Olho NU

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olhonu olhonu

olhoNU olhoNU ABRIL DE 1987. No. 304. Cz$150.00

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coordenaÇÃO JOÃO VEIGA

EDITORAÇÃO esPERANZA MARIANO

design ELISA ZANATTA JONATHA REIS

PRODUÇÃO ANA CRISTINA OSORIO

REVISÃO VICTOR ALMEIDA PEDRO MELLO

REDAÇÃO ana cristina osorio, Daniel santiso, esperanza mariano, joão veiga, pedro mello e victor almeida

ESTA É UMA REVISTA FICTÍCIA PRODUZIDA PARA A DISCIPLINA LINGUAGEM GRÁFICA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ.

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com muito pesar que escrevo este editorial, pois será o último. Sim, Olhu Nu chegou a um fim. Mas acho que, assim como nós da revista, vocês já estavam esperando. Não é de hoje que o Brasil vem passando por momentos críticos no cinema. Sabemos que o incentivo a essa arte é pouco e nos apoiarmos em um mercado internacional não é - e nunca foi - nosso intuito. Sempre tivemos como objetivo produzir uma revista que transformasse as pessoas. Que as fizessem ir ao cinema e sair de lá encantadas pela magia reproduzida em telas. Queríamos falar do mundo cinematográfico, dos filmes produzidos, dos diretores aclamados e roteiros admiráveis. Queríamos que você, leitor, amasse o cinema assim como nós. Não importa a idade, sexo ou religião. Nesta última edição, tentamos manter o aspecto saudável que a revista sempre teve. Comemoramos o

Oscar, fizemos nossas apostas para Cannes e continuamos os mesmos amantes de cinema que sempre fomos. Contudo, também não queremos encorajar o amor por uma arte que não é cultivada em nosso país. Uma arte sem incentivo. Essa revista chega ao seu fim por uma decisão unanime de sua equipe. E serei sincera: a revista não está acabando por falta de vendas. Estamos protestando. Protestando pelo cinema no Brasil. Foram mais de vinte anos de revista, mais de 300 edições. Filmes assistidos então, nem se fala! Essa revista revelou-se parte de nossas vidas, e temos muito orgulho disso, do que a Olho Nu se tornou. E não podemos nos despedir sem agradecer quem tornou esse projeto uma realidade: você leitor. Não faz diferença se nos acompanha desde a primeira edição, ou se só chegou só agora no final. Não importa. Apenas obrigada, a Olhu Nu é sua também.

Esperanza Mariano EDITORA CHEFE

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APOSTAS DO MÊS

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AGORA SOU A MÚSICA

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rItmo quente

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gravata para elas

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the winner is...

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helen

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cou cou cannes

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uma estação chamada cannes

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au revoir les enfants

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o último adeus

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Adeus. 26

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Keith Haring é um artista e ativista americano. Suas obras possuem inspiração no estilo de vida novaiorquino, com uma forte influência da arte de rua e o grafite. A obra desta edição faz parte de sua coleção de 1984, sem título.

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apostas do mĂŞs

po r v icto r a l m ei da

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pós um mês agitado em que as produções cinematográficas conseguiram levar milhões de espectadores para as salas de cinema de todo o mundo, com filmes como “Nascido para Matar”, de Stanley Kubrick, e a comédia “Arizona Nunca Mais”, de Joel Coen, abril não ficará atrás, e trará grandes apostas que proporcionarão ótimas gargalhadas ao público. A primeira aposta é na diretora Susan Seidelman, que vem trabalhando com um roteiro para alcançar vários estilos, causando interesse instantâneo pela obra. Misturando romance, comédia e ficção científica, “Construindo um Cara Certinho” (titulo original “Making Mr. Right”) levará os casais mais apaixonados até o cinema, ou permitirá, ao menos, um encontro romântico com direito a beijos sabor chocolate. O segundo filme é um dos mais esperados do ano. De Jim Drake, “Loucademia de Polícia IV - O Cidadão Se Defende” (titulo original “Police Academy 4: Citizens on Patrol”), proveniente de uma consagrada franquia, vem reafirmar que uma série pode sim ter seu quarto filme, e ainda conseguir encantar seu público com personagens caricatos e histórias bem desenhadas. Provavelmente, como visto nos três últimos, teremos uma comédia física com bastantes trocadilhos e um humor inteligente, que fará o espectador ter muito cuidado para não se engasgar com a pipoca. O próximo filme, do diretor Herbert Ross, não é drama, romance, ou uma comédia pura e simples. “O Segredo do Meu Sucesso (titulo original “The Secret of My Sucess) traz um roteiro recheado de surpresas, que brinca com o cotidia-

no excêntrico, mostrando a intimidade de uma classe e sua ganância, através de situações bastante engraçadas. Será uma boa pedida para um domingo monótono, o qual você deseja tornar agradável. Por ultimo, mas não menos importante, eles, os personagens mais reais que conquistaram o coração dos brasileiros nesta década. Com sua irreverência e espontaneidade, Os Trapalhões. Em uma década onde o cinema brasileiro atravessa um período de decadência, eles trouxeram alegria com pequenas críticas sociais, emoldurando-se no contexto de suas obras. Em “Os Trapalhões no Auto da Compadecida”, não será diferente. Uma adaptação extremamente categórica no que se refere a humor circense, e que o próprio Ariano Suassuna, possivelmente, irá render elogios ao roteiro. Eles vão trazendo a leveza e mágica das últimas obras, mas sem deixar de mostrar o maniqueísmo presente no livro do autor, e as tragédias, dores e sofrimentos do povo nordestino. O diretor, Roberto Farias, um dos pioneiros do cinema nacional na década de 50, e quem imortalizou o rei Roberto Carlos nas telonas nos anos 60, reuniu um elenco formidável. Encabeçado pelo magnânimo Raul Cortez e o versátil José Dumont, não se deslumbrar será impossível. Além disso, teremos o desempenho sóbrio, austero de Antônio Carlos, o Mussum, na pele de um Cristo “queimadinho”. E como tira sarro, o debochado João Grilo, vivido por Renato Aragão. O filme tem tudo pra levar os brasileiros a encherem cinemas do Brasil e calar a boca da critica especializada, que sempre foi intolerante em relação aos filmes dos trapalhões.

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Construindo um Cara Certinho Um cientista recluso (John Malkovich) constrói um robô que se parece exatamente com ele para ir em uma missão espacial de longa duração. Incapaz de programar o androide com emoções humanas, o cientista resolve contratar Frankie Stone (Ann Magnuson), que terá a tarefa de ensinar algumas expressões e sentimentos humanos a maquina. E no final, o que parecia impossível acontece: a professora e o aluno se apaixonam. Mas como levar adiante este sentimento, entre um ser humano e uma máquina? (Data de Estreia: 03 de Abril) Louca academia de policia 4 – O cidadão se defende Um novo grupo de recrutas chega à Academia de Polícia e desta vez eles são voluntários civis, que aderiram ao plano “O cidadão se defende”, do Comandante Lassard (George Gaynes). Mas apesar de ter apoio governamental, o Capitão Harris (G.W. Bailey) está determinado em ver o plano fracassar, pois crê que os policiais podem perder seus empregos depois de algum tempo. (Data de Estreia: 03 de Abril) O Segredo do Meu Sucesso Recém-formado disposto a vencer na vida se faz passar por executivo de sucesso e consegue penetrar no mundo dos negócios. Duas mulheres podem pôr tudo a perder: a amante do chefe, por quem o rapaz se apaixona, e a mulher do chefe, que quer conquistá-lo. (Data de Estreia: 10 de Abril)

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Os Trapalhões no Auto da Compadecida João Grilo e Chicó ganham o sustento enganado os moradores de uma cidade do sertão nordestino.No entanto, os maiores enganadores da região são outros, muito mais poderosos: o major, o padre João, o sacristão e o bispo, revelando a exploração social que estes fazem dos despossuídos. Após as mortes realizadas pelos cangaceiros, as vidas de João Grilo e dos outros personagens mudarão com o julgamento do Circo no Céu. (Data de Estreia: 30 de Abril)

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agora sou a música p o r E S P E RAN Z A MAR I ANO

As 5 melhores soundtracks da década. os próximos meses temos a chegada de filmes que prometem trilhas sonoras dançantes e com chances de se tornarem grandes hits, com direito a lugar no topo da Billboard. Contudo, enquanto não temos o privilégio de nos deliciar com tais músicas, que tal relembrar alguns dos maiores sucessos musicais no mundo do cinema da última década? Montamos uma lista com as seis músicas que nos fizeram amar ainda mais algum filme.

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5. Take My Breath Away (1986) Provavelmente a mais recente dessa lista, Take My Breath Away ganhou o público de “Top Gun”, e ainda ocupou a primeira posição da Billboard Hot 100. Interpretada pela banda Berlin, a música também acaba de ganhar o Oscar de Melhor Canção Original. 4. Say You, Say Me (1985) Interpretada por Lionel Richie, a canção parte do filme “O Sol da Meia-Noite”, não perde para os outros colocados dessa lista. A composição ganhou o Oscar e Globo de Outro de Melhor Canção Original. Bem merecido. 3. Footloose (1984) Outra música feita especialmente para o filme de mesmo título, “Footloose” permaneceu por três semanas seguidas em primeiro lugar da Billboard! A música animada e imortalizada na voz de Kenny Loggins é perfeita para o longa, e ainda te deixa com vontade de sair com seus sapatos de dança pela a rua. 2. Eye Of The Tiger (1982) Feita sob encomenda para o filme “Rocky III” e imortalizada pela banda Survivor a canção permaneceu na Billboard Hot 100 por seis semanas seguidas! 1. What A Feeling (1983) Essa canção, parte do filme “Flashdance”, levou dois grandes prêmios para casa: Oscar de Melhor Canção Original e também o Globo de Ouro da mesma categoria. Interpretada por Irene Cara, ocupou o topo da Billboard e ainda rendeu à artista um disco de platina, em 1983. A batida da música entra em nossos corpos de tal maneira, que não merecia outra colocação em nosso Top 5. O primeiro lugar era inevitável.

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rítmo QUENTE p o r a n a c r i st i n a o s o r i o

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eguindo a onda musical, é anunciado o lançamento do próximo dance movie nos cinemas. Produzido com o que pode ser considerado um baixo orçamento (seis milhões de dólares), “Dirty Dancing- Ritmo Quente” só chega às telas em setembro mas garante, desde já, ser um marco do gênero. A trama se passará na saudosa década de 60, envolvendo a bem comportada Frances ‘Baby’ Houseman em uma paixão proibida pelo instrutor de dança Johnny Castle durante as férias de família. Johnny, o aparentemente perdido e irresponsável, mostra seu verdadeiro valor ao ter a frieza aplacada pela doçura da jovem Baby, que passa por uma batalha interior para se desvencilhar da imagem infantil e afirmar sua individualidade. Mais do que uma história de amor, o musical aborda a difícil transição da adolescência para a vida adulta. O enredo, é claro, promete muito romance, dança e um toque de sensualidade na medida certa. O casal protagonista ganhará vida nos nomes de Patrick Swayze e Jennifer Grey, que já tiveram a oportunidade de

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dividir a telona em Amanhecer Violento. O grande brilho no elenco, porém, é a lenda da Broadway Jerry Orbach, que ali estrelou produções célebres como Chicago e A Ópera dos Três Vinténs. Agora abrindo espaço na cena cinematográfica, Orbach viverá o pai controlador de Baby e ferrenho opositor a seu romance com Johnny. Outro detalhe notável do cast é a participação de Cynthia Rhodes, veterana no estilo musical, que fará o papel secundário de Penny, parceira de dança de Johnny que, debilitada, pede a Baby que a substitua. Rhodes traz a Dirty Dancing o peso da herança dance movie que vinga desde meados dos anos 70, tendo aparecido em muitos dos filmes notáveis do gênero. Além de ter feito ponta como bailarina em Xanadu, que marcou a virada da década em 1980, Cynthia também carrega participações em títulos de renome como o sucesso Flashdance (1983), que conquistou o pódium como terceiro filme mais assistido em seu ano de lançamento, protagonizado e eternizado pelos pés da estrela Jennifer Beals. Em Flashdance, a jovem Alex se alterna entre o trabalho operário e a dança


noturna, tentando realizar o sonho de se tornar profissional e nos proporcionando as coreografias mais explosivas e cheias de personalidade dos últimos tempos. No mesmo ano, Rhodes viveu a talentosa bailarina e cantora Jackie, compondo um triângulo amoroso com o galã dos musicais, John Travolta, em Os Embalos de Sábado Continuam - seguimento do já clássico Os Embalos de Sábado à Noite, de 77, gravado na memória de todos pelo emblemático terno branco do bad boy Tonny Manero (Travolta). A presença de Rhodes, ao que parece, é forte indício de que um sucesso está para surgir, e de que Dirty Dancing pode se tornar o próximo grande nome na calçada da fama musical. A proposta de Dirty Dancing, no entanto, vem lançar um novo modelo de par dançante. Enquanto os personagens bad boys imperavam desde Greaseno qual o inseguro Danny coloca sua imagem à frente de seu romance com a jovem Sandy- , Dirty Dancing propõe uma inversão de prioridades e papéis, sendo Johnny um orgulhoso sensível e Baby a sedenta por independência e afirmação.

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A tendência vigente até o momento, tão marcante em Grease, tem origem em uma subcultura de jovens trabalhadores norte-americanos nos anos 50- época de proliferação de gangues de rua. O estilo de seus participantes, os “greasers”, tidos como rebeldes e inovadores, atraiu os olhares da juventude e se tornou um hit que perduraria por décadas (inclusive no cinema). O caráter greaser domina quase todos os musicais desta época, convivendo com apenas algumas exceções. Em Footloose, por exemplo, Ren é um jovem correto, mas apaixonado por dança. Saído de uma cidade grande, ao se mudar para uma pequena comunidade cheia de regras e uma lei própria, tais características já são o suficiente para que Ren seja mal visto por figuras de prestígio do lugar. O personagem, porém, foge ao perfil bad boy, conservando dele apenas a fama, mas tendo como única preocupação restaurar o direito de dançar, que havia sido retirado dos jovens da região. Outra fuga da tendência greaser ocorre em Grease 2- Os Tempos da Brilhantina Voltaram, no qual o protagonista Michael é a perfeita imagem do rapaz bem comportado. Quando se apaixona, porém, Michael se empenha para ser aceito dentro

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do padrão “greaser” dominante e, assim, conquistar a atenção da jovem Stephanie, mostrando que, de uma forma de outra, o estilo se faz presente mesmo quando não está no centro do enredo. O diretor Emile Ardolino, porém, promete que Johnny conquistará o coração do público pelo estilo próprio, marcado pela simplicidade que faltava aos personagens greasers. Após a revelação de algumas cenas do longa pela equipe do filme na semana passada, o baixo orçamento, a fuga do padrão e os novos nomes entre o elenco parecem ter apenas acrescentado curiosidade aos fãs do gênero. Dirty Dancing surge envolto em tal aura de leveza, expectativa e publicidade singela, mas arrebatadora, que sugere uma sede de sucesso (ocasionalmente aplacada, mas não saciada) latente desde o gigante Flashdance. É dessa forma, com a promessa de um romance adoçado pelo que o show bis tem de melhor, que o filme alcança o posto dos mais esperados do ano. Sequenciando o reinado de um estilo que tem levado o cinema às discotecas de todo o mundo, os espectadores se colocam na torcida, esperando que Dirty Dancing seja, de fato, tudo o que vem parecendo ser.


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GRAVata

PARA ELAS por joão veiga

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primeira vista o figurino não é a principal preocupação de nós cinéfilos na apreciação de uma obra. No entanto, se viermos a aplicar um olhar um pouco mais generoso para a moda dos filmes descobriremos muito sobre o contexto narrativo e da personalidade dos personagens. Com o vencedor do Oscar de Figurino deste ano é assim, as roupas dizem muito, não só do contexto político e feminista do início deste século, mas também da própria evolução da postura cultural de moda deste período. Com a fotografia impecável e uma riqueza de figurinos que não deixa pra menos, Uma Janela para o Amor, conta a história da jovem inglesa Lucy que em uma viagem para Itália se apaixona pelo livre George. Uma verdadeira contração de personalidades. E se é de personalidade que estamos falando, ela é força maior das roupas pós século XIX. A mulher, ao longo da história vem tomando cada vez maior protagonismo social e sua imagem gradualmente se aliou com a do homem. Os figurinos do filme atestam isso. É quando a alfaiataria co-

meça a se fundir com os vestidos de inspiração rococó e podemos experimentar mulheres incríveis que vestem ternos simulados de corte italiano, ombreiras, chapéus de panamá quase masculinos, cinturas marcadas, todas envolvidas pelas perpétuas rendas. Já nesse período os antebraços fazem parte do desenho da roupa e as senhoras se dão ao verdadeiro luxo de carregarem uma beleza de cara limpa, de uma maquiagem límpida e translúcida. Sem ignorar jamais, o charme e status dos indispensáveis guarda sóis. Já os homens, parecem conformados com a imponência dos conjuntos de ternos, que com a eclosão da divisão de classes na Inglaterra de 1910 só se pode classificar em uma alfaiataria clássica (para os ricos) e urbana (para os trabalhadores). Nesse caso, os chapéus são os fiéis representantes da linha tênue de personalidade, poder e estilo. Jenny Beaven, a responsável pelo mérito, soube compor com imensa precisão a essência cultural e romântica do filme, mas seu talento vai além. Em uma época como a nossa, em que qualquer tentativa de afirmação estética se resume

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ao punk, podemos achar provável que passe despercebido as vistas dos figurinistas contemporâneos um olhar mais profundo e detalhista dos elegantes vestidos ingleses das primeiras décadas deste século. A inovação nos tecidos e nos pequenos cortes, que unem uma fração de modernidade sem que se perca a silhueta básica da burguesia britânica. Ainda assim alguém pensa em ignorar os figurinos? Pra um bom diretor e historiador, roupa é coisa sim de cineasta. Abaixo o preconceito para isso! Com a explosão da era VOGUE, traduzidas pra nossa língua de Coco Chanel à Vivienne Westwood, a indústria de moda se torna mais poderosa e logicamente que o público tende a se interessar por se alinhar a este cenário. Este é um dos motivos pelos quais os diretores estão cada vez mais atentos a estes detalhes e nos dão a oportunidade de apreciarmos a arte que está nos tecidos. Os figurinos de Uma Janela para o Amor fazem valer assistir ao filme, só por eles. Não se trata de brincadeira de mocinha. Ao contrário, moda virou diretriz de pensamento de muitos homens, por mais que poucos admitam, mas ela é sim a expressão sutil da mente de cada um, a capsula escolhida propositalmente por nós à fim de nos alinhar a um determinado padrão de bem estar e expressão. É por isso que a sétima arte tende a cada vez mais planejar as roupas de seus filmes de maneira sempre mais criteriosa, de modo que esta tenda a ser percebida como parte integrante da obra e não uma futilidade necessária. Esta sinergia que fez James Ivory ser indicado para sete categorias neste Oscar e levar três estatuetas para casa. É o olhar dimensional e perspicaz de artistas para a arte, de frame para película e da tela para o mundo.

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THE WINNER IS... p o r E S P E RAN Z A MAR I ANO

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guerra acabou. Como antecipamos na última edição, o grande vencedor desta 59º edição do Oscar, que ocorreu no último dia 30, no Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, foi “Platoon”, dirigido por Oliver Stone. Foram necessários 22 anos para que a fábrica de fantasias de Hollywood tocasse na ferida: a derrota americana na guerra do Vietnã. O filme levou as estatuetas de melhor filme, direção, montagem e som. Com astros iniciantes, como Charlie Sheen, Keith David, Tom Berenger, Willem Dafoe, Johnny Depp entre outros, o filme retrata de forma fria e, sem romantismo algum, o período da guerra do Vietnã. “Platoon” tem seu início meio confuso, somos jogados em um cenário e situação sem entender direito o que está acontecendo. Em momento algum o motivo do conflito no país asiático é tratado, o que, na verdade, pode representar o que os próprios soldados americanos sentiram ao serem encaminhados a essa guerra. O filme é contado sob a ótica do soldado Chris Taylor (Charlie Sheen), que logo ao desembarcar ao local de luta, já se depara com pessoas mortas e soldados baleados em situações críticas. E esse é um ponto forte do filme. As atrocidades são retratadas explicitamente, à sangue frio. Oliver Stone não teve intenção de romantizar esse evento trágico, ou retratar os Estados Unidos como os “bons moços”. Cenas dos soldados fazendo uso de drogas são algo frequente, assim como abusos sexuais. Algun nem mesmo sabiam por que estavam ali, como o personagem principal, Chris Taylor, que se voluntariou, enquanto a grande maioria se encontra presa no conflito sem saber o por quê.

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Uma curiosidade sobre o longe é que Oliver Stone escreveu o roteiro baseando-se em sua própria experiência durante a guerra. “Platoon” é, assim, a catarse do diretor sobre seu momento pessoal e de sua Nação. Mesmo ausente, preferindo tocar jazz em seu clube preferido de Nova Iorque, Woddy Allen levou mais uma estatueta. Desta vez por Melhor Roteiro Original por “Hanna e suas Irmãs”. O longa, que tem seu inicio e fim durante uma refeição do Dia de Ação de Graças, é uma comédia dramática. A trama tem seu roteiro girando em torno da família de Hanna (Mia Farrow), que, assim como todas as famílias, tem seus problemas, que são abordados ao longo do filme. Hanna, entretanto, é vista como a “familiar bem sucedida”, fazendo com que todos a vejam como algo inatingível e a responsável por resolver os problemas da família. Também contamos com a atuação caricata do ator/diretor Woddy Allen: o caso de depressão divertida. Ele dá vida a Mickey Saxe, ex-marido de Hanna, um homem hipocondríaco que passa por problemas no trabalho e em sua vida pessoal. Além disso, o filme também rendeu os prêmios de melhor atriz e ator coadjuvantes pelas atuações extraordinárias de Dianne Wiest e Michael Caine, que vivem Holly e Elliot, respectivamente. Elliot é o atual marido de Hanna, mas apaixonado por sua cunhada Lee (Barbara Hershey). Já Dianne Wiest representa a terceira irmã. “Uma Janela Para o Amor” também levou 3 estatuetas: melhor figurino, melhor roteiro adaptado - para Ruth Prawer Jhabvala - e melhor direção de arte. O filme, ingênuo e adocicado, foi o que mais teve indicações nesta edição do Oscar - foram oito -, mas sem vencer as


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principais categorias. (leia mais sobre o filme na pág. XX ). O veterano Paul Newman levou o Oscar de melhor ator por sua atuação em “A Cor do Dinheiro”. O filme, que parece uma sequência tardia de “Desafio à Corrupção”, de 1961. Eddie Felson (Paul Newman) é um ex- campeão de sinuca que enxerga em um jovem (nova aposta hollywoodiana, Tom Cruise), um sucessor. Por isso ele decide passar seus ensinamentos para ele. Contudo, os dois entram em um grande conflito ao se apaixonarem pela mesma mulher, Carmen (Mary Elizabeth Mastrantonio). Já a disputada estatueta de melhor atriz foi para Marlee Matlin, por uma atuação impecável em “Filhos do Silêncio”, dirigido por Randa Haines. O longa conta uma bela história de amor e superação. Marlee Matlin vive Sarah Norman, uma mulher introspectiva, que continua na escola mesmo após ter se formado. O professor de linguagens, James Leeds (William Hurt), percebe seus medos e aflições e decide ajudá-la. Ao longo da trama, os dois vivem uma belíssima paixão. A ficção científica foi muito bem representada por dois filmes: “A Mosca”, refilmagem do seu homônimo de 1958, que levou a estatueta de melhor maquiagem, ajudando o excelente trabalho do ator Jeff Goldblum, que vive o atormentado cientista e empresário que tem seus genes

combinados com os de uma mosca. E depois temos “Alliens – O resgate”, do novato e promissor diretor James Cameron, que levou o prêmio de melhores efeitos visuais e edição de som. Já o prêmio de fotografia foi para “A Missão”, filme inglês e dirigido por Roland Joffé. A melhor trilha sonora foi para “Por Volta da Meia-Noite”, enquanto o aclamado “Top Gun – Ases Indomáveis” recebeu a estatueta de “melhor canção original”, absolutamente merecida. O filme teve também uma das maiores bilheterias do último ano. A academia entregou o prêmio de filme estrangeiro para “O Ataque”, da Holanda. O longa dirigido por Fons Rademakers, conta a história de um garoto de 12 anos que assiste sua família inteira ser assassinada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. Bem comovente, a trama gira em torno da superação desse ocorrido, contudo as memórias de suas perdas mudam sua vida para sempre. Em uma análise geral, a 59º edição do prêmio cinematográfico mais famoso do mundo foi bastante satisfatória. Quase todas nossas apostas se concretizaram Sabemos que a premiação tem seu interesse mais comercial do que outras premiações como Cannes, por exemplo, mas ainda assim tem a escolha dos melhores filmes feita a dedo, e pouco são aqueles que deixam a desejar.

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HELEN

por joão veiga

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ram exatamente sete e quarenta e cinco da manhã quando terminava meu café na Loli Cópoli do excêntrico bairro Camden Town em Londres, esperando para encontrar uma das maiores promessas do cinema mundial. Para uma visita tão ilustre, não poderia deixar de cumprir com a pontualidade inerente aos filhos de Elizabeth. Logo que recebi a pauta da entrevista com ela senti certo temor, não sei se causado

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pela inferência de um fã ou pela ansiedade de um jornalista, mas o certo é que o brilho dessa atriz nos desestabiliza – deixemos de lado qualquer formalidade profissional. Cheguei às 8h10 - o encontro estava marcado para 8h30 - e de cara me surpreendi. Nada de multidões de assessores em uma mansão. Apenas uma simpática recepcionista que logo tratou de me identificar e me levar até minha entrevistada, sem essas introdu-


ções longas com orientações a respeito do que poderia ser perguntado. Ela é loira, 42 anos, londrina, carreira promissora, é sublimemente sexy e tem uma interpretação que agrada de Hollywood a Cannes, digo, Gregos e Troianos. Sabe ser tranquila até na maneira de receber mais um jornalista e seu olhar nos penetra de modo que ficar a seu lado é algo confortável, mas entende-se de maneira implícita que ela é a “dona da situação”. Essa é Helen Mirren, que nos concedeu uma breve e amistosa entrevista e que, apesar de não estar no elenco de nenhum lançamento recente, é daquelas que qualquer conversa se faz interessante. J. Veiga – Com a profusão midiática e artística da nossa década muitos atores se sentem invadidos, com a perda de privacidade. Como vem lidando com isso agora que está trabalhando em produções de Hollywood? Helen Mirren – Acho que realmente existe perturbação quando se fala de flashes e paparazzi hoje em dia, mas entendo e reflito que essa é uma imagem formulada propositalmente pelo próprio mercado midiático que tende a transformar os artistas em mitos, sendo que a maneira mais fácil de diferenciá-los do grande público é os inserir em um círculo de negatividade e dificuldade. Isso é bom para as magazines, as TVs e tam-

bém para o cinema. Digo isso porque consigo gerir minha vida pessoal e profissional sem transtornos e dificuldades. J. Veiga – Helen, você hesitou em ir para Hollywood? Helen Mirren – Sim, mas não por estes motivos, e sim porque sabia que deveria abandonar uma série de projetos na Europa. Sinceramente, o que me atraiu nos EUA foi a oportunidade de trabalhar com grandes diretores e conhecer a rotina de uma indústria do cinema como esta, além do salário. Não me arrependo. J. Veiga – Sua atuação em “A Costa do Mosquito”, como a personagem Fox, rende elogios e referências até hoje. Como foi o processo de filmagem? Helen Mirren – Obrigada pela parte dos elogios! Fox foi uma das personagens mais conceituais para mim, então me propus a estudar muito quais seriam os sentimentos de uma mãe de família tão proativa. Peter (Weir) foi um importante orientador para isso. J. Veiga - Algum projeto breve? Helen Mirren – Sim, estamos preparando para o ano que vem um lançamento que filmei até o início deste ano na ilha de Simi na Grécia. Trata-se de uma obra diferente de tudo que se vê por aí, porque possui uma fotografia muita clássica, aliada a um roteiro moderno. Ainda não decidimos o nome, porém em breve vocês saberão.

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COU COU CANNES p o r d a n i e l s a nt i s o

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mês de maio se aproxima e, junto a ele, o tradicional evento da primavera mediterrânea. Este ano, o Festival de Cannes, certamente um dos eventos mais importantes do cinema global, ocorre entre os dias 7 e 19 do mês, e em edição especial de aniversário! Completam-se 40 anos desde a sua primeira edição, em 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra. E se hoje vemos, pela televisão, o festival esbanjando toda a excentricidade e todo o requinte da cinematografia internacional, nem sempre foi assim: em seu início, essa grande festa do cinema teve dificuldade para se estabelecer e chegou mesmo a não ocorrer em dois anos devido a problemas financeiros. Sua origem, no entre guerras, está em tudo relacionada ao contexto político tenso da Europa da época. Sim, porque apesar de apenas ter se oficializado em 1946, o festival já era embrionado desde antes de 1939, quando começou a ser organizado de fato. Ele surge como um ato político de resistência à influência

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fascista no cinema: até o final da década de 30, o principal festival europeu ocorria em Veneza. À época, o fascismo se alastrava pela Europa e pelo mundo da arte, emanado de dois epicentros, sendo um deles a própria Itália e o outro a Alemanha. Em 1939, um filme francês era favorito a ganhar o Festival de Veneza, mas não ganha e dois filmes dividem o primeiro lugar – não por coincidência os filmes vencedores eram um alemão e um italiano, ambos com forte teor propagandístico do regime fascista. Juízes franceses, ingleses e americanos que compunham o júri renunciaram ao posto em sinal de protesto. Com o nacionalismo ferido e procurando legitimar-se como potência, também, por meio da arte, a França cria, neste mesmo ano, o seu próprio festival: o Festival International du Film, que acabou sendo cancelado após uma única exibição de O Corcunda de Notre Dame (W. Diertele). Isso porque a Alemanha acabava de invadir a Polônia, e a França adentrava, então, a Segunda Guerra


Mundial. Apenas em 1946, um ano após o fim da guerra, ocorre, oficialmente, a primeira edição do Festival de Cannes, iniciando-se a 20 de setembro de 1970. Ocorre todos os anos em setembro, a não ser em 1948 e 1950, quando não ocorre por falta de fundos. A partir de então, estabelece-se, como até hoje, anualmente no mês de maio. Se, de início, era tido como um festival mundano em que quase todos os filmes concorrentes levavam prêmios, na década de 50, ele se popularizava pela incessante midiatização e contanto com a ilustre presença de estrelas internacionais, como Grace Kelly, Sophia Loren, Brigitte Bardot, Kirk Douglas, Alain Delon, entre outros. É repleto, também, de intervenções históricas: o festival de 1968 foi interrompido em 19 de maio. Na véspera, Louis Malle, demissionário do júri, François Truffaut, Claude Berri, Jean-Gabriel Albicocco, Claude Lelouch, Roman Polanski eJean-Luc Godard, ao penetrarem na grande sala do Palácio, haviam exigido a interrupção da

projeção em solidariedade aos operários e estudantes em greve, naquele contexto conturbado da época. Hoje, é um festival dos mais estimado pelos cinéfilos em geral, mais até do que o próprio Oscar – que apesar de ser a cerimônia de premiação da mídia mais antiga e tradicional, é claramente influenciada por um espírito de mercado: propagandismo caro para produtoras tão caras quanto, em geral oriundas de Hollywood. Cannes tem objetivos cuja ambição ultrapassa o nível meramente comercial: “O objetivo do Festival é encorajar o desenvolvimento de todas as formas da arte cinematográfica, bem como criar e manter um espírito de colaboração entre todos os países produtores de filmes” (trecho do regulamento, 1948). Proposta que se vê fora do papel: nesses 40 anos de festival, foram 9 premiações a filmes lusófonos, em comparação com um único e solitário Oscar brasileiro de “Melhor filme estrangeiro”. Ano passado mesmo, a querida e talentosa Fernanda Torres foi agraciada com o

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prêmio de melhor interpretação feminina, sob direção de Arnaldo Jabor em Eu Sei Que Vou Te Amar. Isso ocorre, entre outros motivos, por iniciativas como a tomada pelo Festival em 1972: até então, os filmes que podiam aspirar à seleção eram designados pelo respectivo país de origem. A partir desta data, o Festival afirma a sua independência tornando-se o único decisor da Seleção Oficial dos filmes – barreira que até hoje não foi vencida pelo Oscar, por exemplo. Em Cannes, qualquer um pode inscrever um filme, e cada filme inscrito tem a chance de concorrer na competição ou, ao menos, de ser visto por representantes da indústria cinematográfica internacional e deslanchar no mercado para filmes originais. Além da tradicional competição, há outros espaços no Festival: filmes que participam da Mostra não-competitiva costumam ser aqueles a que o comitê de seleção de Cannes deseja dar o devido reconhecimento, mas que não atendem exatamente aos critérios da competição. No Un Certain Regard, costuma-se exibir filmes originais, técnicas experimentais e tendências de vanguarda que aparecem na obra de diretores consagrados, mas que ainda não foram reconhecidas no cinema convencional. Na festa desse nosso querido quarentão, tem até filme brasileiro concorrendo à Palma de Ouro. Será que “Um Trem Pras Estrelas”, de Cacá Diegues, vai partir mesmo rumo ao céu estrelado da Côte d’Azur? Vamos ficar ligados. Joyeux anniversaire, Cannes!

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uma estação chamada cannes po r v icto r a l m ei da

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N

o mundo do cinema, o Festival de Cannes – conhecido por muitos como o Festival de Cinema de Cannes – é o maior evento internacional da arte cinematográfica. Para o diretor de cinema desconhecido, o Festival de Cannes é uma dádiva. Não é como o Oscar, nele qualquer um pode inscrever um filme, e cada filme inscrito tem a chance de ser visto por representantes da indústria cinematográfica internacional. A combinação singular de cineastas iniciantes, de primeira viagem, e astros internacionais, cria um ambiente inigualável. Por um lado, temos a própria filosofia grandiosa do Festival, que coloca a arte acima de tudo. Por outro lado, temos as celebridades desfilando pelo tapete vermelho na apresentação principal, a imprensa tirando fotos de cada movimento e os seguranças do festival, que são famosos por não admitirem a en-

trada de pessoas cujos trajes não estejam de acordo com seus padrões. Neste ano, para surpresa de muitos, um filme brasileiro estará concorrendo à palma de ouro. “Um Trem para as Estrelas”, de Cacá Diegues, vem trazer ao Brasil a chance de mostrar para o mundo que, apesar do pouco incentivo a sétima arte, conseguimos, sim, fazer com que as nossas dificuldades transformem em beleza poética em movimento. Com a recriação do mito de Orfeu carregado para as áreas urbanas de um Rio de Janeiro horrível, transfigurado, sujo, mas que, ainda assim, produz beleza inspiradora para muitos, ocorre a imersão do espectador nos mais valiosos casos sociais que se misturam com o lúdico das fábulas oitentista, fazendo com que o público se inebrie de sensações tanto visuais como físicas. O filme narra a saga de Vinicius (Guilherme Fontes), o Vina, saxofonista que

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busca uma chance de ser famoso e que namora Nicinha (Ana Beatriz Wiltgen). Os dois vivem uma noite de amor, mas na manhã seguinte a menina some. Enquanto procura pela namorada, Vinícius vive uma verdadeira odisseia urbana, atravessando a cidade, sua violência, miséria, injustiças, se deparando com personagens altamente originais e com uma porção de referências datadíssimas, como Cazuza e a banda Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros. Dream, melhor amigo de Vina, trabalha como feirante e tem aquele sonho cafona e latino-americano de dar no pé e trabalhar nos Estados Unidos. Um rapaz bem humorado que, apesar da extrema dificuldade que é a sua vida, nunca deixou de sonhar. Sonhos esses que traçam o seu destino através de um assalto mal sucedido. Na peregrinação, Vinícius conhecerá também uma delegacia, onde o delegado (Milton Gonçalves) bebe cerveja durante o expediente. Carrancudo, esperto e forte em suas expressões, Freitas é um delegado linha dura que parece só sossegar quando o caso que está em suas mãos for resolvido. Vina ainda frequenta uma redação de jornal, habitada por tipos como o bêbado Teacher (José Wilker), repórter de sarcasmo abundante: “Também já fui brasileirinho feito vocês. Torcia pelo Flamengo, era Mangueira...”. Numa favela , Vinicius se depara com uma menina canonizada por um séquito de pessoas humildes que, devido as suas condições insalubres, se apoiam na possíveis bênçãos que podem sem concedidas pela mesma .Santinha (Cristina Lavigne),como fica conhecida pelo seus seguidores, traz um ar de mistério e esperança para o filme ao fazer chover

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arroz e feijão, sendo uma cena bastante poética e crítica. Podemos citar também Camila (Betty Faria), mãe de Vinicius, uma senhora que largou seu filho com o tio para viver na boemia da vida artística como dançarina de boate. Por fim, Nicinha, a namorada de Vinicius, que some no inicio da trama, mas como poucos acham, tem sim seu brilho próprio. É ela a chave de toda a busca de Vina. Ela é a peripécia mais bem “amarrada” produzida nessa década e, em contraponto a sua delicadeza e face angelical, revela-se corrompida por uma forma de mudar de vida fácil. Com o confronto de “dois mundos” mostrando como a sociedade realmente é, o filme apresenta uma pluralidade de temas impressionantes: a violência urbana, a miséria, o ópio do povo (religião), as drogas, o racismo, a ilusão de encontrar a felicidade em terras distantes, a imprensa sensacionalista que faz qualquer coisa para vender jornal, a televisão como meio de alienação, entre outros. Destaque para a inspirada trilha sonora assinada por Gilberto Gil e para a fotografia carregada de tons suaves que procura criar um espaço lírico, com um ritmo rápido (clima de videoclipe), bom elenco e roteiro envolvente. Um Trema Para as Estrelas” deixa transparecer aquele movimento reflexivo e opressivo típico do cinema nacional através de uma juventude que, marginalizada, estaria apta ao crime, desconstruindo uma imagem otimista e infantil colocada por uma sociedade hipócrita. Agora é torcer para que em Cannes o filme seja sucesso e vença, afinal, o Brasil precisa de motivação e estimulo pra suas produções cinematográficas.


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au revoir

les enfants p o r d a n i e l s a nt i s o

M

ais uma obra de Malle acaba de ser lançada no circuito francês. “Au revoir, les enfants” ou “Adeus, crianças” trata de entreguismo e colaboracionismo na França durante a invasão alemã na Segunda Grande Guerra – assim como seu último e polêmico filme lançado no país, em 73 (Lacombe Lucien), cujas críticas foram o motivo que levou o diretor a passar uma temporada nos Estados Unidos. Retornando, agora à sua terra natal, reitera suas críticas à cinematografia francesa do pós-guerra: basta de apelar a essa retratação idílica da França como

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um país de resistência e heroísmo à invasão alemã; ela foi também fortemente marcada por colaboracionismo com a ideologia nazista. Atentemos para os plurais casos de denúncia de refugiados judeus e para os episódios governamentais da França de Vichy, fantoche dos alemães após a rendição de Pétain em 1940. Havia quem lutasse contra a ocupação alemã, como havia quem colaborasse com os programas governamentais de deportação de judeus, como no caso do Rafle du Vélodrome d’Hiver que, em apenas dois dias, a polícia recolheu mais de 13.000 judeus no velódromo de


inverno para entregar aos campos de concentração germânicos. Malle, que desde “Lacombe Lucien”, havia se auto-exilado das pedradas da crítica francesa e, desde então, nos EUA, já havia lançado sete filmes, volta para sua terra natal, ao que parece ser, especialmente para lançar essa película, que trata de colaboracionismo, mas também de resistência. Vê-se, agora com mais clareza, os dois lados da moeda. Ele retrata a vida da alta sociedade francesa, enviando seus filhos para os internatos da Igreja. Até quase metade do filme, não se entende que se trata de um contexto de guerra. Para parcela da sociedade, a qual escolheu falar, pouco havia sido afetado no cotidiano. Julien Quentin faz parte desse mundo e é um menino mimado que gruda na saia de sua mãe e não quer ir pra escola. Ele, assim como o próprio diretor, tinha 11 anos nesse momento, em 1944, o que faz crer que é um heterônimo de Malle. Chegando ao internato, é noticiada a entrada de novos colegas de classe, entre eles Jean Bonnet, um menino que desperta a curiosidade de Julien ao se mos-

trar inteligente e habilidoso. Busca saber mais sobre ele até que, fuçando suas coisas, descobre que seu sobrenome não era Bonnet, como dizia, mas Kippelstein. O filme mostra, de maneira autobiográfica, a relação do diretor com esse personagem em seu passado, com quem viveu uma relação de amizade intensa e rápida, chegando a haver, inclusive, alguma alusão à sexualidade. Tudo é contado sob a ótica infantil de quem não sabe bem o que está vendo e ainda busca formar uma opinião, olhando a guerra nos poucos sinais que ultrapassam as muralhas do internato. Mostra bem as questões morais que permeiam a vida daquelas crianças em meio à guerra dos adultos. A fotografia e a trilha sonora, ainda ressaltando essa visão infantil e onírica, são tranquilas e sutis, a estética suave contrasta com a dramaticidade do que está sendo contado, os cenários tranquilos, com a feiura dos atos humanos. Malle não quer explosões dramáticas, retrata tudo de maneira simples, por vezes dá alarmes falsos, até chegar, como já se via, ao ainda silencioso, mas extremamente sentimental “au revoir” final.

chapelaria hilson

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o Ăşltimo adeus po r p e d ro m e l lo

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O

telefone não parava de tocar. Nunca havia acontecido algo do tipo antes. Quem seria? Por quê tão cedo? O que de tão grave ocorreu para que não parassem de me ligar? Resolvi atender, para dar fim a toda aquela angústia. Não posso negar que os ventos sopravam para um futuro, no mínimo, nebuloso. Existe, no entanto, uma diferença gritante entre o que pode acontecer e o que de fato acontece. Essa linha, apa-

rente tênue, quando ultrapassada, deixa tudo de cabeça pra baixo, gera caos e transforma realidades, circunstâncias, projetos, vidas. Transforma o mundo. E essa notícia não poderia ter sido pior. Pensei muito tempo antes de escrever essa matéria. Não sabia direito como abordar o assunto, se meu texto seria informativo, se usaria de metáforas para mandar a minha mensagem. Depois de muito tempo refletindo, decidi, que dessa vez, eu daria a minha “cara a tapa”. Que

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dessa vez, pelo menos, eu não iria ignorar o que está acontecendo, o contexto em que vivemos e que seria bem claro, cristalino, que minha mensagem seria explícita. Pois bem, cá estou. Foi anunciado há pouco que o Estado decretou o fim do Ministério da Cultura e com ele o fim da Embrafilme, do Concine e da Fundação do Cinema Brasileiro. Foram extintas leis de incentivo à produção e a regulamentação do mercado cinematográfico. Não existe mais cinema. Não há mais histórias a serem contadas, mensagens a serem transmitidas (mesmo que nas entrelinhas), não há mais cor. Não há mais objeto de mudança social, não há mais meio de fomentação de cultura, debate, reflexões. Uma parte da cultura morreu, junto com esse decreto. O cinema vai além dos filmes, dos atores, da produção, dos figurinos e locações. O cinema vai além do roteiro. Nele estão envolvidas milhares

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de pessoas, sentimentos, ideais, visões de mundo, fé. Acreditamos naquilo que fazemos, e o fazemos por amor. O que nos resta, agora? Agora nos resta o tempo. A aflição, a angústia, o desespero. Nos resta a esperança, por menor que seja. Não deixaremos de acreditar que um dia essa tempestade cessará e que o sol volte a brilhar como outrora. Por enquanto, é o que nos resta. A você, amigo leitor, este é meu adeus. Sentirei saudades, essa revista (assim como o cinema) marcou minha vida de uma maneira ímpar. Incrível como as artes possuem o poder de mudar a sociedade, o mundo. Não esquecerei jamais os momentos que dividimos, as crises que passamos, os frutos que colhemos. Jamais esquecerei da vitória de O Pagador de Promessas no Festival de Cannes, emocionante. ..jamais esquecerei do ápice que presenciamos. Não me deixem esquecer de Vidas Secas, por fa-


vor. Nem dos amigos que fiz, das histórias que vivi e que fiz acontecer. Não esqueçam, vocês, de suas próprias histórias. Eles podem nos tirar a cultura, o cinema. O golpe é forte, é cruel, é desumano. É imensurável a perda, honestamente. Há um clima fúnebre na Revista, é possível sentir isso a cada passo, cada olhar, cada cumprimento carregado de emoção. Há uma certa sensação de algo inacabado, de que certas mensagens não foram ditas, de que talvez perdemos tempo com outras coisas menos importantes que a cultura em si e o viés político que ela carrega. Quem poderia saber, no entanto? Quem poderia adivinhar que isso iria acontecer? Depois do golpe do Cinema Novo, aprendemos a nos reerguer, continuamos a fazer o cinema que idealizamos, só que adaptado. A essência, no entanto, era a mesma. Agora não há mais desvios, adaptações. Acabou.

A memória talvez vá embora com o tempo, mas o coração permanece quente, pulsante, sanguineo. Não podem tirar aquilo que somos, nossas essências. Não podem tirar a nossa verdade. Um dia iremos contar a história do nosso país e esse momento será um passado sombrio. Lembraremos com nostalgia a nossa união em um momento tão (in) tenso como o que presenciamos agora. E então avançaremos as páginas rumo à redenção. Um dia isso tudo há de acabar. Acreditemos É preciso que, de alguma forma, se tire uma lição das experiências, dos acontecimentos. Algo bom, necessariamente. Que seja a luta. A fé. A vontade. O futuro, diferente. Qualquer que seja a lição aprendida, que ela venha acompanhada de sabedoria. É preciso que se aprenda com o passado. Talvez seja esse o maior legado que deixaremos às futuras gerações : relatos do que não deve ser. Por enquanto, leitor, eu me despeço.

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Acabou o filme, a música já parou de tocar, os créditos finais já desapareceram da tela. O que fica é a saudade.

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Adeus.

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OLHONU

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