Chanel Antes de Chanel

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ÍNDICE CAPÍTULO 1 – A VIDA DE COCO CHANEL........................................................... 4 O começo de tudo.............................................................................................. 11 A guerra e o sucesso ......................................................................................... 12 A ascensão ........................................................................................................ 14 A reclusão, o retorno e a glória .......................................................................... 17 CAPÍTULO 2 – CHANEL E O MERCADO POPULAR .......................................... 21 Homenagem, inspiração e cópia........................................................................ 24 Chanel e o repúdio as inspirações ..................................................................... 25 O status de vestir uma grife – parte I ................................................................. 28 ... E hoje em dia. ................................................................................................ 30 O mercado popular da moda.............................................................................. 34 Tamanhos especiais e a acessibilidade das marcas ......................................... 40 Chanel nos acessórios....................................................................................... 42 Os falsificados.................................................................................................... 45 Resumindo......................................................................................................... 47 CAPÍTULO 3 – CHANEL E O MERCADO DE LUXO ............................................ 49 O mercado de luxo de Chanel............................................................................ 50 O conceito do mercado de luxo.......................................................................... 52 A publicidade e a comunicação no mercado de luxo ......................................... 55 Os novos ricos inseridos no mercado de luxo.................................................... 58 O impacto das falsificações no mercado de luxo ............................................... 59 A marca Chanel no mercado de luxo ................................................................. 60 O status de vestir uma peça Chanel (original) ................................................... 63

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CAPÍTULO 4 – CHANEL E LAGERFELD: A CONTINUIDADE DE UM TRABALHO .............................................................................................................................. 69 Prazer, Karl Lagerfeld! ....................................................................................... 70 A diferença básica entre as roupas do período Chanel e do período Lagerfeld 72 Chanel e suas it-girls.......................................................................................... 76 Karl Lagerfeld e suas it-girls............................................................................... 78

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CAPÍTULO 1 – A VIDA DE COCO CHANEL

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Prazer, Gabrielle Chanel!

Certamente se você está lendo esse livro, deve ser uma mulher ao menos interessada por moda. Caso você seja um homem, aprecio a sua vontade de descobrir um pouco mais sobre o universo feminino, mas já adianto que não conseguirei te explicar o motivo pelo qual nós, mulheres, temos tantos sapatos e bolsas no armário.

A questão é que, mesmo com tantos sapatos e bolsas no armário, nós sempre sentimos que está faltando alguma coisa, um toque especial. Mesmo cada mulher tendo seu próprio estilo, seja ele excêntrico, cool, romântico ou clássico, a maioria de nós tem algumas peças básicas no guarda-roupa. Aquelas peças que, se colocadas no momento certo, mudam todo o contexto da roupa e torna o visual mais apropriado para a situação. Não sou Tim Gunn, Stacy Clinton, ou até mesmo Glória Kalil, mas aprendi lendo seus livros, vendo seus programas e prestando atenção em suas palavras, alguns dos principais itens que qualquer mulher deve ter no armário. Inclusive, posso citá-los aqui:

- Camisa branca; - Calça preta; - Blazer preto; - Vestido preto (ou o famoso "pretinho básico"); - Saia evasê; - Acessórios (colares, braceletes, brincos);

Se fizermos uma pesquisa rápida pelo Google, vamos descobrir que dessas seis invenções, todas foram criadas por Gabrielle Bonheur Chanel. Se você é uma mulher que realmente gosta de moda, vai associar o último sobrenome com o da marca Chanel, correto? Sim, você está certa.

Para falarmos dela, temos que tentar ao menos entender a sua história e a razão 5


pela qual seu estilo seja ponto de referência até hoje.

Caricatura feita por Cecil Walter Hardy Beaton em 1953 FONTE: Reprodução

Gabrielle Bonheur Chanel nasceu em 19 de Agosto de 1883, na cidade de Saumur, interior da França. Sinto lhe dizer, mas a história de Chanel é bonita até aqui.

Após a morte de sua mãe em 1895, Gabrielle e sua irmã Julia foram abandonadas pelo pai em um orfanato na cidade de Aubazine. O orfanato comportava um internato gratuito para moças necessitadas, que era o caso das irmãs Chanel. Ou seja: elas foram educadas e instruídas por caridade.

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Sobre a sua criação, Chanel dizia: “Tenho sido ingrata com minhas detestáveis tias, afinal, devo a elas tudo o que tenho. Uma criança revoltada acaba se tornando uma pessoa com couraça e força. Os beijos, os carinhos, as professoras e as vitaminas transformam as crianças em adultos infelizes e doentios. As tias malvadas criam vencedores, incutindo-lhes complexos de inferioridade, embora no meu caso o resultado tenha sido um complexo de superioridade."

A partir dos 20 anos, Chanel começou a trabalhar como vendedora em uma das lojas mais frequentadas da cidade de Moulins, que vendia luvas e meias. Foi nessa loja que Chanel conheceu seu primeiro "amor": o afortunado general Etienne Balsan. O "amor" que me refiro com certo tom de ironia, que será compreendido mais a frente.

Depois de algum tempo, Chanel começou a trabalhar em um café-concerto de Moulins, como poseuse. Uma poseuse tinha a função de distrair o público entre uma dançarina e outra, cantando músicas alegres para, principalmente, valorizar o estabelecimento. Gabrielle, que não tinha o mínimo talento para a música, sabia cantar apenas duas canções: Ko-Ko-Ri-Ko e Qui qu'a vu Coco. Ficou conhecida no café como Petite Coco, em referência a uma das únicas músicas que sabia cantar razoavelmente. Não demorou muito tempo para que Chanel percebesse que a vida como poseuse não lhe traria dinheiro e muito menos fama.

Foi nessa época que Chanel reencontrou sua tia Adrianne, irmã mais nova de sua mãe. Adrianne também havia morado no orfanato onde Chanel foi criada e por isso as duas, que tinham quase a mesma idade, eram praticamente irmãs. Adrianne convidou Chanel para morar consigo na casa de sua amiga afortunada, Maud que, além de ter dinheiro, também era muito próxima dos militares do 10º Regimento de Cavalheiros-Caçadores. Esse foi o momento de reencontro de Chanel e Etienne Balsan.

Etienne Balsan era tido como um jovem de boa fortuna, mesmo sendo órfão. 7


Frequentava lugares da moda, ia aos melhores cafés da cidade e estava sempre em companhia de prostitutas de luxo, como Èmilienne d'Alençon - que será fundamental na ascensão de Chanel.

Balsan apaixona-se por Chanel e resolve convidá-la para morar no castelo de sua família. Aqui poderíamos ter um final feliz, certo? Algo do tipo: "Com o apoio do amado Balsan, Chanel descobre sua paixão pelas roupas, resolve abrir um ateliê, torna-se famosa e vive feliz para sempre". Mas a história de Chanel é igual a sua personalidade: volátil e muito, muito dramática.

Chanel não veio de uma família rica tampouco conhecida. Seu pai era vendedor ambulante e sua mãe, sempre doente, cuidava da casa e dos filhos. Na sociedade francesa do final do século 19, uma mulher sem família e fortuna era vista como acompanhante, prostituta, mundana. Tudo, menos como mulher. E foi nessa realidade que Chanel viveu durante todo o tempo que morou no castelo de Etienne.

E você deve estar se perguntando: "Mas Etienne não fez nada para tornar Chanel aceita pela alta-sociedade?" e minha resposta é não. Etienne tinha um carinho especial por Chanel, é verdade, mas a via exatamente como uma acompanhante, que deveria ser eternamente grata a ele por ter saído dos cabarés e cafés da cidade.

Chanel, que já fazia suas próprias roupas, tornava-se cada vez mais diferente das mulheres da época: ao invés de usar vestidos armados, com enormes caldas e adereços no cabelo, vestia sobretudo masculino e chapéu de palha - ambos os itens roubados do guarda-roupa de Balsan. Esse estilo de se vestir era, acima de tudo, uma maneira desesperada de parecer diferente e não transmitir a ideia de que era uma cortesã acompanhando Balsan.

Chanel roubava os chapéus de Balsan e, para dar um toque especial ao adereço, 8


enrolava uma gravata da cúpula do chapéu, formando uma espécie de faixa. As mulheres da época, que tinham suas cabeças e cinturas esmagadas por espartilhos e apertadas por chapéus exageradamente grandes, enxergavam em Chanel uma mulher diferente, mas incrivelmente confortável em suas vestimentas.

Coco Chanel jovem, representada pela atriz Audrey Tatou no filme Coco antes de Chanel. FONTE: Divulgação

Uma das mulheres que se interessaram pelo estilo excêntrico de Chanel foi a prostituta de luxo Èmilienne d'Alençon, uma das principais acompanhantes de Etienne Balsan. Èmilienne interessava-se pelos chapéus feitos por Chanel e ela, vendo isso como uma maneira de se divertir, fazia chapéus de palha para Èmilienne.

Os chapéus que Chanel fazia caíram nas graças de todas as outras amigas de Èmilienne e por isso, Chanel era sempre requisitada para fazer novos modelos. Além da simplicidade de suas peças (o que, na época, era um absurdo), Chanel

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chamava a atenção também dos amigos de Etienne. Um desses amigos era Arthur Capel, mais conhecido como Boy. Boy era um inglês que trabalhava com importação de carvão e tinha interesses muito parecidos com os de Etienne. Principalmente por cavalos.

Ao passar uma temporada no castelo de Etienne, Boy conheceu Chanel e encantou-se por sua simplicidade e pela maneira que ela havia encontrado para ser diferente de todas as outras mulheres. Nessa mesma época, Chanel estava pensando em abrir a sua própria loja, porque estava cansada de trabalhar para as madames da região. Pensou em pedir ajuda para Etienne, mas sabia que ele não ia gostar da ideia. Precisava de alguém para ajudá-la. E Boy era a melhor pessoa para isso.

Convencido contra sua vontade, Balsan abre para Chanel uma loja em Paris com a condição de que todo o valor investido no empreendimento fosse devolvido integralmente para ele quando a loja fizesse sucesso - o que Balsan sinceramente não acreditava que fosse ocorrer.

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Rue Cambon, endereço da Chanel Modes. FONTE: Reprodução

O começo de tudo... Chanel muda-se para Paris junto com Boy Capel e inaugura a sua loja de chapéus. As indicações eram tantas que o sucesso de Chanel não demorou muito para chegar e por isso, após um curto período nesse pequeno estabelecimento, Chanel resolve abrir uma loja maior, na Rue Cambon. Assim estava inaugurada, em 1910, a Chanel Modes.

O estilo de Chanel, mesmo sem nenhuma formação em moda, chamava a atenção das mulheres justamente pela sua simplicidade completamente contrária as roupas exageradas da Belle Epóque.

As amigas de Etienne Balsan que foram as primeiras a usar as criações de Chanel agora eram artistas de primeiro plano e seriam fundamentais para a ascensão de 11


Chanel no restante da sociedade francesa. Suas criações começaram a aparecer em publicações da época como a Les Modes e na cabeça de artistas como Gabrielle Dorziat e Geneviève Vix.

Em decorrência do sucesso exagerado de seus chapéus, Chanel inaugura - com a ajuda financeira de Boy Capel - sua segunda loja na região de Deauville, em meados de 1913. Agora além dos chapéus, Chanel também começava a fazer suas primeiras peças de roupa e sua tia Adrianne foi uma das primeiras modelos das criações de Chanel.

Chanel começou a buscar no universo masculino, inspirações para a criação de suas roupas. Uma das primeiras releituras feitas por Chanel foi a camiseta listrada de azul e branco, que ela viu em uma de suas viagens românticas com Boy Capel na costa da Normandia. Além de camisetas, saias menos amplas e com modelagens mais simples, taiullers de corte reto e cores sóbrias faziam parte das primeiras coleções de Chanel. Estava tudo bem, até a Primeira Guerra Mundial estourar.

A guerra e o sucesso Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914 as pessoas começam a fugir de suas cidades e os estabelecimentos começam a fechar. Com um sexto sentido aguçado, Boy convence Chanel a não fechar a loja de Deauville, sendo essa a única loja aberta da região, mesmo com a guerra e o perigo iminentes.

Fugindo das províncias invadidas, os donos dos castelos de Paris e região começam a fugir para suas casas de verão em Deauville. Suas mulheres, que precisavam de roupas práticas e sem muitos adereços deparam-se com a única loja aberta da cidade: a Chanel Modes. Na França em período de guerra, havia três tipos de pessoas: as que sofriam, as que falavam e as que aproveitavam. No caso da cidade de Biarritz, os enriquecidos diziam-se dispostos a comprar 12


qualquer coisa. Em tempo de guerra, isso tinha um sentido precioso: o luxo.

Com a percepção aguçada, graças ao sucesso da loja de Deauville, Chanel e Boy abrem em Biarritz uma Maison enorme com uma coleção de vestidos e roupas que na época, só eram possíveis para as pessoas que estavam lá - e faziam de tudo para ter um pouco de luxo. O local escolhido para essa abertura foi perfeito: na frente do cassino da cidade. Além do lugar privilegiado, Biarritz ficava próxima a Espanha, o que significava mais clientes.

Nessa mesma época, Chanel sentiu a necessidade de procurar outro tecido que se assemelhasse ao tricô para poder continuar com as suas criações. O empresário francês Jean Rodier apresentou à Chanel, sem esperanças, o jérsei. E isso era exatamente o que ela procurava: um tecido extremamente maleável, que permitisse criações mais flexíveis e que não ficasse grudado ao corpo. Depois de comprar todo o estoque de Rodier, Chanel jurou ao próprio que este tecido revolucionaria o mercado.

Com o avanço de vendas e o sucesso de suas roupas e acessórios, Chanel tinha três lojas e comandava cerca de 300 operárias. Pagou tudo que devia para Boy Capel e para Etienne Balsan, que nessa altura do campeonato era apenas uma pessoa deixada no passado, e estava finalmente independente, pelo menos financeiramente, já que Coco Chanel e Boy Capel estavam completamente apaixonados. Com o uso do jérsei nas roupas, as vendas das lojas de Chanel sobem vertiginosamente e suas criações fazem muito mais sucesso entre as mulheres do que as criações de seu maior rival da época, Paul Poiret. Estava tudo perfeitamente bem. Eu disse estava.

Em Dezembro de 1919, Arthur Boy Capel sofre um terrível acidente de carro e morre. Essa é a primeira vez que Chanel fica desolada e visivelmente acabada. Um fato interessante é que, mesmo depois de todo o seu sucesso e sendo conhecida como a principal figura do século XX, Chanel nunca deixou de afirmar 13


que com a morte de Boy Capel nunca mais amou nenhum outro homem, nem mesmo o compositor Igor Stravinski, com quem Chanel teve um t贸rrido romance tempos depois.

A ascens茫o

Chanel por Roger Schall FONTE: Roger Schall/ Collection Schall

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Depois de algum tempo de isolamento, Chanel deposita sua tristeza e amargura em suas criações e em 1920 cria uma de suas maiores invenções: o perfume Chanel nº5. O perfume, produzido pelo químico Ernest Beaux é o primeiro perfume que leva essências sintéticas de flores e o primeiro perfume de uma grife. O número 5, segundo a lenda, deve-se ao fato de que, entre 10 amostras de perfume, Chanel preferiu o quinto exemplar.

Além de manter suas lojas, Chanel também começa a participar de grandes espetáculos como figurinista, sendo um deles o musical inspirado na Grécia antiga chamado Antigone que além de Chanel, tinha cenários de Picasso e música de Honegger.

Com a explosão do preto em decorrência do movimento Art-Déco, a Vogue americana de 1926 publica em suas páginas, um vestido preto de Chanel, com as mangas compridas e afirma que este era um uniforme que todas as mulheres deveriam ter. É o início da padronização das roupas e o auge absoluto do “pretinho básico”.

No final deste ano, Chanel muda-se para a Inglaterra para viver com seu novo companheiro, o Duque de Westminster. Com essa mudança, Chanel encanta-se com o tweed, com as boinas, com as jóias usadas durante o dia (principalmente braceletes), com os colares de pérola e broche de pedrarias.

Com o advento da modernidade, Chanel inova mais uma vez e em 1929 lança a calça feminina, diretamente inspirada na vestimenta masculina.

Em 1930, Chanel é convidada por Sam Goldwyn, grande magnata de Hollywood, para vestir grandes estrelas da época com suas coleções. É o primeiro contrato milionário de Chanel e, com a divulgação de sua marca através dos filmes, Chanel chega à America do Norte.

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Chanel também foi a primeira estilista não-especializada em jóias que lançou uma coleção de colar, pulseira e testeira de diamantes.

Em 1933, Chanel inicia um romance com o jornalista e artista plástico Paul Iribe. Após a morte de Arthur Boy Capel, Iribe foi o único homem por quem Chanel apaixonara-se. Com o casamento marcado, Chanel foi posta mais uma vez à prova com o falecimento precoce de Paul Iribe, em 1935. Com isso, inicia-se um longo período de solidão para Chanel.

Desde então, Chanel nunca tivera uma rival à altura. Essa condição muda com uma reportagem da Vogue em 1937 – a mesma que anos atrás a colocara no auge – que decreta que os tricôs de Elsa Schiaparelli eram a peça do ano.

Mesmo sendo completamente opostas, as criações de Chanel e Schiaparelli agradavam e atraíam o mesmo tipo de mulher – mostrando a pluralidade do guarda-roupa feminino e seus diversos estilos.

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A reclus茫o, o retorno e a gl贸ria

Chanel por Lipnitski e Roger-Viollet FONTE: Chanel

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Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939, Chanel fecha as portas de sua Maison e vive reclusa durante muitas semanas. Pouco tempo depois, Chanel partiu para a Suíça e lá permaneceu por oito anos, voltando para a França em breves temporadas.

Muitos escritores associam o sumiço de Chanel nessa época com a sua possível colaboração com a Alemanha nazista de Adolf Hitler. Chanel era, segundo muitos escritores, amante de Hans Gunther Von Dincklage e contribuía dando informações preciosas aos generais nazistas. As informações desse período da vida de Coco Chanel são muito desencontradas, o que dificulta uma verdadeira definição sobre o que realmente aconteceu.

Com o seu sumiço inexplicável, o fechamento de seu ateliê e a criação do New Look de Christian Dior, Coco Chanel e suas criações caíram no esquecimento.

Chanel em seu apartamento, na Rue Cambon. FONTE: Reprodução

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A volta de Chanel ocorreu em 1954 com uma coleção polêmica, que foi criticada na França por diversas revistas, que a zombaram pela sua idade e pelo congelamento de suas ideias.

Em diversas entrevistas, a própria Chanel assumiu que os quinze anos de inatividade fizeram-lhe perder a prática.

Chanel observa a manequim com uma de suas criações FONTE: Reprodução

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Se na França suas criações eram uma catástrofe de venda, nos Estados Unidos Coco Chanel se reerguia com uma coleção inovadora que a fez entrar definitivamente no hall das grandes maisons. Era seu retorno triunfal.

A partir do seu retorno, Chanel reinou sobre a Alta Costura dos 79 aos 88 anos de idade. Vivia apenas para o trabalho e a sua paixão pela moda podia ser vista pelo seu empenho e perfeccionismo nas roupas que ela fazia questão de conferir pessoalmente.

Chanel morreu em Janeiro de 1971 em sua suíte no Hotel Ritz, em Paris.

O motivo de tudo

Chanel não teve um marido e nem filhos, mas suas criações eram desenhadas especialmente para mulheres que necessitavam de praticidade ao invés de beleza. Mas qual seria o motivo disso?

Se sintetizarmos a história de Coco Chanel, podemos perceber que desde o início, sua história não seguiu caminhos convencionais. Não para as mulheres daquela época. Quando foi abandonada pelo pai em um orfanato ainda menina, Chanel teve que aprender a conviver com as pessoas, gostando ou não delas. Quando completou 18 anos, sabendo apenas remendar calças e fazer pequenos ajustes, foi trabalhar em um café como cantora/garçonete e também teve que conviver com os mais diversos tipos de pessoas. A vida, desde o começo, não foi fácil para ela. Chanel não foi criada em um enorme castelo com inúmeros empregados para satisfazer seus pedidos. Não tinha vestidos elaborados e sim duas ou três trocas de roupas. No começo, Chanel dependia exclusivamente de seu trabalho para comer e dormir em algum lugar aceitável.

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CAPÍTULO 2 – CHANEL E O MERCADO POPULAR

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Chanel observa sua biblioteca, em sua casa, na Rue Cambon. FONTE: Chanel Inc.

Chanel conviveu com a burguesia, mas não fazendo parte dela e sim, divertindolhes. Fazia questão de não pertencer. Mesmo sendo a petite de Balsan e consequentemente, com a oportunidade óbvia de ingressar na burguesia, Chanel preferia se esconder em um dos quartos para fazer chapéus, cortar algumas camisas de Balsan e fazer experimentos com todos aqueles tecidos.

Provavelmente quando começou a recortar as primeiras camisas masculinas de Balsan, Chanel não tinha ideia do que estava fazendo. Não tinha noção de que aquelas camisas, décadas depois, seriam fundamentais na solidificação de sua carreira como estilista à frente do seu tempo. Talvez essa tenha sido a magia de toda sua trajetória: Chanel fazia roupas para a sua realidade.

A realidade que Chanel projetou há 90 anos atrás é a mesma de hoje e é por causa de suas peças atemporais que ela é lembrada toda vez que alguém compra 22


um colar de pérolas originais na França, um perfume nº5 nos Estados Unidos ou uma bolsa falsificada com o logo Chanel no Brasil.

O motivo desse livro é mostrar a influência das invenções da estilista até os dias de hoje em todos os sentidos de consumismo já que, com o aumento dos blogs de moda, da influência de novas formadoras de opinião e da frequência de reposição e criação das lojas fast-fashion, não é preciso comprar uma peça Chanel original para vestir o estilo Chanel.

A marca Chanel com a direção artística de Karl Lagerfeld nos dias de hoje vai bem, obrigada, mas o objetivo desse livro é mostrar que o estilo pulverizado por Coco Chanel lá no começo dos anos 20, além de ainda fazer sentido e ser fonte de inspiração de muitas mulheres, também é marco de uma revolução silenciosa, feita ingenuamente por milhares de mulheres que, graças à Gabrielle Chanel (e tantas outras anônimas), puderam afrouxar seus espartilhos apertados e respirarem aliviadas.

Chanel em 1883. FONTE: Reprodução

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Homenagem, inspiração e cópia Agora que você já sabe um pouco sobre a história da vida de Gabrielle Chanel, podemos ir um pouco mais adiante.

Ao invés de falar sobre o quão maravilhosa deve ser a sensação de ser proprietária de uma bolsa Chanel 2.55, vamos falar sobre o estilo Chanel que circula entre todas as classes sociais, independente do valor financeiro da peça. Uma coisa que precisamos assumir é: boa parte das marcas que você usa hoje se inspira nas roupas que Chanel criou, lá nos anos 20. Talvez não seja uma releitura fiel, uma homenagem, mas em algum detalhe, sim, Chanel está no seu guardaroupa.

Antes de falarmos sobre a difusão do estilo de Chanel, temos que falar sobre as diferenças básicas entre uma homenagem, uma inspiração e uma cópia.

A homenagem de uma roupa funciona como uma espécie de releitura do que já foi feito. Não necessariamente segue os padrões da peça inspiradora, mas possui características bem próximas: mesmo corte, mesmo tecido, mesma cor, mesmos detalhes. Você pode encontrar esse tipo de roupa em lojas de departamento como a C&A, a Renner e outras lojas do gênero.

A inspiração também é uma homenagem, mas ao invés de seguir características próximas, se baseia no que já existe para criar algo novo. A diferença pode estar justamente onde a releitura se baseia: na cor, no tecido ou no detalhe. Você também pode encontrar essas roupas em lojas de departamento, mas também em lojas especializadas.

A cópia é uma cópia, daquele jeito que conhecemos: a maioria das vezes malfeita, com mão de obra barata, sem qualidade, mas por um preço extremamente 24


(ênfase no extremamente, por favor) tentador. Para termos o mínimo da sensação de possuir algo muito caro, geralmente nos seduzimos por essas cópias, por mais que, em uma conversa casual, repudiamos quem compra produtos falsificados.

Chanel e o repúdio as inspirações A questão não é o preço alto (que é um assunto que abordaremos no próximo capítulo), mas sim o status (que é outro assunto que abordaremos no próximo capítulo). Para nós, pobres mortais, ter uma bolsa Chanel original é como se fosse um marco histórico do tipo “eu cheguei lá”. E quando chegamos lá, queremos mostrar para todo mundo que nós podemos comprar uma bolsa cara, mesmo com tantas contas no fim do mês para pagar. Talvez seja a primeira e única Chanel de nossas vidas. Mas o que importa é o marco que isso representa na vida da maioria das mulheres que gostam/se importam com moda.

Enquanto não chegamos lá, vamos nos aventurando entre bolsas falsificadas ou inspiradas em Chanel. Quando digo “em Chanel” não me refiro á marca, mas sim em Gabrielle Chanel, a pessoa “culpada” por tudo isso.

Falando nisso, em 2010 a empresa Chanel publicou uma nota de informação na página do WWD (espécie de jornal especializado em moda) destinada a todos os jornalistas e publicitários com os seguintes termos:

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Uma nota de informação e súplica para editores de moda, publicitários, copywriters e outros usuários que usam o nome Chanel com boas intenções:

Chanel foi uma designer, uma mulher extraordinária que fez uma contribuição atemporal para o mundo da moda. Chanel é um perfume.

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Chanel é a elegância moderna na alta costura, no ready-to-wear, acessórios, relógios e jóias. Chanel é nossa marca registrada para fragrâncias, cosméticos, roupas, acessórios e outras coisas adoráveis. Apesar de nosso estilo ser famoso, uma jaqueta não é uma “jaqueta Chanel” a não ser que seja nossa, e os cardigãs de outra pessoa (no caso, marca) não são “Chanel por enquanto”.

E mesmo que fiquemos lisonjeados com tantas homenagens à nossa fama como “Chanel-issime, Chanel-ed, Chanels e Chanel-ized”, POR FAVOR, NÃO. Nossos advogados odeiam. Nós levamos nossa marca a sério.

Merci, Chanel Inc.

O aviso provocou bastante controvérsia no meio, porque dividiu opiniões e criou uma série de dúvidas: será que a marca Chanel quer manter-se longe do conceito de “luxo para as massas”? Um exemplo desse “luxo para as massas” está na marca Marc Jacobs. Quando o estilista da Louis Vuitton percebeu que o consumo de seus produtos (da sua marca própria no caso) era agressivamente maior nos itens mais baratos, resolveu abrir a marca Marc by Marc Jacobs – com uma série de produtos simpáticos (chaveiro, chinelo, lápis, bloquinho, bolsas tiracolo...) a preços superacessíveis.

O interessante nisso é que não há motivos para alguém procurar algum produto falsificado da marca, justamente porque há produtos originais custando quase a mesma coisa das cópias vendidas na rua.

No caso de Chanel, por exemplo, o item mais acessível da marca é a linha de esmaltes que, inclusive, foi um boom no mercado brasileiro. Um vidro de esmalte original da marca custa cerca de R$100,00. É caro, pinta as unhas e dura 27


praticamente a mesma coisa que um esmalte de R$2.00. Mas então qual é o motivo dele ser tão vendido, mesmo sendo tão caro? O nome. Entramos de novo naquela sensação de “possuir algo muito caro”.

Isso não acontece só com Chanel, mas com a maioria das marcas. A diferença de preços de uma calça jeans sem marca (quando eu digo sem marca me refiro a uma marca desconhecida) com uma calça Diesel, por exemplo, chega a ser de 200% ou mais. E porque as pessoas compram Diesel? Você pode me responder: pela qualidade. E se eu te disser que a maioria das roupas das grifes caras são feitas em países com mão de obra barata e que muitas vezes, a mesma oficina que costura uma calça Levi’s, por exemplo, também costura uma calça da marca “desconhecida”? E porque as pessoas continuam comprando calças de marca? Aí está a resposta: pela marca.

O status de vestir uma grife – parte I Vestir algo de uma grife conhecida passa a impressão de que você é uma pessoa antenada nas tendências, vaidosa e que conhece de marcas. Não podemos mentir sobre isso. O consumismo é exagerado, a globalização permite que conheçamos o estilo de outras pessoas do mundo, a televisão faz com que desejamos ter “aquela” peça de roupa, “aquele” carro, “aquele” celular. A internet nos aproxima de outras realidades. Hoje em dia somos interativos, globalizados e conectados. E as marcas estão no nosso cotidiano. Bebem o nosso café, usam o nosso carro e nos acompanham para o trabalho.

Na moda, isso não poderia ser diferente. O filósofo francês Gilles Lipovetsky em seu livro “O Império do Efêmero” afirma que desde o princípio dos tempos (isso lá na Idade Média), o homem tem uma relação muito particular com o sistema da moda: no princípio, as roupas serviam apenas para cobrir o corpo. Depois, com a valorização da continuidade social, as roupas começaram a fazer parte de uma

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estrutura um pouco maior. Na Idade Média, por exemplo, era possível saber de qual corte uma pessoa era de acordo com a cor das suas vestimentas.

Com o passar dos séculos, a moda deixou de ser apenas uma coadjuvante e as mudanças não ocorreram mais acidentalmente, mas sim, tornaram-se uma regra permanente.

Apesar disso, as mudanças mais efêmeras ocorreram nos

ornamentos e nos acessórios. A estrutura das roupas pouco se modificou, deixando as formas gerais estáveis.

As mudanças são causadas principalmente porque as pessoas preferem ter semelhanças com as novidades do que com os antepassados. O antigo já não é considerado nobre, e só o presente deve inspirar respeito.

Os trajes mudam em função das preferências na nobreza, tendem a simbolizar uma personalidade, um estado de espírito, um sentimento individual.

Com isso, a alta sociedade passou a se interessar pelas novidades e últimos achados, imitando as tendências em vigor. Esse consumismo torna-se marca da excelência social, é preciso seguir “o que se faz”. Na moda, os extremos se encontram, sustentados pela novidade.

Durante séculos, a moda respeitou a hierarquia das condições, causando um consumo luxuoso e prestigioso, confinado às classes nobres. Existiam, inclusive, decretos que proibiam as classes plebéias de copiar os tecidos e formas do vestuário nobre. Contudo, a partir do século XIV, quando se desenvolviam o comércio e os bancos, imensas fortunas burguesas e apareceu o grande novorico, de padrão de vida faustoso, que se veste como os nobres, que se cobre de jóias e de tecidos preciosos. A ascensão econômica da burguesia, por um lado, e o crescimento do Estado moderno, por outro, puderam dar uma realidade e uma legitimidade aos desejos de promoção social das classes sujeitas ao trabalho.

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Os novos estilos são de início, aceitos pelos membros da classe alta e, aos poucos, disseminam-se entre os membros das classes média e baixa. Quando um novo estilo torna-se irrestritamente aceito, é posto de lado pela classe alta, em favor de outro mais novo.

A moda burguesa cria-se aos moldes da moda nobre, mas seguindo outro caminho: o caminho da sobriedade, da moderação. É a partir dessa moda sóbria que se cria a maioria das peças que conhecemos hoje em dia, e também é partir desse momento que surgem os primeiros estilistas da história do vestuário.

Alguns estilistas em especial tinham influência considerável sobre o modo com as mulheres se vestiam no início do século XX, mas apesar disso, raramente tentavam desafiar as convenções estéticas estabelecidas ou comentar as relações sociais por meio do uso dos temas das roupas.

Dessa maneira, entramos novamente no tema central desse capítulo: Chanel foi a principal contribuinte do vestuário das mulheres do século XX e produziu roupas muito simples, sem detalhes e enfeites supérfluos, que podiam ser (e continuam sendo) repetidas continuamente com poucas variações. Suas roupas foram comparadas a uniformes e a produtos de linha de montagem, como carros. Suas indumentárias visavam a mulheres de todos os níveis sociais, embora só as clientes ricas tivessem dinheiro suficiente para pagar as roupas que ela vendia. Fáceis de copiar, seus desenhos eram logo disponibilizados para uma clientela muito variada.

... E hoje em dia. A clientela muito variada do século XX transformou-se em grandes lojas de departamento e grandes centros de comércio popular. Hoje em dia é possível encontrar qualquer peça Chanel inspired em um desses estabelecimentos, apesar da marca Chanel repudiar completamente esse tipo de homenagem.

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Mas porque o estilo Chanel é o mais copiado?

Chanel foi a primeira mulher estilista a ir contra a maré, ou seja: ao invés de criar vestidos enormes, de cinco camadas e que levavam até madeira (isso mesmo, madeira!) em sua formação, preferiu adaptar peças masculinas, cortando-as e moldando-as de uma maneira jamais vista anteriormente: confortáveis, mas sem abrir mão da elegância.

Um dia, Chanel decidiu que não vestiria uma malha do namorado (na época Arthur “Boy” Capel), tipo suéter, pela cabeça: cortou-a na frente, improvisando uma gola e um cinto com retalhos do mesmo tecido e, aplicou nessa invenção, dois enormes bolsos "na altura exata em que as mãos gostam de descansar", descrevia. "Todos me perguntavam onde eu o havia comprado e eu respondia: "Se quiser, vendo um desses para você". Com isso, acabei vendendo dez modelos iguais".

O vestido conhecido como pretinho básico, uma de suas mais notórias invenções, foi criado a partir do vestuário das freiras com quem Chanel foi criada. A camiseta azul e branca com listras finas foi inspirada nos pescadores da costa da Normandia.

Praticamente todas as criações de Coco Chanel foram inspiradas em algum grupo específico. Ou seja, eram peças já existentes, que Chanel adaptou para a sua realidade e, posteriormente, para a realidade de suas clientes, que a procuravam principalmente pela simplicidade, confortabilidade e elegância de suas roupas.

O estilo Chanel é o mais copiado porque é atemporal. Resistiu a um século de inovações e tendências e continua arrancando suspiros das mulheres ao redor do mundo, justamente por causa do seu minimalismo impactante e da sua sobriedade. A grande maioria das mulheres opta por peças atemporais por dois 31


motivos: são confortáveis (ninguém vai olhar assustada pra você na rua caso você use uma camisa branca e uma calça preta, certo?) e são versáteis, vão de um dia turbulento no trabalho para uma confraternização no final da noite. Peças atemporais são feitas para mulheres de verdade. Que gostam de se vestir bem, mas também querem conforto. Que querem uma peça de roupa versátil e durável, sem gastar o salário do mês com isso.

A maior criadora de peças atemporais do nosso século, sem sombra de dúvidas, foi Chanel. E é por isso que suas roupas são copiadas, porque são base de um guarda-roupa básico, como eu disse no primeiro capítulo. Se listarmos todas as suas criações no papel, é certeza que cerca de 80% das invenções estejam na nossa lista de próximas compras ou no nosso armário.

A marca em si, desde o princípio, nunca foi acessível. Apesar de Chanel ter vindo de origem pobre, ter sido criada caridosamente por freiras e ter tido que cantar em cafés para sobreviver, a marca foi criada originalmente para agradar as mulheres da nobreza, que Chanel observava com muita atenção na época que vivia sob o mesmo teto que Etienne Balsan.

O produto mais acessível da marca foi, durante muito tempo, o perfume Chanel nº5, criado em 1923. Você já chegou a consultar o preço de um perfume Chanel nº5?

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Fonte: Júlia Meirelles

Fazendo uma pesquisa rápida pela Internet, encontramos várias ofertas do produto e o preço médio de um frasco de 50 ml é R$260,00. Esse valor refere-se a uma Eau de Toillete, ou seja, uma colônia de banho. Sim, uma colônia. Não estamos falando nem do Eau de Parfum (que, a objeto de curiosidade, custa em média R$500,00 para um frasco de 100 ml). Tudo bem, estamos falando sobre os

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preços no Brasil, que tem uma das maiores taxas de impostos do mundo. Mas, ainda assim, o preço para ter alguma coisa Chanel é muito alto.

É principalmente por esses motivos que Chanel é uma das marcas mais copiadas nos mercados populares: o primeiro porque são peças atemporais, básicas, formadoras de guarda-roupas femininos ao redor do mundo. O segundo porque, para ter uma peça Chanel original, é preciso ter muito dinheiro (sobrando, claro).

O mercado popular da moda

Foto: Júlia Meirelles

Quando entrevistei Vivian Whiteman (editora de moda do jornal Folha de São Paulo), ela disse uma frase extremamente interessante, que resume basicamente como funciona o mercado fast-fashion. 34


“A moda para as massas é feita a partir do gosto da elite, mesmo que a elite esteja usando coisas que vieram da vestimenta popular. Então, a peça é criada e desfilada em Paris. A cadeia espalha os looks via mídia, via celebridades etc. E finalmente os fabricantes populares reproduzem isso para que mais gente possa comprar. Quando chega na 25 de Março, a pessoa já perdeu a referência de Chanel, Provavelmente ela terá visto algo similar numa atriz, numa cantora etc. Não existe nada de novo nisso, o sistema é o mesmo há décadas. O que tem mudado é a velocidade da cópia, cada vez mais rápida.”

Desde o dia que decidi escrever esse livro, pensei muito sobre a abordagem e o caminho que iria seguir. E desde então, optei por escrever um livro para mulheres como eu: que trabalham, pagam contas, gostam de moda, não abrem mão de conforto e também não tem rios de dinheiro para gastar em roupas caras. Porque para achar roupas caras, nós sabemos quais lojas devemos ir (mesmo se nunca pisamos em uma delas). Mas e para achar roupas bonitas, atemporais, sem acabamento mal feito e ainda por cima por um preço convidativo? As lojas de departamento e os grandes centros populares. E eu não estou ficando doida!

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Foto: JĂşlia Meirelles

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Muitas pessoas ainda têm a impressão e o preconceito de que roupas baratas são descartáveis, que não prestam. É claro que, dependendo do lugar que você for, essa é mesmo a realidade que você vai encontrar. Mas não podemos generalizar. Não mesmo.

Para tomar prova desse tipo de afirmação, fui durante quatro sábados consecutivos ao Bom Retiro, bairro central de São Paulo conhecido pelo comércio de roupas e acessórios por preços indecentes de tão baixos. E, acredite em mim, temos que rever nossos conceitos sobre qualidade atrelada a preço baixo.

Foto: Júlia Meirelles

É claro que eu entrei em lojas terrivelmente quentes, com vendedoras maleducadas e roupas mal-feitas. Mas o inferno não foi tão assombroso assim.

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Encontrei durante as minhas andanças, lojas bonitas, climatizadas, com vendedoras atenciosas e, o mais importante, roupas lindíssimas, com tecidos nobres, costuras bem feitas e caimentos perfeitos. Tudo isso inspirado no universo Chanel!

Não é muito difícil encontrar cardigans, pretinhos básicos, camisas brancas, camisetas listradas, calças sociais e tailleurs nessas lojas. Todos nitidamente inspirados em Chanel e suas criações. Mas as releituras, ao invés de serem cópias deslavadas, possuem atributos próprios, personalidade. São roupas atemporais e básicas por um preço extremamente acessível, principalmente levando em consideração os tecidos utilizados em sua confecção.

Foto: Júlia Meirelles

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Conversando com Joannes, proprietário e gerente do setor de estilo e produção da Ginestra/Lanesi, percebi uma enorme preocupação com o processo de confecção das roupas e com os tecidos utilizados. A Ginestra, além de ser uma loja, também é fabricante – o que, segundo Joannes, facilita o acesso à informação

e

possibilita

que

as

coleções

da

loja

sejam

atualizadas

constantemente.

A maioria das lojas que estão na região do Bom Retiro também são fabricantes e vendem diretamente para o consumidor final – o que barateia os custos do produto, já que não há intermediários entre o fabricante e o consumidor.

Foto: Júlia Meirelles

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Tamanhos especiais e a acessibilidade das marcas

Foto: JĂşlia Meirelles

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Outro aspecto interessante que percebi durante os meus passeios investigativos foi a variedade de tamanhos em uma mesma loja. No caso da Ginestra/Lanesi, por exemplo, é possível comprar uma calça social tamanho 38 e encontrar o mesmo modelo no tamanho 56. Sobre essa adequação das roupas, Joannes afirma “Cada mulher tem o seu perfil e, como fazemos roupas para mulheres reais, é necessário que haja uma variedade de números e tamanhos para que nossas roupas sejam usadas pelo maior número de mulheres possível”.

A moda plus size, que inclusive, é bem variada nas ruas do Bom Retiro, está tomando espaço no mercado da moda e já conta com eventos, blogs e colunas específicas para esse público. Um mercado que antes era visto com preconceito, hoje possui lojas especializadas e a maioria das marcas estão se adequando a este público, que é cada vez mais rigoroso e seletivo.

Grifes como Chanel, Yves Saint Laurent e Alexander McQueen possuem numerações especiais à venda em lojas como a Saks, em Nova York, por exemplo. É claro que isso ainda não é o ideal, mas é interessante saber que as grifes também se interessam em vestir as mulheres curvilíneas.

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Chanel nos acessórios

Foto: Júlia Meirelles

Outro grande exemplo de democratização da moda são as bolsas e sapatos inspirados nas criações de Coco Chanel. Apesar da marca condenar esse tipo de cultura popular, podemos encontrar esses produtos dando uma volta na Internet, buscando pelo termo “bolsas Chanel inspired”. O resultado da busca nos traz desde bolsas falsificadas a venda no Mercado Livre (falsificação é crime, viu?) até marcas que fazem as suas versões das bolsas mais conhecidas de uma determinada grife.

Foto: Júlia Meirelles

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É o que acontece com a marca Fernanda Gregorin, por exemplo. A criadora da marca (a própria Fernanda) é formada em Design de Moda com especialização em Desenho de Acessórios no IED (Instituto Europeu de Design) de Madrid, na Espanha. Após a sua especialização na Espanha, Fernanda voltou para o Brasil e começou a desenhar bolsas e apresentá-las a suas amigas. O sucesso, segundo ela, foi maior do que o imaginado.

Fernanda trabalha com materiais nobres como o couro e a camurça e suas bolsas são fabricadas sob sua supervisão e ela faz questão de conferir de perto todos os processos: “Toda a escolha de materiais é feita por mim, bem como o desenvolvimento exclusivo de toda a coleção”.

A marca Fernanda Gregorin é conhecida principalmente pela linha Inspired, onde ela se baseia em modelos já existentes para criar suas releituras das bolsas do momento.

Diferente de uma bolsa falsificada, Fernanda imprime seu estilo nos produtos, tornando-os uma homenagem aos modelos já existentes.

No caso de Chanel, Fernanda criou um modelo inspirado na Coco Cocoon (que tem a Lily Allen como garota-propaganda) e, segundo ela, o produto foi um sucesso de vendas: “Estou pensando até em fazer um repeteco do mesmo modelo”, finaliza.

Além da linha Inspired, Fernanda também tem coleções próprias e se preocupa em ouvir principalmente a necessidade de suas consumidoras – internautas em sua maioria, já que maior ponto de venda da marca é a sua loja virtual. De acordo com Fernanda, o próximo passo da marca é ampliar sua distribuição, criando franquias em cidades estratégicas.

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Foto: Júlia Meirelles

Outras marcas conhecidas também se inspiram nas criações de Chanel para aumentar sua variedade de produtos. A marca de sapatos paulista Shoestock criou no Verão de 2010 uma coleção para comemorar o centenário da marca, trazendo sapatos característicos da estilista com um toque tropical, principalmente nos materiais utilizados (ráfia e palha).

Além dessa coleção específica, em quase toda nova coleção da marca, há uma sapatilha de bicolor com a ponteira preta ou uma bolsa de correntes. Os preços, assim como os praticados pela marca Fernanda Gregorin se adéquam ao bolso da mulher brasileira e tornam acessível o sonho de ter um produto “de marca”.

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Os falsificados Por outro lado, existem as falsificações, principalmente de acessórios. É possível encontrar esses produtos em grandes centros de comércio como a 25 de Março (em São Paulo), o Saara (no Rio de Janeiro) e o Mercado Central (em Belo Horizonte).

Dizem que a falsificação é o termômetro da popularidade da marca, mas, além dos prejuízos financeiros, há o abalo à imagem da marca, que deve ficar bastante insatisfeita ao ver pelas ruas "sacolas malfeitas" com o logo da grife. Como o luxo, por definição, é uma realização para poucas privilegiadas, a cópia de produtos de grife ganha porte industrial.

Segundo o presidente executivo do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), a pirataria gera, além de sonegação de impostos, perda de empregos formais e desestímulo aos investimentos.

Em decorrência das falsificações, o setor privado deixa de faturar até R$900 bilhões de reais, o equivalente a 20% do PIB nacional, segundo dados divulgados pela AMCHAM (Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos).

Segundo um artigo publicado na revista Época NEGÓCIOS em 2009, as principais características para identificar uma bolsa Chanel 2.55 são:

Verifique o número de série que garante a autenticidade da bolsa. Se for 9395451, esse é o número que acompanha a maioria das cópias. Zíperes também devem trazer o logotipo da Chanel, não apenas uma marca superficial, mas uma gravação perfeita. Os botões de pressão também trazem o logo da grife francesa. E, como sempre, não caia na tentação do preço, acreditando que é uma “oferta imperdível”: uma bolsa Chanel clássica 2.55 não custa menos de US$ 1.100.

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Como sou a favor do jornalismo investigativo, fui até algumas lojas no centro de São Paulo para apurar as informações e verificar de perto, se as falsificações são tão mal-feitas assim. E são.

Além de mal-feitas, são cópias baratas, feitas com material de origem suspeita, além de serem completamente diferente das bolsas originais. Fui a três lojas diferentes em duas ruas conhecidas de São Paulo. Todas elas eram apertadas, abafadas e com vendedores extremamente mal-humorados. Para embasar minha pesquisa, procurei nas três lojas pelo mesmo modelo, a Chanel 2.55. Eis as minhas considerações:

LOJA 1 => R$120,00. Extremamente mal feita, com partes descosturadas e metal enferrujado. Perguntei sobre a procedência e a vendedora simplesmente respondeu “Ah, sei lá. É falso, né?”.

LOJA 2 => R$150,00. Mal feita, a corrente estava puída e a costura irregular. Sobre a procedência do produto: “Acho que é chinesa”.

LOJA 3 => R$159,00. O botão frontal tinha cor diferente das outras ferragens, estava com o tecido interno descosturado e tinha um forte cheiro de mofo. A procedência “Só Deus sabe!”

Ou seja: não compensa. Não somente pela questão de ser um produto falsificado (isso já é um motivo suficientemente bom), mas não compensa porque o barato não sai tão barato assim (pagar mais de R$100,00 em um produto falso chega até a ser piada, sendo que há tantas outras bolsas lindíssimas de outras marcas por um preço parecido ou ligeiramente maior), justamente pela qualidade do produto.

É visível que a mão de obra é desqualificada e as fábricas que produzem essa bolsa não estão priorizando a qualidade do produto e sim a quantidade de bolsas que uma única pessoa pode fazer. Melhor fazer bonito com uma bolsa de uma 46


marca “não tão conhecida assim”, mas que seja adequada ao seu estilo de vida, ao seu bolso e principalmente que não faça você pagar um mico por aí. As fábricas podem até tentar copiar, mas nada melhor que um produto original, não acha?

Resumindo...

Foto: Júlia Meirelles

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Tive a oportunidade de conversar com a autora americana Karen Karbo, do ótimo livro “O Evangelho de Coco Chanel”, para discorrermos sobre o motivo pelo qual tantas mulheres inspiram-se de alguma maneira em todo o legado deixado pela estilista e em todas as tendências criadas pela marca até os dias de hoje.

Chegamos à conclusão de que todas nós buscamos opções, cópias, releituras, homenagens sobre Chanel porque ela representa uma forma de vida que todas as mulheres gostariam de chamar de sua.

Nem todas as mulheres possuem recursos financeiros para comprar uma jaqueta de tweed Chanel, que custa em média ,R$10.000,00 em uma loja oficial da marca (sim, você leu certo. É quase o preço do seu carro). Mas, ao comprar algo inspirado, seja uma bolsa, uma camiseta, um colar de pérolas, ou até algum produto Chanel (esmaltes ou alguma coisa da linha de maquiagem da marca) nós nos sentimos inclusas no Universo Chanel que abrange não apenas uma marca, mas um estilo de vida ditado por uma mulherzinha ranzinza lá em meados dos anos 20 que serve de exemplo para muita gente até os dias de hoje: a elegância está na simplicidade. A simplicidade é um luxo. E o luxo, que não está relacionado com o dinheiro – mas com a maneira como você se enxerga e se exibe para o mundo e isso, poucas pessoas possuem.

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CAPÍTULO 3 – CHANEL E O MERCADO DE LUXO

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O mercado de luxo de Chanel

Corner de maquiagem Chanel FONTE: Getty Images

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A marca Chanel nunca foi (e nunca quis ser) acessível. Desde os primórdios de sua criação, Coco Chanel sabia exatamente qual público gostaria de atingir: os nobres.

Ao longo dos anos, Chanel entendeu o conceito do luxo e tornou a sua marca algo necessário para a época porque trazia um conceito diferente cobrando praticamente a mesma coisa dos alfaiates por uma peça padronizada, como uniformes.

A diferença estava na simplicidade e na ousadia. Afinal, Chanel empregou em suas roupas, o uso do jérsei – que, até então, era usado apenas para roupas de baixo.

Chanel aproveitou a necessidade da época, com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, em 1914, e manteve sua loja de Deauville aberta enquanto todas as outras fechavam. Como relatado no primeiro capítulo, Deauville era a região onde os afortunados passavam as suas férias de verão. Com Paris invadida, houve uma migração da nobreza para Deauville e com isso, Chanel pôde vender suas roupas para as madames da região, que procuravam exatamente o tipo de moda que Chanel vendia: simples, sem adereços. Uma roupa apropriada em época de guerra. Chanel não poderia estar em lugar melhor.

Ou seja: a marca Chanel sempre esteve atrelada ao luxo, a nobreza. Desde o começo Chanel deixou bastante claro o seu objetivo e foi atrás dele sem pestanejar.

Para dar um pouco da essência de sua marca aos menos endinheirados, Chanel criou o perfume Chanel nº5 que, comparado com os outros perfumes de outras grifes, ainda tem um preço, digamos, salgado.

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Antes mesmo de falarmos sobre a Chanel no mercado de luxo, é necessário que compreendamos o conceito do luxo e o motivo pelo qual as pessoas têm disponibilidade de pagar muito caro em uma peça de roupa grifada.

O conceito do mercado de luxo

FONTE: Chanel Inc.

Segundo o professor de Mercadologia da FGV-EAESP Adalberto Belluomini, o conceito do luxo é extremamente antigo e vem da época dos faraós egípcios, em 4.000 a.C, onde surge o conceito de Estado que conhecemos até hoje.

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Com o surgimento do conceito de Estado, surge também a separação social entre os ricos e os pobres. O luxo nasceu para suprir a necessidade de diferenciar a nobreza do restante do povo. Uma maneira de traduzir esse status foi a dedicação de objetos de alto valor aos mortos, tornando o luxo um elo entre os vivos e os mortos. Os soberanos deveriam se cercar de coisas belas para mostrar sua superioridade.

Contextualizando-o da maneira que conhecemos hoje, o conceito de luxo nasceu na França, no século 18, um pouco antes da Revolução Francesa. A ideia de luxo já estava presente nos palácios franceses, nos aspectos de adorno, cuidados estéticos e sofisticação.

Também é na França que surgem as pequenas lojas de comerciantes bemsucedidos que começam a expandir seus negócios voltados para uma elite que se preocupava muito em estar perto da realeza.

Com o início da Revolução Industrial no século 19 esse conceito ganha força, tanto que nessa época, surgem as primeiras marcas de luxo que conhecemos hoje como a Mercedes, a Cartier e a Montblanc, por exemplo.

No início do século 20, com a ascensão das classes sócio-econômicas e com o crescimento do consumismo por meio da produção em massa, os artefatos do mercado de luxo começam a se tornar mais acessíveis para outros públicos, não apenas para a realeza, mas também para as pessoas que dispunham de pequenas fortunas para comprar itens específicos e exclusivos.

E qual o motivo de tudo isso? Segundo o professor Adalberto, os motivos estão em vários aspectos, tanto psicológicos como, principalmente, sociais. Os objetos de luxo trabalham nas três últimas camadas da escala de Maslow, que é uma escala que enumera as necessidades básicas dos seres humanos: necessidade social, de estima e pessoal. 53


Segundo o filósofo Gilles Lipovetisky em seu livro A Felicidade Paradoxal, a partir dos anos 1950, ter acesso a um modo de vida mais fácil e mais confortável, mais livre e mais hedonista constituía já uma motivação muito importante dos consumidores. Exalando os ideais da felicidade privada, os lazeres, as publicidades e as mídias favoreceram condutos de consumo menos sujeitas ao primado do julgamento do outro. Viver melhor, gozar os prazeres da vida, não se privar, dispor do “supérfluo” apareceram cada vez mais como comportamentos legítimos, finalidades em si.

De acordo com o professor Adalberto Belluomini, há alguns tipos específicos de consumidor do mercado de luxo:

- O que gosta de ostentar; - O que compra para sentir-se exclusivo; - O que busca a perfeição, o valor da qualidade percebida; - O que compra para demonstrar educação, já que ter produtos de luxo é um sinal de elegância e educação (a ligação entre educação e consumismo vem de nossa influência burguesa do século 18); - O que compra para sentir prazer (experiência hedonista); - O que compra pelo contexto global, para sentir-se globalizado e conectado com seus iguais;

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Loja Chanel no Brasil FONTE: Divulgação

A publicidade e a comunicação no mercado de luxo Para atrair esses consumidores, as marcas de luxo possuem atributos especiais, como a comunicação especializada e a publicidade, ambas com características específicas.

De acordo com Adalberto Belluomini, os aspectos da propaganda e da comunicação no mercado de luxo são:

- História: a maioria das marcas de luxo são antigas, tem história e um conceito de exclusividade que atravessa séculos.

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- Logomarca: as cores são sóbrias, pertinentes, elegantes. As cores mais utilizadas são o preto, o dourado, o bordô, o azul marinho e o prata. Há também a imagem da coroa. Os nomes são charmosos.

- Qualidade: os produtos de luxo são feitos meticulosamente, em um processo que agrega alta qualidade ao produto final, que causam aos consumidores, a sensação dos atributos esperados. - Design: geralmente rebuscado, diferenciado. Há uma preocupação muito visível com o design do produto.

- Embalagem: única, destacada, elegante.

- Preço: sempre acima da média de mercado. Deve ser destacado, único e exclusivo.

- Distribuição: selecionada, seletiva e exclusiva. Produtos encontrados apenas em lojas escolhidas ou mesmo da própria marca, com pouquíssimos pontos de venda, justamente para tornar-se exclusiva.

- Comunicação: todo aspecto da estratégia de comunicação permeia a elegância e são extremamente diferenciados. Todas as propagandas têm um aspecto de propaganda persuasiva, que trabalha com a questão do sonho, do desejo, da psicologia do consumidor.

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Loja Chanel no Brasil FONTE: Divulgação

Os ricos do século 21 procuram, além de produtos, o luxo das sensações. Segundo Lipovetsky, os bilionários buscam o ultra-luxo, o investimento de paixão como viagens de luxo, restaurantes de luxo e novas experiências. O conceito de luxo está cada vez mais ligado a prestação de serviços.

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Os novos ricos inseridos no mercado de luxo

Loja Chanel no Brasil FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Com a economia mundial aquecida (salvo as crises, que não foram tão sentidas aqui no Brasil), surgem a todo tempo, os novos ricos. Pessoas que nasceram em uma classe social inferior e acabam ascendendo para as classes sociais A, AA e AAA.

Essas pessoas, principalmente jogadores de futebol, ganhadores de prêmios lotéricos (!!!) ou pessoas que, simplesmente trabalharam muito, investiram corretamente e hoje, estão colhendo os frutos de todo seu esforço. Já que não possuem a predileção dos ricos “de berço”, os novos ricos adquirem os produtos de luxo como uma espécie de uniforme, para mostrarem que são iguais. Compram carros de luxo, jóias, roupas, freqüentam restaurantes de luxo e viajam para lugares conhecidos. 58


De acordo com o Lipovetsky no livro A Felicidade Paradoxal, não há o desejo no produto em si, mas sim nas exigências de prestígio, de reconhecimento, de status e de integração social.

O único problema disso tudo, segundo Adalberto, é que, por causa dessa fantasia, muitos dos ‘novos ricos’ empobrecem rapidamente porque simplesmente compram, mas não fazem a devida manutenção dos seus bens. Ainda segundo Lipovetsky, “O esnobismo, o gosto de brilhar, de classificar-se e diferenciar-se não desapareceram de modo algum, porém não é mais tanto o desejo de reconhecimento social que serve de base ao tropismo em direção às marcas superiores quanto o prazer narcísico de sentir uma distância em relação à maioria, beneficiando-se de uma imagem positiva para si”.

O impacto das falsificações no mercado de luxo O fato das marcas de luxo serem extremamente falsificadas, de acordo com Adalberto Belluomini, agrega um valor especial à marca porque mostra que a marca é desejada, sonhada. E as pessoas que não possuem renda suficiente para adquiri-las, ficam com as opções falsificadas, contrabandeadas ou copiadas: “Quem pode ter, tem pra falar que tem”, finaliza.

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A marca Chanel no mercado de luxo

Loja Chanel no Brasil FONTE: Divulgação

Como dito anteriormente, a marca Chanel desde o princípio foi destinada para a nobreza. E até hoje ocupa um lugar consideravelmente alto na escala das empresas de luxo.

Segundo uma pesquisa feita pela Interbrand em 2009, a marca Chanel aparece no ranking das Cem Marcas Top do mundo, avaliada em $6040 milhões (dólares).

Em 1930, com a fama de Chanel sendo espalhada por toda a França, ela acabou se tornando a costureira mais cara de Paris. Seu império era constituído por mais de 2.400 costureiras e 26 ateliês. Naquela época, Chanel faturava cerca de 120 milhões de francos (antigos) por ano.

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Chanel e suas vendedoras FONTE: Reprodução

Chanel tinha uma mania particularmente curiosa: tinha por hábito contratar moças ricas para serem ou suas vendedoras ou suas modelos – e não as pagava bem por isso. Além disso, existia também o cargo de observadora de tendências, que também era ocupado por pessoas da alta sociedade. Segundo a própria Chanel: “Empreguei pessoas da alta sociedade não para alimentar minha vaidade ou para humilhá-las, mas, como eu disse, porque me eram úteis e porque circulavam em Paris fazendo o meu trabalho, enquanto eu descansava. Graças a elas, eu estava a par de tudo, como Proust, no fundo de seu leito, sabia o que fora dito em todos os jantares da véspera. Como eu saía pouco, era necessário que estivesse informada do que se passava nas casas onde meus vestidos eram usados; adquiri o hábito, então inédito, de cercar-me de pessoas influentes para fazer a ligação entre mim e as pessoas ricas”.

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Segundo Edmonde Charles-Roux no livro “A Era Chanel”, o que à primeira vista podia parecer uma besteira, na verdade era uma estratégia de marketing de uma mulher perfeitamente consciente de suas lacunas. “A filha do vendedor ambulante contava com os filhos da nobreza para uma prática que eles possuíam de nascimento, e que ela não tinha”.

Linha de produção da bolsa Chanel 2.55 FONTE: Divulgação

A marca Chanel preocupa-se extremamente o atendimento de suas lojas e controla a qualidade de seus serviços por meio de visitas secretas, onde algumas clientes recebem a missão de comprar um produto específico da marca em um ponto de venda também estipulado. O reembolso é feito depois que a consumidora/compradora responde um questionário detalhado sobre o tempo de espera, as impressões sobre a vendedora que lhe atendeu e até o odor do Chanel nº5 presente no ambiente da loja. 62


Hoje, o império da marca Chanel conta com lojas próprias espalhadas por todo o mundo, inclusive no Brasil.

O status de vestir uma peça Chanel (original)

FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Desde o princípio dos tempos (ou desde que a moda é moda), vestir Chanel está relacionado a algo extremamente elegante. Significa que, em outras palavras, você é uma pessoa preocupada com a sua imagem, além de também transmitir a impressão de que você é uma pessoa que tem dinheiro e status.

Deixando de lado os aspectos psicológicos abordados pelo professor Adalberto Belluomini e concentrando-se especialmente no entendimento desse fenômeno de influência das marcas, fui conversar com uma pessoa que entende do assunto justamente porque está inserida nele. 63


Tive a oportunidade de conviver um dia inteiro com uma socialite que, por motivos pessoais preferiu não identificar-se. Para termos uma personagem e também para facilitarmos a compreensão da história, vou chamá-la de Cristina.

Cristina é o protótipo ideal de uma socialite que imaginamos: cabelos platinados, devidamente penteados e arrumados, unhas pintadas e maquiagem impecável – até mesmo para receber uma jornalista desleixada para tomar um café em sua casa (devo comentar que a tal jornalista sou eu?).

De uma polidez e educação impressionantes, Cristina me conta um pouco de sua vida entre um gole e outro de café. Seu marido é sócio de um grupo de comunicação bastante conhecido no Nordeste e escolheu São Paulo para ser sua sede.

Mesmo com toda a conversa simpática de Cristina, não via a hora de entrar em seu closet e ver suas roupas. Afinal, eu estava na casa de alguém que podia comprar uma bolsa Chanel sem pensar nas contas do final do mês.

Assim que entrei na casa de Cristina, não pude deixar de reparar em suas roupas e percebi que ela estava vestindo um tailleur Chanel original. Lindíssimo. Sabia que havia mais relíquias ao decorrer do dia.

Perguntei á Cristina quais eram suas marcas preferidas e ela foi bastante categórica “Chanel e Burberry. Gosto bastante de Dior também, apesar de achar essas novas coleções muito moderninhas para o meu gosto”. Cristina tinha, no máximo, 60 anos. No mesmo momento, emendei outra pergunta pertinente: “E por que você gosta de Chanel?”. Ela pensou um pouco e respondeu: “Por que lembra uma coisa chic, né? E tem aquela coisa da marca também. Qualquer mulher no mundo reconhece uma 2.55 (a bolsa de matelassê e correntes mais conhecida da marca). É legal saber que você tem algo histórico, algo que faz a diferença, que 64


transmita segurança para as pessoas”.

Nesse momento da conversa, lembrei de Lipovetsky e de sua teoria sobre o motivo pelo qual as pessoas compram o luxo. E percebi que ele estava completamente certo em sua afirmação. “Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narcísico de gozar do sentimento íntimo de ser uma “pessoa de qualidade”, de se comparar vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa, sem que sejam mobilizados, por isso, a corrida à consideração e o desejo de provocar inveja de seus semelhantes” (A Felicidade Paradoxal)

E, falando sobre suas marcas preferidas, fomos andando em direção ao closet de Cristina que, segundo a própria, foi feito no lugar de dois quartos do apartamento.

O closet é enorme. Parecido com aqueles de filmes. Inúmeras bolsas Chanel enfileiradas, todas por cor e tamanho. Alguns armários de roupa, outros de sapatos e uma enorme gaveta de acessórios. Cristina percebeu minha surpresa e comentou “Gostou dos meus filhos? Tenho muito ciúme deles...”.

Realmente o closet de Cristina me impressionou não apenas pelo tamanho e pela quantidade de roupas, mas sim pela quantidade de Chanel que eu conseguia enxergar. Em canto do closet, eu podia reconhecer uma peça da marca. Estava em frente a uma grande fã de Chanel.

Cristina me mostrou suas roupas e bolsas preferidas tal qual fazíamos quando ganhávamos um presente muito legal no Natal. Fez questão de me falar quais daquelas roupas eram “edição limitada” e onde as tinha comprado (Paris, Abu Dhabi, Nova York...). Cristina me disse que só faz compras nas filiais de São Paulo quando está “muito entediada com as suas roupas”.

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Perguntei para ela o motivo de sua obsessão pela marca e ela me respondeu sem pestanejar “Porque todo mundo que é rico usa. Tem alguns lugares que, se você não tem uma bolsa de marca, as pessoas mal olham pra você, sabia disso? É terrível. Tem muita gente invejosa nos lugares que eu vou com o meu marido. Tenho que estar sempre impecável, com as minhas melhores jóias e com as minhas melhores roupas”.

Mais uma vez, os livros de Lipovetsky surgem na minha mente e constato mais uma vez que todas aquelas teorias escritas pelo filósofo francês.

Depois de me mostrar suas roupas e falar de sua vida durante uma tarde de quinta-feira, Cristina se despede elegantemente, informando que teria que ir ao cabeleireiro arrumar o cabelo para ir a um jantar de negócios com o marido, em Porto Alegre. “E dá tempo?”, perguntei desconfiada. “Sempre dá. Vamos com o nosso jatinho particular”.

Mesmo com algumas afirmações, digamos, contestáveis, Cristina é uma personagem interessantíssima para esse capítulo, justamente porque permitiu que eu tivesse acesso ao seu acervo (ou “seus filhos”, como ela mesma se refere à suas roupas) e à sua realidade. Pude perceber que os levantamentos feitos por Lipovetsky, pelo professor Adalberto Belluomini e por uma série de outros pensadores fazem sentido tanto no aspecto conceitual como também na realidade das pessoas inseridas na alta sociedade.

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FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Segundo Vivian Whiteman, a elegância de vestir uma marca está além da etiqueta: “Marca só garante elegância no sentido opressor, ou seja, “eu tenho esse original, posso pagar e por isso estou protegida pela marca”. E isso não é ilusão, é assim que funciona no mundo capitalista. É claro que estamos falando de um conceito deturpado de elegância, que seria mais bem definido como dominação via grife. E às vezes a pessoa que usa e tem dinheiro pra isso ainda é humilhada por aquelas que “usam melhor”. Sabe como? Os códigos do corpo, a questão de ser socialite de família ou novo-rico. É uma guerra de egos e complexos, uma questão de divã. E a elegância passa longe dessa briga”. Também constatei (mais uma vez – e nunca será suficiente) que a marca Chanel faz o sucesso que faz porque se preocupa com a estética da roupa e faz peças que se encaixam em diversas situações. Mesmo com algumas invenções exageradas de Lagerfeld, o estilo Chanel mantém-se ativo, seja pelos detalhes impecáveis da costura, pelo caimento perfeito de um tailleur ou pelo impacto que

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uma bolsa modelo 2.55 causa aos nossos olhos. Chanel é sonho de consumo porque é feita pra ser eterna, seja fisicamente ou psicologicamente. E as pessoas que “chegam lá”, ou seja, que podem comprar a marca, sentem-se detentoras de algo poderoso e sagrado, justamente porque é desejado por muitas mulheres ao redor do mundo. Sobre a elegância, Vivian finaliza com chave de ouro: “Elegância é Chanel ter tido a iniciativa de botar uma calça pra montar um cavalo decentemente enquanto as outras ficavam de ladinho com um vestido incômodo, feito tontas”.

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CAPÍTULO 4 – CHANEL E LAGERFELD: A CONTINUIDADE DE UM TRABALHO

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Prazer, Karl Lagerfeld!

Karl Lagerfeld FONTE: Divulgação

Após a morte de Coco Chanel, em 1971, houveram muitos rumores de uma possível falência da marca; afinal, se a criadora de todas aquelas roupas havia morrido e não tinha deixado herdeiros para prosseguir com o negócio, quem será o escolhido?

A verdade é que, entre 1971 e 1983, a marca passou por uma série de mudanças e trocou várias vezes de estilista: Gaston Berthelot (1971-1973), Jean Cazaubon e Yvonne Dudel (1973-1978), Phillippe Guibourgé (1978), Ramone Esparza (1980) e, finalmente, Karl Lagerfeld. 70


Karl Otto Lagerfeld nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 1938. Mudou-se para Paris aos 14 anos. Em 1955, com 17 anos de idade, começou seus estudos em moda e fez um estágio com Pierre Balmain, após desenhar um casaco e ganhar um concurso na International Wool Association. Depois trabalhou como estilista independente em marcas como Jean Patou, Krizia e Valentino.

Algum tempo depois, Karl entra na Fendi e logo em seguida na Chloe e torna-se diretor de criação da última, ficando na marca durante 10 anos.

É partir daí que Karl Lagerfeld torna-se conhecido e é convidado para ser o diretor de criação de Chanel, após um longo período de inatividade da marca em decorrência do falecimento de sua criadora. Sua fase áurea no mundo da moda ocorre depois de uma frase publicada pela Vogue americana, em 1997: “Karl é um intérprete inigualável do humor do momento”.

Diferente da (marca) Chanel, Karl Lagerfeld faz diversas contribuições para outras marcas, inclusive para lojas populares, como a Macy’s em 2011. Além da Macy’s, Karl também já fez coleções para a Hogan (italiana), para a Orrefords (suíça) e também para a H&M. Perguntado sobre suas colaborações, Karl respondeu “A colaboração é uma espécie de teste de como fazer esse tipo de roupa e nessa faixa de preço. Como você sabe, eu amo fazer essas coisas. O que eu mais gosto é fazer algo que eu nunca fiz antes”.

Em Junho de 2011, Karl foi homenageado pela Fundação Gordon Parks pela sua contribuição ao mundo da moda e por ser um artista tão pluralizado – já que Karl, além de estilista, também é cineasta e fotógrafo.

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A diferença básica entre as roupas do período Chanel e do período Lagerfeld

Desfile Chanel Verão 2012 FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Assim que assumiu a criação da marca Chanel, Largefeld sabia o desafio que vinha pela frente: todos os veículos de comunicação estavam ansiosos esperando por uma nova coleção. Será que Karl fará uma coleção baseada nas criações de Chanel ou terá a audácia de mudar completamente o perfil da marca?

A questão é que Lagerfeld, por ter passado por outras marcas antes de parar na Chanel, apurou com o passar do tempo um estilo único, capaz de ser reconhecido de longe. Não é a mesma coisa que o estilo de roupas de Coco Chanel, por exemplo, porque ela primava pela simplicidade que seria resultante da equação 72


cores sóbrias + cortes retos + poucos detalhes. Lagerfeld gosta de ousar, gosta de misturar materiais inesperados e com eles, criar algo impactante, mas mesmo assim, muito tradicional. A jornalista americana Karen Karbo, do ótimo “O Evangelho de Coco Chanel”, dedica boa parte do seu livro para explicar a diferença entre uma peça ChanelChanel e Chanel-Lagerfeld. Vou copiá-lo integralmente, porque não encontrei melhor jeito para explicar do que o que Karen já fez:

Chanel Clássico: é Chanel na sua forma pura, concentrada, do início até meados do século XX. É o icônico tailleur de tweed, botões dourados e saia simples com comprimento logo abaixo do joelho. São as falsas jóias, grandes e volumosas, os colares de correntes e as bolsas quadradas de matelassê. O Chanel Clássico é o Chanel colecionável. É o Chanel investimento. É vender no E-Bay e outros sites de leilão para pagar as despesas com a faculdade do filho.

Chanel Lagerfeld: é a essência de Chanel passada pela peneira da sua própria (e reconhecidamente atraente) visão “Eurotrash de luxo”. Os modelos práticos de Chanel saltavam da realidade mutável da sua própria vida e da vida de outras mulheres e a rodeavam, e os de Lagerfeld saltam da grife que é Chanel misturada com qualquer outra coisa que esteja na moda e tem o espírito da época. Às vezes seus modelos são práticos e às vezes não são, mas, se poderia dizer que cada coleção é como uma versão do costureiro para uma sugestão de redação apresentada a um aluno da 7ª série: para a primavera, crie uma coleção inspirada no hip-hop que incorpore matelassê, casaquinhos e sapatos de dois tons”.

Ou seja: Lagerfeld mantém as formas criadas por Chanel, mas não segue à risca os mandamentos dela. O que, para muitas pessoas, é algo a ser respeitado e observado com mais atenção.

O último desfile de Chanel (Primavera Verão 2012) foi realizado em Paris (claro) e 73


o cenário remetia ao fundo do mar: as modelos saiam de dentro de uma grande concha, ao som de Florence and the Machine (outra queridinha de Lagerfeld) e desfilaram peças em tons pastel, com detalhes em pérola, cortes impecáveis e com muito tweed. Esse, por exemplo, seria um desfile do qual Chanel se orgulharia. E muito.

Já no desfile de Primavera Verão de 2008 (perfeitamente lembrado por Karen Karbo no seu livro), Lagerfeld resolveu mostrar “ao que veio” e fez uma coleção que nada combinava com o estilo imposto por Chanel. As modelos saíam de dentro de um laço de fita preto que cobria toda a passarela e desfilavam biquínis, maiôs e casacos (?) feitos de jeans. Sim, de jeans.

Aí, no desfile de Outono Inverno de 2009, Lagerfeld nos surpreende com um desfile completamente sóbrio (preto, preto e mais preto) e repleto de peçasdesejos, tais quais feitas por Chanel, lá no começo do século: blazers estruturados na altura dos quadris, saias na altura do joelho com cortes retos e sem detalhes extravagantes (detalhes apenas nos acessórios, como a meia-calça bicolor).

Lagerfeld parece gostar de, ora intimidar o público, ora surpreendê-lo. Cria uma coleção de verão com peças extremamente, digamos, diferentes e no inverno – do mesmo ano - revive todas as bem feitorias de Chanel e nos emociona com um desfile digno de fila na porta da loja.

Segundo Vivian Whiteman, editora de moda do jornal Folha de São Paulo, Lagerfeld é um hitmaker como poucos, que sabe manter o fio condutor de Chanel mesmo quando faz coisas que ela certamente desaprovaria.

Em uma entrevista dada recentemente para a emissora de televisão CNN, Lagerfeld afirmou que Coco Chanel não ficaria satisfeita ao ver o que ele tinha feito com a marca: “Quando fui chamado para fazer isso, a Chanel não era nem um pouco trendy. O dono me disse ‘Eu não estou orgulhoso dos negócios. Se 74


você puder fazer alguma coisa, ok. Senão, vou vendê-la’. E nós fizemos algo a partir dela, pois ele me deu liberdade total. A marca tem uma imagem. Cabe a mim atualizá-la. O que eu fiz, (Coco Chanel) nunca fez, ela teria odiado”.

Modelos no backstage do desfile de Outono Inverno 2011. FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Vivian Whiteman acredita que, desde que o produto criado por Lagerfeld venha embalado no conceito visual que acompanha a aura da marca, ele certamente continuará vendendo: “Mesmo quando Lagerfeld se distancia de Chanel ele ainda faz Chanel. E, claro, quando um nome se torna sinônimo de sofisticação, esse nome pode ser aplicado a qualquer tipo de produto”, finaliza.

A questão é que Karl Lagerfeld tem feito um ótimo trabalho ao longo dos anos. Tornou a marca Chanel uma das principais empresas de moda do mundo, aproximou o público jovem de uma grife centenária com o advento da internet e das

it-girls

(cada vez

mais

novas), continua

repaginando

clássicos

e

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apresentando-os ao mundo em novas versões a cada desfile.

Chanel e suas it-girls

Karl Lagerfeld e Blake Lively, sua mais nova it-girl. FONTE: Reprodução

Em termos de propaganda e marketing, a marca Chanel nunca foi adepta do convencional. Pelo contrário. E isso vem desde o começo, mesmo que Coco Chanel tenha feito isso inocentemente (o que eu duvido muito).

Na época em Chanel era apenas a acompanhante de Etienne Balsan, seus chapéus chamaram a atenção de uma das maiores cortesãs da época: Emilienne D'Aleçon - que já foi mencionada no livro, lá no primeiro capítulo. Emilienne era, 76


além de muito conhecida por seus dotes, digamos, íntimos, também era uma pessoa muito influente.

Emilienne foi uma das primeiras garotas propaganda de Chanel, que reconhecia a fama da cortesã e a patrocinava com novos modelos sempre que possível. Além disso, Chanel também era a modelo de suas próprias criações. Com medo de parecer a cortesã da vez de Etienne Balsan, Chanel fazia tudo para destacar-se no meio de tantos vestidos longos e chapéus de 2 metros de altura. Quando ia com Balsan ao hipódromo, Chanel estava sempre de sobretudo masculino de lã e um chapéu canotier, com abas curtas e alguns detalhes discretos.

Além dos chapéus, Chanel começa a fazer alguns figurinos para as peças que Emilienne era a atriz principal. Com isso, sua fama aumentava e as clientes a procuravam com mais frequência. Chanel fazia chapéus para atrizes como Gabrielle Dorziat e Geneviève Vix, além de também fazer chapéus para Adrianne, sua tia que estava casada com um homem muito rico e por isso, tinha mais contatos e clientes para Chanel. Adrienne desfilava as criações de Coco pelas ruas, hipódromos, encontros e, sempre que perguntada de onde era sua roupa, levava suas amigas a loja de Chanel.

Ao longo de sua carreira, Chanel se aproximou de pessoas extremamente influentes, que fomentaram ainda mais sua marca e suas criações. Seu auge em participações especiais foi em 1923 na peça de Jean Cocteau, Antigone, com figurino de Chanel, cenários de Pablo Picasso e música de Honegger. Suas criações foram aclamadas na Vogue e Cocteau declarava aos quatro ventos que havia pedido os figurinos para Chanel porque ela era "a maior costureira de nosso tempo".

Apresentada a Sam Goldwyn, grande magnata de Hollywood dos anos 30, Chanel foi responsável por reformar o gosto das musas de Hollywood, fazendo com quem todas elas vestissem Chanel nos filmes e também no cotidiano. 77


Suas manequins de cabide eram seu orgulho. Segundo Edmonde Charles-Roux em seu livro “A Era Chanel”, além das provas de roupa, eram elas que desfilavam os modelos prontos para as clientes. Em 1955, um ano após sua reabertura, formou um exército com jovens conhecidas, geralmente bem nascidas e escolhidas tanto por seu charme quanto por sua personalidade.

Além de atrizes e cortesãs, uma das grandes modelos de Chanel foi, sem sombra de dúvida, Jacqueline Kennedy. Que usou um conjunto rosa de tweed da marca na noite do falecimento de seu marido, John Kennedy, em 1963.

Mas a modelo mais icônica de Chanel foi Marilyn Monroe que, em 1960, perguntada sobre o que gostava de usar para dormir, respondeu uma das frases mais conhecidas de sua vida: "algumas gotas de Chanel nº5". Após essa resposta, as vendas do perfume aumentaram espantosamente e, desde então, um perfume Chanel nº5 é vendido a cada um minuto em todo o mundo.

Karl Lagerfeld e suas it-girls Se as modelos de Coco Chanel não eram as mais convencionais, Karl Lagerfeld não poderia fugir da regra.

Desde 1983, ano em que ocupou a função de diretor de criação da Chanel, Karl demonstra um gosto particular para escolher suas garotas propaganda de cada coleção, assim como Coco Chanel.

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Emma Watson e Karl Lagerfeld FONTE: Reprodução

Já passaram por suas mãos e lentes (porque Karl também é um ótimo fotógrafo), Carole Bouquet, Vanessa Paradis, Estella Warren, Nicole Kidman, Kate Moss, Keira Knightley e Audrey Tautou, que inclusive, participou do filme Coco antes de Chanel, (Warner Home) que esteve em cartaz nos cinemas brasileiros em meados de 2009.

Hoje em dia, Karl divide-se em três principais it-girls: a cantora Lily Allen, a modelo Freja Beha e a atriz Blake Lively - que, inclusive, é uma das mais queridinhas do estilista. 79


Blake Lively Chanel FONTE: Divulgação

Apesar da marca Chanel ter completado 100 anos em 2010, Karl aproveita o advento da Internet, da TV e da música para se aproximar mais do público jovem e por isso, investe em propagandas com mulheres jovens, bem nascidas e principalmente com uma personalidade marcante. Isso lhe soa familiar?

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Lily Allen FONTE: Divulgação

A cantora Lily Allen, nascida em Londres, ganhou notoriedade após lançar na Internet a música "Smile" em 2006. Com uma vida conturbada (dois abortos, excessos, separações e músicas polêmicas), Lily conheceu Karl em uma festa da Chanel depois de ter bebido algumas doses a mais e ter elogiado o trabalho do estilista durante a festa. Uma semana depois, segundo Lily, ela estava tirando fotos para a coleção de Inverno de Chanel e, desde então, a amizade dos dois é linda e duradoura. Inclusive, Karl desenhou o vestido de noiva de Lily Allen, exclusivo e completamente personalizado.

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Freja Beha FONTE: Divulgação

Já a modelo dinamarquesa Freja Beha chama a atenção por seu visual andrógino, suas 16 tatuagens e sua cara de poucos amigos. Além disso, Freja tem um estilo próprio - corta os próprios cabelos, é bissexual assumida e é fã de rock'n'roll. Foi descoberta nas ruas da Dinamarca por um olheiro que custou a convencê-la a ser modelo. Perguntada sobre como é trabalhar com Karl Lagerfeld, Freja se derrete: "Karl é incrível. Uma pessoa muito agradável, com quem eu me sinto à vontade de trabalhar. Por isso fico lisonjeada, porque ele é um cara que sabe tudo de qualquer coisa". Então tá.

A mais nova queridinha de Karl, sem dúvidas, é Blake Lively. A atriz conhecida pela sua personagem Serena na série Gossip Girl conquistou o coração de Lagerfeld e é uma das embaixadoras da marca no Mundo. Os dois foram apresentados pela editora de moda Anna Wintour e desde então, não se desgrudam. Segundo Karl, Blake é uma estrela em ascensão e também combina perfeitamente com a marca. 82


Nicole Kidman FONTE: Divulgação

Desde o princípio da marca, seja com Coco Chanel ou com Karl Lagerfeld, sempre houve uma preocupação em destoar, impactar e diferenciar-se do normal, do convencional. Além das roupas, as garotas propaganda são escolhidas a dedo para abranger uma maior parcela de mulheres poderosas, it-girls e para, principalmente, adequar a marca a um mercado cada vez mais conectado e global.

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