CINERGIA Revista NĂşmero 1 | Janeiro 2012
Editorial
por João Palhares Esta revista demorou mais de um ano a estar pronta, o José Sócrates era primeiro-ministro, a crise não nos afectava tanto como agora (pessoalmente acho engraçado os mensageiros da crise a anunciarem de fato e gravata, mas isto já é estar a divagar).. Adiante, demorou por muitas razões. Foi o último ano de Licenciatura em Cinema de vários dos participantes (UBI) e andava tudo muito disperso a certa altura. E é uma coisa que se se quer com alguma consistência requer algum trabalho e disponibilidade. Mas viu a luz do dia e aqui está. Já não me lembro como surgiu a ideia de a fazer mas começámos o trabalho pelas entrevistas. Primeiro ao Lauro António, por ocasião da retrospectiva à sua obra, na Covilhã; depois ao Pedro Costa, em Castelo Branco, a seguir a um encontro e uma exibição pública de dois dos seus filmes. Sendo completamente diferentes um do outro, mas totalmente, foram dois realizadores que nos deram imenso prazer conhecer. Tudo o resto, tema e constituição esquemática para o primeiro número da CINERGIA, construiu-se a partir disso. Não há uma resposta prática, nem teórica, para o que é (ou vai ser) o futuro do Cinema. Só perguntas, só problemáticas, só adivinhações, e é isso que nós aqui fazemos, ou tentamos fazer. Entre os convidados especiais para os textos sobre o futuro do cinema, temos o Luís Mendonça, doutorando em Cinema e Televisão na FCSH-UNL e autor do blogue CINEdrio, Rui Mateus, Miguel Cunha e o professor Luís Nogueira, director do curso de Cinema da UBI, entre textos dos meus colegas David Ferreira, Iúri Sil-
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vestre e Vasco Santos e de mim próprio. Além disto, temos as críticas habituais e um “apanhado” da década, onde se inclui uma lista da redação, correspondente à década passada. Aproveito para agradecer a todos os participantes, que isto sem eles, não era possível: António Lopes, Cristiano Guerreiro, Daniel Rodrigues, David Ferreira, Fernando Cabral, Gonçalo Franco, Iúri Silvestre, Ivo Brito, João Pedro Tomás, Lauro António, Luís Mendonça, Luís Nogueira, Miguel Cunha, Pedro Costa, Ricardo Madeira, Rui Mateus, Rui Oliveira e Vasco Santos. Até já!
Edição número 1 Janeiro 2012 Director: João Palhares Paginação: Gonçalo Franco Críticas: António Lopes, Cristiano Guerreiro, Daniel Rodrigues, Fernando Cabral, Ivo Brito, Iúri Silvestre, João Palhares, João Pedro Tomás, Ricardo Madeira, Rui Oliveira, Vasco Santos; Textos: João Palhares, David Ferreira, Iúri Silvestre, Luís Mendonça, Miguel Cunha, Luís Nogueira, Rui Mateus, Vasco Santos Entrevistas: João Palhares, Luís Nogueira e Rui Oliveira Revisão: João Palhares
CINERGIA
“O cinema não tem futuro comercial.” Auguste Lumière
Índice Edição número 1 Janeiro 2012
01
Editorial
06 Críticas
27
Classificações
32 Textos
49
A Década
51
Melhores da Década
58
Entrevistas
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Críticas
Antichrist
Lars Von Trier (2009, 108’) Provocador. Anti cristo, tomemo-lo como uma espécie de ironia generalizada ao estado obstipado da mentalidade humana. Talvez uma critica aos grilhões confinantes impostos pelas crenças e pelo dogmatismo religioso, e as suas consequentes repercussões na natureza do próprio ser humano. Certamente com inspiração na obra homónima de Nietzsche, que também envereda fielmente por estes caminhos.
não pela sua perfeição técnica mas sim pelo seu imenso carácter simbólico e pela sua intenção. É por esta e outras razões que encarar Anticri st o de maneira literal, como uma simples longa pseudo artística e intelectual que se faz, superfluamente, dedicar de forma quase única e exclusiva ao gore e ao sadismo gratuito, é um acto classificável como sendo não mais do que uma hercúlea falta de imaginação.
Anticr isto é uma obra dura onde tudo aparenta girar à volta da misoginia. Segundo consta no livro do génesis, a mulher foi a mãe do pecado aquando da tentação que criou em volta da árvore proibida. A partir de então, o sexo feminino passou a ser visto como uma porta para o inferno, um passadiço para o proibido, e consequentemente a ser alvo de repulsa. Ela (Charlotte Grainsbourg) representa o incontável número de gerações de mulheres que foram perseguidas e torturadas ao longo dos tempos mais remotos, e que impõe nas mulheres um indelével sentimento de culpa e auto flagelação quase inato. Talvez Ele (Willem Dafoe), o próprio marido, aqui se encontre de alguma forma simbolizado como o amoral Ubermensch, que está para ela como a mão de Deus, a punição, despoletar de todo o transtorno que a faz pensar que falhou em toda a sua tarefa enquanto mulher e mãe. Em foco podemos colocar a situações análogas como as de Eva ou de Maria, cujos filhos morreram para trazer a redenção ao homem. Mas, a que custo para ela?
Para muitos, quase cinema total, uma viagem ao outro lado da alma humana que nos arrebata com uma história negra de era uma vez que se deixa ver, e que quer fazer o espectador sentir a dor dos seus personagens, uma homenagem à mulher, quem sabe?... Para outros tantos, algo que não passa de uma espécie de sonho molhado de Freud.
Um filme visualmente atractivo, que arriscaria mesmo a chamar de art-film,
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Tenha-se portanto o discernimento necessário para perceber que Anticr isto é um filme problemático e ambicioso em demasia para ser imediatamente canonizado como sendo uma obra-prima da sétima arte, mas ainda assim, sem rodeios, merece ser tratado com muito mais dignidade do que um filme de segunda categoria. Um filme mais para ser pensado do que para ser visto.
Ricardo Madeira
O caos reina Lars von Trier é um talento, não tenho dúvidas disso, há sequências verdadeiramente assombrosas em Da ncer in the Dark, por exemplo, bem como neste Anticristo. O problema, quanto a mim, é o todo - não existe. E isto vale para a sua obra inteira, penso eu, tirando D ogville. Trier resolveu construir a sua obra na base do desespero e da humilhação humanos relacionando-as com o próprio trabalho do actor, e tudo bem até aqui, há consistência temática. Há consistência temática em Michael Bay, é o fim do mundo ou a ameaça do fim do mundo e isso não faz dele um grande cineasta, muito menos um autor. Um autor, se calhar até faz, dá-se pouco valor à palavra, hoje em dia.
mesmo tempo, um eterno avanço e um eterno retorno? É um autor, como se diz? Ou isto já nem passível é de ser questionado? A meu ver, é quando se aclama alguém quase aleatoriamente, cegamente e sem pensar muito, depois de se assistir a uma sucessão de chavões sociológicos, psicológicos e da montagem (o que raio é aquele epílogo?) que o caos, de facto, reina. Venha Cannes, venha Veneza, venha o Mundo, a busca insaciável de Trier por glória e aprezo, aplausos pelo “arrojo” e pela “controvérsia”. Vejam as aspas. Eu estou cada vez mais farto.
João Palhares
Pergunto, é possível olhar para um plano de Anticristo, ou de qualquer filme seu, e dizer “é Trier”, sem pestanejar, sem hesitar um só momento? Há uma forma “trieriana” de pensar o Cinema? Cada novo filme é, ao
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Avatar
James Cameron (2009, 162’) Avata r foi originalmente concebido em 1999 como sucessor de Titanic, mas foi posto em espera quando James Cameron reparou que ainda não existia a tecnologia capaz de alcançar a sua visão do filme. Em 2002 Cameron visualizou O S enho r d os Anéis: As Duas Torres e através da personagem do Gollum verificou que era finalmente possível criar Avatar e durante a década seguinte desenvolveu ele próprio muita da tecnologia necessária para o conceber. Avata r conta-nos a estória de Jake Sully (Sam Worthington) um soldado paraplégico enviado para Pandora. Durante a sua missão Jake Sully vê-se confrontado entre cumprir o seu dever como militar ou proteger este novo mundo que é agora a sua casa. Muitas das críticas a Avatar prendem-se com o seu argumento e é precisamente aí que o filme falha, a alegoria de uma tribo indígena ser forçada a abandonar as suas terras por uma civilização mais avançada não é um conceito novo. Mas é necessário olhar além do núcleo da estória, pois é aí que encontramos algumas ideias intrigantes, como por exemplo a transferência da mente de uma pessoa para outro corpo ou até a metáfora entre a rede criada pela internet e a rede criada pela floresta do planeta Pandora. Os efeitos visuais de Avat ar são avassaladores, é um daqueles filmes que deve ser visto numa boa sala de cinema, durante os 162 minutos de filme somos transportados para uma experiencia imersiva da qual não queremos sair, Cameron construiu todo um
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novo mundo de raiz, não vemos apenas as personagens em acção, mas sim um eco sistema completo. Todo o elenco do filme é brilhante, mas os dois actores que realmente se destacam são Sam Worthington no papel de Jake e Stephen Lang no papel do Coronel Miles Quaritch. Sam cria uma personagem com a qual realmente nos identificamos e com a qual partilhamos as nossas emoções ao longo do filme. Stephen Lang por outro lado, gera uma personagem que começa por tentar seguir o seu dever, mas que no fim se torna uma personagem tipo a par do Sargento Barnes de Pl ato on ou o Coronel Kurtz de Apo calypse Now. O futuro do cinema pode não passar por Avatar, mas a tecnologia desenvolvida para este filme está aqui para ficar, James Cameron abriu o caminho que permitirá a outros realizadores/guionistas criar algo novo. Avatar pode não ter a melhor estória do cinema, mas é definitivamente umas das experiencias cinematográficas mais marcante desde Star Wars ou O Senhor dos Anéis.
António Lopes
Avatar
James Cameron (2009, 162’) Avatar. O filme do ano passado. Já rendera mais de 2 biliões de dólares na box-office. Recebeu inúmeras críticas positivas, James Cameron já se prepara para filmar a sequela. Mas não deixa de ser atroz para a cultura artística e cinematográfica. Bom, vejamos uma coisa, então. James Cameron tornou-se conhecido por criar blockbusters da dimensão do mundo, quebrar barreiras e convenções em termos daquilo que é infilmável, desde Terminator a Alien 2, ou mesmo em Titanic. As suas histórias não são as melhores… não, vejamos, são péssimas. Os diálogos são supercliché. No entanto são as ideais para manter uma legião de fãs enorme e para que os seus filmes estejam entre os mais vistos de sempre. Mas, conhecendo o James Cameron de outras eras, já nem acho necessário falar deste assunto em Avatar. Não interessa se o filme tem referências à destruição de habitats ou se contém um romance à lá Titanic…
porque, tal como eu, milhões de pessoas já viram e continuam a ver o filme – e não é isso que vai impedir Avatar 2 de ser realizado. Nota: Quem Quer Ser Bilionário?, era um filme que também continha uma história de romance banal, mas que no entanto não o impediu de ganhar um Óscar de melhor filme (e é claro, milhões de audiências). Então, partamos para outro assunto… esse, é claro, o da discussão entre a tecnologia, o digital e os efeitos especiais no cinema contra uma abordagem mais tradicional e clássica. O 3D de Avatar fez furor, e eu, diga-se de passagem, como primeiro filme que vi do género, fiquei realmente admirado com a quantidade de pormenores que passavam mesmo em frente dos meus olhos. É algo fenomenal para uma primeira visualização, não o neguemos. Mas pensemos bem — passará o futuro do cinema por aí?
João Pedro Tomás
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Inception - A Origem Christopher Nolan (2009, 148’) Qual a gravidade do Sonho? Críticos de pouca envergadura intelectual escreveram sobre Inception como se de uma ideia forjada se tratasse, sim, é uma ideia tratada há muito no cinema, o sonho, mas aqui o sonho é outro. É tratado como uma realidade onírica onde os efeitos especiais não são rodriguinhos para os olhos, mas estão a favor da narrativa. Foi beber a filmes anteriores? Foi. Desde L'Année dernière à Mar ienbad até Ma tr ix (passando pelos “007s”) e estes já tinham bebido de outros filmes, agora será a vez de Inception ser bebido por outros. Vão ver o filme, não por ser um filme perfeito, mas pela sua perfeita imperfeição, ao contrário do que canta a Edith Piaf, vão se arrepender se não virem este filme. (dizer que Inception foi roubar ideias a outros filmes é o mesmo que dizer que o B vem antes do A no alfabeto). Uma imagem não passa de uma imagem se não tiver a duração certa, estejam atentos a ver toda a sequência onde os protagonistas estão a sair dos vários níveis do sonho, tudo está engrenado da forma mais acertada possível, a imagem tem a duração certa para o encadeamento ser mais perfeito, nota-se aqui o esqueleto das imagens em movimento, a montagem, o que vem antes e depois com o certo intervalo entre os dois. Não só me dobro pela montagem tal como a rua da cidade de Paris como me dobro à maneira como Nolan conta o sonho, explica, mas explica de uma jeito que se formos a ver pela tradição clássica dos 3 actos, A Or ige m é quase 80% primeiro acto, ou seja,
apresentação. Se isto não é mudar as regras, não sei o que será. Dom Cobb (DiCaprio) inicia a sua jornada, a vários níveis, para a sua libertação, em busca da catarse que o irá libertar. Mais uma vez está presente a culpa, obsessão e o sacrifício, temas habituais nos filmes de Nolan, um “sonho‟ onde Saito (Ken Watanabe) é uma espécie de Deus Ex Machina. Acredito que os sonhos são a nossa máquina do tempo e Nolan criou aqui, com Inception, um filme de viagens no tempo em que pouca gente se apercebeu, onde o sonho termina e a realidade se intromete. Não sei o que as pessoas sonham, mas acharam este filme com poucas deambulações e distorções surrealistas... não sei o que Freud andou a socavar no vosso inconsciente, mas os meus sonhos não são assim tão diferentes daquilo que vi, visualmente, em Inception. Sonhos estruturados de forma pouco onírica/absurda são “sonhos” reais, são construídos por um arquitecto. Preguiçoso é aquele que não gosta de um final ambíguo. A verdadeira origem é aquela que Nolan nos implanta ao longo da projecção, e a partir dessa ideia colocada na nossa mente, ela irá crescer em cada espectador e a percepção do final tem um significado consoante o crescimento que essa ideia teve. Não é sobrepor uma realidade em cima da outra e vencer a melhor. É dar uma nova percepção à mesma realidade. (Continua na página seguinte)
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O cinema é isso, dar pontos de vista, ângulos, enquadramentos, sonhos... para que no final o espectador ao sair dali, daquela pequena sala escura de espectáculo, se ilumine à medida que acendem as luzes da sala, à medida que sobem os créditos, à medida que deixa a sala para ver a verdadeira luz da realidade fora daquele quadro, daquele espaço delimitado ao qual chamados de Cinema. É preciso saber qual é a verdadeira gravidade do sonho... alguém que me implante uma ideia tão boa como Inception, se faz favor. A Origem não é um blockbuster fastfood de fácil ingestão, isto é um prato gourmet. Para quem não gostou é sinal que não extraiu bem a coisa. Para mim, foi a experiência cinematográfica que Avatar prometera e que não me impressionou. Nolan já nos tinha mostrado a ilusão no cinema em O Terceiro Passo, para mim o seu mais prestigioso filme até a data. Sabíamos que era ilusão, mas no fundo queríamos ser enganados. Em Inception, sabemos que há sonho e realidade, mas queremos saber quem é que nos está a enganar. Mais uma vez, Nolan, busca essa metáfora do cinema, não através da magia, mas agora entra nos sonhos para refazer essa metáfora. É, sem dúvida, o ilusionista-mor desde 2000.
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Não sou crítico nem tão pouco tenho pretensão em sê-lo. Mas dizer que Inception é uma mescla de ideias de filmes anteriores é ter pouca noção de que originalidade foi coisa de outras épocas, quase tudo já foi inventado, agora, resta-nos possibilidades e combinações entre essas ideias para criar cópias mais refinadas de outras cópias. Christopher Nolan partilha o seu sonho por milhões de espectadores, utiliza o cinema como meio, pois é essa a sua função há mais de 100 anos: partilhar sonhos para uma audiência. O melhor é ter consciência da realidade, porque o sonho será sempre perpétuo. Se neste processo é preciso sermos "enganados" tudo bem, o cinema não burla ninguém, apenas vende um bilhete para quem quer ser enganado de livre vontade. Finalizo com uma citação do filme Paprika (2006) de Satoshi Kon: “Não é uma maravilha? A possibilidade de ver o sonho de um amigo como se fosse o nosso. Partilhar o mesmo sonho.” É isso que Nolan faz através da máquina de fabricar sonhos, o Cinema.
Fernando Cabral
Inception... Deception Num verão, onde poucos foram os filmes estreados que a mim, pessoalmente, e, acredito que ao público em geral, poderiam despertar maior curiosidade de ver, ao ponto de me, e vos, levar a uma sala de cinema com o intuito de ir ver um filme, e quando digo ir ver um filme é de um FILME que estou a falar e não de filmezinhos que saem mais depressa do forno, e em maior quantidade, que pasteis de Belém, apesar de não se lhes poderem comparar na qualidade como é óbvio. Assim o último trabalho cinematográfico do realizador Cristopher Nolan, Inceptio n, era esse FILME. Com as expectativas nos píncaros lá me dirigi a uma sala de cinema com um grupo de amigos para saciar a minha/nossa vontade. A sala estava cheia, ali como em todos os cinemas do país onde o filme passava, e assim continuou a estar durante as semanas que o filme esteve em cartaz. Sentia no ar um sentimento de ansiedade que, por pena e incompetência, não se sente em todos os filmes que nos chegam aos sentidos. Estavam reunidas então as condições necessárias para se dar inicio ao espectáculo pelo qual pagámos. Assim foi e se dois segundos antes do filme começar se ouviam vozes a fazer comentários que só um público educado é capaz de fazer durante aqueles anúncios que nos vomitam para cima, passados dois segundos do inicio do filme nem a respiração dos mais distraídos se escutava. Eu e as outras pessoas que preenchiam aquela massa humana estávamos completamente envolvidos naquele labirinto, a tentar encontrar uma fresta de luz para dali sairmos e percebermos onde estávamos. Nos primeiros 60 minutos de filme as minhas expectativas foram completamente alimenta-
das, e eu parecia uma criança com um brinquedo novo, descobria aquilo tudo com a boca aberta, também os olhos, e os ouvidos, porque sem estes nada entra. A técnica suportava uma historia do mais original que se viu nos últimos tempos, onde aquilo que se passava na tela estava em harmonia perfeita. Porém, e passados estes 60 minutos, o filme tornou-se chato, básico e previsível. Quem foi o gajo que desafinou aquela orquestra? E depois será a técnica a única coisa que importa num filme? Assim, e até ao ultimo minuto esperei por aquele sentimento inicial que havia perdido. O labirinto que Nolan tão bem criou para nós desfez-se como vapor. Saí da sala decepcionado. Esperava tanto e comi tão pouco. Como pode alguém levantar 400 euros e perde-los ao pô-los na carteira. O filme que era o FILME, a partir de metade tornou-se num filmezinho, bem regado pela água que a técnica é. Muitos amigos, quase todos, que viram o filme têm uma opinião completamente diferente da minha, acham o filme muito bom, do inicio ao fim. Dizem ainda que para um filme de acção(???) está do melhor que já foi feito. Como podem dizer tal coisa? Deixam-me frustrado, um apaixonado pelo cinema de acção, que insultem o género, sempre subvalorizado, ao chamarem o Inception de um grande filme de acção. Isto não é um grande filme (pode ser no tempo de duração) nem é de acção. Para mim é um meio FILME. Mas ainda na esperança de que algo me estivesse a escapar resolvi ver mais filmes do realizador, já os tinha visto a todos com a excepção do Memento,e ao vê-lo percebi, finalmente, que os melhores filmes do americano (Continua na página seguinte)
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são os dois “Batmans”, todos os outros, quer sejam o The Prestige, ou o Memento e o Inceptio n são meios FILMES que não se conseguem aguentar perante a força de uma premissa brutal. O Cristopher Nolan é um realizador muito bom, dúvidas disso não há, mas a nível de sentimentos transmitidos pelos seus filmes fica sempre a meio caminho, nunca consegue acabar as maratonas a que se propõe.
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Vasco Santos
Até ao Inferno (Drag me to Hell) Sam Raimi (2009, 99’)
Depois de alguns anos afastado do género do terror Sam Raimi está de volta às origens com Até ao Inferno, produzido a partir de um guião escrito pelo realizador e pelo irmão há mais de 10 anos. O filme conta-nos a estória de Christine (Alison Lohman) uma funcionária bancária que após recusar alargar, pela terceira vez, o prazo de um empréstimo é amaldiçoada pela Sra. Ganush (Lorna Raver). Christine tem agora 3 dias para escapar à maldição de Lamia, um furioso demónio que tortura a sua vitima durante 3 dias até que finalmente a arrasta para o inferno.
ficar imortalizada no cinema de terror como uma das mais temíveis Ciganas. Até ao Inferno pode não ser um filme que agrade a todos os tipos de espectadores, mas para os poucos, que tal como eu são fãs absolutos do cinema de terror, vai validar o nosso gosto pelo género e permanecerá como verdadeiro testamento do melhor que o terror tem para nos oferecer.
António Lopes
Até ao Inferno transporta-nos de novo para o cinema de terror dos anos 80 e é inegável que é aqui que Sam Raimi se sente à vontade e se diverte, podemos ver uma realização muito mais pessoal do que na trilogia Spide rman, sente- se neste filme a energia e amor que o realizador tem por este género e ao longo de todo o filme podemos ver algumas referências a Evil Dead: Christine e o namorado planeiam umas férias numa cabana no bosque ou o recorrente aparecimento do velho e esmurrado “Oldsmobile”. Tal como em Evil Dead (1981) Raimi mistura habilmente a comédia com o terror e ninguém o faz tão bem como ele, um exemplo disso é quando a Sra. Ganush deixa cair a dentadura e resolve “chuchar” na cara da sua vítima, um momento simultaneamente aterrador e cómico. Apesar de originalmente ser Ellen Page no papel principal, Alison Lohman faz um excelente trabalho como protagonista do filme assim como o resto do elenco, quase de certeza que Lorna Raver vai
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Inglourious Basterds Quentin Tarantino (2009, 153’)
O último filme de Quentin Tarantino foi um acontecimento, o ano passado. Falou-se de hino ao Cinema, falou-se de muita coisa, da construcção narrativa à guerra retórica que se bate por todo o filme. Falso remake de Quele Maledetto Treno Blendato, filme divertidíssimo de Enzo G. Castellari, Inglo ur io us Baste rd s evoca Renoir, Eisenstein, Riefentstal, Leone, Corbucci, Peckinpah, Wayne, etc, etc. No entanto, como na maior parte dos filmes de Quentin Tarantino (os mais flagrantes são Reser vo ir Dogs e Kill Bill), a citação e a referência como força estética e de criação, não são o melhor do filme, se bem que a homenagem sem preconceitos (Ford encontra Fulci) seja sempre de algum valor. É dividido em episódios, como se de um livro se tratasse, e cada um desses episódios é desenvolvido num escalar progressivo de tensão, contidos e explosivos não no sítio certo, mas no sítio justo (não é certo, não é errado, não é bom nem mau. É justo), aliados a um certo ritmo, em que as palavras e as posições não são um mero acaso (não me parece, por exemplo, que tenha havido espaço para improvisação, neste filme), e em que o som, não, a mera articulação de uma frase, é pensada ao limite, ao absoluto extremo. Tarantino, neste filme, é um meticuloso teórico.
algo parecido) que o essencial (e a força vital) do filme vem ao de cima: a percepção (aqui quase carnal) de que o século XX foi o século da Imagem e que, mais, foi o século do Cinema. É por tecer considerações sobre o uso da imagem em tempo de Guerra (ou fora dele) que o filme é fenomenal. E é verdade que foi, por algumas pessoas, considerado infantil nessa abordagem, mas basta ver com atenção alguns filmes panfletários, ou antinazis, da década de 40, para perceber que tal infantilidade, se acaso exista, é reflexo do factual e infantil reduto das nações ao cinema para se ilustrarem e propagarem mundialmente (e ressalvo, aqui, que o panfletarismo cinematográfico russo, no início do século, se construiu na base do analfabetismo do seu povo, por exemplo), o Cinema, a imagem, era de facto uma arma de guerra. É por isso certo dizer que o Cinema fez e desfez a 2ª Guerra, foi um dos campos de batalha, como pariu e matou Hitler (o look hitleriano veio de Chaplin e este destruíu-o em The Great Dictator), fez e desfez a sua imagem. Tarantino materializou isto, por assim dizer, tornou a imagem, carnal. Enfim, terminando, pode não parecer, mas o último filme de Tarantino é, além de divertido, deliciosamente complexo...
João Palhares
O que me leva, então, à forma e ao pensamento da coisa, e aqui é essencial reter dois nomes, Godard e DePalma. É por Tarantino idolatrar estes dois cineastas e por a eles se querer equiparar (e consegue, com este filme
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A Nightmare on Elm Street Samuel Bayer (2010, 95’)
A Nightmare Remake on Screen Quem não conhece o “papão” da luva de quatro lâminas? E quem nunca viu daqueles remakes desastrosos? Na última década o cinema comercial deparou-se com vários remakes, mas infelizmente foram poucos os que conseguiram transcender os precedentes. Numa tentativa de fazer renascer um dos maiores vilões do terror, tal como o realizador Marcus Nispel fez com The Tex as Chainsaw Massacre e Friday The 13th, o realizador Samuel Bayer, ligado particularmente ao vídeo documental e musical, decide fazer A Nightmare On Elm Street, a sua primeira obra cinematográfica e provar que os filmes de terror ainda conseguem assustar. Quando foi anunciado que Jackie Earle Haley ia ser o novo Freddy, nem tudo parecia ir num mau caminho, relembrando o seu papel de perverso em Little Children ou o seu desempenho de grosseiro no Watchmen. As cenas de terror que a plateia tanto anseia, são de facto as únicas onde há um gosto em comer pipocas. Mas não há muito a fazer quando o argumento é fraco e pouco ambicioso, que não traz nada de novo ao cinema. O filme está repleto de flashbacks forçados que só existem para explicarem a história, e cada cliché, é mais cliché do que o anterior. Para não mencionar a transparência das personagens, que não despertam qualquer interesse no
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espectador. Podem viver ou morrer, e dificilmente se sentirá falta delas no filme. O que mais desaponta neste filme é a falta de um mínimo de originalidade. O único crédito do filme vai para Jackie Earle Haley, que mesmo assim não chega aos pés de Robert Englund. Mas se este filme não conseguiu aterrorizar o suficiente talvez a sequela que já foi anunciada seja um pesadelo maior.
Cristiano Guerreiro
True Legend
Yuen Wu Ping (2010, 115’) O que dizer sobre True Legend? Que é um mau filme, que é um bom filme? O que aconteceu com o filme? Tr ue L egend era um dos filmes mais esperados dos últimos anos por parte dos fãs de filmes de artes marciais e como é que podia não ser? Era o regresso do mestre Yuen Wu Ping depois de 14 anos sem realizar nenhum filme, apenas trabalhando como director de acção e coreógrafo de lutas, que aliás lhe valeram o reconhecimento mundial ao coreografar as lutas na trilogia Matrix, Tigre e o Dragão, Kill Bill entre outras produções de Hong Kong e Hollywood. Ainda este ano Wu Ping foi homenageado pela sua longa carreira no Fantastic Fest em Austin, Texas. True Legend é a historia de Su Qi-Er (Vincent Zhao), general que decide sair da vida militar dedicando-se à sua família e a criar o seu estilo de arte marcial, plano que é interrompido pelo seu irmão adoptivo Yuan Lie (Andy On) que decide vingar-se do pai e de toda a família menos irmã e sobrinho. O filme abre da melhor maneira possível, com uma batalha liderada por Su Qi-Er, o principal general do exército do senhor feudal que está cativo por outra facção. A cena passa-se dentro de um gruta - a coreografia e a maneira como esta é filmada é mesmo muito boa - e apesar de haver planos claramente condicionados por causa do uso de 3d, não estragam o espectáculo que se está a passar em frente aos nossos olhos. A decisão de pôr o filme em 3d é no mínimo estranha e até um pouco suicida, pois o filme foi filmado normalmente e depois convertido,
algo que alguns estúdios Norte Americanos também fazem. Porém o resultado não é muito bom - e isto com a tecnologia e recursos financeiros muito mais elevados - em True Legend, diz quem viu em 3d, a coisa é mesmo muito mal aplicada, apenas as lutas são em 3 dimensões, mas aquilo que poderia ser uma mais valia é uma estucada fatal na qualidade do filme. A primeira luta entre Su Qi-Er e Yuan Lie à beira das quedas de agua é fantástica, como aliás a maior parte das restantes lutas até à que deveria ter sido a final, mas que infelizmente não foi: a luta treino com o Deus do Wushu (Jay Chou) - que vai ser Kato na adaptação ao cinema de Green Hornet - e Old Sage (Gordon Liu) Pai Mei de Kill Bill. A partir daqui a qualidade do filme decresce pois o cenário é a maior parte em CG e na verdade fica um pouco aquém em qualidade, as coreografias são um pouco mais contidas do que as outras. Mas esta mania de usar CG como nas produções de Hollywood nos recentes filmes de Hong Kong para supostamente aumentar a qualidade do filme está ainda muito longe de ser verosímil. Se esse é o padrão na maior indústria não o deve ser noutras, ainda mais quando não se tem a mesma quantidade de dinheiro. Uma das melhores coisas do cinema de China/Hong Kong é a construção de cenários de época cheios de detalhe que dão uma verosimilhança abismal ao filme, mas que poucos realizadores hoje em dia parecem preferir em relação ao CG, e com muita pena minha Gordon Liu não lutou. (Continua na página seguinte)
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Em suma, o filme perde pelo seu argumento muito mal construído pelo sr. To Chi-long (Fearless), onde todo o terceiro acto não deveria existir, onde mais um vez se volta a uma batalha entre lutadores estrangeiros contra os chineses, algo que foi explorado bem melhor durante os anos 90 e tem sido algo demasiado recorrente noutros filmes de artes marciais recentes mas que não traz nada de novo. A inclusão de breakdance no
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Drunken Fist (estilo de luta) é um anacronismo interessante mas que é pouco usado, com apenas um luta boa, que podia ter sido ainda melhor não fosse o uso de CG totalmente desnecessário. O filme podia ser muito bom, não tivesse existido a terceira parte. Assim é apenas razoável.
Ivo Brito
Un Prophète
Jacques Audiard (2009, 155’) O que é que acontece a um jovem rufia francês de origem árabe quando vai parar à prisão? Este é o ponto de partida para o filme mais recente do realizador francês Jacques Audiard. Malik não é o que se costuma considerar um indivíduo muito inteligente, mal sabe ler e anda constantemente a meter-se em sarilhos com a justiça. Até que eventualmente faz algo que lhe custa 3 anos de encarceramento, sendo que o momento que ele entra para a prisão é a primeira vez que nós, os espectadores, o vemos. A câmara mantém-se sempre muito próxima ao protagonista, o que, aliada à magnífica fotografia de tom frio e sombrio, cria logo uma sensação de claustrofobia mas também de uma surpreendente intimidade para com a sua situação. Mal o conhecemos, ainda não sabemos que ética ou por que padrões morais ele se rege, mas o filme obriga-nos a imaginar como seria estarmos naquela situação ao vê-lo mover-se solitariamente pelos vários cenários prisionais. Depois de algumas situações em que vemos Malik como uma vítima sem qualquer liberdade de escolhas, ele encontra um lugar estável mas algo indigno como escravo do líder mafioso César Luciani. É neste ponto que o filme começa a avançar numa direcção inesperada. Em vez de ser mais um filme passado numa prisão com um protagonista “bonzinho” a ultrapassar vários obstáculos e suportar a vida prisional até sair ou escapar, a narrativa segue o caminho da corrupção, ou seja, o protagonista é corrompido por todo o crime que existe à sua volta, mas também
evolui e depressa aprende a usar os “truques” que observa no seu dia-a-dia para seu próprio proveito. Malik trabalha para si próprio, como ele próprio refere várias vezes ao longo do filme quando confrontado com o facto de ser um árabe a trabalhar para os corsos, e surpreende todos, incluindo os espectadores, com a sua esperteza. Eventualmente vemos a sua ascensão criminosa (brilhantemente interpretada por Tahar Rahim). Toda esta jornada é contada de forma muito séria e realista, de câmara à mão, sempre próxima do protagonista, de forma lenta e sem entrar em exageros. Uma escolha interessante da parte do realizador para mostrar a evolução emocional do personagem é a inserção de certos momentos oníricos que contrastam com o realismo do resto do filme, não descredibilizando o resto do filme mas sim enriquecendo-o, ou seja, o filme não tenta apenas retratar a história de forma realista mas tem também uma abordagem artística muito pouco presente na maior parte dos filmes deste género. Não é um filme que agrade a todos pois, embora tenha alguns aspectos de filme comercial, classifica-se melhor como um filme de autor. O ritmo mais lento, o facto de ter quase 2 horas e meia de duração e não ter actores muito conhecidos são outros factores que podem afastar um público mais generalizado. Uma coisa é certa, este é um filme sobre o crime e a máfia que se sustenta sozinho, que não precisa da referência de outros filmes. Ao contrário de muitos outros filmes sobre esta temática que tentam (Continua na página seguinte)
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mortalizar os espectadores e mostrar quem é o herói e o vilão, este filme não faz isso. Tudo se encontra na área cinzenta entre o bem e o mal e nunca chegamos a odiar nenhuma personagem pois percebemos por que agem da maneira que agem. Claro que o facto de todos os actores estarem perfeitos nos seus papéis ajuda imenso, com especial destaque para Tahar Rahim e Niels Arestrup nos papéis de Malik e César, respectivamente.
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No fundo, acho que este é um daqueles filmes que se tornará um filme de referência.
Daniel Rodrigues
Whatever Works Woody Allen (2009, 92’)
Woody Allen regressa à sua cidade natal, a sua musa de inspiração, que lhe dera tanta fama e reconhecimento com, por exemplo, Annie Hall e Manhattan. Em Whatever Wo rks, o génio de comédia perspicaz e sofisticado de Woody Allen, continua, no entanto o show é completamente de Larry David. Larry David, nome conhecido como criador da série Seinfeld ou como protagonista de Curb Your Enthusiasm, tem uma maneira especial de representar. Servindo-se das suas próprias ideias e traços de personalidade, faz uma crítica a certos costumes e etiquetas da sociedade, ao mesmo tempo que apresenta em si mesmo uma pessoa individualista, rancorosa e, quiçá, atormentada pelo mundo que o rodeia. Facilmente descobrimos estas características em Whatever Works. Com frequentes quebras da fourth wall (quarta parede em português, tradução literal), este volta-se para o espectador, qual objecto da sua solidão no mundo, como se a falar sozinho, queixandose dos problemas que o atormentam. Um estudo sobre o individualismo, da decomposição do ‘eu’ ao nível mais extremo, onde a noção da vida que sociedade em que vivemos define aparece, sempre, criticada e explorada. Como trabalho, digamos, anárquico e ateísta, Woody Allen foca-se no maior realismo possível, ao passo que nos apresenta histórias de esplendor cinematográfico e, ao mesmo tempo, de cariz apelativo e algo
neurótico (o adjectivo que melhor satisfaz a caracterização de Allen, em pessoa), citando o romance entre um homem muito mais velho e uma rapariga de pouco mais de 18 anos (à partida, um tipo de amor logo chicoteado pelas etiquetas sociais), um outro em que aparece em cena uma ménage à trois (já usado em Vicky, Cristina e Barcelona) e outro, em que, um homem totalmente conservador, republicano e tradicional, acaba por se “converter” à homossexualidade. Seguindo esta linha de pensamento, é óbvio traçar o objectivo de Woody Allen. Escolhendo nada mais nada menos que Larry David (obviamente que único para este papel), cria aqui uma comédia arriscada para a audiência mais, digamos, normal, sendo uma comédia crítica, sofisticada (à boa maneira do seu realizador) onde o espectador também toma um papel essencial na história. Concluindo, a minha nota final a este filme não reflecte o seu valor final nem tão pouco rege a filmografia extensa deste auteur mas, simplesmente, o ser um bom filme de comédia, um romance diferente e um estudo social interessante. Recomendado a todos aqueles que têm por gosto ver os filmes do Woody e, está claro, aos que preferirem uma comédia inteligente àquelas narrativas-modelo a que Hollywood nos habituou.
João Pedro Tomás
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Lola
Brillante Mendoza (2009, 110’) Este filme de Brillante Mendoza, realizador filipino, esteve nomeado para o Leão de Ouro no Festival de Veneza do ano passado e ganhou vários prémios em festivais mundo fora. Nos primeiros minutos do filme ficamos na dúvida se estamos perante um documentário sobre uma avó de uma família pobre no centro da capital das Filipinas, Manila, que atravessa uma situação difícil, a morte de um neto. O estilo realista, com a câmara à mão a acompanhar de perto as personagens e a naturalidade dos actores a mover-se num meio que nunca duvidamos ser o seu, ou até alguns breves olhares das crianças ou de transeuntes em direcção à câmara, levam-nos a pensar nisso. Mas não, estamos sim perante u m magnífico filme sobre a história de duas avós (Lola em filipino significa avó), cujos caminhos se cruzam pelo facto do neto de uma ter morto o neto da outra. Mas de início acompanhamos apenas a avó Lola Sepa que perdeu o neto mais novo, quando este foi assaltado. O seu quotidiano e as suas deslocações pela cidade, para tratar dos preparativos para o funeral do neto e apresentar a queixa formal na polícia contra o rapaz que o assassinou. Depois, começamos também a acompanhar o amor e dedicação de outra avó, a avó Lola Puring, que vende frutas e legumes de forma ilegal nas ruas de cujo neto está preso na Manila, cadeia por ter morto o outro num assalto. Esta tenta também, por todos os meios possíveis, conseguir que o neto seja libertado sob fiança. Tem outro neto que a ajuda, mas tem ainda de tomar conta do pai deste, que é deficiente e necessita de cuidados
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constantes. Ambas já com muita idade, frágeis, mas responsáveis pelas próprias famílias, tentam a todo o custo arranjar dinheiro, uma para dar um enterro condigno ao neto, a outra para libertar o dela da prisão. São duas vidas que se cruzam, e que apesar de lutarem por objectivos diferentes, têm muito em comum: o amor incondicional pelos seus netos e família. Ambas têm de lutar pela sobrevivência e das suas famílias, quer tentando pedir um empréstimo bancário, ou fazendo um peditório pelos vizinhos; quer fazendo uma longa viagem para fora da cidade para visitar parentes que possam ajudar com os produtos O filme vai que a agricultura lhes dá. alternando momentos mais dramáticos e tristes, como aquele em que Lola Sepa vai comprar um caixão para o neto, e acaba por ver o corpo dele sem querer, emocionando‐se. E outros mais engraçados, que mostram a determinação de Lola Puring, que sem dinheiro, mas com ovos e batatas que a irmã que vive no campo lhe deu, paga a viagem ao taxista com as batatas e ainda consegue fazer negócio, vendendo os ovos na estação de comboio. Todo o elenco é constituído por não actores, excepto as avós, interpretadas por duas grandes vedetas do cinema filipino, Anita Lindo (Lola Sepa) e Rustica Carpio (Lola Puring). Mendoza recorre a um estilo de filmagem muito próximo do neo‐realismo italiano, com a câmara à mão sempre a acompanhar as avós, e a mostrar o quotidiano daquelas pessoas que vivem com muitas dificuldades e sem qualquer conforto, apresentando-nos uma obra de grande beleza
visual e humana, que está entre o documentário e a ficção. Filmado em Manila com um baixo orçamento, Mendoza leva‐nos a percorrer as ruas de Manila, sujas, sempre populosas, cheias de pobreza e com muita chuva (em época de monções). É um retrato actual e realista da sociedade filipina. Do seu estado social, político e judicial.
Rui Oliveira
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Classificações
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Legenda: AL: António Lopes CG: Cristiano Guerreiro DR: Daniel Rodrigues FC: Fernando Cabral IB: Ivo Brito JP: João Palhares JT: João Pedro Tomás RM: Ricardo Madeira RO: Rui Oliveira VS: Vasco Santos
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- Sente-se optimista ou pessimista em relação ao futuro do cinema?
- Pessimista. Por causa da palavra “audiovisual”. Robert Bresson
Futuro do Cinema João Palhares
Êxodos Dominicais David Ferreira
Videojogos e o Futuro do Cinema Iúri Silvestre
O Cinema do Futuro: Duas Adivinhações Luís Mendonça
O Que Será do Plano? Miguel Cunha
O Algoritmo do Futuro é um Vórtice Luís Nogueira
O Futuro do Cinema Rui Mateus
O Futuro do Cinema Português Vasco Santos
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Textos
Futuro do Cinema A Oeste Nada de Novo
Em que se pensa quando se fala no futuro do Cinema? Evolução tecnológica e de meios ou revolução de ideias e rupturas estéticas? Eu, reconhecendo que o Cinema é, talvez, a Arte mais intimamente ligada à tecnologia e sua evolução, não posso deixar de acreditar que só pode avançar como arte, através de ideias e do interior dos seus artesãos. Por isso, será sempre um erro acreditar que há futuro em Avatar. Por todas as suas naves e ETs, 3-Ds e câmaras de última geração, a montagem e a concepção de Avatar são,
ainda, a lição e o testamento de David Wark Griffith e Edwin S. Porter. Por todos os seus defeitos e virtudes, que serão poucas ou muitas, de opinião para opinião, em Avatar não há evolução, há continuação. Perpétua. De trás para a frente, é cinema mil vezes explorado e posto em prática. É passado, passado, passado e não é por se situar num planeta e futuro distantes que se deve reconhecer, nele, progresso ou inovação. Se mudará rotinas da Indústria, métodos de trabalho e afins, isso é outra história... é bem possível que sim.
Alors, quoi de neuf?
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O presente, no mínimo e bem vistas as coisas, apresenta-nos um dilema ético: na era da infindade das imagens – elas geram-se e multiplicam-se a cada segundo – como saber quais se qualificam como Arte? É este, se calhar, o desafio do novo Século, uma muito maior responsabilidade na avaliação e no pensamento das nossas imagens. Neste estado das coisas, perguntaria até se a banalização da “filmagem” (filmagem, hoje em dia, é um termo, e uma acção, exageradamente democratizado) não será algo a pôr em causa e a questionar, constantemente?; Terá o mero mortal o mesmo direito a filmar que Kiarostami? (claro que tem, é só uma questão de tentar ver a profundidade e gravidade das coisas que nos põe à frente). Imponha-se uma barreira ideológica, discuta-se isto o mais possível! Impor uma gravidade e uma responsabilidade. Nomeadamente em relação à televisão, que há já tempo demais deixou de questionar a ética e o valor das suas imagens, despindo o ser humano de
toda a sua dignidade e inteligência, a cada oportunidade. Como explicar, em suma, que qualquer programa português, em horário nobre, é um atentado à decência? uma só maneira de pensar, ver e filmar, a rejeição de todas as visões, por uma só defender. Ou que um contra-picado não é o mesmo que um picado e um plano geral, o mesmo que um grande plano? Obrigando os câmaras a ver e rever Griffiths e Murnaus? O futuro do Cinema, o futuro, o Cinema, tem que passar por um reconhecimento mínimo destas questões, ou antes acentuar esse reconhecimento, porque todo o grande Cinema é o da auto-reflexão e o do teste de limites. Um filme sabe que é um filme, fruto de uma equipa, fruto de uma Sociedade, fruto de uma História. Tentar desligar-se disto é tentar desligar-se de si próprio - é televisão (alguma televisão).
João Palhares
Êxodos Dominicais Num daqueles característicos êxodos dominicais ao Shopping, algures entre as 4 e as 5 da tarde, entrei dentro de uma Fnac abarrotada da curiosidade típica de jovens, famílias, idosos e... vagabundos. Como habitual, dirigi-me à secção dos filmes. Lá vi algo que me fez pensar não apenas em mim mas em toda uma nova geração que está a surgir e que quer fazer filmes. A secção era composta por 3 televisões com filmes em demonstração. Numa delas cerca de 5 adolescentes viam “Rede Social”, o mais recente filme de David Fincher. Soltando um ou outro grito estridente quando surgia Justin Timberlake, comentavam alguns factos sobre as nomeações aos Óscares. Na outra televisão estava em exibição “Senhor dos Anéis – Regresso do Rei”. Dois chefes de família e os seus respectivos filhos viam e comentavam a batalha que decorria. Descrente no que vê, um dos pais, o mais velho, afirma que não vai à bola com aquelas fantasias e que no tempo dele é que os filmes eram bons. O outro afirma que gosta da espectacularidade das batalhas enquanto ambos os filhos dividem a atenção entre o filme e as suas consolas portáteis. Na terceira televisão, a mais pequena, passa o último filme de Alain Resnais , “Ervas Daninhas”. Sentado em frente à televisão está um homem com longos cabelos grisalhos, barba comprida e desalinhada, sujo e com a roupa esfarrapada, um homem das ruas. Durante 5 minutos olhei para este quadro e imediatamente pensei na “comicidade” da situação. No mesmo plano encontro jovens concentrados no filme do hype, velhos a admirarem a espectacularidade de um sucesso
com poucos anos e um vagabundo perdendo a sua visão num cinema que, tal como ele, passa ao lado da maioria das pessoas. E esta é a questão que me preocupa. Acredito que tal como eu, vocês criadores têm qualquer coisa a dizer ao mundo, sentem a necessidade de compartilhar mas também superiorizarem-se perante vocês mesmos criando em cada filme um universo autêntico, pessoal e intemporal para toda a gente. É em cineastas como Alain Resnais que encontramos modelos de homens com esse nível de originalidade, que atingiram esse estatuto de “Homem Cinema”, capazes de criar obras universais e perenes. Na ingenuidade do meu pensamento, existe um desgosto e uma falta de compreensão perante o desprezo e a indiferença sofrida por cineastas que noutras décadas conheceram o sucesso. Em Godard encontramos um exemplo mais explícito disso mesmo. Um dos cineastas mais importantes na história da sétima arte, um nome que carrega consigo uma vasta fama, um sinónimo de cinema. Ainda vivo e no activo, lança este ano o “Film Socialism”. Depois de muito tempo de inactividade, lança agora um filme que não chega a maioria do público, que se perde em dois ou três cinemas dos grandes centros urbanos do país. Este texto não serve para exprimir qualquer tipo de revolta perante uma generalidade de público que, perdoem-me a presunção, vê em meia dúzia de nomeados aos óscares os melhores filmes de sempre. Não se espera do público uma afluência a estes filmes ditos “autorais”. Tento é entender o porquê de (Continua na página seguinte)
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um cineasta tão icónico como Jean-Luc Godard, uma pop star dos anos 60, lançar um filme e não existir qualquer tipo de buzz ou euforia à volta do mesmo. Será que durante toda a sua carreira, o que ele queria dizer ao mundo so fazia sentido ou só queria ser ouvido durante uma ou duas décadas? Os “temas” ou a “forma” dos seus filmes adequam-se a uma geração que já passou? Ou a evolução dos valores iconográficos da sociedade do nosso tempo já não correspondem ou encontram alguma ligação com a iconografia destes autores? Nesse caso, será preciso para Godard ou Alan Resnais morrerem para voltarem a reviver um efémero sucesso na actualidade. Será com a morte e a nostalgia das suas obras de sucesso que as actuais irão adquirir uma importância mais relevante? Talvez não. O que me apercebo é que existe aqui um grande paradoxo – apesar do sucesso universal morrer antes do seu autor, essas mesmas obras continuam intemporais. Enquanto estes autores continuam vivos, o êxito e a consequente perpetuação de obras como Hiroshima Mon Amour, Alphaville, Último Ano em Marienbad ou À Bo ut the so uf le, não chegam para convencer os responsáveis pela distribuição a fazer chegar as novas obras ao público.
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São cada vez mais frequentes as discussões e especulações sobre o futuro do cinema - o seu sucesso, as suas mutações, se a crescente tecnologia fará o espectador experimentar novas sensações, se a própria definição de cinema se terá perdido, ect. No entanto, antes de se tentar chegar ao futuro, devemos olhar bem para o passado e sobretudo estar atento ao que autores vividos têm para nos mostrar. É difícil, especialmente para quem quer criar e vê em alguns destes homens modelos, apercebermo-nos que chega uma altura em que o tempo vence e já são poucos os que estão atentos para ouvir/ver, quando o respeito ganho com uma carreira deveria falar por si mesmo. Como seria se John Ford, Howard Hawks, Visconti, Fellini, Buñuel e tantos outros artistas lançassem um filme hoje?
David Ferreira
Videojogos e o Futuro do Cinema Os videojogos, para além da diversão que oferecem, são uma maneira de contar histórias. Muito do que são hoje deve-se à influência do cinema. Num videojogo podemos experienciar uma história, ser a personagem principal e determinar as suas acções, embora estas sejam de alguma maneira condicionadas. São cada vez mais dotados de excelentes gráficos, bem como melhores modos de jogo e melhor qualidade nas histórias, nomeadamente nas personagens. O cinema influencia o videojogo, principalmente, no conto da narrativa. Em muitos videojogos são criados mini-filmes, as famosas cutscenes, muitas vezes em live-action, para ajudar a contar a história. Desta forma, os videojogos fazem uma espécie de “empréstimo” ao cinema para tornar o jogo num momento mais afectivo ou emocional. Muito franchising criado pelos videojogos surge nas cutscenes. Para o famoso realizador de cinema Steven Spielberg, o videojogo pode tornar-se numa arte de contar histórias quando um computador conseguir fazer o espectador chorar. O que Spielberg quis referir foi o facto dos videojogos usarem um sistema de controlo como um comando ou um joistick, que torna toda a interacção na história numa experiência artificial. Por isso, o realizador norte americano tem trabalhado, juntamente com a Electronic-arts e a Microsoft, numa tentativa de tornar um videojogo mais “real”, ou seja, tornar possível interagir de forma real num mundo virtual. Em vez de
carregar num botão para efectuar uma acção, fazêmo-la, simplesmente - dar um pontapé e ao mesmo tempo, no ecrã à minha frente, um boneco virtual estar a fazer exactamente a mesma coisa. O recente triunfo da Microsoft, o Kinect, é um avanço nesta matéria. Anteriormente, a Nintendo tinha lançado a consola Wii, pioneira na modernização do sistema de controlo em consolas. Este tipo de tecnologia, a captação de movimento. também é usada em cinema. Todos nós já vimos, em making-ofs, os actores ou duplos vestidos com fatos de licra cheios de “auto-colantes” em cenários verdes. Hoje em dia, os actores deparam-se com um novo método de representação em que têm que dar mais uso à sua própria imaginação. O mundo virtual é depois criado num processo semelhante ao dos videojogos. Estas duas indústrias, videojogos e cinema, estão a apostar em novas formas, ora na interacção com o público, ora na sua produção e, de certa forma, ambas trabalham em conjunto, usufruindo da evolução tecnológica.
Iúri Silvestre
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O Cinema do Futuro: Duas Adivinhações
Avat ar marca um ponto de mudança na história recente do cinema, que, no futuro, estou em crer, será posto em maior evidência: não só tem traduzido, como poderá mesmo constituir o princípio do grande naufrágio (usando um termo Cameroniano) das três dimensões; pelo menos, das três dimensões ao serviço de um cinema para as massas com ambições políticas ou filosóficas ou, no fundo, com substrato que chegue para conquistar a crítica certa, leia-se, a que guarda os portões dourados da Academia. A vitória do filme de Kathryn Bigelow na última cerimónia dos Óscares foi, na minha opinião, um sinal do desconforto que aquele mastodonte high tech representava para a indústria. Avatar é mesmo como Titanic: a sua desmesura tecnológica acabará por se virar contra si mesmo. Os números não enganam – e é por eles que a indústria se pauta. A receita acumulada que os filmes em 3D têm gerado desde Avatar tem caído a pique: de 71% para 56% (The L ast Airbender) e 45% (D esp icable M e). Autores como Kristin Thompson começam a ver as suas profecias confirmadas: a história repete-se com o 3D a passar de “next big thing” a “gimmick desprezível”. O corolário disso é Piranha 3D, entretenimento despretensioso visto por Hollywood como uma espécie de bomba de oxigénio dessa tecnologia, mal dita por muita gente que não tem olhos, nem estômago, nem dinheiro para a sustentar. Inceptio n é, quanto a mim, em si mesmo, um argumento a favor dos cépticos do 3D: o filme de Nolan pega na ideia do duplo, ou
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avatar, e transporta-a para o mundo dos sonhos, em vez do mundo real/virtual, à la second life, de Pandora. Do ponto de vista temático, temos uma pequena inflexão, não particularmente mais substantiva, mas é na opção por não filmar em 3D que Nolan marca uma diferença em relação a Cameron. Cameron tornou o 3D num objecto temático; no fundo, é ele que carbura o vício do protagonista, preso “na realidade” a uma cadeira de rodas, de se projectar no corpo ágil de um Na’vi – o sonho húmido de qualquer viciado num role playing game virtual. O 3D é efeito alucinatório para ele, o “jogador” de Pandora, e para nós, o espectador que, na sala escura, se projecta naquele. Nolan não é tão actual e afiado – diria mesmo político ou, in toto, terrorista – como Cameron, mas faz da sua não utilização do 3D um verdadeiro statement nas barbas da indústria. Saltamos do virtual para a exploração dos sonhos ou para uma espécie de onirismo palpável que joga mais com a noção de profundidade vertical do que horizontal (o 3D). É num jogo quase primitivo com as diferentes camadas narrativas – “níveis” do sonho, como um videojogo, mas não exactamente isso… – que se faz a terceira dimensão da experiência de Inception. O seu grande efeito especial é este: a montagem em crosscutting, inventada há quase um século por D.W. Griffith. Trata-se também de uma remissão para o passado recente, na medida em que chama a si a arquitectura narrativa posta em abismo de um The Matr ix, o labirinto inter-divisões do Lynch de INLAND EMPIRE, a materialidade distópica
de um eXistenZ e as memórias induzidas de Strange D ays de, aqui está ela de novo, Kathryn Bigelow. Contudo, Inception constitui um passo em frente, quando, precisamente, inverte a marcha. Demonstração paradoxal do insucesso das três dimensões? Nolan fez de um blockbuster sobre as potencialidades narrativas do sonho (horizontalmente) bidimensional a primeira sentença de morte pós-Avatar do 3D. De qualquer modo, caso esta profecia não se confirme, tenho outra. Só vejo as três dimensões a vingarem – no fundo, a ganharem novo fôlego – graças a projectos como o que Robert Zemeckis tem encabeçado. O realizador de A Christmas Carol tem feito do casamento das tecnologias state of the art do digital (motion capture) com as três dimensões uma espécie de interpretação levada à letra daquilo que Bazin um dia designou por Cinema Total: filmes, em continuum e em profundidade, realmente sem actores, sem décor e mesmo sem câmara. Um cinema in absentia, que, por muito que nos assuste, é possível.
Luís Mendonça 13 de Outubro de 2010 Doutorando em Cinema e Televisão na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH-UNL)
Bibliografia: •BAZIN, André, O que é o cinema?, Lisboa, Livros Horizonte, 1992; •KEHR, Dave, «Robert Zemeckis “A Christmas Carol”», 1 de Novembro 2009, in: http://www.davekehr.com/?p=432; •THOMPSON, Kristin, «Has 3-D already failed», 28 de Agosto 2009, in: http://www.davidbordwell.net/blog/?p=5334; •LOPES, João, «Cinema 3D: luz e sombra», 25 de Julho 2010, in: http://sound-vision.blogspot.com/2010/07/cinema-3d-luz-e-sombra.html.
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O Que Será do Plano? Falando-se em coisas virtuais e maleáveis, mundos construídos por efeitos especiais, o cinema dependente da sala e dos magos da pós-produção, pergunto: O que será do plano? O que será da unidade mínima dos filmes? O único testamento e prova, pela parcela de tempo que durar, de que o que estamos a ver é verdade. Uma personagem, ou duas ou três, não interessa, inserida num espaço. Vemos o que faz, vemos para onde olha, o plano dura o que durar para nos captar essa atenção e esse interesse, o de olhar para alguém nalgum sítio, numa dada situação. Há uma palpabilidade inerente, uma verdade, se assim se quiser dizer. Uma aproximação. Pureza, se a aproximação doer. Falemos de épicos, por exemplo, já não podem ser (e não são, de facto) a coisa que eram. Não com multidões digitalizadas, cidades virtuais e efeitos à mistura. É mais barato fazê-lo assim, mas nunca há de ser a mesma coisa que ver centenas de pessoas dirigidas por uma equipa, seja em Ben Hur, L and of the Pharaohs, Lawrence of Arabia, entre outros, onde há uma proximidade genuína, verdadeira (um esforço titánico), em vez de uma quase que imposta e portanto falsa. Se há coisas que Lo rd o f the Ri ng s não tem, são batalhas. Parte da magia do épico, o épico do épico, se quisermos, era também a orquestração de cenários e multidões, para os quais eram precisas também multidões, ora pois. Já não é preciso ir para África ou para a Ásia, para quê? Filma-se em tela verde. O Coppola pode pregar quanto quiser sobre isto poder ser, finalmente, a aproximação do realizador ao escritor, o CGI como caneta, mas é a destruição de todo um pensamento, de todo um método de aproximação ao que é palpável, ao que é carnal, ao que é sincero.
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Pôr um actor a contracenar com um pano
verde é tornar a primeira verdade do plano, a do espaço, mentira. A câmara não o capta a ele (ou ela) e ao espaço, mas aos dois em separado, enfim, toda a gente sabe como funciona. Se o cinema é a única arte que se dedica à relação entre o Homem e o Espaço (herança que data já do mudo – Chaplin, Keaton) que ao menos não haja mentira nessa relação. É ser purista, é ser atrasado. Não. Há maneira da coisa funcionar, até já se fez, mas noutra arte, o Teatro, em que a relação Homem/Espaço é já mentira, de partida - e não há, parece-me, como fugir a isso, a não ser que se jogue com o próprio contexto, no momento, in loco. A tela verde é perfeita para o teatro. É um mundo novo, à espera de ser descoberto. Em L'anglaise et le duque, Rohmer prova isto, que só é possível cenários artificiais, no teatro, em que parte da interpretação do actor está em imaginar que está num dado sítio, explorando ambivalências e extremos interessantíssimos. É dos melhores usos do digital, da tela verde e dos efeitos (que, acreditem ou não, são recorrentes desde o mudo), pessoas a passear por frescos impressionantes, belíssimos, de um tempo longínquo, durante a Revolução Francesa. É pesado, é teatral – sem insulto algum, aqui, da minha parte – e os efeitos não são forçados. L 'ang lai se et le du que e L ord o f the Rings, teatro filmado (com as distâncias devidas), O Quinto Império e Land o f the Pharaohs, cinema. Como sempre e como qualquer pessoa, acredito nisto até deixar de acreditar. É sem-
Miguel Cunha
O Algoritmo do Futuro é um Vórtice Se pudéssemos determinar o algoritmo do futuro, talvez pudéssemos perceber como o cinema se sonha (e sonhou) a si próprio; como sonha o humano; o que será quando for abandonado; como lhe faltará o que abandonou. Se pudéssemos fazê-lo, sentir-nos-íamos mais seguros. Desenharíamos o arco total, o alfa e o ómega, a ontologia e a revelação. Parte do algoritmo possuímo-la de há muito, numa fórmula breve e eterna: fita lux. Então, logo ali se inventou o futuro cinematográfico. Primeiro teológico e depois tecnológico. Depois escatológico. Hal 9000, Blade Runner, Terminator, Matrix. Mas só houve um dia em que a terra parou… Se pudéssemos determinar o algoritmo do futuro, ultrapassaríamos todos os paradoxos e aporias. Não precisávamos de (re)inventálo constantemente. Porque, afinal, quantas vezes podemos inventar o futuro? Podemos ser novamente futuristas, extáticos de entusiasmo modernista? O futuro já foi inventado – ou não? Temos de aceitar a fatalidade, a dificuldade, o desafio e o paradoxo ontológico: inventamos futuros já inventados. Paralelos, sobrepostos, reiterados. Então, a dificuldade é definitiva: nunca esgotamos o futuro e nunca o cumprimos. Nenhum (neo-)messias nos salvará de um trabalho de Sísifo. Se não encontramos esse algoritmo, não nos peçam profecias.
•O cinema será um firmamento digital que se apagará. A tecnologia em três etapas: ela espanta, automatiza-nos, depaupera-se. Agora, o futuro está inscrito no ciberespaço como antes estava escrito nas estrelas. •O futuro do cinema não voltará a ser pedagógico: as massas educam-se fora dele; nem Grierson nem Lenine se cumprirão. O cinema vai falhar a sua camera-stylo. •O comércio e a indústria não passam pelo cinema. Há muito mais em (vídeo)jogo. •O cinema desaparecerá antes de crescer e se legitimar como arte. Esforçado, a pulso, em conflito, nunca ganhou. Inseguro, inglório, indecidível: nem cinema puro, nem cinema de síntese. Cinema-elegia. •O cinema cumpriu um papel cultural. Já não o faz. Cumpriu um destino bárbaro por mais de uma vez. Ainda bem que já não o faz. Antes Barbarella do que barbárie. O cinema resta como património, não como profecia. Já em extinção? Ou ainda a memória, toda a memória do mundo? Dispensemos as profecias, mas idolatremos os videntes: Retornemos aos Lumière e a Méliès. O cinema escolheu o segundo. Os primeiros escolheram o mundo. Por isso, o cinema ficará para sempre a resgatar a sua consciência. A tentar redimir a realidade. Ou esculpir o tempo. Cinema verdade. Verdade directa. Directos à realidade. Realidade que redime o cinema. Teologia? Fé? Ética? O cinema também pode ser um compromisso. As coisas estão aí, para quê manipulá-las? Pode suspender o tempo para que possamos (Continua na página seguinte)
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observar o mundo. Para que tenhamos tempo para o mais exigente trabalho: esperar o inesperado. Então, recuperámos o cinematógrafo. Em realidade paralela: Méliès foi o primeiro a inventar o futuro no cinema. Viajou à lua, à boleia de Wells e Verne. A ciência entrava na ficção ao mesmo tempo que o cinema entrava na ciência ao mesmo tempo que a ficção entrava no cinema. Foi o primeiro a inventar o futuro do cinema: nenhuma imagem é uma simples imagem porque toda a imagem acumula fantasmas. Truques. Engodos. Fantasias. Delírios. Mediações, se quisermos ser académicos. Para Méliès o cinema era: os olhos do espanto e os momentos de ternura. E uma gravura do futuro num passe de mágica. Para os Lumière era uma invenção sem futuro. Veredicto soturno. Saturno, o devorador da progenitura. Mas a teoria tentaria sempre resgatar o seu legado: todo o cinema estava já numa chegada de um comboio ou na saída de uma fábrica. A imagem-tempo, então. Mais do que isto – o tempo, a solenidade, o mundo – seria decadência no cinema. Porque decai o cinema? Porque está ele sempre em questão, em perigo, cinecrologia? Como resposta, nenhum algoritmo, mas um lamento: porque não existe um amor universal, incondicional, pelo cinema. De ninguém. Todo o espectador é um crítico, um cínico. Ai, o remorso do hedonismo! Ai, o prazer da culpa! Como sentir prazer ou amor por uma máquina da barbárie, da atrocidade? Foi então, depois da noite e do nevoeiro, que desistimos do imaginário. Que nos expurgámos do sadismo indesculpável, do voyeurismo despudorado.
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É assim que sentimos (ou que preenchemos) o vazio da tecnologia: com a utopia que empurra o cinema para o futuro. Mais dimensões, mais efeitos, um cinema total. E o que perdemos? A nostalgia dos lugares, o afecto dos rituais, dos relicários de artefactos, de divas e galãs. O cinema-paraíso. Então, sentamo-nos e choramos. Felizmente, não nos angustiam as contaminações. Uma máquina de promiscuidades, é isso o cinema. Wagner. Uma síntese de todas as artes, não se disse? Mas nem todos queremos todas as artes no cinema. Alguns querem apenas a ontologia. O ser sem mácula do aparato cinematográfico. Se assim é, devemos esvaziar o que foi preenchido: um plano, duas dimensões, 3D, quarta dimensão (o tempo), cinco sentidos (a utopia), sexto sentido (o twist), sétimo selo, sétima arte, oitavo passageiro, oito e meio, a nona porta para 2001 viagens. Retiremos tudo isto: o cinema já foi puro, mudo ou surdo, já foi stereo, já foi noir, já foi technicolor, mais dia menos dia será pantone e/ou vectorial. Falta-lhe ainda o estádio metafísico, o cinema invisível que nos espera lá em fundo, no infinito, no greenscreen da mente ou no azul de Jarman, essa fotogenia derradeira que nos subtrai todo o excesso e ruído. Que nos mostra a moral do cinema. Que nos conduz do solene ao ínfimo. Do ínfimo ao íntimo. Ou do íntimo ao ínfimo. Akerman. Então, sentamo-nos e choramos. No cinema há um mercado. Vendem-se palíndromos e logomaquias. E outros arabescos intelectuais. Pior do que vender pipocas. As palavras e as imagens hão-de ser trânsito, arma, comércio. Por vezes endinheiram a banca, por vezes empobrecem a mente. Se o cinema foi pobre e é pobre, não foi por vender sonhos a nickel.
É porque não pode escapar-se a essa condição: ele é a língua escrita da realidade e a realidade está sempre em crise. Podemos subtraí-lo à miséria: Kiarostami. Podemos remediá-lo: cinema indie. Mas nada podemos contra… o blockbuster. Para alguns… o cinema redimiu a realidade… redimiu o cinema… para outros. Entre idolatrias, palíndromos e logomaquias, alguma verdade perpassará. Mas se formos cépticos, sentamo-nos e choramos. Redimir a realidade é mostrar a verdade possível das pessoas. Pode ser que seja. Mas quais são as verdades do cinema? A verdade possível das personagens. A verdade possível dos actores. A verdade possível dos modelos. A verdade possível dos espectros. A verdade possível dos avatares. A verdade possível dos vampiros, e dos zombies, e dos robots, e dos brinquedos, e dos desesperados. Ou a verdade, ponto. Palavra. O verbo feito carne. Ordet. Será que a verdade surge quando deixamos de dirigir actores, de dirigir espectadores e passamos a dirigir forças? Nem Eisenstein nem Cassavetes nem Hitchcock. Só no controlo de forças encontramos a verdade possível do humano. Freeze-frame sobre a alma. Simetria ética. O bem e o mal. Breaking the Waves. A verdade sacrificial. O humano já foi grandioso, foi essa a sua medida. Ou terá sido o cinema a glória de todas as coisas? As coisas ao nível do nosso olhar? O olhar à medida da nossa escala? O picado e o contra-picado foram uma nova escala? Construtivista. O zenital é o mundo. Abstracto. Vertov, vertigem. De estilo. O estilo é o homem e o homem é a medida de todas as coisas. O cinema vê mais e vê melhor que o homem. E o videojogo vê mais e melhor que o cinema. Mas não vê o humano: o invisível, o insuspeito e o complexo. E o micro. E um dia o nano. E depois o
hiper. E depois tudo se desvanece em niilismo: por fim o cinema desaparece, e com ele o homem. Então, não nos sentemos. Recomecemos, porque o estilo chegou ao videojogo. O cinema desaparece-nos a todo o instante. É melhor assim. Tem que ser assim. Temos que desistir para resistir. Não seria a primeira vez. Desistimos da câmara para animar e imaginar a matéria. Filme directo. Dependurámos e atirámos a mente com a câmara. Pêndulo, turbilhão. Abel Gance, esse visionário, um dos happy few. Abandonámos epifanias. Abel Gance, esse injustiçado, obliterado. A era da imagem chegou, foi ele que disse. Abandonámo-la e trocámo-la pelo som. Words, words, more words. As escadas de um palácio na mente em Sunset Boulevard of broken dreams. Acto de contrição por fazer, tardio, desesperado. Mas ainda não desistimos do cinema, ainda o queremos redimir. Teremos de forçar e arrastar a máquina e a mente, outra vez, nas malhas da tarde, Maya Deren. Ou controlá-las até que desapareçam. Até ser esquecida a mente na máquina e a máquina na mente. Até que o cinema desista de nós. Até que voltemos à era do super-homem; se não de Nietzsche, pelo menos Kal-El, ou o Dark Knight, ou Hal 9000, ou Wall-e. Ou X-Men. O factor-x: MarX. Karl, o comunista, Groucho, o anarquista, Cristo, o marxista de um evangelho arenoso, rude. Até que voltemos a um acto de primavera. A um enésimo cinema do mundo. S o y Cuba. A Freud. A um enésimo cinema da mente. The ultimate Inception. Perdemo-nos irremediavelmente em labirintos l’année dernière (f)/somos máscara e silêncio. Persona. A nova era da imagem trará o super-homem? Já não será o cinema a fazê-lo. (Continua na página seguinte)
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Serão outros avatares. Não Pandora, mas pangeia: os novos avatares da mente, um novo continente. Não Hollywood nem Bollywood. Já nem Eastwood. Não será sci-fi, pois o futuro nunca se cumpre. Não por pressa, mas porque a realidade é sempre um futuro alternativo, a acontecer agora, multilinear, não-linear, que alguém está a inventar… ou a sabotar. Por vezes alien, por vezes íntimo. Por vezes infância eterna: starchild, para o infinito e mais além. Por vezes infantilidade: star wars, a guerra fria, as estrelas da guerra. Para lá do infinito só consigo ver um fundo verde ou azul. Virtual. Potencial. Digital. Outrora, o cinema foi de estúdio, de estudo, de Estado. Agora será binário no código, database na gramática e labirinto da hermenêutica. Mise en scene: esgotada. Mise en abîme: muito cool. O futuro é e será o ecrã verde da mente. Verde-flanela. O trompe l’oeil. Ou verde-natureza. O eterno retorno. Qatsi. Níveis sucessivos, camadas sobrepostas. Sonhos dentro de sonhos. Este é o seu espaço. O tempo será alongado, prolongado, abreviado, cifrado, decifrado. O mundo ainda e já não pode ser descrito e explicado pelo cinema. Ainda e já não podemos escolher: Bazin ou Morel. Um cinema total e impossível: geométrico para ser ontológico; ontológico para ser relevante; relevante para ser humano. Um cinemacaleidoscópio, que nos emociona: Imi tation of Life; que nos ilumina: Iluminati, o olho que tudo vê. Admirável mundo novo. Um algoritmo que será um vórtice. Melhor assim…
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Luís Nogueira 22/10/2010
O Futuro do Cinema Não são poucos os rumores que se ouvem sobre o fim dos cinemas, rumores estes fundados especialmente no aparecimento de novas tecnologias que nos permitem novas e diferentes experiências, como os videojogos e especialmente no fácil acesso que temos a filmes desde nossa casa através da internet. Ainda que em toda a história do cinema a internet e os downloads ilegais destes produtos sejam a forma de distribuição menos proveitosa para os estúdios, estas profecias do fim do cinema têm vindo a aparecer desde a invenção do VHS, aliás, na altura em que este formato surgiu, vários estúdios tentaram processar a Sony para que os leitores e as cassetes nunca chegassem a sair para o mercado, mas obviamente falharam. Mais tarde consolaram-se por poder tirar proveito dos alugueres e vendas de videocassetes. Possivelmente o cinema irá continuar por muitos anos a ser algo próximo do que é hoje, todos os avanços tecnológicos como o 3D acabarão por se diluir como o som e a cor há muitos anos atrás. A razão fundamental por trás disto é existir algo que nos chama para essa experiencia colectiva do cinema, trata-se de uma experiencia cultural colectiva, que é algo que não podemos ter sozinhos em nossa casa a olhar para a televisão ou ecrã de computador. A indústria cinematográfica não está em risco, actualmente, e Hollywood continuará muito provavelmente a ser o centro universal de cinema. O que se encontra actualmente em risco são as distribuidoras em grande parte devido ao surgir progressivo dos cine-
mas digitais, pelo que deixarão em breve de ser necessárias as velhas bobines e os filmes passarão a ser exibidos em formato digital, que tem múltiplas vantagens em relação á fita, apesar de se perder aquela magia nostálgica, ganha-se a possibilidade de se estrear simultaneamente um filme em todos os cinemas sem ter que esperar que viaje meio mundo, e com isto vem também a vantagem de não termos que levar com as fitas danificadas dessas mesmas viagens e centenas de exibições, nós que temos que esperar sempre imenso tempo pelas estreias. Para além disso, os estúdios actualmente estão a pensar contornar completamente as distribuidoras mesmo no mercado para uso privado, como lojas de DVDs ou clubes de vídeo, passando a executar vendas online dos filmes em formato digital, alguns dos estúdios planeiam não vender os filmes mas fazer uma espécie de aluguer em que teríamos de pagar para cada vez que quiséssemos ver o filme, coisa que não ia agradar a grande parte dos consumidores. O cinema português, será que este está próximo do seu fim? Nos últimos tempos têm sido feitos alguns esforços por colocar nos nossos cinemas algumas produções nacionais, o que de facto faz bastante sentido, afinal o que é português merece o nosso apoio, antes de mais porque o cinema português não é tratado como o cinema americano, logo, se não é visto em Portugal muito dificilmente será visto noutro sitio. Mas este cinema nacional ao qual temos ocasionalmente acesso nos comuns cinemas comerciais sofre de uma forte americanização, estes filmes são tão portugueses como
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um boné de basebol com uma inscrição a dizer Portugal. Os próprios cinemas foram importantíssimos nesta transformação do cinema nacional, sendo que não existe praticamente nenhuma outra opção senão um filme americano ou americanizado mainstream, estes facilmente se traduzem numa influência relevante dos jovens cineastas portugueses, é uma tendência crescente pelo que dificilmente se verá mudanças neste aspecto. Mesmo fora dos cinemas a buscar de filmes fora deste mainstream é desencorajada, até porque que para o olho habituado a filmes rápidos e cheios de explosões e uma série de outros aparatos é muito difícil ver um filme que fuja a esse género. A Cultura americana é nos dada de bandeja, é de fácil acesso e de facil digestão. É mais fácil ver um qualquer filme americano do que um português indo agora ao cinema mais próximo, e não será isso um pouco estranho estando eu em Portugal? Tomando como exemplo o mais famoso realizador português, Manoel de Oliveira, quando foi a ultima vez que um filme dele passou num comum cinema português? Porquê? Simplesmente porque é menos rentável. Não é o cinema grande parte da nossa cultura? Infelizmente, assim como a maioria das coisas, a única cultura que interessa é a que vende, a razão mais clara para a preferência pela exibição de filmes americanos é exactamente essa, são filmes de mais fácil consumo aos quais o publico adere facilmente… Não deveria a cultura ser algo diferente de negócio? Não devia a cultura ser algo especifico de um sítio e de uma forma de ser, algo que nos defina enquanto portugueses, franceses ou turcos? Vivemos, felizmente, numa época em que não nos temos que limitar àquilo que nos é oferecido nas lojas ou nos cinemas graças à
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gigantesca partilha de conhecimento e cultura que é a internet. E se um cineasta independente quiser mostrar a sua obra ao mundo não existe melhor plataforma, absolutamente sem custos de distribuição, e com chance de mostrar o seu trabalho por todo o mundo; talvez seja por ai que passa o verdadeiro futuro do cinema: Um cinema independente, não sujeito a pressões políticas ou estratégias de marketing de grandes estúdios. Deixo como sugestão e exemplo o filme Die Beuty da realizadora Stina Bergman, é um filme independente distribuído gratuitamente no website de torrents Pirate Bay, claro que fazer um filme tem os seus custos, pelo que é possível fazer doações a quem fez este filme para os ajudar a continuar o seu trabalho.
Rui Mateus
O Futuro do Cinema Português O futuro do cinema português depende tanto da gente do cinema como do público que vai às salas. É notória a rejeição que a maioria dos filmes nacionais provoca no espectador português. Para se chegar a um bom rumo no cinema de produção nacional, os responsáveis pelos filmes têm que criar obras mais estimulantes para o publico que não quer ir ao cinema apreciar um filme como uma obra de arte mas sim como uma obra de entretenimento. Porque filmes como obras de arte já nós cá temos e, digamos de passagem, são dos melhores a nível mundial. E o publico tem que se educar um pouco mais no que à área do cinema diz respeito, porque já sendo um habito nacional de não darmos valor ao que é nosso - e só quando um lusitano é reconhecido no exterior é que lhe damos o valor que ele já cá tinha. Então em relação ao cinema é demais o cepticismo em torno dos filmes portugueses. No que à parte técnica diz respeito, isto é, o uso da película ou o uso do digital, acho que a tendência da produção nacional é o uso do digital. Vejamos que os encargos financeiros que acarreta o uso de película são incomportáveis para um pais que de industria cinematográfica tem tanto como vacas, asas. Depois surge a questão de que “será que se pode chamar cinema a um filme feito em digital” porque muitos são aqueles que defendem que o cinema vai morrer com o desaparecimento da película. Bom para esses visionários da banheira pergunto se o que importa na arte é o material que usamos para materializar o espírito ou se o que importa é o aparecimento do espírito indepen-
te do material utilizado? Depois, caros leitores há o Instituto Cinema e Áudio-visuais, que monopoliza o tipo de cinema que se faz em Portugal. Sem esses senhores saírem de lá o cinema em Portugal não chegará a todos, continuará a ser apenas para alguns. Porque o que muitos não sabem é que são os senhores do ICA que decidem que filmes serão feitos em Portugal e é esta sigla que determina que filmes são distribuídos pelas salas nacionais. Em jeito de conclusão, acredito que um dia em todas as salas portuguesas estarão em cartaz pelo menos dois filmes portugueses por semana, e que o publico que se desloque às salas irá escolher ver o que é nosso porque têm confiança que passarão um bom momento a ver um filme nacional, e que até poderão escolher se querem reflexão ou entretenimento. Por isso auguro um bom futuro ao nosso cinema.
Vasco Santos
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"I'm sick to death of all that CGI shit. My guys are all real. If I'd wanted all that computer game bullshit, I'd have gone home and stuck my dick in my Nintendo. This CGI bullshit is the death knell of cinema." Quentin Tarantino
A Década A última década, a primeira deste milénio, que começa em 2001 e acaba em 2010, foi bastante pobre, diga-se. Não que não houvesse muitos bons filmes, que houve, mas porque se assistiu à continuação da decadência de uma Indústria, a norte-americana, e à de outra indústria, mais respeitável mas não menos mentirosa, a de autor. Decadência de outros valores que não os puramente financeiros, porque nesses estão, parece-me, muito bem e recomendam-se. Valia muito a pena discorrer sobre isto, interessante também, mas por agora, e para o
propósito desta introdução, digo só que o mainstream americano é cada vez mais autoral e o cinema de autor europeu, cada vez mais mainstream. Não há é muitos cineastas em algum desses “nichos”, o que é pena. Entre os cineastas, Anderson (os dois, Wes e Paul), Argento, Bergman, Bong, Carax, Carpenter, Canijo, Costa, Cronenberg, De Palma, Eastwood, Field, Gray, Herzog, Kiarostami, Kitano, Lumet, Lynch, Malick, Mann, Monteiro, Moretti, Oliveira, Polanski, Rivette, Rohmer, Skolimowski, Svankmajer, Tarantino, Tarr, Van Sant, haverá mais por ventura...
Filmes da Década
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António Lopes:
Daniel Rodrigues:
Le Fabuleux Destin de Amélie Poulain (Jeunet); A Viagem de Chihiro (Miyazaki); Irreversible (Noé); Dogville (Trier); The Descent (Marshall); El Laberinto del Fauno (Del Toro); No Country for Old Men (irmãos Coen); Let the Right One In (Alfredson): Gran Torino (Eastwood);
Inception (Nolan); Snatch (Ritchie); Le Fabuleux Destin de Amélie Poulain (Jeunet); A Viagem de Chihiro (Myiazaki); The Lord of the Rings (Jackson); Cidade de Deus (Meirelles); Irreversible (Noé); There Will be Blood (Anderson); Lat dem Ratta Komma in (Alfredson);
Cristiano Guerreiro:
David Ferreira:
Donnie Darko (Kelly); A Arca Russa (Sokurov); A Viagem de Chihiro (Miyazaki); Cidade de Deus (Meirelles); Irreversible (Noé); There Will Be Blood (Anderson); The Dark Knight (Nolan); Let the Right One In (Alfredson); District 9 (Blomkamp); Lebanon (Maoz);
Adaptation (Jonze); Dez (Kiarostami); Dolls (Kitano); Saraband (Bergman); Letters from Iwo Jima (Eastwood); Before the Devil Knows You're Dead (Lumet); There Will Be Blood (Anderson); Cztery Noce z Anna (Skolimowski); Inglourious Basterds (Tarantino); Mary and Max (Elliot);
Fernando Cabral:
João Pedro To más:
Lost in Translation (Coppola); Old Boy (Park); The New World (Mallick); Letters from Iwo Jima (Eastwood); 4 meses, 3 semanas e 2 dias (Mungiu); The Darjeeling Limited (Anderson); There Will be Blood (Anderson); Cztery Noce z Anna (Skolimowski); Synecdoche, New York (Kaufman); Wall-E (Stanton);
Donnie Darko (Kelly); Cidade de Deus (Meirelles); Sin City (Rodriguez); The Departed (Scorsese); Letters from Iwo Jima (Eastwood); No Country for Old Men (irmãos Coen); Avatar (Cameron); Shutter Island (Scorsese); Inception (Nolan);
Ivo Brito: Tokyo Sonata (Kurosawa, Kyoshi); Ghost in the Shell: Innocence (Oshii); Nobody Knows (Hirokazu); Dolls (Kitano); Audition (Miike); Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Kim); Old Boy (Park); Bitter Sweet Life (Kim, Ji-Woon); Crying Fist (Ryoo); Memories of a Murder (Bong);
Rui Oliveira: A.I. – Inteligência Artificial (Spielberg); Le Fabuleux Destin de Amélie Poulain (Jeunet); Mulholland Drive (Lynch); A Viagem de Chihiro (Myiazaki); Cidade de Deus (Meirelles); The Hours (Daldry); The Return of the King (Jackson); Dans Paris (Honoré); Das Leben der Anderen (Donnersmark); There Will be Blood (Anderson);
Ricardo Madeira:
Iúri Silvestre: Cidade de Deus (Meirelles); Oldboy (Park); Primavera, Verão, Outono, Inverno.. e Primavera (Kim); A History of Violence (Cronenberg); Let the Right One in (Alfredson); Waltz With Bashir (Folman); Wall-E (Stanton); Inglourious Basterds (Tarantino); Un Prophète (Audiard); Tropa de Elite 2 (Padilha);
The 25th Hour (Lee); Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Gondry); There Will Be Blood (Anderson); No Country for Old Men (irmãos Coen); Le Scaphandre et le papillon (Schnabel); Stellet Licht (Reygadas); The Banishment (Zvyagintsev); The Dark Night (Nolan); Waltz With Bashir (Folman); Synecdoche, New York (Kaufman);
Vasco Santos:
João Palhares: Vai e Vem (César Monteiro); Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Kim); Cigarette Burns (Carpenter); O Quinto Império (Oliveira); The Tracey Fragments (McDonald); Silenì (Svankmajer); Ne Touchez Pas La Hache (Rivette); A Londoni Ferfi (Tarr); Cztery Noce z Anna (Skolimowski);
Sukuyaki Western Django (Miike); Death Proof (Tarantino); Ip Man (Wilson Yip); No Country for Old Men (irmãos Coen); The Man from Earth (Schenkman); Un Prophète (Audiard); The Wrestler (Aranofsky); Milk (Van Sant); Inglourious Basterds (Tarantino); Cidade de Deus (Meirelles);
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Melhores da Década Cidade de Deus (Meirelles, 2002) Aliada à excelente representação está uma realização e uma montagem sólidas que marcam ritmos e compassos numa historia muito bem adaptada. A forma em flashback de a contar (muito batida) assenta-lhe perfeitamente. Este é um filme brasileiro que consegue passar uma mensagem para o mundo, para todos, pobres, ricos, de esquerda ou de direita. Um dos melhores filmes da década porque sem inovar, inova.
Vasco Santos
There Will Be Blood (Anderson, 2007) Paul Thomas Anderson pega numa história sobre os valores e a sociedade Americana e cria um filme magnificente, poderoso e épico. Um “clássico americano do séc. 21” que ainda não teve tempo para amadurecer mas que ainda assim parece-nos que já nasceu crescido, com aquela intemporalidade e unicidade que tornam um filme num clássico. Um dos grandes filmes desta década.
David Ferreira
Lat den Ratte Komma In
(Alfredson, 2008)
Let the Right One In é um filme extraordinário, uma história de vampiros reinventada e um conto de humanidade que somente a inocência das crianças pode mostrar. Explora de uma maneira única o distante mundo do sobrenatural sem necessitar de o explicar, é para contar histórias assim que o cinema existe!
António Lopes
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No Country for Old Men (irmãos Coen, 2007) Forte e Intenso, No Countr y For old Men é claramente, e sem margem para dúvidas, um dos grandes filmes da década passada. São os irmãos Coen na sua forma mais cuidada, austera, niilista e sem sentido de humor. Opiniões divergem e cada uma tem a sua, mas o que é certo, é que é bastante difícil ficar-se indiferente a uma obra como esta, ainda mais quando por fim nos apercebemos que o seu título não é apenas uma coincidência. No Countr y for Old Men é silêncio, um silêncio que torna a tensão quase insuportável. Uma concepção fria e portentosa do que a América é.
Ricardo Madeira
A Viagem de Chihiro (Myiazaki, 2001) Do grande mestre do cinema de animação mundial Hayao Miyazaki (Princesa Mononoke, O Castelo Andante, entre muitos outros), uma maravilhosa e emocionante viagem a um mundo secreto, criando ambientes que nos envolvem e fascinam, fazendo-nos voltar à nossa própria infância, ao mesmo tempo que nos emociona, com a riqueza dramática e emocional da personagem principal. Um marco no cinema de animação.
Rui Oliveira
Cztery Noce z Anna
(Skolimowsky, 2008)
Descobri este filme quando andava a febre das listas da década a pairar no ar, eu fiquei doente por não ver este filme em quase nenhuma dessas listas. Quatro Noites com Anna foi das melhores coisas que vi e era impossível não estar aqui nesta lista. É obrigatório ver.
Fernando Cabral
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Irreversible (Noé, 2002) Irreversível é amar e morrer, desejar recuar no tempo e voltar atrás. Perder uma vida pintada por sangue e sémen, ser conduzido pela raiva e cegado pela vingança, porque o mundo é cruel e o tempo destrói tudo que é belo.
Cristiano Guerreiro
Le Fabuleux Destin de Amélie Poulain (Jeunet, 2001) A conjunção de uma história simples bem contada com virtuosismo cinematográfico elevam o filme a uma obra superior, resultando num filme de autor narrativamente diferente do habitual. Amélie Poulain torna-se numa espécie de super-heroína que, embora não tenha super poderes, tem muita alma, num filme em que os mais pequenos detalhes se tornam acontecimentos épicos.
Daniel Rodrigues
Letters from Iwo Jima
(Eastwood, 2006)
O filme é realmente marcante, não só pela diferença significativa entre este e o Flags Of Our Fathers (também do mesmo ano) que assinala a "preocupação" de Hollywood em mostrar um pouco o outro lado da guerra (neste caso, os Japoneses) e embora possa não ser o único, é concretamente o melhor dado o ritmo a que a acção é construída e o tema da bravura que o guião apresenta.
João Pedro Tomás
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Oldboy (Park, 2002) Oldbo y. Segundo filme da trilogia da vingança de Park Chan-Wook, foi um dos responsáveis pela consolidação do cinema sul coreano um pouco por todo o mundo, com uma estrutura que faz lembrar uma tragédia Grega, partilha também a violência dessas histórias que vai muito além da sua representação gráfica. É para o bem e para o mal um dos melhores filmes da década, momento de glória do cinema asiático e uma maldição para o realizador, pois justa ou injustamente todos os seus subsequentes filmes serão sempre comparados a este.
Ivo Brito
Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Kim, 2003) Primavera, Verão , Outono, Inverno e.. Primavera é um filme sobre duas pessoas, sobre a passagem de testamento da primeira para a segunda. Sobre um micro-cosmos que é, também, um cosmos, por fazer tudo girar à sua volta. Não controlamos o tempo, não controlamos as estações. Encontramo-nos é a nós próprios através (ou apesar) disso.
João Palhares
Un Prophète (Audiard, 2009) "Há quem lhe chame o novo Padrinho". O filme mostra como uma prisão pode mudar a vida de uma pessoa, neste caso, como um homem formado para o mundo crime. A violência, e sobretudo o Realismo, fazem parte desta viagem magnifica ao mundo prisional.
Iúri Silvestre
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“Pela primeira vez na história os filmes são maleáveis, o que quer dizer que existem como um conjunto de ficheiros em estado virtual. O que quer dizer que não têm de ser sempre iguais. Isso é o futuro do cinema.” Francis Ford Coppola
Lauro António por João Palhares e Luís Nogueira
Pedro Costa por Rui Oliveira e João Palhares
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Entrevistas
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Lauro António Lauro António nasceu em Lisboa a 18 de Agosto de 1942. Associado a várias revistas e festivais de cinema, escreveu vários livros dedicados à 7ª Arte (O Cinema entre Nós 1967, Cinema e Censura em Portugal – 1978, entre outros). Dedicou-se, também, à realização e em 1980 estreou a longa-metragem, Manhã Submersa, adaptação do livro homónimo de Vergílio Ferreira. Apresentou durante algum tempo o programa Lauro António Apresenta, na TVI, que é
também nome do blogue que mantém actualmente. Tem programado e apresentado várias sessões de cinema na cidade do Porto, através da INVICTA FILMES, nos últimos meses.
Entrevista João Palhares: No documentário Vergí lio Fer reira em Manhã Su bmer sa, ele (Vergilio Ferreira) assume que, Eça de Queirós na escrita e Malraux na reflexão foram as suas maiores influências. O Lauro António consegue indicar também alguns nomes que o tenham marcado como espectador ou como realizador? Lauro António: Pois, eu acho que todos nós somos marcados por aquilo que vemos, que lemos e que nos rodeia.. No caso do Cinema, é curioso que há realizadores que me devem ter marcado muito e que não são talvez aqueles que depois se reflectem mais naquilo que eu faço como realizador, se calhar. Mas posso dizer, por exemplo que o Orson Welles é um realizador que me marcou violentamente... O Visconti é um realizador que marcou muito. O Truffaut... Mas há efectivamente muitos realizadores que tiveram uma forte componente de influência, mais no meu relacionamento com o
Cinema mais como crítico do que propriamente como realizador. Eu acho que como realizador aquele de quem eu me aproximo mais, se calhar, vendo de fora, é o Visconti, não sei. Mas isso é uma questão curiosa porque quando a Manhã S ubmersa se estreou houve várias críticas ao filme, inclusive até algumas estrangeiras - quando o filme passou no festival de Cannes e noutros festivais - e depois eu tive uma conversa com o Vergílio Ferreira, da qual aliás ele faz uma nota na Conta Corrente. Um crítico dizia que havia uma influência de um realizador, outro era capaz de dizer doutro. Todos eles eram realizadores que de alguma forma me marcaram e eu um dia, disse-lhe: “olha, são tantas, ainda bem que são tantas as influências; se fosse de um era chato, porque podia dizer-se que eu estaria enfeudado a um realizador; assim sendo, vários, olha, quer dizer, nós somos influenciados por tudo o que vemos e não sei quê”. (Continua na página seguinte)
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E ele achou que era uma observação interessante porque efectivamente nós todos somos influenciados por aquilo que vamos vendo e vamos lendo. E, realmente, não sei. Realmente, assim, realizadores que me tenham tocado assim muito acho que são o Orson Welles, acho que sim, acho que o Visconti, mas há muitos, há realmente muitos... JP: Falou do Manhã S ubmersa. Sabemos que tem um papel importante na história do cinema português. Como é que olha para ele, hoje em dia? LA: Quer dizer, sem falsas modéstias, acho que é um filme que tem um papel na história do cinema português e acho que, sobretudo, é um filme que não envelheceu nada. Ou seja, 30 anos depois, eu vejo o filme com o mesmo olhar que vi quando o fiz, talvez na altura tivesse menos certezas em certos aspectos, porque o filme depois passou por várias etapas mas conseguiu passar por essas etapas e sobretudo conseguiu passar os anos. Acho que não envelheceu e depois tem uma coisa que me parece também simpática que é a seguinte: é um filme que passa muito em várias sessões, sobretudo ligadas ao Vergílio ferreira e é um filme que novas plateias - plateias de jovens, enfim vêm com uma certa simpatia e que continuam a considerar um filme importante e um filme que se vê sem ser chato, sem ser ultrapassado, sem ser uma peça de museu, digamos assim. JP: Apesar do sucesso de Manhã S ubmer sa, crítico e comercial - penso eu - fez poucos filmes a seguir. Porquê? LA: Pois, tem a ver um bocado com a minha maneira de ser, porque eu só gosto de fazer aquilo que quero fazer, e não tenho tido assim muitas condições para fazer alguns filmes que quis fazer. Também tem a ver com condicionantes de vária ordem. Por exemplo
houve uma altura em que eu estive na TVI durante uns anos - uns 7 ou 8 anos - e nessa altura pensei até em fazer alguns filmes, que me obrigariam a sair de Portugal e não podia porque tinha um trabalho com a TVI, um trabalho, também, que me agradava muito, que era a parte da escolha dos filmes no canal, simultaneamente ao outro programa que eu tinha, o Lauro António Apresenta. E depois, pronto, eu andei sempre relacionado com o cinema. Dava aulas, escrevia, fiz muitos livros, tenho mais de 50 livros publicados, tenho festivais de cinema... andei sempre relacionado com o cinema e quando não fazia filmes havia outras áreas onde eu ia, digamos que, dando vazão à minha paixão pelo cinema. JP: Durante a conversa, falou do Até ao Fi m, a adaptação que queria fazer de Vergílio Ferreira. Há mais projectos que lamente não ter feito? LA: Sim, há muitos projectos que eu lamento não ter feito. Por exemplo, há um filme que eu gostava imenso, que tinha a ver com a Madeira, que é o Até à Eternidade, que um outro realizador fez mas eu gostava imenso de ter feito, era dum romance. Há um projecto que esteve quase para arrancar que é a Florbela, a Vida de Florbela Espanca, que eu tenho em guião e que depois até adaptei a peça de teatro, que ainda não publiquei, mas que um dia talvez publique. Também estive para fazer A Costa d os Murmúrios da Lídia Jorge que depois foi a Margarida Cardoso que fez. E tenho outras ideias, algumas ainda na manga que, sei lá, pode ser que venha a concretizar. JP: Há bocado falamos do estado do Cinema Português e do divórcio do público, também, com ele. Acha que o ensino do cinema nas escolas, na Universidade, principalmente, pode ajudar a superar isso? LA: Eu acho que o ensino do cinema é par-
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ticularmente importante e mais, acho que é uma das coisas em que mais se devia investir... E que eu tentei, houve uma altura quando o Roberto Carneiro era ministro da Educação, em que se fez uma tentativa de incluir o ensino do cinema e do audio-visual a todos os níveis do Ensino e ele, enfim, nomeou-me coordenador de um grupo de trabalho para fazermos isso, tentar fazer isso. Tentamos, quer dizer, fez-se mesmo, começamos a distribuir clássicos do cinema pelas escolas todas, cada cassete tinha um pequeno folheto, um opúsculo com 30, 40 ou 50 páginas sobre cada um dos filmes e a forma de aproveitar esses filmes e de os situar no tempo, essas coisas todas. Isso foi feito e eu julgo que há um aspecto muito importante que se descura em relação ao Cinema: eu acho que, por exemplo, quando se trata da Literatura, toda a gente ensina a ler, e a ler os clássicos e a ler as boas obras literárias e ensina-se também a escrever. Mas não é prioritário ensinar a ser escritor, ensina-se fundamentalmente a ser leitor. No caso do Cinema, não se ensina a ser espectador, o ensino todo está vocacionado para criar criadores de filme, é o que hoje em dia as Universidades têm. Vários cursos, acho muito bem - até há cursos profissionais nos últimos anos do ensino Secundário, acho importante. Mas acho muito importante que se sensibilizasse o aluno desde novo para ser um espectador exigente, crítico, sensibilizá-lo para a história do cinema, para correntes estéticas, para autores, para isso tudo. Não está no meu pensamento que todos os alunos sejam espectadores exigentes, de cinema de autor, mas o objectivo era dar a oportunidade a todos de poderem ter um desenvolvimento enquanto espectador muito mais crítico e muito mais conhecedor daquilo que estivessem a ver. Mais exigentes em relação à qualidade e à importância dos filmes, do que propriamente este completo desinteresse que marca o ensino em Portugal a nível de audio-visual, porque há duas ou três escolas que têm umas actividades ligadas
a clubes de Cinema, mas são mesmo casos raros.. na altura em que fizemos isso, na altura do Roberto Carneiro, era mesmo a nível de todas as escolas que estivessem equipadas para isso, e eram mais de 500 naquela altura, para que se desenvolvesse esse gosto pelo Cinema. JP: Vivemos numa altura em que o 3-D e o YouTube começam a desafiar as formas tradicionais de produção. Assim sendo, que papel está reservado aos Festivais de Cinema? LA: O normal, o de sempre. Eu acho que os Festivais de Cinema têm uma importância muito grande; primeiro, para sensibilizar públicos, para mostrar obras que de outra formam não poderiam ser mostradas, para incentivar o gosto pelo cinema. Portanto, isso, o facto de haver novas tecnologias, acho que não altera nada. Muito pelo contrário, tudo o que traga novidades e novos e potenciais públicos, é bom, e portanto os festivais vão reflectir isso. Não me parece que traga grandes diferenças.. JP: Esta é a última pergunta. Tem alguma sugestão ou aviso para os futuros jovens cineastas? LA: Eu acho que, sobretudo para os alunos das diferentes escolas e das diferentes Universidades que querem fazer Cinema, há uma coisa que eu acho que é o princípio básico: o de manterem-se fiéis a si próprios. A escola e os professores devem ser veículos para libertar o que há dentro de si, não devem condicionar o que há dentro dos alunos, não devem criar continuadores dos professores, nem as escolas devem marcar correntes ou o que quer que seja. Acho que cada aluno é um mundo e os professores, aquilo que devem fazer, é, digamos, possibilitar o despertar do que há dentro de cada um, quer dizer, são todos diferentes, cada (Continua na página seguinte)
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um terá dentro de si um realizador potencial ou um técnico, ou um actor ou o que quer que seja, que tem uma forma de exprimir que será a sua. E a escola deve ajudar cada um a descobrir a sua forma. E os alunos nunca devem perder essa fidelidade a si próprios, e os professores nunca devem obrigar os alunos a serem continuadores. Assim como os próprios realizadores não devem obrigar que outros sejam iguais a eles. Cada um deve desenvolver o seu próprio mundo.
entrevistado por João Palhares e Luís Nogueira
FILMOGRAFIA Obviamente demito-o! (2009) José Viana, 50 anos de carreira (1988) Conto de Natal (1988) O Vestido Cor de Fogo (1986) A Bela e a Rosa (1984) Casino Oceano (1983) Mãe Genoveva (1983) Paisagem Sem Barcos (1983) Manhã Submersa (1980) O Zé-Povinho na Revolução (1978) Bonecos de Estremoz (1978) Vamos ao Nimas (1975) Prefácio a Vergílio Ferreira (1975)
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“É nos cinemas que se realiza o único mistério totalmente moderno" André Breton
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Pedro Costa Discípulo directo de António Reis, filho legítimo de Yasujiro Ozu, John Ford e Murnau, CHAPLIN, Pedro Costa é um caso singular no actual panorama do cinema português. Singular por fazer passar a sua singularidade – perdoar-nos-ão a redundância - pelos filmes que faz, pelas palavras que diz e escreve. É isso que “singular” quer dizer, não há nada de perjurativo na descrição. Não há nada de impenetrável na obra de Pedro Costa, é tudo uma questão de querer compreender, de querer sair um bocado da esfera discursiva que nos formata as mentes, dia a dia. Tudo o que é diferente, é estrangeiro para os nossos sentidos, mas não há razão para isso, não há razão que não envolva o mero preconceito, tudo o que é injusto e mesquinho nisto de ver e fazer filmes. Porque a questão é só essa, esquecendo a tirania das nomenclaturas, da divisão de campos, da marginalidade imposta de certas formas de pensar e fazer o cinema, o essencial é mesmo isso: termos a noção de que por trás do que se diz ser documental, experimental, e outros ais que abafam o espírito, está um homem: um homem que faz filmes, que esculpe estórias no seio do real e que o eleva através da compreensão e da paciência. Luz e sombras, pessoas e gestos. São tudo coisas tão concretas e reais que tornam isto ainda mais incompreensível. Pedro Costa nasceu em Lisboa, a 3 de Janeiro de 1959. Abandonou o curso de História na Universidade de Lisboa para ingressar na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde teve António Reis, como professor. Em 1989, aos 30 anos, realiza O Sangue, seminal primeira obra e comparável a outras enormes, notáveis, primeiras obras: The y L ive b y Ni ght, N ight o f the
H unter, T he Bel lbo y, A Infância d e Ivan... Retrato onírico da juventude, carta de amor sincera ao Cinema, dedicação lindíssima aos actores, às personagens, aos sons e às imagens, coisa avassaladora, incrível. O mais belo filme do mundo, como diria o falecido João Bénard da Costa. De Casa de Lava pode-se dizer ser a peça de transição entre o sonho, a inocência, e a maturidade, que chega com a trilogia das Fontainhas. Não que não haja espaço para retratos oníricos, porque há, mas está tudo mais concentrado, diluído e não a resvalar pelos poros, de modo louco e apaixonado, como no primeiro filme. Entre No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha faz Où g ît votre so urire enfo ui?, filme sobre a montagem, documentário?, ou a última comédia screwball, por retratar um casal ao trabalho, onde há sempre espaço para debates e discussões aguçadas, divertidas, entre Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Filme teórico, mas íntimo, também. Veja-se Straub, sozinho, no fim do filme, a brincar com o isqueiro, e perceba-se que o que se acabou de ver não foi um documentário, mas algo diferente. É fazer filmes, e tentar engrandecer quem se filma, no processo. Vicente. Nina. Clara. Leão. Vanda. Jean. Danièle. Ventura. Jeanne. Mais do que personagens, reflectores de uma luz laborosa, artesanal, capazes de suscitar paixões no mais comum dos mortais, em todos nós. Mitos.
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Entrevista Rui Oliveira: Antes de mais, muito obrigado pelos minutos concedidos. Comecemos, se não se importa, pela influência de António Reis no seu cinema. Pode-se dizer que foi o cineasta português mais importante para o seu desenvolvimento artístico? Porque é que não se fala, hoje em dia, de António Reis como de Manoel de Oliveira ou João César Monteiro? Pedro Costa: O António Reis foi meu professor na escola de cinema (Escola Superior de Teatro e Cinema) e foi quem me fez ir para lá. Foram o seu nome e a sua aura que me fizeram ir para lá. Porque o António Reis também era poeta, além de outras coisas, e eu conhecia alguns dos poemas dele. Tinha dois livros de poemas, que, aliás, nunca mais foram reeditados, mas foi sobretudo um, que se chama Poemas do Quotidiano, era esse que eu conhecia, que foi a razão da minha inscrição na escola de Cinema. Depois fiquei, sobretudo por causa das aulas dele, que passaram para um contacto muito mais pessoal, depois uma amizade e depois não se prolongou porque ele morreu. Porque é que ele não é mais conhecido? Porque o mundo é feito de pessoas muito más e muito insensíveis que não percebem nada de nada e não dão espaço à sensibilidade e ao coração e às emoções. Sim, acho que o Manoel de Oliveira é um absoluto génio, um caso especialíssimo. O João César era outro, noutro género e com outros filmes, e o António era outro. Porque é que não é assim considerado? Havia um escritor americano, que toda a gente conhece, o Ernest Hemmingway, que não era especialmente intelectual nem esquisito e dizia que num mundo normal, a gente poderia fumar um cigarro ou beber um copo e ir ver um filme do Charlie Chaplin, do Orson Welles,
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do Fellini ou do António Reis (ele não dizia António Reis, mas digo eu), quando quisesse. Era esse mundo que eu gostava que existisse, mas não foi ontem, nem é hoje, nem será alguma vez... RO: Falou de António Reis, já. Quais são os cineastas que mais o influenciam, hoje em dia? Qual é, se assim se pode dizer, a sua família estética? PC: Não sei se é uma família estética, mas os filmes que eu faço, ou tento fazer, enfim, cada vez mais vêm menos do Cinema. Já vieram mais. O primeiro filme que eu fiz, desse ponto de vista, tinha muito mais pais, sim. E nessa altura, então, tinha outra vez o Charlie Chaplin, Nicholas Ray, Fritz Lang, enfim, imensos cineastas americanos, imensos cineastas europeus, alemães, do princípio do século, do cinema mudo, ou mais recentes, como o Godard. Mas, cada vez mais, os meus filmes dependem menos do cinema e mais das pessoas com quem filmo, do local onde estou. Vem deles, e eu transformo isso, o melhor que posso, em imagens e sons, mas com menos protecção. Aquela “capa” dos cineastas e da história do Cinema, das influências e das referências, é mais diluída. A gente pratica, trabalha, é normal que seja assim. Nos primeiros filmes vê-se muito mais “de onde é que ele vem, para onde é que ele vai” e depois, pouco a pouco, se o trabalho for relativamente consistente, pode-se construir qualquer coisa que seja um bocadinho diferente. RO: O seu próprio estilo.. PC: Não, não é estilo. É fazer uma coisinha ao lado. Ou seja... Por exemplo, como me perguntou agora do estilo: Sempre que me perguntam isso do estilo, eu contraponho
com uma coisa muito simples, porque é para mim o maior cineasta que jamais existiu e nunca haverá ninguém como ele. O Chaplin, pode ser o Charlot mudo ou o do fim, mais sério, mas qual é o estilo do Charlie Chaplin? Enfim, consegue defini-lo? É que ele não tem estilo. Vou usar uma expressão que é ultra-repetida, ultra-batida, mas o estilo é a pessoa. O estilo não é o “estilo”, não podemos falar do estilo de um filme, ou do estilo de um livro, duma obra de arte, como falamos do estilo em moda, ou em design. Peço muita desculpa aos estudantes de design ou de moda mas não é exactamente a mesma coisa, apesar de serem áreas muito interessantes. A arte exige o confronto com outras coisas e o estilo é uma palavra difícil para mim, não acho que seja uma palavra boa para quem trabalha em Arte. É um trabalho que temos que fazer, cada um faz o seu trabalho, e uns fazem de esta maneira e outros de outra. Sem nunca avançar, sem nunca ter na cabeça ideias de progresso, porque isso é o pior que há. Isso é o José Sócrates e o Cavaco Silva, esses é que querem progresso. Eu não quero progresso nenhum. Nenhum. Pelo contrário, porque o progresso dá nisto, nos não sei quantos milhares de desempregados, dos pobres, nesta tristeza que nós vemos. Ou seja, progresso é uma mentira e o estilo é uma mentira. Tentar um trabalho diferente. Se se vai fazer um filme tentar arranjar uma maneira de o organizar de uma forma diferente e, enfim, respeitar algumas coisas, que são sempre as mesmas... RO: Sabe-se que O Sangue não é o tipo de Cinema que quer fazer. Mostrou-o com A Casa de Lava e com a trilogia das Fontainhas. Ainda assim, como olha para o filme, passados vinte anos? PC: Era o que estava a dizer antes, O Sangue é um primeiro filme. E não só para
mim mas como para muitos cineastas, o primeiro filme é a primeira vez, como se fosse o primeiro amor, a primeira rapariga ou rapaz, tanto faz. É uma coisa muito especial, cheia de riscos e erros, portanto, é o que é. Nessa altura eu tinha uma protecção. Estava muito protegido pelos filmes que tinha visto, pelas coisas que tinha lido. Cheguei ao Cinema depois de mil filmes que vi, de mil LPs que ouvi. Muitos poemas, muitos Fernandos Pessoas, muitos Baudelaires, muitos Rambeaus, muitos Murnaus, muitos Clash, tudo isso, portanto dá no que dá, dá nisso. E depois a pessoa, enfim, se não ficar muito colada a isso, tenta seguir o seu caminho e encontrar uma voz, uma ideia, dizer “é capaz de ser isto que eu quero” e tentar seguir por aí, mas é igual para todos, com toda a humildade. O primeiro filme, para muita gente, é quase como pagar uma dívida, do género “pronto, entrei neste mundo”. Que também não é fácil, e cada vez é mais difícil, entrar neste mundo. Porque é isso que é o horror, esta coisa para qual este sistema político ou social, concorre, que é tentar que a Arte, e agora já nem só a Arte, porque se quiser encontrar emprego, não encontra, ou seja, não é só quem queira fazer um filme, é quem queira trabalhar nas obras. É muito difícil uma pessoa fazer qualquer coisa, sobretudo o que quer, é muito difícil. Nesse sentido sou muito previlegiado, eu faço exactamente o que gosto, tive muita sorte e nesse sentido sou priveligiado. Não que ganhe milhões de euros, porque não ganho, e cada vez ganharei menos, porque não faço filmes por dinheiro, nem para o dinheiro, nem para o público. Faço os filmes que acho que devem ser feitos, posso me enganar, agora é difícil lá chegar. Mas quando fiz o primeiro só pensei nessa dívida que tinha que pagar a, sei lá, todas essas coisas, ao Fernando Pessoa, o Rambeau, o Baudelaire, os Sex Pistols.. (Continua na página seguinte)
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RO: As pessoas que o influenciaram.. PC: Tinha oito anos, portanto, como qualquer pessoa, vivia num quarto, estava com amigos e o que a gente faz, vem daí, seja pegar numa frase do Rambeau ou do Herberto Hélder. E, nesse sentido, eu sou fiel, e gosto ainda do Baudelaire e do Pessoa e dos Clash, enfim. Só que estou a tentar transformá-los numa coisa, que não é bem minha, estou a tentar escondê-los, diluí-los. RO: Começou por trabalhar em película e depois trabalhou em digital. Acha que um invalida o outro, ou são apenas duas formas diferentes de fazer o mesmo trabalho? PC: Não, para mim a única diferença, bom, além doutra enorme diferença, porque eu não posso fazer a mesma coisa que faço em filme, em digital. Mas é diferente porque as câmaras com que eu gravo, toda a gente tem, ou toda a gente pode ter, deixa de ser uma coisa reservada a profissionais. Agora, quando peguei numa câmara de vídeo, pequena, gravei como se fosse uma câmara de 35 mm ou, melhor, com a mesma gravidade, a intenção foi a mesma: fazer qualquer coisa séria, interessante, rica, poética. Portanto aí não mudou nada. Sei é que as pessoas são capazes de ficar mais decepcionadas com a imagem-vídeo, porque nunca é o mesmo.. Se vir um filme do Murnau, que é um realizador alemão do princípio do século XX, de 1928, e a seguir vir um filme do Martin Scorsese, de 2009 ou 10, há imediatamente um fosso. Esse fosso é muito difícil de descrever ou qualificar. O que é quer que eu lhe diga, se ler o “Livro do Desassossego” e depois ler um livro da Inês Pedrosa, há um fosso. Esse fosso tem a ver com quê? Na Literatura não falam tanto de desenvolvimento ou de progresso, não é? Na Literatura, parece que essa questão não se põe. Ora, o Fernando Pessoa escrevia e a Inês Pedrosa ou o Peixoto ou o Gonçalo Tavares ou o Mia
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Couto ou o Dan Brown ou o locutor da televisão, o dos Santos, também escrevem. Essa questão põe-se menos, quando se escreve um livro, parece que não há avanço, não há progresso tecnológico. O que eu acho é que esta coisa da tecnologia é um grande embuste, quer dizer, uma grande mentira. Eu não acho que haja grande avanço entre um filme de 2010 com um “som espectacular, cinco estrelas”, como se costuma dizer, e uma imagem “mesmo fixe, meu, ya”, e um filme do Murnau. Não há, pelo contrário, é só a dificuldade de ler, ou ver, uma coisa um bocadinho mais complexa. Complexa.. Enfim, como vocês calculam, eu passei por muitas fases e pelos filmes que eu fiz andei um bocadinho dentro das drogas. Eu não sou contra a droga nem sou a favor, mas há coisas que são um bocado mais altas e outras mais baixas, e se já alguma vez fumou um charro na vida, sabe o que é mais alto e o que é mais baixo. Portanto, um gajo que fumou um charro sabe que o dos Santos não vai a lado nenhum, enquanto não fumar um charro. E quando fumar um charro, provavelmente deixa de escrever.. (risos) Desculpa lá... mas é uma maneira de explicar... RO: (risos) Não tem mal, claro que sim, e se calhar até se prende com esta questão que coloco agora e tem a ver com a maior ou menor profundidade na Arte. Portanto, como se sente como artista, já que os seus filmes se centram fortemente no ser humano e na personagem, ver estrear filmes como o “Avatar”, que vivem essencialmente dos efeitos especiais? PC: Eu não vi o Avatar e apesar de tudo o Avatar é um caso muito especial, porque é, nem sequer é uma coisa fabricada pelos media, é mesmo especial. É a primeira obra que vai, ou não, fazer as coisas mudar muito, e aparentemente vai mudar muito, de muitas maneiras. Para as pessoas que trabalham em Cinema, vai mudar muita coisa, ou (Continua na página seguinte)
vai acelerar muita coisa. Eu não vi o filme e não posso julgá-lo artisticamente, não sei se é bom ou não, mas vi outros filmes do James Cameron - vi vários, aliás - e não acho que seja o último dos últimos nem o pior dos piores realizadores. Vou-lhe dizer uma coisa um bocado sacrílega, mas se houvesse um James Cameron português, eu estava felicíssimo da vida. A sério. Nem James Cameron português, eu estava felicíssimo da vida. A sério. Nem precisava de fazer em 3-D, bastava fazer os filmes que ele fez antes do Terminator, porque eu conheço, eu vou ao cinema. Um filme como “O Abismo”, não sei se conhece, é muito interessante e depende de uma imensidão de efeitos especiais complexos e de dinheiro, portanto. Mas mais filmes de puro entretenimento e acção como ele fazia... RO: Puramente comerciais.. PC: Não são comerciais, são filmes que resultam na bilheteira mas que, apesar de tudo, funcionam, se quiser, que funcionam. Mas esta pergunta que me está a fazer gostava de a localizar só em Portugal porque a resposta universal é um bocado banal, o Avatar é o que é, eu estou no lado oposto e vamos continuar assim. Mas se em Portugal houvesse um cinema comercial que fosse comercial e não a mentira que é, e comercial nesse sentido, de termos um James Cameron, sei lá, os banais realizadores que cumprem o que se propõe.. RO: O que se espera deles. PC: Ou seja, saberem fazer, como um tipo que sabe fazer uma mesa ou outra coisa qualquer. O problema, em Portugal e noutros países, é que há um falta de consciência de muitas coisas, e há um oportunismo e uma ignorância a todos os níveis. Temos uns parolos, uns pacóvios e uns ignorantes que fazem um cinema que não se diferencia da televisão mais bruta, mas que sobretudo não
é comercial, ou seja, nem sequer rende na bilheteira para que se possa reproduzir esse modelo, portanto, eles vivem tal como eu vivi, e outros meus colegas vivem, de apoios. RO: Acha é uma espécie de engano ou de ilusão? PC: É. Toda a gente participa dessa mentira, toda a gente é responsável, não te vou dizer que eles são os responsáveis absolutos. Há uma coisa de que me lembro. Enfim, há um filme do Godard, antigo, de mil novecentos e sessenta e tal, em que uma personagem diz “eu sou responsável pelo meu prazer, eu sou responsável pelo meu tédio. Eu sou responsável por tudo”, e no fundo é isso. Eu sou responsável, e você também, por sair ou não duma sala de cinema se não se sentir bem, seja um filme meu seja um filme comercial, é disso que eu estou a falar. É uma questão de responsabilidade, do que se viu e não se viu e quanto mais sensível se for a certas coisas, menos hipóteses têm os brutos de vencerem. E isso depende de mim, depende si, depende de todos. Depende da gente estar a falar num café à noite e a beber uns copos ou a fumar um charro e dizer “pá, não vale a pena ver isso, não vale a pena”. Quer dizer, porque é que me aparece uma rapariga, que eu nunca vi na vida, dum jornal, a fazer absolutamente a voz do dono? Exactamente a voz do dono, ela leu algures que os meus filmes são muito longos. Não são, têm 90 minutos alguns, não sei, 90 minutos não é muito longo, é uma duração normal, é uma longa metragem. Não estamos a falar de uma curta. A pergunta dela, então, é “são muito longos, é porque anda a esmiuçar tudo?”. Não. Eu tenho que responder “desculpe lá, você está a fazer demagogia pura e simples”. Tudo o que é ligeiramente estranho, é estranho. Portanto, eu sinto-me visado como um drogado, “desculpe lá que lhe diga mas você está-me a chamar drogado, está-me a chamar preto, está-me a chamar (Continua na página seguinte)
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eslovaco, ucraniano, está-me a chamar puta brasileira?”. Porque é assim que me apetece falar, quando ela me pergunta “os seus filmes são muito longos?”, eu respondo “e aquela miúda que trabalha ali no café é uma puta brasileira ou é uma rapariga do interior brasileiro que chegou cá à rasca?”. É ou não é? Eu acho que é... RO: Então, passando agora à “Casa de Lava”. Nesse filme, os personagens parece que estão adormecidos, entre a vida e a morte. Como em “I Walked with a Zombie”, do Tourneur. Acha sedutor e inspirador explorar a dualidade entre a vida e a morte? PC: Acho, acho que vivemos nesse estado. Tudo o que temos falado até agora é um bocado sobre esse estado. Como escapar a essa morte? Como escapar a uma certa vida, que nos querem impor? E acho que é isso. Acho que estamos cada vez mais num estado de “zombies”, sim. Há uns que estão completamente perdidos, e infelizmente é a maioria. Desculpa lá responder-te assim, mas o José Sócrates foi reeleito, como é que não andamos meio mortos? O debate sobre a homossexualidade é o que é, andamos meio mortos ou não? Hoje houve uma lei absolutamente abstrusa sobre... Desculpem lá, isto não tem nada a ver com Arte, tem a ver com a vida das pessoas. Se houvesse alguma consciência, ainda, de alguém ou de algum movimento um bocadinho mais activo, nada disto se passava. Não havia Sócrates, não havia nada. Infelizmente, ou felizmente, depende de cada um, de per si, ver se está vivo ou morto e, daqui a 3 anos não votar... Ou então ir para a América ou para a França, imigrar, também é uma solução. Ou meterse em casa a fumar charros, tudo é possível. Mas não participar da mentira, isso é que é fundamental...
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RO: Ainda em A Casa de Lava dá uma importância à paisagem, que não repetiria em filmes seguintes. Porquê?
PC: Porque pensava que era herdeiro de um certo cinema clássico, sobretudo americano. Que filmava muito bem isso, os westerns e os filmes de aventura. Fui gravar um filme a Cavo Verde, que tinha vulcões e paisagens estranhíssimas, pensava que era um realizador desse género, mas percebi que não era verdade, não tinha estofo para isso. Tive a consciência, também, que já não vivemos nesse mundo, infelizmente. Nesse mundo em que a paisagem significa qualquer coisa. O que temos à frente não é propriamente bonito, mas não é isso. A paisagem não quer dizer grande coisa, nós vivemos numa sociedade em que o ser humano é o centro, o princípio e o fim das coisas e acho que antes isso, se calhar, era menos assim. Os animais, as plantas, e estou a falar dum mundo cada vez mais antigo, em que tudo tinha o seu valor, em que tudo tinha a sua importância. Hoje em dia, enfim... as pessoas dormem aí debaixo de uma ponte, as árvores são o que são... Só vejo eucaliptos de Lisboa até Cabo Verde, como é que eu posso filmar paisagens? RO: Alguns dos seus filmes, como No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha, por exemplo, são rotulados de documentários. Acha a palavra “documentário” apropriada para descrever esses seus filmes? PC: Não me importo, não me importo mas acho que é tudo muito limitado. Agora falo um bocado como toda a gente, como o Herman José e como o Zé Pedro dos Xutos: “catalogar as coisas é sempre muito fodido e tal, pá, isso só há música boa e música má”. Basicamente, eles têm um bocado de razão. Documentário, parece que toda a gente sabe o que é, ficção já tenho mais dúvidas, ninguém sabe muito bem o que é que é, “parece que é tudo uma coisa inventada e tal”. Por acaso no Cinema, eu acho, realmente, que se ninguém tivesse falado disso,quando se ia ver um filme, ninguém ia (Continua na página seguinte)
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pensar nisso, também. A minha resposta é sempre: quando faço filmes e quando vou ver um filme, eu nunca me ponho essa questão, “estou a ver um documentário ou estou a ver uma ficção? Será isto verdade , será isto mentira?”, nunca me ponho essa questão. Também sei que as pessoas, hoje em dia, não têm essa liberdade, ou não estão habituadas ou não fizeram essa aprendizagem. Agora, também sei que documentário e ficção são coisas muito perversas, porque quando você diz documentário, de certa maneira, está a matar a rentabilidade, ou a carreira comercial, de um filme. Não é este caso em especial mas documentário é um bocadinho, outra vez, colocar a coisa do lado do “ah, bom, então é uma coisa séria e vamos ver ali uma coisa mais sociológica, política, etnológica, meio national geographic meio coisa televisiva”, não é bem um filme, não, em que a gente possa ter prazer e escapar à realidade e tal. Eu acho que todos os filmes que eu gosto, da História do Cinema, enfim, são documentários. Um dos melhores documentários, neste sentido, que eu conheço, sobre a América, sobre a forma de organização social, sobre os judeus, sobre o Hitler, por exemplo, o melhor filme que existe sobre o nazismo é um filme do Chaplin, é um filme de ficção e chama-se O Grande Ditador. Não vejo coisa maior. Mas claro que há coisas importantíssimas sobre o nazismo, há um filme chamado No ite e Nevo eiro, há um filme chamado Sho ah, mas o filme do Chaplin, e sobretudo porque foi feito durante a ascensão do famoso rapaz, é qualquer coisa. Aquela elegância. E é isso que eu adoro, contra os brutos, mostrar a nossa elegância. A dança dele com o mundo... é a prova de que vencemos a brutalidade com ternura, com tudo o que é contrário ao nazismo, ou ao fascismo, ou à prepotência, enfim. Aí está um documentário, acho eu. RO: Portanto, para si, documentário é qual-
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quer filme, no caso do Cinema, que retrate o mundo em que vivemos? PC: Eu acho que não há filmes que não sejam documentários, ia dizer bons, mas não há, não vejo como se possa evitar isso. A menos que se esteja num estado de chuto permanente de heroína, num estado de absoluto catatonismo e se faça um filme meiopsicadélico. Porque você compra uma câmara e pôe um amigo, ou mesmo a Soraia Chaves, à frente. Porque mesmo esses filmes, e este miserável, com a Soraia Chaves, são documentários. Também são ficção, são filmes. Agora, são coisas que são uma mentira do princípio ao fim e que participam do mesmo crime da SIC ou da TVI, e eu vou ser um bocado agressivo, mas acho que eles deviam estar todos presos, já deviam estar desde que começou a SIC, porque chegamos a isto. Acho que há cada vez menos putos a pegar no Pessoa, ou até nos Clash, já não precisam disso e estou a falar do pessoal de 15, 16 anos. É difícil conquistar um puto para um poema, hoje em dia. Muito difícil. RO: Sinais dos tempos... PC: Eu acho que isso, no nosso caso, tem a ver com a SIC, com a TVI, com os filmes, com os livros, com a vida em Sociedade, tem a ver com tudo. RO: Deixou de escrever guiões por considerar que são um artifício ou um logro, portanto, na medida em que se desviam do real ou por achar que afectava o seu método de trabalho? Ou os dois? PC: Deixei de escrever porque mudei a maneira de produzir. Como a mudei, também já não tenho a obrigação de fornecer um guião a um produtor para que me dê dinheiro. Posso pegar na minha câmara, comprar umas cassetes e fazer um filme, como qualquer pessoa, depois é uma questão de querer ou não. Mas, portanto,
mudando isso, posso não escrever. Também posso escrevê-lo, fazendo desta maneira, mas prefiro não o fazer porque estou interessado em saber o que é que as pessoas que eu estou a filmar me podem oferecer. RO: Recentemente, houve uma retrospectiva da sua filmografia na Cinemateca de Paris. Como é que se sente em relação ao actual reconhecimento artístico da sua obra, pelo menos na Europa? PC: A Cinemateca foi uma coisa interessante, mas as pessoas acham que a Cinemateca francesa é assim uma coisa estratoesférica... É uma Cinemateca como a portuguesa, ou seja, tem a importância que tem, não acho que seja por aí além, ainda por cima no meu caso, que tenho poucos filmes, não sou uma figura do Cinema Mundial. Acho bem eles terem feito, não por mim, mas acho bem eles terem feito isso, e foi isso que lhes disse lá, em público, acho bem que uma pessoa com cinco filmes, ou seis, ou sete, ou oito, como eu, ou seja, pessoas novas, possam continuar a ocupar Cinematecas, os chamados Museus do Cinema e coisas assim, desvalorizar um bocado a Cinemateca, ou seja, entrar na Cinemateca para, não é para “partir aquilo”, mas para tirar um bocado do peso institucional, cultural. Devia ser possível. Já foi, ainda por cima já foi, na Francesa. A portuguesa tem poucos anos. Mas por exemplo na Francesa que é célebre e antiga e tal. Um miúdo de 18 anos faz um filme, uma curta metragem com os amigos no quarto e depois mostra-a na Cinemateca. Quer dizer, não há qualquer diferença. Mas qualquer pessoa, sei lá, qualquer Tarkovski ou Fellini ou mais venerados mestres diria, tenho a certeza, “claro, é evidente que isso é feito para isso e eu tenho que estar do lado do mais pequeno dos pequenos. RO: Pegando nessa sua deixa, e já para finalizar, há algum conselho que queira dar a futuros cineastas?
a futuros cineastas? PC: Não, de maneira nenhuma. Não, é isto tudo que a gente estava a falar. Conselho. Mesmo, mesmo que tenha uma grande vontade de fantasia ou realismo e que tenha uma imaginação delirante, que não esqueçam que parte tudo, qualquer invenção, parte de qualquer coisa que existe. E se essa coisa passar por pensar “ah, o que eu queria fazer era um gajo que andava em levitação por Castelo Branco e depois três naves espaciais vinham lá”. Sim senhor. Tentar pensar porque é que isso apareceu, e se não terá a ver com o Pai, o filho, a namorada, com Castelo Branco. RO: Coisas do interior.. PC: Não, do exterior. Porque o interior é um bocado isso. O interior é a nossa imaginação e as ideias que nós temos. O exterior é o que nos faz, eu acho, ter essas ideias. Qualquer ideia que a gente tenha é um bocadinho condicionada com o que nós vivemos. Não esquecer que vivemos num planeta, que tem este nome, que tem uma certa forma de organização, aqui, que há árabes, que há pretos e não sei quê. E não tentar mandar poeira para os olhos dizendo coisas que não são verdade, que estamos todos bem. Não estamos. Pronto, vou acabar, o Luis Buñuel, um grande cineasta, aqui do nosso país vizinho, disse uma coisa que é o maior conselho que eu alguma vez ouvi para um jovem cineasta, ou para um velho cineasta. E ele dizia: “qualquer filme, qualquer livro, qualquer obra de arte, devia dizer uma e só uma coisa, imaginem um rio, um ribeiro ou um riacho, filmado esse rio, escrito, pintado, queria sempre dizer uma coisa: naquele riacho e naquele rio, há cem anos, havia gente que podia tomar banho, pescar peixe e se calhar até apanhar marisco. E hoje? E hoje?” Mas sem denunciar, não é preciso fazer lá coisas de esquerda, ou coisas militantes, é só fazer (Continua na página seguinte)
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pensando nisto: que há cem anos, as pessoas podiam tudo. No pinho do Agosto podias ir ali ao Tejo e dar um lindíssimo mergulho. Se calhar ainda podes, mas daqui a dez anos já não podes. Filmar isso desta maneira, ter só a consciência que isso é assim...
entrevistado por Rui Oliveira e João Palhares
FILMOGRAFIA O nosso Homem (2010) Ne Change Rien (2009) Memories – segmento Rabbit Hunters (2007) O Estado do Mundo – segmento Tarrafal (2007) Juventude em Marcha (2006) Où gît votre sourire enfoui? (2001) 6 bagatelas (2001) No Quarto da Vanda (2000) Ossos (1997) Casa de Lava (1994) O Sangue (1989) É tudo Invenção Nossa (1984)
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CINERGIA Revista NĂşmero 1 | Janeiro 2012