, tecnologias, estruturas, regulamentos da ordem técnica e social. As estruturas de produção estão refletidas na construção dos textos. tornando os elementos organizacionais as fontes principais de interpretações. [...] estou certo de que a noção de texto – como algo que nós podemos isolar, fixar e examinar – depende da circulação extensiva de produtos culturais que foram divorciados das condições imediatas de sua produção e que têm um momento de suspensão, por assim dizer, antes de serem consumidos (JOHNSON, 2004, p. 47).

Antes de pensarmos a significação que é produzida por um texto televisivo, devemos atentar para a televisão que constrói este texto. Ao direcionarmos nossa investigação para a estrutura, deparamo-nos com as práticas sociais dos sujeitos que a integram: as práticas organizacionais e aquelas originárias do social, do cultural e do lugar que ocupam. Ou seja, não há possibilidade de afastar as esferas que constituem a produção de sentido. As instâncias aparecem interligadas de forma que não produzem significações sozinhas. Diante disso, torna-se oportuno pensarmos e identificarmos como são produzidas as representações identitárias e de que forma as representações midiáticas contemplam a diversidade das práticas vividas.

A construção do instrumento analítico Definimos como objetivos específicos do estudo verificar quais identidades estão representadas nos programas da TV; averiguar de que modo são representadas e apontar se se privilegia(m) alguma(s) identidade(s) no processo de produção da TV Assembleia-RS. Para isso, optamos por um recorte na grade de programação. Na totalidade, a TV possuía 20 programas2, no foco da pesquisa nos detivemos a observar sete programas que apresentavam um caráter cultural. Ou seja, ficaram fora do corpus aquelas atrações que se destinavam a cumprir com as notícias e as atividades da casa legislativa, divulgação de agenda ou documentário de fauna e flora. Com isso, nosso corpus apresentava os seguintes programas: “Cena Musical”, “Confraria Castro Alves”, “Faça a Diferença”, “Autores e Livros”, “Cultura em Pauta”, “Mateadas” e “Sarau no Solar”. Entendemos que a TV Assembleia-RS é uma TV legislativa de caráter público, conforme as leis federais de acesso à informação. O que não exclui sua definição, suas característi-

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A produção audiovisual é realizada pela Superintendência de Comunicação Social e Relações Institucionais que está dividida em Departamento de Jornalismo, Rádio e TV Assembleia e Departamento de Publicidade.

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cas e seus modos de fazer como canal institucional. Ainda que restrita, não podemos desconsiderar a importância de estar disponível à informação pública, mesmo que seu consumo não seja comparável aos grandes conglomerados midiáticos por estar limitada a uma tecnologia a cabo ou à internet.3 A TV Assembleia-RS iniciou suas atividades nos anos 1960, com gravações das sessões plenárias em películas que eram distribuídas para outras emissoras, parte delas disponíveis no acervo do Memorial da Assembleia. Em 1995, através da Lei Federal do Cabo, que regulamenta a comunicação a cabo do país, estabeleceu-se o funcionamento das televisões públicas. Diante disso, a TV Assembleia-RS passou a exibir as sessões plenárias ao vivo, e no ano de 2001 foi criada a Superintendência de Comunicação Social da Assembleia Legislativa do Estado, um departamento da Superintendência Geral. A Superintendência de Comunicação Social inclui espaço político, jornalístico, de relações públicas, publicidade e atividades culturais. Desde então, há um orçamento público anual, que integra o orçamento da Assembleia Legislativa do Estado, destinado à manutenção e à produção desta emissora, que hoje possui vinte programas na sua grade relacionados à cultura, política e sociedade, que, em seu conjunto, buscam visibilizar os aspectos locais. As estruturas de produção e/ou a falta delas vão fornecer elementos importantes de análise dentro da perspectiva que este estudo sugere. A partir dos textos e dos contextos enunciativos, construímos a análise cultural do objeto amparada no circuito de Richard Johnson (2004). Neste operador metodológico, encontramos liberdade para alocar os elementos que interferem na construção do texto televisivo e sistematizá-los, reconhecendo a importância de cada variável. A análise cultural permitiu identificar de onde emergem determinados sentidos, onde circulam e como ganham força na enunciação televisiva. O percurso metodológico compreendeu algumas etapas. Problematizamos a questão central da representação midiática, pensamos os aspectos trazidos por Johnson (2004): formas textuais, condições de leitura, cultura vivida e condições de produção, para, enfim, construirmos desdobramentos pertinentes às necessidades do nosso objeto. Na construção de um circuito adaptado e na busca das respostas para o problema, incluímos as seguintes técnicas: análise textual, observação participante, entrevista semiaberta, formulário e análise documental.

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Não foi possível realizar qualquer medição de sua audiência e não obtivemos dados sobre seus telespectadores. O vínculo entre a TV e a audiência concretiza-se através de ligações, e-mails e contatos pessoais.

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As técnicas de coleta de dados tornaram-se fundamentais pelo fato de que a programação não possui uma grade fixa por um longo período. Alguns programas ficam um tempo no ar, saem e depois retornam. A produção destas atrações não é constituída por equipes fixas, uma vez que a maioria dos profissionais técnicos é contratada por uma empresa terceirizada. O trabalho de produção da TV é realizado dentro desta dinâmica de rotatividade de recursos humanos, que se torna um aspecto negativo para a elaboração de uma produção de conteúdo que amplie a qualidade da TV Assembleia. Salientamos que, nesta pesquisa, as instâncias aparecem como suporte interpretativo, e não como uma obrigatoriedade de dar conta de todo o circuito de forma acabada. Porém, apresentam-se como fundamentais no processo analítico, corroborando a problemática central do aporte teórico, os sentidos que circulam nos diversos contextos. São instâncias: “condições de produção”, através da qual vamos definir e caracterizar o objeto; “formas textuais”, que se limitam ao descritivo das edições gravadas dos programas; “condições de leitura”, exploradas a partir da fala dos apresentadores e da coordenação da TV, que contemplam as apropriações previstas a partir do texto que é construído; e “culturas vividas”, que remetem às práticas sociais que circulam no cotidiano e aparecem ou se ocultam nas representações midiáticas. Embora reconheçamos sua importância e suas conexões, tão caras aos estudos culturais, reiteramos que este estudo se concentra na instância da produção dos textos televisivos. É a partir da produção do texto televisivo que apontamos elementos; é nos contextos que buscamos sentidos e nas representações que entendemos as práticas midiáticas. O circuito da cultura proposto por Johnson (2004) compara a televisão a um tecido, para falar sobre proximidade de suas faces. De um lado está a representação do real e do outro a realidade da vida cotidiana. E a conexão destas esferas nos oferecem as significações. A seguir, apresentamos na Figura 1 o circuito da cultura utilizado neste estudo, adaptado de Johnson (2004).

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Figura 1 – Circuito da cultura

Fonte: elaborado com base em Johnson (2004).

Nas formas textuais, incluímos a leitura do texto televisivo, amparado pela proposta de Casetti e Chio (1999), em que os autores estabelecem uma abordagem direcionada para a arquitetura dos elementos do texto, não restrita aos aspectos quantitativos dos elementos técnicos como figuras, ambientes, atores, entre outros. Estabelecemos as seguintes categorias para os programas selecionados e suas edições:4 o ator midiático, referente ao convidado; o texto televisivo, inclui o que está sendo falado e, por fim, o contexto enunciativo, que aborda o modo como é construído este texto. As condições de leitura são desenvolvidas a partir de entrevistas realizadas com apresentadores e com a coordenação da TV, portanto, trata-se de hipóteses de audiência, para, através da fala, perceber e interpretar sentidos que norteiam a produção dos programas que constituem o corpus do estudo. Assim, conseguimos perceber a produção da TV: suas prioridades, seus desafios e suas possibilidades. Incluímos uma pesquisa documental em endereços digi4

As gravações foram obtidas na TV Assembleia, após solicitação ao arquivo, no mês de junho de 2014. O material referente as últimas edições dos programas corpus da pesquisa foi disponibilizado em DVD.

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tais sobre os apresentadores e os seus programas, de modo a perceber que, mesmo diante das tecnologias e das convergências, os canais digitais não são utilizados como uma possível conexão, ambiente de pertencimento ou a possibilidade de uma comunicação de fato com a audiência. Na cultura vivida, oferecemos um panorama sobre as práticas sociais presentes no Rio Grande do Sul, onde a TV Assembleia existe e o lugar que ela atende enquanto meio de comunicação público. Trazemos características culturais, povos, etnias, ondas imigratórias a partir das quais pudéssemos oferecer uma parte da diversidade da região, para, assim, encontrar representações de que a mídia se apropria, reconhece e/ou ignora. Incluímos nesta instância uma reflexão e a atualização do cenário nas culturas vividas, de modo que pudéssemos perceber que algumas representações não permanecem em uma história distante. Desdobramos as condições de produção em uma série de outras instâncias perpassadas por ela, o que incluiu a aplicação de outras técnicas de coleta de dados, entre elas: formulário, necessário para atualizar os dados dos programas, sua equipe técnica, seu histórico, sua abordagem e o tempo na grade. Entrevistas com a equipe técnica e a coordenação da TV para conseguirmos visualizar e entender o objeto: o funcionamento, a proposta, a estrutura e a produção de conteúdo. Na busca por estas informações técnicas precisas sobre a grade, vimos a necessidade de acompanhar a gravação destes programas, e desta observação participante surgiram elementos, conexões e sentidos que permitiram estabelecer relações dentro do circuito adaptado proposto. Abarcamos aí a regulação das televisões públicas, os serviços de difusão, as leis de acesso à informação. Contudo, na análise a seguir enfocamos no texto televisivo em si.

A análise Quando falamos das representações midiáticas que buscamos analisar através das representações identitárias das quais a televisão legislativa se apropria, queremos verificar de que modo e através de quem a identidade gaúcha é representada e ainda o que isto significa. O programa Mateadas, que se define como promotor da cultura gaúcha, surpreendeu por possuir uma estrutura fechada, que acaba por promover a identidade gaúcha vinculada ao movimento tradicionalista. Na gravação que acompanhamos, em muitos momentos, a apresentadora e o convidado citam o MTG e a importância de pertencer a este “ambiente” de tradições. Na fala da apresentadora, também podemos perceber a valorização de uma tradição gaúcha que perpassa o machismo e reforça o preconceito de que o lugar da

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mulher se limita a estar ao lado da figura masculina. O contexto enunciativo produzido pela apresentadora e por seus convidados, por vezes, declara o favorecimento de certas representações identitárias e o favoritismo originário das relações pessoais que existem entre aqueles que ocupam cargos políticos e os demais colaboradores do legislativo. As representações identitárias encontradas no programa Mateadas não foram para além daquelas defendidas pelos tradicionalistas mais fervorosos, ou seja, a de um povo corajoso, bravo, trabalhador, representado pelo sexo masculino, em que o lugar destinado à mulher refere-se ao recato e ao papel de coadjuvante; um contexto enunciativo alinhado às representações identitárias cristalizadas no residual, que faz alusão direta aos senhores brancos, grandes proprietários de terras e sua cultura vivida num tempo histórico de formação cultural territorial, político e cultural do estado gaúcho; uma construção enunciativa muito próxima daquelas divulgadas pela mídia hegemônica detentora dos canais abertos de comunicação. O Confraria Castro Alves apresentou nas edições analisadas um contexto étnico e racial, conforme sua autodefinição, porém até o momento este tema também está restrito ao negro. Não foi possível visualizar o debate étnico e inclusivo que contemple outras identidades, ou seja, o desafio foi perceber se esta postura está limitada ao próprio nome do programa ou reflete o posicionamento do apresentador. Na sua definição no site, aparecem a luta contra o preconceito e a bandeira da inclusão de forma geral, supostamente, para além da identidade negra. Então, será que estaria dando conta de uma parte daquilo que propõe ou sua definição não é fidedigna ao que se produz? Como resposta, podemos dizer que, quanto à sua definição, ela está carente de contextos enunciativos que contemplem outras representações identitárias. Mesmo assim, ao revisarmos a história, podemos encontrar representações marcadas pelo preconceito, exclusão ou exploração, representações que são revistas no programa. O apresentador possui uma visão social e política sobre as práticas inclusivas, postura que foi manifestada na entrevista, mas que no programa limita-se a construir um contexto enunciativo de dualidade, explorando o lado militante destas causas. Entretanto não impõe seu conhecimento político e nem inclui outras representações no texto. Acaba por reproduzir a postura do Mateadas, que, na tentativa de reafirmar uma representação identitária que não possui espaço, que perde força na mídia hegemônica, que possui um forte apelo histórico, acaba privilegiando uma única identidade e excluindo as demais. Diante das edições analisadas, o aspecto inclusivo é reducionista e enaltece somente a representação do negro. Percebemos uma tendência do apresentador em produzir um texto televisivo que pode ser interpretado como res-

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tritivo a esta representação identitária. Ele se coloca como parte da comunidade negra com uma abordagem que se aproxima da diferença em relação ao outro (o não-negro), e não da inclusão, o que não aparece no posicionamento que o apresentador explicitou durante a entrevista. Na entrevista, ele discorre sobre uma postura social e política diante de práticas que visam à inclusão, sem salientar diferenças relacionadas ao preconceito pela cor ou pela cultura, mas, no programa, o texto enunciativo do apresentador se distancia. Do mesmo modo, reconhecemos nesta atração o valor cultural, quando estabelece um espaço para o debate sobre o preconceito e a história dos negros. O apresentador e os modos de falar induzem a pensarmos nele como limitado a uma etnia. Porém, na entrevista, o apresentador explica que a proposta do programa, mesmo que esteja contemplando a etnia negra, não tem o objetivo de excluir. O objetivo é mostrar ao telespectador que os desafios sociais impostos pelo preconceito são reais, que as complexidades em torno da cor oferecem obstáculos amarrados às questões culturais nas quais não reconhecemos as pessoas por aquilo que efetivamente são, mas de acordo com o que representam. Percebemos que a definição divulgada no site e o texto televisivo construído afastam-se da proposta do programa sustentada na fala do apresentador. Quando os convidados foram historiadores, em uma edição que faz parte desta análise e outra que, embora não possua o registro, acompanhamos via internet, a postura que privilegia uma raça ou etnia não aparece de forma tão evidente na fala dos entrevistados. Este perfil de convidado possui uma fala, que contextualiza a escravidão e os aspectos da colonização, problematiza os danos culturais. Embora não privilegie o negro na sua situação de igualdade, tenta incluí-lo no contexto social e histórico, reforçando a força da opressão a que foi submetido. No Faça a Diferença, percebemos, na fala daqueles que integram a produção, uma grande preocupação com a proposta e a definição da atração. Muito mais do que dar conta da questão estética, a produção está focada no conteúdo. Nas edições que acompanhamos na internet, apareceram matérias televisivas de dois funcionários da TV, portadores de deficiência e que até o momento da observação participante não sabíamos que se tratava daqueles que ocupam as vagas destinadas por lei ao estágio de pessoas com necessidades especiais. Uma hipótese que pode justificar o esforço em construir um conteúdo alinhado à proposta é o fato de a produção estar sob o comando da funcionária Michele Limeira, formada em jornalismo e coordenadora da TV há dois anos. Sua experiência na condução da TV pode refletir em uma produção mais ajustada aquilo que se propõe, já que os outros profissionais são técnicos e ficam por pouco tempo no canal.

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Encontramos no programa Faça a Diferença uma preocupação com a informação, com a realidade, com a inclusão que se sobrepõe a toda a ordem estética da mídia aberta. É uma produção que diversifica quadros, personagens, imagens e cenários, além de promover a inclusão que defende e diz representar na sua produção, isto sem apelar ao desconhecimento social e político que acabam por afetar a população como um todo. Ao contrário, oferece meios, exemplos, alternativas para que as pessoas não aceitem as limitações. O programa Faça a Diferença possui uma representação da força de vontade, da determinação, e não da diferença que menospreza ou exclui certa identidade. Os programas Cena Musical e Sarau no Solar não recorrem a representações identitárias privilegiadas ou a favorecimentos para cumprir com sua produção de conteúdos. Neles, os artistas gaúchos possuem um lugar que geralmente não encontram na mídia hegemônica. Os convidados passam por uma seleção que inclui outras referências que não apenas as da produção ou do apresentador do programa, como no caso do Sarau, que é produzido também pela Divisão de Promoções Culturais da Assembleia Legislativa. A seleção de músicos é baseada no reconhecimento de artistas gaúchos em um cenário musical diversificado e que transita por outros lugares. São referências externas, baseadas em premiações, reconhecimento e no público, que norteiam e garantem a variedade do que é apresentado. Nas edições analisadas fica evidente esta diversidade. O fato do condutor do programa ser um produtor cultural afina um formato que prioriza a pluralidade musical que passa pela música de todos os habitantes, que remete aos colonizadores, aos povoadores. Nestes dois programas é reconhecida a mestiçagem rítmica do país e do estado. O âncora salienta, sempre que possível, as diversas representações como o samba, o tango, os instrumentos indígenas, a influência da música clássica europeia, entre outros. São representações musicais e culturais que antes passam pelas representações identitárias de diversas etnias que compõem o RS. A produção de conteúdo aparece alinhada à proposta do programa divulgada pela televisão no seu endereço eletrônico. O programa Autores e Livros promove a literatura gaúcha de ficção, apresenta os autores e suas motivações criativas. No encontro com estes artistas, salientam-se as referências e as representações que foram importantes na construção de suas obras. Há no contexto enunciativo liberdade para o convidado expor sobre as temáticas que sustentam suas obras e sobre as representações identitárias dos personagens, embora ficção, a literatura e as demais artes carreguem identidades e práticas inspiradas na vida vivida. Notamos que no programa Cultura em Pauta há uma legitimação da cultura no sentido do erudito, baseado no valor de mercado e na importância

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histórica. As edições disponibilizadas apresentam temas como a cultura do Natal e sua origem europeia, falando de comemorações cristãs ou mostrando os chafarizes importados também do continente europeu, produzidos no período da Revolução Industrial, além de grandes artistas europeus que, no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, foram responsáveis por ornamentar templos católicos com suas obras sacras. Não só as temáticas, mas a própria vinheta de abertura sugere que a cultura que está em pauta não possui origem na classe popular, nem estaria acessível ao consumo destas pessoas. Na construção do texto jornalístico, as representações estão restritas ao requinte e à elegância. Não há abertura em nenhuma das edições para o registro de representações populares. O que as temáticas valorizam está na cultura legitimada. Em todos os programas e na abertura há referências ao catolicismo, seus santos, suas práticas. Os anjos, as divindades gregas e as romanas dividem espaço nestas temáticas, privilegiando representações identitárias consolidadas como a “apreciação do belo e do bom gosto”, em detrimento do popular, do periférico. Não há referências às diferentes culturas populares. A ênfase recai sobre o requinte e a grandiosidade das obras, muitas delas feitas para reis, rainhas, presidentes, grandes políticos e demais pessoas que tivessem poder. Na pauta não aparecem indícios da cultura negra ou latina ou indígena. Enfim, quando se pensa em pluralidade, em um espaço público, em uma produção que não obedece à lógica mercantil de consumo, ainda assim se faz o óbvio, o que já está dado, aquilo que está consolidado nas práticas e nas outras mídias. Pouco se acrescenta, diante da possibilidade e das condições de fazer diferente.

Conclusão A abordagem teórica somada a um instrumento metodológico, como o circuito, possibilitou as respostas pertinentes ao problema de pesquisa deste trabalho. Diante do material, conseguimos estabelecer as relações, as conexões e os elementos constitutivos das práticas sociais. Reconhecemos na TV Legislativa um esforço em oferecer espaços que promovam a diversidade, a pluralidade e proporcione um lugar para as mais diversas representações. Ainda que disponha de um espaço público, que não responde às práticas mercantis dos canais comerciais, possui dificuldades em fazer destes espaços um ambiente de comunicação de fato. Quanto a isso, identificamos alguns fatores: há a limitação técnica da emissora, há uma limitação física, a terceirização das atividades de produção e técnica representam uma rotatividade de recursos humanos que impede a fixação de atrações na grade. A institucionalidade e a função principal de atender as atividades do legislati-

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CANABARRO, T. D.; LISBOA FILHO, F. F. • O (con)texto da TV Assembleia – RS...

vo dificultam a construção de uma grade rotineira. As tecnologias de divulgação também não permitem ampliar ou buscar esta audiência. Com isto, identificamos que, diante da diversidade que o estado possui no que tange suas práticas sociais, o canal não oferece tantas representações. Por vezes se distancia da inclusão que propõe, e em outras atrações faz uso do texto que produz e apresenta uma representação de práticas reais. Em algumas atrações, encontramos representações privilegiadas e em outras identificamos a diversidade que problematizamos neste texto. Alguns programas oferecem liberdade para entendermos a cultura e as representações no sentido amplo e diverso, enquanto outros nos oferecem uma leitura viciada em representações legitimadas por outros discursos midiáticos e promovem a exclusão. Podemos dizer, que a TV Assembleia por vezes reproduz representações hegemônicas, mas também oferece espaços democráticos e plurais. Isto pelos motivos já justificados no decorrer da pesquisa. São motivos que interrompem a possibilidade de avançar e construir conteúdo cada vez mais inclusivo, de qualidade e de pertencimento. A produção de conteúdo está subordinada à mesa diretora da casa, a produção política é a prioridade e os programas culturais completam a grade, cumprindo com aquilo que a legislação determina: a oferta de atrações educativas, culturais e artísticas. Esta institucionalidade não é definida como um aspecto negativo. O que estamos problematizando e propondo com esta análise é ampliar as competências para que possamos contemplar o coletivo, as origens, as práticas, as culturas, para que possamos, através de um meio de comunicação público, oferecer lugar para as representações identitárias, e não apenas as representações políticas. A questão não é equiparar com mídias comerciais, ao contrário é ser diferente, ser inclusiva, usar com qualidade um espaço garantido e público.

Referências CASETTI, Francesco; CHIO, Frederico di. Análisis de la televisión: Instrumentos, métodos e prácticas de investigación. Barcelona: Paidós, 1999. CEVASCO, Maria Elisa. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra, 2001. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Cartografia dos estudos culturais. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. HALL, Stuart. Da diáspora. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p.103-133.

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

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O papel estratégico das TVs públicas – as novas audiências e as possibilidades de inclusão digital Cosette Castro

Introdução Este artigo foi desenvolvido pensando três níveis de reflexão: a TV pública digital como espaço estratégico de políticas públicas e inclusão social e digital; a comunicação direito humano; e a produção local, estadual e nacional de conteúdos digitais interativos, como espaço de desenvolvimento. No primeiro nível, a TV pública1 é vista como uma parte da comunicação pública, aqui entendida como espaços que possibilitam a participação cidadã junto a empresas públicas de comunicação e que podem acontecer de forma analógica ou digital. A comunicação pública – desde o ponto de vista da inclusão social e digital – é considerada estratégica por possibilitar políticas públicas voltadas para a produção de conteúdos audiovisuais digitais locais, estaduais e nacionais, estimulando o desenvolvimento socioeconômico nacional e regional, caso essa produção de conteúdos audiovisuais digitais extrapole as fronteiras do Brasil. Desde o ponto de vista cidadão, a comunicação pública está relacionada ao direito da população de se informar, de ser informada (e/ou emitir opinião), assim como dessa mesma população produzir conteúdos audiovisuais (analógicos ou digitais) que possibilitem o diálogo entre diferentes grupos sociais. Já a comunicação pública digital abrange os espaços virtuais em que circulam informações e/ou opiniões através de conteúdos audiovisuais digitais interativos em diferentes plataformas tecnológicas. No caso deste artigo, trato de conteúdos audiovisuais voltados para a TV pública digital, levando em consideração o papel social do jornalismo em particular e da comunicação2 como um todo. No segundo nível, a TV pública é estudada neste artigo desde o ponto de vista da comunicação como um direito humano, em que os sujeitos sociais A TV pública inclui todas as TVs, estatal, federal, como a TV Brasil, as TVs estaduais, as TVs comunitárias, as TVs legislativas e as TVs universitárias. 2 Comunicação é aqui pensada no seu sentido original, latino, de partilhar, tornar comum. 1

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têm direito a fontes de informação diversificadas, através de diferentes meios de comunicação, assim como têm direito ao acesso às diferentes plataformas tecnológicas, sejam elas analógicas ou digitais. Sendo a comunicação vista como um direito humano, a produção e a circulação de conteúdos audiovisuais3 é pensada gratuitamente, estando disponível para todos os cidadãos, embora, no caso da TV pública digital federal, a TV Brasil, seu sinal ainda não tenha o mesmo alcance de canais comerciais, como a Rede Globo. Além disso, como um direito humano, os cidadãos têm direito a enviar informações e opinião para as TVs públicas, estimulando o jornalismo colaborativo e cidadão. No terceiro nível, o presente artigo trata do projeto Brasil 4D – etapa Distrito Federal (DF) desenvolvido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) nos anos de 2014-2015 nas cidades de Ceilândia e Samambaia, cidades satélites de Brasília, com oferta de conteúdos audiovisuais interativos para famílias de baixa renda que recebem auxilio do Programa Bolsa Família – no âmbito federal – e do Programa DF Sem Miséria – no âmbito distrital. Quadro 1 – Crianças usando videojogo na TV digital interativa

Fonte: EBC.

Esta etapa do projeto dá continuidade aos trabalhos em laboratório e de campo realizados sobre televisão digital interativa (TVDi) nos anos de 20122013 em João Pessoa, na Paraíba, que resultou no Estudo do Impacto Socioeconômico do Projeto Brasil 4D em João Pessoa4, patrocinado pelo Banco Mundial, pelo governo da Espanha e pela EBC. Os dois projetos (João Pessoa/Paraíba e

Esses conteúdos audiovisuais são pensados a partir de conteúdos laicos, como instrui a Constituição Brasileira, embora a TV Brasil siga oferecendo conteúdos religiosos à população. 4 Estudo que foi editado e atualizado pela autora deste artigo. Disponível em: <http:// www.ebc.com.br/sites/default/files/brasil_4d.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2016. 3

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Distrito Federal) se baseiam no modelo nipo-brasileiro de televisão digital (TVD) utilizando o middleware Ginga5 desenvolvido em software livre que já foi adotado por 16 países, além do Brasil, e que foi considerado o melhor sistema de TV digital do mundo, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT) em 2010.

Sobre televisão pública digital Vale lembrar que a digitalização das mídias é um processo que ampliou e deu visibilidade a participação dos diferentes públicos a partir dos anos 90 do século XX, retirando as audiências do estereótipo de serem passivas6 e frágeis frente às tecnologias da informação e comunicação (TICs). O que ocorria, em tempos de mídias analógicas, é que as possibilidades de participação eram restritas as cartas, aos fax, aos telefonemas, ao uso do controle remoto e à mudança de canal, estando estas duas últimas alternativas reduzidas ao mundo privado (nos lares). As audiências eram (muitas vezes) previsíveis, porque, dada a falta de opções, inclusive tecnológicas, aceitavam as informações e a programação (na televisão e no rádio) impostas pelas empresas de comunicação. Uma das características mais marcantes do processo de mudança do mundo analógico para o digital é a passagem da comunicação unidirecional (produção – mensagem – recepção) para a comunicação bidirecional, dialógica e interativa que não acontecia anteriormente no caso da televisão analógica e do broadcasting7 (CASTRO e BARBOSA FILHO, 2008; CASTRO, 2009, 2010 e 2011; CASTRO e FREITAS, 2013). Nesse sentido, a digitalização permite recuperar o sentido latino da palavra comunicação, ou seja, de comunhão e compartilhamento particularmente desde o ponto de vista da inclusão social, já que a televisão aberta é oferecida gratuitamente. No mundo digital, o campo da produção (empresa de televisão) envia a mensagem, que é recebida pelos sujeitos sociais (audiências). Esses sujeitos sociais têm a possibilidade de responder e interagir com o campo da produção A tecnologia brasileira que permite a interatividade, a portabilidade e a interoperabilidade entre os diferentes sistemas de televisão digital foi desenvolvida pelos pesquisadores Luis Fernando Gomes, da PUC-RJ, e Guido Lemos, da UFPB, e pode ser utilizada por dispositivos móveis, como smartphones, celulares com sistema on seg, mini TVDs, GPS, assim como pela TVDi e por IPTV. 6 A noção de audiências passivas foi trazida pela Escola de Frankfurt dentro do contexto da Segunda Guerra Mundial e ampliada até nossos dias, deixando de lado as possibilidades ativas das audiências, mesmo que fossem restritas a mudar de canal ou desligar a TV no mundo analógico. 7 Sistema de radiodifusão usado pela TV aberta e pelo rádio consiste no envio de uma mesma informação de áudio e/ou vídeo para várias pessoas ao mesmo tempo de forma gratuita. À diferença dos computadores mediados por internet, o broadcasting permite, pelo ar, a simultaneidade; isto é, chegar a milhões de pessoas ao mesmo tempo sem o risco de cair a rede. 5

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pelo sinal enviado pelo ar, sem custos extras, transformando radicalmente a relação entre os dois âmbitos, através da bidirecionalidade. No caso da televisão pública digital interativa (TVPDi), a população pode interagir utilizando o controle remoto, sem nenhum custo, usando canal de retorno.8 Com a chegada da TV pública digital interativa, independente de classe social, as novas audiências ganham a possibilidade de entrar gratuitamente no mundo digital de forma participativa, e não somente como consumidora de produtos audiovisuais, como propõem as empresas de comunicação e telefonia comerciais.9 Isso porque a interatividade que o middleware Ginga permite, colabora para incluir digitalmente a população de baixa renda sem acesso a internet – mais de 107 milhões de pessoas, segundo dados da pesquisa PNAD/ IBGE10, 2014. Esta população não usufrui dos serviços públicos e benefícios interativos disponíveis na internet para as classes média e alta. Para alguns autores, como Marshall (2004), a interatividade é a principal característica da passagem do mundo analógico para o digital. Acredito que aí reside o caráter potencialmente revolucionário das tecnologias – independente do tipo de plataformas em que os conteúdos audiovisuais digitais circulem ou onde sejam acessados. A interatividade digital permite o retorno à comunicação dialógica, em que a participação de seus atores sociais é tão importante quanto daqueles que produzem a informação ou outros tipos de programação. Com o desenvolvimento de internet, pesquisadores de língua inglesa e espanhola11 anunciaram a morte do broadcasting – televisão pelo ar, aberta e gratuita e passaram a considerar a IPTV, a televisão pelo computador, e a TV digital por assinatura12, dois modelos de negócios pago, como o futuro da teExiste toda uma discussão especializada nos níveis de interatividade possíveis na TV digital, mas não é o tema deste artigo. 9 Como não encontraram um modelo de negócios rentável para a TV digital interativa – sistema que exige mais custos de produção e edição e inclui a participação e opinião das audiências no Brasil as empresas de TV comerciais e as empresas de telefonia móvel sistematicamente boicotam o projeto de interatividade na televisão. Sobre o tema, ver os debates entre os campos público e privado nas reuniões do Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV (GIRED), responsável pelo processo de desligamento da TV analógica no Brasil. Seus membros foram indicados pela Anatel e tiveram os nomes publicados na portaria n. 1.435, do dia 16/12/2014, no Diário Oficial da União. 10 Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 11 Em língua espanhola é possível citar autores como Carlos Scolari e Eliseo Verón, em El Fin de los Medios Masivos (2009). 12 As duas formas de TVD exigem o uso de uma segunda tela para realizar a interatividade indireta entre as empresas. O termo “segunda tela” foi criado nos EUA como uma forma indireta de interatividade, já que aquele país – diferente do Brasil – escolheu um modelo de TV digital sem interatividade, apenas com melhora de som e imagem. A TV digital aberta comercial no Brasil também estimula a segunda tela, pois as emissoras privadas ainda não descobriram formas de ganhar dinheiro com os recursos interativos. 8

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levisão. No entanto, esses mesmos pesquisadores desconsideraram ou desconhecem alguns fatores importantes na realidade latino-americana, em especial a brasileira. Entre estes fatores estão o ainda baixo índice de acesso e uso de internet no país, em que – de acordo com os dados da pesquisa PNAD/IBGE (2014) – 52% da população não têm acesso à internet. Entre os 48% de incluídos digitais – com acesso à internet – apenas 0,08% possuem banda larga. Além disso, entre os incluídos, os níveis e a qualidade de acesso são diferentes nas capitais e nas cidades de pequeno porte, e mais restritos ainda no mundo rural. Essa inclusão digital restrita é também diferenciada entre os que utilizam internet através dos celulares e smartphones, pois 75% são aparelhos pré-pagos, de acordo com o site Teleco13 (2016), uma realidade que se repete em toda América Latina.

A TV segue sendo a preferida No Brasil, a televisão aberta segue sendo o principal meio de informação e entretenimento da população. De acordo com o IBGE, 98% da população urbana possuem aparelho de TV, assim como 96% da população rural. O hábito de assistir conteúdos televisivos e de falar sobre televisão domina as redes sociais digitais (RSD). Nas classes média e alta incluídas digitalmente que utilizam redes sociais digitais como o microblog Twitter, 97% dos tuiteiros assistem televisão todos os dias. Segundo a diretoria do Twitter na América Latina em pesquisa realizada em 2014, 76% dos tuiteiros assistem TV e utilizam o celular. Eles utilizam o microblog como espaço para falar da televisão (de programas ou celebridades) ou para comentar sobre esportes (que, em geral, assistem pela TV). Ou seja, independente da plataforma utilizada, a população adulta segue assistindo conteúdos audiovisuais televisivos. Apesar do crescimento das tecnologias digitais, o público infanto-juvenil também segue assistindo massivamente televisão no Brasil. Em 2004, o tempo médio por dia de exposição à TV era de 4h43min e, 10 anos depois, em 2014, o tempo médio chegou a 5h35min. Dados coletados pela Fundação Getúlio Vargas em 2015 indicavam que a tendência do tempo de exposição das audiências infanto-juvenis à TV subiria ainda mais. Até 27 de maio de 2015, havia sido registrada uma média de 5h35min, o mesmo tempo obtido no ano inteiro de 2014.14 Apesar do aumento, poucos desses conteúdos audiovisuais eram nacionais. Isso porque apenas as TVs públicas – com baixos índi-

13 14

Mais informações no site Teleco. Disponível em: <www.teleco.com.br>. Isso levando em consideração apenas as horas na frente de aparelhos de TV, já que o estudo não incluía as horas de televisão assistidas nos celulares ou smartphones.

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ces de audiência – oferecem programação nacional para o público infantojuvenil, uma lacuna que mostra a necessidade urgente de desenvolver programação nacional/local de animação e demais conteúdos especializados no público infanto-juvenil, como programas de auditório, programas culturais e educativos, jogos, telenovelas, series e filmes brasileiros.

Projeto Brasil 4D – Etapa DF Na Etapa DF do projeto Brasil 4D foi realizado um trabalho transdisciplinar , com diferentes equipes atuando ao mesmo tempo e acompanhando, em reuniões coletivas, presenciais, semipresenciais e virtuais o andamento dos trabalhos. No Distrito Federal, o Projeto envolveu mais de 50 pessoas em diferentes cidades do país. 15

Quadro 2 – Equipe Transdisciplinar

Fonte: A autora.

Isso mostra uma diferença fundamental da 1ª etapa do projeto, em João Pessoa, quando profissionais e pesquisadores definiram estratégias conjuntas de trabalho tecnológico, mas não do audiovisual. Como consequência, as universidades16 envolvidas na primeira etapa criaram produtos audiovisuais interativos isolados. Na Etapa DF do Projeto Brasil 4D todo processo foi concebido em conjunto. Como o concebe Jesús Martín-Barbeiro, um diálogo entre as ciências, e Edgar Morin, através da Carta da Transdisciplinaridade (1994), que se encontra disponível na internet. 16 UCB, UFSC e UFPB. 15

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Quadro 3 – Conteúdo audiovisual interativo sobre oferta de serviços públicos – carteira de identidade – desenvolvido na 1ª etapa do Projeto Brasil 4D em João Pessoa

Fonte: UFPB.17

Na Etapa DF, sob a coordenação da EBC, pesquisadores e profissionais das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste debateram e puseram em prática soluções relacionadas ao design das telas da TV, testando as apresentações das telas dos programas interativos, que passaram a ser utilizadas clicando em botões na vertical e na horizontal18, assim como para cima e para baixo, ampliando os níveis de compreensão e acessibilidade das audiências de baixa renda. Quadro 4 – Conteúdo audiovisual interativo sobre oferta de serviços públicos – carteira de identidade desenvolvido pela 2ª etapa do Projeto Brasil 4D

Fonte: EBC.

A equipe transdisciplinar também encontrou novas soluções relativas à questão audiovisual interativa propriamente dita, assim como tecnológicas, 17 18

Disponível na internet. Na 1ª etapa do projeto só era possível usar os botões verticalmente.

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como o carrossel de dados, como mostra o Quadro 5. Além dos conteúdos e serviços públicos oferecidos pelo governo do DF foram oferecidos conteúdos audiovisuais interativos de bancos públicos (BB e Caixa), além de campanhas em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social. Quadro 5 – Menu Principal: unidade audiovisual foi uma das características do Projeto Brasil 4D no DF

Fonte: EBC.

Todo material audiovisual interativo era acompanhado de: 1) um/a apresentador/a que ensinava/lembrava como utilizar os recursos interativos, como mostra o quadro 5; 2) serviço de audiodescrição (botão amarelo do quadro 5); 3) dramaturgia da família Brasil 4D que introduzia, em forma de mininovela, os temas a serem tratados na programação. As estórias curtas de até 4 minutos – à exceção da estória de abertura da mininovela que tinha 7 minutos – foram desenvolvidas por profissionais de comunicação capacitados19 para escrever roteiros audiovisuais interativos e contou também com a participação de profissionais de comunicação das Secretarias do governo do DF envolvidas no projeto (Saúde, Mulher, Trabalho, Assistência Social, entre outros), assim como da EBC. As gravações foram realizadas na Empresa Brasil de Comunicação em conjunto com a produtora contratada para filmar e finalizar as gravações. Foram selecionados artistas amadores, inclusive alguns moradores das comunidades em que o projeto seria desenvolvido, em Ceilândia e Samambaia. Os personagens foram escolhidos de acordo com as características das 19

A capacitação foi desenvolvida pelo Observatório Latino-Americano das Indústrias de Conteúdos Digitais (OLAICD)/UCB.

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famílias de baixa renda selecionadas. A “Família Brasil 4D” contava com seis pessoas: um casal de segundo casamento, uma filha de 18 anos do primeiro casamento da mãe, dois filhos do segundo casamento, e a mãe do marido, como personagem de terceira idade, migrante nordestina, como mostra o Quadro 6. Quadro 6 – Família Brasil 4D

Fonte: EBC.

Além da utilização de formatos televisivos, serviços públicos e aplicativos interativos, o Projeto Brasil 4D – Etapa DF utilizou a linguagem dos videojogos20 na TV para tratar sobre a Lei Maria da Penha. Esses jogos interativos tornaram acessíveis os mais de 100 artigos existentes sobre direitos da mulher, assim como sobre temas relacionados à saúde para toda a família. Com base na experiência anterior de João Pessoa, em que as crianças e os adolescentes atuaram como facilitadores dos recursos interativos para os adultos, no Distrito Federal o uso de videojogos, agora mais elaborados e sofisticados, ajudou a abordar temas delicados, como a violência doméstica, através do recurso lúdico dos videojogos, dentro da televisão interativa, unindo diferentes gerações. Antes de começar cada jogo, a tela mostrava como utilizar os recursos do controle remoto interativo na TV, no lado direito da tela, conforme mostra o Quadro 7.

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Desenvolvidos pela Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul.

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Quadro 7 – Videojogo sobre direitos das Mulheres – Brasil 4D – Etapa DF

Fonte: EBC.

Através do canal de retorno, a atualização da programação era realizada durante a noite, principalmente em serviços públicos, como oferta de emprego pela TV, algo inédito no mundo. Quadro 8 – Serviços públicos como oferta de empregos pela TV

Fonte: EBC.

Conclusões As famílias de baixa renda selecionadas através de sorteio em Ceilândia e Samambaia receberam um conversor digital (com o Ginga, middleware da interatividade embutido), um controle remoto e uma antena externa.21 Perten21

A experiência em João Pessoa mostrou que as antenas externas são mais eficazes.

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ciam as classes D e E que recebem auxílio do Programa Bolsa Família – âmbito federal – e do Programa DF Sem Miséria – no âmbito distrital. Ou seja, eram famílias cuja renda não ultrapassava R$ 300,00 por mês. Essas famílias têm baixo nível de escolaridade22, de formação profissional e de alfabetização digital. Possuem celulares pré-pagos, eram em geral “recebedores”23 de chamada e são trabalhadores informais. Por outro lado, 91% dessas famílias de baixa renda possuem televisão, em contraposição a apenas 8% com acesso à internet. Tal realidade mostra que a TV pública digital interativa pode colaborar para melhorar a qualidade de vida da população de baixa renda utilizando projetos interativos de diferentes maneiras: 1) através a oferta de serviços públicos interativos, evitando que as pessoas saiam de casa sem informações ou documentos; 2) ampliando a oferta de audiovisuais interativos em vários formatos, por exemplo de ficção (telenovelas, filmes interativos ou videojogos); 3) ampliando a oferta de canais interativos, através da multiprogramação. Porém, para que isso ocorra em escala nacional – e não apenas em projetos-piloto como os de João Pessoa, Ceilândia e Samambaia – é preciso que projetos audiovisuais interativos voltados para TV pública digital e para a convergência de mídias sejam definidos como políticas públicas de Estado de longa duração, uma vez que – como comentado anteriormente – somente no Programa Bolsa Família existem 14 milhões de famílias em situação de pobreza que possuem um aparelho de TV em casa, ainda que pelo menos 20% deles sejam televisões de tubo. Ou seja, são pelo menos 60 milhões de pessoas que poderiam receber informações, entretenimento e formação gratuita através da TVPDi, poderiam interagir e enviar sua opinião diariamente através do controle remoto da TV. De um lado, essas populações teriam uma alternativa à programação da mídia comercial aberta, e, de outro, as TVs públicas digitais interativas teriam a chance de conquistar audiências que até hoje não tiveram no Brasil. No entanto, é preciso levar em conta as características dessas audiências, que necessitam de conteúdos, serviços e aplicativos audiovisuais interativos que possam ser visualizados e utilizados com a mesma qualidade em

Dos selecionados, 3,4% eram analfabetos, 38% possuíam ensino fundamental incompleto e apenas 21,9% ensino médio completo. 23 Com pouco dinheiro para comprar crédito, os aparelhos são usados para receber chamadas. Em geral, possuem mais de um chip. 22

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TVs de tubo, celulares com recursos one seg24 e em TVs digitais de tela plana. Essas audiências também precisam de conteúdos audiovisuais interativos claros e simples, que colaborem para a alfabetização digital. Se for pensada dentro de uma perspectiva foucaultiana sobre saberes e poderes25, o uso da TV pública digital interativa com programação direcionada também à população de baixa renda oferece uma possibilidade de deslocamento e inclusão social. Isto é, de deslocar esses saberes e poderes restritos a quem pode comprar e já possui acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), como as classes média e alta – oferecendo gratuitamente outras forma de acesso, informação e participação à população brasileira de baixa renda, até então invisível socialmente e pouco participativa nas mídias digitais.

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24 25

Sistema que permite receber a televisão digital aberta pelo ar, gratuitamente para a população. Michael Foucault possui uma vasta obra que permite pensar as estratégias de dominação através do saber e do poder, assim como as formas de exclusão social.

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Análise da programação da TV Cultura: um enfoque sobre categorias e gêneros televisivos1 Elza Aparecida de Oliveira Filha Fabio Silva Ladeira

Introdução O modelo de televisão no Brasil nasceu dentro de uma forte lógica comercial herdada do rádio. O pioneiro Assis Chateaubriand, que inaugurou a TV Tupi de São Paulo em 1950, era proprietário de jornais e emissoras de rádio, integrantes do grupo Diários Associados. O sistema de negócio adotado por boa parte dos programas desde o início da televisão foi o patrocínio – muitos ostentavam em seus próprios títulos o nome da marca patrocinadora, como “Teatrinho Trol”, “Sabatina Maizena”, “Telenotícias Panair”. Os cenários político e econômico refletiam na programação – que é aqui o nosso principal interesse de estudo; os programas, apesar de serem produzidos para uma elite que tinha poder aquisitivo para comprar os aparelhos receptores, tinham que ter baixo custo de produção, por isso eram transmitidas adaptações de peças de teatro, apresentações de balé e concertos de música clássica. Percebe-se a influência tecnológica e econômica como determinante dos formatos e gêneros televisivos desde a origem da televisão. Na década de1960, com o barateamento dos aparelhos de televisão que agora eram produzidos em larga escala e com uma tecnologia mais aprimorada, um maior número de domicílios passa a receber a programação. Em 1962 o país alcança a marca de um milhão de aparelhos vendidos, e a tevê ultrapassa o rádio na distribuição percentual dos investimentos publicitários. A partir de 64, com o golpe militar e o governo autoritário, desenha-se um projeto da TV Pública, que no Brasil estava associada às TVs Educativas. Em 1960, a primeira experiência de educação por meio da televisão foi desenvolvida em uma parceria entre a Secretaria de Educação de São Paulo e os 1

Reescrito para o presente livro, este trabalho foi inicialmente apresentado no DT 5 – Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 4 a 6 de junho de 2015, em Joinville (SC).

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OLIVEIRA FILHO, E. A. de; LADEIRA, F. S. • Análise da programação da TV Cultura

Diários Associados, que detinham a concessão do Canal 2, chamado TV Cultura: um telecurso de admissão ao ginásio (nível de ensino que corresponde aos atuais quinto até oitavo ano). Dois anos depois, destruída por um incêndio, a Cultura saiu do ar. Percebendo o poder de disseminação da televisão, o governo do Estado de São Paulo comprou, em 1965, a concessão do canal 2 de Assis Chateaubriand. No entanto, a primeira TV Pública do Brasil demorou ainda algum tempo para se efetivar: em 1968 foi criada a Fundação Padre Anchieta (FPA), mantida pelo poder público, mas com estatuto de direito privado para impedir que os interesses dos detentores do governo prevalecessem na programação.2 Um ano depois, a TV Cultura iniciou suas transmissões, com quatro horas diárias de programas e uma proposta de oferecer informação de interesse público, aprimoramento educativo e cultural. Por outro lado, desde 1965, o Governo Federal buscava a implementação de um sistema de televisão ligado ao Estado, tendo reservado, para fins educativos, cem concessões de canais para o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e instituído, no ano seguinte, o Fundo de Financiamento de TV Educativa. A proposta era criar emissoras públicas que atendessem aos interesses do regime em seu projeto de integração nacional e a difusão de suas ideologias. Sobre isso Leal Filho (1988, p. 33), afirma: “A criação da TV Educativa é uma clara decisão política neste cenário. É neste capítulo da história da televisão que a atuação do regime militar, até então discreta, indireta, torna-se explícita”. Ao longo das décadas, houve várias tentativas de estabelecer um modelo de televisão pública no Brasil, no entanto, o mais relevante foi a TV Cultura de São Paulo que conseguiu atingir parâmetros internacionais de qualidade em sua programação. Apesar de seu caráter de serviço público, que busca garantir a cidadania por meio da democratização do acesso à cultura e ao conhecimento, sua história foi marcada por muitos embates políticos de grupos que visavam atender aos próprios interesses. A TV Cultura permanece até hoje como símbolo de qualidade, muito embora a audiência não corresponda à alta consideração dispensada ao seu padrão de produção televisiva. 2

Esta estrutura administrativa se mantém até hoje, com algumas alterações estatutárias ao longo das décadas. A FPA continua sendo bancada majoritariamente com recursos públicos e sustenta as emissoras ligadas ao Estado. A dependência desta fonte de recursos é o principal entrave para garantir autonomia à TV Cultura, pois, quando existem embates entre a Fundação e os ocupantes do Palácio dos Bandeirantes, as verbas são drasticamente reduzidas, como já ocorreu várias vezes nos 50 anos de história da emissora. Outras fontes de renda da Cultura são os apoios de empresas privadas ou públicas a determinadas produções e o licenciamento de produtos a partir de programas de maior audiência, como Castelo Rá-tim-bum ou Cocoricó.

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Carolina Mandaji (2015), em um estudo sobre o programa Cocoricó, produzido pela TV Cultura, elenca três características da emissora: 1) A TV Cultura não é estatal, nem oficial, embora receba verbas dos cofres estaduais; também não é comercial [...] 2) A TV Cultura propõe programas com conteúdos que aliam os conceitos de educação e cultura, valorizando a cultura nacional brasileira [...] 3) A TV Cultura adiciona a estes conceitos o de entretenimento, dando mais atenção aos aspectos técnicos e de qualidade de imagem (MANDAJI, 2015, p. 49).

A mesma pesquisadora menciona que, nos últimos anos, a emissora tem atravessado uma grave crise financeira, fruto dos investimentos reduzidos determinados pelo governo paulista, mas conseguiu manter uma programação dirigida especialmente ao público infantil e “considerada pelos críticos, teóricos e seus telespectadores, como de qualidade” (MANDAJI, p. 41).

Os gêneros na programação televisiva O mais referenciado trabalho sobre categorias, gêneros e formatos da televisão no Brasil é a pesquisa de José Carlos Aronchi de Souza, datada de 1996 e publicada em livro no início dos anos 2000. O autor identificou cinco categorias (entretenimento, informação, educação, publicidade e outros), 37 gêneros (com volume mais expressivo na categoria entretenimento) e 31 formatos de programas no levantamento feito a partir das grades de sete redes de televisão. De acordo com ele, a separação dos programas em categorias justificase pela necessidade de classificar os gêneros correspondentes, pois as categorias abarcam variados gêneros. A classificação considera elementos que unem “o espaço de produção, os anseios dos produtores culturais e os desejos do público receptor” (SOUZA, 2004, p. 37). As cinco categorias, defende o autor, são suficientes para englobar a natureza e as funções da televisão, que deve instruir, entreter e informar. Esta classificação, no entanto, está longe de ser estática, e registram-se com frequência programas que relacionam, por exemplo, características de entretenimento às de programas educativos – como ocorre com atrações da grade da TV Cultura, em especial os programas destinados ao público infantil. Cada vez mais, os formatos de entretenimento, tais como seriados, clipes de música e programas de jogos, estão sendo utilizados para transmitir à audiência mensagens educativas. Esta inovadora estratégia de mídia é denominada entretenimento-educação e definida como inserção de conteúdo educativo em mensagens de entretenimento com o intuito de ampliar o conhecimento de um assunto ou tópico (SINGHAL, 1992, p. 151 apud SOUZA, 2004, p. 40).

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Abaixo, o quadro da classificação de Aronchi de Souza, que é empregado para identificar os programas da TV Cultura de São Paulo, objeto do presente estudo. Categorias e gêneros dos programas na TV brasileira Categoria

Gênero

ENTRETENIMENTO Auditório, Colunismo Social, Culinário, Desenho Animado Docudrama, Esportivo, Filme, Game Show (Competição) Humorístico, Infantil, Interativo, Musical, Novela, Quiz Show (Perguntas E Respostas), Reality Show (TV Realidade), Revista, Série, Série Brasileira, Sitcom (Comédia De Situações), Talk Show, Teledramaturgia (Ficção), Variedades, Western (Faroeste) INFORMAÇÃO

Debate, Documentário, Entrevista, Telejornal

EDUCAÇÃO

Educativo, Instrutivo

PUBLICIDADE

Chamada, Filme Comercial, Político, Sorteio, Telecompra

OUTROS

Especial, Eventos, Religioso

Fonte: SOUZA, 2004, p. 92.

Estudos sobre gêneros devem considerar as relações do momento de produção e/ou transmissão do programa com aspectos históricos e culturais. “Os gêneros podem, portanto, ser entendidos como estratégias de comunicabilidade, fatos culturais e modelos dinâmicos, articulados com as dimensões históricas de seu espaço de produção e apropriação” (SOUZA, 2004, p. 44 – grifos no original). De acordo com Arlindo Machado (2005, p. 29), “investigações empíricas têm demonstrado que tanto a produção quanto a recepção televisual continuam se baseando fortemente em núcleos de significação coerentes, como os gêneros e os programas”. Fechine igualmente concorda com a abordagem: Por envolver uma relação social de reconhecimento, um gênero se define sempre, em condições específicas para cada esfera da comunicação e em dada época, em relação a outros gêneros. Ou seja, a apropriação e o reconhecimento de um determinado gênero discursivo é, antes de mais nada, o resultado de uma “cultura de gêneros” (FECHINE, 2001, p. 16).

Assim como as categorias, os gêneros televisivos igualmente se interpenetram e se mesclam, muitas vezes complicando a identificação. Aronchi de

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Souza (2004, p. 51) lembra que não é difícil definir categoria e gênero comparando um filme de kung-fu com um musical: “Mas, com programas de televisão, precisamos fazer algumas extensões para identificá-los, e mesmo assim a classificação é mais difícil”. A classificação do gênero de um programa televisivo conduz à busca do reconhecimento de seu formato, já que, de acordo com Souza (2004, p. 45), a “forma” é a característica que ajuda a definir o gênero. O desenvolvimento e a explosão dos formatos de TV no mundo têm sido um fenômeno extraordinário nos últimos anos [...]. as emissoras de todo o mundo procuram um formato “salvador da pátria” que resolva o problema de audiência em toda a temporada de programação. Os formatos são a base do êxito, mas muitas vezes é difícil distinguir o essencial do secundário, para apontar qual é o motivo do triunfo de um e porque ele é diferente do outro (SOUZA, 2004, p. 47).

Como a presente pesquisa não avançará na análise dos formatos presentes na TV Cultura, é suficiente citar, para efeito de exemplificação, alguns dos 31 formatos listados pelo autor. De acordo com a classificação de Souza, os programas podem ter formatos ao vivo, gravado, em auditório, usar câmera oculta (como nas “pegadinhas”), ser dublados, ter narração em off, ser testemunhais, etc.3 Um aspecto importante a ser considerado, quando se abordam questões sobre categorias, gêneros e formatos, é a totalidade da programação, entendida como o conjunto de atrações transmitidas por uma emissora ou rede, cujo principal elemento é o horário de veiculação de cada programa. Segundo Caparelli e Lima (2004, p. 96) as grades de programação são organizadas mais em torno de gêneros do que de programas isolados: “O texto cria uma trama com outros textos e o telespectador às vezes reage mais diante da trama como sistema de referência do que diante de programas individuais”. Para os autores, o pacto com a audiência não se faz pela quantidade ou variedade de programas exibidos, mas pela escolha de gêneros negociados e aceitos como principais, que passam a ocupar os horários mais importantes e que se alternam ao longo do tempo. Em 1978, por exemplo, os programas esportivos ocupavam apenas 5% da programação da televisão brasileira; vinte anos depois este percentual subiu para 12, 83%. Por outro lado, o gênero ficcional passou de 50% da grade em 78 para 22,16% em 1997 (CAPARELLI; LIMA, 2004, p. 106). 3

Uma esclarecedora classificação de formatos é proposta por Fechine (2001), com base em critérios estético/culturais e sempre reconhecendo que os programas apresentam combinações de formatos. São 12 formatos de acordo com características fundantes: no filme, no diálogo, no folhetim, no jogo, no apelo pedagógico, no jornalismo, na performance, na transmissão direta, etc.

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O estabelecimento de horários para veiculação de diferentes gêneros de programas se justifica por motivos socioeconômicos, políticos e culturais – além dos objetivos e expectativas de cada emissora. A programação busca fidelizar a audiência, e a opção por determinadas categorias ou gêneros atrai patrocinadores e/ou imprime características às emissoras e redes. “Por isso se identifica a programação com a emissora. A Record ficou conhecida pelas séries; o SBT, pelos programas de auditório; a Band, pelo esporte; a Globo, pelas novelas; a Cultura, pelos programas infantis” (SOUZA, 2004, p. 53). Na sequência deste texto, um olhar mais detalhado sobre a programação da TV Cultura tentará evidenciar se este direcionamento ao público infantil se mantém.

A programação da TV Cultura Esta análise da programação da TV Cultura foi fundamentada nos gráficos e na tabela abaixo, gerados com dados quantitativos de tempo a partir do roteiro de programação disponibilizado diariamente pela emissora em seu site. O período pesquisado compreende a 120 horas corridas de programação, perfazendo cinco dias4, e as tabelas de classificação dos programas têm por base esta totalidade temporal.

MULTICATEGORIA; 3%

ENTRETENIMENTO; 55%

Fonte: Autoral. 4

Foram escolhidas as grades dos dias 21 a 25 de abril de 2016 por representarem uma possibilidade de generalização do conteúdo da emissora: são dois programas ‘normais’ de semana, um de final de semana, quando a programação sofre alterações significativas e um de feriado (21 de abril), pois a grade também se altera nestas datas. Ao contrário das emissoras comerciais, por exemplo, o telejornalismo não funciona.

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O gráfico acima indica que a categoria entretenimento responde pelo maior percentual da programação da TV Cultura, correspondendo a 55% do tempo de exibição. Este é um dado próximo ao das redes comerciais brasileiras que, de acordo com Souza (2004, p. 72), cobrem 64,6% do tempo de exibição com a categoria entretenimento. No levantamento promovido nas grades diárias da TV Cultura, evidenciou-se que, em segundo lugar, estão os programas informativos, com 21%, seguidos dos educativos com 8%.5 Os intervalos de programação correspondem a 11% do tempo total e são destinados, basicamente, a promover programas da própria Cultura, identificar apoiadores de determinadas atrações ou atividades da Fundação Padre Anchieta. A classificação multicategoria surgiu pela dificuldade de enquadrar alguns programas que mesclam características diferentes. Por exemplo, o Metrópolis, que apresenta uma variedade de conteúdos e abordagens, com entrevistas, reportagens, cobertura de eventos, performances, etc. Em 1996, Souza (2004, p. 80) encontrou a seguinte distribuição de categorias ao analisar uma semana de programação da TV Cultura: 72% entretenimento; 15% educação e 13% informação: “A Cultura é, de longe, a emissora que mais transmite programas da categoria educação”. No momento atual, constata-se uma queda no tempo dos programas da categoria educação (de 15 para 8%) e de entretenimento (de 72 para 55%), e uma elevação da categoria informação (de 13 para 21%)6. Na tabela abaixo, as categorias estão desdobradas em gêneros e, na sequência, cada uma delas será avaliada separadamente:

Admite-se que as datas escolhidas para o levantamento da programação possam ter afetado os percentuais desta categoria, pois, nos finais de semana e feriados, programas como os Telecursos e Nossa Língua Portuguesa saem do ar. Diariamente, eles somam uma média superior a uma hora. 6 É necessário considerar que parte destas mudanças numéricas pode ser atribuída à classificação dos programas. Souza utilizou a classificação da própria emissora, enquanto na presente pesquisa a opção foi pela verificação a partir da observação dos programas, como se verá abaixo. 5

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Análise da Programação da TV Cultura de São Paulo CATEGORIA

GÊNERO

ENTRETENIMENTO DESENHO ANIM. INFANTIL SÉRIE TELEDRAMATURGIA AUDITÓRIO MUSICAL FILME ESPECIAL

% POR GÊNERO % POR CATEGORIA 47% 14% 6% 5% 7% 14% 6% 2%

55%

EDUCAÇÃO

INSTRUTIVO EDUCATIVO

52% 48%

8%

INFORMAÇÃO

TELEJORNAL DEBATE REVISTA DOCUMENTÁRIO ENTREVISTA

28% 11% 11% 30% 21%

21%

MULTIGÊNEROS

MULTIGÊNEROS

100%

3%

OUTROS

ESPECIAL RELIGIOSO

50% 50%

2%

INTERVALOS

INTERVALOS

11%

Fonte: Autoral.

Ao analisar a grade da TV Cultura em 1996, tomando por base a classificação do boletim de programação de emissora, Aronchi de Souza (2004, p. 78) identificou a presença de apenas oito gêneros: infantil, com 31% da grade semanal; série, com 24%; educativo, com 15%; telejornalismo, 13%; musical e variedade, com 5% cada gênero; filme, 4% e esportivo, 3% da programação da semana. Uma dificuldade recorrente, na presente pesquisa, foi o enquadramento dos programas nas categorias e gêneros classificatórios. Nem sempre foi seguido aquilo que a própria grade indica, uma vez que a emissora usa apenas cinco modalidades gerais de enquadramento – cultura, arte e cultura, jornalismo, infantil e educação – e, na busca mais específica no espaço “conheça o programa”, muitas produções não contavam com informações capazes de especificar o gênero. Assim, o presente enquadramento foi desenvolvido a partir da observação direta dos programas, e alguns suscitaram questionamentos. Por exemplo, as revistas eletrônicas Ordem do Dia (temas de justiça) e Repórter Eco (temas ambientais) foram enquadradas como informação, não entretenimento, como seria o caso na proposta de Aronchi de Souza (2004) para classificação do gênero revista.

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Entretenimento “Qualquer que seja a categoria de um programa da televisão, ele deve sempre entreter e pode também informar. Pode ser informativo, mas deve também ser de entretenimento” (SOUZA, 2004, p. 39 – grifos do autor). Praticamente metade da programação da TV Cultura de São Paulo, segundo a classificação aqui estabelecida, está contida na categoria entretenimento, que compõe 55% do total da programação. A grade é espelhada, sendo a programação exibida pela manhã e reprisada na parte da tarde com pequenas variações – embora apresentando exemplares diferenciados das atrações.7 Programas de entretenimento estão encaixados especialmente nos horários matutinos e vespertinos. Um diferencial importante desta categoria é o seu público-alvo, predominantemente infantil como se observa no gráfico abaixo:

Fonte: Autoral.

Na grade de programação da TV Cultura, o desenho animado aparece em primeiro lugar na categoria entretenimento, com 47% da programação total. Este tipo de programa é, em sua maioria, importado de produtoras estrangeiras e foi consagrado desde a exibição de GlubGlub, que trazia animações alternativas de países como Bélgica, Alemanha, França e Inglaterra. Entre as poucas produções de animação com assinatura local estão Seninha e Nilba e os Desastronautas. 7

Por exemplo, o desenho da PeppaPig é transmitido pela manhã e à tarde, mas os episódios são diferentes.

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O gênero de programa infantil8 aparece em segundo lugar na categoria e ocupa14% da grade total. A programação infantil teve uma grande contribuição na imagem que o público preserva sobre a TV Cultura de São Paulo como sendo de qualidade. Na exibição deste gênero, a Cultura atingiu os mais altos índices de audiência da história da emissora, e suas produções marcaram diversas gerações com Castelo Rá-Tim-Bum,9 que ainda é reprisado, e Vila Sésamo que começou a ser exibido em 1972 e permanece no ar em nova versão. Apesar dos programas infantis transmitidos pela emissora serem classificados no gênero entretenimento, eles possuem um grande apelo ao pedagógico, cujo formato do programa tem o objetivo explícito de “ensinar” algo ao telespectador. Embora, estes formatos por um lado estão agregando informação e algum conteúdo de caráter pedagógico, por outro lado, abrem caminhos aos interesses de entretenimento ligados à fomentação de hábitos de consumo para a criança (MANDAJI, 2015, p. 41).

A atração infantil Cocoricó, que começou a ser produzida em 1996, é um exemplo que ultrapassou o programa de TV e estabeleceu outras esferas de consumo, como brinquedos, livros, DVDs, materiais didáticos. “Cocoricó pode ser considerado um dos carros-chefe da TV Cultura, como um programa bem sucedido e ganhador de prêmios. É dado pela crítica como um programa que conseguiu aliar o entretenimento a conceitos pedagógicos” (MANJADI, 2015, p. 52). De acordo com Souza (2004), os programas infantis representam o gênero televisivo que envolve maior número de profissionais na sua produção: psicólogos, educadores, consultores das mais diversas áreas, além dos profissionais das próprias emissoras: “A televisão mantém o atributo de babá eletrônica neste país, em que as crianças passam poucas horas na escola. Por isso o gênero infantil garante a elas diversão passiva desde o início do dia até o fim da tarde” (SOUZA, 2004, p. 114). As atrações musicais – e a maior parte dos programas de auditório que também são de música – somam 21% da grade. Alguns diferenciais são ofertados ao público da Cultura neste segmento: a possibilidade de contato com vanguardas musicais em programas como Manos e Minas, a existência de espaços para a música caipira de raiz em Viola Minha Viola e Sr. Brasil e os programas de música clássica, ausentes das grades das emissoras comerciais.

Na presente classificação foram enquadrados como programas infantis aqueles que contam com apresentadores fixos (atores ou animações) e incluem algum tipo de roteiro que não seja meramente anunciar os desenhos animados. Por desenho animado, este trabalho entende a exibição destas produções em si, sem qualquer adicional. 9 Esta série alcançou índices médios de 12 pontos de audiência (MANJADI, 2015, p. 39/40). 8

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Os outros gêneros dentro da categoria entretenimento – como teledramaturgia e filme – ocupam um espaço médio de aproximadamente uma hora cada na programação diária, representando percentuais mais baixos. A TV Cultura apresenta seu compromisso com a difusão de valores culturais no plano anual de atividades disponível no site da emissora: A programação cultural visa criar, promover e divulgar valores culturais e artísticos brasileiros e internacionais, em especial aqueles dificilmente contemplados pelo mercado comercial da arte e da cultura. Produzindo e divulgando materiais dessa natureza, a TV Cultura oferece ao telespectador e ao ouvinte um panorama bastante completo da realidade e da atualidade, contribuindo, cada vez mais, para a construção de uma identidade nacional. (Plano Anual de Atividades Cultura, s/d, Art. 26).

Uma importante questão emerge desta análise sobre o predomínio do entretenimento na programação, pois o projeto da TV Cultura era parte de um objetivo nacional de oferecer conteúdos voltados para a educação, representando uma alternativa ao modelo comercial de tevê no qual predominava o entretenimento. Contudo, no decorrer da história, a programação da Cultura passou a desenvolver um entretenimento com qualidade, aliado à cultura e à informação. O entretenimento, ressalvados os programas infantis, foi alvo de críticos que analisavam a programação da emissora, especialmente em seu início, utilizando o argumento de ser elitista, com apresentação de concertos, óperas, encenação de teatro e peças literárias. Em um artigo publicado no início dos anos 70, Décio Pignatari (1973, p. 71) escreveu que “a TV Cultura pretende introduzir um alto repertório livresco num baixo repertório televisivo”. Mesmo reconhecendo a condição de um trabalho que ainda estava se iniciando, o autor desafiava os produtores da Cultura a “desenvolverem a experimentação no âmbito do código televisivo”, defendendo que poderiam “instigar o gosto e a curiosidade pelos demais veículos (livro, revista, rádio, cinema, disco, artes etc) e não apresentá-los prontos como pratos requentados”. Hoje, avaliando a trajetória de 50 anos, é possível reconhecer o sucesso da emissora em inovar em seus formatos televisivos, produzindo atrações consagradas pela crítica e pelo público.

Educação A categoria educação representa 8% do total da programação avaliada e figura em terceiro lugar entre as categorias mais contempladas. Os programas educativos estão ligados ao interesse estratégico presente desde o início da Cultura e traduzem a própria essência de sua criação: a proposta de programa-

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ção é pensada a partir da missão de levar informação de qualidade para garantia da cidadania aos brasileiros por meio do acesso à cultura e oportunidade de estudos. O Plano Anual de Atividades (s/d, Art. 26) preserva como objetivo da emissora: “A programação educativa veiculada se apresenta como um complemento à formação escolar, favorecendo a ampliação dos horizontes tanto de crianças como de adultos, objetivando a formação integral do ser humano”.

Fonte: Autoral.

Segundo a classificação aqui adotada, os gêneros encontrados dentro da categoria são os programas educativos e instrutivos. Nos educativos, a informação é dada de maneira mais sutil, por meio de uma abordagem indireta do tema, como é o caso de Família Imperial, que trata temas de História do Brasil de uma forma mais lúdica. No gênero instrutivo, o conteúdo é apresentado como em uma aula, de maneira direta e com didática semelhante à utilizada nas escolas, como nos Telecursos, considerados embrião do modelo de educação à distância de hoje. Outros exemplos deste gênero são os programas Nossa Língua Portuguesa e Inglês com Música.

Informação O segundo maior tempo de programação pertence à categoria informativa, com 21% do tempo total nos dias pesquisados. Os programas desta rubrica, sobretudo os telejornais, são encaixados entre os intervalos dos períodos da manhã, tarde, noite e madrugada, exatamente como na maioria das emissoras.

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Fonte: Autoral.

Ao longo de sua história, a TV Cultura teve no telejornalismo o maior alvo de polêmicas e intervenções – que incluem desde disputas políticas em função dos interesses de governantes do Estado de São Paulo, até a morte de Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da emissora assassinado em uma sessão de tortura em 1975.10 A criação da Cultura no período da ditadura projetava uma tensão sobre os tipos de notícia e sua abordagem. Mesmo nesse contexto, durante a maior parte de sua trajetória, a TV Cultura adotou um jornalismo contextualizado, com notícias sendo comentadas e abordadas de maneira mais aprofundada, embora muitas vezes sem a abrangência de cobertura de assuntos enfocados pelas demais emissoras. Segundo Souza (2004, p. 149), nas redes comerciais é possível englobar todos os programas da categoria informação no gênero telejornalismo, “porém, não se pode aplicar às redes educativas, que apresentam programas informativos ligados à área de produção e não ao jornalismo”. O telejornal, sustenta o autor, pela importância que representa do ponto de vista de credibilidade e visibilidade para as emissoras, recebe tanto investimento quando outros gêneros. Arlindo Machado (2005) trabalha com dois modelos de telejornal: o centralizado e opinativo e o polifônico. No primeiro caso, que se adequa mais ao tipo de telejornal exibido historicamente pala TV Cultura, “o âncora tem po10

A pesquisadora Liana Rocha (2010) desenvolveu um amplo levantamento destas disputas no artigo A história da TV Cultura em quatro fases: de 1969 a 2006, apresentado em encontro da Rede Alcar. Depois de historiar um dos episódios, ocorrido em 1989 que culminou com demissões de jornalistas e greve, ela assegura: “Esse episódio mostra claramente a relação que a TV Cultura mantém com o governo do Estado e que as suas principais dificuldades estão ligadas, sobretudo, à dependência político-financeira que possui” (ROCHA, 2010, p. 11-12). Na continuidade do histórico da emissora estas disputas permanecem.

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deres de decidir sobre as vozes que entram e que saem, portanto de delegar voz aos outros” (MACHADO, 2005, p. 108). Especialmente no caso da segunda edição do Jornal da Cultura, que vai ao ar às 21 horas de segunda a sábado desde 1986, o caráter opinativo é reforçado pela presença diária de uma dupla de comentaristas, que se revezam na análise das notícias. Os comentaristas convidados nem sempre são os mesmos, e a pluralidade de pontos de vista quase nunca é respeitada, mesmo em relação aos comentários enviados por internautas e lidos no ar pelo âncora – função exercida por William Corrêa desde 2013. A primeira edição do telejornal, que começou a ser exibida há três anos no horário de meio-dia e atualmente é comandada por Aldo Quiroga e Gabriela Mayer, tem um caráter mais polifônico, com foco no noticiário da cidade de São Paulo. Mesmo assim, há o quadro Pronto Atendimento, no qual convidados são levados para comentar acontecimentos do dia. Ainda produzido pelo departamento de telejornalismo da TV Cultura se encontra o programa JC Debate, apresentado por Andresa Boni e classificado na presente pesquisa como debate, integrando a categoria informação. De acordo com Souza (2004, p. 150), “a multiplicidade de gêneros jornalísticos na cultura brasileira estimula a experimentação dos formatos e das comparações com outras categorias da televisão”. A inovação dentro da categoria informação é uma característica na programação da Cultura11 e o programa Roda Viva é um dos exemplos disso. Uma análise dos elementos que formam o estúdio do programa nos fornece valiosas indicações sobre seu modo de endereçamento para a audiência, especialmente no que diz respeito à criação de um ambiente onde se dará o contexto comunicativo do Roda Viva. O cenário é formado por uma bancada, com tampo dourado, circular em três níveis, não contínua, cuja parte frontal tem a cor azul chamuscada. O centro do cenário (e do círculo formado pela bancada) possui chão de cor negra, decorado com arcos vermelhos concêntricos. É nesse espaço, no nível mais baixo do estúdio, que o entrevistado senta-se sobre uma cadeira giratória com suporte para copo d’água (SANTOS, 2005, p. 54).

Mais do que uma questão de funcionamento e layout, a singularidade do programa se deu à época de sua criação com um discurso em tom polêmico e com uma dinâmica que atraia o público para os temas levantados. Os assuntos de política e atualidade são os que mais frequentam as pautas dessas entrevistas, como o Roda Viva (Cultura). Diferentemente do talk show, 11

A emissora foi a primeira no país a experimentar, em 2013, a segunda tela no jornalismo, oferecendo a internautas informações complementares ao que estava sendo exibido no Jornal da Cultura. A experiência saiu do ar poucos meses depois (PUHL, 2013).

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais o apresentador de entrevista não tem o compromisso de deixar o entrevistado à vontade, podendo questioná-lo sobre fatos polêmicos e chegar até a discórdia, o que denota seriedade e compromisso com a verdade, atribuições dos programas jornalísticos (SOUZA, 2004, p. 147-148).

Os documentários representam outro gênero importante na categoria informação da TV Cultura, que passou a abrir espaço para veiculação de produtoras independentes, em especial a partir do final dos anos 90, e favorece a abordagem de temas menos comuns nas redes comerciais, como o meio ambiente ou a questão indígena. A possibilidade de realização de grandes séries constituiu um dos principais diferenciais e méritos da televisão pública, em especial da TV Cultura, revelando inicialmente uma determinação de pautas de longa duração, propostas pela direção, pelas equipes de produção e por outras circunstâncias, e recursos dificilmente disponíveis em emissoras privadas brasileiras (BRITO, 2009, p. 94).

Levantamento feito pelo autor das séries documentais exibidas pela Cultura entre 1998 e 2004 demonstra que a gerência de documentários da emissora realizou 464 produções no período – de maneira independente ou em regime de coprodução, além de ter exibido muitas outras produções estrangeiras. Brito (2009) sustenta que a TV Cultura foi pioneira, entre as tevês abertas do Brasil, na exibição de documentários, e constituiu o maior acervo de títulos produzidos no período estudado.

Outros e multicategorias Na grade dos dias pesquisados constam dois programas que podem ser classificados dentro da categoria outros, da planilha de Souza (2004), e que somaram 2% da programação: trata-se da missa exibida no domingo e de um programa especial sobre a história da TV Cultura, que foi ao ar também no domingo, dia 24. Em formato documentário e resgatando imagens antigas da emissora, o enquadramento desta atração no gênero especial justifica-se por seu caráter eventual, enquanto os demais programas classificados como documentários são exibidos semanalmente. Como multigêneros (perfazendo 3% do tempo total) foram classificados os programas Metrópolis e Provocações, por apresentarem características singulares e inovadoras que não se enquadravam dentro de nenhum dos gêneros descritos. Metrópolis figura na grade diária e aborda assuntos relacionados às artes urbanas através de entrevistas, clipes, inserções ao vivo, externa, estúdio, cobertura de eventos culturais, entre outros. Os programas multicategoria apresentam a cada edição uma maneira diferenciada, ou seja, em alguns momentos são programas de auditório, em outros são entrevistas e, em outro, docu-

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mentários. Essa dinâmica é uma característica marcante da TV Cultura que arrisca propor formas inovadoras e, por vezes, surpreendentes de apresentação de conteúdo. Os vários teóricos que se debruçam sobre os estudos de gêneros televisivos (Souza, 2005; Fechine, 2001; Machado, 2005) são unânimes em afirmar que existe um processo constante de transformação, incorporação e mesclagem de gêneros. Citando Mikhail Bakhtin, Machado lembra que, embora os gêneros orientem os usos da linguagem em um determinado meio, manifestando tendências estáveis e organizadas, eles não são conservadores: Por estarem inseridas na dinâmica de uma cultura, as tendências que preferencialmente se manifestam em um gênero não se conservam ad infinitum, mas estão em contínua transformação no mesmo instante em que buscam garantir uma certa estabilização. O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo, o gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento [...] (MACHADO, 2005, p. 68/69).

Para o autor, os gêneros são mutáveis e heterogêneos, não apenas por suas diferenças, mas também porque cada enunciado pode estar “replicando” em muitos gêneros ao mesmo tempo. E no caso da TV os enunciados são apresentados “numa variabilidade praticamente infinita” (p. 70).

Considerações finais A TV pública possui um papel importante para a cidadania, permitindo o acesso à cultura e à educação. Essa responsabilidade está associada à sua relativa independência em relação aos investimentos publicitários. Nesta perspectiva, a TV Cultura de São Paulo vem desempenhando suas atividades enquanto tevê pública, sendo reconhecida pela qualidade da programação. Mesmo nos programas da categoria entretenimento, que representam pouco mais da metade da grade nos dias analisados na presente pesquisa, os conteúdos educativos muitas vezes estão presentes. Isso é perceptível, sobretudo, na programação destinada ao público infantil, no qual a Cultura tem seu maior potencial de telespectadores. As crianças são o público-alvo de mais de dois terços dos programas nos períodos matutino e vespertino, o que não deixa de ser importante no momento em que as emissoras comerciais ofertam cada vez menos programação infantil. A inovação de gêneros e formatos televisivos sempre foi característica da Cultura, como resultado da possibilidade de arriscar a audiência enquanto TV pública que não necessita diretamente de investimentos publicitários para sua manutenção. Assim, pode-se permitir a experimentação de formatos que ainda não são consagrados pelas tevês comerciais. A emissora exibe

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uma programação de qualidade em conteúdo e técnica; muitos programas são interativos e com uma diversidade de temas que valorizam a cultura brasileira. As alterações na grade de programação puderam ser comprovadas na realização deste trabalho: da primeira versão da pesquisa, realizada em dezembro de 2014, para abril de 2016, as mudanças foram significativas. Ao mesmo tempo, a emissora ainda peca pela excessiva repetição de alguns programas – Viola, Minha Viola continua no ar há mais de um ano depois da morte de sua titular, e Castelo Ra-Tim-Bum foi reprisado à exaustão até que nova série fosse produzida – com qualidade inferior à original. Na categoria informação, o telejornalismo da Cultura – embora tenha ganhado espaço na grade de programação nos últimos anos – reduziu a sistemática de abordagem mais aprofundada da notícia, que o caracterizou durante décadas. Notadamente no último período, a informação tem carregado um forte comprometimento de caráter político-partidário, atendendo aos interesses dos governantes paulistas. De qualquer maneira, esta pesquisa evidencia diferenças palpáveis entre a TV Cultura e as redes comerciais de tevês abertas no Brasil, demonstrando que as categorias e gêneros transmitidos pela emissora têm um viés educativo e formativo, de acordo com seu plano de ação. Finalmente, o reconhecimento da TV Cultura de São Paulo como representante de um padrão diferenciado de qualidade televisiva no País, apesar de não se refletir nos níveis de audiência, é objeto de estudos e reflexões em distintas áreas de conhecimento, sobretudo na comunicação.

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Produção colaborativa no telejornalismo Um outro olhar para os vídeos amadores na tevê pública brasileira Beatriz Becker Jhonatan Mata

Contextualizações A televisão busca reinventar-se como um meio interativo em sincronia com as redes sociais em diferentes partes do mundo. As dinâmicas produções de sentidos sobre o cotidiano social refletidas nos telejornais representam diferentes aspirações, muitas vezes conflitantes, da cultura popular nacional, legitimando, ainda que timidamente, vozes sociais diferenciadas, as quais têm sido acentuadas pelos mutantes processos de comunicação em curso gerados pela convergência das mídias e pelos usos de tecnologias digitais. Na emergente cultura participativa, a produção de todos os membros participantes alimenta e contribui de alguma forma para a conexão social entre as pessoas (BECKER, 2005; JENKINS, 2009). Mas a tevê não deixa de exercer centralidade na paisagem midiática contemporânea, reunindo mais da metade dos investimentos publicitários do país. Os noticiários televisivos continuam a ocupar lugares estratégicos na grade de programação das emissoras de televisão aberta, atraindo recursos financeiros e mobilizando audiências significativas nas transmissões ao vivo de grandes acontecimentos (BECKER, 2015). As atuais transformações da televisão e do telejornalismo ainda ocorrem sob forte influência de contextos nacionais e locais distintos, cujas características intervêm nas experiências estéticas e políticas dos programas veiculados, disponibilizados agora em multiplataformas e acessados de diferentes maneiras. Contudo, as novas formas de televisão interagem com o modelo tradicional de televisão massiva e não garantem, necessariamente, uma esfera pública mais democrática. Assim, a tevê “não pode mais ser compreendida apenas como um meio de massa que atua exclusivamente na representação e constituição da esfera pública, que era a principal função dos sistemas de transmissão de televisão nacionais desde a segunda metade do século XX” (BECKER, 2015, p. 2). As experiências contemporâneas do meio são marcadas por êxitos e fracassos e ainda não são muito nítidas, pois elas se

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distanciam da metáfora de “janela para o mundo” e se configuram como várias janelas para o mundo, ao menos no que diz respeito ao suporte ou às formas de acesso ao material produzido para televisão (MACHADO, 2011; WOLTON, 2004), como o quadro “Outro Olhar”, veiculado no Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil, e objeto de estudo de nossa análise. Os conteúdos colaborativos que o constituem podem ser vistos após a primeira exibição no noticiário Repórter Brasil em um smartphone, tablet, notebook ou desktop. Há, ainda, a possibilidade de assistir a um vídeo específico do “Outro Olhar” ou de acessar a edição na íntegra do telejornal em que um determinado quadro foi exibido. Questionamos neste capítulo se, neste reordenamento de espaços e hábitos de leitura e produção de audiovisual, tais janelas estariam se abrindo, para além das possibilidades de acesso, e também para a pluralidade de vozes, pautas, ângulos e representações identitárias de territórios e cidadãos na televisão (ALLAN, 2013). Acreditamos que a produção amadora audiovisual televisiva é permeada pela referida “falta de nitidez” dos “novos” modos de se fazer televisão. Ela abre espaço para vozes até então excluídas, porém, ao mesmo tempo, nem sempre resulta em práticas de jornalismo audiovisual mais diversas, com exceção das transmissões em streaming (BECKER, 2012b; 2012c; 2014). A maior participação das audiências é visível na produção noticiosa da televisão na atualidade com maior enfoque à realidade cotidiana, ao entorno e às práticas comunitárias, sobretudo no telejornalismo. Os gestos de solidariedade, os perigos da vida urbana, as histórias edificantes passam a ser monitorados e valorizados pelos programas televisivos. A TV nos projeta para fora de casa, reduz o estranhamento e organiza o diferente, mas, quando ela é recebida no âmbito doméstico, também compõe e estrutura o conhecido (FRANÇA, 2009). Segundo França (2009, p. 38), “a televisão organiza o mundo e a sua complexidade, facilitando e aplainando nossa inserção nos lugares que são nossos”. A autora argumenta que a maior participação popular nas narrativas televisivas corresponde a uma luta de indivíduos de grupos sociais menos favorecidos pela visibilidade midiática, o que implica seus deslocamentos de um lugar de escuta para um lugar de fala. Assim é que “a gente do povo faz fila para programas de auditório e de ajuda, telefona e participa de shows, faz denúncias, convoca a televisão para registrar e divulgar diferentes transtornos do cotidiano” (FRANÇA, 2009, p. 42). Esses sujeitos da comunicação são interlocutores constituídos por relações mediadas discursivamente de integração ou de enfrentamentos e conflitos; e nesse embate de forças é definida a experiência comunicativa, a qual os leva a consumir discursos e representações, a produzir sentidos, a afetar e ser afetado pelo outro e por práticas socioculturais em distintos contextos (FRANÇA, 2005).

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No entanto, se a visibilidade midiática perseguida por representantes das classes populares se projeta em nosso olhar como um desejo bem demarcado, sua entrada na televisão ainda se dá mais na categoria de “figurantes” do que na de protagonistas. Por essa razão, interessados em investigar se a produção amadora permite a redescoberta de práticas culturais engavetadas, assim como de experiências e lugares comuns restritos aos museus e à memória coletiva, sugerimos que uma maior participação das audiências na produção de conteúdos informativos dissolve algumas hierarquias entre jornalistas e leitores-usuários-telespectadores, mas a mídia eletrônica ainda ocupa um lugar importante no imaginário social, incorporando em suas estratégias enunciativas as aspirações da população, celebrando suas sensibilidades e rejeitando a cultura elitista (WAISBOARD, 2013; BRUNS, 2011 apud BECKER; MACHADO, 2014). Amparados pelas dimensões teórico-metodológicas da Análise televisual (BECKER, 2012a; 2012c; 2014), a qual permite uma leitura crítica de obras audiovisuais ao desvelar os modos como são produzidos seus sentidos e processos de significação, por meio das combinações dos diferentes códigos que compõem a linguagem audiovisual, buscamos aqui aferir, portanto, se a produção amadora e os vídeos colaborativos enviados para o quadro “Outro Olhar”, do telejornal Repórter Brasil, pelos cidadãos, aqui compreendidos como sujeitos sociais, teriam potencial de modificar estruturas narrativas e até mesmo produtivas desse noticiário televisivo. Indagamos, mais especificamente, se as narrativas do cotidiano e de experiências populares revigoram o telejornalismo da Rede Brasil. O quadro “Outro Olhar” é exibido pela EBC desde abril de 2008, data da estreia do próprio telenoticiário Repórter Brasil, cuja edição noturna é veiculada de segunda a sábado pela TV Brasil em horário considerado nobre na grade das emissoras de televisão aberta. Porém, refletir sobre a atuação e/ou incorporação da produção de não jornalistas em um telejornal veiculado na TV Brasil implica uma tarefa que vai além de uma reflexão crítica sobre questões emergentes em estudos de mídia e de jornalismo acerca dos modos como a alteridade se manifesta nos discursos midiáticos. A compreensão dos discursos da produção amadora no noticiário mais importante desta emissora também nos demanda um reconhecimento do espaço privilegiado que sua narrativa testemunhal ocupa, o qual é construído a partir de experiências decorrentes tanto de motivações políticas pessoais quanto institucionais (FOX, 2004). O entendimento desse processo de comunicação nos exige ainda refletirmos sobre três principais conceitos que o ancoram: o de televisão pública, o de amador e o de jornalismo colaborativo ou participativo.

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TV pública Problematizar o conceito de televisão pública no Brasil1, porém, não é tarefa fácil por haver uma (con)fusão estabelecida entre os conceitos de televisão pública e estatal. Segundo Sodré (2008, p. 9), “a TV pública é vista como o canal do governo, ou seja, algo público, mas que tem dono”. Anunciada em 2007, a Empresa Brasileira de Comunicação – EBC2 surgiu da edição da Medida Provisória n. 398, depois convertida pelo Congresso na Lei n. 11.652/ 2008. A empresa ficou encarregada de unificar e gerir, sob controle social, as emissoras federais de televisão e rádio já existentes, instituindo o Sistema Público de Comunicação, e também criando a Agência Brasil. No entanto, o emaranhado jurídico da empresa e, especialmente, as diferenças entre os sistemas comercial, público e estatal de radiodifusão (complementares, de acordo com nossa legislação) impõem reflexões e contradições que pesquisadores de políticas de comunicação, como Othon Jambeiro e Murilo César Ramos, têm buscado esclarecer em suas contribuições. De fato, as “televisões públicas” são diversas, e seus vários modelos e contextos alicerçados em nações e épocas distintas não nos permitem reduzi-las a um grupo de diretrizes fechado, como revelou uma pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora3, ao analisar as relações entre governo e EBC. Contudo, assumimos as noções de televisão pública sistematizadas por Manuel Pinto e aquelas trabalhadas no relatório da UNESCO, Indicadores de qualidade nas emissoras públicas – uma avaliação contemporânea, por Eugênio Bucci, Marco Chiaretti e Ana Maria Fiorini, uma vez que oferecem distinções dessas formas de televisão, ou seja, características comuns que fazem com que possam assim ser nomeadas, e parâmetros relevantes para a sua compreensão, os quais se constituem como questões relevante para o nosso estudo. Para Pinto (2005), a televisão de serviço público pode ser caracterizada como aquela que se assume como uma instituição da sociedade, vocacionada para lhes dar De acordo com Allana Meirelles (2013) a primeira televisão pública brasileira foi a TV Universitária de Pernambuco, inaugurada em 1968, 18 anos depois do surgimento da televisão no Brasil. 2 A atuação da EBC é coordenada por um Conselho Curador. A empresa reúne veículos de comunicação responsáveis pela produção e veiculação de informação. São eles: Agência Brasil, Radioagência Nacional (Rádio MEC AM e FM no Rio e AM no Amazonas; Rádio Nacional Brasília, Amazônia e Rio), TV Brasil e TV Brasil Internacional. Neste capítulo fazemos referência a um desses veículos, a TV Brasil, assim como ao telejornal da emissora, o Repórter Brasil, no qual é exibido o quadro “Outro Olhar”. 3 A pesquisa intitulada “Avaliação do Telejornalismo na TV Brasil - Monitoramento do cumprimento dos direitos à comunicação e à informação”, do grupo “Jornalismo, Imagem e Representação”, foi realizada entre 2010 e 2012 (CNPq – Edital Universal) e resultou no livro A informação na TV Pública, organizado por Iluska Coutinho e publicado pela editora Insular em 2013. 1

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vez e voz, e age em estreita relação com outras instituições. Porém, o referido documento da UNESCO sugere que as emissoras públicas sem fins lucrativos não devem estar subordinadas à gestão de nenhum dos três poderes da República e não devem prestar qualquer forma de contrapartida política ao recebimento de recursos dos poderes públicos (BUCCI; CHIARETTI; FIORINI, 2012). Mas nem todos os pesquisadores interessados nesta temática no Brasil e na América Latina estão de acordo com essa definição da TV pública. Martín-Barbero (2002 apud MEIRELLES, 2013), por exemplo, discorda desta cartilha da UNESCO no que diz respeito a não veiculação de comerciais nas emissoras de televisão públicas, por não acreditar que isto as descaracterize. Rincón (2002 apud MEIRELLES, 2013), por sua vez, aposta numa televisão pública competitiva, que inove, crie propostas diversas e novos talentos, mesmo que as questões de ordem econômica – típicas da televisão de mercado – fiquem em posição secundária. O autor conceitua a televisão pública como “uma alternativa audiovisual de encontro da sociedade, de fomento dos direitos dos cidadãos, e de reconhecimento da pluralidade social que nos habita” (RINCÓN, 2002, p. 29). A partir destas considerações de Omar Rincón, compreendemos a produção amadora na TV pública como conteúdos e formatos audiovisuais alternativos aos produtos em áudio e vídeo ofertados pela mídia “tradicional”, os quais representariam, ainda que de modo idealizado, a liberdade de expressão tão necessária para a saúde democrática de um país, entre outros aspectos. Entendemos ainda que ética, independência e valorização do interesse público norteariam a razão de ser das emissoras públicas. Assim, decidimos enfrentar o desafio de refletir sobre os modos como a sociedade utiliza os espaços concedidos em uma emissora de televisão pública e do poder executivo, estatal, focalizando as características da produção amadora nesses ambientes por meio de um estudo do quadro “Outro Olhar”. Nesse percurso, porém, questionamos se as produções audiovisuais amadoras na televisão pública atuam, efetivamente, como uma alternativa aos conteúdos produzidos pela mídia “profissional e/ou comercial”, sistematizando questões relevantes para a análise deste fenômeno que integram a pesquisa de doutorado em desenvolvimento na linha de Mídia e Mediações Sociais do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM-UFRJ).

O amador audiovisual Num panorama em que as produções amadoras saem de um cenário dos home movies para um cenário da produção midiática e de consumo coletivo, ainda que movidas pela utopia, o amador contemporâneo, de modo geral,

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dá pistas de que “leu” a gramática profissional. Porém, mostra também que a subverteu, criou neologismos e transbordou o histórico processo de controle social sobre sua representação, como apontado por Patrícia Zimmermann. Ao analisar a história social do filme amador, a autora revela que até 1980 os vídeos amadores não chegavam nem a serem nomeados como uma “produção”, em função de suas inviabilidades econômicas, as quais os restringiam aos meios de armazenamento. O século XX marca, segundo Zimmermann (1995), um período em que a produção amadora foi, acima de tudo, sinônimo de esfera privada, enquanto a produção profissional foi reconhecida como símbolo de esfera pública, a partir de uma visão habermasiana, com raras exceções de valorização histórico-documental do vídeo amador. Nos dicionários, a palavra “amador” representa alguém que exerce determinada atividade por gosto, sem remuneração. Ou alguém que exerce uma função sem a pretensão de atuar profissionalmente naquilo, conseguindo sustentar uma dimensão experimental autônoma como trabalho. São seus sinônimos as palavras “apaixonado”, “apreciador”, “admirador”, “fã” e “simpatizante”. Em conotação pejorativa, o termo se refere a “quem ou o que é inexperiente”, levando-nos a experimentar não uma duplicidade de significados, mas uma única significação híbrida do conceito. O conceito de amador deriva do latim amator, que significa “aquele que ama” ou “amante”, que se dedica a uma atividade por diletantismo, prazer gratuito. Se desdobrarmos a questão, temos, ao menos no imaginário coletivo, nos conceitos “amante” e “inexperiente” significados antônimos. Ao “amante-estereótipo” cabe o papel de “portador intrínseco da experiência”, cristalizado em O Amante, personagem e título da célebre obra4 autobiográfica da escritora francesa Marguerite Duras (2003), ou no clássico O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence (2006). Não remunerado, ao menos em tese, experiente, mas “desprofissionalizado”, o “trabalho” do amador se justificaria pelo “amor”, causa e efeito maiores de sua existência. No entanto, não nos parece que esta inferência daria conta da compreensão da produção amadora nos noticiários televisivos hoje, por que se assim fosse, ela ainda seria concebida como uma prática romantizada, o que questionamos. Ao “repensar o Amador”, Broderick Fox oferta especial contribuição sobre nossas tentativas de “lapidação” deste importante conceito para este trabalho e para a mencionada pesquisa de doutorado em desenvolvimento, superando a designação de amador como símbolo de um “amor” desprendido de razões econômicas ou necessidades do(a) “amante”. Amparado nas

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Trata-se do livro que deu a Marguerite Duras o Prêmio Goncourt, na França, em 1984. Em 1991, a obra foi adaptada ao cinema pelo realizador francês Jean-Jacques Annaud.

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reflexões de Maya Deren, Fox (2004) atualiza essa noção para classificar a palavra “amador” interessado não exatamente pelo que o termo significa de fato, mas por aquilo que não é pontuado: não sofisticado, não técnico, não belo, desprovido de interesse popular e – principalmente – não profissional. O resgate da produção amadora, seja por sua desvalorização enquanto documento/arquivo de épocas passadas, seja por sua atual inserção em diversas plataformas, é complexo, mas tomamos como marco da cultura participativa no audiovisual o “Cinema de Garagem”, de Marc Davis, em 1990, referenciado por Henry Jenkins (2009) e priorizado nos estudos de Meili (2011). Diante das práticas de comunicação contemporâneas, Brasil e Migliorin (2010) utilizam a expressão “biopolítica do amador” para abordar a inusitada inversão que faz com que o campo dito profissional – blindado por fronteiras práticas, simbólicas e institucionais de um campo especialista que o separa dos leigos – passe a convocar os amadores dos quais outrora foi preciso se distanciar, se diferenciar e mesmo se contrapor. A hipótese dos autores é de que o boom das imagens amadoras pela mídia “profissional” acaba revelando algo da natureza do capitalismo contemporâneo, que, inspirado no conceito de Michel Foucault, poderia ser denominado biopolítico, configurando, desse modo uma relação de poder distinta da disciplina. Enquanto a disciplina concentra o poder pela modelagem (a escola, a prisão, a fábrica), a biopolítica deixa passar e circular, desde que aquilo que circule possa ser monitorado, visando menos à ordem do que a regulação da desordem (BRASIL; MIGLIORIN, 2010). Contudo, a problematização deste fenômeno é complexa. O engajamento na mídia está relacionado aos movimentos sociais que usam as tecnologias digitais como instrumentos e ambientes de lutas políticas e contribuem para a produção de conteúdos e interações diversas. No entanto, mesmo as ações políticas de indivíduos e grupos sociais e seus usos de redes digitais não se organizam horizontalmente sem hierarquias. Ainda que abertos a diferentes intervenções, os movimentos coletivos na internet são permeados por lideranças que estimulam as ações coletivas interessadas na produção de um espaço emocional onde essa ação coletiva possa se desdobrar (BECKER; MACHADO, 2014). Nesse sentido, a produção audiovisual amadora na mídia contemporânea tampouco pode ser compreendida como uma ação desinteressada ou romântica, em um contexto de capitalismo avançado, onde produção e consumo se tornam indissociáveis e onde as “mutações” dos consumidores se refletem não apenas em instabilidades de demandas de consumo, mas de coprodução de produtos audiovisuais. O consumidor torna-se uma espécie de coprodutor e também é convocado a colaborar na disseminação de mercadorias, marcas, serviços e informações; e, por essa razão, as indústrias

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da comunicação estimulam sua participação, buscam torná-lo um interator hiperativo (BRASIL; MIGLIORIN, 2010). Há uma convocação do campo profissional para que os amadores adentrem a sala dos experts, indicativa de uma intensa transformação no estatuto das imagens que expressam a experiência, agora híbridas e originárias de fontes distintas. Assim, a produção amadora audiovisual dos telejornais não resulta apenas da popularização de câmeras, softwares e dispositivos móveis estimulada pelo mercado e pelo desenvolvimento tecnológico. Tampouco, ela é exclusivamente uma manifestação progressista gerada por processos de subjetivação e de leitura da(s) realidade(s) tecidos com autonomia e diversidade. Sugerimos que os áudios e vídeos amadores informativos reúnem tanto a motivação afetiva e política de visibilidade de cidadãos e grupos sociais quanto as aspirações da própria televisão, mediante a abertura de espaços para fortalecimento de seus vínculos com as demandas populares, o que legitima a sua contínua mediação. Por essa razão, é possível compreender porque as imagens amadoras servem tanto para a democratização quanto para a banalização das narrativas jornalísticas audiovisuais. As reportagens veiculadas como conteúdos colaborativos que favorecem o deslocamento do espectador para a posição de produtor, raramente geram uma intervenção radical na abordagem e na percepção de acontecimentos relevantes no cotidiano social, por meio de combinações mais inventivas entre texto e imagem quase sempre organizadas e utilizadas em narrativas produzidas pelos próprios telejornais (BECKER, 2012c). Entretanto, se na ficção o amante de Lady Chatterley pontua suas ações baseado na negação do capitalismo, do cálculo ou das convenções, os cidadãos e grupos sociais que oferecem suas performances imagéticas às emissoras de televisão capitalizam-se e ponderam, ainda que inconscientemente, as vantagens e prejuízos de alcançar a visibilidade midiática pretendida, como o amador biopolítico de Brasil e Migliorin (2010), em um jogo discursivo que converge interesses tanto da produção quanto das audiências. A indústria audiovisual se alimenta da produção amadora, uma vez que ela estaria representando a “essência” da participação popular nas produções ditas profissionais, gerando identificação do/com o público, audiência e conferindo status a um produto (ao menos em tese) com genuína participação cidadã. Por outro lado, os amadores aproveitam os ambientes colaborativos televisivos não apenas para amplificarem suas reivindicações e possibilidades de exercício de cidadania, mas também para fazerem incursões nesses territórios profissionais, buscando atingir determinados nichos de audiência e de mercado, especialmente quando enviam vídeos produzidos por grupos organizados e/ou pequenas e médias empresas. Assim, as fronteiras entre o que seja amador e profissional

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tornam-se menos claras, também em função de ambas operarem com a lógica do lucro, mesmo que este lucro seja simbólico ou não financeiro, ou seja, a visibilidade e a legitimidade social passam a ser “moeda de troca” desses processos de comunicação. No entanto, os contextos socioculturais nos quais a produção audiovisual amadora é produzida, assim como os ambientes midiáticos onde ela é disponibilizada, também atribuem aos vídeos contornos estéticos e de conteúdos singulares, os quais podem resultar em inovações nos modos de narrar a vida social cotidiana, colaborando para a reconfiguração e desenvolvimento de novas dinâmicas de produção, distribuição e consumo de conteúdos noticiosos. Targino e Gomes (2011, p. 202) apontam, em estudo sobre a comunicação para mudança social, que é nítida a configuração de um “grupo” de autores (BARBOSA, 2007; BARDOEL; DEUZE, 2001; BRAMBILLA, 2006; HYDE, 2002; PRYOR, 2002) que denomina este novo fazer de open source journalism ou jornalismo de fonte aberta, colaborativo ou participativo ou cidadão ou cívico.

Jornalismo participativo O jornalismo colaborativo pode ser compreendido como a tarefa exercida por um público que se coloca a selecionar, captar e difundir informações. Mas o entendimento dessa relação de coautoria emissora/público esbarra, inevitavelmente, na necessidade (ou não) de intervenção do jornalista profissional na checagem da veracidade das informações abordadas. Segundo Träsel (2007), os comentários e o material produzido por amadores enviados aos meios e disponibilizados em ambientes midiáticos distintos, inclusive em fóruns virtuais de debates sobre questões públicas relevantes em um determinado contexto, não exigem a intervenção de profissionais do jornalismo para serem considerados como práticas jornalísticas colaborativas. Brambilla (2006, p. 11), por sua vez, sugere que a participação ativa do público no jornalismo é fundamental, mas a qualificação e a pertinência das informações enviadas pelos cidadãos em linguagens e suportes distintos demanda o trabalho de edição de um jornalista, especialmente para checagem da veracidade das fontes e do material produzido. Esses pontos de vista divergentes sobre o conceito de jornalismo colaborativo representam debates atuais relevantes nesse campo de conhecimento e também no exercício da profissão. Em acordo com Bruns (2011), a antiga prática do gatekeeping mantida pela mídia de massa vem dividindo espaço com uma nova prática de produção noticiosa, que ele denomina de gatewatching, mediante o surgimento na web de conteúdos de usuários ativos que compartilham suas versões da informação noticiosa. Nesse contexto,

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os jornalistas exercem uma “curadoria” das informações, ou seja, fomentam a participação dos cidadãos sem estabelecer um antagonismo entre a produção amadora e profissional, avaliam tanto os conteúdos colaborativos quanto os de fontes oficiais, trabalham as matérias, fazem comentários e buscam apresentar distintas versões dos acontecimentos na construção de seus relatos. Nesse sentido, consideramos os espaços abertos pelas emissoras de televisão para a produção amadora nos telejornais como ambientes pertinentes para a compreensão e a análise das atuais práticas de jornalismo colaborativo na televisão, como é o caso do quadro “Outro Olhar”, do Repórter Brasil. No entanto, nem todos os conteúdos que formam o corpus desse estudo podem ser categorizados como jornalísticos e tampouco como manifestações audiovisuais de ações coletivas e de movimentos sociais capazes de gerar inovações estéticas e de conteúdo em suas estruturas discursivas e de agregar pluralidade de pontos de vista e confiabilidade na construção da memória cotidiana, por meio de testemunhos. Interessada na maneira como se reconstituiu a história da ditadura militar na Argentina e sua memória pela voz de suas vítimas, Beatriz Sarlo mostra como o testemunho em primeira pessoa foi fundamental para a reconstrução do passado. Contudo, a partir da noção de “virada subjetiva” que se seguiu ao renascimento do “eu”, privilegiado em sociedades que vivem a subjetividade não apenas em sua dimensão íntima, mas como uma manifestação pública, a autora argumenta que esses atos de memória podem ser apenas uma versão dos fatos, a qual pode ser contestada no futuro por sua validade como fonte histórica. Assim, consideramos que as vozes populares presentes nos vídeos publicados no quadro “Outro Olhar”, não se constituem, necessariamente, como elementos que garantem abordagens diversas dos fatos sociais, exemplos de resistência à lógica da mídia e fontes capazes de contextualizar os acontecimentos e agregar uma pluralidade de pontos de vista às notícias. Os modos pelos quais os testemunhos tecem a memória coletiva são relatos parciais, pois, por mais que o narrador tenha supostamente vivido o acontecimento enunciado, ele expõe uma perspectiva limitada desta experiência. A polifonia de vozes implica confrontos entre pontos de vistas diferenciados que tecem contradições de uma época (BAKHTIN, 2002). Porém, esses vídeos não apresentam vozes divergentes, mas alinhadas em uma mesma direção, o que independe de suas temáticas, como refletimos em nossa análise.

Uma leitura crítica do quadro “Outro Olhar” Se consideramos que o jornalismo é a narrativa da experiência do presente, assumimos que “o texto narrativo é aquele no qual se relata uma história, mas o texto não é a história. Os textos podem diferir entre si e contar a

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mesma história” (MOTTA, 2004). Os quadros “Outro Olhar” acolhidos e reexibidos no telejornal Repórter Brasil, são enquadrados e categorizados em um processo de produção de informação construído dentro de uma concepção histórica linear própria do espaço público moderno construído pela televisão, a qual mantém um considerável controle através da proposição de agendas e temas, escolha dos participantes e moderação dos comentários (MENEZES, 2012). Segundo a TV Brasil, o quadro “Outro Olhar” “é o espaço da sociedade no jornalismo da TV Brasil”. Mas os vídeos, com tempo médio de duração entre dois e três minutos, são pouco significativos se comparados aos 60 minutos de produção de conteúdos diária de cada edição do telejornal. Observamos que os 35 vídeos do quadro “Outro Olhar” publicados em 2015 também não têm uma periodicidade mensal regular. No mês de fevereiro daquele ano, por exemplo, foram publicados oito vídeos do quadro, mas no mês de novembro nenhum conteúdo foi veiculado, e em quatro meses distintos apenas um vídeo foi disponibilizado. Os vídeos podem ser enviados por meio de preenchimento de formulário da TV Brasil, disponível on-line (http://tvbrasil.ebc.com.br/ formulario/outro-olhar), e podem ser acessados pela página do YouTube, utilizando-se a data de publicação, por exemplo, como filtro (<https:// www.youtube.com/results?q=outro+olhar&sp=EgIIBQ%253D%253D>) ou pela plataforma da EBC onde está inserido o telejornal Repórter Brasil, no link <http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/videos?page=1&data=&edicao= outroolhar>. Esta foi a opção de acesso adotada na análise televisual dos vídeos estudados, por meio da metodologia proposta por Becker (2012a; 2012b; 2012c; 2014), a qual implica uma descrição da produção ou da obra em áudio e vídeo estudada, uma análise quantitativa e uma análise qualitativa dos conteúdos audiovisuais veiculados e disponibilizados no site, por meio da aplicação de categorias e princípios de enunciação5 seguida da interpretação dos resultados, dos quais os principais são aqui sistematizados. Foi possível identificar nove temáticas principais: 1. manifestações culturais nacionais e regionais (2 vídeos); 2. apoio à diversidade de gêneros e de religião (7 vídeos); 3. solidariedade aos refugiados (3 vídeos); 4. datas comemorativas (5 vídeos); 5. alertas e cuidados com o meio-ambiente, a saúde e a segurança (7 vídeos); material informativo sobre economia e arte (5 vídeos); 6.

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Na análise quantitativa, são aplicadas seis categorias para se analisar as obras audiovisuais televisivas: Estrutura do texto; Temática; Enunciadores; Visualidade; Som; e Edição. Na análise quantitativa das narrativas jornalísticas audiovisuais disponibilizadas na web, as categorias Visualidade e Som são reunidas em uma única categoria, nomeada pela autora de Multimidialidade. Na análise qualitativa, os três princípios de enunciação aplicados são: Fragmentação; Dramatização; e Definição de Identidades e Valores (BECKER, 2012a).

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movimentos sociais (3 vídeos); e 7. relatos de experiências pessoais (2 vídeos). Um dos vídeos publicados nesse período foi inserido em uma décima categoria, denominada “Outros”, por não apresentar informações que permitissem identificar a principal questão trabalhada pelos seus realizadores. A partir desta primeira classificação, pudemos perceber que as temáticas “Apoio à diversidade de gêneros e religião” e “Alertas e cuidados com o meio-ambiente, a saúde e a segurança” foram as que reuniram o maior número de vídeos. Uma análise atenta desses vídeos e dos demais exibidos das outras referidas categorias revela que o quadro “Outro Olhar” recebe contribuições de diferentes regiões do Brasil e de outros países, mas nem sempre é possível verificar as localidades onde foram produzidos, sejam elas grandes centros urbanos ou territórios rurais. No entanto, verificamos que a maior parte desses vídeos é formada por conteúdos institucionais produzidos por empresas e produtoras de conteúdo audiovisual, organizações governamentais e não governamentais tanto brasileiras quanto estrangeiras. E, por essa razão, pudemos identificar mais as origens dos vídeos pelas informações enunciadas sobre a sede das produtoras que os realizam e pelas temáticas referidas do que por meio de imagens que poderiam contextualizar as características dos espaços onde foram elaborados, até porque poucos vídeos são registrados em ambientes externos, a maioria das cenas são gravadas em estúdio ou são constituídas por vinhetas e artes eletrônicas. Durante o ano de 2015, apenas três vídeos foram produzidos por estudantes universitários e de Ensino Médio, e a minoria foi realizada por cidadãos ou comunidades desvinculadas de representações institucionais. Embora parte dos conteúdos audiovisuais exibidos no quadro “Outro Olhar” no período estudado trate de questões sensíveis na contemporaneidade, não apresentam pontos de vistas distintos sobre essas temáticas, nem contextualizam ou propõem conexões entre acontecimentos que permitam uma leitura crítica da realidade. Seus formatos são mais próximos aos clips e às campanhas publicitárias e de fundações privadas, os quais diferem da estrutura discursiva das notícias. Mesmo quando a estrutura discursiva dos vídeos incorpora alguns elementos do jornalismo audiovisual (BECKER, 2009), como texto off e depoimentos organizados em sequência, as narrativas muitas vezes são desconectadas das temporalidades e dos contextos onde cada um dos materiais em áudio e vídeo foi produzido. Mesmo os vídeos classificados como informativos, os quais apresentam informações e não apenas opiniões sobre arte ou economia, como as dificuldades de produção de alimentos orgânicos no Rio Grande do Sul, correspondem a montagens pouco inventivas de fragmentos audiovisuais sobre essas temáticas. É claro que as notícias também são relatos fragmentados e contraditórios sobre as nossas existências e as contin-

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gências que nos afetam. Segundo Motta (2004), no jornalismo (como em outros gêneros) é praticamente impossível encontrar textos puramente descritivos tanto quanto aqueles exclusivamente narrativos. Contudo, o discurso jornalístico parece tender para a descrição mais do que para a narração na medida em que sua forma direta, clara, precisa e concisa tende a criar o efeito do real, se atendo ao referencial empírico e fazendo, ao mesmo tempo, conexões com a realidade, por meio de expressões mais objetivas que deixam para o receptor o encargo de reconstituir representações. “O jornalista narra continuamente a história do presente imediato, uma história fugidia, inacabada, aberta, mas, uma história” (MOTTA, 2004, p. 7). Nesse sentido, não é possível assumir que os vídeos desse quadro do Repórter Brasil possam ser compreendidos como práticas de jornalismo e, especialmente, de jornalismo colaborativo, as quais pressupõem, como vimos, uma narrativa sobre os acontecimentos imersa na experiência do presente e aberta à intervenção de vozes diferenciadas. Se os vídeos do “Outro Olhar” não se organizam sob as diretrizes do discurso jornalístico, tampouco sugerem inovações nos modos de combinar os códigos audiovisuais e produzir sentidos. Apenas quatro vídeos entre os 35 publicados no período estudado buscaram inovar com o uso da linguagem do desenho animado, e um deles combinou esta linguagem com entrevistas e depoimentos sobre a importância da maternidade e do aleitamento materno, mas para solicitar patrocínio ou coprodução para um projeto em elaboração, de acordo com o texto enunciado pelos âncoras, constituindo-se, assim, em uma espécie de comercial dos autores do projeto para captação de recursos. O filme “Preto e Branco” foi o material escolhido na produção de um único vídeo, e outros três reproduziram trechos de documentários. Os apresentadores chamam os vídeos do quadro do mesmo modo que enunciam as demais matérias do telejornal, de modo que apenas a vinheta do “Outro Olhar” distingue a inserção desses conteúdos no corpo do telejornal. No entanto, as questões trabalhadas nesses vídeos não são problematizadas e discutidas nas edições do Repórter Brasil em que foram veiculadas. Menos de 10% dos vídeos veiculados no período estudado ganharam alguma informação posterior à cabeça do locutor – texto enunciado pelo âncora que precede a exibição de uma matéria e busca atrair a atenção do espectador-usuário, ou seja, três de trinta e cinco vídeos. Um desses vídeos, um trecho do documentário Alá, meu bom Alá, realizado por uma produtora brasileira, procurou retratar como vivem os muçulmanos no Brasil e, em função do ataque terrorista à revista Charlie Hebdo, que resultou na morte de jornalistas, o fato foi utilizado como “gancho” para a entrevista no estúdio com um professor de Relações Internacionais convidado para debater preconceitos contra muçulmanos de-

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correntes de indevidas associações desse grupo étnico religioso com o terrorismo. Mas este foi o único vídeo publicado no quadro “Outro Olhar” contemplado com uma expansão da discussão inicialmente proposta. O segundo vídeo que recebeu alguma atenção maior na editorialização do telejornal foi realizado pelo Avaí Futebol Clube, de Santa Catarina, e por uma outra agência privada de comunicação sobre a presença dos haitianos no Brasil. Ao final da exibição do vídeo, o âncora justifica em nota pé (comentário posterior à exibição do vídeo) a sua exibição no telejornal afirmando que Santa Catarina é um dos estados que mais recebe imigrantes e parabeniza os produtores por convocarem os brasileiros a acolher aqueles que buscam qualidade de vida no país, especialmente os haitianos. Assim, a questão da imigração teve sua complexidade reduzida sem que o espectador pudesse ter a oportunidade de aprofundar conhecimentos e reflexões sobre essa temática tão relevante não só no Brasil, mas em todo o mundo. O terceiro vídeo publicado que também ganhou destaque nas enunciações do âncora no período estudado foi sobre a obra de Tomie Ohtake, porém a nota se restringiu a uma informação sobre o link onde a obra audiovisual completa, representada pelo vídeo veiculado, poderia ser acessada e assistida. Percebemos que não basta olhar para as intenções de quem produz os discursos, mas, sim, para o jogo que se dá entre os diferentes discursos em disputa (MENEZES, 2012). Embora a TV encoraje a participação do público no espaço dos noticiários, ainda mantém um considerável controle sobre a produção amadora e sobre os conteúdos veiculados. Na TV Brasil, por exemplo, esse controle é exercido através do destaque conferido às temáticas trabalhadas no quadro por meio da edição final dos vídeos e dos comentários do âncora, que os qualificam ou não. Tais comentários, restritos a três vídeos publicados durante o ano de 2015, revelam que nem todas as temáticas e nem todos os vídeos são valorizados pela produção ou “merecem” ser privilegiados na pauta do telejornal, ainda que abordem assuntos da agenda pública. Este estudo mostra que o quadro “Outro Olhar” promove uma abertura para o Outro, mas esta análise também revela que não há uma fusão dos interesses das emissoras e dos cidadãos que enviam seus vídeos para o telejornal capaz de intervir de maneira significativa nos modos de contar a vida social cotidiana. O conteúdo audiovisual colaborativo é colocado à margem do agendamento operacionalizado pela produção noticiosa do Repórter Brasil. Até mesmo a vinheta do quadro, a qual poderia ser utilizada não apenas para produzir uma distinção dos áudios e vídeos profissionais e não profissionais, mas também para fortalecer a produção audiovisual amadora ao lhe conferir uma expressiva identidade, fragiliza aqueles que enviam os vídeos para o noticiário. Ela serve à consolidação da imagem da própria emissora (RODRIGUES, 2007) e, embora

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seja caracterizada por uma estética que remete à tecnologia e à inovação, os “repórteres-cidadãos” são representados por “avatares” cibernéticos sem consonância com a diversidade de territórios físicos e simbólicos imbricados em seus trabalhos. Ao invés de cidadãos comuns, não profissionais e/ou militantes de movimentos sociais aparecerem nas imagens como realizadores dos vídeos do “Outro Olhar”; a vinheta desse quadro destaca a presença de não humanos movidos por controle remoto portando microfones (HAMBURGUER, 2014). Esses “avatares” não privilegiam os conteúdos colaborativos do “Outro Olhar”, como bricolagens ou produções “artesanais” criativas em áudio e vídeo, ao contrário, atuam no sentido de “envernizar” as linguagens “alternativas”. A vinheta desse quadro operacionaliza uma tentativa de demarcar uma “ilha audiovisual de domínio técnico” que não abre espaço para os conteúdos amadores ganharem identidade própria e, desse modo, se misturarem com as palavras e as imagens das notícias elaboradas pelos jornalistas, produzindo abordagens diferentes dos acontecimentos e maneiras distintas de perceber a realidade social. Ela reafirma, como sugere Rodrigues (2007), o lugar “sacralizado” da tecnicidade televisiva, que valoriza a mediação da própria emissora. As duas personagens, identificadas como uma figura feminina e outra masculina, interagem entre si sem convocar o espectador-usuário para participar desse diálogo em um espaço que mimetiza um ambiente urbano asséptico vazio, com bombas de um posto de gasolina à esquerda do quadro, sem a presença de cidadãos, sem cores, sem vida. Não apenas as imagens da vinheta do quadro descontextualizam a produção audiovisual colaborativa, mas também a sua sonoridade, a qual, como aponta Rodrigues (2007), se sobrepõe a essa futurística identidade visual. Os treze segundos de áudio, sem letra ou texto verbal, reúnem fragmentos sonoros de uma espécie de “música de sala de estar” conhecida como lounge music, utilizada em ambientes sofisticados para suavizá-los, tranquilizar as pessoas e embalar conversas sem gerar qualquer perturbação ou intervenção. Mas este tipo de som ambiente não se justifica em um frio cenário digital de um lugar onde não circulam pessoas e é habitado apenas pelos dois referidos “avatares” nas posições de entrevistador e entrevistado. Assim, não representam as trocas simbólicas e disputas de enunciação dos sujeitos sociais, referidos por França (2005), que constituem uma experiência comunicativa na e com a mídia.

“Outro Olhar”: um entrelugar da produção amadora na TV pública brasileira Este estudo buscou identificar tanto a forma quanto o conteúdo dos conteúdos e formatos audiovisuais do quadro “Outro Olhar” e refletir sobre suas dinâmicas construções de sentido. Foi possível verificar que este quadro

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exibido no principal telejornal da Rede Brasil tem funções e linguagens complexas. Ele ocupa um entrelugar na produção colaborativa audiovisual, marcado tanto pela concretização de uma ação em prol do reconhecimento das diferenças e da democratização da TV quanto pela ausência de diversidade. O Repórter Brasil mantém a mesma estrutura narrativa dos demais telejornais das emissoras privadas e poderia explorar mais suas interações com a produção colaborativa de diferentes comunidades e grupos sociais como um “outro olhar” para a produção amadora sem homogeneizar as suas narrativas mediante o apagamento de suas principais características, como aqui refletimos. A abertura desse espaço implica investimentos na construção e na disseminação de uma política pública dedicada a esse tipo de expressão, que proporcione, inclusive, oportunidades de conquista de habilidades e competências à população para a produção e leituras críticas de conteúdos e formatos audiovisuais. Porém, as emissoras públicas sofrem pressões decorrentes dos interesses políticos dos governos e de mercado em detrimento do interesse público, inclusive administrativas, e nem sempre há recursos financeiros disponíveis para alcançarem um exercício pleno de sua função cultural e educativa. O Artigo 8º do Decreto n. 6.689, de 20086, que trata da aprovação do Estatuto Social da Empresa Brasil de Comunicação S. A., vetou a publicidade de produtos e serviços ao longo de sua programação. Entretanto, prevê a possibilidade de a EBC contar com outras possibilidades de financiamento. Mas a empresa pode obter recursos mediante apoio cultural e publicidade institucional de entidades de direito público e privado, o que inclui patrocínios de programas, eventos e projetos, prestação de serviços e doações. Assim, a EBC teria possibilidades de buscar alternativas de fomento para os programas que compõem a grade de programação da televisão pública brasileira. O Repórter Brasil também poderia atuar de maneira mais significativa na definição e na filtragem dos vídeos amadores veiculados neste quadro do telejornal fomentando um olhar mais diverso sobre um país de tamanhos contrastes econômicos, sociais e culturais como o Brasil, complementando e ampliando a agenda noticiosa e a programação das emissoras de televisão privadas. Ainda que o quadro “Outro Olhar” não se esteja consolidando como uma referência de inovação de conteúdos e formatos televisivos, acreditamos que é um ambiente potencial para a multiplicação do acesso ao conhecimento e para a democracia, capaz de estimular o exercício da cidadania por meio da produção audiovisual amadora. O aproveitamento das tecnologias digitais e da convergência para a produção de experiências televisivas e registros da história

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cotidiana mais inventivos; a ampliação de representações regionais do quadro, a maior participação das emissoras locais da Rede Brasil e o destaque a questões trabalhadas nos vídeos enviados pelos cidadãos na editorialização do telejornal são algumas das formas de estimular maior riqueza de repertórios, linguagens e pautas no noticiário, assim como de aproximação e cumplicidade com as audiências. Contudo, a reinvenção cotidiana dos meios e as transformações dos processos de comunicação nem sempre ocorrem sem tensões na arena midiática e fora das telas. Este estudo é uma contribuição para repensar a produção colaborativa e os modos como a memória da participação popular é tecida em áudios e vídeos no telejornalismo da TV pública.

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Cultura e educação nas TVs do campo público: reflexões à luz da programação televisiva da Fundação RTU Vanessa Matos dos Santos Adriana C. Omena Santos Itaci Alves Marinho Junior João Pedro Omena dos Santos

Introdução A discussão acerca das TVs do campo público no Brasil nos obriga a rever uma série de questões que permeiam não apenas as questões culturais que nos cercam, mas, sobretudo, a letra da lei que rege os sistemas de radiodifusão no país. É certo que a legislação tem se mostrado bastante limitada diante das complexidades dos novos arranjos produtivos que norteiam as televisões brasileiras, mas, ainda assim, é necessário revisitar conceitos e sedimentálos. Em essência, todas as televisões no Brasil são públicas por se tratar de um modelo baseado no pressuposto da concessão pública. A natureza delas é que pode ser diferenciada em função do papel que desempenham na sociedade. Por outro lado, por se tratar de uma concessão pública, não importando sua característica secundária pública ou privada, toda emissora de televisão deve (ou pelo menos deveria) pautar-se pela valorização cultural. Não é, no entanto, o que se observa. As raízes de tal situação são históricas, e é preciso lançar uma lupa nestas questões para que a discussão não se torne superficial. A televisão desempenha importante papel na conjuntura social brasileira. É grande o número de pessoas que se informam por este veículo e que recorrem a ele para confirmar informações disseminadas nas redes sociais. Cabe aqui a ponderação de que o acesso à internet tem feito com que cada vez mais pessoas migrem para os espaços virtuais das redes telemáticas, mas a televisão segue como o veículo que agrega credibilidade e status de verdade a uma informação. Isso ocorre também porque, nas redes, qualquer pessoa se transforma em um potencial produtor de conteúdo, mas isso não quer significar necessariamente conteúdo checado, produzido com base em fontes credíveis etc. (pressupostos mínimos da produção jornalística).

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A venda de espaços publicitários foi, ao longo de muitos anos, um dos pontos centrais de captação de recursos pela TV privada (MATTOS, 2002). Isso fez com que a grade de programação já fosse pensada a partir do público que interessava aos anunciantes. Embora a legislação concernente a este aspecto limite algumas produções em determinados horários, é importante destacar que a influência dos anunciantes na programação é marcante. Essa situação levou a um cenário em que a programação se fazia não mais pensando em objetivos nobres como a disseminação da cultura e a educação. A TV pública surge, neste ínterim, como uma TV que busca resgatar aquilo que toda televisão deveria ser – não fosse a pressão do mercado e a luta pela sobrevivência econômica. Ocorre que, nas últimas décadas, temos assistido a um sucateamento da infraestrutura das TVs públicas, descompasso conteudístico e, o mais grave, certo obnubilamento das fronteiras entre público e privado.

Entre o público e o privado: o lugar da Televisão Educativa Quando se fala em TV pública, de maneira geral, existe muito desconhecimento e equivoco na conceituação generalista difundida na sociedade. O conhecimento comum acerca do assunto não considera, por exemplo, as múltiplas configurações de TVs públicas existentes no país. Ao discorrer acerca da temática, Torres (2009, p. 1) afirma que as TVs públicas [...] são canais com características bem distintas, processos próprios de construção e consolidação. Apresentam origens, práticas e objetivos distintos. São produzidas em condições políticas, administrativas e técnicas próprias, além de sofrerem diferentes regulamentações.

O autor esclarece que as TVs que compõem o chamado “campo público”, são definidas por duas experiências históricas: as “TVs Educativas” e os “canais de acesso público”, também conhecidos como os da TV a cabo. Afirma, ainda, que tais experiências são regulamentadas por leis diferentes, e as TVs Educativas, objeto de análise no presente trabalho, são classificadas como “serviço de radiodifusão” e estão subordinadas ao Código Brasileiro de Telecomunicações e legislação complementar, enquanto os canais de acesso , e os demais são considerados “conteúdos” que trafegam em um “serviço de telecomunicações”, regulamentados pela Lei da TV a cabo. As TVs Educativas possuem especificidades tanto nas concessões quanto nas atividades. Essas condições específicas são negociadas no chamado ambiente regulatório, que, no caso da comunicação, possibilita o relacionamento entre a mídia, a esfera política, o mercado e o público. De acordo com Rebouças (2006, p. 1-2), [...] ambiente regulatório é um cenário apropriado para o jogo de forças entre cada um dos atores envolvidos, e onde cada um exerce seu poder de

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais pressão em defesa de interesses, na maioria das vezes, conflitantes. [...] Em seu interior circulam as deliberações legislativas, as jogadas políticas, os interesses corporativos, a defesa da liberdade, a definição de limites, as audiências, as portarias, as medidas provisórias, as leis, os conselhos, as agências, enfim, todos os elementos envolvidos no estabelecimento de políticas e estratégias específicas para o setor das comunicações.

Dentre as inúmeras indicações presentes no marco regulatório sobre as TVs Públicas/Educativas, merecem destaque os preceitos previstos e enfatizados nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 220 da Constituição, quando afirmam que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social observado o disposto no art. 5º, [...] É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.[...]” (BRASIL, 1988, s. p.). Estão também previstos na constituição, em seu art. 221, as definições acerca de um dos pontos mais sensíveis ao se pesquisar as TVs do âmbito público, e que indicam que: A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação (BRASIL, 1988, s.p.).

Da mesma forma o artigo 223 da Constituição deve ser considerado antes de aprofundar estudos acerca das TVs no âmbito público, haja vista que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (BRASIL, 1988, s. p.). Ainda que ciente dos preceitos indicados anteriormente, para que se inicie uma discussão acerca da complementaridade presente na TV pública, ou seja, da discussão acerca dos sistemas público, estatal e privado, faz-se necessário um prévio esclarecimento acerca do que é o público, o estatal e o privado. É presumível um conhecimento comparativo da dicotomia público/privado, entretanto a regressão ontológica dos termos exige mais. Para o senso comum, uma resposta evidente perante a pergunta “o que é privado?” seria fielmente afirmar que corresponde ao que não é público. Isso se deve ao fato de que essas duas esferas abrangem conceitos excludentes entre si. Isto é, o público se ramificará até o início da esfera conceitual do que é privado. Contribuem com as reflexões acerca dos conceitos de público e privado autores como Hanna Arendt (1989) e Jürgen Habermas (1984). Para estes, o espaço público é o lugar (lócus) das interlocuções, das trocas, do partilhamento de crenças e convicções. Habermas aprofunda as reflexões ao discorrer acerca

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do conceito de esfera pública e a mudança pela qual esta vem passando no decorrer do tempo, até se configurar com o que se vê atualmente com a esfera pública abstrata (midática), a esfera pública de presença organizada e a esfera pública episódica.1 Tomando como base Arendt (2008), tem-se que o público é o comum, o que é de todos. A autora indica que os primeiros registros desta dicotomia no mundo ocidental ocorreram na Grécia, onde o público surge como o concernente à pólis, conquanto o privado concernia à família. O termo “público” significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica. Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas, com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem (ARENDT, 2008, p. 62).

Em contrapartida, a esfera privada terá questões diretamente voltadas para o indivíduo, questões estas que estarão ausentes da esfera pública, de maneira a se tornar nula qualquer vacância conceitual que possa haver entre a esfera pública e a esfera privada. O que pode ser associado de início ao privado são as questões do mercado, situações sigilosas, secretas, confidenciais e tudo que pode ser lucrativo. Essas questões são oriundas da particularidade do indivíduo, ou, em outras palavras: o não público (ARENDT, 2008, p. 62). Por fim, se em um polo temos o público (o comum), e do outro temos o privado (particular), pode se enxergar ainda um terceiro viés desta “dicotomia”: o estatal. Este poderia ser entendido como o bem de posse do Estado (portanto não comum), ou seja, estatal é um sistema interligado e pertencente direto do Estado. No entanto, o erro está em comparar o público com o estatal, pois não cabe classificar essas duas vertentes como sinônimos. Ora, se o público tem seus pilares conceituais estruturados pelo coletivo comum, o estatal os têm ligados diretamente ao Estado, não podendo ser entendido como público devido ao fato de os interesses do Estado, na maior parte das vezes, não corresponderem ao interesse comum. Para definir um sistema privado com fins lucrativos, deve-se recorrer ao conceito oposto a ele. Isto é, conceituando o sistema privado sem fins lucrativos (ou sistema privado de caráter público). Ao discorrer acerca da Teoria dos Bens Públicos, Weisbroad (1975) afirma existir um modelo em que sistemas sem fins lucrativos surgem para satisfazer as não atendidas demandas por bens 1

Para mais informações sobre as contribuições acerca dos diferentes tipos de esfera pública, ver Habermas (1997).

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públicos. Ademais, o sistema sem fins lucrativos não apresenta fator de distribuição de lucro, sendo isento de impostos, conforme é previsto em lei. De acordo com a Constituição Federal em seu art. 150, IV, alínea “c”: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: [...] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (BRASIL, 1988).

Dessa forma, a existência de uma atividade comercial que tenha finalidade lucrativa (à revelia de um sistema privado sem fins lucrativos), configurase justamente por apresentar o fator de distribuição de lucro, produzindo e efetuando a circulação de bens e serviços. Antes da primeira regulação de serviços de radiodifusão, expressada no Decreto 24.655/34, em que se institui a Rede Nacional de Radiodifusão, critérios, permissões e controle de outorgas às concessões, as rádios não eram visualizadas em uma esfera pública, e, sim, com caráter publico, pois as rádios eram originadas por iniciativa privada, não correspondendo, portanto, aos critérios estabelecidos pelo decreto de 1934 devido à inexistência de outorga às concessões permissivas. Isto é, as primeiras rádios tinham um caráter público e sem fins comerciais, apenas culturais. Além disso, pode-se discernir que esse decreto trouxe em si exigências específicas de exploração econômica desse setor, dando, assim, à radiodifusão um aspecto privado com caráter comercial. Tal aspecto se inaugura com os serviços de radiodifusão no país. A exigência de obrigações técnicas que só poderiam ser cumpridas mediante vultosos recursos financeiros não só reduziu drasticamente o número de concorrentes como favoreceu a concentração de emissoras nas mãos de poucos. Foi graças a isto que Assis Chateaubriand conseguiu organizar a primeira rede brasileira privada de emissoras, a partir de 1938. Em 1945, ele contava com 15 emissoras de rádio, além de jornais, revistas, editoras de livros e agências de notícias (JAMBEIRO, 2002, p. 15).

Em virtude desta classificação, o sistema de radiodifusão dentro da esfera privada possibilita maior autonomia econômica e financeira às emissoras de televisão que nele se configuram. Tal autonomia está relacionada ao próprio modelo de negócios que sustenta a televisão privada no Brasil desde seu surgimento. Dando continuidade aos comentários acerca dos sistemas de radiodifusão no Brasil, passaremos agora aos sistemas públicos. Segundo a lei n. 11.652, de 7 de abril de 2008, para que seja outorgada licença de funcionamento a um sistema público de radiodifusão é necessária a observância de

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alguns preceitos, que definirão o que caracteriza um sistema deste caráter. Segundo o art. 2º da referida lei, tem-se: A prestação dos serviços de radiodifusão pública por órgãos do Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar os seguintes princípios: I - complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal; II - promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo; III - produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas; IV - promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente; V - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família; VI - não discriminação religiosa, político partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de opção sexual; VII - observância de preceitos éticos no exercício das atividades de radiodifusão; VIII - autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão; e IX - participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira (BRASIL, 2008).

O sistema público pode ser ainda dividido em três categorias, sejam eles: o sistema público com caráter comercial, o sistema público com caráter público e o sistema público com caráter governamental (CARVALHO, 2009, p. 61). O primeiro da série enumerada, o sistema público com caráter comercial, apesar de aparentar inerente contradição, pode ser observado no funcionamento da TV Cultura. Apesar desta classificação não ser aceita normativamente, ela existiu e existe como tentativa de sobrevivência de redes públicas. A princípio o financiamento [das redes públicas] era o permitido por lei que garantia o apoio cultural, depois, em alguns momentos, o financiamento chegou a ser por meio de publicidade, exatamente como acontece no sistema comercial. A única diferença era que ainda se dava em menor proporção (CARVALHO, 2009, p. 137).

Em segundo lugar, temos o sistema público com caráter público. Este sistema é o caracterizado ipsis litteris no art. 2º da lei 11.652/08. O diferencial deste para com o último sistema (sistema público com caráter governamental) é a não subordinação direta a Governo Federal, Estadual ou Municipal, haja vista que: Feito o devido exercício de separar Estado de governo pode-se avançar na ideia de que a radiodifusão pública, assim como saúde pública e a educação pública deve ser uma política de Estado, e para que o governo não se aproprie

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais de nenhum dos serviços públicos para seus interesses privados são necessárias instâncias de controle público e, especialmente na comunicação, isso deve se refletir na própria forma de gestão e na programação (CARVALHO, 2009, p. 141).

Por fim, teremos o sistema público com caráter governamental. Para o autor este é o sistema usado institucionalmente pelo governo para prestação de contas acerca de seus mandatos para a população, servindo como mecanismo de fiscalização dos parlamentares eleitos por parte da população (CARVALHO, 2009). Aplicando os conceitos descritos acima ao objeto de estudo em questão, a Fundação de Rádio e Televisão Educativa de Uberlândia – RTU, observa-se que é uma emissora privada com caráter público, portanto sem fins lucrativos, conforme é explicitado até mesmo no art. 1º, caput, de seu estatuto: Art. 1°. A Fundação Rádio e Televisão Educativa de Uberlândia – RTU, instituída nos termos da escritura pública lavrada aos 28 de janeira de 1988, no Cartório do 1° ofício de Notas de Uberlândia, Minas Gerais, no Livro 761, fl. 191/194, é uma fundação de direito privado, com personalidade jurídica própria, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos da Lei e deste Estatuto (FUNDAÇÃO, 2014, p. 1).

Sediada em Uberlândia, Minas Gerais, a gestão da Fundação RTU cabe a cinco órgãos integrantes de sua Administração Superior: a Assembleia Geral; o Conselho Curador; a Diretoria Executiva; o Conselho Fiscal e o Conselho de Programação e Produção (FUNDAÇÃO, 2014). Os membros eleitos desses respectivos órgãos não são remunerados para o exercício de suas funções. Isso se dá pelo seu caráter não comercial e sem distribuição do lucro. Mesmo que haja a comercialização de sua grade de programação, esta se dá apenas para o sustento da própria fundação, tal como ocorre com a TV Cultura/Fundação Padre Anchieta e demais emissoras com tal especificação de públicas.

A programação televisiva da Fundação RTU Assim como diversas TVs Públicas, a Televisão Universitária da Fundação Rádio e Televisão Educativa de Uberlândia tem uma programação voltada prioritariamente para o segmento educativo. A TV produz conteúdo e também oferece acesso à grade de programação da Rede Minas. Importante destacar que a TV passa por um período de reestruturação que deve, nos próximos meses, refletir-se em sua produção de conteúdo. Atualmente, oito programas compõem a grade da TV Universitária. Para efeito de análise, utilizamos a disponibilização em quadro que segue:

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Nome do programa2 Descrição 3

Categoria

UFU no Plural

UFU no Plural é um programa semanal de entrevistas, Informativo / com temas variados. Tem como objetivo dar visibilidade viés institucional a ações e projetos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

TVU Notícias

Telejornal de 30 minutos produzido e exibido pela TV Universitária de Uberlândia. É a 1ª Edição de Jornal da Cidade de Uberlândia.

Informativo

Destaques do dia

O Destaques do Dia vai ao ar às 22h30. O programete apresenta um resumo das principais reportagens do dia.

Informativo / viés publicitário

Universitária Serviços

Pílula de notícia que tem por objetivo a divulgação dos serviços que a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) presta para a comunidade, como Museus, Hospital Veterinário, Hospital Odontológico, Hospital do Câncer, Oficina da Vida, CAPES, Assistência Judiciária, dentre outros serviços.

Outros

Fique Ligado

Drops de informação que divulga os eventos, encontros, seminários, congressos que acontecem em Uberlândia e região. A divulgação é feita uma semana antes do evento até o dia do evento.

Outros / viés educativo

Fique por dentro

Pílulas de notícias nas áreas de saúde, cultura, trabalho, economia, agronegócios, lazer, sustentabilidade, natureza, entre outros editoriais.

Outros / viés educativo

Uberlândia de Ontem e Sempre

Criado em 2005, o programa de TV Uberlândia de Ontem e Sempre começou a ser produzido como uma iniciativa pessoal do publicitário Celso Machado, que possuía um rico acervo de imagens da cidade, produzido em vídeo. Nasceu também de seu gosto e talento para contar histórias, que, quando tecidas em conjunto a partir do relato de diferentes pessoas, forma um conjunto que resgata valores, crenças e o passado de uma cidade relativamente jovem.

Entretenimento

Cultura Popular

Apresentado por Delfino Rodrigues e o compadre Cadé, Entretenimento a intenção do programa Cultura Popular é valorizar a cultura local. O programa estreou em 1999 como “Programa Nossos Valores”, sendo um programa que já passou de 800 edições, com centenas de artistas entrevistados. Atualmente o programa apresenta prioritariamente cantores regionais, com o objetivo de divulgar e promover a nossa boa música sertaneja de raiz.

Fonte: elaborado pelos autores (2016).

Os programas são exibidos na TV e também ficam disponibilizados no canal da TV Universitária na plataforma YouTube. Disponível em: <https://www.facebook.com/tvu.ufu>. 3 A descrição dos programas foi retirada do catálogo disponibilizado pela diretoria executiva da Fundação RTU em abril de 2016. 2

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A categorização foi feita em função da definição de Aronchi (2004) para quem a classificação dos programas televisivos precisa ser pensada em função de suas especificidades. Desta forma, os programas televisivos são catalogados em função de categorias, gêneros e formatos. O primeiro foco de nossa análise – UFU no Plural – é um programa de entrevistas em que um apresentador faz questionamentos a dois entrevistados em estúdio. Tem cunho informativo, mas o que se observa é que, não raro, a atividade acaba sendo uma espécie de programa institucional da UFU. A questão do programa institucional é importante, mas não deve, jamais, confundir-se com jornalismo. O institucional está muito mais voltado para a publicidade que para o jornalismo propriamente dito. TVU Notícias é um telejornal gravado em estúdio que apresenta, em 30 minutos, notícias variadas. Aqui a questão informacional fica clara já na proposta do programa. Entretanto, cabe o questionamento no que tange à prática do telejornalismo numa TV Pública. Diferentemente de uma TV Privada, a TV Pública deve focalizar, neste tipo de programa, uma proposta mais reflexiva dos fatos noticiados que privilegie um jornalismo voltado para o exercício da cidadania, preconizado pelo jornalismo público. Silva (2004) caracteriza o jornalismo público como um tipo de jornalismo que busca fornecer instruções a mais procedimentos e até roteiros para a resolução dos problemas enfrentados pelo cidadão cotidianamente. Entendemos, no entanto, que o jornalismo voltado para o exercício da cidadania deve também problematizar o cotidiano, levando o telespectador à reflexão. Destaques do dia é um programete que, embora traga conteúdo noticioso, é, na verdade, uma espécie de chamada para o jornalismo. As informações são apresentadas de forma sintetizada para justamente chamará a atenção do telespectador e cativá-lo para que assista ao conteúdo completo. Este tipo de estratégia (apresentação do resumo das reportagens em forma de programetes) tem sido bastante utilizada também por algumas TVs Privadas. Universitária Serviços é um programa que se alinha ao pressuposto de divulgação de informações pontuais. Se, por um lado, as pílulas oferecem uma visão geral dos produtos oferecidos pela universidade, por outro, corre-se o risco de passar uma visão bastante superficial para o telespectador a respeito de tais serviços. Fique ligado não chega a ser um programa propriamente dito. Conforme a definição do catálogo da TV, trata-se de um drops de notícias, ou seja, algo breve e pontual. O objetivo é colocar o telespectador a par dos eventos que serão sediados pela Universidade Federal de Uberlândia. De maneira semelhante, o programa Fique por dentro traz informações pontuais sobre temas diversos. O programa apresenta uma espécie de reportagem sobre um

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tema específico que acaba sendo disponibilizada ao longo da programação. A estética da imagem do Fique por dentro é diferenciada e se caracteriza por longas tomadas e planos detalhes como forma de apresentar uma narrativa televisiva distinta de uma reportagem comum. Uberlândia de ontem e sempre é um programa oriundo do acervo de imagens do dono de uma produtora da cidade de Uberlândia. O acervo é bastante rico em termos históricos e também, por conta da preservação da memória, em formato audiovisual. É importante destacar, no entanto, que o viés destes materiais nem sempre é educativo, sendo muitas vezes caracterizado pelo viés publicitário e de colunismo social – razão pela qual o classificamos como entretenimento. Cultura popular é um dos programas mais antigos da grade da TV Universitária e se caracteriza pela divulgação da cultura regional principalmente por meio da música. Seu viés está muito mais voltado para o entretenimento, porque, não raro, divulga-se a música e pouco se fala de sua conexão com a cultura de forma mais aprofundada. Observamos, de forma geral, que a TV Universitária da Fundação RTU tem realizado um grande esforço para a produção dos programas aqui elencados. Alguns ajustes são necessários no que se refere ao posicionamento da emissora no espaço em que se encontra. Como TV Pública, seu funcionamento se dá de acordo com uma outra lógica, distinta da TV Privada, qual seja: A lógica da TV Pública relaciona-se com buscar saber como as pessoas compreendem os conteúdos veiculados; com indagar sobre o efeito da programação veiculada pelo campo público de televisão, se os conteúdos são adequados e se servem às demandas de seus públicos, agregando novas possibilidades de a audiência intervir, interagir com as informações transmitidas (informação verbal4).

Os programas ainda demandam ajustes em função do objetivo maior que é atender ao cidadão e oferecer a ele a possibilidade de apreensão de audiovisuais de forma distinta daquela preconizada pelas grandes emissoras. Cabe às TVs Públicas – e aqui se insere a TV Universitária – o papel ético de trazer leituras pormenorizadas a respeito de temas que efetivamente impactam a sociedade. Se as TVs privadas têm contratos comerciais que a sustentam, a TV Pública não conta com esse fator, posto que “publicidade de produto ou serviço é incompatível com a linguagem de uma televisão pública independente e autônoma” (TVs PÚBLICAS, 2011, s.p.). Isso significa que a TV Pública

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Informação apresentada na oficina preparatória na etapa municipal/local da Conferência Nacional de Comunicação utilizando dados do Instituto de Pesquisas da TV Pública, 2009.

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deve zelar pela sua autonomia e ocupar seu espaço legal. Pelo que observamos, a TV Universitária não tem em sua grade programas de entrevistas com viés estritamente informativo e político (algo crucial, tendo em vista o cenário político vivenciado pelo país). Ademais, não se observa, em sua grade, programas mais reflexivos e questionadores da realidade que cerca os moradores do triângulo mineiro. As reportagens jornalísticas não apresentam problematizações e embates, mas já iniciam uma proposta de levar o telespectador a refletir sobre seu cotidiano. A TV Universitária também não apresenta atualmente em sua grade as produções independentes e discentes5 dos diversos cursos da Universidade Federal de Uberlândia e mesmo de outras universidades da região. De uma maneira geral, a programação da TV é quantitativamente pequena, mas oferece saltos qualitativos importantes, principalmente quando comparada às outras emissoras (públicas e privadas) que atuam no triângulo mineiro.

Considerações finais Apresentamos neste trabalho um estudo preliminar sobre a experiência atual da TV pública, em especial a TV Universitária da Fundação Rádio e Televisão Educativa de Uberlância – RTU. Os resultados são apresentados no campo de análise, fazendo uma síntese da programação e realçando aspectos importantes que expressam sua especificidade no cenário televisivo brasileiro à luz do marco regulatório sobre as TVs no campo público. Constatamos que, assim como acontece com diversas emissoras públicas no Brasil, a TV Universitária da Fundação RTU precisa buscar uma identidade própria na região em que está inserida. Não é seu objetivo competir com as emissoras privadas da região; ao contrário, seu viés está calcado em oferecer programação de qualidade. A TV pública não deve se pautar pela concorrência, e, sim, pela qualidade e seriedade na apuração e veiculação de notícias e conteúdos diversos. É importante salientar que a programação da TV pública se faz com base em investimento em recursos humanos. Os problemas de infraestrutura técnica e formação de recursos humanos são questões que demandam políticas públicas específicas, principalmente diante do cenário de digitalização das TVs brasileiras. A tecnologia digital implica mudanças não apenas estruturais e técnicas, mas, sobretudo com relação ao aspecto humano (CANNITO, 2010). Nesse sentido, a questão do financiamento da digitalização se constitui em

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Aqui é importante destacar que está em andamento um estudo analítico acerca de um edital para apoio de produção audiovisual discente e experimental.

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um dos pontos nevrálgicos das TVs públicas. É certo que o Governo Federal possui linhas de auxílio, mas sabe-se que tais linhas não atendem a toda a demanda. Nesse cenário, nunca antes foi tão necessário às TVs públicas investir na criatividade. O desafio é grande e perpassa a questão de infraestrutura, conteúdo e captação de recursos. Salientamos ainda a necessidade de incentivo ao experimentalismo – que não deve se confundir como amadorismo. A TV pública é o locus ideal para novas expressões por meio da linguagem audiovisual. Além de oxigenar a grade e mantê-la atualizada, tais produções têm o potencial de encontrar soluções inovadoras para antigas demandas reprimidas. A produção independente também pode atuar no sentido de oferecer novos programas/novos conteúdos/novos enfoques ao telespectador. Tal como ocorre com outras TVs do campo público, a TV Universitária da Fundação RTU de Uberlândia também tem buscado inovar sem perder seu compromisso com a qualidade dos conteúdos que exibe em sua grade. Somase a isso o desafio do cenário de recessão econômica vivenciado pelo país. Do ponto de vista quantitativo, observa-se que ainda são poucos os materiais produzidos pela TV Universitária da Fundação RTU. Por outro lado, do ponto qualitativo (e isso é o que mais nos importa), são produtos compromissados com a educação e a cultura. Atualmente, a TV tem passado por reestruturações com foco na readequação da emissora no cenário em que atua. A atuação dos Conselhos (Curador e de Programação) tem sido essencial para garantir não apenas a visão plural e uma gestão participativa, mas, sobretudo, uma TV de qualidade que mantenha sua identidade, mesmo diante da troca de gestão, característica nas universidades públicas.

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Memória da Difusão Pública: A Anhatomirim TV Educativa1 – A TV Cultura SC Cárlida Emerim Áureo Mafra de Moraes

Introdução Quem se dedica a estudar a televisão brasileira encontra algumas dificuldades para efetivar este percurso. Uma delas é o preconceito que a maioria dos intelectuais tem em relação ao veículo, outra é a escassa bibliografia histórica disponível que, quando existe, geralmente apresenta estudos sobre as empresas mais conhecidas, sediadas nas principais capitais do país. Porém, talvez, a principal dificuldade seja a inexistência de arquivos públicos, abertos, que permitam o acesso de pesquisadores possibilitando estudos em profundidade sobre a televisão, suas produções e os modelos de gestão que fizeram a história deste veículo no país. No âmbito das empresas comerciais, algumas delas mantém arquivos de seus produtos, mas o acesso não é livre e, quando ocorre, é mediante várias restrições e direcionamentos. Se este contexto já é um complicador para quem estuda televisão aberta comercial, é ainda mais complexo quando se trata de empresas públicas de televisão. Embora tenham o princípio da transparência, a precariedade estrutural e/ou financeira muitas vezes impede de investir em arquivos e/ou na manutenção deles. Assim, além de ser quase inexistente a bibliografia histórica sobre as emissoras públicas, estatais ou institucionais do Brasil, o que se encontra são alguns registros de publicação restrita como pesquisas, artigos científicos, críticas sobre programas e a programação, mas que não são fáceis de serem encontrados e não ficam disponíveis para a maioria do público. Por todos estes motivos é que se propôs organizar este capítulo com o objetivo de contribuir para traçar uma referência inicial sobre a história da Anhatomirim TV Educativa de Santa Catarina que depois foi rebatizada como TV Cultura de SC. A mudança de 1

Artigo inédito, fruto de pesquisa histórica sobre o telejornalismo em Florianópolis, nas diferentes emissoras de televisão do estado catarinense, que emprega, como uma das técnicas, o registro de depoimentos com profissionais que atuam ou atuaram neste campo do jornalismo em SC.

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nome deu-se por decisão do conselho superior, à época em que a presidência da fundação coube ao então Reitor da UFSC Rodolfo Joaquim Pinto da Luz (1996 a 2004). Por meio de uma negociação com o grupo RIC/Record, que detinha a propriedade do nome fantasia “TV Cultura”, oriundo do primeiro canal de televisão aberta comercial implantado em Florianópolis, em 1970, foi possível passar a utilizar o nome TV Cultura para o canal 2, educativo, até então conhecido como Anhatomirim TV Educativa. O desafio metodológico deste capítulo é o de articular duas técnicas de pesquisa para poder contar esta trajetória: 1) a revisão bibliográfica (que tem raríssimos registros escritos sobre o tema); e 2) a História Oral, através da vertente História de Vida, visto que um dos autores faz parte desta trajetória ora narrada e é testemunha de vários dos fatos, empregando-a para dar conta, metodologicamente, dos relatos trazidos pelo coautor, ao capítulo. A História Oral é, ao mesmo tempo, método de pesquisa e técnica, como se pode apreender das considerações de Alberti (1990). Como método, registra as narrativas sobre ou da experiência dos personagens (seres/atores sociais) articulando diferentes elementos e procedimentos à técnica de base que é a entrevista. Como técnica, é usada como uma forma de coleta de dados com base em depoimentos orais que são gravados ou registrados de forma escrita. Esta técnica tem o objetivo de “preencher lacunas” e complementar os outros dados obtidos em pesquisas, bem como permitir a correlação dos fatos relevantes para a compreensão da sociedade, para a sua comprovação e/ou trazer à luz fatos e acontecimentos que não foram ainda narrados sobre as trajetórias humanas na história. Para a elaboração deste capítulo, utilizou-se a revisão bibliográfica como escopo estrutural complementada com os dados obtidos a partir dos relatos vivenciados pelo co-autor, para complementar, contrapor e/ou registrar algo novo. Para dar conta desta proposição, o capítulo está dividido em cinco secções, além desta introdução, que inicia com um breve contexto sobre a televisão no Brasil, seguido do relato da implantação da TV Cultura de Santa Catarina – Anhatomirim TV Educativa. Na segunda parte, trata do modelo adotado para a operação do canal; na terceira, discute os modelos de programação; na quarta parte reflete sobre o papel da TV Cultura de SC – Anhatomirim TV Educativa no ambiente político/institucional das emissoras públicas e, por fim, o ocaso da emissora com o encerramento de suas atividades.

Breve contexto sobre a televisão no Brasil e em SC Há pouco mais de duas décadas anteriores à implantação da televisão no Brasil, o modelo público de radiodifusão de sons e imagens começava a sua trajetória no Reino Unido, em 1922, com a criação da British Broadacasting

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Corporation (BBC), reconhecidamente a precursora entre as empresas com finalidades e gestão associadas a um serviço público de comunicação. Inicialmente um conglomerado de grupos responsável pela fabricação de equipamentos eletrônicos, passou ao controle do governo britânico ainda na década de 1920 e operou, primeiramente, o rádio e, em 1936, a televisão. Tal modelo estabeleceu uma rejeição à publicidade como forma de financiamento, bem como a constituição de instâncias de decisão colegiadas, com participação de representantes da sociedade. Aliás, há que ressaltar duas premissas presentes em diversas experiências de sistemas públicos de rádio e televisão, em diferentes sociedades. No Brasil, especificamente, a televisão foi concebida dentro de uma perspectiva privada, comercial, em 1950, mesmo sendo uma concessão pública outorgada pelo Governo Federal para o funcionamento da empresa. Assim, a primeira emissora de televisão, a TV Tupi de São Paulo, colocada no ar em 18 de setembro de 1950, por Assis Chateaubriand, já inaugura uma gênese em torno de fortes relações de favores “do” e “para” o Estado, que se prolongou até períodos recentes. Depois do estabelecimento do Ministério das Comunicações, em 1967, o processo de concessão de licenças passou a levar em conta não apenas as necessidades nacionais, mas também os objetivos do Conselho de Segurança Nacional, de promover o desenvolvimento e a integração nacional. Entretanto, o favoritismo político nas concessões de canais de TV prolongou-se até o governo da Nova República, de José Sarney (MATTOS, 2010, p. 24).

Era um sistema que exibia programação em sinal aberto, visando lucro por meio da veiculação de anúncios publicitários nos moldes daqueles que o radio já praticava, de certa forma, consolidado no Brasil nos anos 1940, principalmente. Cabe lembrar que este modelo de financiamento, herdado do meio radio, transformava os programas em verdadeiras vitrines de seus anunciantes e, além disso, os patrocinadores tinham poder sobre a produção dos programas. Não raras vezes, eles definiam os conteúdos, as equipes e como deveriam ser veiculados os programas e seus produtos. Sobre esta implantação cabe ressaltar que o modelo de gestão foi se aprimorando ao longo do tempo, aliado aos avanços tecnológicos (como o vídeo tape e as possibilidades de facilitação e qualificação das transmissões ao vivo). Porém, no Brasil, no mesmo período em que a televisão se desenvolve em termos de técnica e narrativa expressiva com a implantação das transmissões em cores e das emissões via satélite, alcançando mais interesse e respaldo junto ao público, ela também perdia em liberdade de expressão, entre 1964 a 1975. A origem das emissoras de televisão educativas e culturais brasileiras, criadas no final da década de 1960, está associada a uma função essencial-

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mente ligada à educação. A sua regulamentação estava contida no Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e no Decreto-lei 236 de 1967, este último editado pelo regime militar para complementar e modificar o anterior. A primeira emissora educativa a surgir no Brasil foi a TVE do Rio de Janeiro, exatamente em 1967, abrindo, de certa forma, a implantação das redes de televisão educativa que até 1996 tinham 230 canais espalhados pelo país, com cerca de 18 geradoras (SÁ, 2010, p. 135). Na gênese de sua história, as emissoras educativas tinham restrições legais quanto ao tipo de programação que lhes cabia exibir e ao modelo de gestão e formas de financiamento, como se pode verificar nos trechos do decreto-lei explicitados abaixo: Art. 13 A televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. Parágrafo único. A televisão educativa não tem caráter comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos.

Dessa forma, estavam definidas as linhas de implantação e funcionamento das Televisões Educativas, vinculadas, quase que na sua totalidade, a governos e instituições de estado e que exibiam, em sua absoluta maioria, palestras, conferências e programas de cunho educativo, na acepção estrita da palavra, bem como programas de gêneros e formatos escorados em conteúdos eruditos, distantes do interesse do grande público, afastando-se da popularidade que a televisão comercial já começava a experimentar. O que derivou destes instrumentos foi um conjunto de emissoras vinculadas a governos de estados ou universidades, dependentes de restritos recursos orçamentários para sua manutenção. A partir da década de 1980, retomava-se a articulação das televisões educativas, por meio da composição do Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa – Sinted, transformado depois em Sinred, em 1983, com a inclusão das emissoras de rádio do segmento. Na década de 1990, com a criação da ABEPEC – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, ampliou-se o processo de aglutinação em torno das emissoras e começou o esforço que, em 2007, levou à criação da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, operadora da TV Brasil e responsável pela coordenação da Rede Pública de Televisão. A implantação de emissoras de televisão no estado catarinense pode ser dividida em duas macroetapas técnicas: 1) pelo uso do sistema de antenas repetidoras que apenas mediavam a transmissão da programação produzidas por emissoras de outros estados, e 2) pelo uso do sistema de produção própria, com a emissão do sinal e da programação produzida de forma local e/ou esta-

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dual. Segundo Mattos (1992), Pereira (1992) e Severo e Gomes (2009), a primeira emissora de Florianópolis, a TV Florianópolis, é obra do empresário Hilário Silvestre, da cidade de Tubarão (SC), que montou, com recursos próprios, uma torre de retransmissão a 50 metros de distância, no terraço de um edifício no centro da cidade, colocando no ar, em dezembro de 1964, a TV Florianópolis, canal 11. Este foi o marco do início da TV comercial em Santa Catarina. Somente depois de 30 anos é que se pode começar a contar a história da TV Educativa no estado.

Implantação da Televisão Educativa em Santa Satarina Santa Catarina teve os primeiros movimentos em torno da implantação de um canal aberto educativo de televisão no final dos anos de 1980, quando a então TV Executiva, vinculada à época à empresa TELESC – Telecomunicações de Santa Catarina – transformou-se na TV Caracol, operada pelo presidente da estatal, Douglas de Macedo de Mesquita. A experiência da chamada TV Executiva, representava então um espaço de transmissão de conteúdos organizacionais, voltados à difusão de informações e serviços restritos aos funcionários da empresa. Com estreitas ligações junto a grupos políticos com representação em órgãos dos governos federal e estadual, Mesquita obteve a outorga para operar, na região da Grande Florianópolis, uma TV em sinal aberto, valendo-se do parque de equipamentos da TV Executiva da empresa que dirigia e adquirindo equipamentos de transmissão. A emissora, batizada de TV Caracol, instalou-se em prédio da própria TELESC, no morro da Cruz, mesmo local em que operavam outras duas emissoras, estas comerciais: a TV Catarinense, do Grupo RBS, implantada na década anterior, e a TV Cultura, do grupo liderado por Darci Lopes, e que havia sido a pioneira em transmissão de TV em Florianópolis. A TV Caracol, no entanto, operava na lógica de uma emissora comercial, incluindo nessa circunstância a comercialização de espaços publicitários. Pouco tempo após sua instalação, foi objeto de denúncias junto a organismos de controle, e, comprovado o uso indevido da concessão, Mesquita perdeu a outorga do canal, que retornou à Fundação Roquette Pinto, TVE Rio. No final do ano de 1992, após sediar em Florianópolis um encontro de TVs e Produtoras Universitárias, a UFSC e a UDESC, as duas instituições públicas de Ensino Superior do Estado, iniciaram aproximações com a direção da FRP/TVE, a fim de encontrar uma alternativa que permitisse a retomada da televisão educativa no estado. Como às instituições universitárias não era permitido operar um canal de televisão aberta, a solução encontrada foi constituir uma fundação de direito privado, mas com uma gestão baseada em colegiados representados

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por membros das universidades, de modo que se obtivesse a outorga do canal 2 e, assim, a tal fundação fosse a mantenedora do Canal. A Fundação Catarinense de Difusão Educativa e Cultural Jerônimo Coelho foi, então, criada em 1994, por instituidores que eram pessoas físicas, mas com atuação nas universidades federal e estadual. Eram os reitores e vice-reitores, pró-reitores, diretores de centros de ensino, chefes de departamentos, além de representantes de outras entidades. A constituição formal definida foi o de uma Fundação Privada, sem fins lucrativos. Pelos seus estatutos, o órgão máximo de deliberação seria o Conselho Superior, assim constituído: a presidência e vice-presidência do Conselho Superior, ocupadas pelos reitores das duas universidades públicas, alternadamente a cada dois anos; o Diretor Superintendente da Fundação; três representantes da UFSC e três representantes da UDESC, a critério dos respectivos Conselhos Universitários; os Diretores dos Centros de Comunicação e Expressão e de Ciências da Educação da UFSC; os Diretores dos Centros de Ciências da Educação e de Artes da UDESC; um representante do Conselho de Produção e Programação da Fundação; e dois representantes eleitos pelos instituidores da Fundação. Todos tinham mandatos de dois anos, prorrogáveis. Entre as competências do Conselho Superior destacavam-se a) estabelecer diretrizes gerais e finalidades; b) aprovar planos anuais de trabalho, orçamento e relatórios da diretoria, bem como o quadro de pessoal, e fixar a política salarial; c) homologar, eleger e/ou destituir o Diretor Superintendente e os nomes para a diretoria, além de autorizar convênios e acordos. Já o Conselho de Produção e Programação era órgão consultivo, com participação da sociedade civil, sendo que os representantes deste conselho seriam designados por suas instituições para um mandato de dois anos, prorrogável por mais dois. Quando da constituição da fundação, a composição desse conselho incluía o Diretor Superintendente e o Diretor de Produção e Programação da Fundação Jerônimo Coelho, além de representantes da UFSC e da UDESC, indicados pelos respectivos reitores e pelas direções dos Centros de Comunicação e Expressão e de Educação (UFSC) e do Centro de Artes e de Educação (UDESC). O mesmo colegiado ainda previa a participação de representantes das associações de professores, sindicatos de funcionários, diretórios estudantis, sindicatos de jornalistas, professores, radialistas, e artistas do estado de Santa Catarina. E, também outras entidades, tais como a Associação Cultural Cinemateca Catarinense, as federações do comércio, dos trabalhadores no comércio, da agricultura, dos trabalhadores na agricultura, das indústrias de Santa Catarina e os representantes do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal de Florianópolis.

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EMERIM, C.; MORAES, A. M. de • Memória da difusão pública: a Anhatomirim TV Educativa

Note-se que o conceito de controle social, discutido e difundido contemporaneamente em outras áreas – como a saúde, a educação, a segurança – já estava presente à época, expresso no modelo de gestão da Fundação Jerônimo Coelho, mantenedora da Anhatomirim TV. Isso garantia, pelo menos em termos formais, que, diferentemente da maioria das TVs Educativas de então, a Anhatomirim TV não estaria vinculada à estrutura estatal. A história das emissoras educativas brasileiras é farta em (maus) exemplos de como transformar uma emissora educativa e cultural em “palanque” para políticos e partidos. Porém, se o modelo de gestão parecia conduzir a Anhatomirim TV a um futuro de autonomia, liberdade e exercício de princípios educacionais e culturais, a outra parte do modelo nasce fadada ao fracasso. Trata-se do financiamento. Impedida por lei de captar patrocínios e não dependente de estruturas estatais, o que restava à Fundação/TV no sentido de gerar receitas e financiar sua produção? A pergunta frequentou seguidos relatórios das gestões que passaram pela emissora, como se pode ver nos documentos disponíveis nos arquivos da Fundação Jerônimo Coelho. A fim de melhor compreender o processo de gestão/participação social/financiamento empregados pela Anhatomirim TV, vamos dividir a história dos 17 anos, para fins de análise, em três momentos intitulados, respectivamente, Primeiro Período (1994 a 1998); Segundo Período (1998 a 2004) e, Terceiro Período (2004 a 2009). Primeiro Período (1994 a 1998) Este período refere-se à fase de implantação da fundação e da emissora, em que a diretoria da Anhatomirim TV constituía-se por quatro (4) diretores, professores da UFSC e da UDESC que atuavam como gestores em diferentes áreas, sendo: Rogério Braz da Silva – ex-Reitor da UDESC (Presidência), Juarez Fonseca Medeiros da UDESC (Diretor de Administração), Renato Carlson da UFSC (Diretor Técnico) e Sergio Ferreira de Mattos, da UFSC (Diretor de Produção e Programação). Estes quatro professores, com vinculo junto às respectivas universidades, formavam o pioneiro grupo de gestores da Anhatomirim TV. Além deles, três conselhos (Superior, Produção e Programação e de Curadores), definidos em estatuto, mas sem regularidade na atuação. Os poucos funcionários, particularmente na área técnica, (técnicos de telecomunicações, cinegrafistas e motoristas), foram contratados com recursos de convênio com órgãos públicos e/ou cedidos (ainda que não formalmente) pelas universidades. Os fundadores eram professores universitários que usaram seus nomes e dados de pessoa física para compor o quadro societário da instituição, além de contribuir com 60 URV (unidade real de valor da época) para a formação do capital inicial da entidade. Assim, em assembléia realizada nas dependências da Reitoria da UFSC, foi instituída a Fundação Jerônimo Coelho.

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais Na mesma ocasião foi aprovado o Estatuto da emissora, que ainda está em vigor, onde ficaram estabelecidos os alicerces da nova instituição (MONTERO, 2004, p. 71).

Havia uma estrutura construída na versão do estatuto inicial, em que a programação seria baseada em produção de programas da UFSC e da UDESC, sem necessariamente uma equipe de profissionais própria. Contava-se, à época, com profissionais lotados nas duas instituições, “prestando serviços” à TV, especialmente as assessorias de comunicação e, no caso da UFSC, o Curso de Jornalismo. Como o financiamento da emissora não havia previsto recursos para além das doações das duas universidades e de eventuais parceiros do setor público (prefeitura, por exemplo), desde esse período a questão da receita já apontava para um modelo de financiamento frágil, uma vez que a captação de patrocínios era proibida por lei às educativas. Sem receitas próprias capazes de alavancar uma produção própria, a emissora vivia de esparsas doações, inclusive contestadas posteriormente pelos órgãos de controle. E exibia apenas programas gerados pela TVE – Rio e TV Cultura de São Paulo. Era uma retransmissora mista (poderia, portanto, produzir programas locais), mas, sem recursos, acabava sendo uma mera retransmissora. Quando produziu programas próprios, o fez “vendendo” espaços na grade de programação. Assim, passou a exibir programas de caráter geral, de entretenimento, sem necessariamente obedecer aos princípios de ser uma TV de cunho educativo. São dessa época programas como o “Bar Fala Mané”, apresentado pelo jornalista Aldírio Simões, que tratava, ao vivo, no estúdio, de assuntos da cidade, da cultura local com abordagem genérica, personagens e tipos folclóricos, em um ambiente de mesas de bar montadas no estúdio. Também o “Esporte Cultura”, clássica mesa redonda em que se comentavam assuntos relacionados a esporte, principalmente o futebol. A apresentação era de dois “decanos” do radiojornalismo esportivo de Florianópolis: Fernando Linhares de Silva e Newton Cesar Viegas. E a transmissão ao vivo, aos sábados, da Santa Missa, direto da Igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro Estreito, parte continental de Florianópolis. Nos três casos, os produtores responsáveis, “compravam” o espaço, remunerando a fundação mantenedora da TV Cultura e utilizavam espaço físico e equipamentos da Anhatomirim TV. Neste período, ainda, era profícua a atuação do Conselho de Produção e Programação, que mantinha regularidade nas suas sessões. Contudo, o resultado das reuniões não necessariamente levava a soluções práticas. Aprovava programas, autorizava contatos, mas a efetivação destes esforços era quase inócua. O ânimo, demonstrado por conselheiros e diretores neste período, começou a esmorecer diante da falta de receitas para produção dos programas. A televisão educativa entrava no quadro nacional das emissoras educativas, que,

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EMERIM, C.; MORAES, A. M. de • Memória da difusão pública: a Anhatomirim TV Educativa sem financiamento, não conseguiam colocar no ar programas diferentes daqueles veiculados pelas emissoras comerciais (MONTERO, 2004, p. 82).

A síntese deste primeiro período pode ser demonstrada pelos movimentos tomados pelos diretores da emissora, que, no início de 1998 deixam seus cargos, optando por atuar nas suas respectivas instituições universitárias. Segundo Período (1998 a 2004) Este segundo período inicia com uma nova equipe de gestores, ainda ligados às universidades e cuja opção foi seguir com a mínima programação que havia, por meio da manutenção dos programas que “compravam” espaços na grade da emissora. Ou seja, um modelo de “terceirização”. Esta equipe permaneceu por cerca de dois anos e não avançou no sentido de alterar a rotina de poucos recursos e quase nenhuma produção autoral. Em 1998, um fato novo traz à TV Cultura a possibilidade de ampliação da veiculação de programas próprios: trata-se da implantação do canal a cabo “UFSC TV”, resultado da utilização, pela Universidade Federal de SC, do canal universitário, um dos seis canais de uso público destinado às instituições de ensino superior com sede em Florianópolis.2 Como a coordenação do canal universitário “UFSC TV” era então exercida pela mesma pessoa designada para a superintendência da TV Cultura, a professora Sidneya Gaspar de Oliveira, a opção acabou gerando uma espécie de coprodução entre a emissora em sinal aberto e o canal a cabo. Quanto à programação, foi possível ampliá-la, na medida em que a UFSC financiava a produção de programas para o canal universitário, e a TV Cultura exibia em sinal aberto. Cita-se, por exemplo, os programas “Vide Vídeo” e “Canal + Saúde”, produzidos pela UFSC TV; “Abertura”, “Universidade Já” e “Semana UFSC”, produzidos pelo Curso de Jornalismo da UFSC, e “Justiça do Trabalho na TV”, produzido pela assessoria de comunicação do TRT/SC. O maior equívoco quanto à gestão no período foi a administração de ambas – um canal universitário vinculado à UFSC e uma emissora aberta, vinculada à fundação privada – como se fossem uma só unidade. Equipamentos, veículos e alguns dos profissionais pertenciam à TV Cultura, mas eram utilizados pela UFSC TV. E vice-versa. Tal condição levou à ameaça de ações no âmbito da justiça do trabalho que acabaram sendo minimizadas por meio de acordos com os profissionais. Do ponto de vista da programação também foram exibidos pela TV Cultura programas voltados a conteúdos para educação a distância, produzidos pela UDESC, ligados a cursos de formação de

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LEI N. 8.977, DE 6 DE JANEIRO DE 1995. Artigo 23, inciso I, alínea e, conhecida como “lei do Cabo”.

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professores, via teleconferências. Outra iniciativa que funcionou, ainda que parcialmente nesta fase, foi a submissão de projetos em editais de fomento à produção, particularmente do Ministério da Cultura. Eram documentários e programetes sobre temas como cultura e meio ambiente, aspectos turísticos e belezas naturais da região. Também foram ao ar vinhetas mais críticas que questionavam temas polêmicos da sociedade, como racismo, AIDS e outros. Mesmo com a ampliação na produção, a atuação dos conselhos era mínima, se comparada aos anos iniciais, concentrando as decisões operacionais e definições conceituais apenas na diretoria. No entanto, nesta nova gestão foram implementados projetos com o firme intuito de recuperar o perfil educativo e ‘cultural’ da emissora. A Diretoria da emissora escolheu o que deveria ir ao ar – o Conselho de Produção e Programação esteve desestruturado – e a partir deste momento a tevê produziu alguns programas (MONTERO, 2204, p. 85).

Apesar das dificuldades naturais pelas quais a emissora passou no primeiro período e que, neste segundo, foram acentuadas, ainda em 1998, a emissora produziu o telejornal diário “Cultura Nove e Meia”, única experiência da emissora, cuja duração não passou de poucos meses. Em relação a financiamento, a gestão enfrentou críticas da sociedade em razão de ter implantado a veiculação de propagandas no intervalo comercial. Como aponta MONTERO (2004, p. 88), “disputando verbas no mercado da publicidade com as emissoras comerciais, quando já existe uma plataforma paga pela sociedade”. Ao final deste segundo período, restou o início do processo de inserção da TV Cultura SC na constituição de uma Rede Pública de Televisão Educativa, que culminou, em 2007, com a criação da EBC/TV Brasil. Terceiro Período (2004 a 2010) O terceiro período, considerado a fase final da trajetória da emissora, representa o seu ocaso do ponto de vista da programação e do financiamento. Com dívidas acumuladas, sobretudo junto aos profissionais e, com a absoluta falta de receitas, fruto do modelo e das circunstâncias associadas à ausência de uma programação própria, a emissora passou a reduzir a sua estrutura lentamente. Os principais motivos que impediam sua rotina efetiva de produção estavam nas ações trabalhistas impetradas por ex-funcionários, sobre as quais a gestão teve que responder mais de uma vez, bem como parte dos equipamentos e veículos, já sucateados, que foram leiloados. No final de 2006, houve uma tentativa derradeira de resgatar algum financiamento, por meio de um contrato de repasses comerciais, firmado com a Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura de São Paulo. A negociação partia do princípio de que, retransmitindo a programação da TVC-SP, a TVC-SC exibiria nos intervalos os comer-

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ciais dos patrocinadores da programação da emissora paulista. A título de compensação pela exibição dos comerciais, a TV catarinense faria jus a parcelas mensais de remuneração. O contrato vigorou até maio de 2007, quando houve uma mudança na direção da TV paulista. Os novos gestores entenderam que o objeto do contrato não fazia sentido e, unilateralmente, rescindiram o documento. Ainda que tenha havido um período de poucos meses de receita, fruto desse contrato com a TVC-SP, os valores foram insuficientes para reerguer a emissora. Assim, com o financiamento escasso, a programação “congelada” e as instâncias colegiadas sem representação, a diretoria ficou reduzida ao superintendente e ao diretor administrativo. A estrutura ainda mantinha uma secretária e três operadores de máster. Por mais que possa parecer paradoxal, foi exatamente neste terceiro período que a TV Cultura teve um espaço de protagonismo no ambiente institucional e político das emissoras públicas e educativas. O superintendente assume, em 2007, uma das vice-presidências da ABEPEC, a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais. Aquela gestão, liderada pelo então presidente da Rede Minas, Antônio Achillis, foi formada também por Paulo Roberto Vieira, da TVE Bahia, Indira Pereira do Amaral, da TVE Sergipe, Waldemar Rodrigues Lima Jr, TVE Tocantins e Marcos Alencar, da TVE Espírito Santo. A entidade já havia atuado intensamente na preparação e na realização do 1º Fórum das TVs Públicas, em 2006, cujos resultados apontaram, entre outros, para “a criação e inserção de uma TV Pública organizada pelo Governo Federal, a partir da fusão de duas instituições integrantes do campo público e promotoras deste Fórum, a ACERP e a Radiobrás” (Manifesto pela TV Pública independente e democrática. 2007. ABEPEC). Em maio de 2009, realiza-se o 2º Fórum das TVs públicas, já tendo sido constituída a EBC/TV Brasil, criada pela Lei n. 11.652, de 7 de abril de 2008. E foi exatamente a TV Brasil a derradeira parceira da TV Cultura de Santa Catarina. Após um conjunto de articulações, diálogos e diagnósticos, foi possível formular um contrato de transferência patrimonial, incluídos equipamentos e acervo da emissora catarinense, de modo que a EBC adquirisse tal espólio. As condições do termo incluíam o repasse de recursos da Empresa Brasileira de Comunicação que permitiriam à Fundação Jerônimo Coelho quitar o passivo trabalhista e outras dívidas com fornecedores. Como contrapartida, a TV Cultura SC desistiria da outorga, devolvendo o canal 2 ao MiniCom. Este, por sua vez, o repassaria à TV Brasil, e um outro contrato seria firmado de modo que a UFSC TV fosse a retransmissora do sinal da TV Brasil para Florianópolis e região. Desse modo, após um período de análise e aprovação pelo Conselho Superior da Fundação Jerônimo Coelho, reconstituído com a única finalidade de

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aprovar a decisão, em 8 de dezembro de 2011, por meio de ofício, a fundação desiste formalmente da concessão do canal 2 e devolve a outorga ao Ministério das Comunicações. Estava consolidado o fim da TV Cultura de SC.

Considerações finais Longe de parecer melancólica, a história dos 17 anos entre a criação e o fim da TV Cultura Santa Catarina revela-se um aprendizado para pesquisadores interessados na causa da comunicação pública. Relegadas nos anos de 1960 a modelos de “não televisão”, as emissoras educativas/culturais/estatais historicamente ficaram conhecidas pela programação “chata”, “cansativa”, “intelectualizada”. O público as identificava como tal. E os gestores precisavam descobrir, frequentemente, como buscar recursos, viabilizar produções e conceber programas que, ao mesmo tempo em que se evitasse repetir modelos da TV comercial aberta, tivessem resultados de audiência próximos daquelas. Uma equação cuja variável dificilmente era encontrada. A partir dos esforços de aglutinação do “campo das públicas” – expressão que reúne as educativas abertas, as universitárias e as legislativas no sistema de TV a cabo – foi possível propor ao Estado a criação da TV pública brasileira. Neste contexto, o papel da TV Cultura de Santa Catarina serve de exemplo, talvez até de como não se fazer. Mas seus princípios, valores, modelos de gestão colegiada, projeto pedagógico/político, liberdade de vinculação, entre outros, parecem apontar que não é de todo fracassada a ideia iniciada em 1994. O que talvez tenha faltado foi uma visão de que, de fato, a origem das dificuldades parecia estar nas fontes de financiamento. Quando houve recursos, a TV Cultura buscou produzir conteúdos alternativos. Quando produziu, esteve blindada a interesses políticos ou meramente de mercado. A conclusão de sua trajetória parece conduzir, assim, para um modelo de gestão colegiada, com instâncias consultivas e outras deliberativas, programas alternativos à TV comercial. Porém, fundamentalmente, com uma fonte regular, legal e constante de financiamento.

Referências ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1990. ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005. AMORIM, Maristela. A TV Florianópolis – os primeiros tempos da televisão em Florianópolis. (não paginado). Monografia (Graduação em Jornalismo), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1984.

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LIMA, Jorge da Cunha. Uma história da TV Cultura. São Paulo: Imprensa Oficial (Fundação Padre Anchieta), 2008. MARCONI, Eva Maria; LAKATOS, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2010. MATTOS, Sérgio. História da Televisão Brasileira. Petrópolis: Vozes, 2010. MATTOS, Sérgio. Um perfil da TV Brasileira (40 anos de história: 1950-1990). Salvador: Associação Brasileira de Agências de Propaganda/Capítulo Bahia, 1992. MONTERO, Ana Carine Garcia. Antena Pública – as possibilidades educativas da TV Cultura de Santa Catarina. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de PósGraduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. MORAES, Áureo Mafra de. As marcas discursivas do Repórter Brasil noite: entre fonte e cidadão. (102 páginas). Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Jornalismo). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. SÁ, Renato Affonso Sant’Anna de. Centro de Comunicação e Expressão: histórias e memórias do cotidiano. (125-142). In: NECKEL, Roselane; KÜCHLER, Alita Diana Corrêa. UFSC 50 anos – trajetórias e desafios. Florianópolis: UFSC, 2010. SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco; RIBEIRO, Ana Paula Goulart. História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. SEVERO, Antunes; GOMES, Marco Aurélio. Memória da Radiodifusão Catarinense. Florianópolis: Insular, 2009. PEREIRA, Moacir. Imprensa e Poder: a comunicação em Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1992. PEREIRA, Moacir. O golpe do silêncio. São Paulo: Global, 1985. PROPAGUE. Propague: 25 anos de história da propaganda de Santa Catarina. [S.l.: s.n.], [19—]. REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil. São Paulo: Summus, 2000. Outros documentos ARQUIVO CCE (UFSC). (Caixa A23). FUNDAÇÃO CATARINENSE DE DIFUSÃO EDUCATIVA E CULTURAL JERÔNIMO COELHO. Florianópolis. Ata de Instalação: 30 de março de 1994. (s/livro), 2f. FUNDAÇÃO CATARINENSE DE DIFUSÃO EDUCATIVA E CULTURAL JERÔNIMO COELHO. Ata da segunda reunião realizada em 3 de abril de 1995. (s/livro). FUNDAÇÃO CATARINENSE DE DIFUSÃO EDUCATIVA E CULTURAL JERÔNIMO COELHO. Projeto do I Encontro Nacional de Emissoras Educativas. Florianópolis, 1994. ANHATOMIRIM TV EDUCATIVA: projeto político-filosófico. Florianópolis, 1994. ANHATOMIRIM TV. Ofício Suplementar 115/1994. Florianópolis, 8 de dezembro de 1994.

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Fronteiras entre Estado e Mercado: o programa Antes & Depois da Lei da TV Justiça (STJ) e sua inserção na TV aberta (Record News)1 Isabela Vargas Oliveira Robson Borges Dias

Introdução A Constituição, no capítulo da Comunicação Social, deixa claro princípios da radiodifusão: “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” (BRASIL, 2010, p. 59). Nisso se incluem emissoras privadas e, especialmente, as públicas, como a diretiva: o papel da TV pública é o de produzir e/ou circular conteúdos de natureza cívica à sociedade. Segundo a Unesco, o serviço público, no qual nem o mercado nem o Estado detém o controle, fala a todos os cidadãos, encorajando o acesso e a participação dos mesmos na vida pública (DINIZ, 2013, p. 52), o que possibilita o desenvolvimento do conhecimento delas mesmas por meio de um melhor entendimento do mundo e dos outros. Sendo assim, a televisão pública funcionaria como um agente que contribui para que o cidadão exercite a cidadania por meio do conhecimento de seus direitos e deveres, possibilitando-lhe a participação ativa. O Antes & Depois da Lei traz como foco leis que trouxeram benefícios ao cidadão, informando-o de seus direitos e deveres. O método é apresentado em várias edições do programa e em situações bem variadas. Facilitando o acesso ao conhecimento jurídico sobre as leis que o acompanham no dia a dia, o Antes & Depois da Lei leva ao cidadão um conteúdo completo, dinâmico e diver1

Este texto é o resultado do trabalho de conclusão de curso de Isabela Vargas, orientado por Robson Dias, como requisito parcial da obtenção do diploma de graduação em Jornalismo, na Universidade Católica de Brasília (UCB), tendo sido elaborado durante o 2º semestre de 2015 e o 1º semestre de 2016, com colaborações de Ma. Eliane Muniz (CNBB) e Me. Sérgio Galdino (Coordenador Nacional de Jornalismo da TV Justiça/STF).

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sificado para que a legislação seja esclarecida de forma rápida e arrojada. Cidadania é a palavra que define a linha editorial do Antes & Depois da Lei, um programa que nasceu com a missão de cumprir o papel de informar, formar brasileiros conscientes dos seus direitos e deveres e de apresentar o caminho certo e legal para que a cidadania realmente aconteça e seja aplicada. O conceito de cidadania é entendido, por vezes, de forma distorcida ou incompleta, devido a diversas interpretações feitas por agentes sociais em épocas distintas, sendo um dessas concepções: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (LIMA, GOLÇALVES, 2011, p. 2).

No estado democrático de direito, uma das maiores armas para a garantia da cidadania é o conhecimento da legislação de deveres e de direitos. E estes insumos são informação. Para auxiliar nisso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Secretaria de Comunicação Social (SECOM), lançou, em novembro de 2014, o Antes & Depois da Lei2, programa que aborda os direitos e deveres dos cidadãos, os passos da Justiça e as decisões que mudaram histórias de vida. Através da narrativa de anônimos, o Antes & Depois da Lei revela o impacto das leis no dia a dia dos brasileiros. Adoção, Álcool e Trânsito, Violência Doméstica, Racismo, Pensão, Estatuto do Idoso e outros assuntos que estão em destaque no país são tratados com uma linguagem leve e acessível a qualquer público. Cada edição, com aproximadamente 30 minutos de duração, é dividida em três blocos. No primeiro, mostra-se a vida dos cidadãos antes da lei – tema do programa. No segundo, a explicação dessa lei – por especialistas e os seus impactos na sociedade. No terceiro, aspectos variados desses avanços na legislação, contados por quem protagonizou essas mudanças. Apresentado semanalmente, o Antes & Depois da Lei também é o primeiro hiperprograma do Judiciário e da comunicação pública brasileira. Por meio do leitor QR Code, enquanto assiste à exibição, o telespectador pode fazer o download do aplicativo do programa3 e, Infraestrutura: o Antes & Depois da Lei é uma prática produzida pela Coordenadoria de TV e Rádio (CRTV) do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que conta com uma estrutura disponibilizada para o setor dentro do Tribunal, incluindo estúdio de TV. Toda a produção que antecede a gravação do programa é feita na redação. A pós-produção (edição e videografismo) é feita nas ilhas de edição. A gravação das apresentações (cabeças) é feita em locações que transportam o telespectador ao ambiente relacionado com o tema em destaque. 3 Aplicativos da TV STJ APP são: Antes & Depois da Lei (1), Direito meu (2), Direito seu (3), STJ Notícias (4), STJ Revista (5), Matérias no JJ (6), Rádio STJ (7). Características: são 732 celulares com o aplicativo do Antes & Depois da Lei. Nos primeiros 6 meses na TV Justiça foram 382 downloads do APP; na primeira semana da RECORD News 2

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através da plataforma, baixar e-books com informações relacionadas às leis abordadas e acessar uma série de outros conteúdos, incluindo íntegras de entrevistas e versões de rádio. Ao longo de todo o programa, pílulas informam as principais decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos seus 26 anos de história, sobre o tema tratado. O Antes & Depois da Lei é um jeito diferente de assistir TV e, dessa forma, amplia os serviços prestados à sociedade na busca por um país com mais justiça, a partir de uma experiência em comunicação pública que engendra inovações em Newsmaking4, se pensada no estado: em uma emissora de TV Pública.

A inovação como complementaridade do sistemas privado, público e estatal O Programa Antes & Depois da Lei, primeiro hiperprograma5 do Judiciário, aborda marcos regulatórios polêmicos e/ou emancipadores, revelando o impacto no cotidiano dos cidadãos brasileiros. O programa foi lançado em novembro de 2014: na TV Justiça6, canal oficial de informações do judiciário. O formato inovador, com linguagem simples, chamou atenção e conquistou foram mais 148 downloads do aplicativo; no domingo (12-04-2015), em apenas um dia, foram 78 downloads do aplicativo (Período – Novembro de 2014 a Abril de 2015), segundo Coordenadoria de Rádio e TV do STJ (2015). 4 Equipe: composta por profissionais que se dividem entre auxiliares de imagens, cinegrafistas, produtores, editores, repórteres/apresentador, videografistas e diretores. A equipe é dividida em dois horários de trabalho totalizando 12 horas diárias para a produção semanal, com gravações externas em Brasília e no entorno e viagens pontuais. As gravações são em planos diferenciados com o auxílio de três equipes de filmagem e um andaime que imprimem um diferencial ao produto, dando mais dinamismo e movimento às imagens. A equipe de editores de imagem tem o desafio de garantir agilidade à edição acompanhando a linguagem da geração “XYZ”, denominação dada ao público jovem, que é capaz de assistir TV, ouvir música, estar conectado à internet, tudo ao mesmo tempo. Um formato que atrai não só os jovens, como operadores do direito e o público em geral interessado em conhecer seus deveres e direitos. 5 A denominação de “hiperprograma” é dada pela própria equipe e complexo que produz, edita e faz a gestão de conteúdos no Antes & Depois da Lei: Coordenadoria de Rádio e TV (CRTV), do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não se trata de um conceito científico (ainda), mas prático: por ora, com acepção da televisão no virtual, assim como hipertexto. 6 Com sede no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, a TV Justiça iniciou suas atividades em 11 de agosto de 2002. Como emissora pública, transmitida pelo sistema a cabo, satélite (DHT), antenas parabólicas e internet, foi a primeira a transmitir ao vivo os julgamentos do Plenário da Suprema Corte brasileira. A TV Justiça tem como foco preencher lacunas deixadas por emissoras comerciais em relação a notícias sobre questões judiciárias, a fim de possibilitar que o público acompanhe o cotidiano do Poder Judiciário e de suas principais decisões, favorecendo o conhecimento do cidadão sobre seus direitos e deveres. Recentemente, tem se tornado inclusive pauta para reportagens de emissoras comerciais, em que a discussão em plenário do ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes (22/04/2009) teve várias inserções das imagens com marca d’água da TV Justiça em noticiários diversos.

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espaço na TV aberta e comercial, na Record News, desde março de 2015, tendo espaço em horários nobres e aos finais de semana. São eles: Antes & Depois da Lei #55 – Lei Licitações Antes & Depois da Lei #54 – Lei Trabalho Escravo Antes & Depois da Lei #53 – Lei Gestante Antes & Depois da Lei #52 – A mulher no mercado de trabalho Antes & Depois da Lei #51 – Lei do Voluntariado Antes & Depois da Lei #50 – Lei Antimanicomial Antes & Depois da Lei #49 – Lei Livro Antes & Depois da Lei #48 – FIES Antes & Depois da Lei #47 – Lei Pensão Antes & Depois da Lei #46 – Lei Viagens Antes & Depois da Lei #45 – Lei Direito dos Animais Antes & Depois da Lei #44 – Lei Direitos Autorais Antes & Depois da Lei #43 – Lei Brasileira de Inclusão Antes & Depois da Lei #42 – Lei Tortura Antes & Depois da Lei #41 – Lei Código de Trânsito Antes & Depois da Lei #40 – Lei Ficha Limpa Antes & Depois da Lei #39 – Lei de Acesso à Informação Antes & Depois da Lei #38 – Lei Cotas Antes & Depois da Lei #37 – Lei de Medicamentos SUS Antes & Depois da Lei #36 – Lei Antipirataria Antes & Depois da Lei #35 – Lei Autismo Antes & Depois da Lei #34 – Lei Seguro Desemprego Antes & Depois da Lei #33 – Lei Segurança Alimentar Antes & Depois da Lei #32 – Lei do Inquilinato Antes & Depois da Lei #31 – Lei Transplantes de Órgãos Antes & Depois da Lei #30 – Estatuto do Idoso Antes & Depois da Lei #29 – Exames Obrigatórios para Recém-Nascidos Antes & Depois da Lei #28 – Lei das Concessões Antes & Depois da Lei #27 – Juizados Especiais Federais Antes & Depois da Lei #26 – Política Nacional de Resíduos Sólidos Antes & Depois da Lei #25 – Lei ECA Antes & Depois da Lei #24 – Leis da Internet Antes & Depois da Lei #23 – Guarda compartilhada Antes & Depois da Lei #22 – Novo Código do Processo Civil Antes & Depois da Lei #21 – Lei da Anistia Antes & Depois da Lei #20 – Lei FGTS Antes & Depois da Lei #19 – Lei Anticorrupção Antes & Depois da Lei #18 – PEC das Domésticas

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Antes & Depois da Lei #17 – Lei Coquetel HIV Antes & Depois da Lei #16 – 25 anos do CDC Antes & Depois da Lei #15 – Nova Lei do Estágio Antes & Depois da Lei #14 – Saúde Bucal Antes & Depois da Lei #13 – Lei do Divórcio Antes & Depois da Lei #12 – Lei de Crimes Raciais Antes & Depois da Lei #11 – Lei de Irrigação Antes & Depois da Lei #10 – Lei dos Genéricos Antes & Depois da Lei #09 – Lei do Desarmamento Antes & Depois da Lei #08 – Lei de Execuções Penais Antes & Depois da Lei #07 – Lei do Microempreendedor Individual Antes & Depois da Lei #06 – Lei da Palmada Antes & Depois da Lei #05 – Lei da Acessibilidade Antes & Depois da Lei #04 – Lei Antifumo Antes & Depois da Lei #03 – Lei Maria da Penha Antes & Depois da Lei #02 – Lei Seca Antes & Depois da Lei #01 – Lei da Adoção (SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA, 2016) O diferencial do programa aposta na interatividade dos conteúdos de televisão com o telespectador a partir da segunda tela, no ambiente da internet. Para tanto, foi criado um aplicativo exclusivo do programa (com informações que vão além dos VTs) que pode ser baixado facilmente, com o auxilio de um leitor QR Code (exibido durante a veiculação das edições), com endereços que levam o telespectador ao universo interativo da segunda tela de conteúdo, ampliando, assim, sua experiência televisiva e seu conhecimento. O uso das novas tecnologias tem sido anexado ao modo de produção de conteúdo recentemente na Coordenadoria de Rádio e TV (CRTV), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), algo já percebido por Sant’anna (2008), em Mídia das Fontes: Com o passar dos tempos, esta imprensa institucional soube se valer do surgimento das novas tecnologias comunicativas, favoráveis, como precisa BERTRAND, à descentralização e ao pluralismo de conteúdos. É desta forma que esta imprensa passa a assumir características semelhantes aos meios de comunicação de massa. Uma mídia que nos propomos a denominar de Mídia das Fontes ou mesmo Mídia Corporativa (SANT’ANNA, 2008, p. 17).

Esse dinamismo estabelecido pela tecnologia com a possibilidade de participação, aproxima os cidadãos das leis do dia a dia, além de ter sido um dos motes que motivou a emissora All News, Record News7, a se interessar pelo 7

O primeiro canal de notícias 24 horas/dia disponível na TV aberta (VHF e UHF) e nas principais operadoras de TV paga. A Record News possui dois programas de esportes e onze telejor-

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programa Antes & Depois da Lei. Perceba que a tecnologia e a inovação aproximaram o programa da emissora pública da grade da emissora comercial, mas a principal contribuição no ambiente comercial e tradicional All News é a apropriação de uma narrativa criada no ambiente estatal (TV Justiça, STJ) com a capacidade de formação cidadã. De acordo com Soares (2001), a grade da programação de veículos que promovem o serviço público possui como contribuição principal a participação, a educação e a conscientização popular, consolidando, assim, o exercício da cidadania plena, com base nos direitos civis, políticos e sociais (LIMA, GONÇALVES, 2011, p. 3). Talvez, uma iniciativa que seja menos desburocratizada de se institucionalizar veículos de radiodifusão que trabalhem a complementaridade dos sistemas: privado (Record News8, neste caso), público (TV Justiça, no papel do Antes & Depois da Lei, neste caso) e estatal, conforme artigo 223, da Constituição Federal (BRASIL, 1988); e uma iniciativa mais prática e focada em conteúdos que consigam transitar bem entre esses produtores, distribuidores e radiodifusores e espaços do Primeiro Setor (Estado), Segundo Setor (Mercado) e Terceiro Setor (Sociedade Civil). Sair na frente com a informação e atingir recordes em audiência não está entre as prioridades do serviço público. O compromisso com uma informação bem apurada e, consequentemente, de qualidade que objetiva alcançar os cidadãos e fazê-los com que exercitem a cidadania, está entre as prioridades do serviço público. Serviço público é basicamente um serviço destinado aos cidadãos enquanto cidadãos e menos enquanto consumidores. O que quer dizer que a televisão pública, obviamente, tem que ter audiência. No entanto, a televisão pública deve procurar a expectativa do cidadão, independente das audiências que são geradas (BRANDÃO, 2002, p. 20).

Os índices de audiência da emissora Record News, medidos pelo instituto Ibope, comprovam a totalidade dos telespectadores alcançados com infornais diários, além do “Zapping” (notícias de entretenimento e celebridades), “Mistérios do Corpo” (saúde) e “Selvagem ao Extremo” (vida animal). O talkshow “Entrevista Imprevista” é exibido diariamente às 20h, apresentado por Britto Júnior. Eliakin Araújo apresenta o “Câmera Record”, de Miami. Além das produções próprias, a Record News detém os direitos do programa “60 Minutes”, da rede americana CBS, e de documentários e atrações da BBC. Com investimentos de US$ 7 milhões da Igreja Universal do Reino de Deus e a contratação de 250 funcionários, o novo canal entra em substituição à Rede Mulher (TVMAGAZINE, 2016). 8 A programação do dia 10/05/2016, por exemplo, na Record News, conta com: Jornal da Record, Esporte Fantástico, Grandes Nomes da Propaganda, Hora News – Reprise, Escola do Amor Responde, Bora viajar?!, Ponto de Luz, Cartão de Visita, Record News Rural, Momento Moto, Bahia Que A Gente Gosta, Petchannel, Câmera Record, Escola do Amor Responde, Ressoar, Talentos com Heródoto Barbeiro, Roberto Justus +, Domingo Espetacular. Na grade, a entrada do programa na inserção da TV comercial All News, da Record News, caracteriza-se pelo horário nobre.

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mação de qualidade e necessária ao conhecimento do cidadão brasileiro. Segundo dados, a Record News é a líder de mercado no segmento. Segundo informações da Coordenadoria de Rádio e TV (CRTV), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), são 35.273.520 telespectadores sintonizados na Record News nas 15 maiores regiões metropolitanas. Além de veiculados na TV Justiça9 (TV pública) e Record News (TV comercial: All News), os programas são disponibilizados no canal oficial do STJ no Youtube (13.848 inscritos), no qual é possível assistir, curtir, compartilhar, comentar, gerando participação e aproximação do telespectador com a lei em questão.

Tópico da fundamentação teórica do trabalho Lugar de fala: este trabalho tem apuração in loco com a observação participante de Isabela Vargas, estagiária da TV STJ, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no hiperprograma Antes & Depois da Lei, objeto de trabalho de conclusão de curso, gestado no 2º semestre 2015 e 1º semestre 2016, no curso de Jornalismo, da Universidade Católica de Brasília (UCB). A abordagem deste artigo é descritiva. Descrevemos o objeto, valorizando sua inovação e especialidade, para muito além do mero casamento deste a aspectos teóricos. O objetivo é de descrever o fenômeno e mostrá-lo como uma prática de excelência a ser observada pelos radiodifusores e comunicadores na busca da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Muito mais do que dar vazão à ilustração e demonstração de teóricos e/ou teorias (tal autor explica isso ou aquilo), queremos mostrar uma nova prática radiodifusora, entendendo que a ciência fará o serviço de pacificação teórica desta prática, posteriormente: o que não é tarefa para este formato, de artigo. Formalmente, os fundamentos teóricos deste texto são: entendemos que as organizações passam por um processo de emancipação de suas linguagens, produtos e serviços institucionais assumindo uma postura de prestação de contas para a sociedade e se relacionando com os fluxos que engendram o Espaço Público e o Espaço Midiático, ambientes que se relacionam intimamente com 9

A TV Justiça trabalha na perspectiva de informar, esclarecer e ampliar o acesso à justiça, buscando tornar transparentes suas ações e decisões. Este é o maior propósito da emissora do Judiciário. Com programação que emprega linguagem clara, ágil, confiável, contextualizada e caráter didático, a TV Justiça notabilizou-se pela transmissão de julgamentos, programas de debates, seminários e conferências ao longo dos seus 10 anos de história, realizando uma cobertura jornalística prolongada, profunda e variada. A administração da TV Justiça está sob a responsabilidade da Secretaria de Comunicação Social (SECOM) do Supremo Tribunal Federal (STF) com o auxílio de um conselho consultivo. A Lei 10.461/2002, que prevê sua criação, foi sancionada por um integrante do STF, o ministro Marco Aurélio, quando exerceu interinamente a Presidência da República durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em maio de 2002.

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a Esfera Pública e, logo, com a Comunicação Pública (DUARTE, 2009; BRANDÃO, 2006, SANT’ANNA, 2008, ZEMOR, 1995): e é isso o que ocorre com a produção da TV STJ do programa Antes & Depois da Lei, pautada pelas necessidades da sociedade atual, telespectadores e seguidores. A partir daí, compreendemos que a vida democrática é uma associação entre Estado (Primeiro Setor), Mercado (Segundo Setor) e Sociedade Civil (Terceiro Setor) (FERNANDES, 1994), na qual a ação dos veículos de comunicação produz narrativas e sentidos que organizam a cidadania e o convívio coletivo, ainda mais a partir da diretriz da Constituição Federal (artigo 223) que prescreve a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (BRASIL, 2010), representados neste trabalho nos objetos da TV Justiça10 (TV pública – Estado, mas com narrativas em prol de todos; e não em prol de alguns11) e da Record News (TV aberta, All News), que estabeleceram um diálogo cidadão ao romper limites na distribuição e veiculação de produtos noticiosos da radiodifusão brasileira, no tocante ao Estado e ao Mercado. Neste contexto, trabalhamos o aspecto noticioso a partir do processo de produção da notícia (MOLOTCH; LESTER, 1993), definidores primários (HALL et al., 1993), apontando para a caracterização da equipe, instituição promotora e veiculadora do programa em apreço. Desta forma, tem-se também a extrapolação das organizações com a produção de conteúdo direcionados e dirigidos sem mediação a seus públicos, o que em termos de pesquisa foi considerado como um fenômeno de Mídia das Fontes (Francisco Sant’anna, na Universidade de Brasília – UnB, a partir da ideia de Jornalismo Público: notícia cidadã) e de Revolução das Fontes (Manuel Chaparro, na Universidade de São Paulo – USP, a partir da ideia de organizações e relacionamento com seus públicos). Lembrando que Jornalismo Público (SILVA, 2003) trata não somente de Agendamento (mídia pautando a sociedade), mas de Contra-Agendamento (sociedade pautando a mídia), abordagem que tem baliza na Ação Comunicativa (HABERMAS, 2003) e trabalha a questão da Democracia A TV Justiça é sintonizada por antena parabólica e está disponível em todo o Brasil (DHT: canal 6; Embratel: canal 120; GVT: canal 232; Oi: canal 21; SKY: canal 167; Star Sat: canal 27; Telefônica: canal 691); e no Distrito Federal (Analógico – canal 53; Digital – canal 52; Net Brasília – canal 10.1; TVA – canal 222). A TV Justiça tem em sua programação conteúdos que são do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho, Justiça do Trabalho de Minas Gerais, Conselho da Justiça Federal (CJF), Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país, Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª Região, Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. 11 Dualidade entre TV Governamental (TV NBR e o programa A Voz do Brasil, ligado à Secretaria de Comunicação – SECOM, da Presidência da República: que acabam tendo uma tendência chapa branca, pró-governo); e TV Pública (TV Justiça e parte da Empresa Brasil de Comunicação – EBC: TV Brasil, TV Brasil Internacional, Rádios EBC, Rádios MEC, Agência Brasil: que não possuem uma linha editorial meramente pró-governo, mas pró-cidadão). 10

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Representativa e da Democracia Participativa a partir de uma lógica de Razão Comunicativa: com base no bem comum (SILVA, 2007). Neste sentido, temos uma visão sociocêntrica (MOTTA, 2004): foco na dinâmica social e a possibilidade de analisar o objeto sob a ótica dos enfrentamentos e das negociações, hipótese presente nas interações entre produção e recepção no jornalismo contemporâneo, diferentemente do paradigma midiacêntrico, hegemônico nas pesquisas sobre jornalismo no Brasil, desde a década de 1960: com a ideia de que o jornalismo tem o poder de manipular a sociedade.

Um programa e a inovação em radiodifusão em TV pública O programa foi lançado em novembro de 2014, na TV Justiça, canal oficial da informação do judiciário. A linguagem simples e o formato diferenciado do programa, que alcança todos os públicos, também conquistaram espaço na emissora de TV aberta, Record News, que também passou a transmitir o Antes & Depois da Lei (em março de 2015), em dois horários nobres12, no final de semana. Assim, aos sábados e domingos, sempre às 19h, é exibida uma nova edição do programa a cada dia. Esta parceria, inédita no judiciário brasileiro, leva informação ao telespectador a custo zero, já que o Superior Tribunal de Justiça não tem gasto com a compra do espaço (4 ou 5h/mês) disponibilizado na grade de programação da Record News (CUNHA; ALEX, 2015). Vale ressaltar a importância desse acordo de cooperação pelo alcance do sinal da emissora Record News, presente em praticamente todo o território nacional. Os índices de audiência, medidos pelo instituto Ibope, comprovam a totalidade dos telespectadores alcançados com informação de qualidade e necessária ao conhecimento do cidadão brasileiro. Segundo dados, a Record News é a líder de mercado no segmento, ultrapassando assim as concorrentes: Globo News e Band News. São 35.273.520 de telespectadores sintonizados na Record News, nas 15 maiores regiões metropolitanas. Atingindo os brasileiros que contam com o serviço de TV paga e TV aberta, o programa democratiza o

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O Antes & Depois da Lei no domingo (10/05/2016), vai ao ar às 19h30, entre duas inserções do programa Hora News, a atração mais importante da programação da emissora. O ADL é inserido entre duas inserções do Hora News, uma às 18h30, reprisado às 20h. E está próximo da sequência de programas importantes, do ponto de vista da Comunicação Social, como um programa de um grande ícone do telejornalismo brasileiro (Heródoto Barbeiro), com o programa Talentos com Heródoto Barbeiro (às 21h) e de Grandes Nomes da Propaganda (às 21h30). No dia anterior, sábado (30/04/2016), o programa foi veiculado na grade nas mesmas condições. E, no dia posterior, segunda (02/05/2016) foi exibido (às 08h) depois do Horas News (às 07h25), novamente, com a pequena alteração de ser antes do Eco Record News (às 08h30). E também, passou a ser no matutino (dia útil), ao invés de ser em horário nobre (fim de semana) (TVMAGAZINE, 2016).

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acesso às informações que garantem conhecimento ao cidadão (CUNHA; ALEX, 2015). Talvez, o seu sucesso esteja pautado exatamente pelos fatores que movem o bom jornalismo e o interesse das audiências: boa notícia e interatividade. O programa não é um mero informativo no qual se aprende pouco (paradigma informação: transmissão), mas no qual se tem um acréscimo da consciência democrática e do exercício da cidadania com a compreensão de elementos jurídicos que são difíceis de serem explicados em um noticiário convencional (paradigma da comunicação: inteligibilidade). O Antes & Depois da Lei traz a possibilidade de ampliação dos conhecimentos (CUNHA; ALEX, 2015). O programa conclui seu tempo de duração, mas deixa para o cidadão uma porta aberta à pesquisa, ao ensino e ao estudo das leis que regem a vida do brasileiro no dia a dia. A principal inovação envolve a interatividade com o telespectador, a linguagem ágil, com efeitos de edição modernos, com o uso da barra de informações para divulgar as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema em destaque e a inclusão do QR Code para aumentar o alcance da informação do telespectador que pode ter acesso a um leque de pesquisas sobre o tema. Dentre essas pesquisas estão e-books, links importantes, bibliografia de personalidades que atuam em defesa das causas em destaque, endereços que levam o telespectador a uma segunda tela de conteúdo. Conhecer as leis e como são aplicadas, através do exemplo de cidadãos que recorreram e encontraram o respaldo dos seus direitos garantidos, é uma forma de ilustrar, na prática, como a justiça acontece. O programa Antes & Depois da Lei foi formulado com o objetivo de desenvolver um programa de televisão inovador, que apresentasse, de forma dinâmica, os direitos e os deveres dos brasileiros e aproximasse o cidadão das leis. Com isso, para aumentar o alcance do assunto, o diferencial do projeto e a interatividade, foi criado um aplicativo exclusivo do programa, com informações que vão além dos VTs, que pode ser baixado facilmente, com o auxílio de um leitor QR Code, durante a transmissão das edições. Isto tornou o Antes & Depois da Lei o primeiro hiperprograma do judiciário brasileiro (CUNHA; ALEX, 2015). Um modelo simples a ser copiado ou tido como inspiração por outros entes radiodifusores, na busca da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, conforme princípio constitucional (BRASIL, 2010). Ainda durante a formatação do projeto, foram feitas pesquisas para dar inicio a escolha das leis que seriam abordadas nas primeiras edições. Com as pautas encaminhadas e o desenvolvimento da produção, a edição de lançamento escolhida foi sobre a Lei da Adoção. Com o progresso da prática, pouco tempo depois da formulação, o programa começou a ser exibido na TV

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Justiça13, ocupando 5 horários diferentes14, o que totaliza 3 horas semanais e 12 horas mensais. A partir daí, também ganhou destaque na página oficial do STJ no YouTube, por meio dos vídeos das íntegras e entrevistas. Quatro meses depois, o programa conseguiu alcançar a TV aberta e também passou a ser exibido na Record News, aumentando o público de acesso às informações sobre a legislação brasileira. Hoje, o Antes & Depois da Lei é exibido nas duas emissoras (CUNHA; ALEX, 2015). O sucesso do Antes & Depois da Lei vem exatamente da busca da cidadania e do potencial educativo e conscientizador das narrativas nas radiodifusões públicas. O objetivo maior é o de informar os cidadãos dos seus direitos e deveres e de encaminhar o certo e legal para que as leis sejam conhecidas e devidamente executadas. Ampliar os caminhos para o conhecimento jurídico, transmitir esse conhecimento de maneira ágil e interativa e mostrar situações vividas por cidadãos envolvendo a legislação são fatores que contribuem para que esse projeto cumpra com o papel de levar informação aos brasileiros (CUNHA; ALEX, 2015). O retorno da audiência (e mais do que isso, da comunidade cognitiva e cidadã criada em torno do programa: a mesma que interage e sugere pautas para os programas) mostra o aumento cada vez maior dos telespectadores (radiodifusão) e seguidores (redes sociais), através do aplicativo e das redes sociais. A fórmula é bem simples: telespectadores, seguidores e personagens que conseguem entender, de forma simples, as obrigações e benefícios que as leis apresentam. É uma questão que perpassa linguagem, gêneros televisivos, gêneros telejornalísticos, narrativas, cognição, accountability e finalidades democráticas: comunicação pública.

São programas da grade da TV Justiça: Academia (1), AGU Brasil (2), Antes & Depois da Lei (3), Artigo 5º (4), Brasil Eleitor (5), Cine Brasil (6), Conhecendo o Ministério Público (7), Direito e Literatura (8), Direito Meu Direito Seu (9), Direito sem Fronteiras (10), Direto do Plenário (11), Fala (12), Defensor (13), Fórum (14), Grandes Julgamentos do STF (14), Hora Extra (15), Iluminuras (16), Inteiro Teor (17), Interesse Público (18), Jornada (19), Jornal da Justiça – 1ª Edição VIVO (20), Jornal da Justiça – 2ª Edição VIVO (21), Justiça & Cidadania (22), Justiça & Trabalho (23), Justiça... (24), Justiça do Trabalho na TV (25), Justiça em Questão (26), Justiça Legal (27), Justiça para Todos (28), Justiça Seja Feita (29), Meio Ambiente por Inteiro (30), MP Cidadão (31), OAB Entrevistas (32), OAB Nacional (33), Ordem do Dia (34), Pensamento Jurídico (35), Perspectiva (36), Plenárias (37), Reflexões (38), Eles... (39), Refrão (40), Repórter Justiça (41), Revista TST (42), Saber Direito Aula (43), Saber Direito Debate (44), Para... (45), Saber Direito Responde (46), Saiba Mais (47), Sergipe Justiça (48), Sessão Plenária TSE (49), Sessão TST (50), Subseção Um de... (51), STJ Notícias (52), Tempo e História (53), TJTV (54), O Judiciário e Você (55), Trabalho Legal (56), TRT das Gerais (57), Via Justiça (58), Via Legal (59). 14 Na TV Justiça: Segunda, às 21h30; Terça, às 06h30; Quarta, às 11h30; Quinta, às 21h30 e Sábado, às 19h30. Já na Record News: Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta, às 08h; Sábado, 19h30; Domingo, 19h30. 13

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Operacionalmente, uma das maiores dificuldades encontradas na iniciativa está no fato de que, como o programa é produzido através da experiência de brasileiros anônimos que recorreram à Justiça ou a serviços de proteção ao cidadão, o maior desafio da equipe de produtores é localizar estes exemplos a serem contados de uma forma simples, direta e didática (talvez, um serviço muito mais complexo do que o noticiário informacional comum, baseado muito em aspas dos primary definers – HALL et al., 1993, fontes estatais; e mesmo apuração de agências de notícias). Antes da definição do tema do programa é feita uma pesquisa detalhada por um consultor jurídico do STJ junto à produção que analisa todo o histórico da lei a ser trabalhada: como era o Brasil antes da criação da lei, como foi depois e como é atualmente. Datas são rigorosamente checadas, alterações na lei e demais passagens importantes que pontuam a vida do brasileiro. Paralelamente é feita uma pesquisa na jurisprudência do STJ para verificar os casos que chegaram ao tribunal sobre o tema e como foi a interpretação dos ministros da corte. Esta checagem mostra as mudanças e a evolução da sociedade ao longo dos anos. Definidos estes pontos, o programa segue em produção na busca de personagens e especialistas (CUNHA; ALEX, 2015). Em termos de processo de produção da notícia (MOLOTCH; LESTER, 1993), após a escolha do tema, a pesquisa histórica e jurídica sobre a lei, a equipe da coordenadoria de rádio e TV do STJ inicia a busca de personagens para ilustrar os momentos da lei. O “Antes” normalmente ilustra as dificuldades dos brasileiros na hora de reivindicar os direitos sem a existência de uma lei específica. No programa sobre o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), por exemplo, são apresentados os desafios enfrentados pelo cidadão que não tinha acesso a um serviço que oferecesse uma resposta rápida a demanda. Com a criação do CDC tudo mudou, o consumidor ganhou voz e vez no processo de corrigir falhas apresentadas no processo de fabricação e comercialização dos produtos: com a inversão do ônus da prova. O “Depois” ilustra o que mudou com a implementação da lei. Antes, numa denúncia, o consumidor tinha que provar o fato; depois, o comerciante. Tudo em juízo. Não existiam mediadores como as ditas delegacias do consumidor.15 A questão do processo de produção de notícias (MOLOTCH; LESTER, 1993), pensado a partir de uma Fábrica de Notícias (Newsmaking), de uma emis15

Nos estados, há: Diretoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), Delegacia do Consumidor (PROCON) e ainda Serviço de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON). Possuem prerrogativas legais de aplicar multas e suspensões a más práticas de mercado que lesem a cidadania do consumo baseada na ética, na legalidade e na lisura entre as partes. Como o consumidor, hoje, tem acesso a vários serviços para tratar lides (disputas legais), antes mesmo que a reclamação chegue a Justiça Especial (Pequenas Causas), os PROCONs tornaram-se mediadores e entes reguladores das relações de consumo.

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sora pública, tem questões desafiadoras. Após a finalização do programa, o videografista responsável pelo aplicativo do Antes & Depois da Lei gera os QR Codes para inserção em momentos específicos do programa, ampliando assim o conhecimento do telespectador sobre a questão em destaque. A leitura do código pode ser feita pela audiência (plataforma televisiva) ou mesmo pelos seguidores (redes sociais) durante a exibição do programa, pela internet16 (plataformas móveis) já que o programa fica disponível no YouTube e registrado no aplicativo para o telespectador. Ele passa a ter consigo uma bibliografia específica sobre o tema para pesquisa posterior e, assim, ampliar ainda mais os conhecimentos. A interatividade é algo inédito nos produtos do Judiciário e que agora conquista os diversos públicos pelo alcance atingido com a exibição em TV aberta. Pode parecer que não seja tanta inovação assim, se pensarmos em termos de TV comercial (que ainda dá seus voos de interatividade, na contemporaneidade, como bem mostrou a ação do GloboPlay17). No entanto, para uma emissora pública, estatal, tomada pelo ranço da burocracia, é uma ruptura se pensar e inovar desta foram. O programa Antes & Depois da Lei conta com duas ferramentas que multiplicam sua interatividade com o telespectador: o aplicativo (APP) para celular ou tablet e o uso inteligente de códigos QR. O APP está disponível para as plataformas Apple, Android e Windows e pode ser instalado digitando o endereço http://app.vc/adl no navegador do celular ou tablet. No aplicativo estão disponíveis todos os episódios do programa produzidos, além de entrevistas na íntegra, versões de rádio, contato com os produtores, informações sobre emissoras e horários de exibição na TV. O sistema de códigos QR proporciona recursos novos de interatividade com uso de ferramentas gratuitas e de fácil acesso. Ao longo do programa, códigos QR (semelhantes a códigos de barra) surgem na tela da televisão (CUNHA; ALEX, 2015). Usando-se a câmera do celular (APP leitor de QR Code), podem-se ler estes códigos e acessar conteúdos imediatamente, tais como: entrar em contato direto com os entrevistados do programa, baixar livros eletrônicos para o celular, abrir e curtir postagens do facebook, abrir formulários de inscrição, obter coordenadas GPS de locais interessantes, entre outras possibilidades. Assim, quem assiste ao episódio sobre a Lei Seca, por exemplo, pode mandar mensagens e até conversar com o deputado criador do projeto de lei. Do mesmo modo, o telespectador que assiste ao episódio da Lei de DesarmaAinda não há versões para desktop e personal computer – PC, os populares computadores de mesa. 17 Plataforma para ações digitais da TV Globo, criada em novembro de 2015. 16

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mento pode preencher o formulário do Departamento da Polícia Federal (DPF) para entregar sua arma de fogo. Além disso, todas as leis abordadas, bem como livros e artigos valiosos para o assunto podem ser baixados para o celular do telespectador e/ou seguidor. Com essas duas ferramentas, o público não só assiste ao programa, mas também se conecta efetivamente no tema abordado. O APP pode ser, também, baixado através do código QR logo no início do programa. Até o dia 14 de maio de 2015, 1.185 celulares possuíam o APP do programa Antes & Depois da Lei. Nesse sentido, um grande salto que o programa dá é com ampliação da noção de telespectador (audiência de televisão) para a de seguidor (redes sociais), tirando os conteúdos da sala de TV e jogando-os, principalmente, em plataformas móveis, a partir da internet. Talvez, este seja um dos motivos que levaram o Antes & Depois da Lei a ter sua estreia na TV Justiça18 (novembro de 2014), mesmo período no qual a TV Globo lançou o GloboPlay (novembro de 2015), o que configura não somente uma boa prática em TV pública, mas uma visão de mercado também, pois é essa a pauta das TVs comerciais, por agora, ainda mais ao se pensar nos custos de produção de um programa como esse, sem apoio de agências de notícia e com a caracterização de personagens, além da vasta apuração e investigação de documentos sobre jurisprudência e doutrinas jurídicas dos temas. Tanto que, em março de 2015, o STJ assinou um acordo de cooperação para exibição do programa no canal de TV aberta Record News19 a custo zero, iniciando mais uma parceria (CUNHA; ALEX, 2015). Foi assim que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, definiu a iniciativa: “mais um passo em direção a um Judiciário transparente e próximo do cidadão brasileiro” (JUSBRASIL, 2016). Conclusão Nas discussões de fundo político, que tomam corpo pela Economia Política da Comunicação, se fala muito em complementariedade dos sistemas privados, públicos e estatais apontando para emissoras de radiodifusão. Nesse sentido, nos esquecemos um pouco das práticas de excelência, com a do programa Antes & Depois da Lei (ADL), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), A exibição do programa na emissora TV Justiça é fruto de um acordo de parceria entre STF e STJ. 19 Record News é uma rede de televisão aberta brasileira, lançada no dia 27 de setembro de 2007, dedicada principalmente ao telejornalismo. A data de estreia marca os 54 anos da Rede Record, que investiu US$ 7 milhões para equipar o canal, que tem 150 jornalistas exclusivos e 100 profissionais de outras áreas, além de uma redação de 1.000 m², dividida em uma redação com 60 posições e um estúdio para gravações. Segundo dados do IBOPE, a Record News é a líder de mercado no segmento, ultrapassando assim as concorrentes Globo News e Band News. São 35.273.520 telespectadores sintonizados na Record News nas 15 maiores regiões metropolitanas. O slogan da emissora é “Record News, a líder em notícias”, que é usado desde então. 18

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veiculado pela TV Justiça, que podem sugerir que programas baseados em cidadania e comunicação pública possam ser ferramentas e foco de discussão sobre esses meandros a serem regulamentados (complementaridade dos sistemas), mas que, de imediato, podem ser integrados, como é o caso do programa em questão, absorvido na grade de programação da Record News, como uma atração noticiosa de qualidade (exibida em horário nobre nos fins de semana). Percebamos que nem a TV STJ, nem a TV Justiça, produziram o programa e o aplicativo com foco na interatividade frente a uma tendência de mercado, como mostram os movimentos de Record News, Band News e Globo News (com a divulgação ostensiva do GloboPlay), em 2014 e 2015, mas, sim, a Record News, certamente, apropriou-se do programa em sua grade tendo em vista o seu alto valor noticioso e também toda a questão dos custos de produção. Nesta ação, vemos o Estado e o Mercado dialogando sobre a melhor prática noticiosa: a cidadã, que comunica a públicos diversos. Em termos políticos, ainda, percebemos os esforços de ampliar a inclusão digital por meio de políticas públicas como o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República. Esta iniciativa não é meramente de produção de dados e da transmissão desses (lógica de telecomunicações), mas, também, a circulação de conteúdos e a emancipação social a partir da cidadania (pela lógica de radiodifusão). Sabe-se das lutas nos meandros políticos em torno da Concentração de Mídia ou mesmo da Democratização da Comunicação. Um modelo como o Antes & Depois da Lei não seria uma alternativa direta nos conteúdos circulantes a essa questão? Ainda mais quando percebemos o custo zero e a renúncia de cobrança da Record News (mercado) que conversa diretamente com a prática de excelência da TV STJ (programa em apreço) e da própria TV Justiça (com sua vasta grade com mais de 50 programas produzidos por diversas entidades do judiciário brasileiro) tendo como vitrine da cidadania um canal comercial, All News, tradicional, disponível gratuitamente na TV aberta e no sinal analógico e digital, tendo ainda disponibilidade por satélite20 e por cabo21 a uma infinidade de outras possíveis telespectadores e seguidores. Esse lastro de sentido da democracia participativa na radiodifusão por meio dos telespectadores e seguidores, ao menos nesse caso do Antes & Depois da Lei, mostra que não importa muito quem o representa: Estado (Judiciário) e MerDisponibilidade por satélite: Claro TV, Canal 14; Oi TV, Canal 32, Canal 14 (Satélite SES-6); Vivo TV, Canal 241; GVT TV, Canal 225; CTBC TV, Canal 716; Sky, Canal 179, Canal 375; Star One, C2 3715 MHz. 21 Disponibilidade por cabo: NET, Canal 78; Vivo TV, Canal 55; TVN, Canal 08; ViaCabo, Canal 119; BVCi, Canal 15; Astro, Canal 27; CaboNNet, Canal 17; TCM, Canal 22; Adatel, Canal 05; TV Alphaville, Canal 27; MultiPlay Telecom, Canal 26; Costa do Sol, Canal 501; CaboTelecom, Canal 122; ORM Cabo, Canal 101; Life TV, Canal 1; DStv, Canal 671. 20

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cado (Record News). Um mesmo programa, gravado, editado, veiculado em um canal de TV pública pode ter sua inserção, sem qualquer alteração, na grade de programação de uma emissora comercial, ainda mais do tipo All News, que tem como marca o domínio fervoroso e a assinatura de sua equipe de jornalismo na produção de conteúdos. Em termos de comunicação pública, para todos, o Antes & Depois da Lei desafia com a questão de quem nos representa na vida democrática, se pensarmos no conceito de democracia representativa (os três poderes), além do próprio jornalismo se colocando como cão de guarda da democracia: o quarto poder. Uma vez que a notícia é cidadã, bem feita, com personagens que são a cara do seu público, com a interatividade e circulação da informação, aprendizado, construção de conhecimento, exercício da cidadania, quem é que nos representa? O próprio jornalismo, como quarto poder, trabalha essa identidade a partir do jornalismo investigativo e da ideia de denúncia, grande categoria das emissoras e telejornais tradicionais, comerciais (ainda mais os All News). Mas, neste programa, vemos o contrário: a notícia construtiva. Uma outra lógica, que incorre no jornalismo público: a da boa notícia. Em termos de Newsmaking, o programa Antes & Depois da Lei nos faz pensar também na quebra de paradigmas, pelo fato da matéria dita “fria”, “boa”, “construtiva”, diferente daquela quente, denuncista e má (bad news are good news) conseguir chegar dentro da grade de programação de uma emissora All News. Percebe? Falar deste programa e de sua prática excelente é ir além da política ou mesmo das convenções do jornalismo. Um assunto para muito mais páginas do que possibilita este formato de artigo.

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Publicidade e interesse público: o caso da TV Brasil Maria Berenice da Costa Machado Jéssica Trisch Flahane Roza

A pesquisa UFRGS/EBC Este capítulo reflete sobre dados e análises resultantes de convênio firmado entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para estudo da programação da TV Brasil, uma das etapas do Projeto de Monitoramento e Análise de Conteúdo da Programação dos Veículos de Comunicação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).1 Junto com este objetivo, a investigação, desenvolvida entre março de 2014 e fevereiro de 2015, buscou ampliar os resultados de pesquisas e os debates no campo da Comunicação Pública e da Comunicação Política, contribuir para a qualificação dos conteúdos e respectivos formatos veiculados pelos sistemas de radiodifusão pública e, ainda, com as atividades da Ouvidoria da EBC. O monitoramento e a análise, realizados por uma equipe de quinze pesquisadores2, seguiu cronograma acordado entre as partes, com indicação dos programas que seriam analisados. O acesso foi através do site da emissora e, eventualmente, com gravações programadas. O resultado foram 52 relatórios enviados semanalmente à Ouvidoria da EBC. Estas unidades geraram doze relatórios mensais, seis relatórios bimestrais, dois relatórios semestrais e um grande Relatório Final3 compilando o desenvolvimento e os dados da pesquisa, com acréscimo das sínteses das apresentações, discussões e críticas do Se-

Edital público de 2013 proposto pela Ouvidoria da EBC para execução de monitoramento e análise de conteúdo da programação da TV Brasil e outros veículos da Rede Pública. 2 Comissão Coordenadora – Professores Doutores: Maria Helena Weber, coordenadora; Rudimar Baldissera, vice-coordenador; Maria Berenice da Costa Machado e Sean Hagen. Pesquisadores a) de Pós-Graduação: Doutorando Basílio Sartor, Mestrandos Jean Felipe Rossato e Tiago Gautier Ferreira Borges; b) de Graduação: Bruna Andrade, Jéssica Trisch, Júlia Burg e Juliano Antunes (Jornalismo); Cláudia Diniz, Lisiane Perfeito e Yago do Nascimento (Relações Públicas); Flahane Roza (Publicidade e Propaganda). 3 Relatório Final da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2015. 1

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minário sobre a Programação da TV Brasil, promovido pelo grupo na Fabico/ UFRGS em dezembro de 2015. A pesquisa seguiu metodologia específica, com técnicas e instrumentos capazes de obter e analisar resultados sobre a programação da TV Brasil, objetivando contemplar aspectos referentes ao conteúdo e à forma4, estes estipulados pelo Projeto Básico da Ouvidoria da EBC. Oportuno destacar que, na comunicação estabelecida entre os meios de comunicação de massa (mídias, programas, organizações) e a audiência (receptores, consumidores, cidadãos), não existe a separação entre conteúdo e forma em relação à produção de sentidos e significados. No entanto, esta separação importa para a classificação dos programas e esteve amparada em revisão da bibliografia básica sobre a radiodifusão, comunicação e televisão públicas, que subsidiaram, teoricamente, o desenvolvimento da pesquisa. Foram privilegiados aspectos que permitem inferir sobre a qualidade e importância do programa e, consequentemente, analisar a qualidade e importância da programação da TV Brasil. Foi criado um sistema de classificação quantitativa de informações capturadas na TV Brasil, conteúdos classificados em sistema on line e sistematizados em planilhas quantitativas que incluíam observações qualitativas, segundo os critérios de referências a conceitos relacionados: a) à democracia, à cidadania e à comunicação pública e à radiodifusão pública; b) às categorias de análise que permitissem identificar a qualidade técnica da programação, a abordagem dos temas e a relação destes com os conceitos que norteiam a comunicação e radiodifusão pública; c) aos programas, às modalidades, à tipologia, aos temas e às fontes. Uma das dificuldades iniciais enfrentadas pelos pesquisadores foi a denominação que a TV Brasil utiliza na sua grade de programação para designar um conjunto de programas que formam uma tipologia. Esta foi considerada não adequada para o desenvolvimento da pesquisa, devido à abrangência ou insuficiência quanto à caracterização dos programas. A solução foram equivalências apontadas no primeiro Relatório Semanal5 com novas denominações para contemplar a classificação e a análise de toda a programação, considerando as temáticas como variáveis importantes da classificação e a generalizaConteúdo – análise da pertinência das informações veiculadas de acordo com os princípios que regem a comunicação pública; verificação da amplitude ou limitação da informação de acordo com o interesse público; adequação da linguagem; pluralidade de fontes; consistência e contextualização das informações. Forma – adequação estética aos padrões propostos pela EBC; acessibilidade às informações através de diferentes recursos tecnológicos, e observação quanto à periodicidade de veiculação dos diversos produtos de acordo com o previamente estabelecido. 5 Relatório Semanal 11 da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – Maio/2014. 4

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MACHADO, M. B. da C.; TRISCH, J.; ROZA, F. • Publicidade e interesse público: o caso da TV Brasil

ção necessária de cada denominação. No quadro que segue estão as alterações e as equivalências funcionais que a pesquisa UFRGS/EBC realizou. Importa observar o acréscimo de programas classificados como especiais e publicidade, tema privilegiado neste capítulo. Quadro 1 – Equivalência sobre tipologia da programação

Fonte: Relatório Final da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2015.

A partir dessas denominações, foram criados seis Módulos de Análise da Programação (MAP) para agrupar os diversos conteúdos da grade de programação da TV Brasil e as inserções de publicidade. Justifica-se a inclusão do conteúdo publicidade que entremeia a programação e, usualmente, não integra a classificação de conteúdos oferecida ao público em uma grade de televisão: serve para contemplar os objetivos da pesquisa UFRGS/EBC. Desde as vinhetas que promovem a emissora, a EBC, políticas públicas até a propaganda eleitoral são aspectos que não podem ser negligenciados. Chamadas e outros tipos de conteúdos veiculados nos intervalos entre programas indicam o discurso da TV Brasil e são passíveis de análise.

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Quadro 2 – Módulos de Análise da Programação – MAP

Fonte: Relatório Final da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2015.

Este capítulo reflete sobre o MAP Publicidade da Pesquisa UFRGS/ EBC-TV Brasil. O corpus da análise são três Relatórios Semanais (RS 11, 34 e 51) e o Relatório Anual (2015)6. Neles foram descritos os formatos publicitários exibidos na grade da emissora pública, destacadas as características dessas

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Relatórios referentes à Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2014/2015.

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peças, identificadas suas temáticas e quem são os emissores/assinatura. Deseja-se relacionar o material empírico com os princípios e objetivos da radiodifusão pública, focar a publicidade e o tipo de consumo que esta estimula, ou seja, cultural, educacional, reflexivo, crítico e cidadão.

Comunicação e radiodifusão públicas: princípios, objetivos e inserção de publicidade A pesquisa foi orientada pelo conceito de comunicação pública, compreendida como a comunicação voltada ao interesse público e que integra, através da esfera pública, o Estado e a sociedade civil nas democracias, a fim de gerar redes de circulação de temas de interesse público, com vistas ao debate público. Compõe, também, o marco teórico da análise a noção de direito à comunicação, que vem se consolidando nos debates sobre o tema realizados nos planos nacional e internacional, e, por fim, os fundamentos legais/constitucionais sobre o princípio de que o interesse público determinou a criação e o funcionamento da TV Brasil. Nesta direção, a análise dos conteúdos classificados obedeceu a indicadores conceituais e legais que norteiam a existência da emissora, organizados a partir dos Princípios da Radiodifusão Pública (Art. 2º da Lei 11.652/ 08)7 e dos Objetivos da Radiodifusão Pública (Art. 3º da Lei 11.652/08)8. A comunicação social no Brasil está regulamentada pela Constituição Brasileira, Capítulo V, artigos 220 a 224. O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962. Nele estão leis como a de concessão pública para canais privados e a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações. O mesmo código pensa a publicidade no seu Capítulo V, dos Serviços de Telecomunicações, Artigo 38, cláusula d, onde “os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País”. Por decreto da Lei 11.652, em 2008, foi criada a Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, composta por canais de televisão e rádio, e portal de notícias na internet. O documento institui como um dos objetivos da ação, no Artigo 3 – II, “desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora de cidadania”. Sobre a publicidade veiculada no canal de televisão TV Brasil, da EBC, é afirmado, no Artigo 8 – VII, ser preciso “distribuir a publicidade legal Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm>. Acesso em: 12 jan. 2016. 8 Idem. 7

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dos órgãos e entidades da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União”. Assim, como traz o Artigo 11 – VI, é permitida a veiculação “de publicidade institucional de entidades de direito público e de direito privado, vedada a veiculação de anúncios de produtos ou serviços”. Ainda o Artigo 11 – XII, que pensa as fontes de renda da emissora não provenientes dos recursos da União, e veta a venda de espaço publicitário, também afirma em § 2o que “o tempo destinado à publicidade institucional não poderá exceder 15% (quinze por cento) do tempo total de programação da EBC”. Importa também delimitar os conceitos de Publicidade e Consumo. Publicidade deriva do termo latino publicus, que designa a qualidade daquilo que é público, é comunicação de natureza persuasiva, empregada para divulgar e dar visibilidade a determinado conteúdo, objetiva atrair a atenção, provocar a identificação e influir na conduta do receptor buscando sempre a sua adesão (BROCHAND, 1999, p. 24). Embora existam vestígios da atividade publicitária desde os tempos mais remotos, a publicidade é fenômeno pós-Revolução Industrial, típico da sociedade de consumo do século XX, que recebeu impulso decisivo dos inventos tecnológicos, como o rádio e a televisão (BROCHAND, 1999, p. 27). Consumo é processo que se estabelece quando um sujeito se apropria de algo que lhe é externo: no plano material, os bens e os serviços; no simbólico, as práticas e os comportamentos. Este último é o caso da publicidade inserida na programação da TV Brasil, objeto desta análise. Canclini pensou o consumo não apenas como a relação entre produto, marca, meios de comunicação e as audiências, o público em geral, mas também como uma prática integradora e definidora da cultura. Segundo ao autor, o consumo serve para pensar, tem função cada vez mais ampla na forma que a própria cultura é construída. Consumo envolve produtos anunciados pela publicidade, mas também outros pontos, como cultura, educação e cidadania – campos em que os hábitos de consumo são fatores cada vez mais constitutivos. O autor resume consumo como “conjunto de processos socioculturais”, que é “[...] visto não como mera possessão individual de objetos isolados mas como apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com os outros, de bens que propiciam satisfações biológicas e simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens” (CANCLINI, 1995, p. 53-66).

A EBC – TV Brasil: princípios e objetivos Segundo texto do site institucional, a “Empresa Brasil de Comunicação é uma instituição da democracia brasileira: pública, inclusiva, plural e cidadã”. Criada para fortalecer o sistema público de comunicação, a EBC é gesto-

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ra da TV Brasil, da TV Brasil Internacional, da Agência Brasil, da Radioagência Nacional e do sistema público de Rádio, composto por oito emissoras. A rede tem o objetivo de levar informações de qualidade sobre os principais acontecimentos no Brasil e no mundo para o maior número de pessoas, “buscando aumentar paulatinamente sua relevância e audiência, em cumprimento a sua função legal e social”. Ainda de acordo com a mesma fonte, “os veículos públicos têm autonomia para definir produção, programação e distribuição de conteúdos”, distinguem-se dos canais estatais ou governamentais por sua independência editorial: “a rede de emissoras produz conteúdos diferenciados que a singulariza por espelhar de maneira mais fidedigna a complexidade cultural brasileira, ocupando um espaço complementar, não preenchido pelos canais privados”.9 A TV Brasil é a televisão pública aberta gerida pela EBC, com praças em Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), São Luís (MA), e em mais 21 estados por meio das emissoras de televisões parceiras da Rede Pública de Televisão. No Brasil, há três diferentes modos de sintonia para acesso à programação da TV Brasil: antenas parabólicas, canais abertos e retransmissões nas TVs Educativas em vários estados, e nas TVs por assinatura. O site orienta também como sintonizar no exterior.10 A missão da TV Brasil é transmitir conteúdos audiovisuais e interagir com as pessoas para contribuir na construção do conhecimento. Com abordagem informativa, cultural, artística, científica e cidadã, “possui uma grade extensa e variada, com programas de destaque voltados para o público infantil, para o jornalismo, para a cultura e para a educação”.11 A programação da TV Brasil pauta-se por princípios baseados nos da radiodifusão pública: visa o interesse público, o acesso à informação, a pluralidade da origem da produção, a distribuição do conteúdo; tem finalidades educativa, artística, cultural, científica e informativa, de promover a cultura nacional, estimular a produção regional e a produção independente; prega respeito aos valores éticos e sociais, aos valores da pessoa e aos valores da família, a não discriminação religiosa, político-partidária, filosófica, étnica, de gênero e de orientação sexual, a observância de preceitos éticos no exercício das atividades de radiodifusão, autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão e, por fim, a participação da sociedade civil no controFonte: <http://www.ebc.com.br/institucional/sobre-a-ebc>. Acesso em: 12 jan. 2016. Fonte: <http://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar>. Acesso em: 12 jan. 2016. 11 Fonte: <http://www.ebc.com.br/institucional/sobre-a-ebc/veiculos-da-ebc/2012/09/tv-brasil>. Acesso em: 12 jan. 2016. 9

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le da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira. Os objetivos da TV Brasil estão respaldados na radiodifusão pública: abordar temas de relevância nacional e internacional; oferecer mecanismos para debate público; promover a cidadania; desenvolver a consciência crítica do cidadão e programação educativa, artística, cultural, informativa, científica promotoras de cidadania; fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia, a participação na sociedade; garantir o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação, à comunicação; cooperar com os processos educacionais, de formação do cidadão, de inclusão social; apoiar processos de socialização da produção de conhecimento; garantir espaços para exibição de produções regionais e de programação independente; buscar excelência em conteúdos e em linguagens; desenvolver formatos criativos e inovadores; constituir centro de inovação e formação de talentos; competir pelo aumento da audiência sem alterar a programação; promover parcerias e fomentar produção audiovisual nacional; estimular a produção e garantir a veiculação, inclusive na rede mundial de computadores, de conteúdos interativos; estimular a produção e garantir a veiculação de conteúdos interativos, especialmente, aqueles voltados para serviços públicos.

TV Brasil: módulo de análise publicidade O módulo publicidade foi objeto de análise específica na pesquisa EBCTV Brasil realizada pela equipe da Fabico/UFRGS tendo como referências os princípios e objetivos dessa emissora pública e as limitações de ordem legal para a veiculação de publicidade, resultando três relatórios, conforme mostra o Quadro 3. Quadro 3 – MAP Publicidade e Relatórios

Fonte: Relatório Final da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2015.

No caso da televisão pública, é importante relacionar a publicidade com o conteúdo da televisão. As peças encontradas na grade da TV Brasil foram identificadas, descritas e analisadas seguindo classificação de seus formatos, características, temáticas e emissores/assinaturas da mensagem:

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• Campanha pública – Anúncio (ou conjunto) ligado a causas e temas de interesse público desenvolvido por órgão governamental ou ONG; • Institucional – Vinhetas TV Brasil/EBC – Anúncio (ou conjunto) que projeta a imagem da TV Brasil; visa transmitir segurança e credibilidade em relação aos seus princípios e objetivos; • Chamadas – Chamadas de programas – Mensagem publicitária curta para anunciar/ chamar programa a ser promovido/veiculado pela própria TV Brasil; • Merchandising – Marcas e referências em personagens e conteúdos – Menção ou aparição de produto, serviço ou marca – de caráter Comercial – de forma não ostensiva e aparentemente casual no contexto de uma encenação, programa ou telejornal. Observação: esse tipo de inserção contraria a legislação que regula a TV Brasil, foi incluída na análise para conferência sobre o cumprimento legal; • Apoio/patrocínio – Marcas e instituições vinculadas a conteúdos – Assinatura – aparição de marca, nome e/ou logotipo – de organização com fins comerciais, inserida junto a produção/veiculação da TV Brasil. Outra forma é produção cultural de terceiros que recebe apoio da TV Brasil (indicada ao final ou na chamada da produção); • Propaganda política – Propaganda de caráter obrigatório – Spot – de até um minuto – ou Programete – com dez minutos – de partido político (veiculação de caráter obrigatório, em cumprimento à legislação eleitoral, em horários predeterminados). Relatórios Semanais (RS) integrantes da categoria Publicidade, conforme a definição prévia do Módulo de Análise da Programação – MAP: RS 11–5/14 – Análise Publicidade I: • Analisado na semana de 19 a 23 de maio de 2014. • Total de peças analisadas: 46 peças publicitárias. • Data de monitoramento: 18, 19 e 20 de maio de 2014. RS 34 – 11/14 – Análise Publicidade II – intervalos: • Analisado na semana de 2 a 8 de novembro de 2014. • Período de monitoramento: Início às 00h e término às 24h de 10 de setembro de 2014. • Total: 24 horas de monitoramento (tempo aproximado). • Total de breaks: 89 intervalos. • Total de tempo da publicidade no período monitorado: 02h09min05s. • Total de peças analisadas: 348 peças publicitárias. • Data de monitoramento: 10 de setembro de 2014.

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RS 51 – 03/15 – Interprogramas12: • Analisado na semana de 10 a 7 de março de 2015. • Ocorrência – diária (inserido nos breaks da programação da emissora). • Total de peças analisadas: 16 edições do Interprogramas.

Análise e diagnósticos da publicidade na grade da TV Brasil Considerando que a publicidade perpassa a programação da televisão, tanto interrompe quanto organiza/divide os programas, seguem os resultados dos três monitoramentos na programação da TV Brasil, com as respectivas classificações e os enquadramentos. * RS 11 – 5/14 – Análise Publicidade I Quadro 4 – Síntese dos Resultados da Análise de Publicidade I SÍNTESE DOS RESULTADOS FORMATO

ASSINATURA

TOTAL DE PEÇAS

PERCENTUAL

Chamadas de Programas

TV Brasil

19 peças

41,3%

Campanhas Públicas

Governo Federal

18 peças

39,1%

Apoio/Patrocínio

Diversos

05 peças

10,8 %

Institucional

Vídeos Diversos

03 peças

6,5%

Institucional

Vinheta TV Brasil

01 peça

2,1%

Total

46 peças

100 %

Fonte: Relatório Semanal 11 da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – Maio/2014.

Conforme apontado no respectivo Relatório Semanal (RS11), a publicidade, ou a ausência de anúncios comerciais de produtos e serviços, é um dos diferenciais da TV Brasil em relação a grande parte das televisões brasileiras. A prevalência de Chamadas de Programas, ligeiramente superior ao número de Campanhas Públicas, sinaliza ponto que suscitou a análise seguinte (RS34), que teve como base a grade semanal da TV Brasil, com seus programas e respectivas inserções de publicidade em cada um dos intervalos. A intenção foi verificar a frequência e o número de repetições dos anúncios, indicador para auxiliar a inferir sobre a relação programação x audiência. 12

Interprogramas são pequenas peças institucionais produzidas pela TV Brasil. Estão inseridas nos breaks da programação e trazem temáticas diversas, desde cultura e região, até literatura, meio ambiente, história, vocabulário e estações do ano. Essas peças, em geral de curta duração e de cunho informativo, procuram, em algumas edições, além de fornecer ao telespectador conhecimentos e curiosidade sobre aspectos da cultura e da história brasileira, conscientizar a população sobre o consumo consciente, como exemplo analisado na Semana da Água.

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• RS 34 – 11/14 – Análise Publicidade II – intervalos Quadro 5 – Classificação da Publicidade da análise II

Fonte: Relatório Final da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – 2015.

Através da identificação e da caracterização dos intervalos presentes na programação e o mapeamento de um grande número de peças publicitárias (348 peças) e sua disposição, observou-se que: a) as chamadas da TV Brasil totalizam 46,83% da publicidade monitorada, e a sua publicidade institucional (vinhetas) chega a 32,8%. Significa que quase 80% destes intervalos são dedicados à própria emissora, enquanto a chamada para campanhas de caráter público totaliza apenas 14,65%; b) alguns programas indicam saturação, devido à frequente repetição de “chamadas”, outros têm poucas inserções ou nem possuem peças publicitárias de divulgação. O efeito de saturação pode ser fator que contribua para a perda de audiência durante os breaks dos programas; c) da mesma maneira, não há equilíbrio quanto ao tipo e à quantidade de inserções, assim como em relação ao tempo de duração dos breaks. Enquanto alguns programas indicam saturação, devido a repetições de “chamadas”, outros têm poucas inserções ou nem possuem peças publicitárias de divulgação. No mesmo sentido, o padrão de inserção de intervalos entre os programas não é equilibrado, alguns com duração de 1min e 15 seg, outros de 4 min; d) a publicidade veiculada na TV Brasil tem autonomia em relação aos conteúdos da programação, o que representa um indício de que pode não haver adequação, como, por exemplo, os anúncios veiculados durante a programação infantil com temas adultos e restritivos a determinadas faixas etária; e) as inserções de chamadas para os programas poderiam servir de orientação e informação aos telespectadores acerca da grade de programação com

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

indicações de datas e horários. A veiculação de “chamadas” para os próximos programas pode contribuir para a permanência da audiência e gerar expectativas e/ou curiosidade. • RS 51 – 3/15 – Interprogramas O terceiro e último monitoramento da publicidade na TV Brasil, teve como objeto o conteúdo de edições de Interprogramas, à luz dos indicadores definidos pela pesquisa, com base nos princípios e objetivos da radiodifusão pública e da comunicação pública, sob alguns aspectos principais: qualidade técnica e temas abordados no programa. O objetivo foi identificar o modo como a programação da TV Brasil é intercalada por este tipo de conteúdo; como contraponto, as emissoras comerciais, em que a publicidade foi sendo integrada à programação e realizada demarcação de tempo, sob o título de “intervalo comercial”. Para uma emissora pública, os intervalos também acontecem, mas sob outra perspectiva. De qualquer modo, trata-se de relação de tempo e interrupção da programação. Interprogramas analisados: 1 Semana da Água: a água e a luz 2 Semana da Água: como encontrar um vazamento de água 3 Semana da Água: gasto de água no chuveiro 4 Semana da Água: lavando a louça 5 Semana da Água: cuidados com o vaso sanitário 6 Semana da Água: a água na indústria 7 Semana da Água: o desperdício com torneiras gotejantes 8 Semana da Água: aproveitando a água da chuva 9 Semana da Água: consumo da máquina de lavar 10 Semana da Água: enquanto a água esquenta 11 Rio 450 anos – Catete 12 Rio 450 anos – Centro 13 Rio 450 anos – Copacabana 14 Rio 450 anos – Jardim Botânico 15 Rio 450 anos – Madureira 16 Rio 450 anos – Urca O material Interprogramas foi classificado como peças publicitárias em relação ao seu formato, suas características e a descrição correspondente. Verifica-se que apresentam boa utilização de recursos técnicos (edição de imagem e som), sendo esteticamente agradáveis ao telespectador e, mesmo possuindo pouco tempo de duração (em geral, 30 segundos), comunicam de modo objetivo uma boa quantidade de informações. Os temas tratados nas peças têm abordagem clara, objetiva e didática, podendo ser compreendidos por teles-

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pectadores de diferentes faixas etárias. Os conteúdos apresentados nos Interprogramas13 são pertinentes aos objetivos da comunicação pública e da TV Brasil, principalmente no que concerne à promoção da cultura nacional e da consciência crítica do cidadão. A análise das edições selecionadas também evidenciou o caráter informativo das peças dos Interprogramas, contribuindo para o desenvolvimento de uma programação informativa e cultural na emissora pública. Considera-se que os Interprogramas contribuem para tornar os intervalos da programação da TV Brasil mais atrativos e informativos. As análises do relatório piloto14 e da pesquisa mais aprofundada15 indica que a publicidade da emissora mantém concordância com os preceitos legais estabelecidos para TVs públicas, inclusive em relação ao tempo máximo que pode ser ocupado por este tipo de conteúdo, ou seja, 15% da programação.

O consumo propagado e estimulado pela publicidade na TV Brasil Não foi identificada nenhuma menção a produto, serviço ou marca, de caráter comercial ou relacionada à merchandising na publicidade veiculada na TV Brasil, nos períodos analisados. As peças estudadas têm caráter institucional e estão alinhadas com as campanhas que visam o interesse público, direcionando o telespectador a um tipo de consumo diverso daquele estimulado pelas emissoras privadas, ou seja, consumo cultural, educacional, preventivo, reflexivo, crítico e cidadão como se pode observar ao cotejar as peças publicitárias presentes na grade da programação com os objetivos da comunicação pública e da TV Brasil: a) Abordam temas de relevância nacional e internacional, notável nas campanhas de doação de órgãos, prevenção da dengue, combate ao racismo e estímulo à participação das mulheres nas eleições para cargos de representação política. Os conteúdos veiculados nos Interprogramas tratam, entre outros temas, de música, literatura, valorização da cultura indígena, educação no trânsito, a preservação do meio ambiente e promovem a cultura nacional. b) Oferecem mecanismos para o debate público, na medida em que informam sobre questões de interesse público, especialmente no caso das campanhas públicas que abordam a prevenção de doenças/AIDS, o uso consciente da internet, a promoção da economia solidária e a compra ilegal de animais selvagens. Relatório Semanal 51 da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – Março/2015. Relatório Semanal 11 da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – Maio/2014. 15 Relatório Semanal 34 e 51 da Pesquisa TV Brasil UFRGS/EBC – Novembro/2014 e Março/ 2015, respectivamente. 13 14

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c) Fomentam a consolidação da democracia e promovem a construção da cidadania, ao darem visibilidade para campanhas públicas, como a do TSE, por exemplo, que procura conscientizar os telespectadores sobre a necessidade de escolher seus representantes por meio do voto. d) Contribuem para formação da consciência crítica do cidadão, ao procurar conscientizar os telespectadores para o consumo consciente da água e as possíveis implicações do desperdício desse recurso natural. Outras peças inseridas na programação problematizam temas ligados à esfera cívica e aos direitos fundamentais, tais como as campanhas relacionadas ao respeito à orientação sexual e às desigualdades de gênero. Também contemplam esse princípio da comunicação pública ao concederem espaços a ONGs que visam conscientizar os cidadãos sobre problemas que impactam a sociedade, como as peças publicitárias do Greenpeace sobre preservação do meio ambiente, ou mesmo, as campanhas sobre tráfico de animais, promovidas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, ambas apoiadas pela TV Brasil. e) Cooperam com processos educacionais ao produzirem e divulgarem, através de campanhas públicas, conteúdos interativos sobre o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que contribuam e complementem o aprendizado dos estudantes, preparando-os para as provas. O mesmo vale para os Interprogramas ao evidenciarem modos de reaproveitamento da água. f) Apresentam excelência de conteúdo e de linguagem, caso dos Interprogramas ao exibirem através de linguagem clara e objetiva diversos assuntos de interesse público, sendo bem executados em termos estéticos e técnicos.

Considerações finais A publicidade veiculada na TV Brasil cumpre com rigor a legislação, centralizada na promoção da própria emissora e de seus produtos televisivos. Mantém o telespectador afastado do apelo ao consumo de bens e serviços, próprio dos intervalos de emissoras comerciais; valoriza e estimula conteúdos de interesse público e o consumo cultural; prioriza a educação e a reflexão; estimula a crítica e a construção da cidadania. Uma das contribuições da Pesquisa UFRGS/EBC foi recomendar que o espaço de inserção de publicidade na TV Brasil poderia direcionar-se mais à veiculação de campanhas públicas. Deu-se como referência a relação disponível no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom)16, em que estão campanhas que são veiculadas nas emissoras comerciais. Se estas 16

Disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/publicidade>. Acesso em: 10 abr. 2016.

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têm relevância em função dos seus índices de audiência, a TV Brasil é também canal para institucionalizar e ratificar mensagens de interesse e utilidade públicos.

Referências BARBOSA, Livia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. BROCHAND, B. et al. Publicitor. Lisboa: Dom Quixote, 1999. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. MIOLA, Edna. Sistema deliberativo e tensões entre interesses públicos e privados: A criação da Empresa Brasil de Comunicação em debate no Congresso e na imprensa. 2012. 294 f. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan Santo. Hiperpublicidade 1 e 2. São Paulo: Cengage Learning, 2007. SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. SANTOS, Gilmar. Princípios da Publicidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A Linguagem da Propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Sobre os autores Adriana Cristina Omena dos Santos: Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Metodista, mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA/USP. Atualmente é Diretora Cultural da Intercom e coordenadora/professora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação (PPGCE) e professora no curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia, bem como líder dos grupos de pesquisa em Interfaces Socais da Comunicação e em Novas Tecnologias da Comunicação e Informação na mesma instituição. E-mail: adriomena@gmail.com Ana Luiza Coiro Moraes: Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, é mestre e especialista pela mesma instituição, com pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. É professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, onde é vice-líder do grupo de pesquisa Estudos Culturais e Audiovisualidades. É coordenadora do Projeto de Pesquisa Estudos Culturais Aplicados a Pesquisas em Comunicação e Memória Social: o circuito da cultura como instrumental analítico (Chamada: MCTI/ CNPQ/Universal 14/2014) e vice-coordenadora do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE (Edital FAPERGS PQG 2014). E-mail: anacoiro@gmail.com Angela Lovato Dellazzana: Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é mestre pela mesma instituição. Docente do curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos, São Leopoldo, RS. Em 2014, realizou consultoria para o projeto conjunto da UNESCO e do Ministério da Justiça sobre Liberdade de Expressão, Classificação Indicativa e Educação para a Mídia. E-mail: angela.lovato@terra.com.br Áureo Mafra de Moraes: É jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Jornalismo pelo Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC, atua como professor no curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina desde 1993, onde desenvolve projetos de ensino, pesquisa e extensão ligados ao telejornalismo, a políticas de comunicação, à comunicação pública e à comunicação institucional. Tem experiência profissional em jornalismo nas áreas de televisão, rádio e impresso. E-mail: aureo@cce.ufsc.br

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Sobre os autores

Beatriz Becker: Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura e do Departamento de Expressões e Linguagens da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM/ECOUFRJ). Realizou o doutorado e o mestrado em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da UFRJ e estágio pós-doutoral na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e na Goldsmiths University of London. É bolsista de produtividade do CNPq, autora de “A linguagem do Telejornal” (E-papers); “Pensando e Fazendo Jornalismo Audiovisual” (E-papers) e coautora de “Pantanal: A Reivenção da Telenovela” (EDUC-SP). Atualmente exerce a vicecoordenação do GT Estudos de Jornalismo da COMPÓS. E-mail: beatrizbecker@uol.com.br Camila Cunha: Graduanda em História (Licenciatura) do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE. E-mail: camilarscunha@gmail.com Cárlida Emerim: É jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestre em Semiótica e doutora em Processos Midiáticos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Atua como professora e pesquisadora na área de Telejornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, no curso de graduação e na pós-graduação em Jornalismo (POSJOR). É coordenadora líder do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTELE – UFSC e, também, uma das coordenadoras do Projeto de Extensão Permanente, o telejornal diário TJUFSC e outros programas de telejornalismo que buscam experimentar novas propostas e formatos telejornalísticos. E-mail: carlidaemerim@gmail.com Cosette Castro: Pós-doutora em Comunicação para o Desenvolvimento Regional – Cátedra da UNESCO/UMESP de Comunicação; doutora em ComunicaçãoUAB-ES, docente no mestrado em Comunicação na Universidade Católica de Brasília. Coordenadora do Observatório Latino-Americano em Conteúdos Digitais (OLAICD); vice-coordenadora do GP Comunicação Digital da ALAIC. Autora de sete livros, sendo o último Digital Television and Digital Convergence (Hampton, EUA, 2014), e cerca de 100 artigos em Inglês, Espanhol e Português. E-mail: cosettecastro2012@gmail.com Cristiane Finger: Doutora pelo PPGCOM da PUCRS. Jornalista diplomada pela Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS-PUCRS), professora do Curso de Comunicação Social, habilitação Jornalismo da FAMECOS-PUCRS, nas disciplinas de Telejornalismo. Membro permanente do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. Coordenadora da Rede Telejor.

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Coordenadora do grupo de pesquisa: Televisão e Audiência (GPTV). Editora da Revista Sessões do Imaginário. Foi repórter, âncora e editora regional em veículos como: SBT; Rede Manchete; TVE-RS; TV Guaíba por 25 anos. Vencedora do Prêmio Esso de Telejornalismo em 2004. E-mail: cristiane.finger@pucrs.br Elza Aparecida de Oliveira Filha: Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: elzaap@hotmail.com Fábio Ladeira: Acadêmico do Bacharelado em Comunicação Organizacional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Graduado em Secretariado pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: ladeira.fabio@gmail.com Fernanda Vasques Ferreira Doutoranda em Comunicação na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2005) e mestre em Comunicação e Sociedade pela UnB – Faculdade de Comunicação (2007). Atualmente, é docente no curso de Jornalismo e no curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Católica de Brasíila (UCB). Participou de projetos na área de jornalismo, convergência digital, cultura midiática, comunicação comunitária e educomunicação. E-mail: fernanda.jornalista82@gmail.com Flahane Roza: Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2015/2. Trabalhou na unidade produtora da UFRGS-TV, em criação e jornalismo. Participou da pesquisa referente à TV Brasil, sob encomenda da EBC. Integrou grupo que desenvolveu o site do Observatório de Comunicação Pública, trabalhando com foco em campanhas de interesse público. Além disso, ao longo da graduação, atuou no mercado de comunicação, na área de marketing. E-mail: flahaneroza@gmail.com Flavi Ferreira Lisboa Filho: Doutor em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Mestre em Engenharia da Produção, Bacharel em Ciências Administrativas e em Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação e do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, onde é líder do grupo de pesquisa Estudos Culturais e Audiovisualidades. E-mail: flavilisboa@gmail.com

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Sobre os autores

Francielle Garcia: Graduanda em História (Licenciatura) do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC Unilasalle) do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE. E-mail: francielle_garcia2@hotmail.com Greetchen Ferreira Ihitz: Mestre em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFRGS e graduada em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação da UFRGS. Atualmente integra o Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência (GPTV), proposta conjunta entre alunos e professores de pós-graduação dos cursos de Comunicação e Informação da UFRGS e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para estudos em telejornalismo. Atuou durante 20 anos como editora em telejornalismo nas áreas do esporte, agronegócio e geral em emissoras como RBS TV, Globo São Paulo e Canal Rural. E-mail: fgreetchen@hotmail.com Helen Beatriz Frota Rozados: Doutora e Mestre em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). Bacharel em Biblioteconomia pela UFRGS. Docente na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Fabico/UFRGS). Líder do grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos em Imagem, Tecnologia e Informação (NEITI). Autora do livro “TV Brasil e redes sociais virtuais: o programa Estúdio Móvel no Facebook”. E-mail: hrozados@gmail.com Isabela Diehl: Graduanda em História (Licenciatura) do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE. E-mail: isabela.k.diel@gmail.com Isabela Vargas Oliveira: Graduanda no curso de Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Católica de Brasília (UCB) e estagiária da TV STJ, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que produz o programa Antes & Depois da Lei, veiculado na TV Justiça. Brasil. E-mail: isabelavargas20@gmail.com Itaci Alves Marinho Junior: Graduando em Direito e membro do PET Educomunicação na Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: itacimarinho@gmail.com Jéssica Moraes: Graduanda do curso de Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (7º semestre). Foi bolsista de Iniciação Científica

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no projeto TECNA, com pesquisa em conteúdos transmedia para a Televisão Educativa do Rio Grande Sul. E-mail: jessicamoraes.jornalismo@gmail.com Jéssica Trisch: Estudante de Comunicação Social – Jornalismo do sétimo período na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participou de pesquisa sobre a programação da TV Brasil encomendada pela Empresa Brasil de Comunicação. Além de trabalhar na cobertura de diversos eventos da Universidade, ao longo da graduação, vivenciou experiências práticas em veículos de comunicação, como Rádio Bandeirantes e FM Cultura, em assessorias de imprensa e agências de conteúdo. E-mail: jessicatrisch@gmail.com Jhonatan Mata: Jornalista, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM/UFRJ). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Autor do livro “Um telejornal pra chamar de seu: identidade, inserção e representação popular no telejornalismo local” (Insular, 2013), financiado pela Fapemig. Coautor nas obras “A informação na TV pública” (Insular 2013) e “60 anos de telejornalismo no Brasil” (Insular, 2010). Finalista do Prêmio Francisco Morel 2009 (Intercom). Atua nas especializações em Jornalismo Multiplataforma (UFJF) e Mídias na Educação (Capes/UAB). E-mail: jhonatanmata@yahoo.com.br João Pedro Omena dos Santos: Graduando em Direito e membro do PET Educomunicação na Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: jpomena@ufu.br João Vicente Ribas: Jornalista. Foi repórter da TVE-RS entre 2012 e 2014, integrando a equipe do programa Estação Cultura. Atualmente, realiza doutorado em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Possui mestrado em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Atuou como repórter de jornal e rádio na Empresa Jornalística Diário da Manhã. Como assessor de imprensa, trabalhou na Faculdade Meridional (IMED) e no Ministério das Cidades em Brasília. E-mail: pampurbana@gmail.com Laira Campos: Mestre em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é graduada em Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Atualmente integra o Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência (GPTV), proposta conjunta entre alunos e professores de pós-graduação dos cursos de Comunicação e Informação da UFRGS e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para estudos em telejornalismo. E-mail: lapianissimo@gmail.com

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Sobre os autores

Lauro Moraes: Jornalista. Doutorando em Geografia na Universidade Federal do Paraná (Curitiba, PR), com bolsa CAPES. Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Ilhéus, BA). Bacharel em Comunicação Social e especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais pela Universidade Vale do Rio Doce (Governador Valadares, MG). Sócio da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e filiado à Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). E-mail: lauro.jornalismo@gmail.com Lírian Sifuentes: Realiza pós-doutorado em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e atua como jornalista da TVERS. Possui doutorado em Comunicação pela PUCRS, tendo realizado doutorado sanduíche no Departamento de Comunicação da Texas A&M University. É mestre em Comunicação e jornalista pela Universidade Federal de Santa Maria. Integra o Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (USP/ UFRGS) e o grupo de pesquisa Estudos e Projetos em Comunicação e Estudos Culturais (PUCRS). E-mail: lisifuentes@yahoo.com.br Maria Berenice da Costa Machado: Doutora em Comunicação Social e professora Adjunta da Fabico/UFRGS, curso Publicidade e Propaganda. Desenvolve pesquisas e tem publicações vinculadas aos campos da Comunicação, da Política e da História. Integrou a comissão coordenadora da pesquisa de monitoramento e análise de conteúdo da programação da TV Brasil (Fabico/UFRGS, 2014) financiada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Integra o Conselho Consultivo do Observatório de Comunicação Pública (Obcomp). E-mail: mberenice.machado@ufrgs.br Maria de Lourdes Togni: Graduanda em História (Licenciatura) do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE. E-mail: mlourdestogni@hotmail.com Maurício Ramos: Arquivista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Analista Arquivista do arquivo audiovisual da TVE- Fundação Cultural Piratini. E-mail: mauricio-ramos@tve.com.br Medianeira Pereira Goulart: Bacharel em arquivologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (1993), especialista em Gestão em Arquivos, pela UFSM (2010), mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural pelo Unilasalle (2016), Coordenadora do Arquivo Histórico do Instituto de Artes/UFRGS (2004-2014). Atualmente, arquivista na UFRGS e diretora da Divisão de Documentação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: mediglart@gmail.com

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TVS Públicas: memórias de arquivos audiovisuais

Nádia Maria Weber Santos: Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. Pós-doutorado pela Université Laval (Canadá); doutorado e mestrado em História Cultural pela UFRGS (Brasil). Médica-Psiquiatra junguiana. Membro Pesquisadora do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS). Pesquisadora do EFISAL/EHESS de Paris. Integra o comitê editorial da revista Artelogie, vinculada ao CRAL/EFISAL – EHESS de Paris. Coordenadora do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE (Edital FAPERGS PQG 2014). E-mail: nnmmws@gmail.com Newton Pinto da Silva: Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Apresentador de televisão e repórter cultural, mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: nwtpinto@gmail.com Otávio Daros: Possui graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É participante do Grupo Imagem e Imaginários do Programa de Pós-Graduação de Comunicação Social. Também é assistente de conteúdo do portal de notícias G1. E-mail: otavio.daros@gmail.com Rafiza Varão: Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (2012), na área de Teoria e Tecnologias da Comunicação e mestre em Comunicação também pela Universidade de Brasília (2002). É professora da Universidade Católica de Brasília e trabalha especialmente com Teorias da Comunicação e Redação Jornalística. É também assessora do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda e do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília. E-mail: rafiza@gmail.com Renata Rocha: Bolsista de Pós-Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Políticas para o Audiovisual. Doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA. Vice-coordenadora do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Dentre outras publicações, é autora do livro Sobrados e Coretos (SCT-BA, 2005) e co-organizadora das obras: Políticas Culturais (EDUFBA, 2012), Cultura e desenvolvimento: perspectivas políticas e econômicas (EDUFBA, 2012) e Políticas Culturais para as cidades (EDUFBA, 2011). E-mail: renataptrocha@gmail.com Robson Dias: Doutor em Comunicação (UnB, 2013), mestre em Comunicação (UnB, 2008) e bacharel em Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília (2002). É professor do mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (PPGSSCOM/UCB), linha Processos Comunicacionais nas Organizações e mem-

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Sobre os autores

bro do Grupo de Estudos Avançados de Comunicação Mediática e Organizacional. E também do curso de Comunicação Social – Jornalismo (UCB). E-mail: r.ucbprofessor@gmail.com Rochele Tonello Zago Corrêa – Mestre em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bacharel em Comunicação Social – Rádio e TV pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Atua como pesquisadora do grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos em Imagem, Tecnologia e Informação (NEITI/UFRGS). Autora do livro TV Brasil e redes sociais virtuais: o programa Estúdio Móvel no Facebook. Atualmente é produtora executiva da TVE-RS. E-mail: rochelezago@gmail.com Tiago Kieffer: Graduando em História (Licenciatura) do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Piratini: o acervo audiovisual da TVE. E-mail: tiagodekieffer@gmail.com Tiane Dias Canabarro: Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em Comunicação e Projetos de Mídia pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Atua em estudos que exploram as temáticas sobre identidade, representação, cultura e televisão. E-mail: tiane.canabarro@hotmail.com Vanessa Matos dos Santos: Doutora em Educação pela UNESP com estágio no exterior realizado na UNED Madrid (Espanha), doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Comunicação pela UNESP. Docente do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com atuação também na pós-graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação. E-mail: vanmatos.santos@gmail.com

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