Jorge de Palma
A cantata natalina de Pedrinho Peixoto
O autor Jorge de Palma é filho de Carmo de Palma e de Adelina Candian de Palma. Nasceu em Iracemápolis-SP, em 20 de dezembro de 1952. Trabalhou muitos anos como jornalista, atuando nos jornais: Diário de Limeira, Diário de Pernambuco, Diário de Americana, O Liberal (Americana) e Tododia (Americana), entre outros. Reside em Americana-SP. Contato pelo e-mail: jorgepalma@bol.com.br
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Outros livros do autor: Dois olhos, duas vidas Escritos do ZĂŠ Pirata Guerra em Exu O homem que andava de costas
A movimentação na cidade, naquela véspera de Natal não era normal. -Você vai para a fazenda? - perguntou o jovem ao deixar uma lanchonete. -Vou – respondeu o colega. -Eu também vou – disse o primeiro . Em outro ponto da cidade, O padre acabava de fazer uma celebração e deixava a Igreja, quando alguém lhe perguntou: -O sr. vai para a fazenda? -Estou indo para lá agora.... Entre os protestantes, o pastor comentou:
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-Não posso deixar de ir... Na Vila Maria, o maestro Joaquim Silveira recebeu um telefonema: -Nós vamos para a fazenda? -Sim, vamos todos juntos, no ônibus. Em vários outros locais as pessoas comentavam sobre o mesmo assunto. E a movimentação de veículos em direção à Fazenda Helena foi se tornando muito mais intensa do que em anos anteriores. A história toda começou, quando, numa véspera de Natal, Diogo Peixoto, o rico fazendeiro, proprietário da Fazenda Helena, onde muitos moradores do município trabalhavam, foi passear em uma cidade
próxima, com a mulher Mariana e o filho Pedro, de cinco anos. Por uma dessas coincidências da vida, ele acabou ficando, na hora certa, no local certo e juntamente com sua família, assistiu a uma cantata de Natal. Pedrinho ficou impressionado. Quis saber o porque daquela música, quis saber tudo sobre o menino Jesus e gostou tanto das músicas natalinas que pediu ao pai que o levasse lá no dia seguinte. -Não é assim, meu filho, isso é uma coisa tão especial que só acontece uma vez por ano, no Natal, quando se comemora o nascimento do menino Jesus. O menino Pedro entendeu, mas quando voltou para a fazenda, só falava na cantata natalina.
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Comentou com funcionários da fazenda, com filhos dos funcionários, com os empregados da casa. Depois perguntou ao pai: -Por que a gente não faz uma cantata aqui na fazenda, para que todos ouçam o que a gente ouviu? O fazendeiro sorriu. Adorava o filho e até achou a ideia tão pura e de tanta beleza, que o abraçou. Mas teve que explicar que certas coisas não são feitas de um dia para o outro. É preciso contratar um coral, ou preparar um, acertar com um maestro. Os cantores precisam ensaiar. Enfim, demora um certo tempo. Mas Pedrinho retrucou: -Então a gente faz no próximo natal!
O pai concordou. Afinal, tinha um ano pela frente e com tanto serviço na administração da fazenda, esqueceu o assunto. Pedrinho não esqueceu. No meio do ano, ouviu músicas natalinas de CDs que encontrou em casa. E cobrou a promessa do pai. Peixoto decidiu ir à cidade e falou com alguns amigos. Explicou a ideia do filho e eles indicaram que que ele procurasse um jovem, Joaquim Silveira, que estudava música e preparava-se para um dia realizar o seu sonho de ser maestro. O fazendeiro encontrou-se com Silveira. Disse saber que todos os corais tinham sua agenda cheia, principalmente no final do ano e perguntou se ele
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poderia formar o Coral da Fazenda Helena. Disse que sua empresa patrocinaria o coral e que Silveira não devia se preocupar com os custos. Foi assim que alguns meses depois, estava tudo preparado para a Primeira Cantata Natalina na Fazenda Helena. Pedrinho, que frequentava a escola na cidade, convidou todos os seus amigos. Na fazenda, comunicativo que era, conversou com todos que viu, desde gerente, até o mais humilde empregado e convido-os para ir até à sede, no dia 24 de dezembro, às 20hs. A maioria das pessoas, atendeu o seu convite. No dia do evento, Pedrinho já estava com seis anos. Empolgado agradecia a todos pela presença e quase chorou de emoção, quando o coral cantou as
primeiras músicas. Ao final aplaudiu muito, abraçou o pai, abraçou a mãe, abraçou o maestro e apertou as mãos dos cantores. Sentia-se o dono, o promotor de toda aquela linda festa. Depois, foi brincar com as outras crianças. Em meados do próximo ano, Peixoto começou a programar uma viagem com a família. Aproveitaria as férias de dezembro para ir para Miami. Mas encontrou firme resistência de Pedrinho. -Se a gente viajar como fica a cantata de Natal?. Pedrinho estava cada vez mais esperto e mais bonito. Olhos azuis e pele rosada como a mãe. Os cabelos eram pretos e encaracolados como os do pai. Era uma figura extraordinária! O pai o amava demais e
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sabia que ele não promovia aquela cantata por vaidade. Queria dividir o seu Natal com as outras pessoas. Mariana, obviamente apoiava o filho e assim, a viagem ficou para outra oportunidade. A fazenda continuaria a promover e realizar a Cantata de Natal. E assim aconteceu nos próximos anos. O encontro virou uma tradição, atraindo pessoas de toda a região. Foram vários anos em que a véspera de Natal era a data máxima na fazenda. Mas agora acontecera o inesperado. Com 12 anos, Pedrinho adoeceu. A doença era grave. Ele sofria de leucemia. A princípio foram poucos sintomas. Depois a situação foi se agravando e ele passou a faltar às aulas. Mas à media em que os meses
passavam, cada vez mais debilitado, ele continuou a cobrar o pai, a realização da Cantata de Natal. O povo da região, como sabia que era ele quem pedia a realização do evento, passou a chamar a celebração como “Cantata Natalina do Pedrinho”. Quando Peixoto foi falar com Pedrinho sobre a possibilidade de cancelar a cantata naquele ano, porque ele estava muito doente, o garoto sorriu e disse. “Se o menino Jesus quiser que eu vá brincar com ele, eu vou. Se ele não quiser, eu fico aqui e a gente canta”. A situação ficou assim. Como o pai poderia discutir?
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No dia 24 de dezembro, às 16 horas, segundo sua própria concepção, Pedrinho foi brincar com o menino Jesus. A notícia correu de boca em boca, por telefone, por radio, por internet, por toda a Região. Tristeza geral. Pedrinho se fora e não haveria cantata. Mas nem por isso o povo deixou de ir à fazenda. Todos queriam prestar uma última homenagem ao menino. Ao cair da noite, eram luzes de veículos surgindo de todos os lados da fazenda. Colegas de escola, idosos que gostavam da cantata, integrantes do coral, empregados da fazenda, amigos e familiares do fazendeiro, curiosos. O corpo do menino, num
pequeno caixão, foi colocado em um rancho na frente da casa, onde todos pudessem vê-lo sem atropelos. O maestro Silveira estava em uma dúvida cruel. Tinha até vontade de fazer a cantata em homenagem ao menino. Mas como poderia pedir aos seus amigos que cantassem “Noite feliz”, em um momento como aquele? Às 20h., houve um grande silêncio porque ninguém sabia o que fazer, Então, todos ouviram, a princípio baixo, e depois mais alto, uma música natalina vinda do interior da residência. Peixoto e Mariana, que já haviam chorado muito pelo filho, começaram a acompanhar a música. O maestro deu sinal para os seus músicos e todos passaram a cantar.
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E assim, por quase duas horas, a multidão cantou em torno do corpo do menino. Quando acabou toda a comoção, as pessoas procuraram entender o que havia acontecido. Empregados da casa contaram então que a música inicial veio de um gravador, onde Pedrinho gravara a cantata do ano anterior. Mas juraram que ninguém havia apertado a tecla play. Só podia ser um milagre! Uma outra versão, apresentada posteriormente, pelos mais céticos, é que Pedrinho havia deixado uma programação no calendário de seu celular. Na noite certa, na hora certa, numa véspera de Natal, como um despertador, o aparelho tocou a música escolhida: “Noite feliz”. Ele não ia
perder uma cantata natalina que tinha sido preparada com tanto carinho durante o ano todo......
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